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Bestiário de

Aberdeen

O Bestiário de Aberdeen é um bestiário


manuscrito e iluminado preservado na
biblioteca da Universidade de Aberdeen
(MS 24). Foi realizado na Inglaterra em
torno do ano 1200 e é um dos mais
importantes exemplares de seu tipo.
Adão nomeia os animais

Origem dos bestiários


Os bestiários são textos descritivos de
todo tipo de seres, reais ou fabulosos,
acompanhados de comentários
moralizantes. Não eram livros científicos,
mas alegóricos, às vezes claramente
humorísticos e fantasiosos, e muito de
sua informação carece de toda base
factual. O gênero se estabeleceu na
Inglaterra no século XII a partir da
compilação de várias fontes antigas, das
quais uma das mais importantes é o
Fisiólogo. O propósito de sua elaboração
era estimular a imaginação com
paralelos entre o mundo real e o supra-
real, dando ilustrações para que a mente
pudesse compreender certa alusões
mais complexas.

O texto do Fisiólogo foi escrito no


século IV em grego, ao longo de mais de
40 capítulos cheios de descrições de
bestas, rochas e aves, usadas como
metáforas para o ensino da doutrina
cristã. Ele mesmo retirou seu material do
folclore de várias regiões e de textos
clássicos de Plínio, o Velho e Aristóteles.
Os sujeitos desta versão primitiva dos
bestiários pertencem em sua grande
maioria à área do Mediterrâneo, e a
fauna e a flora de países mais remotos
foi sendo acrescentada em compilações
posteriores, quando o gênero se
difundiu. Erros e inverdades por vezes se
perpetuaram por séculos antes de as
informações serem retificadas, já que
raramente os copistas conheciam de
primeira mão os seres a que se referiam.
A versão grega original não sobreviveu, e
o texto é conhecido em traduções latinas
e em versões gregas posteriores,
algumas sem ilustrações. O Fisiólogo
grego mais antigo com ilustrações que
se conhecia era o Códex de Esmirna, do
século IX, que foi perdido em um
incêndio em 1922, passando a um
exemplar de Milão do século XI a
precedência.
Representação fantasiosa de um tigre, bem distante de sua aparência real

Um sátiro

O Fisiólogo latino mais antigo com


ilustrações ainda existente (Berna 318)
data do século IX, com cenas e
paisagens sugestivas com belo uso da
cor e dos efeitos de luz. Apesar de sua
datação, seu estilo mostra que derivou
de um original bem mais antigo,
classicista. Ao passo que os textos têm
uma origem mais ou menos verificável, a
iconografia que os bestiários
apresentam tem sua fonte em tempos
imemoriais, e os seres descritos são
encontrados no folclore e na mitologia
de muitas culturas, embora o seu estilo
representacional tenha variado de
acordo com as correntes estilísticas de
cada época e local.

Não se sabe como o material do


Fisiólogo chegou à Inglaterra, onde
recebeu acréscimos em iconografia e
texto de outras fontes e originou no
século XII a tradição dos bestiários como
os conhecemos hoje, mas textos
similares são encontrados lá desde o
século X. O bispo Benedito trouxe do
continente no século VIII livros de
maravilhas pseudo-científicos como o
Codex cosmographorum mirandi operis, e
no século XI existia um Liber bestiarium
na Abadia de Peterborough, doado pelo
Bispo de Winchester em torno de 984. O
abade de Abington, Adeluoldo, esteve em
Fleury, na França, onde funcionava um
scriptorium que era um grande centro de
difusão da cultura clássica, e a influência
deste scriptorium se faz sentir na
Inglaterra no século X. Sabe-se que um
texto do Fisiólogo (o exemplar de Berna)
foi levado para Fleury na mesma época.
Tais aproximações, junto com algumas
outras, foram a fonte provável do
desenvolvimento dos bestiários ingleses,
cujo primeiro exemplar conhecido é do
século XII.

No século XII os bestiários começaram a


ser usados como ilustrações de
princípios teológicos expostos em
sermões, e São Elredo de Rievaulx, de
Yorkshire (abade entre 1147-67) e o
abade Gilberto de Swineshead (falecido
em 1172), no Lincolnshire, escreveram
muitos sermões baseados no Fisiólogo,
e noutras paróquias ocorria o mesmo.
O Bestiário de Aberdeen
A história conhecida do Bestiário de
Aberdeen inicia em 1542, quando ele
aparece no inventário da antiga
biblioteca real do Palácio de
Westminster, inscrito como No.518 Liber
de bestiarum natura, uma das obras
resgatadas na dissolução dos mosteiros
realizada por Henrique VIII. No
século XVII ele provavelmente foi dado a
Thomas Reid pelo bibliotecário da corte,
Patrick Young. Reid, por sua vez, o doou,
junto com outros 1 350 livos, à biblioteca
do Marischal College em torno de 1624.
Quando este acervo foi catalogado em
torno de 1670 por Thomas Gray o livro
possuía a marcação 2.B.XV Sc e havia
recebido o nome de Isidori phisiologia.
Apareceu em um novo catálogo da
biblioteca, de 1726, com novo número
MS M 72, e com o primeiro elenco das
mutilações que havia sofrido. Por fim o
Marischal College fundiu-se à
Universidade de Aberdeen em 1860,
passando a fazer parte da sua biblioteca.

A criação do manuscrito
Detalhe da imagem da fênix

Não se sabe quem foi o autor deste


bestiário, nem para quem se destinava.
Algumas pistas, porém, são encontradas
no estilo, na luxuosidade das ilustrações,
na escolha das imagens e em outros
indícios, que apontam provavelmente um
patrono eclesiástico muito rico. Uma
imagem de Cristo em Majestade, que não
tem texto correspondente, algumas
imagens de edifícios de uso religioso, a
presença de cruzes douradas, e a
raridade da presença da figura feminina,
têm mais apelo para monges do que
para nobres. Alguns outros manuscritos
com estilo semelhante (Morgan MS 81 e
Leningrado Qu.V 1) têm sua origem mais
clara e podem ter sido produzidos ao
mesmo tempo e para o mesmo tipo de
público: os monges do priorado de
Worksop, que os receberam de Filipe, o
Apóstolo, cônego da Catedral de Lincoln
em 1187.

Detalhe do leopardo
Detalhe da hiena

Especificamente no caso do Bestiário de


Aberdeen, sua similitude com estes
outros livros torna sua origem provável a
região de Lincoln/Iorque, e um patrono
possivelmente na pessoa de Gedofredo
Plantageneta, filho do rei, bispo de
Lincoln e arcebispo de Iorque, ou em
alguém de seu círculo. Autores como
Clark apontam uma procedência mais ao
sul, já que apesar da fama de Lincoln
como centro de cultura há poucas
evidências de uma produção de
manuscritos iluminados tão ricos e com
certas características decorativas
especiais como o Bestiário de Aberdeen,
indicando Cantuária como um local
também bastante possível de confecção.
Apesar das evidências, tudo o que se
pôde averiguar sobre sua autoria e
destino é circunstancial.

O estilo
O estilo geral do Bestiário de Aberdeen é
altamente requintado e seguro. A
caligrafia é muito regular e clara. As
figuras são desenhadas contra um fundo
de ouro, as cores são vívidas e os
contornos são realçados em tons
escuros, com grande efeito plástico.
Grandes áreas são deixadas em branco,
o que enfatiza visualmente tanto texto
como imagens, com atraente efeito de
conjunto. Há uma variação nos detalhes
que sugere uma autoria coletiva, ou pelo
menos de um mestre e um aprendiz, já
que em certas partes das ilustrações a
qualidade é ligeiramente inferior, como
no caso quando um artista hábil delineia
a composição geral e deixa a um aluno o
preenchimento das cores e elaboração
de detalhes menores, mas de novo neste
terreno tudo é hipótese.

O estado do manuscrito mostra que ele


não foi completado de uma só vez. O
trabalho do século XII se interrompe no
fólio 94 recto, e as páginas restantes
foram preenchidas com menor
habilidade cerca de cem anos depois,
deixando muitas marcações que
deveriam ter sido apagadas se ele
tivesse sido finalizado adequadamente.
Alguns fólios finais possuem um
tamanho diferente e um corte menos
exato. Existe uma marcação com letras
do alfabeto para indicar a ordem de
encadernação, mas há lacunas na
sequência.

O monoceros
Um fragmento do texto é transcrito
abaixo falando do monoceros (o
unicórnio), a título de ilustração do tipo
de descrição comum nos bestiários,
geralmente fantástica e pouco precisa:

" O monoceros é um monstro que


produz um horrível mugido, tem o
corpo de um cavalo, os pés de um
elefante e uma cauda parecida à do
cervo. Um chifre magnífico,
maravilhoso, se projeta do meio de
sua testa, com quatro pés de
comprimento, e tão afiado que
perfura o que quer que golpeie.
Jamais um monoceros foi capturado
por homem, e mesmo que possa ser
morto, jamais pode ser preso".

O objetivo moralizante dos bestiários é


expresso claramente no texto dos fólios
34-35, por exemplo, tratando do pelicano:

"Eu sou como o pelicano no deserto


(Salmos, 102:6). O pelicano é uma
ave do Egito, que vive nos ermos do
rio Nilo, de onde vem o seu nome.
Pois no Egito ele é chamado de
Canopos.
"Ele é devotado às suas crias.
Quando elas nascem e começam a
crescer, bicam seus pais na face.
Mas seus pais as bicam de volta, e as
matam. No terceiro dia, contudo, a
mãe pelicano, com um golpe em seu
flanco, abre o seu lado e se deita
sobre seus filhotes, e deixa que o
sangue corra sobre os corpos dos
mortos, e assim os ressuscita dos
mortos.
"Em um sentido místico, o pelicano
significa o Cristo; o Egito, o mundo. O
pelicano vive na solidão, assim como
Cristo condescendeu em nascer de
uma virgem sem o intercurso de um
homem. Ele é solitário, pois está livre
do pecado, e da mesma forma é a
vida do Cristo. Ele mata seus filhos
com seu bico quando prega a palavra
de Deus e converte os incrédulos. Ele
chora sem cessar por seus filhotes,
do mesmo modo que Cristo chorou
de piedade ao levantar Lázaro. Assim,
depois de três dias, ele ressuscita
seus filhos com seu sangue, do
mesmo modo que Cristo salva a nós,
a quem remiu com seu próprio
sangue"'…

Ver também
Bestiário
Manuscrito
Iluminura

Referências
The Aberdeen Bestiary project (http://
www.abdn.ac.uk/bestiary/)
Obtida de "https://pt.wikipedia.org/w/index.php?
title=Bestiário_de_Aberdeen&oldid=57349900"

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15h23min de 4 de fevereiro de 2020. •
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