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Apocalipse do

Lorvão
iluminura

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O Apocalipse do Lorvão é um
manuscrito iluminado [1] datado de 1189,
no início do reinado de D. Sancho I,
segundo rei de Portugal. Possivelmente
uma obra do scriptorium do Mosteiro do
Lorvão, próximo de Coimbra, mosteiro a
que o manuscrito pertenceu durante a
Idade Média, é uma das raras obras do
género sobreviventes da Idade Média
portuguesa. É considerado um dos
primeiros e mais sumptuosos
manuscritos iluminados do jovem reino
de Portugal.

Apocalipse do Lorvão: a abertura do sexto selo: "E vi quando abriu o sexto selo, e houve um grande terramoto; e o Sol
tornou-se negro como saco de cilício, e a Lua toda tornou-se como sangue" (Apocalipse 6:12). O elemento
iconográfico do cavaleiro não tem qualquer paralelo nesta representação temática no universo dos Beatos. (fl 115r)

O Apocalipse do Lorvão é um comentário


ao Livro do Apocalipse, o último livro do
Novo Testamento, que contém as
revelações recebidas pelo Apóstolo S.
João, o Evangelista quando este se
encontrava na ilha de Patmos. A obra é
uma cópia de um dos vários códices
então existentes do Commentarium in
Apocalypsin do chamado Beato de
Liébana, do século VIII, e insere-se assim
no universo dos chamados Beatos. O
escriba do Apocalipse do Lorvão,
identificado como Egeas, foi
possivelmente também o iluminador da
obra.

O Apocalipse do Lorvão encontra-se hoje


em Lisboa, no arquivo nacional da Torre
do Tombo (Ordem de Cister, Mosteiro de
Lorvão, Códice 44). O Mosteiro do
Lorvão passara a ser um convento
feminino ainda no século XIII. A extinção
das Ordens Religiosas em Portugal em
1834, depois das guerras liberais,
extinguiu inicialmente apenas os
conventos masculinos. No entanto, com
autorização das religiosas, o Apocalipse
foi retirado do Mosteiro do Lorvão em
1853 e depositado na Torre do Tombo
por Alexandre Herculano.
Os Beatos: os códices mais
antigos

O códice do Apocalipse do Lorvão

O Commentarium in Apocalypsin original


fora escrito cerca de 776-786 pelo Beato
de Liébana, um monje na comarca de
Liébana, na Cantábria (Espanha), numa
era em que as profecias Bíblicas sobre o
fim do Mundo e o Livro do Apocalipse
eram alvo de crescente interesse devido
à recente invasão muçulmana da
Península Ibérica e subsequente
conquista de grande parte do território
pelos mouros. O Apocalipse de Lorvão
(em espanhol Beato de Lorvao) pertence
assim a uma família de códices, ditos
Beatos, cujos exemplares mais antigos,
todos eles com diferenças entre si, são
vários séculos anteriores ao de Lorvão. O
Beato original entretanto perdeu-se, não
se sabendo ao certo qual teria sido o
exemplar copiado por Egeas.

Dos 31 códices ou fragmentos hoje


conhecidos do Commentarium in
Apocalypsin, ou Beatos, existem, para
além de um fragmento dito de Nájera do
século IX no tesouro da abadia de Santo
Domingo de Silos, oito códices ainda do
século X:

Beato de Tábara. Catedral de Girona


Beato de La Rioja. Catedral de La Seu
d'Urgell.
Beato de Valcavado. Biblioteca da
Universidade de Valladolid, Ms 433
(ex-Ms. 390)
Beato de San Millán. Real Biblioteca de
San Lorenzo, El Escorial, Ms. y II. 5.
Beato de San Millán de Cogolla. Madrid,
Biblioteca da Real Academia de la
Historia, Ms. 33
Beato de San Salvador de Tábara.
Madrid, Archivo Histórico Nacional,
Ms. 1097B
Outro Beato dito de San Millán. Madrid,
Biblioteca Nacional, Ms. Vit. 14.1.
Beato de San Miguel de Escalada. Nova
Iorque, J. Pierpoint Morgan Library, Ms.
644
Outros códices e
comparações

O Mistério das Sete Estrelas (fl. 17r)

Para além dos supra mencionados,


existem, entre outros, os seguintes
códices do século XI:

Beato de Fernando I y doña Sancha.


Madrid, Biblioteca Nacional, Ms. Vit.
14.2.
Beato de Saint-Sever. Paris,
Bibliothèque Nationale de France, Ms.
Lat. 8878
Beato de Santo Domingo de Silos.
Londres, British Library, Ms. Add.
11695

Os nomes aqui referidos são, na sua


maioria, os que denotam o lugar onde os
códices foram feitos. Por vezes os
mesmos códices são chamados pelo
lugar onde hoje se encontram, pelo nome
do iluminador, ou o nome de quem o
encomendou.
Todos estes diversos Beatos existentes
exibem diferenças entre si, e encontram-
se divididos em dois ramos, ou famílias,
denominados I e II, sendo o primeiro
considerado mais próximo do original
entretanto perdido. O Apocalipse do
Lorvão, não obstante ser do final do
século XII, pertence a esse primeiro
ramo, e tem sido comparado, do ponto
de vista iconográfico, ao Beato del Burgo
de Osma (Ramo I) e ao Beato de La Rioja
(Ramo II).

Comparações entre o Apocalipse do


Lorvão e outros códices portugueses do
século XII parecem reforçar a tese de
que o Beato português teria sido
executado no Mosteiro do Lorvão.
Durante o governo do abade João (1162-
1192), o scriptorium do mosteiro
produziu várias outras obras que
sobreviveram até hoje, entre elas o Livro
das Aves, de 1184. Semelhanças entre o
Livro das Aves - também ele uma cópia
de um manuscrito estrangeiro, mas
comprovadamente executado no
mosteiro do Lorvão - e o Apocalipse do
Lorvão de 1189 parecem indicar que
ambos são originários do mesmo
scriptorium.[2]

Em geral, as cores nas iluminuras


limitam-se a preencher os fundos da
composição, onde é dada primazia ao
desenho. O fenómeno é também nítido
no Livro das Aves e, segundo Peter K.
Klein, seria uma "tendencia específica del
scriptorium de Lorvão."[3]

Características
Todos os vários exemplares do
Commentarium in Apocalypsin têm
dimensões diferentes, assim como o
número de páginas e de ilustrações
nunca é igual. O Beato existente em
Nova Iorque, por exemplo, mede
aproximadamente 360 x 280 mm e
contém 89 ilustrações, da autoria do
pintor Magius; o da catedral de Girona,
escrito cerca de uma dúzia de anos mais
tarde, mede cerca de 400 x 260 mm e
contém 160 ilustrações, da autoria de
Emeritus, aluno de Magius, e da pintora
Ende. Do mesmo modo diferem as
características estilísticas.

O Apocalipse de Lorvão possui 221


fólios em pergaminho, com as
dimensões 345 x 245 mm. O texto
apresenta-se regrado, com 29 linhas a
duas colunas. A obra distingue-se pelo
uso de uma paleta de cores limitada,
para além do negro, ao amarelo, laranja e
vermelho, e ilustrações românicas com
influências bizantinas. O texto é em
latim, e emprega a escrita gótica da era.
As iluminuras foram pintadas com tintas
obtidas misturando uma cola proteica
(cola de pergaminho) com vários
pigmentos, previamente moídos e logo
misturados com a cola de pergaminho,
obtendo-se assim uma tinta aplicável a
pincel. Devido à escolha de cores na
obra, apenas quatro pigmentos foram
utilizados: o mineral auripigmento
(amarelo), e os pigmentos sintéticos
vermelho de chumbo (laranja),
vermelhão (vermelho), e negro de carvão.
Os contornos foram feitos a tinta
ferrogálica. Os pigmentos históricos
utilizados na elaboração no Apocalipse
do Lorvão são altamente tóxicos.[4]
Lista de ilustrações

Mensagem a Éfeso (fl 49r)


Visão do Cordeiro e dos Quatro Seres (fl 90r)

Os Quatro Cavaleiros (fl 108v)

Revelação de Jesus Cristo (fl 12v)


A Segunda Vinda de Jesus Cristo (fl
14v)
O Mistério das Sete Estrelas (fl 17r)
Mapa-Mundi (fl 33a)
A Mulher sobre a Besta (fl 43r)
Mensagem a Éfeso (fl 49r)
Mensagem a Esmirna (fl 54r)
Mensagem a Pérgamo (fl 59r)
Mensagem a Tiatira (fl 64r)
Mensagem a Sardes (fl 68v)
Mensagem a Filadélfia (fl 73r)
Mensagem a Laodiceia (fl 80r)
Visão do Trono de Deus (fl 86r)
Visão do Cordeiro e dos Quatro Seres
(fl 90r)
Os Quatro Cavaleiros (fl. 108v)
As Almas debaixo do Altar (fl 112r)
Abertura do Sexto Selo (fl 115r)
Quatro Anjos seguram os Ventos (fl
118r)
Os Eleitos do Senhor (fl 119v)
Adoração do Cordeiro de Cristo (fl
120r)
O Silêncio no Céu (fl 134r)
Os Sete Anjos Tocam as Trombetas (fl
135r)
Os Quatro Primeiros Anjos Tocam as
Trombetas (fl 136r-139r)
A Quinta Trombeta (fl 140v)
A História dos Gafanhotos (fl 142r)
A Sexta Trombeta (fl 143r)
Os Cavalos com Cabeças de Leões (fl
144r)
A Medição do Novo Templo (fl 146r)
As Duas Testemunhas (fl 148v, fl 149v
& fl 150v)
A Sétima Trombeta (fl 152r)
A Mulher no Sol e o Dragão (fl 153v)
A Besta do Mar e a Besta da Terra (fl
158r & fl 161r)
A Sabedoria (fl 167r & fl 167v)
O Cordeiro no Monte Sinai (fl 169r)
Os Três Anjos (fl 171r)
Ceifa e Vindima (fl 172v)
Sete Anjos com as Sete Últimas
Pragas (fl 175r & fl 176r)
Seis Anjos Derramam as suas Taças (fl
177r & fl 181v)
Os Espíritos Imundos (fl 182r)
O Sétimo Anjo Derramou a sua Taça
pelo Ar (fl 182v)
O Julgamento da Grande Meretriz (fl
185v & fl 186v)
A Vitória do Cordeiro (fl 191r)
A Queda de Babilónia (fl 193r)
Um Anjo Forte (fl 195r)
Glorificação de Deus (fl 196v)
O Exército do Céu (fl 198r)
O Anjo sobre o Sol (fl 199r)
Da Besta e dos Reis (fl 200r)
Satanás Amarrado por Mil Anos (fl
201r)
As Almas dos Mártires (fl 202v)
Satanás Solto da Prisão (fl 203v)
O Diabo e o Falso Profeta no Fogo (fl.
206r)
O Juízo Final (fl 207r)
A Nova Jerusalém (Jerusalém Celeste)
(fl 209v)
A Água e a Árvore da Vida (fl 210r)
A Despedida de João (fl 217r)
João Regressa a Éfeso (fl 217v)

Edição fac-simile e estudos

O Quarto Anjo Tocou a sua Trombeta (fl 139r do códice original)


O Apocalipse do Lorvão foi publicado em
2003 como fac-simile, com
encadernação a imitar a original e
tiragem limitada a 999 exemplares
numerados, pela editora espanhola
Patrimonio, de Valencia, especializada
em edições fac-simile de luxo.
Juntamente com a edição fac-simile foi
publicado um estudo sobre a obra da
autoria de Peter K. Klein, da universidade
de Tübingen, que tem dedicado grande
parte da sua investigação ao estudo dos
Beatos (ver bibliografia). A editora, para
além do Apocalipse do Lorvão, já
publicou dois outros Beatos existentes: o
já mencionado Beato de Saint-Sever, em
Paris, e um Beato na John Rylands
Library em Manchester (Ms. Lat. 8).

Enquanto a editora Patrimonio considera


o códice de Manchester o mais
sumptuoso de todos os existentes no
que diz respeito à riqueza das
ilustrações, opina que o Apocalipse do
Lorvão é

El códice más completo de los


manuscritos que pertenecen a
la más antigua tradición
pictórica de los Beatos
(Familia 1). Muchas de sus
ilustraciones constituyen el
único testimonio que ha
sobrevivido de esta original
tradición. Utiliza un estilo
lineal y una gran abstracción,
exhibiendo una iconografía
que se basa en modelos muy
próximos al manuscrito
original del Beato.

A mesma editora considera ainda a


encadernação do códice de Lorvão "la
mas hermosa" de todos os códices do
Beato.

Para além destes, também a editora M.


Moleiro, de Barcelona, publicou até hoje
cinco Beatos como fac-similes, entre
eles o já mencionado Beato de Fernando I
y doña Sancha. Fotografias de fólios de
todos estes Beatos podem ser vistas nos
sites na internet das respectivas editoras
(ver ligações externas).

Versão digitalizada
O Arquivo Nacional da Torre do Tombo,
no seu site na internet, disponibiliza
gratuitamente fotografias digitalizadas
de todos os fólios do Apocalipse do
Lorvão, em formato JPEG ou TIFF. Existe
ainda uma cópia microfilmada (mf. 230).
A Ceifa e Vindima

Ceifa e Vindima (fl 172v). Note-se o duplo disco na figura de Cristo.

Segundo consta no site do arquivo


nacional de Portugal na internet, a talvez
melhor ilustração do Apocalipse do
Lorvão é a que ilustra a Ceifa e Vindima
(Livro do Apocalipse 14:14-20). Sobre
esta ilustração do códice, a Torre do
Tombo escreve no seu site que ela
representa Cristo, o juiz, com
a coroa da vitória que, de
foice em punho, se prepara
para ceifar a seara seca, seca
porque envenenada pelo
pecado, árida e estéril, boa
para alimentar o fogo. Nas
Escrituras, o Juízo de Deus é
comparado à ceifa e à
vindima. A ceifa é o símbolo
da destruição total da
humanidade desobediente a
Deus, cortada pela foice da
sua justiça. Um anjo aparece
com uma foice, ou podoa, na
mão, e corta das latadas os
cachos também eles
envenenados pela rebeldia
humana e lança-os no lagar
da ira de Deus, onde são
pisados e espremidos.

Esta ilustração retrata a vida


da sua época (a de D. Afonso
Henriques): as alfaias
agrícolas (podoas, foices,
cestos de vime); os trajos dos
vindimadores e do ceifeiro,
Cristo, de largo chapéu de
palha; a disposição das
videiras (em latada, escoradas
de onde a onde; o processo de
lagaragem). Igualmente tem
interesse para o estudo da
arquitectura (vejam-se as 7
arcadas românicas do 2º
plano), e para o estudo das
tintas e pigmentos utilizados.

Esta ilustração mostra ainda um


elemento iconográfico apenas existente
nos Beatos do Ramo II, o duplo disco na
figura de Cristo. Elementos existentes no
Apocalipse do Lorvão e apenas visíveis
em certos outros Beatos do Ramo II
podem assim estabelecer uma ligação
com esse ramo, pressupondo a
existência de uma versão original
comum aos dois ramos.
Reconhecimento
O manuscrito Apocalipse de Lorvão,
juntamente com o Apocalipse de
Alcobaça, foi inscrito em outubro de
2015 como registo da Memória do
Mundo pela Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura (Unesco).[5]

Ver também
Livro das Aves
Bíblia de Cervera
Livro de Horas de D. Duarte
Bíblia dos Jerónimos
Livro do Apocalipse
Sete igrejas do Apocalipse
Paleografia

Notas
1. Serrão, Joel. «Apocalipse de Lorvão».
Dicionário de História de Portugal. 1.
Porto: Livraria Figueirinhas e
Iniciativas Editoriais. p. 164.
3500 páginas
2. CORDONNIER, Rémy: Des
interactions entre scriptoria
Portugais..., p. 277
3. KLEIN, Peter K.: Beato de Liébana...,
p. 147
4. MELO, Maria João, MIRANDA, Maria
Adelaide, Ana Lemos et al.: "The
colour of medieval Portuguese
illumination..."
5. «Dois manuscritos medievais
portugueses entram para a Memória
do Mundo da UNESCO» (http://www.
publico.pt/culturaipsilon/noticia/dois
-manuscritos-medievais-portugueses
-entram-para-a-memoria-do-mundo-d
a-unesco-1711249)

Bibliografia
CORDONNIER, Rémy: "Des interactions
entre scriptoria Portugais aux XIIe
siècle". Revista de História de Arte,
Série W, N.º 1, 2011, pp. 272–283
KLEIN, Peter K.: Beato de Liébana. La
ilustración de los manuscritos de Beato
y el apocalípsis de Lorvão. Valencia,
Patrimonio (2004)
LEMOS, Ana: "Klein, Peter K.: Beato de
Liébana. La ilustración de los
manuscritos de Beato y el apocalípsis
de Lorvão". Revista da História da Arte
N.º 4, 2007, pp. 323–328 (Recenção
Crítica)
MELO, Maria João, MIRANDA, Maria
Adelaide (Coordinators), Ana Lemos et
al.: "The colour of medieval
Portuguese illumination: an
interdisciplinary approach". Revista de
História de Arte, Série W, N.º 1, 2011,
pp. 153–173

Ligações externas
O Apocalipse do Lorvão na Torre do
Tombo (https://digitarq.arquivos.pt/de
tails?id=4381091/)
Site da editora Patrimonio (http://www.
patrimonio-ediciones.com/)
Site da editora M. Moleiro (http://www.
moleiro.com/)

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title=Apocalipse_do_Lorvão&oldid=65378620"
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