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Professor Orientador Dr Flávio Villaça

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São Paulo, dezembro de 1994 sp y

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À Mayume Watanabe Souza Lima


in memoriam

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A Flávio Villaça, pela orientação e apoio
à realização deste doutorado.
À FAPESP e ao CNPq, pelo apoio finan­
ceiro à realização de parte da pesquisa.
A Gabriel Bolaffi, pela orientação na
primeira parte da pesquisa. A Carlos
Lemos, Cánido Malta, Marta Dora e
Wilson Jorge, pelas contribuições apre­
sentadas nos exames de qualificação. Ao
Carlos, Mancha e Cibele, pela sugestão
de abordagens teóricas e empíricas. A Ál­
varo Escrivão e Pedro Dimitrov, pelas su­
gestões na área da saúde pública. A Mar­
ta Farah e Lúcio Kovvarick, pela consulta
a seus arquivos de pesquisa. A Célia Sou­
za, pelo material do conjunto Passo
d’Areia de Porto Alegre. Ao Janjão, pelo
material relativo aos conjuntos do IAPI
de São Paulo. Aos arquitetos Carlos Fre­
derico Ferreira e Eduardo Kneese de Me­
lo ( in memoriam) e ao Prof. Dr Oracy
Nogueira, pelas entrevistas. Â Bei, pela
montagem dos desenhos e revisão final.
Aos professores do SAP/EESC, pelo de­
bate intelectual e apoio necessário. A
Júlio Wainer, Maria Cláudia de Oliveira,
Eulália Portela, Maira de Carvalho,
Maurício e Alexandre, pelo auxílio nas
várias partes da pesquisa. À Rossella,
pela montagem da bibliografia e tabelas.
Ao Paulão, ao Mario Souza Lima e ao
Sininho, pelo apoio na informática. A
Wilson Italiano, pelo levantamento do
material do IAPI no Rio de Janeiro. A
André Stolarski, pelo projeto gráfico, edi­
ção eletrónica e paciência. Â Nina, pela
revisão dos originais. Aos funcionários
do SAP/EESC, pelo apoio adminis­
trativo. A todas as funcionarias das
bibliotecas e arquivos pesquisados, pela
atenção. Aos moradores dos conjuntos
pesquisados, pelas informações e pelo
acesso às suas moradias.
Ao Manuel e à Inês pela compreensão e
carinho. ■
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ORIGENS DA HABITAÇÃO SOCIAL NO BRASIL (1930/1954)


A tese aborda as origens da intervenção do Estado na questão habitacional e suas repercussões
nas transformações das formas de provisão de moradia no país. Detendo-se sobretudo no período
de 1930/1954, aprofunda o estudo das medidas tomadas por Getúlio Vargas que tiveram forte
repercussão nas formas de provisão de habitação, como a Lei do Inquilinato (1942), que
congelou os aluguéis, e a criação das Carteiras Prediais dos InstitutosHé Aposentadoria e Pensões
(19 38) c da Fundação da Casa Popular (1946), que deram início à produção e financiamento
estatal da habitação no Brasil.
Neste sentido, é dado particular destaque à situação habitacional em São Paulo, onde a
intervenção estatal, num quadro conjuntural mercado pela acelerada urbanização e intenso
crescimento industrial, gerou grave crise de moradias, principalmente na segunda metade da
década de 40. Em consequência, proliferaram soluções habitacionais promovidas pelos próprios
trabalhadores, como a casa autoempreendida nas favelas e, sobretudo, nos loteamentos
periféricos.
A tese mostra como a intervenção do Estado na questão habitacional foi coerente com a
estratégia governamental de estimular a industrialização do país, transferindo da iniciativa
privada para o poder público e, principalmente, para o próprio trabalhador o ônus da provisão
de moradias, indispensável na viabilização do acelerado processo de industrialização do país a
partir dos anos 40.

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FEDERAL SOCIAL HOUSING IN BRAZIL: THE EARLY YEARS (1930/1954)


This paper deals with the beginnings of State action on housing and urban issues in Brazil and the
changes in housing provision resulting from said action. Focus is given to the years 1930/1954 and
the impact measures taken by President Getulio Vargas, such as The Rent Act (1942), whichfroze rent
prices, and the establishment of housing loan departaments at workers’ retirement andpension agen­
cies (1938), and The Popular House Foundation (1946). Such actions led to startup of direct housing
construction andfinancing by the brazilian govemment.
Another important aspect dealt with in this paper is the housing situation in São Paulo where fast
urbanization and high industrial growth rates gave rise to a serious housing unit shortage, especially
from the middle 40’s on. Thisdiscussion alsoincludes housingSolutionsfoundby low-income workers,
such as building their own dwellings in slums (“favelas") or in primitive private settlements lacking
sanitary infrastructure in the city's outskirts.
This paper also shows how State action was coherent with the strategy planned by the government to
foster the country’s industrialization in the 40’s whereby housing provisionfor low-inqome population
segments was transferred from private enterprise to the Public Administration, and to the workers
themselves.
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APRESENTAÇÃO 11

CAPÍTULO 1 A PRODUÇÃO RENTISTA DE HABITAÇÃO E O AUTORITARISMO


DA ORDEM SANITÁRIA ....................................................................... 17
1.1 A constituição do problema da habitação popular em São Paulo 18
1.2 Primórdios da intervenção do Estado na questão da habitação: o autoritarismo da ordem
sanitária 29
1.3 A produção rentista e as formas da moradia dos trabalhadores até os anos 30 45
CAPÍTULO 2 O DEBATE SOBRE HABITAÇÃO NOS ANOS 40:
DA INTERVENÇÃO DO ESTADO À CASA PRÓPRIA 67
2.1 Da provisão rentista da moradia à intervenção do Estado 73
2.2 A opção pela casa própria individual 78
CAPÍTULO 3 A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA REGULAMENTAÇÃO DO MERCADO DE
LOCAÇÃO: LEI DO INQUILINATO E CRISE DE HABITAÇÃO NA DÉCADA DE 40 93
3.1 Do código civil à regulamentação do mercado de locação: as restrições ao direito de
propriedade 96
3 2 O significado do congelamento dos aluguéis no período do populismo e do
nacional-desenvolvimentismo 105
3.3 A crise de habitação dos anos 40 133

CAPÍTl LO 4 ORIGENS DA PRODUÇÃO E DO FINANCIAMENTO ESTATAL DA HABITAÇÃO 161


4.1 A difícil construção de uma política de habitação social 164
4.2 Antecedentes: Estado ausente da produção habitacional antes de 30 167
4.3 /\ criação das carteiras prediais dos lAPs: o nascimento da habitação social no Brasil 169
4.4 Fundação da Casa Popular: a frustrada tentativa de construção de uma
política habitacional nos anos 40 185
4.5 O Resultado da produção de habitação social dos lAPs e da FCP 198

CAPÍTULO 5 HABITAÇÃO SOCIAL E ARQUITETURA MODERNA: A EXPRESSÃO


DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS DOS IAPS................................ 209
5.1 Do segundo CIAM à origem dos conjuntos habitacionais no Brasil 213
5.2 Forma e compromisso na arquitetura de habitação social no Brasil 215
5.3 Arquitetura moderna e habitação social 221
5.4 Concepção técnica e estrutura institucional presentes na produção habitacional dos lAPs 224
5.5 Arquitetura moderna e os conjuntos habitacionais dos lAPs 235

CAPÍTULO 6 A HABITAÇÃO POR CONTA DO TRABALHADOR: EMERGÊNCIA DO


AUTOEMPREENDIMENTO DA MORADIA POPULAR.... 257
6.1 A formação dos loteamentos periféricos como investimento 262
6.2 A não-intervenção do poder público na periferia: o avesso do Estado Novo 269
6.3 Crise de transportes e a precariedade da periferia 274
6.4 O reconhecimento da periferia: habitação social como conquista da luta popular 280
6.5 O autoempreendimento da casa própria, da casa de aluguel, da casa cedida 287
6.6 A importância da casa própria para o trabalhador 293
6.7 A Habitação por conta do trabalhador 300

—-* CONCLUSÃO 303

BIBLIOGRAFIA 311

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Nova Friburgo, Rio de Janeiro, novembro de 1994.

Depois de passar por duas barreiras televisivas montadas pelo exército em torno do Rio de
Janeiro, para evitar a fuga dos traficantes das favelas cariocas, chegamos, debaixo de um sol
tórrido de quase verão, ao nosso destino.

AU, na tranquilidade de um sítio na serra, logo apareceu o homem que buscávamos. Surpreso
por verificar que realmente tínhamos lá chegado, perguntou interessado: "como é que vocês
me descobriram aqui?"

Nesse momento, na frente de Carlos Frederico Ferreira, de 88 anos, o arquiteto do Realengo,


primeiro conjunto habitacional de expressão construído no Brasil, ficou claro que aquilo não
teria mais fim: era necessário concluir, nem que fosse temporariamente, esta pesquisa sobre as
origens da habitação social no Brasil.

Busquei então construir um fio condutor que alinhavasse os tão diferenciados aspectos
que, ao longo de tantos anos, de forma descontínua mas sempre apaixonada, havia pesquisado
em arquivos, bibliotecas, documentos velhos, jornais, ouvido de velhos moradores, técnicos e
burocratas e observado num fragmentado território de uma cidade que se desconstruiu num
período tão curto.

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No início, a questão colocada era bastante

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7 objetiva: tentar identificar os fatores que
geraram o chamado padrão periférico de
da Lei do Inquilinato, que afinal foi estabelecida
pelo Estado Novo aparentemente para garantir
melhores condições habitacionais aos
crescimento urbano em São Paulo, modelo que trabalhadores, sem aprofundar uma pesquisa e
i viabilizou a solução habitacional baseada no reflexão sobre as primeiras iniciativas tomadas
trinômio loteamento periférico-casa própria- por este governo no sentido de construir e
autoconstrução. Minha curiosidade inicial era financiar a construção de moradias para os
descobrir como, quando e porquê se processou trabalhadores assalariados através dos Institutos
■■ a brutal transformação das condições de de Aposentadoria e Pensões? Como estes
moradia da classe trabalhadora que, nesta processos poderiam estar relacionados com a
cidade, até meados do século, se abrigava em expansão periférica que ocorria em São Paulo e
casas de aluguel produzidas em série ou pelo o crescimento das favelas no Rio de Janeiro?
i menos de forma mercantil por investidores
privados, geralmente situadas na zona Era muito difícil estudar as transformações
•• ‘ urbanizada do município, e que passou a viver que ocorreram na provisão de moradias sem
i 51 na periferia, construindo ela própria suas casas conhecer de modo um pouco mais aprofundado
e um novo modo de vida, que tão bem eu tanto a produção rentista nas primeiras décadas
conhecia. do século, como o processo de expansão
periférico e as realizações públicas que lhes eram
Logo nos primeiros estudos, ganhou destaque contemporâneas. A pesquisa, então, foi
a importância da Lei do Inquilinato neste ganhando os contornos de uma história da
1 processo. O congelamento dos aluguéis, habitação dos trabalhadores em São Paulo, na
determinado em 1942 por este regulamento, primeira metade do século.
r. *’ teria desestimulado a produção de moradia para
locação e com isto levado os trabalhadores a À medida que o trabalho se desenvolvia,
buscar os loteamentos de periferia, que até então entretanto, foram ficando mais claras as
estavam desocupados. limitações de uma pesquisa com estas
características e as lacunas existentes nas
A explicação parecia boa e, logo, foi possível investigações existentes sobre o tema: pude,
estruturar um raciocínio talvez simplista, mas assim, precisar melhor o objeto desta tese: trata-
*: coerente com uma análise mais geral do se não simplesmente de detectar as origens do
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processo de acumulação de capital na economia padrão periférico, como inicialmente pretendia,
brasileira: o objetivo do governo era realmente ou de construir uma história da habitação popu­
í;Í permitir a criação de uma solução habitacional
de baixo custo na periferia, visto ser ela
lar em São Paulo, de difícil exeqúibilidade num_
l~~ doutorado, mas de identificar as origens da
conveniente para o modelo de capitalismo que transformação do problema habitacional numa
se implantou no país a partir de 1930, por questão social, ou seja, num setor de
manter baixos os custos de reprodução da força intervenção estatal. —
de trabalho.
Ao situar desta forma o objeto do trabalho,

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Mas quanto mais se aprofundava a pesquisa, pude relacionar processos que, no meu ponto de
tentando identificar os fatores que levaram vista, não tiveram, diretamente, nada a ver um
Vargas e os governos seguintes a manter um com o outro. Embora a instituição da Lei do
Inquilinato (1942) e do Decreto-Lei 58/1938 e
H- cada mais injustificável congelamento de
aluguéis, mais surgiam aspectos que não a criação das Carteiras Prediais do lAPs (1938)
poderiam deixar de ser abordados. Teriam o ou da Fundação da Casa Popular-FCP (1946)
governo Vargas e seguintes buscado estruturar tenham sido medidas tomadas pelo mesmo
uma política habitacional? Seria possível tratar governo, nada indica que elas foram adotadas

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como parte de um política deliberada e público, é essencial para que se entenda como
planejada, algo como uma política habitacional um governo de caráter conservador, que
para o país. Foram estabelecidas com suas perseguia os comunistas, possa tomar uma
lógicas próprias, em ministérios diferentes, com medida radical de suspensão da propriedade
objetivos específicos e a partir de diversas privada, como foi a Lei do Inquilinato.
perspcctivas ideológicas, económicas ou sociais
presentes no Estado Novo. No entanto, sua A tese busca mostrar os vários interesses
adoção tem um ponto em comum: o envolvidos na questão e que são muito mais
reconhecimento de que a provisão habitacional amplos do que os de seus agentes a ela
era uma responsabilidade do Estado e que exigia diretamente ligados. Neste sentido, cada uma
sua intervenção para ser equacionada de forma das intervenções realizadas pelo Estado Novo
adequada. Enfim era uma questão social. tem uma lógica própria e atores específicos, que
são tratados nos capítulos em que cada um dos
Neste sentido, utilizamos o termo habitação temas é desenvolvido. Assim, no capítulo^,
social não apenas no sentido corrente, ou seja, analisa-se a Lei do Inquilinato, os agentes
habitação produzida e financiada por órgãos envolvidos e suas consequências na produção
estatais destinada ã população de baixa renda, rentista e da formação de novas alternativas de
mas num sentido mais amplo, que inclui moradia, como as favelas e o autoempre-
também a regulamentação estatal da locação endimento da casa própria na periferia. No
habit acional e incorporação, como um problema capítulo 4, estudam-se as origens da produção e
do Estado, da falta de infraestrutura-urbana do financiamento estatal da habitação através
gerada pelo loteamento privado de periferia. dos lAPs e da FCP. Nestes dois capítulos, embora
as referências sejam principalmente de São
Na verdade, estas três facetas da intervenção Paulo, a análise é válida para o país como um
estatal no problema habitacional que se todo, na medida em‘que são intervenções do
desenvolvem a partir de Vargas - a produção governo federal de abrangência nacional.
direta ou financiamento de moradias, a
regulamentação do mercado de locações e a Neste aspecto reside um dos problemas
complementação urbana da periferia - empíricos do trabalho. Embora a maior parte das
representam uma clara interferência do poder intervenções analisadas seja de caráter
público num setor que até então era produzido e nacional, o objeto empírico do estudo situa-se
comercializado pela iniciativa privada, com basicamente em São Paulo, onde a realidade
restrições apenas de ordem sanitária. O urbana específica determina situações
enquadramento deste problema como uma particulares nem sempre generalizáveis, como
questão social foi fundamental para justificar as que são tratadas no capítulo 6, ao se estudar
essa intervenção junto à sociedade e aos vários o padrão periférico. Neste caso, a especificidade
segmentos e agentes envolvidos na sua permitiu realizar uma análise da comple-
produção, comercialização e controle, assim mentação urbana nos loteamentos de periferia
como perante a ordem jurídica estabelecida. Não como um aspecto da incorporação da habitação
se pode entender, portanto, esta ação sem como uma questão social, no âmbito de um
perceber que se processa nas décadas de 30 a 50 clima político próprio do populismo paulistano.
uma intensa problematização do tema da Evidentemente não^pode^sê^generalizar para
habitação, buscando caracterizá-la como um todo o país esta análiSE; embora considerando
bem específico, que não pode ser produzido e que a incorporação da urbanização dos
comercializado como qualquer outra assentamentos precários autoempreendidos
mercadoria. A caracterização da habitação pelos moradores (favelas, loteamentos clan­
como uma mercadoria específica, ou mesmo destinos, mocambos, alagados etc), como um
como uma não-mercadoria mas um serviço problema do governo ocorreu mais cedo ou mais

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tarde em todas as cidades do país. sejam posteriores, marca de forma adequada o
início do período em que a habitação passou a
No primeiro capítulo, descreve-se o ser pensada como um problema do governo.
surgiméntcTdo problema habitacional em São Estabeleceu-se 19 54 como o outro ano de
•-1 Paulo, no final do século passado e as soluções referência para o estudo por razões de ordem
habitacionais produzidas pelo mercado rentista. simbólicas e analíticas. A morte de Vargas
em meio ao que denominamos primórdios da aparece na definição desta data, mais por uma
intervenção estatal na habitação, caracterizada razão de ordem simbólica; mais importante foi
pelo higienismo. No segundo capítulo, analisa- a passagem de Jânio Quadros pela prefeitura de
se o rico debate sobre o problema habitacional São Paulo, que representou a definitiva
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realizado na década de 40, quando se firma de incorporação da problemática da periferia como
forma quase consensual que a iniciativa privada uma responsabilidade de governo. Ademais, a
não tem condições de equacionar o problema da produção dos lAPs decresceu drasticamente a
moradia dos trabalhadores, requerendo-se a partir de então e sua participação na construção
intervenção do Estado e que o acesso à casa de Brasília dá um conteúdo totalmente diverso
própria deve ser estimulado de todas as formas da sua intervenção, que não nos interessa
possíveis. analisar.

A introdução do capítulo 5. onde se realiza Embora o estudo aprofunde este período,


h r■ uma análise da arquitetura dos primeiros principalmente a década de 40. quando deram-
conjuntos habitacionais produzidos no país, se os processos mais importantes que serão
I basicamente pelos lAPs, não é, apenas, como analisados , optamos por diluir a caracterização
poderia-se pensar, uma concessão aos ideológica, política, económica e social da era
Vargas pelos vários capítulos que tratam das
I; " arquitetos. Na verdade, busca-se mostrar que o
nascimento da habitação como uma questão intervenções concretas, facilitando assim, sua
social também significou a formulação de uma compreensão no contexto conjuntural do
4/ proposta não apenas de arquitetura mas de período.
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produção, incorporando os pressupostos do
movimento moderno que propunham uma Cabe finalmente ressaltar que o caráter
i
4 industrialização para atender às grandes multidisciplinar do estudo pode ter fragilizado
demandas existentes nas cidades algumas das reflexões realizadas, posto que
^contemporâneas marcadas pela presença do penetramos nos campos da política, economia,
operariado. Além disso, revela-se nesta'' sociologia, arquitetura e urbanismo e história
produção uma preocupação dese cri ar^um novo social. Entretanto, julgo que uma análise
/ modõllè vida, mais socializado e comunitário., consistente da habitação não pode ser realizada
na perspectiva de se entender a habitação não _ de outra forma e que eventuais fragilidades são
j apenas como um bem a ser apropriado. plenamente compensadas pela abrangência e
’ individualmente, mas como um serviço público.. multiplicidade de visões que o trabalho realizado
Esta formulação é essencial na caracterização da permite ao leitor.
habitação social.

*
Formulada desta forma, a tese acabou por
priorizar o período de Vargas, que serviu de
referência para o aprofundamento da análise. De
fato, a Revolução de 30 representou o grande
ponto de inflexão na forma como o Estado passou
a tratar a questão social como um todo e, embora
as iniciativas do governo da área da habitação

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A Produção Rentista
de Habitação e o
Autoritarismo da
Ordem Sanitária
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Problema da Habitação
Popular em São Paulo
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Até meados da década de 1880 existiam As profundas transformações das relações de


habitações precárias em São Paulo, mas não se produção nas fazendas cafeeiras, com a
pode dizer que isto era considerado um problema substituição do trabalho escravo pelo trabalho
para o poder público. As condições de moradia assalariado ocorreu ao longo dos anos 80, se
dos trabalhadores somente se constituip num/ acelerando a partir de 1886 com a entrada em
problema quando passou a se formar na cidade massa de imigrantes estrangeiros. Conforme
um mercado de trabalho criado pelo Cano , entraram na Província de São Paulo,
■ L desenvolvimento de atividades urbanas entre 1886 e 1900, cerca de novecentos mil

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vinculadas ao complexo cafeeiro paulista (Cano
19 79), gerando uma extraordinária
aglomeração de trabalhadores mal alojados e
imigrantes. A expansão cafeeira a Oeste do
Estado, que vinha se intensificando a partir do
fim da década de 70, entra em fase áurea na
. graves problemas de ordem sanitária. segunda metade dos anos 80, já plenamente
Ê estruturada^ em__ bases _ capitalistas.
Além dos dados demográficos apontarem o ^Consequentemente, as atividade urbanas do >
ano de 1886 como o ponto de aceleração do complexo cafeeiro ganham neste mesmo período ;
incremento populacional da cidade de São Paulo grande dinamismo: o comércio de importação }
ík (tabela 1.1), uma série de outros indicadores implantou-se no Estado de São Paulo de forma
também confirmam a hipótese de que foi diversificada, com importadores vinculados a
► ' durante a segunda metade da década de 80 que inúmeros países; o sistema bancário ganhou
expressão com a Reforma Bancária de 1890 e o
i se estruturou um dinâmico mercado de trabalho
i no Estado de São Paulo, requerendo uma forte encilhamento no início dos anos 90 (Carone__
•> 19 73); a indústria^conheceu seu primeiro surto |
concentração de trabalhadores e
consequentemente, de moradias de baixo custo entre 188 5/90, embora fosse ainda muito |
na capital. limitada (Simonsen 19 7 3 e Kowarick 1981); em J
1886 e 1888, instalou-se a Hospedaria dos
É? Imigrantes, que tornou a capital o centro

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A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

distribuidor de trabalhadores para todo o Estado: Estado tenha ocorrido já na última década do século,
os ricos fazendeiros do café instalaram j logo após o fim dos primeiros contratos de forma­
residência na cidade, viabilizando a abertura do / ção do café. Seja como for, a afirmação da Capital
primeiro loteamento destinado à elite. Campos ^ como centro integrador regional se deu na medida j
Elísios: a implantação de relações capitalistas em que as relações capitalistas de produção se 1
provocou o crescimento acelerado do mercado estenderam, intensificando a divisão do trabalho e
de consumo. o consequente crescimento do pequeno comércio, da
classe média profissional ou burocrática, dos
Assim, no segundo quinquénio da década de primeiros núcleos operários." (Fausto 1977:18).
80. a cidade de São Paulo passa a atrair, pela sua
própria potencialidade económica, imigrantes De acordo com Morse (1970:18), a partir dos
que vinham inicialmente para as lavouras de dados da Sociedade Promotora de Imigração,
café. "O crescimento da cidade deveu-se não só à apenas dois quintos dos imigrantes chegados no
sua consolidação como grande mercado distribuidor, Estado iam para a agricultura. Já Pestana (1918)
mas também ao influxo da massa de imigrantes. informa que dos 104 mil imigrantes que
Apesar da escassez de dados, há indícios de que passaram pela Hospedaria dos Imigrantes em
imigrantes, subvencionados ou não, permaneceram 1895, quase 40% (39 mil) ficaram na capital.
na cidade, onde as oportunidades de ascenção eram
maiores. É provável que o fluxo rural-urbano no

CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO DA CIDADE DE SÃO PAULO(10)POR DISTRITOS


1886-1900

Distritos 1872 1886 1890 1893 1900


Sé 9.213 12.821 16.395 29.518
Sta.Ifigênia 4.459 11.909 14.025 42.715
Consolação 3.357 8.269 13.337 21.311
Brás 2.308 5.998 16.807 32.387

Sub-Total
Núcleo Urbano 19.337 38.997 60.554 125.931

Penha 1.883 2.283 2.209 1.128


N.S.do Ó 2.023 2.750 2.161 2.350
S.Miguel 1.366

Sub-Total
Núcleo Urbano + Núcleos Isolados 23.243 44.030 64.934 130.775 239.820

Taxa de Crescimento Anual 5% 11% 28% 9%


Fonte: Morse (1970)

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A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

Neste momento é que “Sào Paulo explode" esgoto sem destino certo passa a se constituir no
(Rolnik 1981), com taxas de crescimento anual inimigo n° Ida saúde pública.
próximas a 30%. E. nesta explosão, a habitação
dos trabalhadores passa a ser um problema na Ademais, a expansão urbana manifestada
J cidade. pelos loteamentos indiscriminados criou uma
'infindável série de necessidades urbanas -
A dimensão da explosão é revelada pelo calçamento de vias, canalização de córregos,
crescimento da população paulistana no período drenagem de brejos e várzeas, problemas com _
que vai de 1886 a 1900, provocando o primeiro ^enchentes, etc. Surge, enfim, a necessidade de
momento crítico de falta de habitação em São se estruturarem os serviços públicos e os
Paulo. Tomando os dados da Tabela 1 somente equipamentos de infra-estrutura urbana, os
para a parte mais central do município, chamados equipamentos de consumo coletivo.
constituída pelos distritos da Sé, Santa Ifigênia,
Brás e Consolação, percebe-se que em 1886 K São Paulo dos anos 80 já apresentava
começa o fortíssimo incremento populacional de algumas iniciativas nesses setores, em geral
São Paulo, que se acentua no período entre 1890 empreendidas pela iniciativa privada, mediante
e 1893, quando a cidade cresce a uma taxa concessões do poder público. Desde 1872
média anual de aproximadamente 28%, o que funcionava um serviço de bondes de burro,
significa a incorporação de uma média de mais desenvolvido inicialmente pela Cia. Carris Ferro
de 20.000 habitantes por ano. A carência de [ de São Paulo: em 1877, alguns capitalistas locais
habitações se torna notória, havendo indícios de organizaram a Companhia Cantareira para
que ela se constituía num obstáculo a uriTmaFõr dotar a cidade de água e esgotos. Estas iniciativas
crescimento demográfico: “diz-se que muita gente J entretanto, ainda foram insuficientes para
sê retira da Capital paulista por falta de habitações, enfrentar as grandes transformações por que
apesar de se prontificarem 50 a 60 casas passava a cidade e atendiam precariamente as
mensalmente." (Raffard 1977:15). novas necessidades urbanas.

Mas como estava aparelhada a cidade do O caso dos transportes públicos é exemplar:
ponto de vista das suas condições urbanas para o serviço de bonde a burro, embora crescendo
receber tamanha descarga de trabalhadores? incessantemente de 1873 a 1900. procurando
í • acompanhar a expansão urbana, não atendia à
i São Paulo se expandia para os quatro cantos, necessidade de garantir um rápido deslocamento
loteando chácaras e abrindo novos bairros. 0 entre local de moradia e de trabalho a um custo
t crescimento da cidade mudou qualitativamente compatível com os rendimentos dos
i dr as condições e necessidades urbanas. A pequena trabalhadores de baixos rendimentos (Stiel
cidade de 1870 podia ser toda percorrida a pé, 1978). A ineficiência do serviço era notória,
rapidamente: seus habitantes podiam buscar sendo constantes os acidentes, sobretudo nas
água nos chafarizes públicos (embora já em diversas ladeiras que compunham a área cen­
meados do século a falta de água já fosse sentida tral da cidade, e bastante demorado o tempo de
i |i- na cidade) ou retirá-la dos poços particulares e viagens para percursos relativamente curtos.
lançar os seus detritos diretamente nos rios ou
em fossas sem maiores problemas. A grande Assim, por exemplo, a linha da rua Boa Vista
cidade que se forma e que aglomera milhares de à rua da Consolação, com uma distância de
'■ novos moradores exige transportes rápidos pois 2115 m., tinha seu tempo de viagem estipulado
as distâncias passam a se medir em vários de 22 1/2 minutos (Stiel 1978:57), resultando,
quilómetros, os chafarizes secam frente a tantos numa velocidade média de 5,6 km por hora, isto
habitantes e o perigo de contaminação da água é, pouco mais do que um homem é capaz de fazer
cresce com a concentração urbana que nasce; o a pé. Se computarmos o tempo de espera e
-

A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

eventuais atrasos, certamente era mais rápido materialmente impossível que o Sr. Prefeito Munici­
ir-se a pé do que de bonde. Além disso, “os preços pal conheça o Brás(...). Nós acreditamos que o
das passagens não eram acessíveis a todos, pois, em referido senhor conhece do Brás somente a avenida
relação à época, eram caríssimos. Assim, uma Rangel Pestana, mas nenhuma das ruas
passagem de bonde da Rua do Carmo até a Estação transversais, nem mesmo a que leva ao Mercado
da Luz custava 200 réis e até ao “Comércio da Luz", Velho e ao Gasómetro, que é uma das mais
400 réis. Se pensamos que até 1947 tínhamos frequentadas, e entre as mais cheias de poças, fossas
bondes elétricos a 200 réis, é de admirar-se o e precipícios de todo o gênero(...). Noutras ruas as
milagre de termos pago durante 75 anos o mesmo calçadas não existem e tanto em dias de chuva como
preço de 200 réis por passagem" (Stiel 19 78: em dias serenos as pessoas não podem transitar
44/5). senão descalças, com as saias ou as calças levantadas
até o joelho. Imaginai agora o cheiro de tais
Os serviços de distribuição de água e coleta ambientes onde várias vezes por dia entram pés
de esgotos, por sua vez se desenvolviam tratados de tal forma, imaginai tudo o mais e tereis
morosamente. A Cia. Cantareira se forma em uma idéia mais ou menos exata do estado daqueles
1877 e começa a instalar canos que. das tugúrios e do dano imenso que disso deve
nascentes nas montanhas da Cantareira, ao necessariamente derivar para a saúde pública".
norte de São Paulo, iam num percurso de 14,5 (Fanfulla, 14/3/1899 e 16/3/1899 apud
km abastecer um reservatório construído na Pinheiro & Hall 1981).
Consolação. No entanto, em 1882. apenas 133
edifícios tinham ligações de água, embora, como Frente ao acelerado crescimento 7
ressalta Morse (1 970:245). chafarizes há muito populacional e urbano de São Paulo, o poder ;
secos estavam novamente jorrando. Já em 1888. público encontra sérias dificuldades, aliadas a
cerca de 500 edifícios aproximadamente 60% um certo desinteresse - quando se tratava dos
dos existentes em São Paulo, estavam ligados à bairros mais populares - para atender ao grande
rede de abastecimento. Em contrapartida, um conjunto de novas solicitações de caráter urbano
vespertino paulistano reclamava, em 1890, do que surgiam. “As autoridades estavam mal f
"grave inconveniente de se achar sem esgoto a maior aparelhadas para esta pressão do crescimento. As
parte das habitações da Paulicéia." (Raffard 1977). utilidades públicas não poderiam expandir-se com
Ademais, a Cia. Cantareira não conseguia suficiente rapidez. Eram insuficientes a limpeza e a
acompanhar, a partir dos anos 90, o pavimentação das ruas, os serviços de lixo e esgotos,
aceleradíssimo processo de expansão, e tanto a a drenagem das baixadas. Riachos e terrenos
adução de água como a extensão da rede vão se estavam se tornando focos de doenças." (Morse
tornando cada vez mais insuficientes. 1970:251) /

Com relação aos demais serviços públicos, Os novos problemas urbanos emergentes que ;
sobretudo nos locais habitados predo­ mais preocupavam o poder público eram os que 'i
minantemente pelos trabalhadores, um relato de provocavam o agravamento das condições I
1889 sobre os bairros italianos de São Paulo - sanitárias da população e das condições >
aqueles habitados quase que exclusivamente higiénicas das habitações, dado que durante as_J
pêlos imigrantes recém-chegados - revelamos últimas décadas do século foram inúmeros os
suas condições: “Na Barra Funda falta tudo. Até surtos epidêmicos que atingiram as cidades
nas ruas principais não há um metro de calçamento, brasileiras. Esta questão passou a receber um
nem um palmo de calçada, nem um conduto tratamento prioritário do Estado e pode-se dizer
subterrâneo. Como resultado, a natureza, por conta que a ação estatal sobre a habitação popular se
própria, cavou fossas que margeiam os canais, o que origina e permanece durante toda a Ia
levou os habitantes a construírem pequenas pontes República voltada quase que exclusivamente a
primitivas para entrar na própria casa (...). É este problema.
r-w'
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária
i

Concomitantemente ao agravamento das Até aproximadamente a década de 70, São


j condições urbanas e colaborando para acentuar Paulo quase não apresentava diferenças
1 os riscos de ordem sanitária, nos últimos quinze funcionais de um ponto a outro da cidade, a não
I Lí anos do século ocorre um aumento espantoso
da super-ocupação das edificações, do índice da
ser as chácaras periféricas. Muitas vezes as
residências dos homens abastados e da classe
carência de habitações de baixo aluguel e da média localizavam-se no próprio triângulo, em
?1 > : concentração de trabalhadores pobres da cidade. meio ao comércio e oficinas (Nogueira de Matos
Na Tabela 1.2, está apresentada a intensa ele­ 1958:89). A reduzida segregação urbana em S.
vação do número médio de moradores por prédio Paulo até os anos 70 se explica pela pequena
que passa de 6.27 em 1886 para 11,07 em extensão física da cidade e pelo fato dc que “dois
■ 1900. A superpopulação dos prédios é sintoma '1 grandes grupos sociais do velho burgo (os homens
evidente da crise ou penúria de alojamentos por livres e os cativos) podem estar misturados no tecido
; | que passa a cidade, caracterizando a emergência urbano porque estão infinitamente separados no
do problema da habitação em São Paulo. tecido social”. (Rolnik 1981:6). A partir dos anos
80, intensifica-se o processo segregatório com o
A constituição do problema da habitação início da “diversificação das funções e o
I popular nos últimos quinze anos do século XIX aparecimento, ao lado do velho centro, de bairros
; é praticamente contemporânea aos primeiros operários e de bairros residenciais finos" (Nogueira
^ indícios do aparecimento de uma ainda tímida de Matos 1958:89). Este processo segregatório,
V segregação espacial na cidade. Se, como vimos"?
j entretanto, era ainda bastante tímido, se
a expansão da cidade e a concentração de constituindo num projeto sempre presente no
trabalhadores pobres trouxe uma série de corpo de idéias urbanísticas da elite dirigente
problemas urbanos, a segregação social do que, gradativamente, ao longo dc todo o período
espaço urbano servia para impedir que os em estudo e, de certa forma, até o presente, vai
t lentamente se implantando. De qualquer
I diferentes estratos sociais sofressem os efeitos
destas condições com a mesma intensidade, maneira, na década de 80, com o crescimento
garantindo-se à elite espaços de uso excluso, da cidade e a criação de um mercado de trabalho
livre da deterioração provocada pela habitação livre, iniciativas buscando a segregação espacial
dos pobres e uma apropriação se intensificam.
diferenciadamente maior dos investimentos
públicos urbanos. Infelizmente, os registros e a documentação
sobre o período tratam quase que
exclusivamente do progresso da cidade, isto é,

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, ■
EXPANSÃO PREDIAL
Cidade de São Paulo, 1886/1900

Ano Prédios População Média de Pessoas por Prédio


• V •

1886 7.012 44.030 6,27


1891 10.321 99.930 9,69
1895 18.505 184.145 9,95
1900 21.656 ' 239.820 11,07
Fonte: Pestana 1916; Recenseamentos Gerais de 1886 e 1900

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11

A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

dos feitos e das glórias da elite e da sua tentativa constituíam a maioria das edificações na cidade,
de construir uma cidade de aparência européia. foram encontradas somente cinco referências,
E muito mais frequente encontrar-se um relato das quais três são insignificantes.
da construção de um único imponente edifício
público ou privado qualquer, de estilo neo­ Se as habitações populares não represen­
clássico ou eclético, do que alguma descrição de tassem um perigo para as condições sanitárias
habitação popular e do seu processo de da cidade, praticamente nada se saberia sobre
produção. elas pois, deste período do surgimento da
habitação popular em São Paulo, os únicos
A São Paulo do último quartel do século XIX. relatos de algum significado sobre a questão são
na fase conhecida como a "segunda fundação de os produzidos pelos técnicos preocupados com a
São Paulo" (Paula 19 54) é descrita por dezenas saúde pública. Outra fonte importante, a
de autores e viajantes. Estes tratam dos mais imprensa operária somente se estruturou
variados aspectos: da inclinação das ruas, das minimamente a partir de 1900.
famílias mais importantes, de todas as
instituições públicas ou privadas, colégios, Mesmo assim, os relatos dos sanitaristas são
hospitais e prisões, da indústria, do comércio, inúmeros e sempre expressam uma visão elitista
etc. Admiravam-se com o progresso da cidade de e preconceituosa sobre a classe trabalhadora,
S. Paulo, com seu crescimento e com as novas inevitavelmente regada e viciada pelas normas
fachadas de platibandas e cornijas que escondem e concepções higienísticas. É com base nesta
os singelos e simplórios semblantes das antigas documentação que podemos nos aproximar das
edificações de influência lusitana, dando um ar condições de habitação dos trabalhadores no
senhorial à cidade. Descreviam-se as livrarias, período da emergência do problema em São
as confeitarias, os cafés e as lojas de modas Paulo.
utilizadas pela burguesia, sempre com a
preocupação de compará-las com as que se pode
0 Relatório da Comissão de Exame e
encontrar no Rio de Janeiro ou em Paris. Faziam,
Inspecção das Habitações Operárias e Cortiços
com ares provincianos, a história da burguesia,
nos Districtos de Santa Ephigênia, publicado em
do seu progresso económico e do espaço que ela
1894, é a mais completa descrição das condições
construía para expressar sua pujança e poder.
de alojamento ou de moradia da classe
trabalhadora em São Paulo na última década do
A habitação burguesa é descrita em século XIX, revelando como os imigrantes
minúncias: pode-se saber até que flores recém-chegados estavam se abrigando. 4
passaram a ornamentar seus jardins em
substituição aos cravos tão utilizados antes da
Embora relate as condições de habitação
2a fundação da cidade. Em contrapartida, um
reinantes em apenas alguns quarteirões de
véu negro encobre os alojamentos dos
Santa Ifigênia, parece-me ser possível, em linhas
trabalhadores pobres da cidade, ninguém os via,
gerais, extrapolá-las para os demais bairros que
ninguém os descrevia. Afinal, a burguesia
naquele período vinham sendo ocupados por
retratava a vida urbana a partir da sua
moradias populares.
perspectiva. Bruno (1977) compilou dezenas de
relatos de viajantes e moradores ilustres sobre
São Paulo. Destes, 2 5 tratavam da vida na cidade A zona mais detidamente examinada pela
entre 1865el914. Neste período, o Teatro Mu­ Comissão foi escolhida por ter sido fortemente
nicipal é tratado dez vezes, a Arquitetura Oficial atingida pela epidemia de febre amarela em
e Institucional 24 vezes, a Arquitetura Religiosa 1893 e limitava-se às ruas Duque de Caxias,
12 vezes e a Faculdade de Direito é comentada Visconde do Rio Branco, Victoria, Triunpho e
11 vezes. Sobre as habitações populares, que Largo do General Ozório. Esta região de
aproximadamente 14 hectares compreendia

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li H A Produção Rcntista de Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

V A zona afetada pela epidemia ficava entre o nobre bairro dos Campos Elíseos e o centro da
cidade. Não por acaso tornou-se objeto de particular preocupação do poder público.

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A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

uma bacia palustre, que teria desaparecido sob habitantes em 1890 para 42.715 em 1893, a
o aterro e as construções: “AU a depressão do mais intensa da cidade - fez com que seT
terreno no interior dos quarteirões é bem notável. edificassem diferentes tipos de “estalagem,
Cada um desses quarteirões é uma bacia rodeada pelo cortiços e habitações operárias, quase todas elas de I
aterro das ruas, cujo calçamento fica de ordinário construção apressada e precária. Na zona afetada a J
mais alto do que a área dos quintais. A drenagem que nos temos referido, as habitações destinadas as '
superficial é assim imperfectíssima sem o concurso classes operárias, são numerosas. Existem aí nada~
de um bom serviço de esgotos" (Motta 1894). menos de 60 cortiços de todos os tamanhos e feitos
onde se agasalha uma população de 1320 indivíduos
A forma como estes terrenos, de baixo valor, de todas as nacionalidades e condições(...) (número)
foram ocupados, abaixo do nível do arruamento que avultará se uma políicia noturna se aplicar
revela a urgência, a rapidez e o descuido com que escrupulosamente no exame estatístico do povo que
se executavam as construções naquele momento eventual ou permanentemente vêm ocupar os
em que o crescimento da população exigia no­ ^cortiços à noite. "(Motta 1894).
vas edificações que proporcionassem altos
rendimentos mediante o aluguel de moradias. Algumas dessas edificações são verdadeiras *1
Este descuido era tanto maior quando se tratava estalagens para abrigar trabalhadores sem
de habitações a serem alugadas a trabalhadores família, praticamente sem pertences de maior
pobres e onde, portanto, toda redução de custo volume e que estão na cidade prontos a vender
era avidamente buscada. A estes condicionantes sua força de trabalho, necessitando de um
dc produção de moradias e do preparo do terreno refúgio à noite: é o caso do hotel-cortiço. 0 ho­
soma-se a deficiência da implantação da rede de tel-cortiço é “uma espécie de restaurant onde a
esgotos: “eni mais de um ponto a drenagem é mesmo população operária se aglomera à noite para dormir,
impossível por se achar o encanamento do resto em já em aposentos reservados, já em dormitórios
nível superior. Em outros sítios, a carga adicional comuns. Quase sempre os aposentos são
de água, no tempo de chuva, faz refluir à rede de pequeníssimos: 2,50m de frente por 3m de fundos,
esgotos materiais aí contidos ou retardados, o que ocupados por operários sem família. A lotação que
demonstra as condições desfavoráveis em que essa se lhes dá raro excede do normal: entretanto que a
rede funciona. Em consequência, a umidade copiosa realidade é bem diversa, sabido como o acúmulo de
do terreno, não raro, forma nestes terrenos gente nestes lugares excede de muito os limites do
deprimidos, pequenas lagoas que as águas pluviais razoável.” (Motta 1894)
alimentam e que só desaparecem pela ação do calor
solar(...). No fundo de quase todos os quintais dessa O aproveitamento improvisado do fundo de
zona o solo, ainda que um tanto poroso e absorvente terrenos ocupados por construções destinadas
a princípio, perdeu já estas qualidades. A água da a outros fins também era frequentemente
chuva aí acumulada desaparece mais por evaporação utilizado no afã de produzir o máximo possível
do que por infiltração. As construções, já muito de novos alojamentos: “quase todas (as vendas)
condensadas retalhando o terreno com muros e contém nos cômodos do fundo aposentos para
paredes diversas tornam ainda mais precárias as aluguel e estes, de ordinário, nas piores condições
condições de escoamento e enxugo do solo.” (Motta de asseio, posição e capacidade. Nos fundos dos
1894). depósitos de madeira e outros materiais de
construção, nos terrenos com oficina e canteiro, nas
A lucrativa e urgente necessidade de criar cocheiras e estábulos, os cortiços improvisados,
alojamentos para uma grande massa de feitos de tábua e alguns cobertos de zinco são dos
imigrantes que chegavam diariamente a São piores que temos examinado” (Motta 1894).
Paulo em busca de trabalho - a população do
distrito de Santa Ifigênia foi a que mais cresceu Além destes tipos de alojamentos.populares
na cidade no período, passando de 14.025 que podem ser considerados típicos do periece
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

I’
i de grande afluxo de imigrantes à cidade, outras 4 Finalmente pelo desprezo das mais come­
i modalidades de moradias populares que durante zinhas regras de higiene doméstica.
, muito tempo permaneceram como as mais
utilizadas pela classe trabalhadora já estão Raramente cada casinha não tem mais de 3m.

I
i;
' ' . ri
também presentes na última década do século
XIX: “Há ainda os prédios de sobrado convertidos
em cortiço por meio de divisões e subdivisões dos
primitivos aposentos transformados. Estes cortiços
de largura, 5 a 6m. de fundo e altura de 3,00m a
3,50m , com uma capacidade para 4 pessoas,
quando muito.
w (...) não são casos de dormida a que se adicionam
alguns cômodos para uso comum: uma sala com São estas casinhas, em geral, assoalhadas,
vários fogões improvisados para gozo de todos, uma forradas nos cômodos de dormir e na sala da frente,
f sem outro sistema de ventilação que o natural por
latrina pessimamente instalada e compridos
corredores com iluminação insuficiente.’' (Motta intermédio das janelas e portas. No cômodo do
1894). São as famosas casas de cômodos que, fundo, onde não há assoalho nem forro, nem mesmo
1 í de acordo com o relatório, há vários exemplos
entre nós. No entanto, dado não existir na cidade
ladrilhos, assenta um fogão ordinário e rudimentar
com chaminé que pouco funciona em vista de sua
má construção e do pouco cuidado que se lhe tem.
8 J um grande estoque de casas velhas - em 1875
Daí vem que o interior dessas pequenas casas tem
só existiam 2995 edifícios em São Paulo e ser a
renovação predial enorme, esta modalidade de as paredes enegrecidas e pouco asseiadas, do teto já
alojamento é ainda reduzida, embora com se lhes não conhece a pintura sob a camada do sujo
grande potencialidade de crescimento. das moscas. As paredes com quadros de mau gosto
I
tem o reboco ferido por uma infinidade de pregos e
tornos de que pendem vários objetos de uso
i I Finalmente chegamos ao tipo de habitação doméstico e a roupa de serviço. Os móveis
, popular mais comum: o cortiço propriamente desagradavelmente dispostos têm sobre si
_ dito. “O cortiço ocupa comumente uma área no in­ empilhadas peças de roupa para lavar.
I terior do. quarteirão: quase sempre um quintal e um
prédio onde há estabelecida uma venda ou tasca
qualquer. O cômodo de dormir, aposento que ocupa o centro
da construção, não tem luz nem ventilação nem
capacidade para a gente que o ocupa à noite. De
Um portão lateral da entrada por estreito e ordinário no ato de dormir é esta peça
I í
comprido corredor para um pátio com 3 a 4 metros hermeticamente fechada. A família toda aí se
1 I. I
de largo nos casos mais favorecidos. Para este pátio,
ou área livre, se abrem as portas e janelas de
agasalha em número de 4 a 6 pessoas e os móveis
acumulados tomam por um terço a capacidade do
pequenas casas enfileiradas, com o mesmo aspecto, aposento.
a mesma construção, as mesmas divisões internas
e a mesma capacidade. Entre nós estes cortiços se
0 assoalho jamais se lava, com exceção daquelas
caracterizam:
habitações ocupadas por famílias alemãs, ou de
gente do norte da Europa, onde o asseio é quase
L i Pela má qualidade e impropriedade das
construções;
sempre irrepreensível. A crosta de lama que o
encobre não deixa reconhecer a madeira, e todo se
mostra sob um aspecto nojento e insalubre. A
2 Pela falta de capacidade e má distribuição dos umidade do solo sobe pelas paredes poíndo o papel
aposentos, quase sempre sem luz e sem a ordinário que as reveste e danificando o assoalho que
necessária ventilação; não é ventilado e se assenta diretamente sobre o
terreno.
I 3 Pela carência de prévio saneamento do
terreno onde se acham construídos; Tal é o tipo de casinha ou cubículo que constitui
a unidade do cortiço.
I
■m
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

Na área livre, que pouco mais é do que um Relatório aponta ainda um último "tipo de 1
simples corredor, há assentado um ralo para esgoto, habitação operária que carece de séria atenção da
uma torneira para água, um tanque para lavagem e autoridade sanitária - a casinha". Esta é um prédio
uma latrina, de ordinário, muito mal instalada. Só independente, com frente para a rua pública e
ultimamente que essas áreas têm sido calçadas ou V^opèhãs con sidera da cortiço pelo seu^destimre' ~~~
cimentadas: ainda assim há cerca de 50% delas que espécie de construção. Pequena e insuficiente para a
estão carecendo de tal benefício. Em algumas as população que abriga não oferece garantia alguma
sarjetas para a drenagem superficial nem sequer pelo que respeita a higiene. O assoalho sem
existem, ficando a água de lavagem ou da chuva ventilação e assentado sobre o solo, o forro sem
empoçada do modo mais prejudicial. ventilador, os cômodos pequenos e ainda
subdivididos por biombos que os fazem ainda mais
O número de torneiras para água nem sempre escuros, as paredes sujas e ferido o reboco que deixa
está em proporção com a população do cortiço e com perceber a má qualidade da alvenaria. No fundo uma
os gastos que essa gente faz diariamente, e por isso área exígua, mal ladrilhada ou cimentada com um
ainda se vê num bom número de casas a água de poço ralo para esgoto e uma latrina ordinária sem abrigo.
utilizada para vários serviços domésticos e até para A cozinha, quando não é ao lado da latrina, está
beber. assentada junto do aposento de dormir e então as
condições de asseio são as mais precárias possíveis.
As latrinas também não guardam proporção com
o número dos habitantes. Deste tipo de construção são as casas de Carlos
Giraldina na rua do Gal. Ozório e Santa Ifigênia,
onde fecham quarteirões por duas faces, que são os
Jamais são estas latrinas servidas d'água e as maiores e mais densamente povoados. No interior
bacias de barro vidrado cobertas por um imundo desses quarteirões as construções de um tipo ainda
caixão de pinho, apoiado em solo encharcado de pior se multiplicam formando grandes
urina fétida, complementam o tipo dessa cortiços."(Motta 18.94). A inclusão destas
dependência bem característica do cortiço." (Motta casinhas como uma das modalidades de cortiço
1894) mostra que nem sempre eram as condições
habitacionais, estrito senso, que orientava a
Este é o tipo de moradia popular classificação dos higienistas, mas antes de mais
predominante em São Paulo já na última década nada o .Jato de serem 'JTãbiraxtãs por
do século passado e que pelo menos durante trabalhadoresTÀs-Cãsihhas descritas são muito
quase 50 anos foi uma das opções mais viáveis semelhantes às moradias das vilas operárias
2_para os trabalhadores em São Paulo. Como (sem evidentemente o controle nestas
veremos adiante, o investimento em moradias existentes), que foram sempre consideradas o
deste tipo permitia um alto rendimento devido padrão de habitação dos trabalhadores.
ao intenso aproveitamento do terreno e
economia de materiais de construção obtidos A situação descrita em Santa Ifigênia é^
pela sua organização espacial, à péssima repetida para outros bairros emergentes na
qualidade da edificação e à inexistência de cidade que explode: "nos bairros do Bom Retiro,
custos de manutenção. Em consequência, como Bexiga e Braz, casas existem com acomodações para
ressalta a Comissão: "o cortiço abandona á sórdida 6 ou 8 pessoas e que abrigarão, em completa
exploração de proprietário sem escrúpulos e excede promiscuidade, 30 a 40 indivíduos. No Largo da
tudo quanto se pode imaginar nesse género". (Motta Memória, na Ladeira do Piques, na Rua da
1894) Consolação e em várias ruas desta florescente Capi­
tal, são inúmeros os casarões abrigando durante a
Além dos quatro tipos de moradias já noite centenas de pessoas sem luz, sem ar e que
' apresentados - o hotel cortiço, a casa de cômodo, fazem durante o dia a cozinha em alcovas escuras.
os .cortiços improvisados e o cortiçó-pátio - o
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A Produção Rcntista de Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

Casas de aluguel do Sr. Carlos Giraldino, "apenas consideradas cortiço pelo seu destino e espécie de
i* construção”: exemplo de moradia de aluguel produzida por investidores privados estigmatizada
iji pelo "seu destino".

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por meio de fogareiros volantes envenenando ainda de operários paupérrimos é um fato grave perante a
mais essa atmosfera, já deleterea e perniciosa. A cor higiene do Estado. Basta, como nos tem inúmeras
escura das paredes, as elevações do assoalho, os vezes acontecido, penetrar em habitação aglomerada
utensílios e roupas esparsos pelo quarto, tudo revela de italianos para se despreender desde logo que o
a maior imundice que se pode imaginar." (Veiga menor preceito de higiene e de moral, que é a base
1894). do edifício social, ali não existe" (Veiga 1894).

Ao mesmo tempo que os higienistas vão A situação era grave. 0 governo precisaa
descrevendo a grave situação da habitação de intervir: “a capital de São Paulo está hoje em
classes trabalhadoras em São Paulo, revelam sua condições de prender a melhor atenção dos poderes
visão preconceituosa e racista sobre os públicos nesse ponto de vista(...). A impressão que
imigrantes pobres: “indivíduos que vivem na a autoridade sanitária sente ao penetrar nesses
miséria e abrigados aos pares, em cubículos escuros recantos imundos é indescritível, pois fica extasiada
e respirando gazes nefíticos, que exalam de seus diante o fato, sem poder, por falta de uma legislação
próprios corpos não asseiados, perdem de uma vez especial, providenciar radicalmente”.
os princípios da moral e atiram-se cegos ao crime e
ao roubo de forma a perderem sua liberdade ou a Autoridades, é preciso providenciar
ganharem por essa forma meios de realimentarem radicalmente alguma coisa, imediatamente! J
ou dormirem melhor(...). A população italiana
calculada em 70.000 almas, só na Capital composta
na sua maior parte de indivíduos recém chegados e

___________________________ ... ■ mira


Primórdios da Intervenção do
Estado na Questão da Habitação: O
Autoritarismo da Ordem Sanitária

“A última epidemia dominada em Junho último


(1893), pôs em evidência os dois seguintes fatos:

l O mal apareceu, prosperou e evoluiu onde as


condições de meio, de topografia e de população
foram-lhe especialmente propícias.

2 A população operária pagou o maior tributo, por


isso mesmo que as suas condições de vida
impelem-na a acumular-se onde encontra mais
facilidade de viver, e essa facilidade só obtém com
sacrifício da saúde.

Estes dois fatos bastam para explicar a


intervenção do poder público em bem da saúde de
todos: cumpre-lhe intervir corrigindo as más
condições da topografia urbana, regulando de modo
severo as condições a preencher não só a habitação
de caráter particular, como as habitações comuns,
isto é, as estalagens, cortiços, hotéis, casas de
dormida, etc. No primeiro caso o Estado intervém
promovendo trabalhos públicos e encetando obras de
saneamento; no segundo, legislando ou impondo
regulamento à indústria da construção e locação de 21
prédios". (Motta 1894)

—_ _____
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

II t pl .
I
O agravamento das condições de vida urbana distribuição de água e de coleta de esgoto, a
provocada pela concentração de trabalhadores cargo de empresas privadas, entre outros
r
| Li1
mal remunerados ou desempregados, de
habitações populares e pela expansão
processos ameaçavam a saúde pública. Assim,
o controle do Estado sobre a produção do espaço
urbano não só foi aceito como também
I descontrolada da malha urbana, impõe ao poder
público a necessidade de intervenção no âmbito
do urbano e no controle da produção e do
reivindicado, embora estivéssemos em plena fase
de predomínio das idéias liberais segundo as
consumo das habitações. quais não cabia ao Estado interferir no âmbito
í j ||‘ das atividades privadas.

H&1 O entendimento do caráter da ação estatal


no problema da habitação no período que vai do
advento da República à Revolução de 30 deve
Nesta questão, o fato dos países capitalistas
europeus de tradição liberal como Inglaterra,
levar em conta que estamos frente a um Estado França e Alemanha terem fixado leis sanitárias
liberal, que via-de-regra não entra na esfera de de controle à atividade imobiliária foi fundamen­
domínio da iniciativa privada. Assim, por tal para que aqui o tema não fosse sujeito a
exemplo, o papel do Estado na regulamentação grandes controvérsias. Na Inglaterra,
das relações de trabalho - jornada de trabalho, entretanto, somente após mais de cinquenta
emprego de menores e mulheres, salários, anos de intenso processo de urbanização e
—previdência social etc. - é bastante reduzido, industrialização, com as condições de vida
/. quando não nulo, só surgindo timidamente na urbana e de moradia extremamente agravadas
\ década de 20 em resposta às intensas e e, após quase vinte anos de consecutivas
explosivas mobilizações operárias do período epidemias de cólera, é que se aprovou, em 1848.
—- 1917/20. A problemática é conhecida e não é o a Lei Sanitária em meio a grande polêmica onde
caso de aqui retomá-la (Simão 1966, Fausto políticos desenvolviam com insistência os
z
1977, Vianna 1978, Carone 1979, Kowarick argumentos teóricos do liberalismo contra a
1981 e Hall & Pinheiro 1982). intervenção pública nesta matéria. Conforme
relata Benevolo (1967:106), “la leij del 1848 es
Na questão social, a presença do Estado é un documento largo y minucioso (...). Constituyó
limitada: deveria dispor de um aparato policial el primer experimento de hacer entrar en la
capaz de controlar a classe trabalhadora e de de­ legislación tradicional (de carater notablemente
fender as instituições a ordem burguesa. Caso privatista) la realidad de la nueva situación
■ ‘
li ■ “ de polícia, simplesmente, pelo menos até 1919, urbanística".
- pois como mostra Vianna (19 78), ao contrário

!í-
i ■
do que postulava a historiografia oficial, a
legislação trabalhista tem início antes de 1930,
quando o parlamento brasileiro homologa o
Quando esta legislação é adotada Londres já
atingia uma população de 2,5 milhões de
habitantes. Paris já tinha ultrapassado os 1,2
Tratado de Versailles - obrigando-se a milhões quando a França estabeleceu, em 1950,
regulamentar as condições de trabalho. também depois de ter encontrado grande
resistência entre os liberais, uma legislação
semelhante. Em ambas as aglomerações, os

líi
r./
Na questão habitacional, entretanto, tornou-
se necessária alguma ação reguladora do Estado
pois, dado o nível de socialização das atividades
• e usos urbanos, as condições de moradia tinham
trabalhadores estavam alojados em condições
tão alarmantes que sua chocante descrição se
tornou clássica a partir, sobretudo, da famosa
r.í í : relação direta com os problemas sanitários,
preocupação prioritária do poder público. A
“Situação da ClasseTrabalhadora na Inglaterra”
(Engels 1976), posteriormente aprofundada por
um expressivo conjunto de pesquisadores
(ir)racionalidade da produção capitalista de
(Guerrand 1967, Gauldie 1974, Murard &
construções, o loteamento indiscriminado de
Zylberman 1976 e Butler & Noisette 1977).
vasto território, sem os devidos cuidados de
urbanização e a ineficiência do serviço de

KTI

I
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

As condições de moradia e de vida nas necessário rigor a desinfecção das casas em que se
grandes cidades industriais europeias, dão óbitos, nem se trata de isolar as doenças que
entretanto, eram incomparavelmente piores do chegam, ou têm chegado com frequência, da cidade
que as existentes em São Paulo no fim do século vizinha (Campinas). (...) Dos arredores da cidade,
XIX e início do XX. A dependência do Brasil o bairro de Santa Cecília, sobre ser um dos mais
frente à cultura européia fez com que, no país, próximos, é um dos que oferecem mais e melhores
talvez com exceção do momento crítico da condições à propagação de uma epidemia, porque não
Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, a polêmica tem água nem esgotos e expõe o triste espetáculo de
regulamentação estatal x liberalismo, tivesse uma chácara aberta servindo de depósito de lixo e
tido pequena repercussão. Prevaleceu a detritos da cidade, que ali são diariamente
costumeira imitação das posturas estabelecidas despejados por carroças imundas." (OESP 19/3/
além-mar. no caso há quase meio século, que era 1890 apud Morse 1970:247).
tida como inconteste e como padrão a ser
seguido, pois como afirma um relatório Tendo encontrado grande respaldo para sua
higienista “em uma cidade ainda tão nova, a vida intervenção, o Estado agiu em três níveis
de modo algum pode descer às condições misérrimas principais: o controle sanitário das habitações,
das velhas populações da Europa." (Motta 1894). os códigos de posturas e a legislação sanitária, a
participação direta do poder público na
Assim, logo que São Paulo passa a ser implantação de rede de água e esgoto e na
expandir a celerada mente, os higienistas realização de obras de saneamento e
tomaram posição privilegiada junto ao poder urbanização das baixadas.
público e colocaram em ação seus planos
reguladores. Ao contrário dos países europeus, A postura adotada pelo Estado nesta
onde o desenvolvimento das medidas de intervenção, sobretudo no que diz respeito ao
regulamentação do uso do solo urbano e de controle sanitário, está marcada por uma vi&ão
controle sanitário ocorreu depois do surgimento que identifica na cidade e nas moradias as causas
das grandes cidades industriais, em São Paulo, das doenças, que seriam superadas através da
logo que as condições habitacionais e o estado normatização do espaço urbano e do
sanitário da cidade atingissem níveis que comportamento de seus moradores, ação que se
pudessem ser considerados verdadeiramente torna um importante dispositivo de
alarmantes, crescendo o risco de advirem normatização da sociedade num momento de
grandes epidemias, deu-se início a uma ação desordem social em que se estrutura o mercado
estatal, contando com uma estratégia de trabalho livre. Como mostra Machado (1978),
desenvolvida no exterior e com o apoio da "a importância crescente da cidade, como centro de
opinião pública. comércio e de produção económica e como se sede de
dispositivo central de poder público que intervém em
Desta forma, simultaneamente à explosão todos os níveis da vida social, implica a construção
demográfica e física da cidade e à identificação de um funcionamento ordenado de núcleos urbanos,
do problema de habitação, nos últimos quinze condição de possibilidade da transformação dos
anos do século passado, os higienistas, médicos próprios indivíduos e materialização da exigência
e engenheiros locais apontaram a necessidade normalizadora de nova ordem social. Desde suas
de criação de leis e serviços sanitários origens, a medicina social está ligada à idéia de que
semelhantes aos existentes na Europa e no Rio a cidade é causa de doença devido à desordem -
. de Janeiro, e conseguiram influenciar o Estado médica e social - que a caracteriza e ao projeto de
' para tornar esta questão uma prioridade, tendo prevenção constante contra o meio considerado
) t inclusive apoio da opinião pública. Isto se torna hostil à saúde de seus habitantes. É assim que os
claro neste artigo de 1890, onde o jornal O médicos formulam uma verdadeira teoria da cidade,
Estado de S. Paulo critica a apatia do governo desenvolvendo em vários níveis uma reflexão sobre
em relação à questão: “e nem se faz com o a morbidade urbana e explicitando a exigência da

_ - '— -
í
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

i rr-
realização dc controle de vida ideais que a tornem experiência nos tem demonstrado. Convencido da
um poderoso instrumento de normalização da urgência de uma solução para esse problema, que

V sociedade".

A ação dos higienistas estava imbuída, sem


dúvida, de uma visão normalizadora da
sociedade - via ação médica no corpo doente da
julgo o mais grave de quantos preocupam neste
momento a administração , convidei um higienista
norte-americano a vir estudá-lo(...). Incumbi
também a um ilustre especialista o estudo da
natureza das febres alastradas no interior, sobre cujo
i cidade (Rolnik 1981). Entretanto, não deve ser diagnóstico tem aparecido dúvidas que, no interesse
U’ menosprezado que. no final do século, havia em das providências higiénicas a tomar, convém
j- ■. ■ São Paulo condições concretas capazes de gerar esclarecer de modo seguro. O saneamento da Capi­
uma grave deterioração das condições sanitárias tal, confiado por lei á municipalidade, parece que
e que este problema tinha que ser de alguma deve ser deferido ao Estado pela sua importância, e
maneira enfrentado pelo poder público. 0 pela soma de recursos que exige do poder que o tiver
crescimento da capital e principais núcleos do de executar(...). Tenho como certo que
interior, gerado por levas ininterruptas de compreendereis o alcance do problema sanitário e
imigrantes vindos do exterior, em longas viagens autorizarei a avultada despesa que a sua solução
em navios de terceira classe, onde muitas vezes exige e que ainda não é possível determinar"(César
grassavam doenças contagiosas, os alojamentos 1892).
coletivos onde esta população era obrigada a se
acumular nas cidades sem saneamento básico, A questão sanitária torna-se prioridade prin­
a falta de drenagem nas baixadas, o intenso fluxo cipal do governo do estado, justificando o
de trabalhadores entre Santos, São Paulo e o in­ controle do Estado sobre o urbano e a moradia
terior à busca de emprego e, finalmente, a dos trabalhadores. O receio do caos e da
inexistência de praticamente qualquer serviço desordem urbana, a ameaça que os surtos
sanitário até o começo da década de 90, epidêmicos traziam à perfeita organização
colocaram o poder público sob a síndrome das económica do Estado, o pânico que um mal
epidemias. desconhecido trazia à população, a deseconomia
que a morte de imigrantes recém-chegados
Assim, em 1892, pressionado pela propa­ causava às finanças públicas (como afirma
gação de uma epidemia de febre amarela em Motta: “as epidemias nos ameaçam todos os anos,
Santos e em várias cidades do interior e pela dizimando a classe operária e roubando-nos braços
necessidade de criar um aparato de controle úteis que importamos com sacrifícios") e. enfim, o
capaz de trazer à normalização a desordem do medo também da classe dirigente e rica vir a ser
urbano que se gerava, o presidente do estado atingida pelas doenças, são razões suficientes
envia grave mensagem ao Congresso Legislativo: para levar o Estado a uma ação concreta sobre o
“Epidemias intensas devastaram durante os últimos urbano.
meses várias localidades do Estado. O Governo não
se limitou a proporcionar para o caso todos os No que toca à questão habitacional, a
recursos de momento ao seu alcance; mas, intervenção do Estado visando controlar as
considerando a gravidade do assunto, tomou a condições sanitárias e impedir a propagação de
iniciativa de grandes medidas que, estou certo epidemias pode ser dividida em três diferentes
aprovareis, e para as quais decretareis os meios tipos de providências:
necessários. As epidemias que assolam o principal
dos nossos portos não só perturbam gravemente o A criação da Diretória de Higiene, com
mecanismo económico do Estado e ameaçam de poderes de exercer a função de polícia e
sérias dificuldades a sua comunicação comercial com inspeção sanitária, isto é, penetrar nos
o exterior, mas expõe também todo o território domicílio para controlar a vida , as regras de
paulista à invasão da febre amarela, como uma cruel asseio, higiene e saúde de seus habitantes;

<■
A Produção Rcntista de Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

A promulgação de vasta legislação de os Imigrantes no próprio estabelecimento da


controle sanitário e de produção das Imigração, fazendo guarnecer por força armada as
habitações, com destaque para o Código portas de saída. Em seguida isolou-se os passageiros
Sanitário de 1894 da vapor Re. Umberto em um grande salão, por se
ter logo verificado que os primeiros casos de cólera
A participação do Estado na gestão de obras se deram entre eles, procedentes em sua maior parte
de saneamento e dc abastecimento de água e do porto de Nápoles. As bagagens e roupas desses
de coleta de esgotos, sobretudo através da passageiros foram primeiro que tudo separadas para
encampação da Companhia Cantareira de serem esterilizadas na estufa a vapor." (Veiga
Águas e Esgotos e da Comissão de Sanea­ 1894).
mento das Várzeas.
O esquema que a Diretória de Higiene
A Diretória de Higiene é montada como um montou para combater a cólera se assemelhava
verdadeiro império, denunciando por si só o novo a uma grande operação militar, colocando em
papel que o órgão passaria a ter. Laboratórios, prática o antigo ensinamento da medicina so­
hospitais e desinfectório como retaguarda e cial "uma epidemia mortífera é o campo de batalha
dezenas de tentáculos espalhados através de do médico". (Jobin apud Machado 1978:244). O
delegacias sanitárias e pelas ruas e bairros da advento do cólera foi uma oportunidade que os
cidade através de inspetores, fiscais, desin- higienistas locais tiveram de acenar todo seu
fectores, delegados e policiais sanitários. dispositivo de esquadrilhamento e disciplina do
espaço urbano (Machado 19 78:244). Depois de
isolada a Hospedaria dos Imigrantes, a Diretória
“ Verdadeiramente nova foi a fase criada por esse de Higiene passa a uma ação agressiva buscando
ato (lei No. 43 de 18/1/1892) do então presidente controlar todos os focos da doença que pudessem
(...). Dr. Cerqueira César, que deu maior impulso haver na cidade, visto que quando surgiram na
possível na ocasião à higiene de todo o Estado, quer Hospedaria dos Imigrantes os primeiros casos de
aumentando o número dos delegados da Capital, cólera, grande parte dos estrangeiros já haviam
criando delegadas nas cidades e vilas do interior, quer se retirado para o interior ou capital.
enviando um comissionado à Europa com o fim es­
pecial de comprar vários aparelhos, tais como
estufas e pulverizadores para desinfecção a mais Então, "O Dr. Diretor da Higiene ordenou a seus
rigorosa. O mesmo ato criou o Instituto delegados severas e repetidas visitas domiciliares,
vacinogênico, o laboratório de análises químicas, o recomendando-lhes que tomassem providências
de bacteriologia. o lugar de engenheiro sanitário e o imediatas, logo que verificassem qualquer caso
desinfectório central." (Veiga 1894) suspeito. Graças a esta medida, (...) outros focos fo­
ram sendo descobertos e atacados em tempo de não
se desenvolverem" .(Cotrim 1893). Para combater
Este aparato é testado em 1893, quando Sào a epidemia, a ordem sanitária vai penetrando
Paulo, cuja população estava crescendo a uma nas casas, removendo pessoas - doentes ou não,
taxa de 28% ao ano, como foi mostrado na tabela desinfetando móveis e objetos pessoais,
1.1, é subitamente atingido por um surto demolindo e queimando casebres, isolando
epidêmico de febre amarela e pela terrível chol- quarteirões, prendendo pessoas suspeitas,
era-morbus, que pela primeira vez atinge o atacando focos. "No mesmo dia (...) tive
Brasil. conhecimento da existência de dois outros (doentes)
na casa n° 18 da Rua da Saúde, onde residiam
O combate a este surto epidêmico é um colonos italianos e entre eles alguns recém-chegados.
exemplo excelente da terapia posta em prática Feita a remoção desses doentes para o hospital de
pelos higienistas: imediatamente após a isolamento, fiz evacuar a casa, retirei para a
descoberta da cólera na Hospedaria dos Hospedaria dos Imigrantes os moradores restantes,
Imigrantes, "a Diretória de Higiene isolou todos

■m
i
A Produção Rcntista de Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

' A
e sob minhas visitas foi praticada rigorosa referiu-me haverem aparecido entre os trabalhadores
i' . desinfecção. Este serviço, que foi executado com todo
•i de linha férrea da Cantareira alguns casos de
o cuidado e de acordo com os preceitos científicos moléstia (...) Parti imediatamente (...). Ali
foi repetido durante 8 dias sucessivos." (Cotrim chegando, encontrei agasalhos em um rancho dois
1893:276) doentes (...) em outro havia dois cadáveres Como
única medida de saneamento (...) lancei mão do fogo
8
Semelhante tratamento foi feito em diversas (...) e de combinação com o Sr. Dr. Ferraz foram
outras casas no Brás e na Liberdade. “No dia 25 destruídos todos os ranchos (...) Os trabalhadores,
caiu gravemente enfermo com todos os sintomas aterrados com os efeitos da epidemia, que havia
característicos da moléstia que tantas vidas já havia vitimado em poucas horas grande número deles,
ceifado, um empregado da Fabrica de Sabão e Velas fugiam em massa, sendo para receiar, que viessem
da Avenida Martin Buchard, no Brás(...). A fábrica para o centro da cidade. Tomei providências para
ficou imediatamente isolada e como nela prevenir a disseminação do mal" (Cotrim
trabalhavam mais de 20 operários, foi preciso o 1893:277)
emprego de força pública para impedir a fuga de toda
essa gente." (Cotrim 189 3:2 76). Em face do A síndrome da epidemia trazia pânico à
perigo, não só possível, mas já atuante, as população urbana, justificando toda e qualquer
medidas higiénicas são exarcebadas a tal ponto medida que a Diretória de Higiene e a Polícia
que toda a vida da cidade é organizada em Sanitária propusesse na medida em que elas é
função de destruição da doença epidêmica. que passavam a ter o domínio e o conhecimento
(Machado 19 78) das ações necessárias. “O pânico que tão desagra­
dável notícia (o aparecimento da cólera) trouxe a
"No dia 27. à noite, fomos surpreendidos com o nossa população tem sido dominado pela confiança,
aparecimento de mais dois doentes na casa n°. 5 da que a todos têm inspirado as acertadas resoluções
Rua da Consolação. Procediam do .km 20 da Estrada tomadas pelos poderes competentes para debelar o
de Ferro Sorocabana e, de viagem para esta Capital, mal." (Serva 1894). A cidade fica então a mercê
onde vinham procurar socorros, haviam pernoitado da ordem sanitária: a inviolabilidade do
em uma casinha no povoado dos Pinheiros. Urgia domicílio se torna letra morta, casas são
atacar outros focos. A casa da Rua da Consolação interditadas, demolidas ou queimadas.
foi submetida a rigoroso tratamento sanitário nesta
mesma noite, sendo as desinfecções, como em outros Enquanto as providências tomadas contra a
pontos, repetidas por espaço de 8 dias sucessivos. disseminação do surto epidêmico do cólera
Como medida complementar determinei que fossem revelavam uma estratégia voltada para detectar
í! desinfectados todos os prédios do quarteirão, tendo focos espalhados por toda a cidade, o tratamento
i em especial atenção os esgotos. No dia 28 (...) segui proposto contra o surto epidêmico da febre
para Pinheiros (...) levando uma turma de amarela foi mais localizado, situado preci­
desinfectadores(...) Não foi difícil descobrir a samente numa zona de Santa Ifigênia entre os
casinha onde haviam pernoitado os epidêmicos e, Campos Elísios e a zona central.
depois de convenientemente desinfectada e lavada,
ficou interditada (...). Seguimos então para o KM Nota-se aqui uma preocupação explícita da
r. 20 da Estrada de Ferro Sorocabana, onde se verificou Diretória de Higiene em melhorar as condições
que os indivíduos em questão habitavam um imundo da habitação especificamente nesta área da
1 e quase arruinado rancho de palha, que não se
prestava ao mais elementar processo de desinfecção.
cidade, tendo inclusive encomendado para este
fim o Relatório de Exame e Inspecção das
O meio de garantir a inocuidade daqueles pardieiro Habitações Operárias e Cortiços no Districto de
era destruí-lo pelo fogo, providência que foi tomada Santa Ephigênia, que tantas informações nos
sem hesitação. A 2 de setembro fui procurado pelo permite obter.
Dr. Ferraz, chefe da Comissão de Saneamento, que
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

Neste caso, percebe-se que o poder público moradores a desocupá-los em prazo curto e sendo
decidiu intervir de forma concentrada numa intimados os proprietários a reformá-los sob plano
região, atuando de modo a melhorar as aprovado, antes de os poder alugar novamente. 2)
condições de drenagem e saneamento, fatores Para exigir a demolição de prédios condenados para
que. indiscutivelmente, tinham grande os quais não haja concertos ou reparos possíveis. 3)
importância na prevenção de epidemias. A Para fazer a desapropriação por utilidade pública
escolha de Santa Ifigênia não é aleatória: este daquelas construções que forem condenadas pela
não é. exclusivamente, um bairro popular, mas higiene e de que haja conveniência na reedificação,
era também habitado pela classe média e inclu­ sob tipo especial aprovado." (Motta 1894).
sive pela burguesia cafeeira: a própria região
analisada no Relatório de 1894 situa-se a menos Estas propostas são feitas inicialmente para
de 500 metros do mais aristocrático bairro de "converter as habitações defeituosíssimas de Santa
então. Campos Elísios. Assim, embora os Ifigênia em casas, onde os operários possam
problemas existentes em Santa Efigênia também encontrar os elementos essenciais a vida" (Motta
estivessem presentes em outros bairros 1894), tornaram-se o embrião da vasta
populares, gerando problemas sanitários e legislação que regulamentou a construção de
doenças contagiosas, foi ali que se propôs uma habitação operária, adotada pelo Estado através
intervenção completa. do Código Sanitário de 1894. Ela já indicava uma
intenção velada de eliminar os cortiços, e
Revelou-se. então, um outro tipo de conseqúentemente os trabalhadores, da área
estratégia sanitária: "Na zona afetada pela central e de regiões co-habitada por setores
epidemia as providências a tomar têm de ser sociais mais privilegiados. Mas, além da
enérgicas, prontas e quase radicais para produzirem proposição destas medidas de caráter normativo,
algum resultado sobre a higiene das habitações a terapia para a área afetada de Santa Ifigênia
operárias(...). Em primeiro lugar propomos que se incluía também uma intervenção capaz de
não permita a construção de novos cortiços dentro melhorar significativamente as condições de
desta zona e que as casas de dormida existentes se urbanização da região: a execução de um plano
submetam a um regime todo especial de polícia e de de saneamento para regularizar o terreno, pois
higiene que lhes corte os abusos pela raiz. Em se verificou a existência de uma forte relação
segundo lugar, propomos que os cortiços existentes, entre a disseminação da febre amarela e a
e tão somente aqueles que puderem continuar em inexistência de saneamento básico. O poder
função passem por transformações que a higiene público passou então a realizar trabalhos de
impõe e a polícia deve exigir" (Motta 1894). drenagem e de abaixamento de lençol de água
da zona, além de empreender a limpeza do bairro
O objetivo de limpar a área de cortiços, e a obstrução de poços.
buscando acelerar, através de uma intervenção
pública, um processo de segregação é Vemos assim, que do tratamento das duas
transparente. Depois de se listar uma série de epidemias de 1893 surgiram três frentes de
exigências a serem atendidas pelos cortiços e atuação para combater as doenças contagiosas
pelas casas de alugar cômodos, verdadeira urbanas. Estas frentes - a legislação urbanística,
relação de normas e padrões de construção, é os planos de saneamento básico e a estratégia
feita a indicação das providências a serem de controle sanitário - são a origem da-
tomadas quanto aos cortiços condenados: intervenção do poder público na produção do
"dentro da zona afetada, os cortiços condenados não espaço urbano e da habitação .
são poucos. As condições higiénicas de tais
habitações são tão desfavoráveis que o recurso único, O surto epidêmico do cólera foi contido e
mas pronto a lançar-se mão por agora, é propor-lhes embora tanto pânico tenha trazido, não matou
o interdicto O poder público deve de estar preparado: mais de 5 3 pessoas. A epidemia de febre
1) Para lançar-lhes o interdicto, coagindo os amarela, depois de ter ceifado 125 vítimas em

■TFB
••7
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

1 •

1893. praticamente desapareceu de Santa ^pois suas habitações eram tidas como o foco
Ifigênia, posta sob guarda da política sanitária privilegiado de desenvolvimento das doenças
e sob a ação da Comissão de Saneamento (Serva infecciosas. “A predileção do cholera-morbus pelas
1893). Os higienistas se regozijam pela habitações imundas, 0 extermínio da população
eficiência do tratamento proposto e exigiam sua miserável em todas as partes onde tem grassado essa
continuidade: novas leis regulando as epidemia, as vantagens que resultou do asseio
construções, visitas domiciliares constantes, doméstico, despertam no higienista a necessidade de
exames e inspeções nas habitações, controle intervir com todo 0 rigor com 0 fim de sanear a
sanitário, vacinações. Daí para a frente, a vida habitação pobre" (Veiga 1894:92).
na cidade passou a ser cotidianamente
i
controlada pelos higienistas. Esta estratégia sanitária baseada em visitas
domiciliares e desinfecções, entretanto, era
Graças à síndrome das epidemias os absolutamente inócua para melhorar as
\ higienistas ganham a posição dos principais péssimas condições de moradia e saúde ou para
agentes reguladores da cidade. Sua ação se eliminar suas causas sociais: pobreza, super-
pl
, pautou muitas vezes, em atos de violência como exploração e baixos salários, subnutrição, falta
foram as desinfecções: "realmente contristador 0
quadro que representavam os carroções do Serviço Í de saneamento e de moradias dignas.
. ^compatíveis com os salários. Estes problemas

£
Sanitário quando ocorria algum caso de varíola. O
enfermo era introduzido nela, enquanto os homens
do Desinfectório entravam na casa do varioloso e
Ti gerados por uma ordem social e económica
II ninjusta nunca foram abordados e permanece-
ram intocados. Os higienistas enxergaram na
5 procediam a um expurgo total. Pouco sobrava, depois moradia propriamente dita, a causa dos
da sua retirada, além do cônjuge remanescente e dos problemas e dirigiam o combate à casa : "São as
filhos chorando desesperadamente" (Penteado casas imundas 0 berço do vício e do crime" (Veiga
1971: 281). A prática da violência e a criação 1894:82). E, finalmente, concebiam o
de poderes extraordinários à Polícia Sanitária fo­ trabalhador pobre como o ignorante que. sem
ram claramente assumidas pelos higienistas, moral, higiene e bons costumes podia se tornar
que justificavam o desrespeito às leis gerais (de um ser politicamente perigoso: "O socialismo
caráter liberal) que regiam a sociedade: "a higi­ destruidor e pernicioso para 0 progresso de uma
ene não pode cingir-se às leis gerais que regem a nação, encontra nesses centros das grandes cidades,
' r, sociedade, muitas vezes precisa a bem da salubridade uma atmosfera favorável para seu engran­
■ pública, intervir ditatorialmente, praticando mesmo decimento." (Veiga 1894:82). Esta classe
violências, segundo a gravidade da situação" (Veiga necessitava portanto ser vigiada, controlada,
1894:97). conduzida, ensinada nos seus hábitos de morar,
para não se perder por maus caminhos. Esta
As visitas domiciliares, por sua vez, eram visão sanitarista e moralista sobre o problema
interferências diretas no cotidiano dos da habitação - e que orientou predomi-
moradores, com os inspetores procurando nantemente a intervenção estatal no
determinar os comportamentos e hábitos de surgimento da questão em São Paulo,
vida, de higiene e de asseio domésticos. “As permaneceu até os anos 40 quando ainda se
visitas domiciliares sistemáticas em uma cidade constituía numa das vertentes de análise sobre
como a de São Paulo pela autoridade sanitária, a problemática.
visando em uns o estímulo para a manutenção do
asseio, em outros impondo sob penas legais a A partir da montagem do império sanitário
execução das medidas higiénicas só podem ser no início dos anos 90, milhares de casas foram,
louvadas" .(Veiga 1894) todos os anos, visitadas pelos desinfectores e
pelos inspetores sanitários sempre em severa
—7—A população trabalhadora era sempre a mais vigilância contra tudo que pudesse se constituir
/ procurada por este tipo de interferência estatal em risco, não só à saúde pública, mas a tudo que
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

os preceitos de higienismo considerassem acompanhar a expansão da cidade. Assim, em


pernicioso ou perigoso. O sempre constante risco 1892, “o Congresso do Estado autorizou o poder
de epidemia mantinha a polícia sanitária em executivo a rescindir o contrato, encampar a Cia.
alerta. E, como toda ação de polícia, ela se Cantareira de Esgotos e mandar executar as
constituiu num forte fator normalizador ou obras de abastecimento de águas e de
homogeinizador do social. desenvolvimento da rede de esgotos" (Stiel
1978). A ação do Estado foi rápida e eficiente:
O segundo grupo de intervenções que o poder mandou construir uma via férrea, o Tramway
público aciona para enfrentar as novas da Cantareira, para acelerar as obras e em pouco
condições urbanas emergentes da década 90 são tempo a maior parte da cidade estava abastecida
as obras de saneamento e de distribuição de água por água e servida por rede de esgoto.
e coleta de esgoto, cuja eficácia na melhoria das
condições sanitárias e urbanas foi muito mais A pronta intervenção do Estado na
importante do que as ações repressivas da Polícia estatização da Cia. Cantareira e na aceleração
Sanitária. das obras destinadas ao abastecimento de águas
e esgotos, mostra que este setor tornou-se uma
Até então, o serviço de águas e esgotos estava prioridade do poder público devido sua
sendo explorado por uma empresa privada - a repercussão nas condições sanitárias. Dentre as
Companhia Cantareira de Águas e Esgotos - causas que geravam a proliferação de doenças
como era a regra no que se referia aos serviços epidêmicas, a água contaminada ocupava lugar
públicos. The São Paulo Light Power & Cia., na de destaque. Embora os higienistas apontassem
distribuição de luz elétrica e no serviço de diversos fatores ligados à moradia como
bondes. São Paulo Gás Co. Ltd., no serviço de propagadores de doenças (promiscuidade,
iluminação pública à gás e distribuição acúmulo de moradores, ausência de asseio ou de
domiciliar e a The Telephone Co.. na telefonia moral, hábitos populares, etc.), a falta de
sào exemplos de empresas privadas estrangeiras saneamento e drenagem - ao lado do. acúmulo
que exploravam os serviços públicos mediante de pessoas em moradias de área reduzida - fator
concessão estatal objetivando a obtenção de de grande importância na propagação de
lucros. O regime estritamente privatista em que doenças de aparelho respiratório como a
se vivia reservava às empresas capitalistas tuberculose - , eram as causas principais na
importante setor dos serviços urbanos, aliás disseminação de doenças infecciosas. Na
preferido pelo capital estrangeiro. verdade, os higienistas se utilizavam do prestígio
que tinham para elaborar um discurso
moralizador que visava reprimir o variado leque
A encampação da Companhia Cantareira é
de costumes e modos de vida existentes numa
significativa exatamente porque representou
cidade em que a grande maioria da população é
uma intervenção estatal num setor que, em
estrangeira e normalizá-los, de acordo com um
geral, era concedido a particulares. Essa ação do
padrão estabelecido, ação que efetivamente nada
Estado foi determinada pela prioridade que a
tinha a ver como uma ação eficaz na prevenção
questão sanitária ocupava nas preocupações
às doenças infecciosas.
governamentais no início da década de 90. Neste
sentido, o abastecimento de água potável e a
coleta dos esgotos eram fundamentais, pois se A falta de rede de água, por exemplo foi a
eram os mais importantes meios transmissores causa de proliferação da epidemia de febre
de doenças contagiosas. amarela em Santa Ifigênia, em 1893, pois os
esgotos contaminaram a água dos poços: “além
de imperfeitos esgotos, quase todas as casas tinham
A Cia. Cantareira atuava morosamente nos
latrinas de fossas fixas, com deficiência de água. As
trabalhos de adução de água na serra e na
muitas lavadeiras que ali moram utilizavam-se de
ampliação da rede, não conseguindo sequer
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

águas de poços (cisternas). Ora, sendo certo que foi grande quantidade de obras a se fazer, pois a
exatamente naquele perímetro que mais doentes expansão da cidade promovida por loteadores e
importados apresentavam-se sendo igualmente especuladores atingia extensa área de baixada.
verdade que as dejeções eram atiradas ã latrina sem Estas eram, via de regra, ocupadas por moradias
desinfecção: sendo incontestável que eles podiam se populares, pois ali se encontravam os terrenos
infiltrar no lençol de água subterrâneo ou na bacia mais baratos e o seu abandono geravam um
lacustre, é óbvio que as águas infeccionadas do agravamento das condições sanitárias.
subsolo intoxicavam os poços e conseqúentemente Desenvolve-se, então, uma tradição urbanística
os habitantes daquele ponto “ (Motta 1894) na cidade, que trata da urbanização destas áreas
basicamente através da retificação e canalização
A ampliação da rede de água e esgotos se dos córregos e do aproveitamento do seu leito
tornou fator importantíssimo de preservação da para a implantação da avenidas de fundo de vale.
saúde pública e o Estado passou a investir
maciçamente neste setor, conseguindo, como
pode-se verificar na tabela 1.3, ligar às redes
mais de 80% dos prédios da cidade até 1920. No A terceira forma de intervenção do poder
período de seca, entretanto, era constante faltar público na questão habitacional foi através da
água nos bairros populares. legislação de controle do uso do solo urbano,^
também consequencla dà vísão sanitarista que
\ Outra intervenção direta do poder público foi predominava no período. "A higiene não pode
em saneamento e drenagens de várzeas e cingir-se às leis gerais que regem a sociedade (...) A
M baixadas. Em 1890 foi constituída a Comissão interdição de uma casa, o desalojamento de uma
de Saneamento das Várzeas, que detectou uma família, a penetração no lar doméstico a título de

EVOLUÇÃO DAS REDES DE ÁGUA E ESGOTO NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO


1900-1960

Ano Água Esgotos Total de Prédios %l/3 %2/3


1 2 3
1905 23.743 21.882 25.976 91 84
1910 32.474 29.771 32.914 98 90
1915 49.961 45.601 53.990 83 82
1920 51.825 49.521 59.784 86 82
1927 75.370 61.775 88.407 85 69
1935 104.741 83.956 119.017 88 70
1940 135.242 106.485 224.883 60 47
211.021 140.267 360.336 58 39
4
1950

Fonte: BDDE. 1954; Anuário Estatístico do ESP, 1942: DEE São Paulo,1946:
Melhoramentos Urbanos no MSP, 1950; BDEE ,1952

ITil
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

visita sanitária, a designação da forma de preocupação revelada por estas disposições


enterramento e do cemitério, são atos reclamados legais se dirige às casas coletiva, estalagens e
pela higiene pública e que não parecem obedecer a cortiços, pois se considera que o tratamento
uma lei geral, mas sim a um regulamento sanitário sanitário imposto à cidade para ser completo não
especial" (Veiga 1894). podia excluir a unidade urbana: "não bastava,
com efeito, melhorar as condições de abastecimento
A criação de um corpo legislativo de água e do serviço de esgoto, encetar a drenagem
determinando uma série de normas, posturas e profunda e superficial do solo, proceder à
regulamento era uma necessidade na regularização e limpeza dos terrenos baldios,
complementação de nova ordem sanitária e retificar o curso dos rios urbanos, efetuar o asseio e
urbana que se gerava. "Os largos dispêndios a que limpeza das ruas e quintais, regularizar ou
são forçados os cofres públicos nas obras de regulamentar as construções novas, arborizar as
saneamento geral, nos serviços mantidos em bem praças e logradouros públicos, calçar as ruas, tomar
da higiene defensiva, justificam . quando não fosse enfim todas as medidas para manter em nível elevado
a necessidade de salvação pública as medidas de rigor a higiene de uma cidade que cresce rapidamente e
para conter a exploração gananciosa dos que cuja população triplicou em dez anos, é preciso
constroem sem consciência e dos que locam e cuidar da unidade urbana da habitação, não já da
sublocam prédios sem atenção ãs leis da moral e a habitação privada, mas daquela onde se acumula a
vida dos seus inquilinos. A higiene pública pode e classe pobre, a estalagem onde a população operária
deve em certos casos suprimir garantias (...). Com - o cortiço como vulgarmente se chamaram as casas
as leis de higiene na mão o poder público manda construções acanhadas, insalubres, repulsivas
demolir, retocar e reformar o que não pode algumas, onde as forças vivas do trabalho se
permanecer sem corretivo: faz desaparecer ajuntam em desmedida, fustigadas pela dificuldade
utilidades, criar outras e nem sempre é obrigado a de viver numa quase promiscuidade a que a economia
indenizar o que houve de condenar muitas lhes impõe mas que a higiene repele. ” (Motta 1894)
vezes. "(Veiga 1894)
I Assim, no que se refere à habitação, a
Desde o Código de Posturas do Município de maioria das leis se dirigiu a regulamentar a
São Paulo de 1886, várias foram as leis que construção de cortiços - sempre entendidos
visaram estabelecer tipos e padrões de como habitações produzidas em série e abrindo
habitações operárias definindo seus gabaritos, para um páteo ou corredor. O Código de Posturas
seu desenho, suas dimensões, sua cubagem, seus de 1886, anterior à formação do "império
equipamentos sanitários, assim como sanitário", que ocorre nos primeiros anos da
determinar quais soluções de alojamento eram década de 90, determinou que a área mínima
proibidas. De toda esta legislação, a mais de cada cômodo deveria ser de 5m2, que entre
importante e completa é o Código Sanitário do cada linha de cortiços deveria haver uma
estado, instituído em 1894 e que se tornou um distância de pelo menos cinco metros, que para
modelo a ser seguido por todos os municípios do cada conjunto de seis habitações deveria existir
estado de São Paulo. O Código Sanitário, um poço com água e um pequeno tanque de
formulado sob forte influência da legislação lavagem, que para cada duas habitações deveria
francesa, foi consequência direta da marcante existir uma latrina com água suficiente e que
presença dos higienistas na administração e estas condições eram proibidas no perímetro do
tornou-se um compêndio dos princípios gerais comércio.
da higiene pública então colocados em prática.
O Código de 1886, portanto, tolera a
Destas posturas, pode-se identificar existência dos cortiços, determinando padrões
claramente qual é o padrão de habitação para sua edificação. Por outro lado, não fazia
proposto pelos higienistas e assumido pelo poder referência a outros tipos de alojamentos
público e quais são condenados. A grande populares, como as casas de cômodos, hotel-

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A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

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Modelo de cortiço proposto pelo higienista: pouca diferenciação do padrão de vila operária.

cortiços, cortiços improvisados, etc. - Deveria ser terminantemente proibida a


provavelmente porque estes somente se construção de cortiços, convindo que a
difundiram significativamente depois de 1886, municipalidade providenciasse para que
quando efetivamente o problema da desaparecessem os existentes;
concentração operária passa a existir.
1
- Não deveriam ser toleradas as grandes casas
"i O Código Sanitário de 1894, por sua vez, subdivididas, que serviam de domicílio a
reforça o rigor cbm_os~cmrtiçósTrefletindo a / grande número de indivíduos;
*
posição de força que os higienistas passaram a
contar. Assim, no capítulo referente às^
I- As casas para habitação das classes pobres
Habitações das Classes Populares , o Código
determina que:
I deveriam ser construídas em grupos de
tj
*4í
quatro a seis, no máximo;

I ■H71
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

As habitações insalubres deveriam ser remuneração dos trabalhadores, assim como o


saneadas e. quando isto não fosse possível, grande número de trabalhadores informais ou
demolidas: desempregados existentes no período, não
permitia a cobrança de aluguéis elevados. Os i
Diversas posturas posteriores do município dc cortiços e as casas coletivas eram, portanto, uma
São Paulo adotaram a mesma linha. Em 1893. necessidade estrutural para a reprodução da
a lei municipal 38 estabelece que toda e força de trabalho a baixos custos e, enquanto tal,
qualquer nova edificação depende de planta não poderiam ser reprimidos e demolidos na
aprovada. A Lei 3 75/1898 determinou que os escala que a lei e os higienistas determinavam.
cortiços infectos e insalubres não seriam Este conflito entre a lei e a cidade real, que nunca
permitidos e deveriam ser demolidos ou mais desapareceu, decorre do processo de
reconstruídos conforme o Padrão Municipal: exploração da força de trabalho e permeou
esta intenção é reforçada, entre outras, pela lei permanentemente a produção de habitação
413/1 901, que declara "não serem permitidas as popular em São Paulo.
habitações coletivas em forma de cortiços, nem casas
que para tal fim não forem construídas, nem os Embora existam referências de demolições de
cortiços que não estiverem de acordo com o padrão". habitações tidas como insalubres, nunca o poder
público pôde levar a lei ao pé da letra pois isto
A preocupação expressa pelo poder público significaria deixar ao desabrigo boa parte dos
com relação aos cortiços e casas coletivas em trabalhadores urbanos. "A carestia de habitação
geral é absolutamente coerente com o enfoque higiénica, nesta capital, para as classes pobres, cada
dado ao problema da habitação pelos higienistas. vez se agrava e, em consequência, alojam-se estas
Casas coletivas e cortiços significavam em porões que não oferecem condições de salubridade
concentração de trabalhadores e uso comum dos ou em cortiços em que se aglomeram com os maiores
serviços sanitários, muitas vezes somados à falta inconvenientes sanitários. A lei faculta à autoridade
de condições de saneamento e de redes de água despejar os ocupantes dessas habitações impróprias
e esgoto. Tudo isto junto criava, sob os olhos da e, nas toleráveis, proporcioná-los à lotação; mas a
higiene pública, condições propícias à crise de alojamento e a repugnância que causa tal
propagação de doenças infecciosas. Tornava-se violência em circunstâncias tais, tolhem a ação do
premente, então, proibir a construção de novas Serviço Sanitário" (Campos 1925). É exatamente
habitações deste tipo, assim como reprimir as neste aspecto que o projeto sanitário vai de
existentes para obrigá-las à reforma ou. quando encontro às condições estruturais de
isto não fosse possível, demoli-las. acumulação de capital, baseadas em baixos
salários e em regras mercantis de produção de
moradias de aluguel, encontrando suas
O fato dos higienistas terem conseguido
limitações. Frente à ordem do capital, a lei da
transformar suas posturas em lei, não significou,
higiene é impotente. Não devemos, entretanto,
na prática da produção da cidade real, que estas
pensar que a legislação urbana e higienista era
normas tivessem sido obedecidas. Pelo contrário,
letra morta.
a partir das últimas décadas do século passado,
passou a ocorrer um constante conflito entre os
padrões legais estabelecidos pelo poder público Pelo menos até meados da década de 20, a
e a atividade de construção de moradias fiscalização e a polícia sanitária foram ativas e
populares. Estas eram produzidas, em geral, por procuraram se mostrar vigilantes. Embora ela
empreendedores privados que visavam obter não tivesse tido força para impedir inteiramente
rendimentos para os investimentos realizados a proliferação de cortiços e habitações precárias,
através da construção de casas de aluguel. ainda significava uma limitação que dificultava
a construção de moradias sem autorização do
poder público, exercendo, mesmo que
A construção barata era uma necessidade
subjetivamente, uma ação repressora. É evidente
intrínseca ao negócio, pois os níveis de
A Produção Rcntista de Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

que até este momento, o poder de fiscalização sugerida por alguns higienistas e por técnicos do
do poder público no controle do uso do solo era Departamento Estadual do Trabalho: "fica pois
muito mais poderoso do que passou a ser a partir bem entendido do que se não preconizarmos um radi­
dos anos trinta, como será visto no capítulo 6, cal socialismo do Estado, contudo não podemos
quando a fiscalização aos loteamentos endossar uma certa opinião que infelizmente corre
clandestinos era totalmente desmoralizada. efaz adeptos, segundo a qual a função do Estado é a
de mero espectador dos acontecimentos. É evidente
Em parte estas alterações estão ligadas a que a iniciativa privada não pode dar uma solução à
mudança da visão predominante na burocracia questãof...). Sendo as casas operárias, para os
da saúde. "Em 1925, através do Decreto 3876, capitalistas, uma questão de dinheiro como qualquer
durante a direção de Paula Souza, reorganiza-se outra, qual o meio de conseguir, para as classes
completamente o Serviço Sanitário, passando a ter pobres, casas ao mesmo tempo higiénicos e baratas?
-r' \ papel secundário as práticas sanitárias basadas na A resposta é óbvia: ou o Estado (em nosso caso o
concepção bacteriológica (como o controle sanitário Município) assume o papel do capitalista,
da moradia e as desifecções) e tornando-se construindo as casas, ou proporciona empréstimos
predominantes as práticas médico-sanitárias aos operários para que as construam ou concede
fundamentadas nas concepções da Escola Americana certas regalias aos indivíduos e associações que se
segunda a qual a Saude Pública se exerce por ações obrigarem a efetuar a construção de tais casas de
permanentes de Educação Sanitária, acordo com um tipo aprovado, bem como alugá-las
preferencialmente realizadas em unidades locais." por preço módico, devidamente fixado” .(BDET
(Escrivão Jr 1985:26). 1916)
T C No entretanto, a proposta de produção direta
.V Como a postura governamental relativa à
- habitação até os anos vinte tinha um forte apelo / de casas pelo Estado, não só não era
repressivo e restringidor à livre construção, era ' majoritariamente compartilhada no seio do
preciso apresentar alguma iniciativa que se aparelho e Estado, onde a concepção liberal
contrapusesse a esta política: "de acordo com as ainda predominava, fortemente, apesar
leis as construções encontradas sem a devida f higienistas, como também era incompatível com
segurança e ameaçando perigo iminente ou a concepção do papel do Estado que predominou
insalubridade foram demolidas. Acho que a Câmara no país até 1930. Assim, durante toda a
deve sobre o assunto tomar medidas mais amplas Republica Velha a política estatal em relação à
porque não é possível, de momento, suprimir o produção de moradias sempre se baseou em
cortiço sem que se dê habitação que o substitua. É \ propostas de incentivo aos particulares e nunca
preciso conceder favores do poder público para a 1 à produção direta. Exemplo desta postura são as
I conclusões de Comissão formada pelo prefeito
construção de Vilas Operárias, provando assim o
legislador cooperar para a supressão dos celebres Pires do Rio, em 192 7, para analisar o problema
cortiços ou estalagens” (Souza 1921). habitacional e propor alternativas: recomendou
o não envolvimento do poder público na
construção de casas, que desestimularia o
í Em geral, as concessões de estímulos e favores
investimento privado, e sugeriu favores para
à iniciativa privada foi a única medida aceita
quem construísse (Cintra 1927).

1I pelo Estado para interferir no mercado de


produção de moradia. Foi deixada de lado a
.1 possibilidade de produção direta de moradias por
órgãos governamentais e a efetiva
I, regulamentação das relações entre locadores e r As propostas de estímulos à iniciativa
privada, tomadas em várias cidades e Estados
brasileiros, foram quase sempre muito bem
\ aceitas por todos: higienistas, poder público e
inquilinos através de uma legislação de defesa
| do inquilinato, medidas que somente foram Lpromotores de empreendimentos de aluguel.
adotadas depois de 1930. É verdade que a | Para estes significava a possibilidade de ter seus
construção de moradia pelo Estado chegou a ser \ lucros aumentados; ao poder público, mesmo

I
I-
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

que os resultaddos fossem pífios, era a forma de nada modificado as condições de locação nem o
apresentar alguma medida concreta para mercado de aluguéis.
melhorar as condições de moradia das classes
pobres, enquanto que para os higienistas era a Foram estas as mais significativas formas de
oportunidade de revelar o modelo e o padrão de intervenção do Estado no problema da
habitação recomendável aos pobres. Surge, habitação, do advento da república à década de
então, a partir do fim do século, toda uma série 30. Como se viu, o Estado liberal-oligárquico sob
de leis que visam favorecer a construção de Vilas o controle da burguesia do café, tratou a questão
Operárias. da habitação principalmente de um ponto de
vista repressivo, ditado pela ordem sanitária, o
A Vila Operária, baseada na casa unifamiliar, que é coerente com a postura predominante no
era o modelo de habitação operária higiénica e período no enfrentamento do problema social.
aparece sempre como o ideal a a ser atingido. Entretanto, se for considerado que a regra neste
Os estímulos à sua construção surgem já em período era o Estado manter-se afetando das
188 7 e posteriormente na lei 413/ 1901. através atividades desenvolvidas pela iniciativa privada,
da isenção dos impostos municipais às vilas não há como negar a especificidade com que o
operárias que se constituíram como tais e de Estado interferiu, buscando colocar limites na
acordo com o padrão estabelecido pela Prefeitura ação de promotores de cortiço.
e fora do perímetro central, sendo reforçados
pela lei 1098/ 1908. onde a Câmara Municipal O forte predomínio do higienismo como o
além de reafirmar as mesmas intenções, ainda guia condutor da ação estatal produziu o que foi
se propõe a fazer gestões junto ao Congresso denominado de autoritarismo sanitário, ou seja,
Legislativo do Estado, para que este tome medida 7 a imposição de uma terapia ao urbano que
semelhante, e ao Congresso Federal no sentido procurava sanear os males da cidade sobretudo
deste autorizar as Caixas Económicas a através dos seus efeitos - as habitações
empregarem a quinta parte de seus fundos em insalubres -, nunca chegando a questionar as
empréstimos hipotecários às sociedades de causas destes problemas. O controle higiénico
construção de casas baratas e higiénicas e às das habitações, que inevitavelmente significava
sociedades de crédito que tenham por fim também a vigilância sobre os indivíduos através
facilitar a compra ou construção destas casas. das visitas domiciliares, a legislação de combate
Adiante as vilas operárias serão analisadas em aos cortiços e habitações coletivas, as
detalhe. desinfecções violentas e agressivas, os excessos
e interdições dos prédios, faziam parte do
No que diz respeito às relações entre locador exercício deste autoritarismo sanitário,
e inquilino iremos somente localizar a questão, contraponto a nível do urbano o autoritarismo
pois ela é estudada com detalhes no capítulo 3. patronal exercido no âmbito das unidades
Cabe ressaltar somente que vigorou durante produtivas, exercida sem que o Estado
quase toda a Ia República as disposições desempenhasse um papel regulador.
constitucionais ou do Código Civil, que
garantiam o sentido absoluto da propriedade, Não se pode ignorar, entretanto, que a ação
isto é , o proprietário tinha domínio absoluto do Estado para impedir a propagação das
sobre o imóvel objeto da locação. O preço do doenças infecciosas e de epidemias que
aluguel é fixado livremente pela partes de acordo ameaçavam a cidade teve um relativo sucesso:
com as regras do mercado, não interferindo o em São Paulo, com exceção da gripe espanhola,
poder público. Neste aspecto, a concepção lib­ quando morreram milhares de pessoas, foram
eral era seguida à risca. Somente entre 1921 e reduzidos os efeitos dos surtos epidêmicos. Esta
192 7 vigorou uma primeira lei do inquilinato “performace”, entretanto, deve ser atribuída
que, embora em intenção declarasse defender o muito mais à relativa eficiência da expansão da
locatário, teve pequena influência, não tendo em rede de água e esgotos, às obras de saneamento
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

e a uma certa melhoria nas condições gerais de


vida da população urbana, passados os primeiros
anos da explosão populacional da cidade no fi­
K nal do século XIX, do que ao conjunto de
medidas agressivas e controladoras pertinentes
EVOLUÇÃO DOS ÍNDICES DE
MORTALIDADE
ao autoritarismo sanitário. Por 1.000 Habitantes
..
Cidade de São Paulo, 1890- 1930
Sem entrar aqui numa análise detalhada a
respeito dos fatores que determinaram estes

g
r-
resultados, é importante ressaltar que obteve-
se uma queda significativa na taxa de
mortalidade durante a última década do século,
Ano
1894
1895
índice de Mortalidade Geral
28,09
30,53
I X como pode-se ver na tabela 1.4. Assim, em 1896 28,89
apenas quatro anos entre 1895 e 1899 o índice 1897 22,76
de mortalidade cai de 30,53 em cada 1000
1898 19,55
f. * habitantes para 16,45 em 1000, para depois
1899 16,45
*1 permanecer relativamente constante entre
1899el930, sempre oscilando na faixa de 15 e 1900 17,12
-• 19 por 1000, com exceção isolada e episódica 1905 16,96
de 1918, ano da epidemia de gripe espanhola. 1910 19,89
1915 15,24
Este espetacular declínio da taxa de 1918 28,03
mortalidade no fim do século certamente não
decorreu de uma melhoria significava das 1920 18,24
condições de habitação, exceto a extensão das 1925 16,25
redes de água e esgoto, embora a situação crítica 1930 15,30
de falta de alojamento presente no final do 1935 13,37
século tenha sido superada. 1940 11,69
1949 10,18
Estes são os primórdios da intervenção Fonte: Santos (1962)
estatal na questão da habitação. Num período
em que a questão social era tratada como caso
de polícia, o problema da habitação foi
enfrentado pelo autoritarismo sanitário
basicamente como uma questão de higiene, na passivo frente ao problema das habitações dos
perspectiva de difundir padrões de pobres, tanto assim que criou uma polícia para
comportamento, de asseio, de vida cotidiana e vigiá-los, examiná-los e inspecioná-los e uma
de instruir modos de habitar. legislação para servir-lhes de padrão; mas em
contrapartida nada fez para melhorar suas
Fora a abordagem higienista, a participação condições, a não ser quando elas chocavam
do Estado na questão foi muito restrita. demais - demolindo-as. E este modo de resolver
Praticamente nenhuma moradia foi produzida o problema da habitação - típico do
diretamente por orgãos públicos, a intervenção autoritarismo sanitário - nada mais é senão a
em defesa do inquilinato foi muito restrita e sua própria recriação.
apenas alguns incentivos foram para a
construção de vilas operárias, beneficiando mais A partir da constituição do problema da j
os empresários do que os trabalhadores. O habitação em São Paulo, nos últimos quinze I
Estado, certamente não foi um espectador anos do século XIX até a década de 30, uma série Js
Produção Rentista e a
Moradia dos Trabalhadores
até os Anos 30

de modalidades de moradia se desenvolvem em um terreno nas áreas menos valorizadas da cidade e


São Paulo como forma de alojamento dos setores construíam em etapas" (Benclowicz 1989:249 e
sociais de baixa e média renda. Entre elas, as Salmoni & Debenedetti 1981).
mais difundidas foram o cortiço-corredor, o
cortiço-casa de cômodos, as várias modalidades Esta situação, entretanto, pelos motivos que
de vilas e o conjunto de casas geminadas, todas serão analisados no capítulo 6, era minoritária
empreendidas pela iniciativa privada e baseadas e todos os que estudaram as condiçoes de
no aluguel como forma de acesso à moradia. moradia dos trabalhadores no período são
unânimes em afirmar que a situação mais
Antes de analisar as características comum é a moradia em casas de aluguelTT”
específicas destas modalidades de habitação, é produzidas por uma gama variada de.,
importante deter-se na sua marca básica e investidores privados com o objetivo de obterk
comum: o fato do estatuto predominante das uma boa rentabilidade: “a forma dominante deX
moradias de então ser o aluguel. Até a década morar da população paulistana era a casa de
de 30, não só a grande maioria dos trabalhadores aluguel" (Sampaio 1994); "construirpara a vender
e da classe média morava de aluguel, como isto parece ter sido uma rara opção dos capitalistas e dos
era considerado uma situação absolutamente proprietários" (Xavier 1984:2 73); "o tipo mais
normal e corrente, inexistindo mecanismos' frequente (de iniciativa de construção da habitação
públicos e privados (salvo raras exceções) de operária) foi o representado pelas iniciativas de
financiamento para facilitar o acesso à casa^z investidores ou de companhias particulares que
própria. É certo que alguns trabalhadoresè visavam lucrar com o aluguel das casas."
conseguiam comprar um lote e autoempreender (Benclowicz 1989:250).
a construção de uma casa própria, como ocorreu
com uma parte dos italianos que "à medida que, Levantamentos realizados na época sobre a
conseguiam economizar algum capital adquiriarxy forma de ocupação da moradia confirmam estas

A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

s
i
Vila particular à
rua Barão de Ja-
Eia K
E-w- Bife
guara. projeto de
Gregori Warschav-
chik. 1929: do cor­
tiço-corredor ao iá

j| H
correr de casas da
classe média, a
generalização da
produção rentista.

afirmações: em 1920 apenas 19,1% e em 1924 A produção habitacional era, portanto,


23,8% dos prédios da cidade eram ocupados por assumida pela iniciativa privada, situação que
proprietários ( BDIC 1921 e 1924); tudo indica perdurou até a década de 30 ou início de 40,
que antes de 1920, estes números eram ainda quando o enorme conjunto de transformações
menores, posto que os trabalhadores só podiam por que passou o país c que será analisado nos
ascender à condição de proprietários depois de capítulos seguintes desestimulou a aplicação
muitos anos de trabalho e poupança. Ademais, privada neste setor, deixando como opção a
deve-se levar em conta que, como em geral os
prédios ocupados pelos proprietários são
í intervenção estatal - sempre limitada - e a ação
dos próprios trabalhadores-moradores através
unifamiliares e os ocupados por inquilinos são, do processo do auto-empreendimento e auto
em boa proporção, coletivos, a porcentagem da construção.
população que vivia em moradias de aluguel era,
certamente, superior à apontada. Embora possa Isto significava que naquela etapa do
se supor que o número de trabalhadores- processo de desenvolvimento económico do país
proprietários possa ter crescido gradativamente existiam investidores interessados em aplicar
i
ao longo dos primeiros 40 anos deste século, os seus tesouros ou capitais na produção de
dados do censo de 1940 ( conforme o IBGE, em moradias de aluguel e mantê-los assim
1940, 2 5% dos domicílios eram próprios ) enterrados por um longo período de tempo. Uma
revelam que a situação, a grosso modo, não gama variada de fatores de ordem jurídica e
tinha se alterado substancialmente até o final económica explicam este opção. A aplicação em
dos anos 30. Como, de alguma maneira, a casas de aluguel, embora imobilizasse o capital,
população paulistana estava alojada neste era um investimento seguro e lucrativo. Os riscos
r período, depois da crise estrutural da última
década de século e apesar das carências
eram “muito' pequenos e a valorização
imobiliária, principalmente em cidades de
conjunturais durante a primeira guerra e a grande crescimento e dinamismo económico t
•1 Revolução de 1924, pode-se aferir que existiam como São Paulo no período áureo do café, era
investidores privados interessados em aplicar certa. Por outro lado, como já foi mostrado, oj^
considerável soma de recursos na construção de liberalismo garantia uma regulação de mercado
casas de locação. no setor, inexistindo qualquer controle estatal
aos valores dos aluguéis, fixados em contrato
simplesmente pela lei da oferta e procura, ao
Eií

-i
— -S‘|
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

mesmo tempo em que o pleno direito da cafeeiro - indústria, comércio de importação,


propriedade privada, garantido pela exportação e varejista, sistema bancário,
Constituição e Código Civil, facilitava a denúncia serviços urbanos etc. (Cano 1979, Silva 1978)
vazia, permitindo o despejo em qualquer
circunstância. Apesar disto, o predomínio do Como os fazendeiros, via de regra,
higienismo levou à criação de incentivos fiscais necessitavam obter financiamentos junto aos
e vantagens que o poder público instituiu para bancos ou comissionários, estes acabavam por
estimular determinados tipo de soluções se constituir em importantes concentradores do
habitacionais considerados salubres, como as capital, sempre prontos a investir ou financiar
vilas, que aumentava a rentabilidade deste tipo qualquer empreendimento rentável. Por fim , o
de empreendimento. aspecto que parece ser o mais importante é que
as opções de investimento são, no período,
Finalmente, as taxas de inflação, de grande relativamente reduzidas. A economia cafeeira se
importância no mercado de locação, eram expandia ou se retraía ciclicamente, em função
baixas ou negativas, como pode-se ver na tabela de crises de superprodução, da queda ou
3.4: entre 1 900 e 1914, inexistiu aumento nos elevação dos preços internacionais e das
índice de preços, ocorrendo, ao contrário, em variações do mercado internacional,
vários anos, decréscimo. provocando, em consequência, o aumento ou a
diminuição da aplicação de capital no setor. O
As características da economia de base mesmo ocorria com os outros setores do
agrário-exportadora, caracterizada pelo complexo, sobretudo a indústria, que seria, por
predomínio do capital comercial favoreciam este excelência, o mais importante polo urbano de
tipo de investimento, que ocorreu - em maior ou investimento de capital. “A idéia de diversificar as
menor grau - em todas as cidades brasileiras aplicações de capital, aliada à lucratividade do setor
neste período. (Ribeiro 1989, Melo 1986). No imobiliário, levou os mais diversos empreendedores,
caso de São Paulo, ademais, a economia cafeeira inclusive industriais, a aplicar seus excedentes em
criava um excedente económico disponível para atividades imobiliárias, através da abertura de
a aplicação imobiliária. A cidade, como centro l loteamentos e construção de casas de aluguel,
da economia cafeeira, se expandia ) aplicações estas que além de vantajosas eram
aceleradamente, apresentando altas taxas de seguras” (Sampaio 1994:20).
incremento demográfico e gerando uma enorme ,
procura por moradias. A produção contínua de Embora a indústria fosse, indiscutivelmente,
novas unidades era, então, estimulada. A falta I a maior beneficiada na transferência do capital
de moradias se constituía, através dos cafeeiro, os investimentos neste setoi^.
mecanismos de mercado que elevavam os apresentavam limitações de várias ordens. O T
valores dos aluguéis, num grande estímulo à processo de industrialização era ainda
produção de moradias de aluguel. —• incipiente, frágil e instável, às vezes ameaçado 1
por crises de superprodução, além de contar com
Por outro lado, o complexo cafeeiro mercados estanques devido à ausência de um
capitalista de São Paulo é extremamente mercado nacional integrado e com coeficientes
dinâmico para promover uma relativa de capital constantes elevados a níveis quase
distribuição da renda gerada pelo café entre os insuportáveis. O resultado será um ritmo de
diversos agentes que participaram do seu acumulação industrial não apenas lento mas
processo de produção e comercialização. Gerava- intermitente e, consequentemente, níveis
se, assim, uma série de pequenos, médios e bastante medíocres para o conjunto da
grandes investidores, seja ligados à economia industrial como um todo. ( Cano J
intermediação do café, seja vinculados de 19 79). Por outro lado, pelo menos até meados )
diversas formas aos setores da economia paulista da década de 20, a indústria ficou praticamente I
que se desenvolveram em função do capital restrita à produção de bens de consumo para a j C
9—

A Produção Rcntista de Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

classe trabalhadora (sobretudo produtos têxteis aluguel altamente atraente durante todo o
e alimentícios), sendo, portanto, limitada a período da primeira República. Neste sentido
capacidade de expansão do setor. puramente económico, todas as soluções
habitacionais de aluguel produzidas em série,
A existência de um certo excedente seja para os operários ou para a classe média -
económico nas mãos de investidores de diversos cortiços, vilas, conjunto de casas geminadas,
portes, a limitada capacidade de aplicação no mini palacetes de edificação seriada etc - tem o
setor industrial, a expansão e retração cíclica da mesmo significado e somente representam
cafeicultura, a valorização imobiliária e a agenciamentos especiais, dimensões e qualidade
grande demanda por habitações presentes em habitacional diversas da mesma expressão
São Paulo . os incentivos fiscais e a inexistência económica, ou seja, capitais buscando aplicação
de controles estatais dos valores dos aluguéis, rentável através da exploração de locação
tornaram o investimento em moradias de habitacional.

Cortiço-corredor à rua Carneiro Leão, no Brás. Nesta rua concentrava-se uma grande
quantidade de cortiços. Solução atípica: assobradados à esquerda e térreo à direita.
A Produção Rcntista de Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

As condições económicas do período de 1900 A atividade construtora, entretanto, não se


a 1920 parecem ter sido bastante favoráveis à comportou de forma uniforme durante estes 20
produção de habitações e de edificações em anos, variando na mesma medida em que a
geral, pois se constroem nestes vinte anos mais demanda por habitações e os altos aluguéis
de 38.000 novos prédios, fazendo com que a incentivavam novas inversões no setor. Assim,
média de moradores por edifício caísse de 11.59 entre 1908 e 1914, a produção de novas
constatados em 1900 para 9,6 ao fim da edificações se acelerou com a construção de
segunda década do século. Como por volta de 2 3.000 unidades, perfazendo uma média anual
1920 quase 80% dos prédios da cidade eram de quase 4.000 prédios. Esta aceleração da
ocupados por inquilinos, pode-se concluir que construção, aliada à crise que se abateu sobre a
essa grande atividade construtora é um indício economia a partir de 1913, provocou uma
de que a rentabilidade do negócio de locação de superabundância de edificações em 1914. Este
moradias era bastante alta. excesso de edificações não acarretou,

Correr de casas abrindo-se diretamente para a rua

I
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

1 entretanto, uma acentuada queda nos valores distintas dimensões, qualidade e padrões de
dos aluguéis - assim como a falta de habitações maneira a refletir a estratificação social então
havia levado a uma alta fenômeno que poderia prevalecente.
ter acarretado uma melhoria das condições de
habitação dos trabalhadores de menor renda. "É Esta produção de casas de locação será aqui
verdade que há centenas de prédios desocupados, chamada de produção rentista. pois o
mas isto (...) não tem impedido que a maioria dos í investimento é realizado basicamente visando a
proprietários conserve tenazmente os preços obtenção de uma renda mensal, uma espécie de
cobrados há meses atrás ou apenas lhes façam juros pela aplicação do dinheiro. Ribeiro
abatimentos ridículos. Até há pouco reinava em São (1989:209), ao contrário, denomina esta
Paulo uma alta excessiva que dava extraordinários produção de pequeno-burguesa, alegando "que
rendimentos ao capital empregado em prédios (...). nela existe um investimento de capital". mas afinal
Estranhável é que essa redução seja tão pequena (de admite que o "aluguel é uma espécie de juros
10. 15, 20%) apesar de passada a época das vacas calculados sobre um capital empregado - material,
gordas e anormalíssima é a teimosia com que tantos força de trabalho e propriedade fundiária - o que nos
proprietários se agarram de unhas e dentes aos conduz a denominá-lo de renda imobiliária."
preços convencionados há seis meses ou um ano (Ribeiro 1989:210). Esta produção é promovida
atrás, sob o regime dos rendimentos fabulosos." (O pelo investidor que "compra o terreno e contrata
Estado de S. Paulo 7/10/1914) um empreiteiro, a quem encomenda a construção de
um conjunto de moradias. Praticamente, inexiste
A partir de 1914, a crise e a I Guerra Mundial lucro na construção na medida em que ela é paga
provocaram uma acentuada queda nas pelo preço da força de trabalho empregada". (Ribeiro
construções - entre 1914 e 1918 foram 1989:210).
6 construídos menos de 6.000 prédios. As~
variações na produção de novas edificações Na produção rentista predominou a
neste período mostram que a lei de oferta e construção por encomenda, que permitia a
procura regulava o mercado de habitações, . participação de diferentes dimensões de
fazendo com que à falta de moradia e investimento, inclusive os de pequena dimensão.
consequente elevação dos valores locativos se Para o "proprietário imobiliário interessava a
efetivasse uma intensificação da produção de persistência da construção por encomenda pois
novas unidades. Está claro que este fenômeno é poderia optar por construir lentamente com o
regulado pela capacidade de pagamento dos dinheiro ajuntado dos aluguéis dos cômodos que iam
diferentes setores sociais, de forma que se produz sendo construídos. Na construção por encomenda,
uma gama de variadas soluções habitacionais de o contrato com o construtor, conforme o andamento

I
s
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

da obra, poderia ir sendo pago regularmente (...) e, j estes dois tipos de empreendimentos têm as
se fossem muitos cômodos de aluguel a construir, mesmas características físicas e se confundem
antes de terminá-los já poderia estar recebendo no espaço urbano, porém suas finalidades são
aluguel dos primeiros, o que serviria para pagar a diversas. Para evitar confusão, serão
construção dos últimos" (Xavier 1989: 273). denominadas de ‘vila operária de empresa’ e
‘vila operária particular’, ou para facilitar, ‘vila
A produção rentista propiciou o surgimento, de empresa’ e ‘vila particular'.
assim, de uma modalidade variada de soluções
de moradia baseadas no aluguel. Serão As vilas de empresas têm sido consideradas
analisadas as diferentes tipologias de habitação ou um gesto de filantropia de empresários que
produzidas neste período, procurando buscariam propiciar uma harmonia entre o capi­
dimensionar sua rentabilidade, a categoria de tal e o trabalho, parte de uma estratégia
trabalhadores que poderiam ter aceso a elas, empresarial para atrair trabalhadores face à
seus agentes promotores e suas características inexistência de um mercado de trabalho
físico-espaciais. constituído, ou ainda uma forma de disciplinar
o tempo livre dos operários, submetendo-os à
A vila operária, solução habitacional baseada ordem burguesa e mantendo-os sob um
em pequenas moradias unifamiliares constante controle da empresa. Estas
construídas em série, é uma das mais justificativas, embora possam explicar a
representativas formas de habitação existentes emergência das vilas de empresas construídas
em São Paulo e outras cidades brasileiras até no Brasil nas últimas décadas do século passado
meados da década de 30. (Varon 1989, Blay e início deste, se aplicam apenas parcialmente
1985. Benclowicz 1989. Ferraz s/d. ) Desde a ao caso específico da cidade de São Paulo
emergência do problema da habitação popular durante este período, salvo algumas poucas
na cidade no último quartel do século XIX, tal exceções. Realmente, em diversos estados da
modalidade de alojamento foi sempre a federação e mesmo no interior do Estado de São
recomendada pelo poder público e higienistas, Paulo, muitas indústrias criaram não só vilas
como a boa e salubre habitação operária. operárias mas verdadeiras çidades^ou_cidadelas
Recebeu, através de diversas leis, incentivos operárias, porque se estabeleciam em locais onde
fiscais da Municipalidade que visavam favorecer existiàAim mercado de trabalho livre constituído
a sua construção e propiciar um aluguel mais e um processo de urbanização capaz de
baixo, de maneira a atender os trabalhadores concentrar constantemente trabalhadores
pior remunerados. No entanto, ao que tudó livres.
indica, somente uma pequena parcela de
operários puderam ter aceso a este padrão de São os casos onde acontece a simultaneidade
moradia, que ficou em geral restrito aos da industrialização com a urbanização que,
trabalhadores qualificados, aos funcionários gerando cidades industriais nucleadas por uma
públicos, comerciários e outros segmentos da ! grande fábrica, são no dizer, de Francisco de
baixa classe média (Kowarick 1981). Oliveira, a “regra no Brasil da República Velha”.
Esta “regra”, embora tenha gerado cidades como
Inicialmente, entretanto, é necessário Paulista em Pernambuco e Votorantim no estado
esclarecer a existência de duas modalidades de São Paulo, entre outras, nada tem a ver com
muito diversas enquanto empreendimento, que o processo de industrialização e de constituição
normalmente são chamadas indistintamente de das vilas de empresas na cidade de São Paulo,
vilas operárias: o assentamento habitacional onde a economia cafeeira promoveu uma_
produzido por empresas destinadas ' imigração massiva, criando uma forte
exclusivamente para alojar seus funcionários e concentração operária e um dinâmico processo
aquele produzido por investidores privados de urbanização que, em certa medida, antecede /
destinados ao aluguel de mercado. Muitas vezes à industrialização.

na
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A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

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Assim, a maioria das vilas de empresas Vtrabalho como nas chamadas horas livres. A
paulistanas não são produzidas com o intuito de vida cotidiana obedecia ao ritmo imposto pela
atrair trabalhadores, salvo talvez os sirena de fábrica e, como assinala Rolnik (1981),
especializados, com exceção de vila operária "funciona como um verdadeiro laboratório de uma
construída pela Falchi em 1890 na Vila sociedade disciplinar, combinando um saber
Prudente, praticamente fora da zona urbana. Em higienista com um poder que ao mesmo tempo
geral, as vilas procuravam "difundiu padrões deY proíbe, pune, reprime e educa." Apesar da
comportamento adequados, na óptica capitalista do l importância deste tipo de vila de empresa no
desempenho do trabalho livre. Os padrões de honraJ sentido em que ela oferecia “uma imagem em
exaltados, as regras de moral burguesa e as normas tijolo e cimento das fantasias burguesas da
I de vida transmitidas pela burguesia ao operariado servidão operária” , na cidade de São Paulo são
constituíam parcela da ideologia a ser difundida aos exceções as vilas produzidas com este objetivo
subordinados" (Blay 1980:148). O controle das expresso, limitando-se à vila da fábrica Clark na
“horas livres” através da vila de empresa seria Mooca e, sobretudo à famosa e modelar “Vila
o meio pelo qual se imporia aos operários os Maria Zélia", edificada no Belenzinho pelo
valores e as condutas consideradas adequadas empresário Jorge Street.
I pela ideologia burguesa.
O pricipal fator que levava algumas empresas
Neste sentido, as vilas-cidadelas edificadas a construir vilas ou alojamentos para seus
I por empresas contavam com uma série de empregados era, provavelmente, a necessidade
equipamentos coletivos - escolas, igrejas, de manter o pessoal de manutenção ou de
enfermarias, clubes, pequeno comércio- geridos reparação das máquinas ao lado do local de ;
e sustentados pela indústria, que assim detinha trabalho, para que, a qualquer hora do dia e da
o controle quase absoluto dos seus noite, estes pudessem ser chamados a serviço.;
trabalhadores, tanto durante a jornada de Este é o caso das numerosas vilas edificadas pelas \

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A Produção Rcntista de Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

Boyes: vila operária de


empresa no Brás.

Estradas de Ferro, que se espalham por todo o com segurança, um bom rendimento. Muitas
Estado, inclusive na capital, pelas Companhias vezes, o empresário que construía uma vila
de Força e Luz e por indústrias têxteis e de outros destinava as casas a seus próprios operários
setores. O alojamento de mestre, contramestre objetivando conseguir algumas vantagens
e outros trabalhadores especializados, raros adicionais. Assim, uma redução nos valores dos
nestes anos, e de suas famílias (que muitas vezes aluguéis podia compensar menores salários, e a
eram também obrigadas a trabalhar na empresa) exigência de que vários membros da família se
era um importante motivo que levava as empregasse na empresa, servindo ademais,
empresas a construir vilas. como uma forma adicional de controle na
medida em que a dispensa do operário
Estes fatores, entretanto, não era significava a perda da casa. A identidade patrão-
caracterísitcas próprias deste período e senhorio trazia ainda a vantagem de nunca a
permaneceram depois que o investimento em casa ficar vazia e de jamais o aluguel deixar de
casas de aluguel deixou de ser interessante. Blay ser pago - visto o desconto ser feito na folha de
(1985:294), por exemplo, analisa o caso de vilas pagamento, os dois maiores riscos da renda de
de empresa, como a Vila Nadir de Figueiredo, aluguel. Todas estas vantagens serviam de
que foi edificada na década de 50, quando a contrapartida a aluguéis um pouco mais baixos,
situação habitacional era completamente mas não parecem ter sido suficientes para mover
diferente. No caso da Nadir, o fato determinante um número significativo de industriais a
para a edificação de vila foi a necessidade de edificarem vilas em quantidade suficiente para
manter os operários próximos à fábrica, pois abrigar todos seus operários. Boa parte das
seus altos-fornos não podiam ser desligados. empresas que tinham vilas dispunham de um
número de unidades muito inferior ao número
de trabalhadores.
Salvo estes casos em que a empresa tivesse
uma necessidade de manter os trabalhadores
próximos e sob controle, além das exceções como Um levantamento realizado em 1919 pelo
a Vila Maria Zélia, as outras vilas construídas Departamento Estadual do Trabalho no Estado
em São Paulo, mesmo algumas de empresas, de São Paulo, abrangendo 227 empresas (BDET
eram edificadas basicamente como uma 1919). mostra que a maior frequência de vilas
diversificação do investimento, visando obter, de empresas estava interior do Estado e entre as

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A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

empresas de transporte (estradas de ferro, que uma alta rentabilidade aos capitais empregados,
tinha necessidade de trabalhadores junto às que se beneficiavam também das isenções fiscais
linhas ), que frequentemente cediam as casas garantidas pela municipalidade para as vilas
gratuitamente ou por aluguéis simbólicos. construídas de acordo com o padrão municipal.
"f~Dentre as poucas empresas paulistanas que
• tinham vilas, segundo este levantamento, a Serão analisados, então, alguns destes
I maior parte cobrava aluguel, embora um pouco empreendimentos. Um exemplo de vila particu­
’ mais baixo que o de mercado. lar de tamanho médio, empreendida por um
investidor privado, é a do Sr. Regino dc Aragão.
Assim, por exemplo, a indústria têxtil construída em 1911 na rua São João, entre as
Belemzinho alugava a seus operários casas por ruas Nothman e Glette. no bairro de Santa
44S000: a Fiação da Saúde por 25S000; aSilex, Efigênia (Revista de Engenharia 1912) .
indústria metalúrgica por 30S000; a tinturaria Composta de 33 casas, custaram a seu
das Indústria Reunidas Francisco Matarazzo por proprietário 1 50 contos, sendo 12 5 contos para
44S000: a Italo-Brasileira (vestuário) por a construção e 25 para o terreno. As casas fo­
25SOOO e a Casa Rodovalho por 35$000. Não ram alugadas por 60S000 as 2 7 internas (que
são fornecidos elementos para avaliar a davam para o corredor) e 75SOOO as seis que
qualidade desta moradia; entretanto, davam face para a rua. rendendo portanto quase
dificilmente poderiam ser melhores do que as 25 contos por ano, o que significava um
casas de vila comum de baixo padrão, cujo rendimento de aproximadamente 1 6%. que pode
aluguel estava em torno de 45 $000, mostrando ser considerado altíssimo.
que muitas empresas investiam em vilas
chamadas de operárias também com o objetivo Pela planta do empreendimento do sr. Regino.
de aplicar recursos que a atividade industrial ou pode-se notar a racionalidade de sua
outras na economia paulista não tinham organização espacial, que visa reduzir ao
condições de absorver. A forte presença da Vila máximo o preço da construção e dar a maior
Maria Zélia como o exemplo sempre adotado de 1 utilização possível ao terreno, obedecendo ao
vila de empresa, quando ela era na verdade uma i padrão municipal, para aumentar ao máximo a
exceção, tem criado uma imagem um pouco ^rentabilidade. Esta ordenação da construção
distorcida do que era efetivamente este tipo de está presente em todas as vilas e nos cortiços
empreendimento. construídos neste período, demonstrando existir
uma racionalidade capitalista na produção da
í As vilas particulares, por sua vez, eram a __ habitação de aluguel. Esta característica merece
\ grande maioria das vilas construídas em São destaque, visto se constituir uma clara
i Paulo neste período. Neste tipo de diferençiação em relação à produção do espaço
'^empreendimento participaram desde pequenos habitacional produzido pelos trabalhadores na
investidores até grande empresas construtoras periferia, décadas mais adiante, quando
ou sociedades mutuárias, produzindo , de acordo desaparece qualquer racionalidade de projeto ou
com a disponibilidade de capital, desde pequenos de construção, elevando brutalmente seu custo
conjuntos de casas até empreendimentos de produção, como veremos adiante.
imobiliários que incorporavam vários
quarteirões. O máximo aproveitamento de

I
A vila do Sr. Regino é exemplar de um grande
terrenos - muitas vezes de miolo do quarteirão - número de empreendimentos semelhantes, de
, a racionalidade do projeto, que procurava maior ou menor porte e desenvolvidos por
economizar material através da utilização de investidores que dispõem de capital próprio para
paredes comuns e a exiguidade de área livres a construção e que mantiveram a vila como um
com ausência de recuos, faziam com que os tesouro, rendendo aluguéis mensais. Estes
investimentos em vilas de aluguel permitissem empreendimentos são, em geral, aproveitamento
ANATOMIA DA PRODUÇÃO RENTISTA

Rua Sào João

Melhores habitações de frente para a rua,


permitindo a cobrança de maiores
aluguéis.
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Corredor lateral para iluminação do ■ I! I
segundo dormitório e da sala, obedecendo
ao padrão municipal. I
Ausência de recuos laterais e frontais,
aumentando o aproveitamento do
terreno.
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Área do terreno: 40 m2 intensamente
ocupados por 30m2 de construção.
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Corredor perfurando perpendicularmente o .■I!
terreno, garantindo o aproveitamento do »|l
miolo do quarteirão. TF ____ 111
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Paredes hidráulicas comuns, reduzindo o
custo da construção.

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Paredes laterais comuns, reduzindo o custo JIll
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da construção.
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Ordenação e racionalização da construção
com consequente redução do custo.

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A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

*
dos profundos terrenos, produzindo uma gama com alguma sofisticação, no alinhamento da
variada de tipologias habitacionais baseada rua. destinava-se a classe média. No entanto,
numa viela central, casas ou cômodos existe uma infinidade de soluções
geminadas de um ou dos dois lados da viela e \ intermediárias; por exemplo, mesmo a
casas ou espaço comercial.de tipo diferenciado modalidade chamada de cortiço-corredor
dando diretamente para a rua. No caso de serem muitas vezes era constituída de unidades
cômodos ou pequenas casas sem instalação de habitacionais de dois ou três cômodos só se
água encanada, no fundo do lote se localizavam diferenciando de certas vilas, e sendo
privadas e tanques. Dependendo do formado dos identificada como cortiço, por não dispor de
terreno, este correr de casas poderia ser instalação sanitária individual. O fato é que um
localizado no próprio alinhamento de rua, mesmo agenciamento tipológico e espacial
solução evidentemente mais onerosa. propiciava grande variedade de soluções de
diferentes custos e aluguéis.
É, no meu entender, muito difícil estabelecer,
neste período, os limites precisos do que seria Já um outro tipo de empreendimento, de
uma habitação de um trabalhador de baixa maior porte e complexidade, é aquele
renda ou de uma classe média, ainda pouco desenvolvido por Companhias Mutuárias e
definida. É claro que o cortiço-corredor eraf outros tipo de sociedades imobiliárias. Estas, por
basicamente habitado por trabalhadores de vezes, são de tal porte que são formados por
baixa renda e que os correr de casas geminadas, vários quarteirões. Neste caso, como o investidor'""
urbaniza uma gleba (os empreendedores de vilas
menores utilizavam-se de lotes já urbanizados),
além da construção de casas visando o aluguel,
existe também a incorporação da gleba, que pode
garantir um lucro adicional ao negócio.

As Companhia Mutuárias, uma das


empreendedoras deste tipo de vilas, eram
sociedades de economia privada operadas a
partir de depósitos mensais de cidadãos
desejosos de poupar, criar um pecúlio c receber,
depois de alguns anos, uma aposentadoria
(Codephaat 1981, Ferraz 1978, Lemos s/d).

Eram dirigidas por elementos ligados a alta


burguesia - banqueiros, industriais,
profissionais liberais ou cafeicultores - e
chegaram a concentrar grandes fundos pois, na
falta de um sistema previdenciário estatal, eram
muito procurados. Estes fundos foram aplicados,
com frequência, na construção de vilas
particulares que propiciavam um alto
» rendimento sem apresentar riscos, além de
também financiarem a venda em prestações de
casas a seus sócios. A partir da primeira década
do século, quando uma lei federal regulamenta
o funcionamento deste tipo de sociedade,
i dezenas delas surgem em São Paulo tais como a
l União Mútua, Mútua Brasil, Caixa Mútua de

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A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

Implantação da Vila Economizadora: grande empreendimento habitacional promovido por


recursos privados.

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Planta de duas unida­
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A Produção Rcntista de Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

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Pensões Vitalícias, Cooperativa Construtora O projeto foi realizado pelo arquiteto italiano
Predial, Cia. Mútua de Crédito Predial, Guiseppe Cacchetti e foram construídas 147
Associação Predial Construtora, Previdência casas de diversos tipos (de um a três dormitórios)
Mútua Predial Paulista, Companhia e 20 armazéns. O capital aplicado na sua
Economizadora Paulista, Mútua Excelsior. construção foi de 900 contos, que rendiam,
Montepio da Família, etc. através do aluguel das casas, mais de 100 contos
anuais, ou seja, aproximadamente 15% do
Exemplo deste tipo de empreendimento, é investimento. A segurança do investimento é
uma das três vilas edificadas pela Companhia uma das vantagens propagandeada pela mútua:
Economizadora Paulista, a Vila Economizadora, “O caráter de inalienabilidade do nosso capital de
localizada no bairro da Luz (as outras duas fo­ pensões dá aos nossos mutuários uma garantia que
ram no Cambuci e nas Perdizes). A Vila nenhum outro gênero de sociedade poderá dar-lhe.
Economizadora foi construída entre 1908 e O nosso mutuário tem a certeza absoluta de
1910 no bairro da Luz. entre a rua São Caetano, encontrar em qualquer tempo o seu dinheiro,
rua da Cantareira e avenida do Estado. A integrado em nosso fundo inalienável, ao passo que
Companhia comprou uma grande gleba de terra em qualquer outra sociedade, comercial ou indus­
que. depois de urbanizada, foi em parte vendida trial, seu dinheiro poderia perder-se em uma
com alto lucro, de modo que o excedente, onde falência". (Álbum da Cia. Economizadora apud
foi construída a vila, ficou inteiramente de graça Ferraz 1978).
para a Economizadora.

I
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

A opção das sociedades mutuárias por este em outros ramos, trabalhadores não
tipo de investimento, ou seja, na promoção de especializados ganhavam no máximo entre
casas de locação, mostra que ele realmente era 100S000 e 150S000 por mês. Isto significava
rentável e seguro, pois as Mútuas concentravam que se outros membros da família não
vultuosas quantias que eram administradas trabalhassem, dificilmente poderia-se dispender
objetivando a máxima rentabilidade e o mínimo entre 45S000 e 75SOOO com habitação, aluguel
de risco. Não é por acaso, portanto, que se forma aproximado de uma casa de vila, considerando
uma mentalidade de que o investimento ainda a despesa com água e luz, que significava
imobiliário, particularmente no mercado de cerca de 5$000 por mês.
aluguel, é um excelente negócio, visão que se
consolidou fortemente neste período: “os As vilas operárias eram a moradia modelar,
quarteirões de casas semelhantes feitas por um preferida pelos higienistas - pois era higiénica e
mesmo empreendedor, povoaram os mais variados continha equipamentos sanitários por unida­
bairros de São Paulo" (Sampaio 1994:20). de -. pelo poder público que as incentivava com*
isenções de impostos e pelos industriais que,
Nem todo trabalhador, entretanto, podia algumas vezes, chegavam a construir vilas que
ocupar uma casa de vila. Em 1911. um operário eram verdadeiras cidades em miniatura. No
adulto comum da indústria têxtil ganhava, em entanto, as regras da ordem capitalista, regida
média, algo próximo a 4$500 por dia. ou seja, pela super-exploração que mantinha os salários
cerca de 117S000 por mês. salvo imprevistos: abaixo do necessário à subsistência, são mais

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A Produção Rcntista de Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

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cozinha) e a maior unidade do que se
considerava cortiço, a diferença é pequena. A
grande distinção é, sem dúvida, a situação da
área hidraúlica (banheiro e tanque): na vila ela
Vila Boys: in­ é individual e situada no fundo da casa e no
fluência de vi­ cortiço é coletiva e está colocada no espaço
las industriais comum. Muitas vezes, entretanto, esta distinção
inglesas. desaparecia com o tempo: quando existia uma
área livre no fundo da unidade do cortiço de dois
cômodos (muito comum no Brás e Bexiga), o
proprietário podia mandar fazer o banheiro in­
dividual e assim dar um novo status à moradia.
O cortiço se transformava na vila, e o aluguel a
ser cobrado podia ser elevado.

fortes do que as intenções dos sanitaristas pois,


Na verdade, existia uma perfeita gradação
antes de se abrigar numa habitação modelar, o descendente das vilas mais sofisticadas ao
operário necessitava se alimentar. Além disso,
cortiço mais precário, como se fosse a escala so­
para ele nem sempre os problemas que os outros cial - da classe média ou do trabalhador mais
viam em seu modo de morar eram prioritários: qualificado ao lúmpen. Aluguéis que decaíam e
“Na classe pobre, especialmente na classe operária, iam se adequando aos níveis salariais. Também
o aluguel da casa absorve uma boa parte dos entre os investidores a questão se colocava de
limitados ganhos do chefe de família. A exiguidade forma semelhante: a partir de um certo nível de
do salário, comum às grandes indústrias (...) põe o qualidade, o empreendimento deixava de ser
operário entre as portas de um angustioso problema: permitido pela lei e de obedecer aos padrões
ou comer pouco e mal, ou morar num cortiço. Em municipais e se situavam na faixa dos
nove casos sobre dez, ele opta pela 2a solução. "clandestinos". Isto é, deixava de ser vila e de
Obedece ao estômago". ( BDET 1916:146 ) merecer incentivos e elogios e passava a ser
cortiço, condenado e estigmatizado. Mas, no
Encontrando dificuldade para pagar o fundamental, para quem investia neste negócio
! aluguel de uma casa unifamiliar e isolada, o a questão era a mesma: obter lucros através do
operário de menor renda, o trabalhador infor­ aluguel de moradias populares. O empreendedor
mal e o desempregado encontravam no cortiço de cortiço necessitava de menos recursos: o
( e na casa de cômodos o alojamento compatível terreno necessário para a edificação podia ser
com seus parcos rendimentos. 0 cortiço mais menor, as exíguas construções são executadas
comum em São Paulo era uma enfiada de com material de terceira qualidade, e a área
cômodos dispostos ao longo de um corredor/ hidráulica comum a várias moradias reduzia
S • páteo onde se situavam a área de lavagem e significativamente os custos. Assim, o
secagem de roupas e o banheiro de uso comum empreendimento e a exploração dos cortiços po­
a todos os moradores. dia ser executado por pessoas que dispusessem
de pequenos poupanças, como foi o caso de
Com já foi apontado, entre a vila e o cortiço- inúmeros imigrantes.
corredor os limites são imprecisos: na sua
posição relativa ao quarteirão os dois se Mas também grandes proprietários, como o
assemelhavam pois ambos perfuravam o Sr. Francisco de Barros (locador do maior
quarteirão perpendicularmente à rua, ocupando conjunto de cortiços de São Paulo), de família
os seus meandros e interiores; em termos de de fazendeiros e herdeiro de grande fortuna,
dimensões, os limites também são vagos, pois empreenderam cortiços, posto que este negócio,
entre a menor moradia da vila (cômodo, sala e
A Produção Rcntista dc Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

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j quantia dc .

proveniente do aluguel d4 > ai/a a Ruo


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Poro eloreso passo o presente recibo.

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como não deixou de passar desapercebido aos moradia unifamiliar de 30 m2 com 2


articulistas da época "representa, em relação à dormitórios, sala, cozinha, tanque e WC indi­
casa higiénica, um maior rendimento para o capital vidual numa vila operária custava em 1911
empregado."(BDET 1916). Embora alugados a cerca de 60S000 e que um cômodo num cortiço,
valores absolutos mais baixos c compatíveis com com todas as vantagens económicas acima
os salários limitados recebidos pelos apontadas que um construtor tinha neste
trabalhadores, a soma dos vários cômodos que empreendimento, não podia ser alugado em
compunham o cortiço rendiam talvez mais do 1912 por menos de 20S000, fica evidente a
que o empreendimento de uma vila dc casas grande rentabilidade do investimento em
unifamiliares : "o senhorio tem aqui mais uma cortiços em relação à vila. Se esta podia render
fonte de receita: manda construir casinhas até 16% ao ano, o cortiço poderia atingir
acanhadas, incómodas e deselegantes e aluga-se por rentabilidade superior.
um preço mais ou menos ao alcance de uma família,
mas excessivo, mesmo em relação a outras casas; Embora condenado, proibido, ameaçado de
há senhorios que não querem outras casas: essas é demolição, o cortiço se difunde e se expande
que rendem : A exploração da miséria" (Terra Livre amplamente nas primeiras décadas do século,
10/12/1905). Considerando-se que uma tornando-se uma das formas de habitação mais J

Navio Parado: o primeiro bloco habitacional de São Paulo

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Conjunto de cortiços no Bixiga: Navio Parado, Pombal, Geladeira e Vaticano.

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■ século XIX, de 3 pisos, que virou
io cortiço. Notar anexo embaixo da
construção principal.
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Varanda do Pombal. Ao fundo, o Navio


Parado.

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Pombal: frente para a rua Japurá, acesso para o Vale e
para o Navio Parado. A Geladeira
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A Produção Rcntista de Habitação c o Autoritarismo da Ordem Sanitária

p características da classe trabalhadora: “o que O Navio Parado era o principal edifício do


predominou para moradia da gente pobre foi sempre conjunto, ocupando o antigo vale do rio Bexiga.
em São Paulo, o cortiço" .(Americano 1959). Em De grande dimensão, tinha dois pavimentos e era
1904, o jornal Fanfulla estimava que um terço das ladeado por varandas que serviam
habitações existentes em São Paulo era composta de simultaneamente de circulação, área de
cortiços, ou seja, cerca de 8.100 moradias. Nestas sociabilidade e cozinha. Cada unidade de cortiço,
"as forças vivas do trabalho se ajuntam em des­ segundo relatos de antigos moradores, era
medida (...) Em cada cubículo, verdadeira colmeia formado por dois cômodos e ao que se pode aferir,
humana, com frequência se comprime'toda uma não eram de pequena dimensão. Isolado no
família de trabalhadores, às vezes composta de oito terreno que permanecia livre, pode-se dizer que
ou nove pessoas" (Fanfulla 11/10/1904). o Navio Parado foi o primeiro bloco de habitação
que, de alguma maneira, lembra uma
O famoso conjunto de cortiços do implantação que rompe com a lógica do lote.
Sr.Francisco Barros, situado no Bexiga, edificado
na sua maior parte na primeira metade da O Pombal era um conjunto de prédios que
década de 20. tornou-se, devido à sua davam frente para a rua Japurá, separados entre
visibilidade pública (ficava ao lado da rua si apenas por passagens que tinham acesso ao
Jacareí, onde Prestes Maia planejou e implantou, fundo do vale e. portanto, ao Navio Parado. Por
na década de 40, o viaduto Jacareí). um sobre esta passagem, uma espécie de ponte unia
verdadeiro símbolo deste tipo de assentamento as varandas de seus vários blocos, criando uma
habitacional. Formado por vários prédios rede de circulação labiríntica. Apresentando
independentes, denominados Navio Parado, aspecto de um sobrado para quem passasse pela
Vaticano. Geladeira e Pombal , cada um com rua Japurá, os blocos acompanhavam a
uma característica própria, este conjunto de declividade do terreno e no fundo apresentava
cortiço tinha um desenho único na cidade, com três pavimentos, todos avarandados. As
acessos controlados, formando uma espécie de varandas eram utilizadas para circulação,
cidadela onde se desenvolvia um modo de morar cozinha e atividade de sociabilidade.
coletivo. Condenado pelos higienistas, elite e
opinião pública como o território da No interior do conjunto, construções
promiscuidade e falta de higiene, os moradores improvisadas e outro pequeno bloco,
tinha uma forte coesão interna, cuja maior denominado Geladeira devido sua umidade.
expressão talvez seja o fato da polícia não completavam este enorme núcleo de moradia
conseguir entrar no local ou, se entrasse, não dos trabalhadores que apresentava a mais alta
conseguia encontrar nada, nem o famoso densidade de ocupação da cidade. Um pátio
bandido Meneghetti, espécie de Robin-Hood do utilizado pelas lavadeiras e para recreação era o
lugar. espaço que também servia para as famosas festas
juninas que seus moradores promoviam.
Este conjunto continha todos os tipos de
cortiços: o Vaticano, na verdade, embora Este conjunto de moradias foi o símbolo mais
estivesse ligado fisicamente aos demais era uma forte da produção rentista em São Paulo, num
casarão transformado em cortiço-casa de período em que os particulares empreendiam
cômodos. Antiga residência do século XIX, de moradias para os trabalhadores. Sua
três pisos e alto padrão, dava frente para a rua estigmatização e posterior demolição, em 1948,
Santo Amaro, e tinha se encortiçado. Seus para dar lugar ao conjunto residencial do IAPI,
cômodos eram sublocados e, em 192 5. um que será analisado no capítulo 5, como uma das
r* quarto era ali alugado por 47S000. No fundo expressões da produção estatal de habitação so­
ti do casarão foi edificado, na década de 20, um
edifício anexo, avarandado como o Navio Parado
cial, é representativa das transformações nas
U: e o Pombal, o que faz supor que sejam
formas de provisão de moradias que ocorre no
país e em São Paulo nos anos 40, objeto princi­
contemporâneos. pal desta tese.
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O Debate Sobre a
Habitação nos Anos 40:
da Intervenção do Estado
à Casa Própria
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clima político, intelectual e económico reinante no país nas décadas de 30

3
e 40 no contexto do governo Vargas, particularmente no Estado Novo,
colocou em cena o tema da habitação social com uma importância que nunca
tinha tido anteriormente. Num quadro onde todas as questões económicas J.
tornam-se preocupação do poder público e das entidades industriais
envolvidas com a estratégia de desenvolvimento nacional, o problema da
habitação emerge como um dos aspectos cruciais nas condições de vida do
operariado, que absorvia porcentagem significativa dos salários e que exercia
forte influencia no seu padrão de vida e formação ideológica.

Embora a questão sanitária continue presente como pano de fundo do discurso sobre a
habitação social, ela deixa de predominar como a problemática básica dos que debatem o assunto,
como ocorria até 1930, até porque muda a abordagem médica sobre a saude pública, como
vimos no capítulo 1. Passam, então, a prevalecer novos temas, condizentes com as preocupações
ideológicas e económicas do novo momento político e económico. Neste debate , dois ternas^
centrais catalisam com maior força os discursos sobre a questão: a habitação vista como
condição básica na reprodução da força de trabalho e , portanto, como fator económico com
influência na estratégia de desenvolvimento nacional e acumulação capitalista, e a habitação
como elemento importante na formação ideológica, política e moral do trabalhador e, portanto, j
decisiva na criação do “homem novo" (Gomes 1982) e do trabalhador padrão que o regime j
queria forjar.

A importância de se proceder a uma análise dos discursos e dos debates que ocorreram
neste período está na forte correlação que se nota entre as análises, concepções e propostas que
surgem nesta reflexão sobre a habitação operária e os modelos de produção habitacional que se
expande a partir de então em São Paulo, sobretudo o padrão periférico de moradia popular
baseado na casa própria auto-empreeendida e a produção pública de habitação social.
O DEBATE E A INVESTIGAÇÃO SOBRE HABITAÇÃO

índice da importância que a questão da habitação assume, a partir da década de 30, não
apenas para o poder público mas para diferentes setores expressivos da opinião pública e da
sociedade civil, foi o grande número de eventos, como seminários, pesquisas, investigações e
artigos, que foram realizados ou publicados no período. Trata-se de intensa produção intelectual, I
ideológica e jornalística, que revela as preocupações presentes em diferentes setores da elite
paulistana e mesmo nas correntes políticas de esquerda, indicando em que sentido se dirigiam
suas expectativas de transformação das alternativas de moradia dos trabalhadores.

Para o surgimento desta infinidade de eventos, contribuiu a formação de novas-entidades \


públicas e privadas, fruto também da nova conjuntura política, económica e cultural do país, p
que exerceram papel determinante para a formação de um clima de investigação e debate sobre /
os mais diferentes temas ligados ao desenvolvimento nacional. Entidades como, por exemplo,^
o Idort - Instituto de Organização Racional do Trabalho, que promoveu, em 1941, um dos
acontecimentos mais importantes sobre a questão no período, as "Jornadas de Habitação
Económica", que reuniu cerca de 35 técnicos epolíticos no debate sobre um “cardápio” variado
de abordagens. O_Idort, cuja visão revelava um viés positivista, tinha vínculos com o grupo de]
empresários paulistas envolvidos com o projeto de desenvolvimento industrial, tendo realizado^J
anteriormente outras jornadas cujos temas estavam ligados à administração pública e ao padrão
de vida operária, como a racionalização da administração municipal, os transportes, a
alimentação e os desperdícios. Como afirmou o presidente do IDORT , na sua alocução na
abertura das Jornadas: “ assim consegue o IDORT difundir idéias que seguramente fo­
ram concebidas e estão imbuidas do espírito de organização científica e também ao
fazê-lo, aplica os princípios desta mesma organização científica tanto na escolha do
tema, na sua divisão e subdivisão de acordo com os princípios cartesianos” (Álvaro
1942).

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O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

•V

Outras instituições criadas no mesmo perío­ economistas, demógrafos, empresários indus-


do. e por inspiração do mesmo grupo, como a . triais, geógrafos e até mesmo escritores, foram
Escola de Sociologia e Política, cuja perspectiva convidados a falar sobre habitação. Dentre os
de investigação era muito mais pragmática do participantes das Jornadas de Habitação
que a da recém fundada Faculdade de Filosofia. Económica podem ser citados, entre outros, o
Ciências e Letras da Universidade de São Paulo empresário Roberto Simonsen, um dos
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e a Subdivisão de Documentação Social da Secre­ fundadores da Ciesp e um dos principais
taria Municipal de Cultura, voltaram-se à pes­ defensores da industrialização do país, os eng.
quisas científicas de cunho quantitativo sobre o Bruno Rodolfer e Antonio de Barros, da
padrão de vida operário, que revelaram um qua­ prefeitura de São Paulo, que naquele momento
dro das condições habitacionais dos trabalha­ participavam da Comissão de Estudos dos
dores paulistanos. Estas investigações e o conhe­ Transportes Coletivos, que propôs a
cimento da problemática que propiciaram, fo­ restruturação dos transportes na cidade, o
ram importantes na elaboração do diagnóstico sociólogo americano, convidado para participar
da situação e na formulação de alternativas de da criação da Escola Livre de Sociologia e
equacionamento do problema de acordo com os Política, Donald Pierson. membro da conhecida
novos pressupostos ideológicos e económicos. Escola de Chicago (Ecologia Urbana), o
Embora iniciativas como essas tenham sido engenheiro alemão radicado no Brasil Erich
relativamente autónomas do poder público, elas, Leyser, que foi durante dez anos diretor da
em geral, atingiam grupos sociais e políticos de Sociedade Estadual de Habitação de Berlim . o
destaque e tendiam a dar suporte às reflexões e geógrafo francês Pierre Mombain, da FFCLUSP,
decisões governamentais, criando uma “opinião o Professor da Escola de Sociologia e Política. Os­
pública “ favorável à determinadas iniciativas car Egídio de Araújo , autor de dezenas de
polêmicas. Representando o governo, o secre­ pesquisas e artigos sobre habitação e padrão de
tário da Justiça do estado de São Paulo, destacou vida operária.
o "carinho com que o governo acompanha os estudos
tendentes à solução do magno problema social." Abria-se, assim, uma nova fase da reflexão j
sobre o problema da moradia, caracterizado
Outro aspecto a ser ressaltado é a ampliação agora - e para sempre - como um tema multidis-
i do leque de profissionais que passaram a tratar ciplinar. E evidente que a ampliação do ensino'
o problema da habitação operária, ao contrário superior e da burocracia estatal no Brasil, no
do que ocorria na República Velha, quando período, propiciou condições para que a questão
} basicamente eram os médicos sanitaristas que passasse a ser tratada sob novos enfoques. Isto,
se ocupavam do assunto, com uma participação de qualquer maneira, possibilitou uma
bastante restrita de outros profissionais. A partir abordagem interdisciplinar que criou as
de 30, inicialmente os engenheiros se condições não só para a formulação de um
incorporam com peso no debate (a realização, diagnóstico mais completo das condições
em 1931, do Io Congresso de Habitação, habitacionais e dos vários pontos de
promovido pelo Instituto de Engenharia de São estragulamento que dificultavam sua melhoria,
Paulo, é resultado deste interesse) e depois, como a elaboração de propostas que levavam em
acompanhando uma tendência que ocorria nos conta os aspectos físicos, institucionais,
países europeus e nos Estados Unidos, inúmeras urbanísticos, económicos, jurídicos, sociais e
disciplinas passam a tratar da problemática. > ideológicos, com o objetivo de viabilizar as
alternativas de solução habitacional para a
O resultado desse novo contexto pode ser população de baixa renda, sobretudo no que se
percebido nas Jornadas de Habitação Econó­ referia a obtenção da casa própria. É claro que I
mica. quando além dos higienistas e enge­ muitos destes profissionais tinham uma visão I
nheiros. outros profissionais como advogados, / ainda muito ingénua sobre o assunto, repleta de |
assistentes sociais, urbanistas, sociólogos,J preconceitos morais e ideológicos e de intençõesj

O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

de cunho assistencialista-conservador; no principalmente durante a segunda metade da


entanto, deve-se reconhecer que suas análises e década de 40 e, nesta em particular, é
propostas foram importantes para lançar ou importante citar a presença dos jornais
reforçar a ideia da habitação social no Brasil e comunistas, que chegaram a oito, de circulação
para a formulação de novas perspectivas de diária, nas principais cidades brasileiras. Os
intervenção na questão. jornais comunistas, que dedicavam volumoso
noticiário, sobretudo reportagens e
É necessário ressaltar, no entanto, a ausência comentários, sobre as condições de moradia e
nas Jornadas dos arquitetos que estavam infra-estrutura urbana nos bairros populares,
atuando nesta questão e também a pequena apresentavam a visão da esquerda, teoricamente
presença das propostas, projetos e mesmo dos mais progressista, refletindo a posição de um
técnicos do Ministério do Trabalho e dos grupo político extremamente influente e de
Institutos de Aposentadoria e Pensões. Embora, grande peso eleitoral no período de legalidade do
o período de grandes realizações dos lAPs seja PCB(1945/7).
posterior, já estavam em execução obras impor­
tantes como a do Realengo, no Rio de Janeiro, O interesse que o tema da habitação
primeiro grande conjunto habitacional público despertava, no entanto, não pode ser explicado
construído no país. Considerando que a visão: senão em decorrência da forte crise de moradia
dos arquitetos, sobretudo os modernos, e dos que o país atravessou no período e do fato da
Institutos, principalmente o IAPI, era a mais nova conjuntura exigir a criação de modelos
progressista no que dizia respeito ao modo de alternativos para abrigar os trabalhadores. Mas,
morar, o debate nas Jornadas tomou uma por outro lado, é importante destacar que o j
direção mais conservadora, muito ligada à interesse sobre a questão habitacional também I
viabilização da casa própria para o trabalhador.^ estava ligado ao fato de que a crise não afetava, ■'
além da população de baixa renda, a classe '
Em decorrência da importância para esta média - grande formadora da opinião pública -,
tese da produção dos lAPs, assim como da visão que até então morava predominantemente em r|
que os arquitetos introduziram nos conjuntos de casas de aluguel. A crise da produção rentista
habitação produzidos no período, deixaremos de casas, que será estudada em detalhe no ■
para os capítulos 4 e 5 o debate gerado no âmbito capítulo 3, ao atingir a classe média e os I
dos institutos. trabalhadores num momento de aceleração do
processo de urbanização, tornou o tema uma
preocupação na sociedade refletindo-se numa
Como reflexo da incorporação neste debate ampla discussão nos meios técnicos e_J
de novas disciplinas, também merece destaque jornalísticos.
o surgimento de inúmeras publicações
especializadas em diferentes áreas do
conhecimento, que passam a dar destaque ao De modo sintético, pode-se afirmar que
tema da habitação. Revistas ligadas à economia, nestas reportagens e debates, analisados em
como Digesto Económico e o Observador detalhe a seguir, é consensual a crítica ao
Económico e Financeiro, à assistência social, como modelo produzido pelo mercado rentista em São
a Revista do Serviço Social. à sociologia, como a Paulo, cujo resultado mais visível é a habitação
Revista de Sociologia e à cultura e administração coletiva precária de aluguel - mais conhecida
pública, como a Revista do Arquivo Municipal como o cortiço - e a avaliação de que as
publicaram dezenas de artigos que abordavam alternativas passam por uma intervenção mais^
o tema sob um leque variado de enfoques, efetiva do Estado, tanto na produção e no
colocando-o na ordem do dia. Tinãncíamênto habitacional e pela viabilização
da casa própria na chamada zona rural, posto
que a iniciativa privada não teria mais interesse
Por outro lado, a questão da moradia era um / neste setor de investimento. Nas análises sobre
dos temas preferidos da imprensa diária,

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O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

* o Rio de Janeiro, aborda-se com maior ênfase as esforço próprio com vistas a equacionar o
, favelas e no Recife, os mocambos; todas essas problema da moradia popular, viabilizando uma
I reflexões entretanto convertem para o mesmo antiga aspiração da classe dominante em São,^

1 f ponto: a crítica a estas soluções e conclusão de


que o modelo baseado em casas de aluguel não
• consegue abrigar dignamente os trabalhadores
Paulo: eliminar o cortiço c segregar o ;
trabalhador na periferia, onde o custo da
moradia seria muito menor e a distancia física
a custos compatíveis com os salários. entre as classes sociais maior.

Se. por um lado, mesmo entre os mais A novidade não estava, portanto, no modelo
incisivos defensores da livre iniciativa, como proposto, mas sobretudo no fato de que. nesse
íf Ir .
Roberto Simonsen, é certo que só a ação do poder
público será capaz de viabilizar moradia digna
momento, havia um encontro entre as
aspirações ideológicas da elite e de seus técnicos

lí para o operário, por outro lado, são vários os que


buscam demonstrar que a obtenção da casa
própria depende fundamentalmente da vontade
e da firme decisão do próprio trabalhador, que
e as necessidades económicas de setores
empresariais importantes que trabalhavam no
sentido de impulsionar a produção industrial
urbana e a acumulação capitalista.
deve ser convencido através do bombardeamento
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ideológico e da educação de que a casa própria Para setores que. a grosso modo, podem ser
individual na periferia, com todo o desconforto identificados com o grupo reunido em torno do
e precariedade que lhe é inerente, pode ser muito

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Ciesp/Fiesp. o mais importante é formular ações
melhor do que o promíscuo cortiço na área cen­ realistas que permitam uma efetiva redução do
tral.

I
valor dispendido pelos trabalhadores com a
moradia, de modo a viabilizar uma significativa
Ao contrário do que ocorria anteriormente redução do custo da mão-de-obra urbana.
■ rt na República Velha, portanto, a construção de Qualquer solução que caminhe neste sentido -

I
um modelo da habitação operária não era seja ela a produção de moradias com subsídio ou
apenas um discurso ideológico desligado de uma financiamento público, a regulamentação do
estratégia para viabilizá-lo. Agora, há um visível mercado de locação para reduzir os aluguéis ou
esforço para encontrar formas de concretizar a autoprodução da casa própria pelos
tó ■ estas propostas não só porque elas atendiam as trabalhadores - será bem vinda, pois permitirá
necessidades do projeto de desenvolvimento que uma queda no custo real de reprodução da força
se engendrava, como porque a crise do modelo de trabalho urbano, ampliando o horizonte de
de provisão de moradia rentista era definitiva, e lucro no setor industrial. O fundamental,
equacionar novas soluções habitacionais para portanto, era alterar o modelo de provisão de
viabilizar o novo ciclo de expansão económica moradia operária e buscar formas de viabilizar
era premente. este objetivo, mesmo que fosse necessário

As investigações e reflexões que se realizam


neste momento, portanto, não são neutras e
nem descomprometidas de projetos mais gerais
- embora não claramente enunciados nem
previamente delineados. E, nesta perspectiva,
elas se dirigem no sentido dar um suporte
ideológico para a proposta, ainda não
inteiramente articulada mas
fragmentariamente enunciada, de se transferir
da iniciativa privada para o Estado e para o
morador, o encargo de mobilizar recursos e
Da Provisão Rentista
da Moradia à
Intervenção do Estado

Na República Velha, os setores sociais setor rentista, como a isenção de impostos e


beneficiados pelo mercado rentista, favorecidos taxas para a produção privada de moradias
pelo predominância do liberalismo, tinham força baratas, medida que foram adotadas em várias
suficiente para inviabilizar qualquer ação mais cidades e em todos os níveis de governo. Este tipo
efetiva que pudesse prejudicar o mercado de de iniciativa, sempre proposta nas
locação. Em que pese os discursos dos higienistas recomendações sobre o enfrentamento do
combatendo a precariedade habitacional, e problema, tendia, na verdade, a ampliar a
relacionando-a diretamente com a proliferação lucratividade dos proprietários pois, frente a um
dos surtos epidêmicos. predominava uma visão mercado de oferta escassa, não regulamentado
liberal de não interferência do Estado na e gerido pela lei da oferta e procura, o subsídio,
questão, limitando-se o poder público à medidas sob a forma de isenção fiscal, acabava ficando
de caráter legislativo e no âmbito da polícia com o locador, não sendo tranferido para o
sanitária para reprimir as situações mais agudas inquilino.
de precariedade nos cortiços. Os interesses do
setor rentista tinham força suficiente para Assim, não é de se estranhar as conclusões
impedir iniciativas do poder público tendentes a da Comissão criada pelo prefeito de São Paulo,
criar alternativas de produção estatal de Sr Pires do Rio, em 1927, para avaliar a situação
habitação social ou que interferissem no habitacional e propor medidas para enfrentar a
mercado de locação, apesar de, por sete anos, ter carência de moradias:
vigorado uma pouco eficiente, do ponto de vista
dos locatários, Lei do Inquilinato, que
“ A comissão julga dever aconselhar a máxima
trataremos no capítulo 3.
circunspeção na ação direta do poder público na
construção de casas populares, procurando
Ao contrário, o discurso sobre a precariedade incentivar por todos os meios possíveis ao seu
das condições de moradia acabavam quase alcance a iniciativa privada... Não haja ilusões . No
sempre gerando propostas que beneficiavam o estado atual de nossa organização social, política e

..
7

O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

económica, a construção de habitações populares que, portanto, tinha que ser tratada pelo
pelo poder público diretamente ou por meio de governo:
empresas, longe de ser uma solução será causa de
agravamento da crise atual. O simples anúncio de "Defendemos no Governo Provisório, o princípio
que o poder público irá construir alguns milhares de que este assunto (construção de casas para
de casas que serão oferecidas por preços e aluguéis operários) deveria sempre ser da alçada do Estado,
fixos será o bastante para afastar automaticamente tal sua magnitude e relevância. Embora muitos não
os capitais particulares que anualmente se queiram ver a obra realizada do Governo Provisório
empregam em construções". Cintra 1927). no que concerne a construção de casas para os
trabalhadores, o que esse Governo fez (...) foi obra
Após desaconselhar a intervenção direta do que merece ser apreciada por aqueles que estudam o
poder público, a Comissão aponta medidas de assunto. (...) Não desconheço que as instituições que
emergência que "deverão ser empregadas somente se quer beneficiar nesta Casa, umas com o crédito,
as que visarem fomentar a iniciativa privada" outras com a cessão de grandes faixas de terras, são
destacando o "combate à especulação com terrenos entidades da maior benemerência Mas. senhor
urbanos", através de uma rigorosa taxação, presidente, a construção de casas para operários deve
medida que favorece a produção de moradias ser obra obrigatória do Estado, tal a magnitude do
pelo mercado rentista e "a isenção de todas as problema, tais os encargos financeiros que exige,
taxas, impostos, emolumentos, quer municipais, indispensáveis para sua realização. É certo que, até
quer estaduais, para todas as construções destinadas 1930, nada se havia feito nesse setor. Nada digo
a habitação que se iniciarem e concluírem dentro de mal; existia uma lei de 1 922 que tratava do assunto,
um prazo de 6 anos contados a partir da mas de maneira toda especial, porque conferia um
promulgação da lei. A isenção compreenderá favor de ordem pessoal a determinados indivíduos
também todos os impostos, emolumentos que para a construção destas casas". Este o discurso
atualmente gravam os capitais empregados em do deputado Salgado Filho, ex-ministro do
hipotecas de prédios e capital das sociedades cuja Trabalho do Governo Provisório. 19 37 (BTIC
atividade seja exclusivamente empregada na 1937).
produção e comércio de materiais de construção."
(Cintra 1927). "Não é possível aguardarmos, por tempo
indeterminado, que o padrão geral de vida médio se
Uma década mais tarde alterou-se eleve, por toda parte, a um tal grau, que dentro do
í
substancialmente a visão sobre o assunto. Já em regime económico vigente e sob a ação da oferta e
í plena vigência do Estado Novo, o discurso é ' procura de capitais, possa a iniciativa particular
outro: generaliza-se a opinião de que a iniciativa proporcionar casas confortáveis para todos os que
t> privada é incapaz de enfrentar o problema, delas precisam ... Problema de difícil solução por

tornando inevitável a intervenção do Estado. simples iniciativa privada, porque num país onde o
Trata-se, portanto, da marginalização do setor” capital é escasso e caro e o poder aquisitivo médio
rentista que desde o início da República gozou tão baixo, não podemos esperar que a iniciativa
de regalias fiscais dos governos e da ausência de j privada venha em escala suficiente ao encontro das
regulamentação nas relações com os inquilinos.j necessidades da grande massa proporcionando-lhe
Os discursos neste sentido surgem de todas as habitações económicas (...). O problema das

I matizes ideológicas, dos representantes da Fiesp


(Simonsen) aos comunistas (jornal HOJE),
passando pelo discurso oficial do getulismo,
mostrando que a sociedade tinha aceitado a
moradias das grandes massas nas cidades populosas
passa a ser questão de urbanismo. Para sua integral
solução torna-se indispensável a intervenção
decisiva do Estado". Este o discurso de Roberto

h concepção de que a produção e locação


habitacional revestiam-se de características
especiais que as diferenciavam de outros bens e
Simonsen na abertura das Jornadas de
Habitação Económica (Simonsen, 1942).

II $

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Li
O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

"Num país como o nosso, onde o capital é “(■■■) há um século a função do Estado se
escasso, e os juros altos, a construção de casas resumia, por assim dizer, nos serviços da Justiça, da
baratas só será possível com o auxílio Polícia, da Defesa Nacional e das Relações Externas.
governamental pois raramente os industriais
dispõem dos capitais indispensáveis para a conclusão Hoje em dia , o Estado é solicitado para um sem
de suas indústrias e poderem cogitar de empregá- número de atividades novas qual delas mais difícil e
los para este fim, muito embora os reconheçam úteis árdua. Tal acontece com a função de regular e dirigir
e mesmo complementares de suas indústrias" a vida económica da Nação, tarefa sobremaneira
(Siciliano 1942). complexa, por arrastar dificuldades de ordem técnica
e de ordem política, dificuldade que se filiam, de um
"Proporcionar meios para que o povo habite lado aos princípios doutrinários do liberais e, de
de forma decente e agradável ou pelo menos humana outro, aos próprios interesses ciosamente defendidos
é um dos problemas de governo. Se é fora de dúvida pelos que se sentem prejudicados com a nova
que a principal obrigação de um governo é cuidar do orientação do Estado Moderno. Mas, dentre essas
bem estar público, não há como negar sua funções hodiernas do Estado nenhuma é mais
responsabilidade pelas condições calamitosas em que simpática ao ponto de vista humano e cristão da
habita a imensa maioria da população do Brasil. O civilização brasileira que a de proteger e amparar as
que resta apurar é qual dos três poderes - o munici­ classes humildes, de assistir e defender os
pal. o estadual ou o federal é que deve assumir a trabalhadores fracos economicamente, mas dignos
responsabilidade pela solução do problema(...). Ora por todos os títulos dos cuidados do poder público,
diante da premência de uma solução, é necessário por isto que preciosa e inestimável é a sua
que se firme definitivamente o seguinte: o problema colaboração no desenvolvimento da economia
da habitação deve ser resolvido pelo governo. (...) É nacional. Foi isso que compreendeu muito bem o
claro que dentro do regime de liberalismo económico Governo do Presidente Getulio Vargas (...). A
em que se vivemos até há alguns anos atrás, o Estado realização que nesta hora se consagra na
não devia nem podia intervir na solução do inauguração deste conjunto de habitações
problema. Dentro do "laissez-faire” cada um se proletárias é uma eloquente demonstração desse
arrumasse como pudesse. Isto porém é coisa que asserto". Discurso do Sr. Waldemar Falcão,
passou, absolutamente não se compreende nesta Ministro do Trabalho do Estado Novo, 1938
época, em que o socialismo ganha terreno dia a dia, (BMTIC.1938).
que se abandone a sua própria sorte quase a
população interna de um pais como se faz no Brasil." Com se vê, é amplo o leque de setores sociais
(HOJE. 18/10/1945) que, concordando com a incapacidade da (
iniciativa privada equacionar, na esfera do '
"A indústria privada da edificação não encontra mercado capitalista, o provimento de moradias ’
rendimentos suficientes para o capital aplicado em para os trabalhadores, apoiam, com ênfase, a
tais construções (residências populares higiénicas) intervenção do poder público no processo de
(...) porque as pessoas de escassos recursos não produção habitacional. À nível do aparato í
dispõem de meios para a aquisição ou aluguel de um estatal, das entidades empresariais, das forças!
alojamento adequado. Sempre esse círculo vicioso políticas com influência junto aos trabalhadores,■
acarretando graves consequências morais, entre os técnicos e na opinião pública vai se ,
higiénicas, económicas e sociais. Aí, especialmente formando aos poucos a noção de que é ,
no caráter económico-financeiro, que acabamos de responsabilidade do Estado garantir condições de
nos referir, é que deve aparecer a intervenção do moradia digna para a população e que, para <
Estado. Estamos cientes da transcendência do tanto, ele deve investir recursos públicos e dos
problema e, por isto mesmo, é que afirmamos que o fundos sociais. _j
Estado deve intervir nesta questão como intervém
nas obras sanitárias zelando pela saúde pública." (F. A instituição de orgãos governamentais |
Baptista de Oliveira O OEF 92 set 1943). encarregados de produzir ou financiar a l

vra
O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

produção de habitação social, como as Carteiras a experiência internacional de produção de


Prediais dos Institutos de Aposentadoria e habitação social pelo poder público em vários
Pensões e a Fundação da Casa Popular, cuja i países europeus, sobretudo os administrados
atuação será estudada no capítulo 4. foi, pela social democracia, também contribuíram
portanto, respaldada por um conjunto para a aceitação desta tese, que marcou o início
expressivo de análises que mostram a I da produção da habitação social no país. A nível
necessidade da intervenção do Estado, obtendo, internacional, o I Congresso Panamcricanojda^
assim, amplo apoio de diferentes segmentos j Vivenda Popular . realizado em Buenos Aires em
sociais e políticos. Fora as críticas que j 19 39,'foi tamHem evento importante na criação
objetivavam garantir o uso social dos recursos / de uma mentalidade estatizante no tratamento
destinados a estes órgãos, não há praticamente i_ da questão habitacional. Nas recomendações
oposição a que o poder público passe a produzir finais do Congresso, foi aprovada uma proposta/
I um bem que era, até então, provido pela recomendação para os países do continente no_
iniciativa privada e que, malgrado suas sentido de„s_erem criados órgãos nacionais^
especificidades, não deixava de ser uma encarregados exclusivamente da questão da
mercadoria de consumo popular, como outra habitação. A influência internacional, no
qualquer. Quando surgem manifestações de entanto, no caso brasileiro e principalmente no
oposição às políticas destes orgãos - e elas foram quadro presente em São Paulo, c apenas um
crescentes ao longo da década de 40 e 50 - estas pano de fundo que. graças ao colonialismo cul­
são motivadas muito mais por uma crítica a sua tural presente, facilita a aceitação de uma tese
gestão e ao incorreto direcionamento dos extremamente funcional ao modelo de
recursos destes fundos sociais do que por uma desenvolvimento que se implementava no país.
« oposição à intervenção do Estado na produção
de habitações. É neste quadro que o governo interviu de
forma marcante no mercado de locação, com a
“O que não é justo, o que é iníquo, é que aplique instituição em 1942 da Lei do Inquilinato, que
tamanha reserva [das Caixas Económicas e dos congelou os aluguéis. Trata-se de medida que
Institutos de Aposentadorias e Pensões], que é do vinha sendo adotada em vários países europeus
povo, em suntuosos palácios, para ostentação de e latino-americanos desde a Primeira Guerra (na
uma grandeza ilusória, ou se a aplique em outras França, por exemplo, os aluguéis ficaram
iniciativas de utilidade duvidosa para aquele que com congelados por décadas), e um duro golpe contra ,
o seu labor, com as suas privações, concorreu para o setor rentista e proprietários de casas de |
esse grandeza aparatosa. (...) As Caixas aluguel em geral. A questão é muito complexa
Económicas, as Caixas de Pensões, os Institutos de e será tratada detalhadamente no capítulo 3.
\ I Previdência e as Companhias de Seguros deveriam
por lei, ter suas carteiras prediais destinadas à É importante destacar, entretanto, que
construção de casas populares, ou para alugá-las ou quando a primeira Lei do Inquilinato do período
para propiciar àqueles que a merecem, por seu foi decretada, em 1942, o governo alegou uma
trabalho honesto, e para assegurar a tranquilidade situação de emergência, não tendo havido
e o bem estar da família brasileira.” (D Auria 1942 reação-Significativa, posto que a participãçaodò'
! :102/3). paísna^ueírãjustificava medidasexcepcionais.
A possibilidade de regulamentação do mercado
T É certo que o clima ideológico presente de aluguel, aliás, sequer foi abordada nas

íí
.< &
\ naquele momento, no país e a nível
\internacional, amplamente favorável ao
Crescimento da intervenção do Estado na
Jornadas de Habitação, que ocorreu antes do
congelamento ser adotado. Isto, de alguma
maneira mostra que não havia elaboração neste
economia e na provisão das condições básicas sentido por técnicos que tratavam do problema
•p _/de sobrevivência dos trabalhadores, assim como habitacional. Mesmo os que defenderam com

ii
s4 ?!
O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado ã Casa Própria

vigor a intervenção do Estado na questão defendia a restrição ao direito de propriedade,


habitacional, não se referiram ao controle dos embora artimanhas jurídicas tenham permitido
aluguéis como uma alternativa de ação. algumas alternativas para os locadores reaverem
o direito de propriedade. É importante ter em
Somente depois da guerra, quando a conta, entretanto, como será mostrado nos
renovação da lei mostrou que ela tinha vindo próximos capítulos, que efeitos não previstos da
para ficar, é que a polêmica jurídica e económica Lei do Inquilinato acabaram por gerar uma
sobre a questão acendeu-se, polarizando entre maior difusão da pequena propriedade entre os
os que advogavam pela sua suspensão - baseados trabalhadores e a classe média, de certa forma
no dispositivo constitucional que garantia a atuando para viabilizar um objetivo que atraia
propriedade privada, e os que defendiam sua a grande maioria dos técnicos e políticos como
manutenção e mesmo seu aprofundamento, em a melhor forma de equacionar o problema
decorrência da grave crise habitacional e da habitacional.
necessidade social.

Os que atacavam a lei, em geral juristas de


linha conservadora, argumentavam que a lei era
inconstitucional e que “o Estado não apenas
restrige o direito de propriedade (...) mas transfere,
por assim dizer, ao inquilino, esse direito. Opera uma
verdadeira expropriação gratuita. Não se limita a
disciplinar o uso da propriedade (...) mas entra pelo
conteúdo deste direito, tornando-o praticamente
nulo." ( Costa F°- 1953:226)
IKCIIi
Já os que a defendem, buscam mostrar que o 8 PAGIHAS
direito de propriedade é restringido pela própria
Constituição, ao estabelecer a desapropriação
por interesse social. “E o que deve se entender
exatamente por interesse social? Não será o
interesse do maior número que deve prevalescer
sobre os interesses particulares de grupos ou de
classes? E se esse interesse social justifica a
desapropriação não deverá também justificar uma
restrição temporária . não ao direito de propriedade,
mas apenas ao seu exercício (...) Não nos parece
liquida nem evidente a inconstitucionalidade do
anteprojeto de lei " ( Corbisier 1949).

Esta polêmica, alimentada pelas condições


concretas de locação e de habitação que se viveu
nestes anos, durou praticamente todo o período
de vigência da lei, até 1964. Como a questão
será tratada, nos seus aspectos económicos e nas t*

suas consequências sobre a provisão O

habitacional no capítulo 3, não iremos


aprofundá-la neste item, mas, apenas registrar <2
que predominou no Congresso a linha que
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A preferência pela casa própria se manifesta


! em quase todos os discursos que tratam da
ill i questão da moradia popular. Em tese, são poucas
j as vozes discordantes, como por exemplo, as
5 resoluções do I Congresso Nacional dos
Arquitetos, realizado em janeiro de 1945 em São
Paulo, e que aprovou tese do arquiteto Henrique t , -i r t dfrXM

Mindlin propondo que as casas fossem alugadas


enão vendidas (HOJE, 18/10/1945).
£1
As conclusões deste Congresso são
importantes porque elas refletem uma visão
I sobre a questão habitacional que coincide com
a que orientou parte significativa da produção
habitacional do lAPs, com indiscutível Por outro lado, ainda em apoio ao aluguel,
influência dos arquitetos , e que entende a surge outro tipo de análise, conformada com o.
■ habitação como um serviço público: "outra nivel salarial do trabalhador, que mostra a
conclusão [do 1 Congresso Brasileiro de Arquitetos] enorme dificuldade este teria para obter um i
é a que aconselha a construção de habitações de moradia própria: “No regime económico em que^-1
aluguel e não para a venda pois a casa passou a ser vivemos, os capitais procuram lucros ou
considerada como um ‘Serviço de Utilidade Pública’ remunerações que não podem ser dados pelos parcos
(água, esgotos, luz, transportes, etc). Ora o Estado, orçamentos das famílias operárias e das classes
que não pode facilitar a cada cidadão os meios de menos favorecidas. Tentar deslocar o problema,
aquisição de sua casa, poderá, contudo, assegurar a favorecendo a aquisição individual de prédios para
cada família o direito ao uso de habitação decente, todo e qualquer chefe de família, é criar, muita vez,
mediante aluguel cômodo e compatível com o padrão uma situação insuportável para os proprietários,
comum da vida organizada." (Engenharia. que ficam escravizados a dívidas cujos serviços,
Novembro 1945). absorvendo proporção muito elevada de seus
O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

rendimentos, sacrificam a satisfação de outras mais significado do que a obtenção da casa


necessidades da vida.” (Simonsen 1942). Como se própria.
vê Simonsen raciocina, ainda, no âmbito do
mercado formal de produção de casas, onde Como vimos, até a década de 30, era
evidentemente seria inacessível a um incomum operários e trabalhadores de baixa
trabalhador comprar uma moradia. renda terem uma casa própria e, mesmo na
classe média, predominava ainda o modelo das
A par destas posições, a regra é uma defesa casas de aluguel. Sem nenhuma intervenção
intransigente da casa própria e uma busca por efetiva do Estado na provisão de moradias com
todos os meios para viabilizá-la. Análises sobre
materiais de construção, sobre a questão da
subsídio, inexistindo linhas de financiamento
para a aquisição da casa própria e não tendo se
I
especulação imobiliária, sobre infra-estrutura, estruturado e se difundido um esquema que
sobre financiamento habitacional e viabilizasse, a nível urbano, um modelo de
investigações sobre o padrão de vida operária moradia auto-empreendida na periferia
giram sempre em torno de um mesmo objetivo: (embora, como veremos no capítulo 6, já
como viabilizar a casa própria para o trabalhador ocorriam ensaios da formação deste modelo),
de baixa renda? era muito difícil para qualquer assalariado
adquirir um bem de valor absoluto
Mas por que era tão importante para a extremamente elevado em relação aos
ideologia dominante no período a viabilização da rendimentos mensais.
casa própria - num momento em que mais de
70% dos domicílios ainda eram locados? Ademais, é importante destacar, neste
sentido, a “recência" da classe operária e média
“Dando a esses humildes trabalhadores seu lar em São Paulo, cuja população cresceu, em
próprio, outorgava-lhes o governo do Estado Novo quarenta e quatro anos, entre 1890 e 1934, de
a base física de sua liberdade económica, o recanto 40 mil a 1 milhão de habitantes, basicamente
amorável de sua vida de família e o símbolo de sua através de um intenso processo imigratório, que
felicidade singela de trabalhadores e de chefes de cada trouxe para o Estado de São Paulo e,
uma daquelas mansões domésticas honradas de posteriormente, à cidade, trabalhadores
dignificadas pelo trabalho honesto de todos os dias”. estrangeiros totalmente desprovidos de riqueza.
(Discurso do Sr. Waldemar Falcão - Ministro do Defrontando-se com uma sociedade de cunho
Trabalho na inauguração da Vila Operária oligárquico excludente, que colocou obstáculos
Waldemar Falcão, 1938 (BMTIC Nov. 1938)). legais ao acesso à propriedade da terra pelos
desprovidos, como por exemplo a Lei das Terras
(Martins 1980), estas centenas de milhares de
A questão da moradia vai assumir no imigrantes não tinham tido, ainda, a
discurso e nas realizações do Estado Novo papel oportunidade de, num processo acumulativo
central, como símbolo material mais importante gerado através de gerações, alcançar a condição .
1 de que a valorização do trabalhador e a política de proprietários.
í de amparo ao homem brasileiro, desenvolvida
; pelo regime, estava efetivamente dando
_í resultados. O eixo central desta concepção Assim, havia uma verdadeira identificação
estava centrada na idéia do que o trabalho entre os proprietários e os ricos, uma herança/
dignifica e gera frutos que compensam o esforço do período colonial que ainda vigorava. Para a \
de anos e anos de sacrifício. “O ideal de justiça ideologia do novo Estado que se formava, era fun- \
social vai sendo explicitado como um ideal de damental romper esta identificação e promover,
ascensão social pelo trabalho que tem no Estado seu sem afetar os interesses das oligarquias, o acesso )
avalista e intermediário.” (Gomes, Oliveira e do povo à propriedade.
Veloso 1982). E, neste sentido, nada poderia ter

rai

-
O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

“A propriedade familiar educa o trabalhador que torna-se um revoltado contra uma ordem de
a constitui pela própria economia e a conserva pela coisas que o escraviza a um trabalho mal
própria administração". (Porto. 1936) remunerado.” (Ferreira 1942).

Por outro lado, para o trabalhador urbano, Além de criar a ilusão do progresso
a obtenção da casa própria representava a idéia económico, fator importante na estabilidade da
de um progresso material extremamente valioso ordem macro política, a habitação passa a ser
para os que a alcançava. Assim, ao viabilizar, considerada como elemento fundamental para
‘""através da casa própria, o acesso à propriedade. a sólida constituição moral da sociedade e para
^~a sociedade estaria valorizando o trabalho, gerar o bom trabalhador, avesso ao clima de
demonstrando que ele compensa, gera frutos e desejos e práticas desviantes da ordem moral
^riqueza. "Trabalho e riqueza estariam económica e estabelecida. Assim., se a casa própria e a difusão
' moralmente interligados, pois, em última instância, da propriedade garantem a ordem política, ao
só o trabalho - a medida do valor social dos nível micro político, a reprodução da moral
indivíduos - justificaria a propriedade da coisas. burguesa e sua aceitação dócil pelo operariado
Riqueza e propriedade privada, aspirações materiais apenas pode ser obtida através da moradia indi­
legítimas do homem, possuíam uma dimensão indi­ vidual. longe da promiscuidade do cortiço. 0
vidual, mas principalmente possuíam , como elemento essencial nesta concepção é o papel
limites, os interesses comuns da sociedade". exercido pela família, que tem a função essencial
(Gomes, Oliveira e Valente, 1982). de reproduzir a ordem estabelecida. A família é
a célula mater da sociedade e seu elemento
Por outro lado, a difusão da pequena edificante. “A sociedade familiar, base da civil,
propriedade era vista como uma forma de dar encontra no elemento material da habitação uma das
estabilidade ao regime, se contrapondo às idéias condições para sua ordem natural" (Arruda
,L socialistas e comunistas. “O Estado, 1942:197). A Constituição de 1937. que
administrador do bem comum, regularia as relações instituiu o Estado Novo, dá atenção toda espe­
entre homem e propriedade, respeitando a iniciativa cial para a família, definindo no Artigo 124. que
individual e promovendo a riqueza social, sem os ‘‘a família fica sob proteção do Estado". A |
perigos de uma intervenção arbitrária". (Gomes, associação entre a família e a habitação torna a
Oliveira e Valente). Através da promoção de um questão da moradia assunto da maior
modelo de habitação que garantisse a casa importância na reprodução ideológica dos
própria, o Estado estaria disseminando a valores de moral burguesa que se buscava
propriedade ao invés de aboli-la e, assim, universalizar para todas as classes sociais,
promovendo o bem comum. Os trabalhadores, sobretudo para os trabalhadores urbanos.
deixando de serem as classes perigosas, veriam
na obtenção da casa própria individual e salubre “A menos que fôssemos individualistas ou
o resultado do seu trabalho, uma dádiva que socialistas, a família tem para nós o sentido de célula
compensaria todos os sacrifícios; já o morador mater do complexo socialf...). Entendemos que a
do cortiço ou moradia infecta seria um ser família está interessada no problema da habitação,
revoltado, pronto para embarcar em aventuras e da maneira de resolvê-lo depende, em linha de
políticas esquerdistas para desestabilizar a causalidade direta, a moral da sociedade." (Ferreira
ordem. 1942).

‘Após um dia de trabalho extenuante exercido Mas a família não poderia desempenhar seu
sem a necessária e compensatória alimentação papel edificante da nova ordem se não
e uma caminhada longa ou uma viagem em constituísse um lar - associação simbólica do
circunstâncias pouco cômodas, o operário que espaço físico e ambiente doméstico, da coesão
não encontra em casa um ambiente que lhe do espírito familiar conservador se não
propicie o necessário descanso físico e mental habitasse de forma decente numa casa indi-
O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

vidual. No cortiço e outras formas de habitação que em certas mansardas, em certos porões, úmidos,
coletiva, fica inviabilizada a vida familiar plena escuros, infectos, a vida de uma criança não pode
e normal e, então, surgirão as tentações vingar, não é menos verdade que em certas
desviantes. a infidelidade, a delinqiiência, os habitações coletivas com moradores sem idoneidade
maus hábitos. Os homens abandonarão o lar em não pode medrar por muito tempo uma conduta
busca dos divertimentos fáceis, a mulher perderá irrepreensível; sem uma sólida formação moral (...)
o pudor e logo a honra, as crianças, convivendo Dize-me onde moras e dir-te-ei quem és." (Sinisgalli
com maus elementos, se contaminarão por todos 1942).
os tipos de vícios.
O cortiço e a habitação coletiva, ao \
O meio corrompia e anulava os esforços que inviabilizarem a formação sadia do lar, \
o Estado e a Igreja, a sociedade enfim, matariam o espírito de família, destruindo a
desenvolviam para difundir as normas do bom célula básica da formação do novo homem que ;
comportamento, da moral burguesa, do operário o Estado Novo queria forjar.
padrão. Assim, o combate à vagabundagem e à
rejeição ao trabalho não poderia ser bem "A exigiiidade do lar, absolutamente insuficiente
sucedido se não se atacasse a questão da para abrigar os membros de uma família mesmo
moradia, combatendo-se de forma definitiva a pequena; a falta completa de comodidade que a casa
habitação coletiva. oferece a família operária, de um lado, e, por outro,
o ritmo da vida moderna, as mil e uma seduções que
Habitando coletivamente, a família seria ela exerce sobre os indivíduos, vão matando a coesão
contaminada pelo corpo social e todos os seus familiar para boa porção da nossa sociedade. O
membros seriam afetados negativamente: o espírito de família é hoje uma expressão sem sentido
chefe, a mulher, os filhos menores - numa para o trabalhador dos grandes centros. A massa dos
epopéia de desgraças e crimes morais que se obreiros já se não pode mais falar em espírito de
formam através da influência do meio, onde as família, em necessidade de manter e cultuar as
frutas podres disceminam o mal. estragando as tradições de família. Uma sala ou duas, sem higiene
frutas ainda incompreensivelmente (mas por e sem conforto, mal arejada e mal ensolarada, onde
pouco tempo) sadias. Utilizando-se das teorias se cozinha, come, dorme, como reunir a família para
sociológicas americanas (Escola de Chicago), as refeições e as palestras em comum? Para o pai e
particularmente as concepções da teoria da os filhos do sexo masculino, há o recurso da rua;
ecologia urbana, que os sociólogos americanos, para a mãe e as mulheres, a vizinhança, os enredos
como Pierson e Lowrie, trazidos para montar a os disque-disques; para as crianças, o páteo do
Escola de Sociologia e Política, ensinavam, os cortiço, com todos os seus perigos tanto de ordem
ideólogos da casa própria individual constroem física como moral. ... Não havendo permanência em
uma argumentação que vincula tudo o que casa , não pode também ser a família aquele centro
consideravam patologias sociais com a educador de energias morais e espirituais e agente
habitação coletiva. transmissor da civilização e da cultura." (Ferreira
1942).
"Os ocupantes dessas habitações coletivas são
forçados a entrar em contacto, quer queiram ou não, A recriação do espírito (burguês, cristão,
com aqueles que residem sob o mesmo teto. Não têm etnocêntrico) de família requer portanto um
alternativa porquanto o isolamento é impossível, o outro modelo de moradia, pois o modo coletivo
recolhimento impraticável. E a contiguidade desses de morar, que é tão presente em várias
co-habitantes é tão íntima que sem exagero, sociedades que contribuíram na formação do
podemos afirmar , estarem a virtude ou a povo brasileiro, gera ‘anormalidades’. A
deshonestidade de uma pessoa condicionadas, em construção ideológica do modelo de moradia
boa parte, à moralidade dos outros indivíduos parte de uma concepção de modelo de família
domiciliados no mesmo local. Porque, se é verdade nuclear, monogâmica e individual, considerada

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como o padrão ‘natural’ de organização social: económica, política e social. Além de ser um bem
“É certo que há uma tendência do homem viver com essencial para a sobrevivência do trabalhador,
sua mulher e seus filhos em moradias individuais, espera-se que a moradia possa vir a se tornar,
I pois a família é uma unidade moral e material da através da difusão da casa própria, um
sociedade. Donde devemos considerar que a instrumento de transformação do trabalhador
promiscuidade como regra é índice de degeneração em proprietário e que passe a desempenhar papel
social (...). Das formas de degeneração, a que afeta importante na criação de um modo de vida
■ ■■1 a mulher é talvez a mais visível" (Arruda conservador, reprodutor e difusor do padrão de
■; 1942:214). Assim, a infidelidade, o adultério, a
perda da moral feminina e a promiscuidade
comportamento moral e cultural burguês entre
trabalhadores originários de vários países e
sexual seriam gerados pelo meio, pela habitação longínquas regiões do país. E, ademais, que
coletiva que destruiria o esteio mais sólido do integre o rol de iniciativas que o Estado brasileiro
espírito familiar. desenvolvia, sob a liderança do ditador Vargas,
para beneficiar de modo assistencial as classes
"Observando o cortejo dos malefícios da trabalhadoras: "pode-se dizer mesmo que a casa
própria vem a ser, sob o ponto de vista social a mais
Ih - habitação precária para a morada família, vamos
encontrar o grande inimigo do pudor e do recato alta expressão do progresso realizado na política de
feminino. Convém que a vida da mulher derive numa assistência económica às classes trabalhadoras.
atmosfera de discrição e de respeito que só se obtém (Fugulin 1942:193).
na habitação individual. No cortiço e em outras
moradias semelhantes, desde o amanhecer até o ~ Esta agenda de objetivos se constituía num
jl cessar tardio do movimento de inquilinos, está a imenso desafio para uma sociedade que se
mulher à vista de todos, sujeita à promiscuidade, urbanizava com rapidez e que esperava se
desde o tanque comum até as demais instalações. industrializar sem contar com grande
Essa frequentação diária com indivíduos de outro \ disponibilidade de capital. O peso do custo de
sexo, estranhos a família, vai aos poucos s reprodução da força de trabalho nos custos de
despudorando a mulher pela impossibilidade de produção era significativo e, portanto, .esta
deixar esta de ser vista a todo instante e com agenda deveria ser cumprida sem necessitar de
qualquer traje. Entretanto, o recato feminino é a uma elevação salarial, sendo ,ao contrário,
barreira natural de que Deus dotou para preservá- desejável comprimi-la. É neste sentido que se
la da malícia, da sensualidade e dos atentados de dirigem os esforços dos que refletem e propõe
ordem moral." (Ferreira 1942). alternativas ao modelo de moradia que
predominava até então.
Obrigada a viver na habitação coletiva, a
mulher seria "apodrecida" por desejar e se deixar Nestas condições seria fundamental, além da
desejar, por atentar contra as normas de intervenção do Estado na provisão de moradias
comportamento sexual estabelecidos pela ordem que, sabia-se, seria sempre insuficiente para
burguesa, por romper com o isolamento do lar i atender a demanda, o esforço do próprio
iB para conviver perigosamente em contato/
contágio com um meio que a levava ao pecado
\
)
trabalhador para encontrar meios financeiros e
expedientes sociais que garantisse a difusão da
capital. O homem, por sua vez, seria afetado por ; casa própria unifamiliar. E para isto seria
riscos a ordem social tão ou até mais graves: a necessário, antes de tudo, convencer o

K criminalidade e a vagabundagem: "A nossa tese trabalhador que ele deveria abandonar soluções
outra coisa não visa senão demonstrar que a má habitacionais de certa forma já consolidadas e
habitação é fator que concorre para a eclosão da partir, sem medir sacrifícios, para uma aventura
delinquência." (Sinisgalli 1942). nova de morar. E isto deveria ser obtido através
| da processo de educação, verdadeira
A habitação operária torna-se, portanto, doutrinação dos trabalhadores.
uma questão envolvida em objetivos de ordem

I ■

i
O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

"A melhoria do padrão de vida tem de ser


procurada pelo próprio indivíduo, logo que sinta
necessidade de melhorar. E essa necessidade se incute
r viabilizar a obtenção da casa própria, mas
l principalmente de mentalidade, de vontade, de
ser convencido de que pode mudar de vida
pela educação, criando no indivíduo a ambição e o
hábito de higiene e do conforto. (...) O problema da
1 mantida a ordem económica e social vigente.
Neste objetivo, nota-se a influência dos métodos
habitação se transforma, assim, em um problema utilizados principalmente pelo nazi/fascismo
de educação." (Valente 1942:325). para a doutrinação das massas, como o uso dos
meios de comunicação, incutindo no
A educação assumia papel central na trabalhador uma visão nova sobre seu modo de
estratégia de incutir nos trabalhadores o modelo vida. Não faltava também quem buscasse
de habitação que as elites desejavam ver associar conceitos da ordem autoritária, como
implantadas. Se, por um lado, isto significava a ordem e a disciplina, com o desenvolvimento
alterar uma certa cultura de morar, que envolvia de uma nova mentalidade de morar.
condições e principalmente localização da
habitação, por outro estava presente também a “O problema do cortiço é mais um problema
concepção de que o trabalhador deveria educativo do que financeiro e como tal deve ser
aprender a poupar, ou seja, deixar de gastar o encarado, para os meios profiláticos tentados na sua
pouco que ganhava para juntar recursos que lhe extirpação alcançarem os resultados esperados (...).
permitisse adquirir uma propriedade ou edificar Certo comodismo quanto ao morador do cortiço, o
uma casa, ao mesmo tempo, contribuindo ainda qual aliado ã ignorância, cria uma mentalidade
no esforço nacional para financiar os grandes específica que deve ser combatida por todos os meios
empreendimentos de desenvolvimento que se possíveis. O mais eficiente desses meios é a educação
buscava viabilizar. em sentido lato, a educação sob todos os aspectos
possíveis - filmes, rádio, palestras escolhidas em
"O problema da habitação está intimamente lugares apropriados - capazes de demonstrar que só
ligado ã economia popular. É formada esta por há vantagens medíveis, presentes e futuras na troca
pequena unidades que por serem células da economia do pátio da habitação coletiva pelo quintalzinho da
nacional precisam ser fortalecidas e protegidas. O zona rural, onde uma horta e um galinheiro poderão
hábito de economizar, pouco arraigado nas nossas erigir-se em renda para a família." (Araújo
populações, por falta de educação neste sentido e, 1942:65/66).
principalmente, pela inexistência de possibilidades,
melhorou consideralmente nos últimos anos, “ (...) Cumpre-nos aproveitá-los [os sintomas de
refletindo-se no grande aumento dos depósitos nas disciplina, ordem e civilização que se surgiam com
Caixas Económicas. As pequenas unidades o Estado Novo] e incentivar o novo espírito que
económicas, aproveitadas convenientemente nos assim se manifesta para iniciar a reforma da
grandes empreendimentos económicos nacionais de mentalidade do nosso povo. Educando-o ele
utilidade geral para a nação, revertem em benefício aprenderá também a morar. A educação da nossa
do povo. E, também, está fora de dúvida que a gente depende de todos nós. Promover sua boa
formação de pequenas economias particulares habitação, depende, talvez, de alguns dos presentes.
contribuem eficientemente para a solução do Está, portanto, distribuída a tarefa." (Viana
problema da habitação e, principalmente, o da casa 1942:142).
própria." (Zogaid 1942:2 72).
Viabilizar a conquista da casa própria para
I Convenientemente educado, poupando o que os trabalhadores torna-se então uma verdadeira
i ganha e lutando tenazmente para superar todas obsessão para quase todos que debatem o
as dificuldades, o trabalhador teria condições de assunto. Vários expositores da Jornada da
—.abandonar o cortiço e obter a casa própria. O Habitação Económica vêem nela um
ç problema não seria financeiro, de salário, pois
Z— seria possível encontrar expedientes para
instrumento de uma campanha pela Casa
Própria. Melhorar as condições de moradia passa

m
II

O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

a ser confundido com a obtenção da casa própria Frente a este objetivo, as preocupações se;
individual, que edifique a família, o lar e que dirigem para investigar as mais diferentes formas \
represente a prova mais concreta de que o de viabilizar o acesso à casa própria,J
trabalhador também se beneficia do preocupação que é muito mais ampla do que
desenvolvimento capitalista. apenas a redução do custo da construção e dos
custos indiretos que incidem sobre o valor do
"Que um dos votos desta Jornada seja, aluguel, como ocorria até então. Esta é uma
outrossim, uma campanha inteligente e duradoura diferença fundamental deste novo momento,
em prol da casa própria para o operário, a qual não quando se avalia claramente que os

I só encerra insofismáveis vantagens de ordem


económica, mas ainda radica o operário em seu lar,
fazendo-o afeiçoar-se ao que é seu, aquilo que
trabalhadores de baixa renda não tem condições
de pagar a aquisição de uma casa própria
produzida regularmente pelo mercado e, nem
adquiriu ou construiu com o resultado de seu mesmo, a amortização de um financiamento, se
trabalho, feliz por ter a sociedade concorrido para este eventualmente existisse. “As classes mais
necessitadas têm apenas dois tipo de moradia a

II •
que pudesse, com seu salário honestamente obtido,
assegurar a tranquilidade da família, ao aconchego escolher: a casa feita com as próprias mãos e o
do próprio lar." (Ferreiral942). cortiço." (Viana 1942:133). Assim, torna-se
necessário formular novos expedientes de
produção da casa própria que garantam sua
Ocorre, portanto, uma alteração significativa
obtenção mesmo sem o dispêndio monetário de
nos objetivos colocados frente ao problema da
parte significativa do custo real da sua produção.
moradia em relação ao que se propõe antes de
I 30. No período anterior, a questão central era a
salubridade da moradia, independentemente do "Tal subida do aluguel fere todas as classes que
seu estatuto de propriedade (até porque era dependem de ordenado fixo, os operários e
quase um pressuposto que os trabalhadores só empregados. (...) A solução que. em primeiro lugar,
poderiam morar de aluguel), e as propostas ocorre normalmente é o aumento de salários. Mas
invariavelmente caminhavam para sugerir com isto, sana-se o mal apenas temporariamente.
isenções de taxas e impostos para que o (...) Outro caminho aconselhável se apresenta para
proprietário das casas pudesse baixar o valor do evitar o rebaixamento socialmente perigoso do
aluguel e, assim, atender a famílias de renda padrão de vida : conservar ou elevar o padrão de vida
mais baixa. Agora, a questão central torna-se pela diminuição do preço do custo de vida. Esta
como viabilizar o acesso à casa própria. A diminuição pode ser obtida pela racionalização dos
salubridade e o abandono das formas coletivas preços dos fatores componentes do padrão de vida.
de morar, como o cortiço, continuam sempre Evitar desperdícios de toda sorte nos elos da corrente
como um objetivo a ser alcançado mas, de uma económica, sejam eles provocados pela má
maneira geral, ela é vista como uma organização, pela especulação ou pelo desejo de obter
consequência da obtenção da propriedade. lucros desproporcionados." (Leyser 1942:76).

"É com otimismo e profunda esperança que "(...) qualquer habitação, seja qual for o seu
aguardamos os auspiciosos resultados desta gênero, deve dar ao inquilino vantagens e garantia
campanha naquilo que se refere às classes de compra. Só assim poderá despertar zelo pela casa,
trabalhadoras. Estas, como todas as classes sociais pelo senso de responsabilidade que suscita em seus
menos abastadas, esperam realizar o sonho que moradores. E ainda, o meio seguro de gerar o espírito
de economia e de previdência (...) com um extenso
alimenta cada chefe de família, isto é, a posse de uma
programa, que resumimos pela observância dos
habitação económica, confortável e higiénica que os
seguintes princípios básicos; incentivar a construção
livre dos aluguéis esmagadores e das habitações
de casas populares; obrigar o seguro de vida; limitar
coletivas, tenham estas o título que tiverem".
os aluguéis; facilitar a aquisição da casa própria às
(Malheiros 1942:281).
classes pobres." (Viana 1942). -

m
O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

A riqueza do debate que se trava manifesta- "Outra medida em benefício do lote popular, que
se na enorme quantidade de temas que são facilitaria a sua aquisição, e consequentemente a da
abordados. Busca-se esmiuçar todas as formas casa própria, seria a isenção da SISA para a
de baratear o custo de produção da moradia. Os transmissão de um lote a cada indivíduo, em
engenheiros analisam soluções de barateamento primeira compra , nas zonas em que o
do custo dos materiais e de processos ZONEAMENTO designasse como operárias ou
construtivos que visam racionalizar o projeto e populares." (Barbosa 1942).
a produção: “ verificamos que uma casa construída
em grandes grupos dá uma economia de 37% em Outras propostas vão no sentido de reduzir
relação á casa isolada." (Leyser 1942:79). as exigências dos Códigos de Obras e do Código
Mostrando uma nítida influência da política Estadual Sanitário, criando padrões mais liberais
habitacional desenvolvida no período entre nas construção populares em lotes próprios, com
guerras, as análises que partem da perspectiva o objetivo de baratear o custo da moradia. Neste
da racionalização do processo de produção sentido. Costa e Gonçalves 1942 propõem rever
visando a produção em massa de moradias diversos artigos destes Códigos que julgam
tiveram um papel importante na formulação dos desatualizados, como por exemplo eliminar a
projetos desenvolvidos pelos Institutos de exigência de que as casas na zona rural tivessem
Aposentadoria e Pensões, principalmente no obrigatoriamente recuo dos dois lados,
IAPI, como veremos no capítulo 5. Nesta sugerindo-se que só se obrigasse de um.
perspectiva de análise, nota-se até mesmo uma
preocupação com o mobiliário da moradia do
trabalhador: "nestas casas pequenas, é de grande Outra categoria profissional que passa a
importância uma mobília apropriada." (Leyser participar deste debate é a dos advogados, que
1942:76). atuam com a preocupação de sugerir garantias
plenas de titulação para os que compram um
terreno na periferia.
Por outro lado, observando atentamente o
intenso processo de especulação imobiliária,
"Fator muito ponderável na solução do problema
particularmente envolvendo terrenos, que está
de habitação económica é também o da segurança
se passando em São Paulo, aparecem propostas
na aquisição da propriedade, maximé no que
de combate a esta prática pois "a terra não deve
ser um objeto de especulação como uma mercadoria, concerne ao solo ou terreno, tendo-se em conta que
este constitui, na realidade, o principal. (...) Em
porque não é multiplicável. Seu valor depende do
síntese, ninguém deseja construir casa própria em
desenvolvimento da cidade, da boa urbanização e da
terreno alheio, nem tão pouco com ela pagar dívidas
atividade de personalidades como o Sr. Prestes Maia.
de outrem." (Simões 1942:283).
É raramente mérito do vendedor dos terrenos"^
(Leyser 1942:75). Através do combate à
especulação, visa-se baretear o preço da terra em / Mas, efetivamente, quem tem o “ovo de
São Paulo e, com isto, tornar a aquisição do lote / Colombo’’ na mão é quem está observando
ou da casa própria mais acessível ao trabalhador. atentamente o processo urbano de São Paulo,
No entanto, os que isto propõem, na verdade' onde já se mostrava o surgimento do expedientes
parecem não perceber que a especulação é a de produção doméstica da moradia. Assim,
forma através da qual está se viabilizando al comparando o custo da moradia alugada na área
obtenção do lote próprio, como mostraremos noj central com o custo da construção de uma casa
capítulo 6. Assim, ao invés de se combater a própria na periferia, então chamada de zona ru­
especulação com terrenos, surgem novamente ral, conclui-se que:
sugestões de isenções fiscais, agora favorecendo
não mais construtores de casas operárias, como "A quantia paga para amortizar a casa própria
ocorria no passado, mas loteadores periféricos: na zona rural, não ultrapassa o aluguel na zona
urbana, com a possibilidade de transformar o

r?ra
>1 ■
p
O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

operário em proprietário de sua residência. Dois casas individuais e higiénicas se os aluguéis destas
cômodos no cortiço ficam muito mais caros que unia ultrapassam seus salários? (...). Habituados a
habitação individual que poderá vir a ser de reservarem o mais possível para a alimentação e
R propriedade do inquilino. Não e a dificuldade
financeira, portanto. Uma dificuldade existe, se bem
outras despesas igualmente. forçadas, quando
dispõem de renda maior que a média habitual,
que removível: a casa barata, a casa que poderá ser procuram ter a mesa um pouco mais farta ou então
amortizada com prestações correspondentes ao o vestuário um pouco mais cuidado. Que se lhes
aluguel, as casas que apontaremos não podem estar atribua nestes casos alguma imprevidéneia e
situadas na zona urbana, junto ao bonde e ao cin­ ignorância, nenhuma objeção, porém essa

Ifc ema, e sim na zona rural. Aqui há mais luz, mais ar,
um jardinzinho e um quintal e lá um cubículo
infecto, mas não será preciso andar muito para
imprevidência e essa ignorância de certo modo se
justificam quando tomam a forma de uma desforra
dos anos de má e reduzida alimentação, de vestuário
alcançar o transporte coletivo e a fábrica ficará a
if pequena distância." (Araújo 1942,65/66).
de baixa qualidade comprados por preços altos pelo
sistema de prestação." ( Malheiros 1942:280/1).
1
II i
Ao contrário do que os economistas afirmam,
• portanto, Araújo defende ser possível ao
trabalhador de baixa renda obter a casa própria
Esta visào. entretanto, é absolutamente
minoritária pois contesta a visão assistencialista
e protetora do trabalhador predominante no
•m' desde que ele se convença a morar a longa Estado Novo, que infantiliza os trabalhadores

1
distância do centro da cidade e, portanto, do lo- como incapazes de saberem o que é bom para
Pcal de trabalho. 0 problema, então, é convencê-
eles e desenvolve um raciocínio que dá
flo das vantagens da periferia. Trata-se,
maioridade para o operário, responsabiliza
•Jf realmente, de uma questão importante: não é apenas os baixos salários como responsáveis
de uma hora para outra que é possível alterar pelas péssimas condições de moradia e atribui
- um modo de vida e de morar que de certa forma ao próprio trabalhador a responsabilidade da
V • já tinha se consolidado. É um processo longo re­ decisão sobre o caminho a tomar.

i u 1W-
BT verter uma prática e criar outra, principalmente
quando esta nova prática implica no
j enfrentamento de uma série de dificuldades "Para resolver o problema de modo racional e de
! concretas de todo tipo. No entanto, em relação acordo com os princípios da ciência económica é
a este aspecto, há uma polêmica entre os que necessário elevar o padrão de vida, ou seja, aumentar
■ p consideram a educação e o convencimento dos o poder aquisitivo do povo." (Zogaid 1942:273).
moradores do cortiço o ponto central que
I viabilizaria o acesso a casa própria e os que dão Como, pelas razões já expostas, não se quer
Ff
■! mais enfase a questão económica, como os viabilizar o acesso à casa próprio através da
baixos salários, como a predominante nas elevação dos salários, não parece existir outra
dificuldade de acesso a casa própria, saída senão a defendida por Araújo: a casinha
considerando os trabalhadores preparados para na zona rural. Nesta perspectiva. não faltaram

u
optar pelo que mais lhes convém. também a importação de modelos como, por
L-
exemplo, o da Cidade Jardim, defendida por
"Aos operários atribuem-se-lhes muitas vezes a Morais (1942), num quadro de críticas "a cidade
ignorância e a imprevidência. Mais avisados congestionada e que cresce sem limites". Embora a
estariam aqueles que isto afirmam, se restringissem aceitação desta proposta fosse grande, sua
ou particularizassem, pois a maioria dos implantação encontrava fortes obstáculos no ,
Èl Jí ' trabalhadores sabe perfeitamente que as habitações custo, que a transformava em uma idéia |

IH
1J
■ p
I
coletivas em que residem não são adequadas
higiénicas e moralmente, e que a alimentação que
consomem não é a melhor nem a mais adequada do
ponto de vista higiénico. Porém, como habitarem em
aproveitável apenas pelos setores de renda média
e alta. Assim, a solução mais viável para garantir
a obtenção da casa própria, estava na edificação
de uma moradia na zona rural, desligada de
qualquer planejamento mais geral ou mesmo de

IO
I

i M-
m
K
I» .
I
O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

\ um projeto urbanístico - entenda-se em sobre as condições do sistema de transporte


loteamentos precários mal traçados de periferia, coletivo na cidade, desenvolvido por uma
recém abertos por especuladores de terra. Comissão criada pelo prefeito Prestes Maia para
propor alternativas para o setor, que estava em
Nesta perspectiva, o problema tornava-se crise aguda., com a intenção da Light de
como garantir o acesso destes trabalhadores ao abandonar o sistema de bonde e com a anarquia
local do seu emprego, uma vez que a ligação que era a exploração por empresas privadas do
viária destes loteamentos com a cidade era tão transporte por ônibus, situação que será
precária que inibia os trabalhadores habituados detalhada no capítulo 6.
a morar próximo ao seu emprego, ao comércio e
à serviços urbanos. Em levantamentos Não deve passar desapercebida, neste quadro,
realizados na década de 30 sobre as condições a proposta de criação de uma empresa pública
de habitação, foi relativamente comum para operar todo o sistema de transporte coletivo
encontrar situações em que moradores de em São Paulo, que gerou a criação da CMTC,
cortiços em área central eram proprietários de em 1947. O desenvolvimento urbano e
lote na zona rural mas preferiam continuar onde económico de São Paulo, cidade que crescia a
estavam devido ao custo e tempo dispendido no taxas elevadas, tornava absolutamente
transporte : “Visitemos outro cortiço: está há cinco necessário viabilizar o transporte coletivo como
minutos do triângulo, sendo que devido a isso muitos um elemento vital para garantir a reprodução
de seus moradores o preferem à casa de que são da força de trabalho: na mentalidade da época,
proprietários em bairros distantes. O motivo dessa de fortalecimento do Estado, era natural que o
preferência está no vulto da despesa com condução poder público estatizasse o setor. O nascimento
e na dificuldade com transporte" (Viana , da CMTC, entretanto, foi marcado por um
1942:134). Os transportes coletivos são, grande quebra-quebra, consequência da
portanto, apontados como o principal obstáculo, elevação do preço das passagens em 1947.
ou viabilizador. da moradia periférica, uma vez
que se desenvolve uma análise (Barros 1942), As novas características que os transportes
que busca demonstrar que todos os outros coletivos ganharam a partir de então, com a
serviços urbanos são desnecessários e que acelerada substituição dos bondes por ônibus,
podem ser substituídos por sistemas mais contribuiu fortemente para possibilitar a
arcaicos (a água encanada pelo poço, o esgoto consolidação do padrão periférico, cujas
pela fossa, a luz elétrica pelo lampião, o gás pelo características de expansão extensiva com baixa
carvão), numa perspectiva claramente anti- densidade apenas podiam ser atendidas por um
urbana, onde só o transporte é indispensável. sistema de baixa capacidade como é o baseadq
em ônibus. O enfrentamento da questão da \
Esta análise se generaliza mostrando que o habitação torna-se, assim, extremamente J
sistema de transporte coletivo seria o principal vinculado com o problema dos transportes:
elemento viabilizador do padrão periférico de
crescimento urbano e do modelo de provisão “A localização dos habitantes em uma área cada
habitacional baseado no trinômio casa própria/ vez maior pode apresentar vantagens higiénicas e
loteamento periférico/autoempreendimento, sociais, mas vai criando problemas de urbanismo
que surge como a proposta mais viável para que se tornam muito difícil de resolver, como o de
concretizar o projeto de transformar o servir com rede de esgotos, de água, de iluminação
trabalhador num pequeno proprietário. pública, uma área tão extensa, e no interior da qual
se formam por motivos topográficos e outros,
Esta constatação não deve ser desligada da grandes vazios. O custo desses serviços vai crescendo
grande preocupação que gerava a situação dos muito depressa, o problema primordial dos
transportes públicos em São Paulo. Ocorria transportes se torna difícil de ser solucionado
exatamente neste momento, um grande estudo satisfatoriamente (...). Em São Paulo já se esboça
O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

' íi
habitação visa justamente eliminar a necessidade do
transporte (...). Em muitas cidades (...) a solução
y / - entre adotada é (...) a construção de prédios em
r/ eu e o povo: condomínio (...) que admira ainda não esteja
generalizado em São Paulo, quando, mesmo entre
i lert.pc? adçtrírx toeo nós, no Rio está aceito definitivamente." (Barros

II r,'n.io ~
1942, 85).

O modelo de expansão periférica, malgrado


equacionar, a seu modo, a questão do acesso à
casa própria, também vai sofrer uma série de
críticas dos que tem visão clara sobre seu
significado em termos de deseconomia urbana.
Estes analistas estão preocupados com o custo
de urbanização, transportes e infraestrutura que
. J :• o padrão periférico de crescimento urbano vai
gerar para a cidade, alertando que soluções
baratas para a moradia poderão custar caro para
a cidade no futuro.
p "A cidade de crescimento ilimitado é um mal.
4 ruo rnwcTDiiTnDA univfc^i
Quanto maior uma cidade mais cara é sua
administração "per capita", mais difícil se torna a
satisfação das necessidade de seus moradores.'
(Morais 1942:113).

"E desse retalhamento resultou ser a cidade de


| f!
São Paulo, hoje, uma das maiores do mundo em
extensão, o que não a recomenda até o presente por
uma crise de transportes". (Barros 1942,84).
r não ter sido possível a Prefeitura provê-la dos
serviços de águas, de esgotos, de transportes e de
.. Assim, a expansão periférica dificultará tantos outros melhoramentos urbanos." (Barbosa
■ definitivamente a resolução do problema do 1942:148).
transporte coletivo em São Paulo, contribuindo I
para a definição de uma estruturação urbana Para compatibilizar a expansão horizontal da
ff onde a classe média e alta preferirá, apesar dos
preconceitos existentes até os anos 40, morar em
condomínios verticais próximos ao centro ou
cidade com a indispensável questão dos
transportes coletivos, a utilização da ferrovia |
surge como a solução mais viável: “A localização
nos antigos bairros residenciais. Começava a ser~~ das habitações nos subúrbios ferroviários será o
gerada uma estrutura urbana, em São Paulo, caminho que encontrará a casa económica para
onde a área mais central se verticaliza e a continuar na sua tendência de se afastar do centro." ~
periferia se alastra horizontalmente, processo (Barros 1942,84).
que não passa desapercebido para os que j
! analisam o problema da habitação: <- —J
No encerramento das Jornadas de Habitação
Económicas, concluiu-se que a intervenção do
"A classe social de padrão mais elevado, que poder público na questão dos transportes
chamaremos de classe média, procura se localizar
viabilizaria a casa própria, a um custo não su­
bem próxima do centro. A localização central da
perior ao do aluguel: “(...) tivemos mesmo a

L *
O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

surpresa de constatar que pelo preço pago pelo conservadora de organização social pela sua
aluguel de um quarto imundo de porão pode ser | unidade geradora: a família. Assim, neste novo
alugada ou mesmo adquirida uma casa saudável, em modelo de habitação que se viabiliza, os
local aprazível, desde que os poderes Públicos reformadores sociais constroem uma utopia
concedam certas facilidades de transportes." para os operários reproduzirem o modo de vida
(Valente 1942: 325). Não é portanto de se pequeno burguês, mantida a ordem capitalista,
estranhar a criação, em 1947. da Companhia atendidos por um Estado protetor e por entidades
Municipal de Transportes Coletivos, que assistenciais que garantirão um futuro seguro
estatizou inteiramente o setor, encampando as para todos.
empresas privadas de ônibus e adquirindo os
bondes calhambeques da Light. “A família, de nível social humilde, consta de
casal e 5 filhos, de 14, 12, 9, 6 e 4 anos -
A casa própria individual, assim, poderá se respectivamente Luis, Paulo, Carmen, Rosa e Anto-
viabilizar e, então, na leitura dos que se nio. Às 9 horas da manhã vamos encontrar a
debruçaram sobre o tema, será meio caminho agitação peculiar ao início de um novo dia. Mamãe
andado para o paraíso. Não haverá mais o risco já preparou o café para todos e o papai saiu para seu
da deliquência. do adultério, da criminalidade , trabalho. Luis e Paulo aprontam-se para ir ao campo
das idéias perturbadoras da ordem constituída. de esporte, Carmen estuda, ao passo que Rosa e An-
tonio estão de saida para a “Nursery" instalada no
“Ora. a má habitação é um dos fatores da último andar: aí permaneceram enquanto mamãe
criminalidade(...). Portanto, é fora de dúvida, que arruma todo o apartamento e faz o almoço. As 5
resolvido o problema da habitação, teremos horas da tarde, voltemos... A mamãe sairá, deixando
contribuído, indiretamente, para a diminuição da toda a casa em ordem. Acaba de chegar do parque
criminalidade (...) porque haverá para todos - com com o caçula. Daí há minutos devem vir os filhos,
a casa própria - possibilidade de edificar sobre esta sendo que os 2 mais velhos provavelmente estarão
base material, a grandeza e dignidade de uma família discutindo o que aprenderam na escola técnica e as
e com ela a da sociedade e da pátria.” (Sinisgalli duas meninas contarão as novidades ocorridas no
1942). curso primário de uma e no jardim de infância que a
outra frequenta. A mamãe prepara o jantar,
enquanto cada um dos outros se entregará a sua
"Não tememos agora dizer que se é ousado filiar-
obrigação favorita. E o serão decorre calmo no
se imediatamente à idéia de fidelidade a de habitação
ambiente modesto, mas agradável de família. Para
individual, forçoso é reconhecer-se nesta uma das
essa tranquilidade muito colabora a confiança com
condições altamente favorecedora da unidade con­
que é esperado o futuro, criada pela certeza que
jugal. sem prejuízo da solidariedade social que deve
mesmo os males eventuais, estão por certa forma
existir entre as famílias, a família monogámica exige
prevenidos: o apartamento em breve pertecerá à
um ambiente privado onde possam normalmente família, liberando-a da despesa do aluguel; em caso
florescer as relações familiares, relações entre os
de moléstia poderão recorrer à Associação de
cônjuges, relações entre pais e filhos, relações entre auxílios mutuos... e finalmente, enquanto esses
irmãos. É o lar que marca as fronteiras da sociedade
aborrecimentos não aparecerem, a vida pode ser
conjugal e a individualiza.” (Ferreira 1942). vivida de modo saudável. Nestas condições poderão
passar toda a sua existência não só uma mas muitas
No novo modelo de habitação que se propõe, famílias. Tudo depende de que esse ideal seja
o lar da família operária transformada em cuidadosamente preparado, talvez por alguns dos
proprietária, torna-se um pequeno mundo onde que estão aqui presentes.” (Vianna, 1942:138).
todas as desgraças ficam do lado de fora. A
habitação sadia, higiénica, individual e própria A riqueza do debate sobre habitação no
será o ponto de partida que eliminará os riscos período em estudo mostra que se tinha uma idéia
de convulsão social e difundirá uma visão bastante aproximada do que seria possível

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0 Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intcrvcnçãi
o do Estado à Casa Própria
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viabilizar e quais as estratégias que tinham que forte controle do poder público sobre o espaço
ser postas em campo para atingir os objetivos urbano, particularmente sobre a habitação.
propostos. Está claro que a casa própria para os
trabalhadores era uma opção de habitação que
interessava às elites, pelas razões já expostas; por Além de justificar a produção pública de
'f V» outro lado, a ênfase que se dava aos aspectos habitações e a regulamentação das relações
entre proprietários e inquilinos, a caracterização
: i- ligados à educação, que preferiria chamar de
da habitação como uma questão social e o
doutrinação, associada à busca de minimizar a
importância da carência económica como o estabelecimento do modelo casa própria como o
impedimento principal à obtenção da casa objetivo principal - intervenção sobre a
própria, mostra que se tentava incutir no problemática, num momento de grave crise de
trabalhador a idéia de que ele dependia apenas moradia, vai criando uma concepção de que se
do seu próprio esforço para viabilizar a obtenção deve estimular a conquista da propriedade indi­
da propriedade. E como a solução mais viável era vidual da casa, mesmo que isto signifique burlar
a que partia do pressuposto que o trabalhador o código de obras ou a legislação de
teria que morar na zona rural, “em casa feita parcelamento do solo. O objetivo maior da
com suas próprias mãos", em locais sem água conquista da casa própria passa a legitimar
encanada, sem coleta de esgoto, sem luz elétrica qualquer ato ilegal, inibindo a ação do poder
e apenas com um transporte coletivo capaz de público no controle do uso do solo, como
leva-io até o emprego, era fundamental veremos no capítulo 6, mesmo que durante todo
convencer o trabalhador que isto era melhor do este período muitas vozes tenham denunciadoo
que a vida que ele levava nas moradias coletivas predatório processo de expansão urbana.
localizadas junto ao emprego e serviços.
A produção da habitação ganha assim uma
I!
6. r

V Não era um objetivo fácil de ser atingido. Não caracterização claramente não capitalista, ou
i é de uma hora para outra que se altera hábitos seja, torna-se um bem que fica à margem do
j de morar que há décadas tinham se consolidado processo corrente de produção de mercadorias,
tem São Paulo. E, também, não é de uma hora além de marginal às regras legais de ocupação
para outra que se desenvolve nos trabalhadores do solo urbano. Transforma-se, assim, num
sistema de produção doméstica que é
H uma prática de auto-administração e
transacionado num mercado de locação onde
ií autoconstrução de um empreendimento
deixam de funcionar os mecanismos de
I complexo como é a edificação de uma casa.
Assim, o debate ideológico como o que ocorreu
regulação capitalista, embora plenamente
integrado, enquanto componente básico da
H nas Jornadas, assim como em outros meios de
reprodução da força de trabalho, ao processo de
divulgação técnica, jornalística e
acumulação capitalista. Esta aparente dualidade
administrativa, tiveram um papel importante na
formação da opinião pública sobre o assunto, arcaico/moderno, tornou-se, como demonstrou
Francisco de Oliveira (19 71), um dos elementos
difundindo expedientes capazes de viabilizar a
mais importantes que viabilizaram a redução do
obtenção da casa própria, em particular o
relacionado com o padrão periférico. A custo de reprodução da força de trabalho e, por
consequência, ampliaram as taxas de
consolidação deste novo modelo exigia
acumulação nas atividades económicas
mudanças de mentalidade em vários aspectos,
urbanas. A habitação dos trabalhadores torna-
não só em relação à postura dos trabalhadores
se, assim, um bem que só interessa ao
que deveriam optar pela periferia. Era necessário
capitalismo como bem de consumo o mais
i > mudar posturas técnicas e burocráticas, em
barato possível, deixando de importar como
geral reduzindo exigências legais e padrões
produção. Este aspecto terá enorme repercussão
mínimos de habitabilidade e, sobretudo, superar
no futuro da moradia dos trabalhadores no
a postura até então firmemente arraigada pela
Brasil.
forte influência dos higienistas que requeria um

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O Debate sobre Habitação nos Anos 40: da Intervenção do Estado à Casa Própria

Ao contrário do que afirmaram os que


responsabilizavam a falta de renda como o
grande impeditivo à obtenção da casa própria,
esta solução "arcaica” ou não capitalista
viabilizou uma significativa redução no custo de
reprodução da força de trabalho e, como veremos
no capítulo 6. um relativo entesouramento do
morador. Feliz combinação que permitiu, entre
outros, o grande desenvolvimento que o país teve
neste período e assim como uma sensação de
progresso económico entre os trabalhadores.

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A Intervenção do Estado
na Regulamentação
do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato
e Crise de Habitação
na Década de 40
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a objetivo deste capítulo éanalisar a intervenção estatal no mercado de locação


de moradias, promovida inicialmente por Vargas durante o Estado Novo,
que regulamentou as relações entre inquilinos e proprietários através da longa
série das chamadas Leis do Inquilinato, e avaliar suas repercussões no
processo de produção habitacional de aluguel promovida pela iniciativa
privada.

| A regulamentação da locação habitacional, particularmente a partir de 1 942, quando é


I decretada a primeira Lei do Inquilinato do período, constitui uma das causas mais importantes
i da enorme transformação das formas de provisão habitacional no Brasil e em São Paulo, que
l ocorre a partir da década de 40, caracterizada pela transferência para o Estado e para os próprios
^trabalhadores do encargo de produção da sua habitação.

Considero que o ponto de inflexão neste processo ocorreu durante a década de 40, quando
i emerge uma das mais graves e dramáticas crise de moradia de que se tem conhecimento no
país e que foi um dos elementos que provocou a consolidação do padrão periférico de crescimento
urbano e da casa própria autoempreendida como a alternativa de moradia adotada pela maioria
dos trabalhadores paulistanos.

j Neste período, em que fervilha a questão habitacional e urbana, o quadro é marcado pela
I carência de moradias produzidas pelos investidores rentistas tradicionais, atraídos por outras

m
oportunidades geradas pelas transformações económicas em curso no país e prejudicados pelo
congelamento dos aluguéis instituído pela Lei do Inquilinato. A situação agravou-se em
decorrência dos despejos judiciais de locatários de baixa e média renda, pela demolição acelerada
de edificações nos bairros centrais, provocada pelas cirurgias urbanas e pela febre de especulação
imobiliária e pela estruturação do mercado de incorporações para venda de apartamentos de
luxo.

A importância da década de 40 para os objetivos desta tese é reforçada também pela ação
pública, que promove uma aceleração na produção estatal de moradias pelos Institutos de
Aposentadorias e Pensões e a criação da Fundação da Casa Popular epela inevitável e definitiva
aceitação pelo Estado e pela população, por falta de opções, de alternativas habitacionais
precárias, ilegais e marginais à produção capitalista, como a favela e a casa própria em
loteamentos clandestinos e desprovidos de qualquer benfeitoria urbana.

Definiram-se, assim, na década de 40, as características básicas que regeram a produção de


habitação, até a década de 70, numa conjuntura extremamente dinâmica e excitante de
transformações políticas, crescimento económico, mobilização popular e redesenho urbano.

Antes de analisar a crise habitacional dos anos 40 e o contexto urbano no qual ela foi
gerada e se proliferou, será analisada a evolução das leis do inquilinato e os diferentes interesses
e objetivos que provocaram sua adoção.
■ I

Do Código Civil à Regulamentação


i do Mercado de Locação: as
-1 Restrições ao Direito de Propriedade

i! *

A intervenção do Estado na questão da estabelece-se uma posição majoritária de que a


habitação, a partir de Vargas, foi muito mais iniciativa privada não tem condições de atender
profunda do que a criação das Carteiras Prediais ao mercado de habitações populares
nos Institutos de Aposentadorias e Pensões e da “higiénicas" seguindo os padrões da época,
í tn Fundação da Casa Popular, destinadas a porque a população de baixa renda não teria
construir ou a financiar a construção de casas condições de garantir a rentabilidade requerida
para os trabalhadores. Mais importante do que pelos investidores privados. Então a intervenção
a produção estatal de moradias foi a formação, do Estado seria indispensável, não só como
neste período, de uma opinião generalizada de produtor e financiador, mas também como
que o Estado deveria se responsabilizar pela protetor dos trabalhadores para lhe garantir
garantia de um padrão habitacional mínimo condições básicas de habitabilidade.
para os trabalhadores, a custos compatíveis com
_ os seus salários. í? ' Esta nova postura do Estado foi determinante
para justificar a intervenção estatal no mercado
Embora o governo jamais tenha conseguido de casas de aluguel, através de Leis de
garantir tais condições, chega-se aos anos 40. ' Inquilinato, que foi. talvez, a medida de maior
como foi mostrado pelas palestras das Jornadas Impacto tomada pelo Estado na questão da
I íP de Habitação Económica, a um relativo consenso habitação durante o período varguista. Pelo
entre as elites brasileiras da necessidade da / caráter da lei que. de certa forma, suspende o
intervenção estatal para impedir que. por um direito de propriedade, pode-se ter uma idéia da
I M lado, as condições de habitação se agravem e, por força que esta concepção intervencionista do
r. outro, que os custos com a moradia se elevem Estado tinha obtido junto à opinião pública.
de tal maneira que comprometam uma
£ porcentagem muito elevada do salário. Como Os efeitos foram fortes: as diversas leis do
l vimos através de várias citações no capítulo 2. inquilinato promulgadas entre 1942 e 1964. ao

l
A intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

restringir os valores dos aluguéis, causaram ou aluguel podia ser fixado livremente e o locatário
reforçaram uma gama de efeitos tão ampla que tinha que se sujeitar às condições impostas. Este
modificou por completo não só a relação entre ainda obrigava-se a desocupar o imóvel no prazo
proprietários e inquilinos como a própria determinado no contrato. No caso de locação por
produção de habitação para a população de tempo indeterminado, o locador poderia
baixos e médios rendimentos. notificar o locatário para que desocupasse o
imóvel caso não lhe conviesse continuar a
Antes de discutir e analisar as causas, efeitos locação. Estas observações demonstram o
e repercussões da Lei do Inquilinato, assim como quanto se achavam arraigados no Código Civil
apontar os diferentes interesses envolvidos na os princípios individualistas e o "sentido absoluto
questão, serão apresentados, como informação da propriedade".
básica, os conteúdos e as interpretações
jurídicas das suas várias versões. Estas disposições do Código Civil, no entanto,
não estiveram em vigor durante muito tempo,
pois foi abundante a legislação posterior que
derrogou, alterou ou suspendeu suas normas.
Assim, já em 1921 foi promulgada a primeira
CÓDIGO CIVIL: O IMPÉRIO Lei do Inquilinato (decreto 4403/1921),
ABSOLUTO DA PROPRIEDADE revogada apenas em 28 de dezembro de 1928
(decreto 5617), delimitando assim a primeira
fase de vigência da legislação sobre o
As relações entre locadores e inquilinos, an­ Inquilinato. Entre 1928 e 1942, o Código Civil
tes de serem regulamentadas pelas chamadas voltou a legislar a matéria.
"leis do inquilinato”, eram regidas pelas normas
do Código Civil, nos artigos 1200 à 1209. Vários No Estado Novo, em 20 de agosto de 1942,
autores tratam da questão das leis do inquilino uma nova Lei do Inquilinato (Decreto-Lei 4598/
do ponto de vista jurídico (entre outros. Alvim 1942) passou a reger a questão, dando início à
1951, Rodrigues 1957. Costa F° 1953. Batista fase populista da ação governamental na
1945. Espínola 1956, Lopes 1956); entretanto regulamentação das relações locador/inquilino.
o estudo mais completo e abrangente é o de De 1942 a 1964, uma série de leis diferentes são
Anacleto de Oliveira Faria (1963), que serviu de promulgadas, todas mantendo o mesmo objetivo
referência para este estudo. declarado: a defesa do inquilinato. Esta fase tem
maior interesse para os objetivos desta tese e
Segundo Faria (1963), o Código Civil será analisada em detalhe.
brasileiro tratava a questão de locação de
imóveis residenciais urbanos no "plano do
individualismo jurídico". Assim, a locação era
tratada como um contrato firmado onde reinava A LEI DO INQUILINATO DE 1921:
ampla autonomia das partes (locador e
locatário) até a cristalização do acordo que, INSTRUMENTO INÓCUO
quando estabelecido, se tornava lei a ser DE DEFESA DOS LOCATÁRIOS
respeitada por ambos.

Segundo a interpretação consagrada do O decreto n° 4403 de 22/12/21 deu início à


Código Civil, “o proprietário tem domínio absoluto primeira fase da legislação sobre o inquilinato.
sobre o imóvel objeto da locação. Poderá alugá-lo Embora alguns autores ultraconservadores,
ou não, ainda que numerosas famílias fiquem ao como Cândido de Oliveira Filho (1922 apud Faria
desabrigo" (Faria 1963). Desta forma, o preço do 1963:213), tenham considerado a promulgação

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A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:
Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década dc 40

desta lei como uma “ vitória das ideias bolchevistas dois anos do prazo de notificação ”, o que significava
no pais", é mais correta a afirmação de que esta uma espécie de congelamento dos aluguéis por
lei “revela certa timidez por parte do legislador, pelo prazo pré-determinado. Esta imposição, no
menos em comparação com os legisladores
I modernos " como afirma Agostinho Alvim (1951)
ou. pelo menos, em comparação às Leis do
entanto, parece ter tido poucas consequências
práticas, pois os proprietários podiam exigir o
prédio no prazo de três meses e assim iludir a lei
Inquilinato decretadas no país a partir de 1942. (Faria 1963). Como este dispositivo, ao contrário
da legislação do inquilinato do período populista,
A lei de controle dos aluguéis de 1921 foi não tratou da questão dos despejos de forma
adotada sob impacto de uma crise de moradias sistemática, admitindo vários casos em artigos
nos centros urbanos, principalmente no Rio de diferentes e fixando condições igualmente
Janeiro, em decorrência da redução da diversas para a sua consumação, abriu-se uma
construção de casas durante o período da Ia válvula de escape totalmente vulnerável à ação
Guerra. Também foi conseqíiência das fortes dos proprietários.
agitações operárias que sacudiram o Rio e São
. * Paulo no período de 1917 e 1920. quando o A situação não passou desapercebida para a
1í problema da moradia esteve em pauta, inclusive imprensa operária: "o governo e o parlamento,
através de propostas de greves de aluguel (Fausto composto por senhorios, proprietários e seus
1977 e Rolnik 1981). Como mostram Melo representantes, para dar um derivativo ao povo, para
(1992). Castell (1985) e Magri (1982). o o desviar de protestos mais ruidosos edificantes,
movimento de inquilinos no Brasil, com forte acabam após exaustivas discussões por aprovar uma
influência anarquista, fez parte de uma onda lei que, como era de se esperar, não deu resultado
internacional de protestos contra o problema nenhum. Pois era lá possível que os donos das casas
habitacional e os valores dos aluguéis, que ou exaltadores da propriedade privada atentassem
ocorreram, entre outras cidades, também em contra esse tão sagrado direito? E a prova de que foi
Recife. Buenos Aires, Santiago. Roma. Paris, pior a emenda que o soneto, ali está o que se passa
México e Panamá. Vários países adotaram no Rio de Janeiro. Como a lei estabeleceu que durante
medidas de proteção aos inquilinos e. conforme dois anos não poderiam as casas sofrer aumento de
Melo (1992:155). foi a legislação argentina que aluguel, os senhorios notificaram á cerca de 50 mil
inspirou a primeira lei brasileira. inquilinos o despejo de suas habitações no prazo de
três meses, como a lei também lhe garante, pois,

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!
O decreto de 1921 demonstra uma clara
intenção de não prejudicar de forma incisiva os
interesses dos locadores. Assim, regulava
desse modo, alugá-las-ão pelo preço que
queiram(...).De que vale a lei? Dá aos inquilinos dois
anos de estabilidade de aluguel, mas concede aos
somente os casos de locação verbal, respeitando senhorios o despejo com aviso de três meses. 4
de forma absoluta os contratos escritos. “Pode- traição é evidente" (A Plebe. 21/10/1922).
se dizer que tal lei não constituía (num sentido
absoluto, ao menos) uma intervenção estatal na vida Embora apenas uma pesquisa específica e
do direito privado."(Faria 1963:212). Para os mais aprofundada possa avaliar com mais
casos de locação verbal, esta lei fixava o prazo precisão o impacto desta lei. há fortes indícios
mínimo de locação de um ano. que seria de que o Decreto de 1921. que caracteriza a 1
automaticamente renovado, se um dos fase da legislação sobre o inquilinato, foi
interessados não manifestasse o desejo de sua absolutamente inócuo no que se refere à defesa
rescisão, no prazo de "três meses, pelo menos, de do inquilino, não tendo causado efeitos de maior
antecedência". importância no mercado de casas de aluguel,
sobretudo em São Paulo (Faria 1963). Seu prin­
Por outro lado, o artigo 10o determinava que cipal significado, entretanto, foi o de marcar um
“os aumentos de aluguel só poderiam vigorar após tímido início nas restrições ao direito absoluto

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A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:
Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década dc 40

da propriedade na locação de imóveis Decreto-Lei 4598/42. Este decreto, talvez por


residenciais. ter sido o primeiro e portanto por não ter atrás
de si uma maior experiência concreta, é bastante
incompleto, “regulando a matéria de modo (...)
AS LEIS DO INQUILINATO muito perfunctório, limitando-se a, apenas, cinco
artigos” (Faria 1963:217). O decreto
DO PERÍODO POPULISTA:
determinava:
SUSPENSÃO DO DIREITO
DE PROPRIEDADE? Que ficavam congelados os aluguéis
residenciais de qualquer natureza por dois
anos, tomando por base o valor vigente a 31
Com o Decreto-Lei no 4 598 de 20 de agosto de dezembro de 1941;
de 1942, terá início uma segunda fase da
legislação do inquilinato, com a instituição de Que ficava proibida a cobrança de qualquer
uma longa série de leis, todas elas visando uma importância a título de taxas, impostos, luvas
aparente defesa do inquilino. “Sob alegação de etc;
necessidade de se resolver uma situação transitória"
(Faria 1963:216), estas leis foram sendo Critérios, pouco precisos, aliás, para o
renovadas até 1964. introduzindo-se inclusive estabelecimento do aluguel de moradias
restrições ainda mais fortes em algumas das suas locadas pela primeira vez depois de 31/12/
novas versões. Dada a importância desta 41;
legislação no quadro das tranformações das
formas de provisão de moradia no país no
período em estudo, vou inicialmente apresentar Os casos em que seria permitido o despejo e
e sintetizar suas principais características. para a retomada do imóvel (falta de pagamento,
posteriormente refletir sobre a conjuntura e as falta de cumprimento de qualquer obrigação
razões que levaram o governo a implantá-las e estabelecida em lei, a necessidade de urgentes
mantê-las por mais de vinte anos, assim como reformas no prédio, a desapropriação do
para analisar suas consequência no mercado imóvel, a necessidade do prédio para
habitacional. residência própria do locador)

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A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:


Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década dc 40

ir1 IHls $ Finalmente, a lei definia como crime contra 42 fixava o limite de dois anos para sua duração,
1 a economia popular o descumprimento de suas fazia-se necessário sua prorrogação ou a
determinações (a serem julgadas pelo Tribunal promulgação de uma nova lei para que a questão
de Segurança Nacional), que valia para todas as não voltasse a ser regida pelo Código Civil. Assim
locações ou sublocações, fossem verbais ou de a 26/07/1944 foi publicado novo decreto.
contrato escrito. É importante ressaltar, ainda,
pr que este decreto era explicitamente definido Este é bem mais completo do que os
como de emergência, tendo sido relacionado anteriores, pois ataca alguns dos problemas
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com as condições especiais a que o país estava surgidos com a aplicação concreta do
vivendo em decorrência da 2a Guerra Mundial. instrumento. É também considerado mais
audacioso “com preceitos de maior envergadura,
Decreto-Lei 1569/43. Este decreto, a particularmente no que tange às restrições ao direito
segunda versão da Lei do Inquilinato nesta fase, absoluto de propriedade" (Faria 1 9 63:220). Entre
modifica e dá outras providências ao decreto as mais importantes novidades do decreto,
4598/42. Entre as modificações mais podem ser citadas:
importantes devem ser citadas:
- A limitação do valor de aluguel de móveis,
- A extensão da lei a qualquer locação (antes que não poderia ultrapassar 30% do valor
só eram atingidos os imóveis residenciais): total da locação, e a subordinação da venda
de móveis e instalações que guarnecessem o
- 0 estabelecimento do arbitramento para a prédio ao seu valor de custo, devidamente
primeira locação - a cargo das autoridades comprovado ou pela autoridade municipal.
municipais - definindo, com muito maior Estes dispositivos tinham por objetivo tentar
precisão do que no decreto anterior, como o evitar a utilização do expediente de venda ou
inquilino poderia solicitar a revisão do aluguel de móveis como forma disfarçada de
aluguel; luvas;

- Alterações nos casos em que o despejo podia A atribuição de competência à


ser solicitado, definindo-se que a retomada Coordenadoria da Mobilização Económica,
do imóvel para uso próprio seria garantida instância do governo federal, para fixar os
apenas para o proprietário e seus ascendentes preços a serem cobrados em hotéis ou
e descendentes (a lei anterior referia-se ao pensões legalmente licenciados;
locador, num sentido amplo).
A prorrogação dos contratos que vencessem
Neste aspecto, no entanto, introduziu-se um no prazo da lei; - a proibição à manutenção
novo e muito importante caso onde o despejo de casas, apartamentos ou lojas destinados
à locação, desalugados por mais de sessenta

I 1 seria permitido: quando o proprietário


demonstrasse que o prédio locado seria demolido dias, quando houvessem pretendentes que
para dar lugar à uma edificação de maior vulto oferecessem como garantia de locação
já licenciada. quantia equivalente a três meses do
respectivo aluguel, salvo justa causa sujeita
à comprovação;
Esta abertura, como será visto adiante, foi
muito utilizada pelos proprietários de um grande
número de imóveis (o típico rentista), que não A autorização para que os inquilinos
podia alegar sempre a necessidade de retomada interessados pudessem requerer à autoridade
do prédio para uso próprio. municipal - a qualquer tempo - uma
avaliação dos imóveis locados, para efeito de
redução do seu aluguel.
Decreto-Lei 6739/44. Como o decreto 4598/

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A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:
Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década dc 40

Neste dois últimos aspectos, o Estado nados a partir do decreto de 1944, além de
intervém de forma radical no direito de permitir sua redução, mediante requerimento do
propriedade, a ponto de tentar obrigar os locatário ou do sublocatário. Além disso,
proprietários a alugar seus imóveis - muitas determinava o arbitramento das novas locações.
vezes adquiridos como reserva de valor, num
momento de frenética especulação imobiliária - Esses dois dispositivos afetavam diretamente
e de criar a possibilidade de se rever um acordo as novas construções destinadas ao aluguel que
já firmado e sancionado pelas partes. podiam ter, pelo Decreto de 1944, seus aluguéis
livremente fixados, tornando um forte
Por fim, o decreto determina que seja desestímulo à produção de moradias para
livremente fixado pelo proprietário o aluguel do locação. Neste sentido, o Decreto-Lei 9669 feria
imóvel cuja construção fosse iniciada depois da direitos adquiridos, alterando, de modo funda­
data dc publicação da nova lei. Conforme alegou mental, a "situação expressamente fixada pelo
o ministro Marcondes Filho, na sua exposição de legislador, em 1 944, que incentivara a construção
motivos, esta determinação "visava incentivar as de casas com a promessa de livre fixação de aluguéis
novas edificações de prédios destinados à locação, e, uma vez completadas as edificações, modificaria
medida indispensável ã solução da crise que ora se as normas para autorizar, inclusive, o inquilino a
verifica". pleitear a redução do aluguel" (Faria 1963:226).
Assim, ele foi considerado, por Pontes de
Dccreto-Lei 7466/45. A quarta Lei do Miranda (1952) como “ uma armadilha preparada
Inquilinato pouco altera o decreto anterior, que pelas leis de emergência contra o proprietário".
é prorrogado até 3 1 de agosto de 1946 com
diminutas modificações. O locador ficou novamente autorizado a
requerer o despejo, ao contrário do Decreto de
Decreto-Lei 9669/46. prorrogado pela Lei 1944, que limitou este direito ao proprietário.
847/49. O Decreto-Lei 9669/46 é bastante
importante para os objetivos desta tese, pois foi
instituído após o final da guerra, quando a
alegação de emergência já não podia justificar,
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por si só, uma limitação ao direito de
propriedade, mostrando que esta legislação po­ c/5
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dia ter uma caráter menos provisório do que


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inicialmente se pensava.
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O decreto "não se limitou a prorrogar as í&


normas então em vigor mas disciplinou o assunto
de forma inteiramente nova" (Faria 1963:225). Ao
contrário das anteriores, permitiu uma pequena
elevação nos aluguéis, ou seja, 20% para os
aluguéis em vigor antes de 01/01/1939 e 15%
para os aluguéis que começassem a vigorar entre
01/01/1935 e 01/01/1942. Estes reajustes
eram irrisórios frente aos índices inflacionários
do período.

No entanto, o aspecto deste decreto que mais "A Sempreviva"


merece destaque é o dispositivo que impedia a
majoração dos aluguéis livremente convencio-

im

i.
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década dc 40

Por outro lado, ficou proibido o pedido do prédio situação de emergência, mostra que a política de
locado para uso de ascendente ou descendente, defesa do inquilinato e de regulamentação das
a não ser nos casos de aluguel dos cômodos da relações entre locadores e locatários tinha se tor­
residência de uso do proprietário, o que nado uma medida (ou uma política)
estimulava a locação de cômodos na casa ou lote permanente. Este aspecto é de extrema
do próprio morador, típica da ocupação na importância, posto que criou definitivamente a
periferia. Finalmente, admitiu-se o despejo de noção que as locações residenciais não mais
inquilinos que morassem em prédio de seriam regidas pelas leis de mercado.
propriedade do seu empregador, por ocorrência
de rescisão do contrato de trabalho, medida que
beneficiava empresários que dispussessem de As mais importantes modificações da Lei
vilas operárias ou casas para funcionários. 1300/50 foram as seguintes:

Continuou válido o dispositivo que impedia - A possibilidade de livre fixação do valor de


os proprietários de manterem desalugado e sem locação para as casas vagas - imóveis novos
uso seus prédios por mais de 60 dias sob risco de ou desocupados pelos antigos locatários,
pagamento de multa. desaparecendo a figura do arbitramento de
aluguéis novos:
Este decreto, ao contrário dos anteriores que
consideravam como crime contra a economia - A criação da possibilidade de arbitramento
popular as infrações às Leis do Inquilinato, é para a fixação de novos valores de aluguel,
menos rigoroso, pois define tais crimes caso o inquilino tivesse, no curso do contrato
simplesmente como contravenções, com penas (lembrar que os contratos eram compul-
> f- soriamente prorrogados), adquirido prédio
muito mais suaves. No entanto, a 11 de setembro
de 1946, isto é, poucos dias depois de publicada residencial e o tivesse alugado a terceiro;
a lei, foram consolidadas através do Decreto-Lei
9840 as infrações contra a economia popular - A ampliação dos casos de despejo, dando no­
que incluiu aquelas referentes à Lei do vas alternativas aos proprietários:
Inquilinato. É importante destacar que as
punições e o tratamento dos crimes contra a - A coibição dos abusos de correntes da
economia popular eram bastante severas, sendo sublocação (exigia-se o consentimento
d inafiançável e não admitindo suspensão de expresso do locador para que se legalizasse a
penas (sursis) ou livramento condicional; no sublocação sob pena de despejo).
entanto, este enquadramento se mostrou
“inóquo, porque as penas frente aos delitos Os aluguéis continuavam congelados e as
cometidos, eram de tal gravidade que os Tribunais infrações da lei passaram definitivamente a
foram levados a surpreendentes absolvições" (Faria serem consideradas como contravenções.
1963:229). Alvim (1951:77), por sua vez,
qualificou este enquadramento como uma
“severidade demagógica". A partir de 19 50, vários dispositivos foram
sendo criados para situações específicas; é, no
entanto, dispensável seu detalhamento. Assim,
Lei 1300/50, prorrogada pelas Leis 1708/52 serão apresentadas apenas as leis de maior
e 2328/54. Esta lei que, em linhas gerais, relevância.
perdurou até 1963, apresentou vários
dispositivos em favor dos proprietários, embora
a mera manutenção da Lei do Inquilinato e do Lei 2699/55. Esta lei prorroga as anteriores
congelamento dos aluguéis numa época em que com algumas novidades ou modificações, entre
não se podia alegar, de forma alguma, uma elas:

£
ira
ét
i
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

A possibilidade de haver reajuste de aluguel, acerto entre o locador e locatário sobre o


mediante arbitramento, se o inquilino reajustamento, pois, caso contrário, o reajuste
adquirisse prédio para alugar para fins seria arbitrado judicialmente.
industriais ou comerciais;
De qualquer forma, como afirma Faria
Permite-se o despejo para retomada do (1963:237) a respeito destes reajustes,"trata-se
imóvel para uso de ascendente ou descen­ de uma intervenção do legislador em permitir uma
dente; revisão das locações de imóveis pertencentes às
categorias de pessoas pelo mesmo enumeradas, do
Liberou-se os aluguéis dos imóveis de que um efetivo reajustamento(...). De tal monta são
propriedade e de instituições filantrópicas de as exigências e condições para a concretização do
diversas naturezas. aumento que, na prática, a lei se torna inócua a esse
respeito. É de se notar, desse modo, uma orientação
do legislador no sentido de não admitir, senão em
Lei 308 5/56 (prorrogada com modificações casos excepcionais (ou, pelo menos, tornar mais
insignificantes) pela Lei 3336/57. Esta lei, difícil), o fato de alguém viver de rendas,
atendendo à pressão existente pelo reajuste dos procurando, com isso, obrigar todos os cidadãos ao
aluguéis, permite-o em situações particulares, trabalho".
que causavam clamores, como o caso de viúvas,
menores e outras categorias indefesas que.
embora proprietárias de algum imóvel, não Lei 3494/58. Prorrogou as disposições
tinham renda sequer para sobreviver. Não se anteriores e introduziu algumas modificações
altera, entretanto, a regra geral de manter importantes, como a que limitou a praxe que
valores de locação antigos sem atualização; estava se generalizando nos contratos escritos de
mesmo as elevações permitidas são irrisórias locação (os novos, portanto), que estabeleciam
frente às taxas inflacionárias. As modificações uma espécie de aluguel progressivo, ou seja,
importantes desta lei são as seguintes: aumento do aluguel a cada ano, determinado no
contrato.
Permitiu-se reajuste nos aluguéis para fins
não residenciais; A Justiça vinha acatando este acordo das
partes contratantes. A Lei 3494/58 admitiu
formalmente o aluguel progressivo, mas limitou
Aumentou-se o número de instituições que o aumento anual até ao máximo de 5% do valor
poderiam ter os aluguéis liberados, incluindo do contrato, com exceção das locações de mais
as pessoas jurídicas reconhecidas de utilidade de Cr$ 20.000,00 mensais.
pública:

Tornou possível a elevação dos aluguéis de


prédios pertencentes à viúva, menor órfão,
inválido ou mulher solteira de idade igual ou
superior a 50 anos, desde que comprovasse
não possuir outra fonte de renda e que o
aluguel não ultrapassasse o valor do salário
mínimo estipulado para os trabalhadores da
região em que estivesse situado o prédio.

Todos os aumentos permitidos acima foram


condicionados a uma tabela, que limitava um
teto máximo, exigindo ainda que houvesse um

rm
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lcí do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

É importante lembrar que a inflação de 19 5 8 para a situação que não podem estar presentes,
foi de cerca de 37%. a de 1959, de 34% e de explicitamente na retórica governamental.
1960. de 38%. Buscar esclarecer os objetivos não explicitados
na permanência desta verdadeira política para
Lei 3844/60. Também apresenta pou- o setor de locação habitacional é o que tentarei
i quíssimas modificações. Permite aos pro­ fazer no próximo segmento.
prietários cobrar, além do aluguel, a diferença
de impostos sobre os índices vigentes em 31 /12/
1941. assim como na totalidade, as taxas de
serviços municipais, condomínios etc. Esta lei foi
votada para durar apenas seis meses porque o
Parlamento Nacional pretendia substituir a Lei
do Inquilinato por um “estatuto do inquilinato".
Isto, porém, não foi à prática.
•J
S tf
Lei 3912/61. prorrogada pela Lei 4008/61.
Prorroga a lei anterior introduzindo pequenas
alterações entre as quais a possibilidade de se
reajustar o valor do aluguel caso o locador sugira
e o locatário aceite, por escrito. Caso este se
negue, o locador não poderá, durante um ano,
pleitear a restituição do imóvel.

Lei 4240/63. Estabelece uma tabela para


possíveis aumentos de aluguéis, de acordo com

hí- o prazo de vigência dos valores em vigor, ou seja:


1961/2.10% de reajuste: 1959/61, 30%; 1957/
9. 50%; 1955/7, 70%; 1950/5, 100% e

1 ?■
i anteriores a 1950. 200%.

Na prática, os aumentos autorizados eram


B irrelevantes, servindo apenas para demonstrar
>
£ o absurdo da situação: por exemplo, entre 1950
- e 1963, a elevação índices de preços foi de
B SI 2.571% (contra um aumento permitido de
k aluguel de 200%); de 1961 a 1963 foi de 165%

f:i »
(contra um reajuste permitido de 10%).

r Embora um pouco enfadonha, esta descrição


=
é útil para que se possa perceber que houveram ■
inúmeras oportunidades para uma renovação da
legislação do inquilinato com realismo em
relação aos interesses dos vários agentes
envolvidos na questão. A permanência, durante
duas décadas, de umaylegislaçao ambígua, que
supostaménté deveria estar defendendo os
trabalhadores mas que gerou óbvias distorções,
gera perplexidade e obriga buscar explicações

I
im
O Significado do Congelamento dos
Aluguéis no Período do Populismo e
do Nacional-Desenvolvimentismo

Alugar casas, prédios e imóveis em geral era, tação Social da PMSP em 193 7, levava em conta
como vimos, uma das mais comuns práticas somente o aumento dos aluguéis, no que se
imobiliárias, utilizadas até então em São Paulo refere ao custo da moradia. Esta situação mostra
e no Brasil. O valor locativo sempre foi utilizado a importância que era dada à locação, como a
como o padrão para qualquer cálculo que expressão mais legítima do valor da habitação.
envolvesse a avaliação de um imóvel, visando a E, por outro lado, o quanto o congelamento le­
venda. Também o imposto predial ou a taxa de gal dos valores locativos desorganizou não só a
esgoto eram calculadas como uma porcentagem estrutura do mercado de casas de aluguel, como
sobre o valor locativo anual e, sempre que um o próprio mercado imobiliário.
prédio era colocado à venda, um dado a que se
dava a máxima importância era seu valor No entanto, devemos ser cuidadosos ao falar
locativo. simplesmente em congelamento porque, entre
a adoção legal da medida e a prática real das
A maioria da população em 1940 residia em transações imobiliárias há uma enorme
moradias alugadas (quase 70% dos domicílios distância - todo um campo de práticas e
em São Paulo), apesar de, nesta época, já contravenções de procedimentos, brechas e
estarem (extremamente) difundidos os saídas para fugir às determinações legais e fazer
loteamentos de periferia, onde era bastante fácil valer as reais condições de mercado, no caso,
um trabalhador adquirir um lote para edificar a altamente desfavoráveis aos inquilinos. Para nos
casa própria. Todo e qualquer cálculo ou aproximar deste campo concreto, procuraremos
pesquisa que pretendesse conhecer o gasto com reconstituir as condições que fizeram emergir a
habitação ou o orçamento familiar, utilizava o Lei do Inquilinato em 1942 e o comportamento
aluguel como sua base e o estabelecimento do do mercado frente a esta intervenção estatal.
índice de aumento de preços do padrão de vida
operária, criado pela Subdivisão de Documen-

rm
I A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:
Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década dc 40

REVOLUÇÃO DE 30 E A tradicionais, sendo que a própria situação de


LEGITIMAÇÃO DO GOVERNO marginalidade do processo de industrialização
VARGAS: AS MASSAS POPULARES sugere mais tensões limitadas por uma solução
de compromisso (Weffort 1 980, Furtado 1964,
URBANAS E A REGULAMENTAÇÃO Fausto 1972). Esta situação não proporcionava
I
DO MERCADO DE ALUGUEL condições à formação de uma estrutura de poder
onde os interesses dos industriais passassem a
ser hegemónicos (algo como o modelo ocidental),
A Revolução de 30 e a emergência do embora no período em estudo a industrialização
populismo são fundamentais para entender a tenha sido a grande beneficiada da política
adoção das Leis do Inquilinato, ação permanente económica posta em prática.
do governo federal no mercado habitacional, que
durou tanto quanto o pacto de classe que Em terceiro lugar, porque, embora a
sustentou o regime. Esta medida, que repre­ Revolução de 30 tenha rompido o regime
sentou. em certos casos, uma verdadeira oligárquico assentado no eixo São Paulo-Minas
suspensão do direito de propriedade, insere-se no Gerais, os grupos tradicionais (RS. MG e PB)
marco do caráter fortemente intervencionista do participaram ativamente do movimento e, se o
Estado no âmbito das relações privadas, que velho esquema baseado nos interesses do café
caracterizou os governos pós-30. não era mais viável, as oligarquias não podiam
ser excluídas da nova estrutura de poder.
A crise do regime oligárquico em 1929/30,
a* I abriu a necessidade e as perspectivas para a
formação de uma nova estruturação do poder,
Assim, como conclui Weffort (1980), "as
condições em que se processa a Revolução não
como mostra Francisco Weffort (1966 e 1980). conseguem estabelecer solidamente as bases do novo
Segundo este autor, esta nova estruturação se poder(...). Nenhuma das grandes forças (classes
montou de forma que nenhum dos setores médias e oligarquias periféricas) possui condições
sociais que nela passaram a participar fosse reais para se constituir nos fundamentos de uma
hegemónico. Esta peculiaridade do sistema nova estrutura de Estado. Conseguem deslocar a
político que se constrói a partir de 30, se explica representação política dos interesses cafeeiros, mas
pelas características da estrutura de classes não podem negar o fato de que o café ainda é a base
então vigente. decisiva da economia". Assim, os senhores do
poder político não representam diretamente os
I grupos que dominam as esferas básicas da
Em primeiro lugar as classes médias urbanas
- os grupos mais importantes que pressionaram economia: "a nova configuração do poder já não é
no sentido da derrubada da oligarquia e que expressão imediata de hierarquia do poder
constituiram o setor dominante da opinião económico.". (Weffort 1980). Estaríamos, então,
pública e a base dos movimentos inconformistas frente a uma situação na qual nenhum dos
1 e militares contra a velha estrutura de poder -
“não possuíam condições para negar de maneira
grupos económicos detêm com exclusividade o
poder político. “Esta circunstância do compromisso
radical e eficaz o quadro institucional" nem abre a possibilidade de um Estado, entendido como

í:
B |
“condições sociais e económicas que lhes
permitissem uma ação política autónoma em face
um órgão (político) que tende a afastar-se dos
interesses imediatos e a sobrepor-se ao conjunto da
sociedade como soberano" (Weffort 1966:142).
dos interesses vinculados à grande propriedade
h agrária" (Weffort 1980).
No entanto, esta situação cria a necessidade
kIr í* Em segundo lugar, porque a crise da
economia cafeeira não conduziu a um conflito
do Estado se legitimar pois ele não subsiste sem
legitimidade. Mas a questão é que nenhum dos
aberto entre os interesses industriais e os setores grupos participantes do poder pode oferecer as

■m

ji
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

bases de legitimidade do Estado. "Nestas massas urbanas, os detentores do poder que se vêem
condições, aparece na história brasileira um novo obrigados a decidir, no jogo dos interesses, pelas
personagem: as massas populares urbanas. É a única alternativas que se enquadram nas linhas de menor
fonte de legitimidade possível ao novo Estado resistência ou de maior apoio popular. Nestas
brasileiro" (Weffort 1966). circunstâncias, é as vezes difícil saber, diante de uma
decisão particular do Estado, se ela corresponde,
É neste quadro que o poder conquistado só primariamente, a uma política deliberada ou se é
poderia perdurar se se tornasse "receptivo ãs meramente uma decisão útil para ampliar as bases
aspirações populares isto é. se as pessoas que o do poder. O Estado encontrará, assim, condições de
exercessem fossem capazes de conseguir uma abrir-se a todos os tipos de pressões sem se
liberdade relativa frente aos grupos dominantes e de subordinar, exclusivamente, aos objetivos de
ampliar a esfera de compromisso, introduzindo nele nenhuma delas" (Weffort 1966:144).
uma nova força passível de submeter-se à sua
manipulação exc/usívn "(Weffort 1966:143). Torna-se necessário, então, detectar dentro
do complexo jogo de interesses envolvidos na
Assim. Getúlio Vargas irá manipular as questão da habitação e. mais precisamente, da
massas populares urbanas, criando toda uma locação residencial, aqueles que se apresen­
série de medidas que lagalizarão a questão so­ tavam como os determinantes na fixação de uma
cial e reconhecerão para as massas o direito de política de proteção do inquilinato.
formularem reivindicações. São conhecidas as
formas mais importantes criadas por Getúlio Uma das hipóteses que será desenvolvida
para demonstrar sua intenção social e. por outro parte do pressuposto de que o atendimento às
lado, para dar ao Estado a capacidade de aspirações do inquilinato em torno da questão,
controlar as organizações dos trabalhadores ou embora possa ter contribuído para a adoção do
seja, a legislação trabalhista e a estrutura congelamento dos aluguéis, não foi o objetivo
sindical. principal ou determinante da incorporação da
legislação de exceção do inquilinato à política
A primeira hipótese que será desenvolvida social do Estado brasileiro e, em particular, a
nesta tese para buscar entender a legislação do uma hipotética política social de habitação. De
inquilinato, formulada em plena vigência do qualquer maneira, é importante ter em conta
Estado Novo, é que ela se traduz numa versão que o setor de inquilinos era formado, não só
urbana da legislação trabalhista, constituindo- pela população de baixa renda como também
se em uma medida que. aparentemente, vai no pela classe média urbana, que dispunha de força
sentido de atender a reivindicações dos setores política e expressão social para pressionar o
populares. governo a atender seus interesses.

No entanto, não parece ser absolutamente Por outro lado, as diversas marchas e contra-
certo que a decretação da Lei do Inquilinato seja marchas, avanços e recuos no rigor da lei, nas
simplesmente uma medida que visava atender suas várias prorrogações e modificações, e os
uma reivindicação popular. Como mais uma vez diferentes efeitos contraditórios que causou no
nos mostra Weffort, “o Estado, sendo solução de mercado de moradias de aluguel, foram reflexos
compromisso e de equilíbrio entre os diversos grupos da complexidade da questão e da rede de
que o sustentam, passa à condição de árbitro que interesses e jogos de pressão a que estaria sujeito
decide em nome dos interesses nacionais, o governo e o Congresso quando tinha que
encontrando assim, possibilidade de formular uma determinar ou re-direcionar a política do
política económica e social - muitas vezes inquilinato. É esta análise dos interesses
contraditória e descontínua, pois atende ao envolvidos na locação de imóveis residenciais
inevitável jogo das pressões dos interesses imediatos que será desenvolvida a seguir.
dos grupos dominantes. Necessitando do apoio das

ITT]

L —
I

A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:


Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década dc 40

"CONSTITUE CRIME CONTRA A la, é simples: necessidade de defesa da economia


ECONOMIA POPULAR 0 AUMENTO popular, abalada pelo crescente aumento do
DO ALUGUEL DE RESIDÊNCIAS”: custo de vida e que, com a declaração de guerra
A LEI DO INQUILINATO aos países do “eixo", tenderia a se agravar, se o
governo não tomasse, em boa hora, medidas que
COMO INSTRUMENTO DE se contrapusessem à tendência de alta nos
DEFESA ECONÓMICA valores de aluguel.
DAS CLASSES POPULARES
I Efetivamente, a alta do custo de vida tinha
se tornado, a partir de meados da década de 30,
“(...)O Sr. Getúlio Vargas, atendendo a situação um dos principais problemas dos assalariados.
do momento e a fim de garantir o povo contra Os preços subiam numa escala nunca antes vista
especulações criminosas proibiu o aumento dos e os salários, quando eram reajustados, não

aluguéis das casas residenciais”. (Correio cresciam na mesma intensidade e velocidade.
Paulistano 29/8/1942) Para se ter uma idéia aproximada da carestia
- neste período vejamos a Tabela 3.1. onde pro­
Em agosto de 1942, os jornais anunciam curamos sintetizar os resultados obtidos por
secamente, como é a prática jornalística imposta diferentes fontes.
pela censura do Estado Novo, que estavam
proibidos os aumentos dos aluguéis das casas. Até o final da década de 30, as taxas de
A justificativa oficial, reproduzida em toda parte inflação no Brasil eram bastante reduzidas. A
e que não encontra outra versão a contradizê- partir de 1939 ocorre um inusitado crescimento
do custo de vida que permanece alto até 1947,
Ui'

1 CUSTO DE VIDA EM SÃO PAULO


(1936/1944)

1
ar I Fonte Sub-Divisão de Documen­ Banco Comercial Câmara de Comércio DASP - Depto.
tação Social e Estatísticas de São Paulo Britânica de São Paulo Administrativo de
Municipaii-PMSP(l) (2) (3) Serviço Público(4)

1936 100,0 101,4


1937 105,3
1938 108,4
1939 100,8 100,0 121,9
1940 105,4 134,5
1941 117,6 148,5
1942 131,2 187,8 190,4
1943 145,6 179,6
1944 187,8

Colunas 1,2,3: Araújo, 0. (1948): coluna 4, DASP (1943)

Ji
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

SALÁRIOS REAIS E NOMINAIS DOS TRABALHADORES

SI = Salário Ideal. SN = Salário Nominal, SR = Salário Recebido

1939 1942
Categorias SI SN % do SI SI SN % do SI Queda
coberta coberta do SR
pelo SR pelo SR 1939/42

Maquinistas foguistas 646.40 296,00 45,79 885,20 352,00 39,77 -6,02


Mecânicos 338,00 52.29 404,00 45,64 -6,55
Carpinteiros e Marceneiros
44
302,00 46,72 «4
364,00 41,12 -5,60
Pedreiros 272.00 42,08 44
348,00 39,31 -2,67
Carga/Descarga 208,00 32,18 44
234,00 26,43 -5,75
Limpeza Geral 206,00 31,87 220,00 24,85 -7,02
Serviços Diversos 114,00 17,64 44
250,00 28,24 +10,60
Vigias 270.00 41,77 3 74,00 42,25 +0,48
Expedições 44
290,00 44,86 352,00 39,77 -5,09
Eletricistas 306,00 47,34 396,00 44,74 -2,60
Prenseiros 226,00 34,96 44
260,00 29,37 -5,59
Caixoteiro 260,00 40,22 290,00 32,76 -7,46
Ferreiros 330,00 51,05 44
370,00 41,80 -9,25
Ensacadores 240,00 37,13 44
286,00 32,31 -4,82
Corregedores 44
220,00 34,03 44
280,00 31,63 -2,40
Motoristas 300,00 46,41 360,00 40,67 -5,74
Espuleiros 240,00 37,13 44
280,00 31,63 -5,50
Acabamentos cm tinturaria 270,00 41,77 346,00 39,09 -2,68
Estampeiros
44
270,00 41,77
44
310,00 35,02 -6,75
Alvejadores de rayon
44
226,00 34,96 44
270,00 30,50 -4,46
Classificadores 44
230,00 35,58 44
310,00 35,02 -0,56
Mercerizadores 270.00 41,77 44
320,00 36,15 -5,62
Estampadores 300,00 46,41 44
384,00 43,38 -3,03
Fiandeiros 44
206,00 31,87 44
270,00 30,50 -1,37
Preparadores 240,00 37,13 M
320,00 36,15 -0,98
Retorcedores 44
160,00 24,75 44
240,00 27,11 +2,36
Engomadores 44
370,00 57,24 44
552,00 62,36 +5,12
Graveiros 44
360,00 55,69 “
44
480,00 54,23 -1,46
Fonte: Boletim do Departamento Estadual de Estatística, n°. 3, 3o trimestre São Paulo 1946

■F.n
7

A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:


Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

causado pelas fortes emissões provocadas tanto Assim, num sentido geral, o argumento go­
pela aquisição de divisas estrangeiras resultantes vernamental de que o congelamento dos alu­
do saldo da balança comercial exterior, como guéis significava uma medida de defesa eco­
pelo financiamento das grandes despesas nómica dos assalariados encontra forte respaldo
públicas. Por outro lado, havia uma forte pressão na realidade. Os preços subiram abusivamente,
sobre o mercado por efeito de uma oferta beneficiando-se da forte demanda insatisfeita e
insuficiente de mercadorias (resultado da de condições especulativas. Os trabalhadores
| . diminuição da importação e do aumento da precisavam, portanto, ser defendidos, pois na
exportação sem significativo acréscimo na retórica oficial, "a capacidade produtiva do país
produção). Ambos os fatores, em geral, foram deles dependia: o próprio esforço de guerra, que
gerados diretamente pela guerra. envolve interesses públicos nacionais e inter­
nacionais, da mais alta relevância exige que o nível
A situação de carestia e inflação, no entanto, de vida do povo, principalmente das classes traba­
beneficiava as empresas capitalistas, garantindo lhadoras, não seja demasiadamente sacrificado pelas
o aumento da taxa de acumulação de capital. circunstâncias excepcionais que atravessamos,
Isto porque estes fenômenos acabaram se porque de capacidade de trabalho dessas classes
tornando um meio através do qual as empresas depende o grau de rendimento da nossa produção
conseguiam auferir lucros crescentes, visto que bélica. É claro que essa capacidade de trabalho pode
os salários não subiam na mesma proporção e ser afetada pelo encarecimento excessivo do custo
rapidez que os preços: "desde 1936 até fins de de vida, ou por uma crescente desproporção entre
1943 o rendimento das classes assalariadas ficou este e os salários" (Associação Comercial 1943d).
•'J estabilizado, enquanto se elevou a mais de 80% o
preço das coisas" (0 Observador 1945). O congelamento dos aluguéis é justificado
Pf
íI:
como uma medida que visa defender o traba­
Assim, é fácil perceber que a conjuntura lhador dos aumentos de preço:”o governo o que
provocada pela guerra acentuou uma situação procurou foi opor um dique à dinâmica de certos
que favorecia largamente o setor industrial, já locadores. A casa onde se mora é como um gênero
ti de primeira necessidade. Não se podendo tabelar o
beneficiado pela política económica do governo.
Na tabela 3.2, evidencia-se a queda do poder seu valor locativo, pode-se contudo fixá-lo numa
de compra de várias categorias de operários, base razoável, conciliadora dos direitos do capital
entre 1939 e 1942. nela representados e do interesse do locatário,
tratando-se, é claro, de uma quadra excepcional que
o mundo atravessa" (Correio Paulistano 29/8/
É notável a queda do salário real neste
1942).
período que antecedeu a promulgação da Lei do
Inquilinato. Das vinte e oito categorias pesqui­

sadas, vinte e quatro apresentaram queda do O congelamento era portanto uma medida
poder da compra, enquanto que em somente que deveria se acrescentar a outras que viessem
I II quatro há acréscimo, situação que se agravou
nos anos seguintes. Ainda em relação à tabela
a impedir a alta do custo de vida, que seria
provocada por comerciantes, proprietários e
3.2, é interessante notar que os salários nomi­ industriais inescrupulosos: “(...)assini como o
nais de todas as categorias presentes no tabelamento de gêneros não visa os comerciantes
levantamento de 1939, com exceção de quatro, conscienciosos, mas apenas obstar ao abuso dos que
são superiores ao valor do salário mínimo, fixado não o são, assim também a proibição relativa ao
em Cr$ 220,00 em 1940. Isto mostra que o aumento dos aluguéis prediais têm unicamente por
salário mínimo foi realmente fixado num fim contrastar a possível ação subreptícia de um ou
patamar próximo dos valores mais baixos que os outro proprietário sem escrúpulos. Vê-se daí que o
trabalhadores já recebiam. A questão será decreto em questão representa mais um salutar
tratada adiante, quando for estudada a relação acréscimo ao conjunto de medidas que o governo se
entre os salários e o congelamento dos aluguéis. vem opondo energicamente às manobras de ação

■■rn
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

ilícita, apontando a justiça do Tribunal de intervenção pública e intimamente ligado ao


Segurança, como incursos em crime contra a problema da habitação), aquele que apresenta o
economia popular todos os que, proprietários ou menor índice de aumento no período anterior a
comerciantes, desrespeitem a lei” (Correio 1942 foi o da habitação, para todas as fontes
Paulistano 29/8/1946). consultadas. Este fato, jamais salientado em
qualquer das análises da época - que procuravam
Antes de analisar o quanto diferentes foram enfatizar a importância social de adoção do
as consequências da medida tomada contra o congelamento dos aluguéis - reforça nossa
aumento dos aluguéis e das providências hipótese de que havia algo mais do que a mera
encetadas contra a alta dos demais itens do custo defesa do locatário como motivo da decretação
de vida, é relevante destacar qual vinha sendo a da Lei do Inquilinato. O assunto será tratado
real contribuição do encarecimento da mais adiante.
habitação no aumento geral dos preços. Para
tanto, a tabela 3.3 apresenta o aumento dos As características do mercado de locação,
índices de preços discriminados pelos diversos inteiramente diferentes do mercado de bens de
itens de consumo, segundo diferentes fontes, primeira necessidade, tornam-no mais propício
para os anos imediatamente anteriores à a um controle real dos preços, como estabelecia
instituição do congelamento dos aluguéis. a Lei do Inquilinato. Efetivamente, as medidas
de controle de preços criadas no mesmo período
Embora haja discrepâncias entre as diversas para todos os bens de consumo popular redun­
fontes, principalmcnte no que se refere à daram num retumbante fracasso: “A estabilização
habitação, fica evidenciado que entre todos os dos preços era a medida fundamental, o eixo de todo
itens componentes da cesta de consumo, com e qualquer programa que se pretendesse traçar para
exceção dos transportes (também regido por a vida económica e financeira do país. Por isso

AUMENTO DO CUSTO DE VIDA POR ITENS DE CONSUMO


1939/1943

Divisão de Documentação DASP Associação Câmara de


Social e Estatística - PMSP Comercial Comércio
Britânica
1939 1940 1941 1942 1943 1936 1943 193S 1939 1943 1939 1943

Alimentação 101,5 106,8 127,2 135,9 146,4 100,0 163,0 100.0 124,4 189,4 100 194,8
Habitação 100,0 100.0
100,0 100.9 101.2 103.6 100,0 135,0 100,0 113,3 126,6 100 128,6
Vestuário 100.1 106.3
106,3 121,7 142.8 177.3 100,0* 154,0 100 198,2
Combustível 97,7 111,2 107,1 172,1 196.6 100,0 154,0 100,0 109,9 146,9 100 135,2
Móveis 100,0 111,0 118,0 124,0 160,0
Transportes 100,0 100,0 100,0 100,0 100.0 100,0 100,0 100,0
Despesas Diversas 99.2 104,5
104,5 105,2 117,6 117,8 100,0 269,0 100,0 115,0 163.7 100 202,4
Total dos Itens 100,8 105,4 117,6 131,2 145,6 100,0 162,0 100,0 116,6 158,4 - 179.6
Fonte: Araújo. O. Egldio (1948) para os dados da coluna (1); DASP (1943). para dados da coluna (2); Associação Comercial 1943. n.30 para colunas (3) e (4).

nn

-
II A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locaçã o:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

II mesmo. sem essa providência preliminar (o


congelamento dos preços dos bens de primeira
legislação, principalmente no que se refere aos
despejos, como será mostrado adiante, retirando
necessidade, tomada em 1943), qualquer majoração parte desta estabilidade plena dos aluguéis
de salário redundaria, fatalmente, na criação de antigos: entretanto, aumentar os aluguéis
situações ainda mais difíceis e onerosas para o povo. tornou-se infinitamente mais dificil do que subir
O que se projetou fazer pela Coordenação os preços de qualquer outro produto.
Económica, quanto ao controle dos preços era. sem
dúvida, a solução correta e eficaz para o problema A falta de moradia, que a partir de então se
(...). (No entanto) os preços ‘tetos’ criaram o mais tornará a regra em todas as grandes cidades
desumano e imoral meio de auferir lucros - o câmbio brasileiras, transformando-se numa grande crise
negro. Já, então, o tabelamento de determinado no pós-guerra. afetou acentuadíimente a nova
gênero passou a ser desejado, negociado pelos demanda, constituída de migrantes, despejados
próprios aproveitadores, a fim de. ocultando o e novas famílias que se formaram no período,
produto para não o venderem pelo preço da tabela, mas não trouxe grandes problemas aos antigos
SI oferecê-lo, clandestinamente (agora às claras), por
preço quase sempre três ou quatro vezes superior ao
inquilinos (com exceção dos que sofreram
despejos). Para estes não existiria "câmbio negro
I tabelado (...). O que se verificou, desde essa época
até o presente (1943/5), não há paralelo na
indústria económica e financeira do país. As classes
de habitações” assim como havia câmbio negro
de todos os gêneros de Ia necessidade.
& produtoras não cuidaram de aumentar a produção e
esta, deficiente, começou, em grande parte, a ser A Lei do Inquilinato desempenhou, portanto,
exportada para o teatro da guerra, e outra grande um papel ambíguo. Por um lado, ela realmente
porção a ser vendida ao estrangeiro que, exaurido serviu como instrumento de defesa dos
de bens, não regateava o preço. Enquanto isso, aos inquilinos já instalados, pois foi. talvez a única
i brasileiros só tocava pequena quantidade, e esta pelo medida de controle de preços que logrou efetivar-
mesmo alto preço por que era vendida ao exterior se no período da guerra. Por outro, seus efeitos
(...). Diante dessa situação, não houve mais contraditórios geraram escassez e uma espécie
terapêutica que conseguisse, pelo menos, estabilizar de câmbio negro nas moradias desocupadas,
a ascensão da coluna termométrica dos preços. Não criando enormes dificuldades para os traba­
mais parou o descalabro. Impotente para reprimir e lhadores não proprietários e não instalados em
controlar o desvario dos especuladores, passou o casas de aluguel até 1942 e prejudicaram o setor
Governo a encobrir os seus atentados ã bolsa do povo os proprietários rentistas urbanos. Finalmente,
com a expedição de sucessivos e inoperantes os empregadores urbanos foram os mais
tabelamentos de preços, os quais apenas se beneficidos, pois passaram a contar com pelo
limitavam a oficializar o que, de muito, já estava menos parte de seus empregados ou operários
impingido ao indefeso consumidor" (O Observador abrigados a decrescentes custos, o que atuava
Económico Financeiro 1945) para reduzir a pressão altista sobre os salários.

Em 1944, quando o congelamento dos


Como se vê, tornava-se praticamente
impossível controlar a alta dos preços dos aluguéis foi prorrogado, os argumentos que
justificaram a medida buscaram caracterizá-la
produtos de consumo básico da população -
sobretudo dos alimentos - o item que mais como um instrumento de defesa dos interesses
populares: "Os proprietários esperavam uni
pesava no encarecimento da vida. Com a
habitação ocorria uma situação bastante aumento de 10 a 20% sobre os preços dos aluguéis
diferente pois, com o congelamento dos aluguéis estabilizados nos valores vigorantes em 31 /12/41,
entendendo que não podia haver imobilidade nas
e as restrições ao despejo, estando o inquilino de
posse da moradia, a alta do aluguel se torna prestações durante tanto tempo, guardada a regra
geral era o aumento inclusive dos materiais de
praticamente impossível. Evidentemente
ocorreram um sem número de burlas à construção(...). Os inquilinos, por sua vez,

nm
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato e Crise de Habitação na Década de 40

argumentavam ao contrário, alegando que já era A LEI DO INQUILINATO COMO


grave o problema económico das classes pobres e INSTRUMENTO DE
assim desaconselhável qualquer aumento. O assunto
foi longamente estudado e o governo certamente
DESTRUIÇÃO ECONÓMICA
atendendo a altas razões de interesse coletivo DOS RENTISTAS URBANOS
pronunciou-se contra a elevação dos alugueres,
‘norma fundamental' conforme diz a exposição de
motivos do Sr. Ministro da Justiça. As autoridades “O Brasil é um país em guerra, tendo sido
avidamente procuraram livrar as classes mais suspenso o direito à propriedade" (Correio
modestas e mais sacrificadas de um agravamento dos Paulistano 10/8/1944)
mais calamitosos do custo de vida. A porcentagem
advogada pelos proprietários, sem lhes trazer 0 setor social representado pelos proprie­
apreciável vantagem, significaria o desespero e a tários de casas de aluguel foi o único grande
miséria para os menos afortunados, que constituem prejudicado pela adoção da Lei do Inquilinato.
a maioria” (O Observador 1945). Entender este setor é, portanto, fundamental
para se conhecer os diversos interesses envol­
Pode-se concluir, portanto, que o congela- vidos na questão.
mento dos aluguéis foi uma medida que de­
fendeu o inquilino antigo (e só ele) da alta dos Como já vimos no capítulo 1, a construção
valores locativos, apesar das práticas ilegais que de casas de aluguel, de diversos tipos e tama­
foram praticadas pelos locadores e que, como nhos, se constituiu, desde o surgimento do
será visto, distorceram em parte seus objetivos. problema da habitação em São Paulo, a partir
No entanto, o aluguel não era. naquele da década de 1880, num excelente investimento,
momento, o item que mais vinha contribuindo que dava rendimentos certos e seguros sem
para a carestia. Sua decretação, utilizando a exigir trabalho. Além de uma renda mensal, o
análise de Weffort, parece, portanto, uma investidor usufruia de uma excepcional
alternativa que. encontrando grande apoio valorização imobiliária, gerada por uma intensa
popular, pelo menos a curto prazo, não sofria expansão da cidade, num mercado especulativo.
fortes resistências dos grupos dominantes, sendo Isto significa que uma casa de aluguel era, ao
até simpática a eles, com exceção óbvia dos mesmo tempo, reserva de valor e fonte de renda;
proprietários de casas de aluguel. não é por outra razão que a propriedade
imobiliária gerava forte atração sobre os que
O governo, com a implantação da medida, pretendiam aplicar seu capital num negócio sem
conseguia ampliar sua base de sustentação - fun­ risco e rentável.
damental para sua legitimação - sem tocar nos
interesses capitalistas que se beneficiavam da A hipótese que será desenvolvida neste e no
inflação e da carestia dos bens de consumo de próximo segmento relaciona a Lei do Inquilinato
Ia necessidade. E ainda - é também uma com uma intenção governamental de reduzir
hipótese que será desenvolvida - garantir esta forte atração que o imobiliário exercia sobre
respaldo político para a tomada de uma decisão os investidores e capitalistas em geral,
que, mantida nas suas linhas gerais por mais de objetivando concentrar recursos na montagem
vinte anos, parece responder a uma política do parque industrial brasileiro. E, ao mesmo
deliberada que visava atingir objetivos tempo, de reduzir ou eliminar um setor social
económicos que iam além de suas declaradas que vivesse basicamente de rendas, sem ter
intenções. necessidade de trabalhar.
s
Antes de analisar os diversos grupos que
compunham o setor dos proprietários de casas

rm
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:
Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década dc 40

de aluguel, seria necessário caracterizar o menos favorable de la casa; finalmente, y esto es lo


significado económico do negócio de alugar decisivo, la relacion entre la oferta y la demanda en
casas. Trata-se - a locação de imóvel - de uma el momento dado" (Engels 19 75:589).
relação simplesmente comercial, ou como
ressalta Engels na “Contribuição à questão da Neste sentido, deve-se fazer uma distinção
habitação” - "nos encontramos frente a um
h intercâmbio absolutamente normal de mercancias
entre los ciudadanos". (Engels 1975:588). A
relação que se estabelece entre o inquilino e
entre o empresário de construção e o proprie­
tário-rentista, embora, às vezes, estas duas “per-
sonas" possam ser identificadas numa só pessoa.
! O empresário da construção civil produz uma
proprietário não se constitui, portanto, numa mercadoria, através da compra e exploração da
í- relação de exploração capitalista, como a que força de trabalho. Esta mercadoria é vendida por
existe quando o operário vende sua força de um preço maior do que o gasto na sua produção.
trabalho a um preço inferior ao seu valor. Assim, O capital empregado percorreu em pouco tempo
If? "se falseam totalmente las relaciones entre
arrendatario y arrendator cuando se intenta
todo o seu circuito de valorização e reprodução
I ■

identificarias con las que existem entre el obrero y


capitalista.
el capitalista." (Engels 1975:588).
O proprietário-rentista, por sua vez, muitas

Ir É importante definir a natureza da relação


existentes entre inquilinos e proprietário porque
estes, durante a vigência da Lei do Inquilinato,
vezes contrata um construtor para edificar suas
casas ou prédios, pois não é necessáriamente um
empresário-capitalista. Ao contrário deste,

it Sí são constantemente usados como “bode


expiatório” de vários males que a configuração
necessariamente possui um tesouro, repre­
sentado pelo valor de seus imóveis, que não se
valoriza (não sendo portanto, capital) durante
If' da cidade (e da sociedade) capitalista vai
tomando face ao crescimento industrial. Os
proprietários passam a ser discriminados
a locação, enquanto que o empresário da
construção pode perfeitamente não ter recursos
- próprios e se utilizar de um capital obtido através
cí • quando procuram fazer valer o seu direito de
propriedade, direito que, de resto, regia todas as
de financiamento. O proprietário detém
portanto um “tesouro" que não produz mais-
demais relações na sociedade - sem que fossem valia. Realiza basicamente uma relação
chamadas de ilegítimas: "Os proprietários, com comercial ao ceder por determinado prazo de
p■ exceções, é certo, caem em cima dos inquilinos, como
São Tiago sobre os mouros(...). Isto sem contar as
tempo o usufruto desta mercadoria.

I'
I .■
humilhações, os vexames, as mágoas e as tristezas
por que passam os que moram em casas alugadas. Enquanto predominou na sociedade brasi­
I- Há donos de prédios que por possuírem 3 ou 4
cochicholos (...) pensam que têm o rei na
leira uma estrutura de base agrário-expor­
tadora. caracterizada como um capitalismo
barriga(...)." (Correio Paulistano 4/8/1946). dominantemente comercial (Silva 1980:60), até

1930, a locação de imóveis era um negócio

IIIi lí
B 3 O aluguel de casas se constitui numa venda
do usufruto de certa mercadoria por um deter­
rentável pois a "acumulação capitalista realizava-
se sobretudo ao nível do comércio, acarretando mn
desenvolvimento mais lento das forças produtivas
8I$ minado período de tempo e portanto "este inter­
I I câmbio se efetua según las leyes económicas que
(Silva 1980:61-62).

I íl regulam la venta de las mercancias en general, y, en


Ji ' particular, la venta de la mercancia ‘propriedad del Com as modificações advindas com a
Revolução de 30 e sobretudo a partir do fim

IL
I I?If'
K
f•
»■

r
suelo’. Los gastos de construcción y de conser-vación
de la casa o de su parte en questión han de tenerse
en cuenta em primer lugar; después, el valor del
terreno, condicionado por el emplazamento más o
desta década, quando se dá início a uma política
de industrialização com forte intervenção
estatal, muda-se o padrão de acumulação do

I I
L.
sistema e a rentabilidade deste negócio começa

1
I’ i mn
r 1
o
1
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

a ser colocada em questão, sobretudo frente às dos proprietários. Estes se vêem subitamente
novas oportunidades surgidas com o desenvol­ impedidos de reajustar os aluguéis na proporção
vimento industrial. normal do incremento da inflação, além de não
poder se beneficiar das condições excepcionais
Assim, mesmo antes da promulgação da Lei que a situação conjuntural lhes conferia,
do Inquilinato, no início dos anos 40, estava enquanto todos os demais setores da economia
ocorrendo uma diminuição relativa da - comércio, indústria, agricultura de exportação
rentabilidade do negócio de alugar imóveis. “A e mesmo o mercado imobiliário de venda de
rentabilidade de uma determinada empresa ou de um imóveis - auferiam lucros enormes.
determinado ramo económico depende da situação
geral da economia. Se, por exemplo, numa época Os efeitos provocados pela Lei do Inquilinato
caracterizada por um crescimento geral da taxa de sobre os proprietários são diversos e se situam
lucro, um único ramo da economia não acompanha em vários planos. O mais evidente é, sem dúvida,
a tendência geral, sua rentabilidade não é satis­ a queda inquestionável do rendimento do
fatória, não exerce atração nenhuma sobre novos negócio, principalmente das casas com aluguéis
capitais. Bem ao contrário: os capitais empregados antigos (anteriores a 1942), isto é, que foram
em empresas pertencentes a esse ramo económico atingidos pela medida sem poderem se utilizar
tentarão fugir, para investimentos mais lucra­ dos expedientes que foram se desenvolvendo
tivos (...). Deixando de lado certas especulações que para aumentar, por fora da lei, a rentabilidade
não constituem em caso algum a regra, a taxa de da locação, que será analisada adiante. Mas a
lucro que proporciona a locação de casas de moradia insegurança que a legislação trouxe para este
caiu, nos últimos anos, em comparação com a taxa tipo de investimento - com o conseqíiente
alcançada em inúmeros outros ramos econó­ desestímulos para novas aplicações - é seu mais
micos”. (Heller 1944) significativo resultado.

Os aluguéis, mesmo quando não regulados De início, em 1942, na conjuntura da guerra,


por lei normativas, tendem a uma inércia nos a lei era de emergência, e embora congelasse os
seus valores muito maior do que o preço de aluguéis antigos, os novos seriam arbitrados
qualquer outra mercadoria. Na época, os segundo critérios pouco definidos, o que
contratos jamais previam a majoração dos permitia uma relativa margem de manobra para
aluguéis durante a sua vigência, pois a inflação os proprietários fixarem os novos aluguéis de
tradicionalmente era baixa. No entanto, à acordo com as condições de mercado. Em 1944,
medida que a inflação começa a assumir taxas continuava sendo a lei de emergência, porém na
mais elevadas, os rendimentos proporcionados própria exposição de motivos do ministro da
pelos aluguéis tendem a cair significativamente justiça ficava claro que os aluguéis novos seriam
mês a mês. ao contrário dos demais ramos de livremente fixados, para se incentivar a
negócios comerciais e industriais que, como construção. Aluguéis livremente fixados,
vimos, se beneficiavam amplamente da inflação, naquela conjuntura, significavam valores
pois a majoração dos preços é muito mais elevadíssimos, pois a situação era de escassez e
acelerada que o aumento salarial. grande procura.

A determinação do congelamento dos Em 1946, entretanto, finda a guerra e,


aluguéis, exatamente no momento em que a portanto, sem mais o argumento de que se
inflação começava a atingir as taxas mais tratava da legislação de exceção, os aluguéis
elevadas e que a carência de casas de aluguel se livremente determinados foram congelados e,
agravava devido à dificuldade de se obter mais do que isto, puderam inclusive ser
materiais de construção, vai agravar este reduzidos se assim determinasse uma
quadro, atingindo fortemente os rendimentos arbitragem. “Quem se arriscará, porém, a

■TO
-

construir para sujeitar a remuneração do seu capi­ de capitais, viabilizado apenas em 1 965, a
í tal investido no imóvel ao arbítrio do poder público propriedade imobiliária era um ativo quase-
na sua fixação e entregar sua propriedade inde­ financeiro de alta liquidez por excelência". A
finidamente, por preço inalterável, qualquer que seja legislação do inquilinato retirava inteiramente
I a desvalorização da moeda, ao locatário a quem
transferirá, pela locação, praticamente o domínio
a liquidez dos imóveis locados; apesar disso, é
importante ressaltar que, mesmo com a
útil sem indenização? Ainda que a lei torne as no­ significativa queda da porcentagem de casas
vas construções livres de toda restrição, quem ocupadas por locatários em relação ao total de
acreditará nisto, enquanto as restrições perdurarem domicílios, que caiu de quase 68% em 1940 para
para as outras, se um Decreto-Lei de 1944 já 57% em 1950, o número absoluto de inquilinos

I
libertara aqueles que fossem de então iniciadas e ainda cresceu moderadamente nesta década.
outro de 1946 às subordinou às mesmas Este fato reforça a hipótese de que era necessário
restrições? ".(Duvivier 1949)
um forte desestímulo para tentar ao menos
limitar o investimento imobiliário.
>1 Na segunda metade da década de 40,

I
percebe-se que a legislação do inquilinato veio
11 para ficar, trazendo enorme insegurança e queda
Por outro lado, deve se ressaltar é que o setor
dos proprietários de casas de aluguel estava
de rentabilidade. A consequência natural foi um longe de ser um setor social homogéneo e que
certo afastamento dos investidores. Os pro­ cada um dos sub-grupos que compõem este setor
prietários, entretanto, encontraram formas de teve uma reação própria à situação criada pela
driblar a lei e fazer valer o direito de propriedade, lei, inclusive por disporem de condições diversas
criando expedientes para ajustar o valor real de (económicas e jurídicas) para tentar reaver seu
seus imóveis à situação de fato, como veremos direito de propriedade e de encontrar outros
adiante.
campos de aplicação para seu “tesouro” ou
4 ■, poupanças. Para avaliar estas distinções é
fg $'»• No entanto, a atração que este negócio
exercia era tamanha que muitos ainda con­
necessário nos determos nos sub-grupos que
participavam deste tipo de investimento.
tinuaram aplicando em imóveis de locação,
apesar da insegurança e risco futuro. Como Na medida em que as oportunidades de
i; t< mostra Melo (1992), "na ausência de um mercado trabalho e de enriquecemento se ampliaram em
r i; São Paulo, durante toda a primeira metade do
século, possibilitando uma certa mobilidade so­
cial, o setor dos proprietários de imóveis de
|| aluguel se ampliou, se diversificou e se tornou
mais heterogéneo. Como possuir casas para
locação significava, até o período que estamos
estudando, uma forma simples de obter ren­

I
í! dimentos certos e elevados, este negócio atraía
uma ampla gama de pessoas que dispunha de
uma poupança de qualquer dimensão. Assim,
podemos detectar três grupos básicos que
compõem o setor dos proprietários:

í 1 Aqueles que, sem desenvolverem uma ati­


vidade produtiva que necessitasse de capital,
tinham nas suas mãos grandes recursos -
“tesouros” - que necessitavam ser investidos
para proporcionar rendimentos. Formavam
I

rm
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato e Crise de Habitação na Década de 40

este grupo diferentes tipos de herdeiros, triais vão gradativamente deixando de investir
incluindo viúvas, órfãos, velhos etc, além de em imóveis, o que, talvez, já estivesse acon­
outros proprietários de bens de raiz, tecendo até mesmo antes da promulgação da Lei
profissionais liberais bem colocados do Inquilinato.
socialmente, etc;
Este grupo, que tinha sido o responsável pela
2 Aqueles que. embora desenvolvendo ativi­ produção das vilas operárias, numa época em
dades produtivas - indústria, comércio, agri­ que a indústria era instável e sem grandes
cultura etc - não tinham condições ou inte­ condições de crescimento, procurava agora
resse económico em aplicar todo o excedente concentrar seus excedentes na própria produção
obtido no próprio negócio que desenvolviam; para se beneficiar da crescente taxa de
acumulação que se conseguia. Ele irá, portanto,
3 Aqueles que, embora vivendo do próprio não só deixar de investir no setor como tenderá
trabalho, assalariado ou autónomo, conse­ a desmobilizar o “tesouro”, para utilizá-lo como
guiam juntar pequenas ou médias pou­ capital. "Um industrial de certa importância
panças, cujo investimento em casas de declarou que não adquiria prédio residencial para seu
aluguel - às vezes autoconstruídas - era a próprio uso, porque a aplicação de capital na sua
única forma de garantir um mínimo de renda indústria era muito mais rendosa do que colocá-lo
que não era obtida através do trabalho em imóveis; isto sem considerar a vantagem
cotidiano, inclusive como uma garantia para ocasional de ser inquilino antigo, pagando aluguel
a velhice. ínfimo" .(Azevedo 1958).

4 Instituições de previdência privada, como as O terceiro grupo foi aquele que permaneceu
mútuas,muito importantes na República atuando como locador sem ter sido muito
Velha ou outras instituições de seguros, que afetado pelas novas condições, inclusive
aplicavam em imóveis como forma de incorporando novos investimentos e trabalho na
capitalização de seus fundos produção de moradias de aluguel. A tendência
era este grupo ser o principal locador de
moradias de baixo aluguel, segundo o esquema
Evidentemente, nem sempre existiram estes bastante conhecido de produção de casas de
quatro grupos de proprietários, uma vez que o aluguel em terrenos periféricos onde o próprio
terceiro só vai passar a ter alguma relevância locador também reside, se utilizando dos
numérica a partir da década de 20, quando a expedientes da auto-empreendimento e da
oferta de "lotes periféricos" a baixo preço passa construção de moradias ou cômodos por etapas
a possibilitar a realização deste tipo de (Bonduki & Rolnik 1979). Com o grande
empreendimento por indivíduo de renda incremento que o padrão periférico terá a partir
relativamente baixa. As mútuas, por sua vez, da década de 40, este padrão de produção de
perdem importância com a criação dos lAPs e moradias de aluguel por trabalhadores de baixos
todas as instituições que utilizavam o aluguel rendimentos se tornará parte integrante dos
como uma forma de capitalização de seus fundos expedientes utilizados por estes trabalhadores
não podiam, nas novas condições, continuar para elevar sua renda, conforme veremos no
investindo neste setor. capítulo 6.

Esses grupos tinham, portanto, formas Embora os rendimentos auferidos por este
totalmente diferentes de reagir à queda da grupo pudessem ser relativamente reduzidos, e
rentabilidade que a Lei do Inquilinato deter­ assim garantir uma moradia de aluguel barata
minava. No segundo grupo, por exemplo, à para os trabalhadores não-proprietários, seus
medida que a estabilidade e o crescimento da integrantes não tinham outra forma de aplicar
indústria se firmaram, os empresários indus- poupanças surgidas de um esforço para

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A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:
Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década dc 40

EVOLUÇÃO DO ÍNDICE DE PREÇO E DA INFLAÇÃO


1900/1964

Ano índice Inflação Ano índice Inflação


de Preços Anual de Preços Anual
1900 1,00 -17,0% 1932 2.78 -2,5%
1901 0.83 - 8,4% 1933 2.61 1,8%
1902 0.76 2,6% 1934 2.76 1,4%
1903 0.78 3,4% 1935 2.80 20,3%
1904 0.83 -12,0% 1936 3.37 17.2%
1905 0.73 23,2% 1937 3.95 -0,5%
1906 0.90 -5,5% 1938 3.93 -2.5%
1907 0.85 3,5% 1939 3.83 8,2%
1908 0.88 -5,6% 1940 4.17 11,3%
1909 0.83 -8,4% 1941 4.63 15,9%
1910 0.76 11,8% 1942 5.37 18.9%
1911 0.85 9,4% 1943 6.39 3 7,7%
1912 0.93

-3,2% 1944 8.80 15,0%


1913 0.90 -5,5% 1945 10.12 19,9%
1914 0.85 43,5% 1946 12.05 23,1%
lí 1915 1.22 5,7% 1947 14.83 3,4%
1916 1.29 20,9% 1948 15.34 4,3%
i. 1917 1.56 18,5% 3.6%
1949 16.00
I 1918 1.85 31,9% 1950 16.59 11.1%
1919 2.44 9,8% 1951 18.44 22,9%
1920 2.68 9,8% 1952 22.68 21,9%
1921 2.77 -3,1% 1953 27.66 17.9%
1922 2.20 34,0% 1954 32.63 19,8%
1923 2.95 22,3% 1955 39.10 21,6%
1924 3.61 8,0% 1956 47.56 19,2%
1925 3.90 -9,2% 1957 56.78 15,3%
1926 3.54 1,9% 1958 65.46 37,5%
1927 3.61 0,0% 1959 89.98 34,6%
1928 3.61 5,2% 1960 121.15 38,1%
1929 3.80 -17,9% 1961 167.41 52.6%
1930 3.12 -8,6% 1962 255.56 73,4%
1931 3.85 -2,4% 1963 443.27 86,9%
Continua 1964 828.63 61,7%

Fonte: VUlela & Suzigan 1973 (1900 a 1945), Prefeitura de São Paulo e IPE (1945 a 1964) calculado por COGEP 1979

im
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Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

comprimir a cesta de consumo familiar. O como os que procuravam se valer da sua situação
expediente de construir cômodos, cubículos ou privilegiada para, através de longos e custosos
pequenas casas de aluguel precárias, utilizando- processos judiciais e outros expedientes, reaver
se dos mesmo esquemas do autoemprendimento o imóvel congelado e adequar seu valor às
que veremos em detalhe no capítulo 6, era a condições reais do mercado. Deve ser citado,
única alternativa que estes setores que também, o fato de que, na década de 50,
atingiram a condição de proprietários tinham de desenvolvera-se, com a verticalização, outras
auferir uma renda adicional. A possibilidade de alternativas de investimento imobiliário de
não ter que remunerar a renda da terra-suporte aluguel para a baixa renda - como os prédios de
de casas alugadas - em detrimento de seu próprio apartamentos de área reduzida, como as kitch­
padrão de vida -, de edificar cômodos por etapas, enettes. As maiores facilidades criadas pela lei
fazendo o próprio negócio gerar a renda para sua 1300/50 para locações novas tornam este tipo
ampliação e as facilidades que a própria Lei do de investimento atraente para os investidores
Inquilinato criou para este grupo explicam seu que queriam viver de renda. Nada indica,
crescimento. entrentanto, que a rentabilidade destes novos
imóveis colocados no mercado de locação fosse
Apesar destes moradores-proprietários- muito alta, ao menos a médio prazo, embora
locadores de periferia terem uma menor rendessem incomparavelmente mais que os
capacidade para se defender na justiça - pois prédios de aluguel antigo. Por outro lado,
tinham menor acesso a advogados - as várias conhecendo as novas condições do mercado e da
versões da lei, ao criarem a possibilidade do legislação, estes locadores aplicavam expe­
despejo para uso próprio, de ascendentes ou dientes para compensar as perdas futuras.
descendentes, deram plenas garantias para a
retomada da moradia alugada, permitindo a Além desses proprietários com capacidade de
estes locadores condições para exercer pressão manter, pelo menos em nível aceitável, seus
contra os inquilinos para elevar o valor do rendimentos, outros “rentistas" com menor
aluguel. Além disto, a falta de moradias, que “trânsito mercantil” viram suas rendas redu­
passa a ser a regra a partir de então, dá a estes zirem ano a ano, sofrendo o que chegou a ser
indivíduos uma boa margem de barganha, chamado verdadeiro confisco de suas pro­
mesmo tendo a lei contra si. Conseguiam, assim, priedades. "Viúvas, intérditos, órfãos, velhos
uma renda razoável, que podia representar uma aposentados, pessoas incapacitadas para o trabalho,
das poucas chances de ascensão social que tais instituições filantrópicas e beneméritos sofreram,
indivíduos dispunham. anos seguidos, um verdadeiro confisco de seus
rendimentos imobiliários, sentindo agudamente a
O primeiro grupo, bastante heterogéneo, redução do poder aquisitivo da moeda, que se refletia
reagiu de forma diferenciada aos efeitos da lei. na diminuição constante do padrão de vida de cada
Este grupo, majoritariamente, é o que mais se um (...) a longa vigência da Lei o Inquilinato
caracteriza como rentista: é composto por provocou perdas irreparáveis para o grupo social dos
pessoas que vivem basicamente de rendas e não proprietários mais fracos" (Azevedo 1958).
do seu “trabalho”. Seria portanto o grupo que
teria seus interesses mais diretamente atingidos O grupo dos tipicamente “rentistas”,
pela lei, o que os obrigaria a buscar as mais justamente por ser o mais alicerçado nesta
distintas formas de rentabilizar seu “tesouro”. modalidade de negócio, é o que mais sofreu as
consequências do congelamento e, justamente
Assim, encontramos tanto proprietários que por ser este grupo o mais “entesourado”, é pos­
se desfizeram do negócio, procurando outros sível levantar a hipótese de que foi o grupo
investimentos mais rentáveis (por exemplo, a visado pela legislação do inquilinato quando esta
formação da sociedade por subscrição de ações, procurou, segundo uma interpretação desta
que se desenvolvia intensamente neste período), série de leis a que já nos referimos, não admitir,

rm
i A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década dc 40

I senão em casos excepcionais, o “fato de alguém A LEI DO INQUILINATO COMO


viver de rendas, procurando, com isso, obrigar todos INSTRUMENTO DE POLÍTICA
os cidadãos ao trabalho” (Faria 1963), mesmo que
este trabalho fosse simplesmente aplicar seu ECONÓMICA
i “tesouro" num empreendimento capitalista
propriamente dito.
“Por que razão essa classe social - os
É importante, ainda, tratar dos sub- proprietários de imóveis - que também vê tudo
locadores. Este grupo tem uma importância subir de preço, não tem o direito de reajustar seus
enorme sobretudo na formação de cortiços rendimentos, em face da inflação da moeda?"
“casas de cômodos", e tem interesses próprios. (Azevedo 19 58)
Certos locatários, que dispunham de aluguéis
antigos, eram na verdade, sublocadores e A promulgação da Lei do Inquilinato, em
desenvolviam o rentável negócio de alugar 1942, e sua manutenção por mais de 20 anos
A cômodos de cortiços. Valendo-se da Lei do
tf M ’* ■
deve finalmcnte ser vista como parte integrante
Inquilinato, estes sublocadores pagavam valores da série de intervenções que o Estado pós-30
irrisórios aos proprietários e, por vezes, passa a fazer no sentido de direcionar a

II mantinham com seus inquilinos de baixa renda


e informação, relações informais de locação que
lhes permitiam burlar aspectos básicos da
legislação. Ademais, a rotatividade de inquilinos
nos cortiços que, por menor que fosse, natu­
economia para a criação de um novo e mais
dinâmico modo de acumulação, baseado numa
estrutura urbano-industrial. Esta intervenção se
dá “operando na fixação de preços, na distribuição
dos ganhos e perdas entre os diversos estratos ou
ralmente ocorria, permitia a estes interme­ grupos das classes capitalistas, no gesto fiscal com
diários condições excelentes para atualizar os fins direta ou indiretamente produtivos, na esfera
$ aluguéis dos cômodos de acordo com as novas de produção com fins de subsídio a outras atividades
I ‘Mi
&$ condições do mercado, sem ter que pagar
qualquer reajuste aos proprietários. Esta figura
produtivas”.(Oliveira 19 71:13).
í. típica dos cortiços localizados nas zonas
A hipótese que levantamos neste segmento
deterioradas da cidade, os intermediários,
é que a Lei do Inquilinato foi, ou se tornou, uma
tornaram-se, à medida em que o tempo passava
medida de caráter nitidamente planificador e

i e o congelamento dos aluguéis permanecia, um


dos setores mais beneficiados pela lei, pois
dedicando-se exclusivamente a este tipo de
que visava, por um lado, reduzir o custo da
reprodução da força de trabalho urbana,
maximizando assim a taxa de acumulação da
negócio, munidos de apoio jurídico e poder de

1
empresa industrial e, por outro, transferir
coerção sobre inquilinos, podiam obter
investimentos que normalmente se inclinariam
vantagens tanto como locatários quanto como
para o imobiliário, visando o mercado de
sublocadores. Esta foi mais uma das inúmeras
locação, para o setor económico que se procura
distorções provocadas pela legislação do
privilegiar - a indústria, estatal ou privada.
inquilinato.

Embora indícios da intervenção estatal na


Vimos assim, de uma forma geral, os reflexos
economia já apareçam desde 19 30, é sobretudo
da Lei do Inquilinato sobre os proprietários e
a partir do período da guerra que “a técnica de
locadores e o seu comportamento frente à
planejamento, enquanto instrumento da política
situação gerada pela Lei. Mais adiante, na parte
económica estatal, tenha começado a ser
3 deste capítulo, serão mostradas detalhada-
incorporada pelo poder público." (lanni 19 71:43)
mente as formas encontradas por estes pro­
Em 1942, foi criada a Coordenação de
prietários, em situações concretas, para se con­
Mobilização Económica - espécie de super-
trapor aos efeitos da lei na queda de seus rendi­
ministério - que passou a coordenar os assuntos
mentos.

1
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Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

económicos, financeiros, tecnológicos e distribuída ao consumo público bem como dos


organizatórios da economia nacional. De acordo serviços a serem prestados (...)."(Ianni 1971:49).
com o Decreto-Lei que instituiu este órgão, entre Constata-se, portanto, que o controle dos
suas diversas atribuições estavam: “(,..)VI - aluguéis se situava entre as atribuições deste
investigar o custo, os preços e os lucros das super-ministério, que procurava encarar cada
mercadorias, materiais e serviços; VII - fixar os questão específica dentro de uma política mais
preços máximos, mínimos e básicos, ou os limites global. Sem nos alongarmos muito na atividade
de preço pelos quais as mercadorias ou materiais planejadora do Estado que neste momento se
devem ser vendidos ou os serviços devem ser estabelece, é possível situar a Lei do Inquilinato
cobrados: VIII - proibir a compra, venda e dentro de duas políticas gerais que passam a
fornecimento em base diferente dos preços fixados: orientar a intervenção e o planejamento estatal
IX - determinar as condições de venda de e que perduram, em linhas gerais, até a
mercadorias: XI - fixar ou limitar a quantidade de Revolução de 64:
qualquer mercadoria a ser vendida, fornecida ou

■s

PARTICIPAÇÃO DA HABITAÇÃO E ALIMENTAÇÃO NO ORÇAMENTO DOMÉSTICO


SEGUNDO PESQUISAS REALIZADAS NOS ANOS 30 E 40

Investigação Ano % da renda % da renda


familiar familiar
comprometida comprometida
com moradia com alimentação

Pesquisa Horace Davis


(operários de vários ramos) 1936 22% 50%
Pesquisa S. H. Lowrie
(operários da Limpeza Pública) 1938 15% 54%
Pesquisa O. E. Araújo
(operários da Usina Santa Olímpia) 1941 12% 52%
Pesquisa O. Nogueira
(operários de uma industria têxtil) 1948 9,8%
Dados Associação Comercial
(grupo não especificado) 1935 35,3% 29,3%
1939 33,9% 31,2%
1943 28,3% 35,0%

FONTE: Araújo 1942, Nogueira 1949 Associação Comercial 1945

ren
■■

A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:


Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década dc 40
I
I

1 Instituir mecanismos capazes de impedir o conhecer melhor para poder prever e planejar a
aumento, ou até mesmo de reduzir, o custo implantação de atividades económicas, como
de reprodução da força de trabalho urbana, pode-se ver através desta justificativa
não criando obstáculos de ordem social para apresentada pela Subdivisão de Documentação
o processo de acumulação industrial. Social e Estatísticas Municipais da Prefeitura de
São Paulo, primeiro órgão a realizar
2 Canalizar os recursos internos para o setor levantamentos sistemáticos do custo de vida
industrial, pois, ‘‘sem contar com magnitudes operário na cidade: “(...) o conhecimento dos
prévias de acumulação capitalística, o índices económicos pode permitir a empresas
crescimento industrial forçosamente teria que particulares nacionais ou estrageiras, estabelecer
centrar sobre a empresa industrial toda a com justeza o preço dos seus produtos e dos salários
virtualidade de acumulação propriamente de seus empregados e. ainda na avaliação da
capitalista." (Oliveira 1971:25) extensão do lucro possível, porque os salários não
poderão permanecer abaixo de um custo de vida
mínimo. As companhias estrangeiras que desejem
b O primeiro objetivo visava garantir o forne­
estabelecer fábricas na nossa capital também tem
cimento de mão-de-obra barata à empresa in­
r* necessidade desses índices para avaliar o preço de
dustrial; o segundo procura através da
seus produtos (...). Pretende ainda conhecer melhor
distribuição de ganhos e perdas entre os diversos
as condições de vida em São Paulo, afim de fornecer,
estratos ou grupos das classes capitalistas,
quando pedidas, informações precisas e objetivas,
viabilizar o fluxo contínuo de capital para a
quer para os legisladores, quer para as próprias
L lí' indústria. Vejamos em detalhe estes dois
organizações do trabalho “ (Revista do Arquivo
I aspectos.
Municipal 1936). Talvez não por acaso, o Prof.
Oscar Egidio de Araújo, da Escola de Sociologia
A redução do custo de reprodução da força e Política, principal membro desta Subdivisão e
y de trabalho urbana foi um dos pilares das assessor da Fiesp, foi um dos primeiros a detectar

I!
elevadas taxas de acumulação que caracterizam e propor a difusão da casa própria na zona ru­
o período em estudo. Para viabilizar esta política ral. como a melhor alternativa para equacionar
numa época em que a atenção às reivindicações a baixo custo o problema da moradia dos
mínimas das classes populares urbanas era uma trabalhadores.
exigência para a própria legitimação do regime
(Weffort 1980), seria necessário criar formas ou O rebaixamento relativo do custo da força de
expedientes de sobrevivência nas cidades que trabalho urbana foi conseguido mediante uma
não onerassem excessivamente os salários, pois série de mecanismos que diziam respeito ao
estes deviam se manter baixos pela própria papel que a agricultura passaria a ter nesta fase
premissa desta política. Para tanto, dever-se-ia de transição entre a hegemonia agrária-
criar mecanismos indiretos que visavam baixar exportadora e a urbano-industrial. Francisco de
de forma substancial os custos dos itens mais Oliveira (1971:15/18) mostra, ao analisar o
í gj; importantes da cesta de consumo popular. Estes papel da agricultura, como foi possível reduzir o
eram, fundamentalmente, na São Paulo da custo real da alimentação na cidades. Não é o
década de 40, a alimentação e a habitação. caso de repetir aqui seu raciocínio em relação
t K aos expedientes utilizados no caso do custo da
Durante as décadas de 30 e 40 foram alimentação, mas de levantar a hipótese de que
inúmeras as pesquisas e estudos realizados sobre ela ocorre simultaneamente com a criação de
o “padrão de vida operária”, que buscavam mecanismos que visam o mesmo objetivo em
conhecer as condições de vida e de consumo da relação à habitação, o segundo item de maior
classe trabalhadora. Ligadas ou não à peso no orçamento doméstico dos trabalhadores.
perspectiva de criação do salário mínimo, estas
pesquisas, traziam no seu bojo a intenção de Nesta perspectiva, a Lei do Inquilinato seria

■ Kr 11
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Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

uma medida destinada a limitar, num certo força das medidas coercitivas adotadas, não foi além
patamar, o custo com a habitação, de forma a de 3,5%.
baixar substancialmente, em termos reais, o
custo de vida urbana: a influência do De tudo, resulta que, feita a média da elevação
congelamento dos aluguéis, neste caso, é óbvia. real do cursto de vida, nestes últimos tempos, não
No entanto, mesmo nos casos em que o ultrapassaremos a casa de 111%. Isto desfaz
congelamento legal dos aluguéis não estivesse inteiramente a afirmativa, que chegou a circular
necessariamente limitando o custo com a como coisa certa, de que o incremento dos artigos
habitação - pois ele gerou uma série de expe­ indispensáveis à sobrevivência do homem, entre 31
dientes ilegais, como cobranças por fora ou luvas de dezembro de 1939 e igual data de 1944, chegou
disfarçadas que. efetivamente, elevaram o custo a 300%.
real com habitação - a situação possibilitava que
o cálculo dos reajustes salariais passasse a levar
em conta somente os níveis de aluguéis oficiais Descontados os exageros de cálculo, as entidades
congelados. Assim, mesmo que o custo real de representativas dos empregadores do comércio
vida se elevasse por força de aumentos informais convieram em estabelecer um nível justo para o
com habitação, esta elevação deixava de ser reajustamento dos salários dos respectivos
empregados." (Boletim Semanal 1945)
registrada e pesava em sentido negativo no
cálculo dos reajustes salariais. Como exemplo do
funcionamento deste mecanismo vejamos os O descompasso entre o aumento real do custo
argumentos utilizados pelos representantes da da habitação e o índice que normalmente era
Associação Comercial ao tratar do reajuste utilizado nos cálculos oficiais de aumento do
salarial dos comerciários em 1945: custo de vida se verificava fundamentalmente
porque, embora os aluguéis nominais e
registrados em recibo tivessem permanecido
"Prosseguem os entendimentos entre as partes
inalterados, eram constantes os aumentos “por
interessadas para um aumento geral de salários que
fora”, as luvas disfarçadas por compra de móveis
beneficie, de forma equitativa, os empregados no
e outros expedientes ilegais freqiientemente
comércio de São Paulo. Nas reuniões que nesse
utilizados, que serão vistos adiante. Assim o
sentido já têm sido efetuadas, entre representantes
congelamento dos aluguéis funcionou
de comerciários, de um lado, e das organizações
plenamente como uma medida que propiciou a
patronais existentes nesse setor de trabalho, de
redução dos níveis salariais.
outro, foi geralmente admitida a elevação relativa
do custo de vida. Daí, como consequência, aceitar-
se como ponto pacífico a necessidade de se Esta redução provocou consequências
reajustarem os salários aos preços correntes das diferenciadas no nível de vida da massa
utilidades. Discrepâncias surgiram, contudo, na trabalhadora: aqueles que conseguiram se
avaliação do encarecimento real do custo de vida. A manter nas moradias com aluguéis antigos
Associação Comercial de São Paulo e a Federação do puderam, em linhas gerais, conservar seu nível
Comércio do Estado de São Paulo, procedendo a um de vida, repassando os “prejuízos” aos
estudo meticuloso do problema, chegaram à proprietários das casas: os que chegavam à
conclusão de que, realmente, certos artigos metrópole como migrantes em meio a este
experimentaram uma majoração de 300, 400, 600, processo ou aqueles que eram despejados ou
e até mais de 1.000%. Estas cifras podem “vendiam" seu direito aos aluguéis congelados,
impressionar ao primeiro relance, mas não no entanto, só conseguiam uma moradia
representam senão um aspecto do panorama dos pagando um aluguel (diluído ou concentrado sob
preços. Com efeito, há a considerar que certas as diversas formas de luvas) muito mais elevado
utilidades de importância decisiva no orçamento - o que evidentemente trazia consequências
doméstico, como a habitação, por exemplo, quase negativas ao seu nível de vida. Criam-se,
que estacionaram. O aumento dos aluguéis, por portanto, condições económicas para o desen-

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RH
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década dc 40
li. ' i
f: I

volvimento e a proliferação de novas “soluções” período populista como um todo, não se pode
habitacionais de baixo ou nulo custo monetário. dizer que houve um rebaixamento acentuado do
salário mínimo, o que aparentemente contraria
A questão do rebaixamento salarial a que nossa hipótese.
acabamos de nos referir merece melhor
explicitação. Normalmente costuma-se avaliar Uma análise detida dos níveis do salário
a variação dos índices salariais reais pela mínimo, entretanto, traz elementos mais
U í'■ oscilação do salário mínimo. Este, entre 1940 e consistentes para pensar a questão. Quando da
1964, assinalou algumas quedas pronunciadas fixação do salário mínimo em 1940, seu valor
(como durante o governo do General Dutra) e foi estabelecido tendo por base, aproxima-

Ir recuperações, atingindo o pico na segunda


metade da década de 50. Se for considerado o
damente, o mínimo que já se pagava para os
trabalhadores urbanos, isto é, sua fixação não

V: - •
i EVOLUÇÃO DOS SALÁRIOS REAIS DE DIFERENTES CATEGORIAS
(1940-1960)

s 1940
1942
1943
Salário
Mínimo

100
82
80
Operário
Comam

100
Operário
Qualificado

100
104
Ferroviário

100

82
Funcionário Funcionário
Padrão ME” Padrão “O”

100 100
Jl ■ 1944 85 87 85
I ■ 1945 68 79 78 89 80
ti ■■ 1946 60 92
1948 42 79 78 72
I íI 1951
1952
38
101
67

1953 83 68 71 38
1954 97 87 68
! 1955 101 87 62 28

h: 1956 120 102 91 117 73 36

ir
I SJ
1957
1959
125
122 89
90
80 87 52 25

31
•? 1960 102 92 88 46

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Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década de 40

elevou substancialmente os salários existentes, trabalhadores já instalados na metrópole; os


como vimos na tabela 3.2. Este fato confere novos contingentes - que são a maioria neste
pouca importância, para o que se discute aqui, período de grande crescimento industrial - não
ao não rebaixamento absoluto dos níveis do mais encontraram casas de aluguel a um preço
salário mínimo neste período. O fato é que a compatível com seus salários achatados e
redução salarial dos contingentes de calculados segundo índices de aluguel
trabalhadores mais qualificados e melhor congelados. Tiveram, então, que procurar
remunerados podia ocorrer sem atingir o mínino soluções habitacionais piores - seja moradias
legal. Desta forma, a fixação do salário mínimo alugadas em condições mais precárias, seja
combinada com o rebaixamento salarial do moradias com outro estatuto - construção de
setores mais qualificados “igualou reduzindo o casa ou barraco próprio na periferia ou favelas.
preço da força de trabalho, como mostra Oliveira
(19 71:12). A evolução do salário mínimo e dos Como foi visto, a iniciativa privada promoveu,
salarios reais de diversas categorias de até a década de 40, a construção de um grande
trabalhadores, apresentada na tabela 3.6, mos­ número de moradias de aluguel, oferecendo um
tra claramente este processo. leque de opções habitacionais para as várias
faixas de renda então existentes, incluindo os
Estas digressões sobre a evolução do salário operários com alguma qualificação, empregados
são importantes pois o rebaixamento dos níveis em geral, funcionários públicos e baixa classe
de remuneração da força de trabalho atinge média. O processo de rebaixamento salarial que
principalmente o setor de trabalhadores com descrevemos afetou fortemente estes setores,
alguma qualificação - que tende a se ampliar deixando-os de fora - por incapacidade de
pela incorporação de novos contingentes pagamento - das novas formas de atuação dos
incrementais à medida que a indústria cresce e empreendedores imobiliários privados baseados
se diversifica. O congelamento dos aluguéis pode na produção de unidades habitacionais para a
ter garantido - ao menos parcialmente - a venda. Apesar disto, os inquilinos desta faixa de
manutenção das condições de vida para os renda que conseguiram resistir ao despejo foram

REAJUSTES SALARIAIS PRETENDIDOS


PELO SINDICATO DOS MESTRES E CONTRA-MESTRES DE FIAÇÃO E TECELAGEM
1945

Salários Reajuste

até Cr$ 600,00 70%


de Cr$ 601,00 a Cr$ 800,00 60%
de Cr$ 801,00 a Cr$ 1,000.00 50%
de Cr$ 1.001,00 a Cr$ 1.500,00 40%
+ de Cr$ 1.501,00 fixo de Cr$ 400,00

Fonte: Correio Paulistano 31/8/1945


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Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década dc 40
I

beneficiados com aluguéis baixos ou mesmo, em


certos casos, puderam adquirir a casa em que
moravam, pois proprietários sem alternativa
para reaver seu imóvel, muitas vezes propunham
a venda ao próprio locatário, em condições AUMENTO SALARIAL CONCEDIDO AOS
facilitadas. EMPREGADOS EM HOTÉIS E SIMILARES
7 945
Os aumentos salariais concedidos sobretudo
na conjuntura do pós-guerra contribuíram
fortemente neste processo. A política de rea­ Salários até CrS 450,00 45%
justes salariais “em cascata”, ou seja, diferen­ de CrS 450,00 a CrS 600.00 40%
ciados por faixa de renda prejudicou acentua- de CrS 601.00 a CrS 750,00 35%
damente o setor de trabalhadores melhor de CrS 751,00 a CrSl 000,00 30%
remunerados. Esta forma de atualização salarial,
de CrSIOOO.OO a CrS 1500,00 25%
justificada como forma de privilegiar os
trabalhadores pior remunerados, representava, de Cr$1501.00 a Cr$2000.00 20%
de fato, a manutenção dos níveis pré-existentes deCr$2000,00 a Cr$3000,00 15%
1 •*' para os setores de salários mais baixos e tendia de Cr$3001,00 a Cr$5000.00 10%
a igualar os “menos pobres” aos "mais pobres". Fonte: Correio Paulistano 14/7/1945
Nas tabelas contidas nesta página e na descrição

REIVINDICAÇÕES DOS EMPREGADOS DO COMÉRCIO


E PROPOSTAS DOS EMPREGADORES
i-f 1946
Remuneração Reivindicações Propostas dos
dos empregados empregadores
• fe até CrS 600,00
CrS 601,00 a CrS 750,00
100%
90%
60%
50%
CrS 751,00 a CrS 1.000,00 80% 40%
f. CrS 1.001,00 a CrS 1.500,00 70% 30%
CrS 1.501,00 a CrS 2.000,00 60% 20%
CrS 2.001,00 a CrS 3.000,00 50% 10%
+ de CrS 3.000,00 fixo de CrS 1.800,00

Fonte: Correio Paulistano 22/11/1946


A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

a seguir, onde são apresentadas reivindicações Nessa pesquisa Nogueira analisou as


ou acordos de reajustes salariais, nos anos de diferenças entre os operários que moravam perto
1945 e 1946, vê-se como este expediente se ou longe da fábrica, estudada. Verificou-se que
processou. os operários que moravam nas imediações da
fábrica, permaneciam mais tempo na fábrica,
Aumento dos funcionários públicos: moravam em casas de aluguel - pagando menos
do que os inquilinos distantes - iam a pé para o
serviço e nada gastavam, demoravam cerca de
“O aumento será, para os pequenos funcio­ 12 minutos no deslocamento, apenas 36%
nários. para os que receberem mensalmente até almoçava fora de casa; já os que moravam
Cr$ 4 50,00, de cerca de 50%. As porcentagens distante habitavam mais em casas próprias, iam
seguintes serão de 3 5%. 2 5%, 20% e finalmente de transporte coletivo para o trabalho^
10% para os que têm maiores vencimentos". demorando, em média, uma hora, gastavam
(Correio Paulistano 24/8/1945) 4,1% do orçamento familiar em condução, todos
almoçavam fora de casa e o número de
Creio já ter me extendido demais na questão, retardatários era treze vezes maior do que entre
que parece estar esclarecida. A redução salarial, os que moravam perto do serviço (Nogueira
que afetou fortemente os setores melhor 1949:43/44). As*conclusões, portanto, ad­
remunerados dos trabalhadores, buscava vertem para os problemas que o fim do con­
garantir altas taxas de acumulação, ao mesmo gelamento dos aluguéis iria gerar entre os
tempo em que se procurava impedir uma queda operários que se localizavam próximos à fábrica,
generalizada das condições de vida da classe que seriam obrigados a se mudar para mais
trabalhadora, através de medidas aplicáveis na longe, perdendo produtividade.
esfera do consumo de bens populares.
Assim como a Lei do Inquilinato agia
Nesta perspectiva. os empresários capi­ procurando garantir mínimas condições de
talistas seriam os maiores interessados nos habitação a custos compatíveis com a cada vez
aluguéis baixos. De fato, a Fiesp e os órgãos a menor capacidade de pagamento dos traba­
ela ligados tiveram papel destacado na defesa da lhadores - dentro de uma política governamental
Lei do Inquilinato, tendo atuado politicamente demagógica, com características populistas,
para manter o congelamento dos aluguéis. apoiada pelas entidades de representação dos
empresários indústriais -, estes órgãos patronais
Conforme informou o pesquisador Oracy também agiam diretamente para reduzir o custo
Nogueira, em entrevista ao autor, a realização de alimentação do trabalhador. 0 SESI, por
pela Escola de Sociologia e Política de uma exemplo, criou em 1946 inúmeros “Postos de
pesquisa sobre as condições de moradia dos Abastecimento" que visavam distribuir e vender
trabalhadores de uma indústria têxtil de São a baixos preços produtos alimentícios de
Paulo, em 1948. foi financiada pelo Serviço So­ primeira necessidade a operários industriais.
cial da Indústria (Sesi) com o objetivo de levantar Também nesta época foram criados alguns
dados que justificassem a posição da entidade em restaurantes populares, para fornecer refeições
defesa da prorrogação da Lei do Inquilinato em a baixo preço aos trabalhadores.
1950. De fato, nas conclusões da investigação,
o autor é explicito na defesa da manutenção do Estas iniciativas mostram como se visava
congelamento ao afirmar que “uma súbita tratar a reprodução da força de trabalho:
elevação dos preços do aluguel de casa poderia ter achatamento salarial e criação de expedientes
forte repercussão, determinando uma súbita na esfera do consumo para impedir a queda das
mobilidade espacial e de emprego entre os operários" condições de vida da classe trabalhadora. É neste
(Nogueira 1949:44). sentido que o congelamento dos aluguéis se

ilfi

o
R
I■ A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:
Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década dc 40

insere numa política económica mais geral, para outros ramos. No entanto, a própria
- única razão, no meu entender, que justificaria elevação dos valores locativos que pela
sua manutenção por tanto tempo. diminuição da oferta naturalmente ocorreria,
tenderia a manter ligada ao negócio uma
A segunda forma através da qual a Lei do significativa parcela de investidores - princi­
Inquilinato teria se constituído num ins­ palmente aqueles que não desenvolvessem já
trumento da política económica seria na alguma atividade produtiva que requeresse capi­
perspectiva de desestimular os investimentos tal. Isto é, mesmo que os rendimentos das casas
imobiliários para dirigir os recursos internos, de aluguel tivessem sofrido uma queda relativa
sob a forma de capital, na implementação e em relação a outros negócios, se não houvesse
fortalecimento do parque industrial. A Lei do nenhum mecanismo regulador dos valores
Inquilinato, ao reduzir a rentabilidade da locativos, o setor tenderia ainda a continuar
locação, limitar drasticamente a liquidez do atraindo um significativo volume de investi­
imóvel locado e trazer incerteza e insegurança mentos.
futuras, cumpriu plenamente este papel.
Por outro lado, assiste-se durante todo este
Pelo menos até meados da década de 30 período ao esforço governamental para
investir em casas de aluguel era uma alternativa implementar o setor industrial, encontrando
bastante rentável. A ampla gama de opções esta política, no entanto, uma série de
habitacionais que podia ser produzida para dificuldades, entre as quais, o fato do país não
aluguel - desde casas ou apartamentos resi­ contar com “magnitudes prévias de acumulação
denciais para a classe média até pequenos capitalística" (Oliveira 19 71), isto é. com capi­
cômodos de aluguel em fundo de lote, passando tal em volume compatível às necessidades de
por vilas, cortiços - páteo e conjuntos de casas expansão industrial. Assim, para viabilizar a
geminadas - dava margem para que qualquer política de desenvolvimento industrial que não
investidor, independentemente do volume de contava ainda com uma maciça presença do
“capital" que dispusesse, entrasse no negócio. capital estrangeiro, seria necessário concentrar
Isto é, a rentabilidade propiciada por este tipo os recursos internos existentes e que,
de investimento, em relação ao "trabalho" que naturalmente, não se inclinariam aos
dava, ao pequeno risco que implicava e ao empreendimentos industriais dada atração que
reduzido grau de complexidade do negócio, os negócios imobiliários exercia sobre os
.1 aliado à excelente valorização futura, era investidores.
bastante atraente. Em épocas de reduzida
inflação, estes empreendimentos apresentavam Lembremos que neste período o próprio
uma rentabilidade da ordem de 12% a 18% ao Estado passa a investir maciçamente na
$ ano, ou ainda mais, praticamente sem risco de implantação de grandes projetos industriais,
perda do investimento, garantindo ainda o criando empresas estatais que pudessem
usufruto da valorização da terra onde se desempenhar um papel de grande importância '■

localizasse o imóvel. Estas condições preva­ no desenvolvimento industrial. 5


leceram até meados da década de 30, garantindo
uma produção regular de moradias de aluguel Nesta perspectiva, a Lei do Inquilinato seria
para as diversas faixas de renda. mais um instrumento da política económica que
visava reforçar a inversão de capital nas
Com as modificações das condições eco­ empresas que operavam de acordo com a nova -
nómicas a partir do final da década - incremento base de acumulação. Neste particular, ela se
da inflação e desenvolvimento industrial - seria constituiu em mais uma das várias medidas
de se presumir que uma parcela dos inves­ tomadas no período pós-3O visando substituir os
timentos aplicados neste negócio tendesse a fluir mecanismos de mercado por controles Ê

■ Ir 1:1
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

administrativos e fazer a economia funcionar de para renda" colocados à venda. Eram pro­
forma não-automática (Oliveira 1971). Assim, os prietários que, embora procurassem se desfazer
investimentos que. segundo os automatismos do negócio, viam ainda condições de
económicos da base anterior, se dirigiriam para comercializá-los para o mesmo fim.
a locação, seriam canalizados para as empresas
centrais do sistema que se engendrava. Procu­ Pouco mais tarde, sobretudo a partir de
rava. portanto, com uma medida de controle dos 1945/6, a prática passou a ser a venda dos
aluguéis, impedir o funcionamento dos meca­ imóveis locados não como "prédio para renda",
nismos naturais de mercado, visando a imple­ mas para outros fins, ou seja, para a renovação
mentação de um novo patamar de acumulação. da construção, para mudança de uso ou a venda
separada de várias casas geminadas para futuros
Efetivamente, as consequências desta medida pequenos proprietários, que usariam o imóvel
atestam claramente sua eficiência pois, embora para residência própria. Uma pequena amostra
o déficit de casas de aluguel fosse imenso, de anúncios da seção de classificados de jornais
sobretudo durante a década de 40 - como diários evidencia estas tendências:
veremos - a insegurança que se gerou impediu
um fluxo normal de investimentos para o setor.
Ao contrário, assistiu-se a uma permanente
desmobilização dos investimentos já crista­
lizados em casas de aluguel. A princípio, nos
primeiros anos de vigência do congelamento,
ocorreu um aumento do número de “prédios

ANÚNCIOS DE PRÉDIOS PARA RENDA À VENDA

Local Renda Anual Preço de Venda Rentabilidade


Cr$ Cr$ Anual
R. Franco da Rocha 24.000 400.000 6%
Campos Elíseos 12.000 320.000 3,75%
Santa Cecília 14.400 450.000 3,2%
V.Pompéia (6 casas) 21.600 250.000 6,0%
V. Mariana (7 sobrados) 27.700 310.000 8,6%
V. Pompéia (10 casas) 24.000 400.000 7,0%
Liberdade 64.380 850.000 7.6%
Brás (16 casas, 2 armazéns e 48 casas int.) 168.000 2.500.000 6,7%
Vila Mariana (4 casas) 144.000 200.000 7,2%
Vila Pompéia 30.000 320.000 9,4%

Fonte: 0 Estado de S. Paulo (7/11/1943)

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T

.1 A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:


Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década dc 40
r

O ESTADO DE S. PAULO, 22/11/1942 DIÁRIO POPULAR. 2 7/11/1946

Vende-se prédios p/ renda . Vendem-se um grupo dc 3 casas velhas,


. R. Cotoxó - 2 casas térreas próprio para construção sita à R. Major
. R. Tacuna - 4 sobrados Angelo Zanchi 886/92
. R. Cotoxó - 2 armazéns e 2 sobrados . Casas - Vendo grupo de 3 na rua da Mooca.
. R. Antonio de Barros -10 prédios
. Bela Vista - 3 prédios de habitação coletiva
. V. Pompéia - 11 sobradinhos DIÁRIO POPULAR. 26/10/1946
. Sta. Cecília - 2 ótimas casas.
. Vendo 6 na Mooca juntas ou separadas
. Sobrados
Em novembro de 1943, quando os aluguéis Vendo um na Mooca/Dois no Brás, próximo
já estavam há anos congelados, o rendimento a avenida/Cinco noTatuapé. Vendo também
dos imóveis locados não atingia jamais 10% ao casas pequenas, no Belém. Mooca e Brás
ano, em relação ao preço de venda pedido, desde Cr$ 60 mil p/ cima
chegando a cair a pouco mais de 3%, em alguns . Casas - 6 juntas
casos desta lista, anunciada no "0 Estado de S. Vende-se uma vila com 6 casas. R. Porteiras
Paulo". É de se presumir ainda que o preço de 69
venda pedido por um imóvel alugado a valor . Construções
Vendo conjunto de construções adaptáveis
bi( antigo fosse mais baixo que o preço de um prédio
em igual condição desocupado, o que mostra ser a uma fábrica.
mais baixa ainda a rentabilidade real o negócio.

Em 1946,0 rendimento de um prédio locado O ESTADO DE S. PAULO. 06/06/1946


a preços antigos já era tão baixo que eram raros
os anúncios de venda de "prédios para renda", . Terreno na Penha - Vende-se
preferindo os proprietários colocar os imóveis à 350m2 em rua calçada tendo 4 casas velhas
venda sem destacar o fato deles estarem servindo bonde a porta. Próprio p/ uma indústria.
como prédios de aluguel, embora as caracte-
rísticas dos anúncios denunciem claramente sua
situação. O ESTADO DE S. PAULO. 24/05/1946
!
. Terreno para indústria
O ESTADO DE S. PAULO. 08/05/1945
f Vende-se magnífico terreno à Av. Carandiru
com várias casas servido com ônibus na
. Belém - Terrenos com casas
porta, luz, força, rua calçada.
R. Serra da Bocaina, 177. Local próprio para
. Terreno - Casas velhas
indústria.
a 80m do Largo do Cambuci c/ 100 milhares
de tijolos antigos com bonde e ônibus na
porta.
í DIÁRIO POPULAR. 02/08/1946

11 .
Vende-se prédios e terrenos.
Vendo tudo com facilidade de pagamento. 18
prédios à R. Visconde de Parnaíba, junto à
R. do Hipódromo em terreno de 2.400 m2
R. Don Bosco, 19 prédios no começo da R. da
Enquanto os propretários de casas de aluguel
procuravam desmobilizar o "tesouro” subita­
mente empobrecido, surgem novos e atraentes
convites à aplicação de capital.
Mooca em terreno de 25x95.

nm

J
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

"Ter Economias para Empregar incentivo à aplicação de capital em projetos


A economia é o primeiro passo para o triunfo. industriais - são complementares, isto é, um
Mas guardar economias indefinidamente é constitui uma das fontes alimentadoras do
marcar passo, pois para que cumpra sua outro. Por exemplo: dos 120 primeiros subscritos
função útil à economia deve ter emprego de de São Paulo da Cia de Cimento Portland Paraná,
segura e rápida valorização. Tal é a em organização durante 1943, nada menos que
oportunidade oferecida pela Cia de Cimento 2 5 declaravam, como “profissão", serem
Portland São Paulo. Possuindo inesgotáveis proprietários. Esta empresa garantia no mesmo
reservas de calcáreo em Itapeva está se manifesto que a indústria de cimento
aparelhando para a industrialização inicial possibilitaria, em tempos normais, 30% de
de 8.000 sacos diários de cimento. Suas ações rendimento-sobre o custo de produção e colocava
de 200 cruzeiros são recolhidas diretamente à venda 150.000 ações de Cr$ 200,00 cada.
pelos bancos nacionais, dão ensejo à
valorização rápida e segura de suas Os dois aspectos aqui levantados e que
economias pois para o cimento, não há apontam para o caráter de instrumento de
problema de venda" . política económica da Lei do Inquilinato
favoreceu de forma particular a empresa indus­
trial. Esta beneficiou-se de uma mão-de-obra que
Anúncios como estes são comuns durante a se reproduziu com menores salários e recebeu
década de 40. num esforço de constituição de um afluxo mais intenso de capital. A FIESP, ao
empresas com a colaboração de pequenos se pronunciar várias vezes a favor da lei,
investimentos, ou seja, de concentrar os recursos mostrava o apoio e a sustentação que o setor in­
internos para o setor industrial. A Companhia dustrial dava à iniciativa governamental e
Siderúrgica Nacional, empresa estatal de explica sua permanência por mais de vinte anos,
grandes proporções, criada durante a guerra, é justamente o período quando se buscou
um excelente exemplo de como a partir de promover uma industrialização alicerçada em
pequenas economias foi possível construir um capitais nacionais.
grande complexo industrial. Constituída sob a
forma de sociedade anónima, a Cia Siderúrgica Da mesma forma como a Lei do Inquilinato
foi formada com o capital inicial de 500 milhões desestimulou a produção imobiliária, o governo
de cruzeiros, totalmente nacional, distribuído tomou, a partir de 1945, inúmeras medidas para
por ações ordinárias - subscritas pelo Tesouro restringir o crédito hipotecário, também com a
Nacional e por mais de 22.000 brasileiros - e intenção de impedir que a poupança do país se
ações preferenciais - subscritas por alguns dirigissse para este setor tão atrativo. O resultado
Institutos de Pensões e Aposentadorias e pelas foi uma redução da construção que afetou
Caixas Económicas Federais do Rio e de São principalmente os trabalhadores e a classe
Paulo (O Estado de S. Paulo). Vê-se, portanto, média.
que além dos vinte e dois mil acionistas, as
Caixas Económicas e o lAPs participaram
significativamente do empreendimento, mos­
trando a grande importância que teve a cen­
tralização de pequenas ou grandes poupanças ou AFINAL: QUAL É A DESTA
das constribuições de todos os trabalhadores aos LEI DO INQUILINATO?
Institutos num projeto de implantação indus­
trial de grande porte.
Instrumento de defesa da economia popular;
Certamente estes dois processos simultâneos estratégia de destruição da classe improdutiva
- queda acentuada por controles institucionais dos “rentiers” urbanos; medida de controle do
da rentabilidade na locação imobiliária e grande custo de reprodução da força de trabalho;

ren

■ta mb
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:
Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década dc 40

instrumento de política económica para acelerar como um migrante que chegava a São Paulo em
o crescimento do setor industrial: forma de busca do maior parque industrial da América
legitimação do Estado populista. Latina, como anunciavam os bondes, ou como i
um inquilino que acabava de ser despejado: sua
Todas estas justificativas explicam a primeira pergunta: Onde Morar?
emergência e permanência do congelamento dos
aluguéis. A complexa composição política do
Estado Novo e do “regime democrático” pós-45
permite que cada medida adotada pelo Estado
responda a interesses diferentes e contraditórios
entre si. Neste complexo jogo de interesses não
resta dúvida que os proprietários de imóveis de
locação perdem e que os empresários urba­
nos,em geral, lucram de forma inequívoca. 0
projeto de promoção de uma industrialização
que permita a “substituição das importações”
parece também ser o grande vitorioso nesta
questão.

Pode-se, também, levantar a hipótese de que,


a cada subperíodo, esta legislação teve uma i

razão principal que a determinou, alterando-se


ao longo dos seus vinte e dois anos de existência,
o jogo dos interesses que determinavam sua
permanência. Assim, na sua decretação em
1942 e nos anos seguintes, teria pesado mais a
preocupação com a proteção dos inquilinos e, a
partir do governo Dutra, sua manutenção deveu-
se a ela ter se tornado um instrumento de
política económica, respaldada inclusive nas
conclusões da Comissão Mista Brasil-Estados
Unidos que, como será visto no próximo
segmento, recomendou medidas para restringir
a especulação imobiliária. É certo que o apoio
dos empresários industriais e o clima dema­
gógico que esteve presente neste período dava
enorme respaldo político à manutenção da
legislação.

Resta saber, entretanto, qual foi o efeito da


legislação nas condições de vida e no cotidiano
dos trabalhadores. As classes populares, um dos '
pilares ou talvez o pilar mais importante da
estrutura política do Estado populista, vão sofrer
de forma diferenciada os efeitos desta medida.
Para sentir bem de perto estes efeitos vamos nos
aproximar mais concretamente do cotidiano da
cidade na década de 40. Vamos nos aproximar

IKVl
A Crise de Habitação
dos Anos 40

"Em todas as cidades de maior importância no uma conjuntura específica criada pelas
Brasil está se processando um fenômeno de . consequências económicas da 2a Guerra
escassez de residências, especialmente para Mundial, foi estrutural, parte integrante dos
atender ás necessidades das classes médias e j novos rumos que tomava a economia e a
operárias(...)O mais rudimentar dos analistas sociedade brasileira. “A falta de residências quer
se defronta com a questão: antigamente, jornais 1 em São Paulo, quer no Rio de Janeiro ou em outras
incluíam páginas de anúncios populares, i cidades importantes do Brasil (...)não foi criada pela
oferencendo casas e cômodos para alugar; o preço ■ guerra, mas apenas agravada por eia.” (Associação
era razoável e ninguém retardava uma mudança Comercial 1944a:4)
que precisasse fazer, ou era despejado, porque
vencido o prazo dado pelo senhorio para A forte crise de habitação que atingiu os não
desocupar o imóvel para obra ou servir de proprietários em todas as cidades brasileiras a
moradia para ele, não tivesse encontrado um partir dos anos 40 e que será detalhada neste
outro teto de acordo com seus desejos ou segmento enfatizando particularmente o caso de
necessidades. Depois, pouco a pouco, foram São Paulo, não foi meramente resultado de uma
surgindo os anúncios de vendas e das situação conjuntural. Embora possa ter ocorrido
incorporações, e hoje estes superam, nítida e uma menor produção de moradias frente ao
decisivamente, os aluga-se "(O Observador crescimento da população em decorrência da
Económico Financeiro n° 128 ano XI set. falta de materiais provocada pela guerra (como
1946) havia, de uma maneira geral, escassez, câmbio
negro e especulação de todos os bens de
\ “ A década de 1940 marca um conjunto consumo populares), o fato é que a crise dos anos |
\ expressivo de transformações nas alternativas 40 foi antes consequência de modificações
^^habitacionais em todo o país. Esta trans- estruturais no sistema produtivo do país e nas J
7 formação, embora fortemente influenciada por formas de provisão de moradia,

im
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40
>

industrialização, o crescimento demográfico de


í I WW-flK no I [£Sâo Paulo entre 1940 e 19 50 foi intenso,
passando de 1.3 milhões para 2,2 milhões (IBGE
1940 e 1950). O incremento de 900 mil
diam
habitantes novos, na maioria migrantes,
I comowmató Um dos cartazes
sobre a greve bran­ significava uma necessidade adicional mínima
InnecesWèin ca contra o câmbio de 1 80 mil novas moradias, sem contar o déficit
negro. já existente e o número nada desprezível de
I Orçfa A aWqfãt | prédios demolidos, considerando-se o "boorn"
imobiliário do período e as desapropriações
realizadas para obras viárias. No entanto, na
F 'da rfafução década de 40 foram construídos, no total, cerca
de 120 mil prédios, número portanto muito
aquém do que seria necessário para abrigar este
enorme incremento populacional.
I!» I independiam dessa conjuntura e se situavam no

I' • contexto do “início da predominância da estrutura


produtiva de base urbano-industrial". (Oliveira
4-1971:10).

A situação é analisada com clareza pelo


Este desequilíbrio entre oferta e demanda de
moradias pode ser explicado pelo fato de que. no
quadro das modificações estruturais por que
• passava a economia do país, a produção de
habitação não era considerada um setor
>1 Boletim Semanal, da Associação Comercial de
São Paulo: “verificou-se um grande êxodo de parte
prioritário de investimento, devendo ser
desestimulada. As restrições à produção de
da população rural do Estado para os centros I moradias de aluguel e ao financiamento para
UR wjS urbanos, principalmente a capital, com incorporações imobiliárias expressavam esta
v .
l* •'
superpopulação forçada de todos os bairros. Essas política.
levas humanas, que vêm procurar serviço na
indústria e comércio, onde encontram possivelmente Era necessário, entretanto, viabilizar de

I
ganho mais remunerador do que o vigorante nas alguma maneira o alojamento de uma
zonas de produção agrária, entram a competir com quantidade expressiva de trabalhadores e de uma
a massa de inquilinos já fixados, na conquista de crescente classe média necessários à estru-
um aposento (...). 0 desenvolvimento da nossa -k turação da economia urbano-industrial: “(...)a
indústria, que se encontra atualmente numa
conjuntura favorável, com a ampliação de mercados
li consumidores dentro e fora do país, não pode
||r prescindir de mão de obra abundante e capaz. Mas Abertura da Praça Clóvis Bevilacqua (1942)

I b■ ao mesmo tempo, a população operária cada vez se


sr
K; 1
III: sente mais angustiada com a falta de moradias que
atendam a um mínimo de conforto e higiene(...). Os
cortiços da cidade andam abarrotados. Há famílias
numerosas que apelam para o aproveitamento de
á- ji U ••

garagens abandonadas e até barracões de emergência


(...). Guardadas as devidas proporções, o mesmo
problema existe em relação às classes médias." * ...
(Associação Comercial 1944b:30)

T De fato, como centro mais importante de um


J__país que realizava uma política dirigida para a F i
è

rm

j
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década de 40

necessidade do aumento de edificações úteis está


estreitamente relacionada com imperativos
fundamentais do nosso desenvolvimento económico.
Não queremos dizer que a falta de habitações seja
causa da escassez de trabalhadores que nos últimos
anos sc vem notando neste Estado. Mas não há
dúvida de que ela acaba pesando, mais ou menos
nesta escassez. Todavia, é preciso ter em vista que
boa habitação é parte essencial (...) para que um
trabalhador possa ter suas energias restauradas,
pelo bem-estar, a fim de desempenhar suas tarefas
com rendimento satisfatório(...). Parece-nos bem
visível que a falta de moradias é nociva à
economia geral (Associação Comercial
1944a:3/4)

"Os aviões da Vasp representam


r Vivia-se. portanto, uma situação
uma garantia de vida.
contraditória: para financiar a mon­ Inòí» Pnitlo
As ações da Vasp representam
tagem do parque industrial brasileiro era
uma garantia de capital.
preciso reduzir a forte atração que a
propriedade imobiliária exercia como
campo de investimento, mas a indus­
trialização requeria a viabilização de con­ in-
dições básicas de sobrevivência dos traba­ t e r-
lhadores nas cidades, particularmente a criação venção pú­
de novas formas de produção da habitação que blica ocorreu si­
não requeresse investimento privado. multaneamente à uma febre imobiliária, de
caráter especulativo, resultado do forte cres­
A forte crise de moradia dos anos 40 é cimento do meio circulante no país, provocado
consequência deste quadro: embora os pelas condições económicas geradas com a
mecanismos de desestímulo à produção habi­ guerra. Merece destaque, também, no quadro de
tacional privada já tivessem sido lançados, a alterações do mercado imobiliário dos anos 40,
partir de 1942, com graves consequências para a consolidação de uma modalidade nova de
a produção rentista de moradia e, portanto, para empreendimento: as incorporações destinadas
os inquilinos e migrantes récem chegados, principalmente aos setores de renda média e
apenas se ensaiava iniciativas de produção de média alta.
moradia pelo Estado, que nunca deixaram de ser
de pequena expressão quantitativa apesar de seu O cenário da crise, portanto, é complexo e ■
significativo impacto político e, sobretudo, de diversificado. Numa conjuntura dramática de
alojamentos pela própria a população, nas falta de bens de primeira necessidade, câmbio
favelas e loteamentos periféricos. negro e especulação e de crescimento acelerado
da população urbana, potencializado pelas
~ É importante ressaltar, por outro lado, o migrações internas, ocorria escassez de
agressivo processo de renovação dos centros moradias, despejos, formas disfarçadas de
urbanos das principais cidades brasileiras, neste aumentos de aluguel - como luvas e ágio - /
período, marcado por demolições e pela atingindo sobretudo as zonas mais consolidadas j
implantação de grandes obras viárias, como as da cidade.
realizações de Prestes Maia em São Paulo. Esta

rra

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Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40
!■


Sem acesso às formas tradicionais de falta de mais seguro e rendoso empate de capi­
provisão de moradia, a população trabalhadora tal, os arranha-céus erguem-se às dezenas,
■ ■
criava favelas ou buscava os loteamentos de orgulhosos e indiferentes aos míseros mortais
I periferia, em assentamentos onde devia
/ que não dispõem de posses para habitá-los.
ir confeccionar uma alojamento precário num Incomensurável quantidade de pequenas casas
II' t contexto em que inexistia qualquer equi­
pamento ou infraestrutura urbana. Finalmente,
desaparece e mais e mais se agrava a crise de
habitações, já por si acentuada pela contínua
há grave crise no transporte urbano, fortemente afluência de gente do interior, em busca de
afetado pela falta de combustível decorrente das melhores condições de vida(...). Então surgem
restrições à importação, pela decisão da Light de os barracões, as favelas, em um canto qualquer.
deixar a gestão do sistema de bondes, pela Assim fica-se abrigado ou. pelo menos, tem-se a
desorganização do sistema de ônibus e pela impressão. E a crise de habitação continua,
ampliação desproporcional da área loteada da

iic
porém não para os moradores da original
cidade. ‘Avenida Prestes Maia" - grupo de barracões
construídos no terreno baldio da Av. do Estado-
! Mas, enquanto os problemas urbanos afe- que a resolveram a seu modo." (Hoje 4/11/
I tavam dramaticamente os trabalhadores, São 1945)
Paulo é renovada e embelezada por novas
avenidas e arranha-céus, num contexto de
r. desenfreada especulação imobiliária e IV. '
^crescimento da produção industrial. Este cenário
contraditório e ambíguo de crise e progresso
emoldurou a mais importante transformação na
forma de morar dos trabalhadores de São Paulo.
o--* K s
RENOVAÇÃO URBANA,
"BOOM" IMOBILIÁRIO 3
E A CRISE DE HABITAÇÃO

"Quem retorna, depois de um certo período de


ausência, surpreende-se ante a radical
í
Abertura da Avenida Itororó, provo­
transformação por que passou a capital. Mesmo cando a derrubada de alguns quar­
os que aqui residem não escapam à sensação de teirões no Bexiga.
estar em cidade estranha, em cidade
moderníssima(...).A picareta faz milagres da
noite para o dia. 0 centro, principalmente,
modificou-se de tal forma que, às vezes, nos A primeira metade da década de 40 é •
atrapalhamos quanto ao caminho a seguir para marcada por grandes transformações nos
chegar a determinada lugar. Apesar da guerra ou centros das grandes cidades brasileiras. São J
porisso mesmo, São Paulo vai, pouco a pouco Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Campinas e outras,
alçando-se à categoria de grande cidade, como administradas por prefeitos nomeados pelos
Nova York, Buenos Aires, Montevideo e Rio de interventores do Estado Novo, passam por um
Janeiro. No dinâmico esforço do prefeito Prestes radical processo de cirurgias urbanas (Bonduki
Maia, cooperaram os lucros extraordinários. (...) 1980 e 1982, Osello 1982, Leme 1990 e 1992,

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Lei do Inquilinato e Crise dc Habitação na Década de 40

Outtes 1992, Melo 1992). Estas intervenções,! espaço construído e no aprofundamento da


que fundamentalmente se caracterizaram pela transformação nas formas de provisão de
ampliação dos centros urbanos e pela abertura , habitação, ligados à emergência de novos ciclos
de grandes avenidas e consequente renovação I financeiros (Ribeiro 1989, Melo 1992, Somekh
urbana e dos edifícios, corresponde à estru­ 1987, Souza 1989).
I
turação de uma nova etapa das cidades brasi­
leiras - sob o signo da modernidade - prepa- Estas modificações, associadas à conjuntura
rando-as para viabilizar a circulação motorizada da guerra, que gerou grandes superávits na
e uma nova fase de empreendimentos imobi­ balança de comercial, inflacionou a base I
liários. a incorporação de arranha-céus. monetária e levou a um forte crescimento do ! ■

crédito, provocaram um processo desenfreado de j


Este novo ciclo de cirurgias e renovações^ especulação imobiliária: "a corrida para osj?
urbanas correspode à implantação de uma : imóveis constitui um dos fenômenos mais
modernidade metropolitana, cujos símbolos são o j assinalados de nossa economia nestes tempos de
automóvel, os arranha-céus e a arquitetura; guerra. Os proprietários querem (...) saborear a
moderna. O conjunto de intervenções operadas valorização que calculam ter beneficiado seus
no Estado Novo substitui a modernidade neo- prédios. Os portadores de capital (...) precisam estar
à espreita das boas oportunidades" (Associação
Comercial 1943a). "Há dinheiro demais, possi­
bilidades anormais de financiamento, margens
muito atraentes de lucro para os capitalistas(...).
Há os estrangeiros, que preferem comprar imóveis

>3 <’ -jfl


a ter o dinheiro nos bancos e, finalmente, a
remodelação da cidade, feita em grandes proporções,
com a destruição de dezenas de quarteirões no
centro, o que criou problemas sérios e concorreu para
/ valorizar naturalmente as zonas que escaparam
imunes". (Associação Comercial 1943b)

Os anos de guerra são marcados por uma


elevação brutal das transações imobiliárias e dos
valores dos imóveis. 0 aumento do meio
circulante foi a principal causa desta febre, que
reforçou a já enorme importância que o
imobiliário tinha como foco de investimento:^)
I
"até a década de 40, o circuito imobiliário constituía
clássica e higienista , implantada também através um locus privilegiado de investimento de massas de
de ações autoritárias nas duas primeiras décadas
capital, dinheiro gerado em operações mercantis,
do século, na maior parte das cidades brasileiras
industriais ou agrícolas. Na ausência de um mercado
(Pereira Passos no Rio de Janeiro, Duprat em São de capitais - só viabilizado em 1965 - que permitisse
Paulo, Dantas no Recife, Seabra em Salvador uma transferência intersetorial entre agentes
etc), e que se caracterizaram como um económicos, a propriedade imobiliária urbana era
movimento de des-címstxiição da cidade colonial um ativo quase financeiro de alta liquidez por
(Melo 1992). ---------
excelência." (Melo 1992:148)

Não é o caso de detalhar aqui estas reali­


A ampliação do crédito, com a reorganização í
zações, mas apenas mostrá-las como um das Caixas Económicas, que destinam cerca de |
elemento potencializador das mudanças que já 60% de seus empréstimos ao crédito imobiliário [
se processavam na produção e apropriação do

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Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

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(Orfando 1943), a ação dos Institutos de fácil imaginar o efeito que publicações desta
Aposentadoria e Pensões, que como veremos natureza exercem no espírito de proprietários e
adiante, financiou através do Plano C, uma portadores de capital." (Associação Comercial
quantidade enorme de incorporações prin- 1944c:6).
\ cipalmente no Rio de Janeiro e a atuação de
; organizações privadas, como as companhias de Por outro lado, a procura por imóveis teve
.seguros e os bancos especializados em créditos como efeito um crescimento acelerado da |
‘..hipotecários (Ribeiro 1989) multiplicou as construção de edifícios de apartamentos em re­
possibilidades de inversão imobiliária. gime de incorporação destinado a venda, que se
consolidou no período, como mostra Ribeiro
V Os efeitos deste inusitado processo de (1989).
especulação imobiliária no custo da habitação
foram muitos fortes. 0 congelamento dos As incorporações deram a impressão, pela
aluguéis buscou, de certa forma, brecá-lo (foi presença destes arranha-céus na paisagem da
j^sua intenção declarada) mas, como veremos cidade, que ocorria também uma febre de /
I adiante, foi insuficiente pois ocorria uma construções; os dados mostraram, entretanto, J
: procura por imóveis sem precedentes, que não que neste período da guerra caiu acentua-
' poderia deixar de gerar aumento dos valores dos damente o ritmo de edificação em São Paulo,
, imóveis de todo tipo: "Há alguns dias vimos em sobretudo devido à escassez e encarecimento do J
jornal desta capital certo anúncio declarando que material de construção. Gerou-se, portanto, um 1
um escritório de corretagem de imóveis tinha 12 movimento contraditório: aceleração da
milhões de cruzeiros para aplicação em prédios. É construção dos arranha-ceús na área central e I

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destinados a investidores ou para as faixas de especulação imobiliária encontrou nesse conjunto de


renda mais elevadas e contração na edificação circunstâncias um clima adequado à sua proli­
de outros tipos de prédios de fins residenciais, feração. " (Engenharia num.41, Ano IV, Vol Iv Jan
desestimulados pelo congelamento dos aluguéis. 1946:164)
Esta redução que. por um lado, agravou a crise
de habitação, constituiu-se, por sua vez, num dos As desapropriações e demolições provocadas
fatores que gerou um excedente financeiro cujo pela obras de abertura das avenidas, por sua vez,
destino acabou sendo a especulação imobiliária alimentaram a especulação e criaram uma ainda
pois “o capital que seria normalmente empregue na i maior escassez de prédios. A situação se agravou
construção se dirige agora para a compra de imóveis a ponto de surgirem propostas que defendiam a
jã construídos, engrossando a procura." paralisação da intervenção urbana: “A política de
embelezamento ou se pratica em época oportuna ou
O processo evidencia-se na tabela 3.11, onde é duplamente prejudicial aos interesses gerais do
é apresentada a evolução das construções e das povo e da economia do país. Primeiro, picareta
transmissões imobiliárias no período de 1939 a derruba edifícios úteis, aumentando o déficit de
1944, mostrando-se que enquanto reduz-se, a espaço disponível para moradia ou para atividades
partir de 1942, o ritmo de edificação ocorre uma produtivas comerciais e industriais. Segundo,
intensificação das transmissões imobiliárias. através de vultosas desapropriações alimenta a
inflação monetária que o país atravessa, quando o
Assim,”(...) a partir de 1 942, a atividade cons­ próprio governo federal estabelece, de acordo com
trutora na Paulicéia decresceu, em flagrante as classes produtoras, medidas de combate a ela. Em
contraste com o nosso adensamento demográfico, o outras palavras, os poderes municipais tiram, por
que teve por consequência determinar uma assim dizer, de circulação económica, bens úteis e
verdadeira inflação nos preços das casas e produtivos, para injetar mais dinheiro no já inflado
residências, assim individuais como coletivas. A meio circulante. Se a inflação se enfrenta pelo

EVOLUÇÃO DAS CONSTRUÇÕES E DAS TRANSMISSÕES IMOBILIÁRIAS EM SÃO PAULO


1939/1944

Número de Transmissões
Construções índice em Cr$1.000.000 índice
1939 10.183 111 392 112
1940 11.183 125 411 117
1941 11.819 128 573 164
1942 7.509 82 685 196
1943 7.197 78 1.130 323
1944 7.385 80 1.825 521

Fonte: Associação Comercial e PMSP in Engenharia N. 41,VoI IV. ano IV Janeiro 1946
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4
aumento de bens produtivos c da produção de bens sua decretação a propriedade imobiliária
de consumo, demolir imóveis edificados c ocupados continuava a atrair fortemente o investimento,
significa fazer o contrário. Pois os edifícios de mesmo que fosse para deixar os imóveis
morada ou de trabalho são bens produtivos. (...) A desocupados, como reserva de valor. Assim,
primeira atitude do Estado, durante uma inflação, como observa Melo (1 992), "enquanto em 1 939
deve ser a de economizar. 0 Estado deve ainda as novas construções respondiam por apenas 20%
empenhar-se em obter os bens que necessita pelo do investimento nacional privado, em 1947 esse
preço mais baixo possível(...).Desapropriar imóveis valor era estimado em 47%. ”
em momento de valorização excepcional, é fazer o
contrário de tudo isso, além de favorecer a No entanto, de modo coerente com a hipótese
especulação no mercado financeiro.” (Associação que levantei a respeito de uma das causas que
Comercial 1944a:4/5) teria levado o governo Vargas a desestimular a
locação de imóveis, ou seja, atrair capitais para
I Não tardou para que se percebesse que o o investimento industrial, o Estado brasileiro
; aquecimento do mercado imobiliário desviava também impôs fortes restrições ao crédito-
capitais que eram necessários para financiar a imobiliário a partir do final da guerra.
montagem do parque industrial brasileiro e da
infraestrutura para o desenvolvimento: “somas Como mostra Ribeiro (1989). o governo
avultadas de capital são imobilizadas em prédios ou suspendeu os financiamentos das incorporações
terrenos.quando poderiam desempenhar um papel concedidos pelos Institutos de Aposentadorias e
muito mais benéfico ao nosso desenvolvimento Pensões, que ademais sofriam forte oposição da
económico se empregadas na extração de nossas opinião pública: tomou-se medidas de restrição
riquezas naturais, na industrialização, no ao crédito hipotecário concedido pelos bancos e
melhoramento dos transportes, no comércio." (As­ pelas entidades particulares, através da
sociação Comercial 1943b: 18). De fato, mal­ manutenção de baixas de juros: os bancos foram
grado a Lei do Inquilinato, nos anos seguintes à proibidos de realizar redescontos dc duplicatas

4
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medidas com vistas à contenção da expansão do
crédito imobiliário e o consequente desvio de
recursos para o financiamento do parque industrial
brasileiro.
meio m^tis vantajoso
de adquirir a :•“</
Próprtà Mais ainda, se formou, no interior do Estado,
e o p/ano yy um setor que representava interesses industriais
1 e que disputou os recursos manipulados direta
ou indiretamente pelo poder público (como os
fundos dos Institutos de Aposentadoria e Pensões
e das Caixas Económicas) para o financiamento
industrial. Esta posição teria sido reforçada pela
avaliação realizada pela Comissão Brasil-Estados
Unidos (Missão Abbink),que atribuia ao desvio
de recursos gerados na indústria e no comércio
para o imobiliário como um dos importantes
empecilhos colocados à industrialização
brasileira, conforme revela Otávio Gouveia
Bulhões, um dos seus integrantes (apud Ribeiro
1989:2 5 7): "uma segunda dificuldade consite na
forte atração da propriedade imobiliária como campo
de investimento dos lucros da indústria, comércio e
exportação agrícola.Esta atração tem sido de longa
duração mas tornou-se particularmente evidente
durante o pós-guerra. A concentração do potencial
de investimento brasileiro na construção de edifícios
(...) forma de investimento que contribue em menor
escala para um desenvolvimento económico
emitidas pelos incorporadores: com objetivo de equilibrado do que muitas outras - tem sido julgada
combater a inflação é paralisado o finan­ por todos os observadores como sendo um dos mais
ciamento imobiliário e, finalmente, na década sérios desajustamentos económicos experimentados
de 50 foram instituídas medidas que restrigem durante a guerra. Foram vários os fatores que
a aplicação das reservas técnicas das compa­ contribuíram para essa situação. (...) Surgiu assim
nhias de seguro no financiamento imobiliário. < um boom especulativo, que o controle do aluguel não
conseguiu deter."
Este arsenal de medidas reforça a hipótese de j
que o governo buscava desestimular de todas as Como mostra Ribeiro (1989), as medidas
formas possíveis o investimento imobiliário, se tomadas pelo governo para restringir o crédito
contrapondo à atração que naturalmente o setor promoveram uma verdadeira desvalorização do
exerceria sobre os investidores privados. Esta capital de empréstimo, nos casos dos finan­
hipótese é defendida também por Ribeiro"^ ciamentos com prazo de 15 anos, gerando em­
(1989:2 58): "Com base no argumento de que a préstimos a prazos cada vez mais curtos e a juros
construção habitacional mobiliza de forma pouco cada vez mais elevados. O resultado é uma~^|
produtiva uma parcela considerável da poupança crescente dificuldade dos setores médios terem I
nacional, ganha espaço no interior do Estado, acesso a um financiamento habitacional, que I
sobretudo no governo Dutra, a posição defendida ficava restrito aos setores de renda mais alta. A J
pelos grupos ligados aos interesses da nascente falta de alternativas para a classe média, numa /'
indústria brasileira. Isto implica na adoção de conjuntura de escassez de moradia de locação,

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pressionava o valor dos aluguéis, inclusive os de está mesmo condenada a morar na rua." (Correio
baixa renda, agravando a crise de habitação. Paulistano 28/7/1946)

A existência por mais de vinte anos de uma


Lei do Inquilinato que supostamcnte visava
O COTIDIANO DO INQUILINO: proteger os inquilinos esteve longe de lhes
garantir tranquilidade. Como toda medida de
VIOLÊNCIA, DESPEJOS natureza legal que contraria as regras de
E LUVAS NA PRÁTICA mercado, a Lei do Inquilinato não impediu o
DA LEI DO INQUILINATO surgimento de uma série de mecanismos e
expedientes que visavam contrariar o espírito
legal; neste caso, garantir aos proprietários
"OS DESPEJOS UNEM OS PAULISTANOS" melhores condições de remuneração para a
locação de seus imóveis.
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"As ações de despejos unem a população da


Paulicéia. Diariamente sobe e desce as escadarias do Efetivamente, as regras da lei eram tão
Palácio da Justiça uma multidão de velhos, moços, draconianas para os proprietários que seria
homens e mulheres que ali vão com as notificações ilusão ou ingenuidade supor que estes \
em punho: nos lábios a pergunta inquieta: ‘ONDE simplesmente se contentariam a ter seus •
MORAR?’: na frente dos olhos um futuro sombrio. rendimentos declinantes mês a mês, durante
É que diariamente são requeridas ações de despejo décadas, sem encetar qualquer iniciativa para
pelas mais diferentes alegações desmoralizadas: dar melhor aproveitamento ao seu património,
‘Quero o prédio para meu uso': ‘Para uso da minha que potencialmente se valorizava excep- ‘
família'; ‘para construir uma obra de vulto'. Desta cionalmente com a febre da especulação imo- j
maneira são postos abaixo (quando o são) desde a biliária. O mesmo ocorria com os proprietários 2-
favelinha da rua Assembleia, porque as favelas não que, malgrado as limitações impostas pela lei,
existem só da Várzea do Penteado, até o prédio de se dispusessem a alugar um imóvel para fins /
apartamentos da Praça da República. A população residenciais: com a perspectiva de futuro decrés-,_

IFCT
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/ cimo dos valores locativos e com a escassez da maneira mais sórdida e tão fértil foi a colheita do
! generalizada de moradias era lógico que eles crime que da proibição legal de se elevarem os í
criassem condições que lhe favorecessem no ato aluguéis, encontraram meios de obter lucros e
r da locação. aumentos compensadores e imediatos que, dentro da
lei, não poderiam auferir.” (OOEF 1945:39)
O dia a dia do locatário no período de vigência [Locação de Imóveis in O Observador Económico
da Lei do Inquilinato era. portanto, marcado por Financeiro N° 119, Ano X, dez. 1945] í!
investidas dos locadores para reduzir a queda da
remuneração de seus imóveis e para isto todos A maior parte das artimanhas para burlar o
os expedientes legais, ilegais, violentos, coer­ espírito da lei passava pela ameaça verbal ou
citivos ou amigáveis podiam ser utilizados. física de despejo ou por sua solicitação legal, pois
no quadro de falta de moradia, a possibilidade
“Foi por isso que o congelarnento dos aluguéis de ficar sem a moradia que já ocupava repre­
não chegou a produzir os efeitos benéficos que sentava para o inquilino uma situação deses-
deveria trazer. Não respeitaram a lei; fraudaram-na peradora. Já para o proprietário, livrar-se do

4 mil ações de despejo em pouco mais de 6 meses


OS DESPEJOS *lb IflR I r
UNEM OS
PAULISTANOS

Do Palacio da Justiça à realidade da vita


dt >X'\ das anxs &•.» lh»l .«ufcrr a ki d" ir.quilinalw — Sim! (Sx i. ■ .
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locatário antigo significava dar outro destino qualquer recibo - ou mediante a venda de móveis,
para o imóvel, certamente com melhor cortinas, tapetes, estatuetas, geladeiras, rádios
remuneração. etc(...). As luvas em dinheiro tiveram começo com
o congelamento dos aluguéis (...). Foi o recurso de
Assim, frente à impossibilidade de atualizar que se valeram os proprietários para aumentar os
os aluguéis, os locadores montaram diversas aluguéis, uma vez que legalmente não o podem
i estratégias para fazer seus rendimentos fazer." (OOEF 1945:39) [Locação de Imóveis in
crescerem, o que passava geralmente, pelo 0 Observador Económico Financeiro N° 119,
desalojamento dos antigos moradores. Nos Ano X, dez. 1945]
•«
primeiros tempos de vigência da lei. os
expedientes utilizados são ainda grosseiros; à Como a exigência de pagamento em dinheiro
medida que os anos passam e o congelamento de luvas era ilegal e poderia render a quem a
permanece, estes mecanismos se sofisticam com praticasse até mesmo a prisão, a venda de
a participação de escritórios de advocacia que móveis, objetos e outros trastes geralmente
se especializam neste tipo de causa. inútéis a preços extorsivos como condição para
a locação, tornou-se uma prática absolutamente
Logo no início de 1943, a Superintendência comum, sendo difícil encontrar algum anúncio
em jornal oferecendo casas para alugar sem esta

I
de Segurança Pública e Social teve notícia de
numerosos casos de arbitrariedades praticadas por exigência, verdadeiro instrumento de câmbio
senhorios, com o propósito de compelir inquilinos a negro das locações: "Casas, cujo aluguel era de Cr$
mudar-se ‘espontaneamente’sempre que não 500,00, só eram alugadas mediante a venda de
encontram amparo na lei para proceder ao despejo móveis, cortinas e outras quinquilharias pelo preço
legal. O destelhamento de casas, a danificação de inconcebível de 15, 20, 30, 40 e até 70 mil
fogões e dos canos das instalações de água e esgotos cruzeiros." (OOEF 1945:39).
constituem as principais violências que vem sendo
praticadas por proprietários."(Correio Paulistano É certo que este expediente de alguma
29/1/1943). 0 objetivo dos senhorios era óbvio: maneira compensava prejuízos futuros na
sem poder atualizar os aluguéis nem despejar locação, mas ele também tinha limitações
legalmente o inquilino, tentavam provocar sua óbvias: quanto um inquilino podia pagar de
retirada por atos violentos para, numa nova luvas, numa única parcela, para adquirir o
locação, beneficiar-se de um mercado direito de assinar um contrato de aluguel?
amplamente desfavorável aos locatários. Apenas uma classe média com alguma
capacidade de poupança, o que limitava
Frente ao desequilíbrio entre oferta e sensivelmente a demanda e a restringia a um
procura, os proprietários ou locadores que setor social melhor remunerado.
insistiram em se manter neste ramo de
investimento passaram a exigir como indis­ De qualquer forma, a dificuldade inicial era
pensável para fazer a locação uma prática até se livrar do inquilino antigo pois os casos de
então restrita principalmente aos aluguéis despejos legalmente permitidos eram bastante
comerciais: a cobrança de luvas. "Ninguém ignora restritos, limitando-se, como vimos nos vários
(...) que proprietários de residências de aluguel dispositivos legais que trataram do assunto, aos
exigem vultosas importâncias a título de luvas em proprietários que provassem ter necessidade do
troca do aluguel de uma casa de segunda classe. imóvel para uso próprio ou de ascendente e de
Essas luvas são cobradas de duas formas; ou, descendente (na maior parte do período) e aos
simplesmente em dinheiro pelos senhorios, - proprietários que fossem demolir a edificação
hipótese em que estes somente as recebem a portas para construir outra de “maior vulto”.
fechadas, a sós com o futuro inquilino, que lhe
entrega a importância independentemente de Estas limitações levaram, nos primeiros tem-

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Lei do Inquilinato e Crise de Habitação na Década de 40

pos de vigência da lei, parte dos proprietários a aparecer firme no cumprimento da lei,
agir com violência para compelir os inquilinos interpondo seu aparato institucional e repressivo
a "voluntariamente” deixarem suas casas. Como como intermediário entre proprietários e
as burlas à Lei do Inquilinato eram consideradas inquilinos, ao mesmo tempo em que reafirmava,
crime contra a economia popular, estes atos nem neste campo como na legislação trabalhista, sua
sempre surtiam o efeito esperado, princi­ imagem de protetor dos fracos (operários,
palmente quando o inquilino resistia a estas assalariados, inquilinos, massas urbanas).
arbitrariedades. Assim, segundo determinações Assim, por exemplo, quando os proprietários
do Superintendente da Segurança Política e So­ tentavam elevar aluguéis ou forçar a
cial, “os senhorios que destelharem ou depredarem desocupação ilegal do imóvel, bastava uma
os seus prédios, para forçarem a mudança dos denúncia na Delegacia de Ordem Económica
inquilinos serão detidos e obrigados à restauração, para que a polícia obrigasse o locador a restituir
reafirmando-se que não assiste ao locador ou as condições anteriores de locação, enqua­
sublocador o direito de interromper o forcecimento drando-o em crime contra a economia popular.
de luz, gãs ou água aos prédios ou É certo que este discurso duro do governo estava
cômodosf...)."(Correio Paulistano 29/1/1943). distante de sua efetiva ação para coibir
ilegalidades neste campo; no entanto, ele tinha
O governo, pelo menos na retórica, buscava o papel de gerar no inquilino uma noção de que

Dezenas de pessoas ameaçadas de despejo


pedem, agora, apenas um pequeno prazo para a mudança
M MFRtiSAs tMKr l’ES<OAS QIE () PRÚPRICTAIiKl QLEK DESPEJAR. A FIM DE CONSTRUIR
DE HLItr Mlb 5U DIA> DF FNPEPuA, SENHORES JUZES, E ELES SE SENTIRÃO FELIZES, APESAR DE JDJ

« á i

"Ao alto à esquerda, várias moradoras do cortiço da rua Fortaleza, 160; em baixo também à esquerda,
dona Anunciata quando informava ao repórter que nem todas as informações eram certas... Ao centro,
dona Anunciata Visconti, viúva com 70 anos, faz tricô para esquecer que vai ficar sem casa. À direita,
ao alto, um grupo de crianças que ficarão sem casa e, em baixo, as vítimas palestrando com o repórter."

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ALGUNS DESPEJOS REALIZADOS ENTRE 1945 E 1947


Local Caractcrísticas Número de Data Motivo Alegado Caractcrísticas Obs.
dos Prédios Pessoas ou do Proprietário
Famílias

R. Aurora 460 Prédio de Mais de 100 CP 13.10.46 Novos proprietários do Antigo proprietário Inquilino resolve
(prédio Majcstic) Apartamentos (50 pessoas prédio querem vendê-lo vendeu-o ao agir c protestar
aptos) em condomínio. Consórcio Nacional denunciando no
de Terrenos S/A jornal indo a
Delegacia de
ordem economica.

Pça Mal Dcodoro Prédio de 50 famílias CP 26.10.46


(Ed. Pirineus) Apartamentos

I
Rua Sena Vários Inquilinos CP 28.07.46
Madureira 117
Pça da República Prédio de 57 famílias CP 28.07.46 O novo proprietário (Sr. O inquilino resiste a
401/411 (Palacete Apartamentos Zarvos) quer demolir o um ano (uma outra
Campinas) prédio para fazer uma parte, porém, já saiu)
“Obra de Vulto"(Hotel
com 4 lojas embaixo
204
quartos/garagem/13
pavimentos).
Rua Aurora 843 e CP 28.07.46
865

1 Lgo Riachuelo
190 R. Sto
Esses edifícios
estão geralmente
60 pessoas
50 pessoas
CP 14.07.46 Quarteirão
desapropriado pela
Prefeitura Abraão
Ribeiro após a fase
Amaro 34 R.Sto ocupados por 34 pessoas Prefeitura. Não se sabia cirúrgica de Prestes
Amaro 58 (e mais casas de comodos nos 3 bem porque (Paço Maia: alaguns dias
112 prédios) no e pensões, onde primeiros Municipal ou Estação depois com
quarteirão "moram lado a endereços central da Cia mobilização a
■t formado pelas lado a Municipal de Prefeitura suspende a
Ruas Sto. superlotação e a Transportes. todas as ações de
Antônio. Sto. pobreza." despejo por 6 meses.
Amaro. Viaduto
J acarei e Lgo.
:=' Riachuelo
Ed. Jaú Lgo da Edifício de 75 famílias CP 14.12.46 Vão vender o prédio em Proprietários Moradores
Polvora Apartamentos condomínio (os antigos esperavam aumentos formam uma
(moradores: inquilinos tem maiores de 15% na comissão para
denúncia e

I
funcionários prioridade em renovação da Lei do
públicos, igualdade de condições) Inquilinato. Como divulgação.
comerciários e só 10 famílias tem não veio resolveram

1
trabalhadores condições de comprar abandonar o
especializados (13%). negócio. Os
(ordenados proprietários são
modestos) riquíssimos e não
dependem desses
aluguéis para tirar os
mesmos da
subsistência.
Rna Anhangabaú Edifício de 100 famílias 20.12.46 Vão vender o prédio em Raríssimos poderão
797 (Prédio apartamentos condomínios. comprar o
Ipiranga Assad) apartamento em que
residem.

rm
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

ALGUNS DESPEJOS REALIZADOS ENTRE 1945 E 1947


Local Caractcrísticas Número de Data Motivo Alegado Caractcrísticas Obs.
dos Prédios Pessoas ou do Proprietário
Famílias

Rua Aurora 3 34 Casarão com CP 21.7.46 Transformação do Antigo proprietário Motivo real do
porão cortiço em pensão iniciou a ação de despejo: aumento
Cortiço despejo, mas morreu: do aluguel. Um
os donos novos a dos despejados
continuaram. pagava 70
cruzeiros pelo
comodo do porão
e agora teria que
pagar CrS 12,00
por dia por pessoa,
isto é CrS 720.00
por mês.
Rua Muller 302 CP 14.7.46 A casa foi derrubada.

Grande Hotel Compra do prédio


Faria (Radial pela Cia. Nacional
Norte (?) de fiação(para
Tiradentes (?)) instalar os
escritórios)
Rua Gomes Prédio Velho (casa 4 famílias CP 17.11.46 Demolição para Propriedade dos 4
Cardim de 5 cômodos) (núcleos) de construção de novo prédios. 0 português
uma só prédio. Manuel Rodrigues
família Gaspar irá
extensa. derrubá-los.
Rua Gomes Propriedade dos 4
Cardim 302 Rua prédios. 0 português
Gomes Cardim Manuel Rodrigues
318 Rua Gaspar irá
Uruguaiana 180 derrubá-los.
Rua Ana Neri 208 Cortiço 13 famílias CP 22.12.46

Rua José Maria Casa 1 família CP 2.12.47 Novo proprietário da Inquilino resiste.
Lisboa 976 casa quer nela residir, Conta com
posto não ser dono de advogado. Alega não
residências onde mora, encontrar casa.
Av. Ipiranga Ed de aptos. Um dos
1138 inquilinos
resistiu mais
de 1 ano ao
despejo. Só
saiu
Qnalmente
com força
policial.
Rua Visconde de Um cômodo 1 familia CP 3.7.46 Pediu o cômodo para Proprietário é uma A proprietária,
Taunay residência de uma neta, italiana viúva de 85 descoberta, está
Posteriormente anos. sendo processada
alugou-a a um por infringir a lei
estranho do inquilinato.
Rua Barra funda 4 casas 40 famílias
843 e 845

rm
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:
Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década dc 40

1
ele tinha direitos e que, portanto podia resistir a demolição de antigas construções destinadas ao
arbitrariedades dos proprietários. aluguel com o objetivo de dar uma nova
destinação aos imóveis, como a incorporação de
Longe estava o governo, no entanto, de ga­ edifícios de apartamentos para venda, cons­
rantir uma situação tranquila para o inquilino. trução de armazéns, fábricas, áreas comerciais
Muito pelo contrário: o Estado delimitava etc.
claramente o terreno onde o conflito entre o
inquilino e o proprietário se daria: o campo das Meio legal para restituir o direito de
artimanhas e brechas judiciais. Assim, os propriedade, os despejos cresceram e foram se
advogados dos proprietários foram desen­ tornando um tormento permanente para quem
volvendo uma série de expedientes jurídicos para vivia em moradia alugada, à medida em que os
possibilitar o despejo legal. Embora os casos de anos foram passando e ia ficando claro aos
despejos previstos na lei fossem restritos e de proprietários que a lei de proteção ao inquilinato
difícil aplicação, sobretudo quando o pro­ não era uma medida de emergência e que tinha
prietário locasse diversos imóveis (não seria vindo para ficar.
possível alegar necessidade de uso próprio ou
para os filhos em dezenas de imóveis), estes Não foi possível obter uma série histórica
advogados encontraram inúmeras brechas na geral do número de ações de despejos e do
legislação que possibilitava aos juízes mais número total de famílias desalojadas neste
liberais despacharem favoravelmente ao despejo. período crítico da crise de habitação dos anos 40.
Em 1945, foram assinadas pelos juízes 2.614
É bom ressaltar que as várias leis do inqui­ ações de despejo, número que subiu a 5.121 em
linato, aprovadas pelo Congresso a partir de 1946 e que atingiu somente em janeiro de 1947,
1946 sob um clima de forte pressão dos "lobbies” 491 casos, totalizando em 2 5 meses, 8.226, ou
de inquilinos e proprietários, sempre deixaram seja uma média de 329 despejos por mês
* alguma porta aberta que permitia aos pro­ (Correio Paulistano). O número é muito sig­
prietários que dispussessem de recursos para nificativo, posto que uma única ação podia
pagar um escritório de advocacia especializado, significar o despejo de várias famílias (caso dos
levar adiante um demorado processo de despejo, cortiços) e que estas são somente as ações que

utilizando-se via de regra argumentos falsos: chegaram a julgamento, existindo número
“penso que somente em 30% das ações de despejo indeterminado de despejos que possam ter se
haverá sinceridade(...). O restante não passa de ardil efetivado sem passar pelo Tribunal.
para elevação do aluguel, declarou um advogado
que tratava do assunto.” (Correio Paulistano 2/ De qualquer maneira, 8.226 despejos
■ 2/1947). representavam, no mínimo, 45 mil pessoas que
ficaram desalojadas no curto espaço de dois
Uma das alegações mais frequentes era uma anos, numa conjuntura de absoluta carência de
suposta necessidade do imóvel para a construção moradias na cidade. "A quem deve recorrer o infeliz
de uma obra de maior dimensão. Para tanto era que fica sem teto? (...) Não há casas! Não há
preciso apresentar uma planta aprovada na cômodos!" (Correio Paulistano 23/8/1946) Os
Prefeitura. Não foi possível auferir, quanti­ despejados não tinham qualquer chance de obter
tativamente, em que medida este expediente uma nova moradia por um preço sequer próximo
acentuou a renovação de edificações nestas ao que pagavam: “O despejo equivale a uma
condições. No entanto, não resta dúvida de que sentença de morte contra dezenas de inocentes",
este fator se sobrepôs a um processo mais geral clamava um advogado numa petição em que
de valorização do preço de terra nas áreas solicitava pela permanência dos moradores de
urbanas mais centrais e consolidadas e de um cortiço (Correio Paulistano 20/8/1946).
especulação imobiliária, que eram contempo­ Para os inquilinos de renda mais baixa, a
râneos, agindo no sentido de estimular a situação era dramática: dificilmente poderiam

IFt:l
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

í lysniinr.i. TI <|> f'?i j.Ku-zf.c


ll. !' >•! |||- r.M.l ÍÇ4II [IZ. 11151'IUII

Despejaram apenas o chefe da família!


r i\r c .i filhínli.i ilu c.iwl [.udenim uuitinuar rwardo znçwrtoy>r:.'j da nnAun-n, 3J1

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7:- J ■
"A mulher e a filhinha do casal
puderam continuar morando no
quarto do porão da rua Aurora 334." Kxfeaiáo C£|tjrxl

7;':


•A.V;
t > w •• f- •. .. w :»
. I
!

continuar morando nas mesmas condições, pois condomínio e colocar à venda, individualmente,
mesmo que fossem procurar outra moradia de os apartamentos: ‘‘uma comissão de moradores do
valor de aluguel mais alto, dificilmente eles prédio sito à rua Aurora 46O(...)veio protestar
tinham disponibilidade para pagar as luvas. contra uma nova forma de coação que estão sendo
vítimas por parte dos atuais proprietários para o
Para os inquilinos, portanto, o despejo era o encarecimento dos aluguéis. Estes (...) não
martírio: num cortiço na rua Barão de conseguindo majorar os aluguéis acima do permitido
Piracicaba, “nada mais de 86 pessoas foram postas pela lei resolveram por à venda em condomínio os
na rua, sem mais aquela, não tendo possibilidade de apartamentos fixando (...) um preço que não pode
maneira alguma de arranjar um teto para se ser pago pelos inquilinos. Feito isto, o proprietário
abrigar." (Correio Paulistano 14/7/1946); fez circular entre os moradores uma carta em que
“algumas dezenas de inquilinos do cortiço da Rua dava o prazos de 24 horas para eles se habilitarem a
Fortaleza 160 vêem-se na contigência de serem adquirir o apartamento pela soma estipulada, pois
postos hoje ou amanhã na rua sem ter para onde ir." senão seriam vendidos para terceiros (...). Os
(Correio Paulistano 27/8/1946): “pois se eles não moradores deste prédio resolveram enfrentar essa
tem para onde ir, como poderão desocupar o prédio extorção que estão sendo vítimas, comparecendo à
onde moram?" (Vieira 1946). Delegacia de Ordem Económica para apresentar
queixa contra esses exploradores que estão tentando
coagi-los a comprar os apartamentos sob ameaça de
Enquanto nos cortiços, localizados despejo, numa época em que tão presente é o
geralmente nos antigos bairros populares em problema da habitação nesta capital." (Correio
torno do centro, os proprietários optavam pela Paulistano 13/10/1946)
demolição dos antigos imóveis visando a
construção de prédios novos, nos edifícios de
apartamento de aluguel, mais comum entre a Apesar dos protestos dos moradores, nadai
classe média, uma das soluções que os senhorios havia de ilegal na ação dos proprietários; apesar
encontraram para reaver seu património da Lei do Inquilinato ter restrigido drasti-
subitamente desvalorizado era transformá-lo em

m
IR

A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:


Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década dc 40

Ç camente prerrogativas clássicas do direito de


propriedade, este nào havia, de forma alguma,
f’■ * 111
IR I? 2
sido eliminado. Assim, o proprietário, que
Plegalmente nào tinha como obter o despejo, po- I ■ & !
• dia vender livremente os apartamentos, desde d
que desse prioridade aos inquilinos. A ação de
despejo caberia, entào, ao novo proprietário que.
se tivesse adquirido o imóvel com o fim de habitá- MÍ *. H
lo, certamente teria sucesso. Percebe-se, por­
tanto, que a Lei do Inquilinato, ao mesmo tempo
% 01 R ■ \í
em que buscava impedir que investidores v-o 1

l
vivessem da renda imobiliária, estimulava a
i difusão da pequena propriedade urbana e da
i casa própria, aspecto plenamente coerente com
discurso conservador do Estado Novo, que via
ff
||r *! I / %
' I
3V
I
como fator de estabilidade social e política a
transformação do trabalhador num proprietário,
í Evidentemente, o preço de venda de um
I . I ■ ¥1 3
' apartamento de aluguel congelado caía
i substancialmente frente a um desocupado, Y

'*1 : significando uma espécie de confisco de parte do


valor do imóvel que o proprietário acabava por L
transferir involuntariamente ao comprador.
n
<®S-; <í>':'

F
j Mesmo assim, entretanto, muitos inquilinos
■ não conseguiaram manter a situação locacional "Os flagrantes de despejos se tornaram
que ocupavam ao serem compelidos a se comuníssimos em São Paulo. O fato
transformar em proprietários: "existe na levou um oficial de Justiça a dizer: Só dá
^'Paulicéia, no Largo da Pólvora, um edifício despejo Nesta Ibrra!"
denominado Jaú, habitados por 75 famílias cujos
representantes formaram uma comissão e
formularam uma queixa(...). Os proprietários
resolveram abandonar o negócio e vão vender o
tários, buscando exercer pressão sobre o governo
prédio pelo sistema do condomínio(...). Um balanço
e legislativo, para obter maiores vantagens na
cuidadoso dos moradores, levou-os a verificar que
legislação. Durante todo o período populista, o
talvez umas dez famílias, no máximo, possam
Congresso Nacional foi palco de uma acirrada
mediante sacrifícios enormes, adquirir os
1 disputa entre os defensores da manutenção da
apartamentos em que residem (...) As demais que se
lei de proteção ao inquilino e dos que se batiam
mudem e venham engrossar a legião dos sem-abrigo
pela liberalização da política do inquilinato.
paulistana." (Correio Paulistano 14/12/1946)
T'"’ Na conjuntura de forte crise habitacional da
A LUTA CONTRA OS DESPEJOS (segunda metade da década de 40, a grande
CHEGA AO CONGRESSO polêmica deu-se em torno da proposta de
( suspensão geral dos despejos. Vetado o aumento
dos aluguéis, o despejo era o único caminho que
Cos proprietários tinham para recuperar a
A crise de habitação se agravou de tal X_rentabilidade de seu património. Como vimos, a
maneira nestes anos que surge um forte conflito ( ameaça de despejo atingia uma quantidade
entre representantes de inquilinos e proprie- Imuito significativa de inquilinos. Assim, sua

■m

.i(<
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década de 40

I suspensão traria a tranquilidade para os população brasileira." (Dep. Benício Fontenele, I

locatários, ao mesmo tempo em que eliminaria Assembléia Constituinte 14/2/1946). "(..^Re­


qualquer alternativa de melhorar os rendi- queiro à Vossa Excelência determinar que seja
L-mentos dos locadores. encaminhado ao Senhor Presidente da República a
sugestão que faço, no sentido de, pelo prazo de um
i A renovação da Lei do Inquilinato em agosto ano, ou por que maior se entenda necessário para
I de 1946 foi um dos momentos em que se travou atenuar-se a atual crise de habitações fiquem em &
intenso debate sobre a questão. A maré dos suspenso todas as ações de despejos baseadas na Lei
despejos estava no auge: durante os primeiros do Inquilinato." (Requerimento n 113/1946,
seis meses e meio de 1 946, apenas em São Paulo, Assembléia Constituinte 3/5/1946)."(...)Em
tinham sido assinados mais de 4.000 despejos, apoio às considerações que tenho expendido em
processos que tinham sido acelerados inclusive torno do problema (suspensão dos despejos), tenho
em função do temor que a renovação da lei recebido ofícios e telegramas de numerosas
trouxe para os proprietários (Correio Paulistano associações de classe de todo o país, entre os quais
29/7/1946). peço permissão para assinalar : Federação dos
Empregados do Comércio do Norte e Nordeste,
Federação dos Empregados do Comércio do Rio
O governo Dutra, frente ao caráter polêmico Grande do Sul, Aliança, Solidariedade e Proteção aos
da questão, resolveu ouvir os vários setores Inquilinos do Rio, Centro dos Retalhistas do Ceará,
interessados e publicou o projeto de lei para Centro dos Inquilinos do Ceará, Associação dos
receber sugestões da população. Consta que fo­ Inquilinos de Campinas, Associação dos Merceeiros
ram enviadas mais de mil sugestões de todo tipo, do Ceará e outras." (Dep. Paulo Sarasate,
desde a revogação total da lei até a suspensão Assembléia Constituinte 11/6/1946)
dos despejos e sequestro das propriedades
desocupadas por mais de 60 dias. Associações
de proprietários e inquilinos se formaram em De outro lado, vozes se levantam em favor dos
todo o país para exercer pressão, como a Aliança, proprietários: "venho atender um apelo da
Solidariedade e Proteção aos Inquilinos do Rio, Associação Imobiliária da Bahia (...) em defesa da
que afirmava ter. em 1946, cerca de cinco mil classe dos proprietários de imóveis urbanos (...) é
sócios (Diretrizes 1946, apud Melo 1992) e preciso que volvamos as vistas para a injustiça
inúmeras entidades como sindicatos de clamorosa que ocorre de referência aos proprietários
trabalhadores, associações profissionais e de imóveis. Enquanto o preço de todas as utilidades
patronais se manifestaram procurando interferir cresce vertiginosamente, constrange-se o proprie­
na legislação, situação que se manteve durante tário de imóveis a estacionar a sua renda. “(...)
todo o período em que vigorou a lei. pequenos proprietários, auferindo renda que mal
basta à sua subsistência, são obrigados a manter os
alugueres de seus imóveis, enquanto os preços das
No legislativo, este debate repercutiu com demais utilidades se elevam, de tal modo que se
vigor. De um lado, os que defendiam os inqui­ estabelece o desequilíbrio na sua vida financeira (...).
linos: "trata-se de uma calamidade pública, isto é, Permito-me sugerir ao Sr. Ministro da Justiça que,
dos despejos em massa, de que estão ameaçadas ao elaborar a nova lei do inquilinato, tenha em vista
inúmeras famílias brasileiras, indefesas e a classe dos pequenos proprietários (...) não é
pobres(...). O trabalhador, o chefe de família pobre, possível dar à viúva, menores, incapazes que
não pode, com a autorização ou com a indiferença dispõem de renda mínima para sua subsistência, o
do Estado ou de suas autoridades, ser jogado à rua. mesmo tratamento dispensado aos proprietários de
O problema de habitação é de solução imediata. É arranha-céus. (...)Espero que o Sr. Ministro (...)
preciso suprimir cruéis dispositivos do Decreto-Lei procure encontrar em lei justa e humana, equilíbrio
6739 de 1 944 (...) em particular o artigo 8o (que entre os interesses dos locatários e locadores e, ■
trata dos despejos). São desumanos dispositivos sobretudo, encare a situação muito especial dos
que não podem permanecer para a tranquilidade da pequenos proprietários." (Dep. João Mendes,

rm
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:
Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década dc 40

I Assembléia Constituinte 23/7/1946). de aluguel. E. ao alterar em 1946 normas fixadas


dois anos antes, trouxe enorme dúvida em
Frente a tantas pressões, o governo agiu, relação à sua própria credibilidade, reforçando
y
neste momento de democratização do país, o sentimento de insegurança nos investidores em
abrindo-se a todo tipo de pressão para pos- moradias de aluguel.
teriormente decidir entre as alternativas que
tivessem o menor grau de resistência no Malgrado a renovação da lei em 1946, a
complexo jogo de interesses que girava em torno suspensão dos despejos continuou em pauta,
da questão.
■ pois o problema se agravava em todo o país. O
Congresso Nacional tornou-se, então, o palco de
Acabou legislando, no entanto, como no um permanente debate sobre a questão do
Estado Novo, ou seja por Decreto-Lei e, malgrado inquilinato, particularmente devido a apre­
as polêmicas em torno do assunto praticamente sentação, por parlamentares, de projetos-de-lei
manteve as mesmas condições da legislação que que objetivavam suspender os despejos e proibir
já estava em vigor: os aluguéis continuavam as demolições de prédios residenciais. Em
congelados (apenas foi permitido um irrisório novembro de 1946, o deputado paulista Cam­
reajuste para contratos anteriores a 1942 (15% pos Vergai apresentou projeto-dc-lei que proibia
de atualização para os aluguéis em vigor de 1/ por um ano a demolição dc edifícios de moradia
1/1939 a 1/1/1942 contra uma elevação do ou uso coletivo, com exceção dos que estiverem
♦r í custo de vida de 146% a 164% no período), os na iminência de ruir e as ações de despejo, salvo
despejos continuaram permitidos apesar da por falta de pagamento ou quando o proprietário
restrições e continuou válido o dispositivo que não tivesse outro prédio para morar (Assembléia
proibia os proprietários manterem desalugados Constituinte 1946). A bancada carioca do
e sem uso seus prédios por mais de 60 dias, sob Partido Trabalhista apresentou projeto
risco de pagamento de multa. semelhante e o debate sobre o assunto gerou
ainda muitos discursos, polêmicas e mobilização
de milhares de inquilinos: “Sr. Presidente, não
Em linhas gerais, portanto, o governo
poderia eu trazer a quantidade enorme de cartas,
manteve em 1946 uma ambigiiidade própria de
telegramas, abaixo-assinados e memoriais, muitos
Ki quem responde a vários interesses díspares:
deles subscritos por milhares de pessoas. Um deles,
atendia aos inquilinos e aos empregadores (a
porém, com nome e endereços de quase quatro mil
II FIESP tinha se manisfestado contra o reajuste
nos valores locativos), ao não autorizar a
pessoaos já foi por mim encaminhado às mãos de V.
Exma (...) sabendo perfeitamente que é uma
elevação dos aluguéis; permitia saídas aos angústia, uma dor ilimitada observar famílias
proprietários ao não proibir totalmente os inteiras na iminência de ser despejadas, sem ter
despejos; respondia à opinião pública revoltada absolutamente lugar onde possam abrigar-se, nestes
íí com os apartamentos vazios com sua proibição,
totalmente inóqua, visto que a punição era leve.
dias em que o problema da habitação se tornou
insuperável(...). ”(Dep. Campos Vergai, Câmara
dos Deputados 194 7). Malgrado um perma­
Apenas num aspecto a lei de 1946 trouxe nente processo de mobilização em torno da
uma novidade, que provocou mais confusão ao questão, não foi aprovado nenhum dispositivo
mercado: ao estabelecer que os aluguéis que proibisse de forma taxativa os despejos,
livremente convencionados a partir do decreto situação que perdurou durante todo o período
de 1944 (que, para estimular a construção, populista.
liberou os aluguéis dos prédios novos) não só não
podiam ser majorados como poderiam ser Permanentemente ameaçados pelos despe­
reduzidos numa arbitragem judicial. Esta jos, os inquilinos mesmo pagando aluguéis
medida mostrou que o governo não se preocupou irrisórios, não se sentiam seguros. A possi-
em estimular a construção de novas moradias

rm
1

A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:


Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

bilidade de ficar repentinamente sem alternativa í Nada mais propício para que se criasse um forte
de habitação, de ter que pagar vultosas luvas e processo de busca de alternativas capazes de
aluguéis muito mais altos para encontrar uma ! viabilizar a casa própria, como o padrão
nova moradia apavorava os trabalhadores não I- periférico, onde apesar das selvagens condições
proprietários de renda média e baixa. ' de habitabilidade, o horizonte, ao contrário do
Ademais,em seu padrão de consumo (e em seu que ocorria na casa alugada, era de tranqui­
salário) já tinham se acostumado com o lidade futura.
pagamento de aluguéis aviltados e uma
alteração neste aspecto teria um efeito
desastroso na sua qualidade de vida. Assim como
para os despejados, a alternativa da casa própria
transformava-se num verdadeiro sonho para os AS ALTERNATIVAS À CRISE
ainda alojados: a aspiração pela propriedade DE HABITAÇÃO: A EMERGÊNCIA
também estava presente, como um aspecto DAS FAVELAS EM SÃO PAULO
básico para sua segurança familiar futura.

Contraditoriamente, ao tumultuar o mer­ "Finalmente ficou resolvido o caso da rua


cado de locação com o suposto (mas não Fortaleza 160. (...) Um oficial de justiça mais
comprovado) objetivo de proteger o locatário, a dois praças executaram o mandato de despejo.
Lei do Inquilinato, tornou-se um elemento (...)O pessoal na rua, os móveis idem e a
essencial na criação de uma forte expectativa angústia se estampando no rosto de cada um. As
pela casa própria entre os trabalhadores de baixa dez famílias que residiam no cortiço mudaram-
e média renda. Ser inquilino, antes uma se para a favela da Várzea do Penteado, indo
condição natural de todo trabalhador, foi se aumentar o número dos que moram sobre o brejo,
i tornando uma situação incomoda, sem futuro, respirando as miasmas do charco e dando um
f transitória. O inquilino sentia que, mais cedo ou colorido diferente à paisagem urbana desta capi­
mais tarde perderia as vantagens adquiridas com tal. (Correio Paulistano 5/10/1946)
aluguéis antigos e ficaria sem ter onde morar.

"Favela típica situada


na avenida do Estado,
mostrando diversos
tipos de habitação, co­
bertas com folhas de la­
ta e alguns pedaços de I
telha."

rm
■1

A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:


Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década dc 40

i Ao contrário do Rio de Janeiro, onde


as favelas já estavam presentes desde o fi­
nal do século XIX, em São Paulo este
\ fenômeno foi outra consequência da crise
i de habitação da década de 40.
fê / primeiras favelas surgiram em São Paulo
I l entre 1 942 e 1 945, localizadas em próprios
■ municipais” (PMSP 19 62). O surgimento
, das favelas, no contexto da crise de
habitação e do massivo processo de des-
I pejos, representava uma inconsciente re­
sistência dos trabalhadores em abandonar
Favelado Ibirapuera, 1951 as áreas mais centrais e aceitarem o
confinamento nas periferias.

/ Sem encontrar alternativa de moradia


de aluguel compatível com seus ren­
dimentos em local próximo ao emprego,
muitas famílias despejadas ou récem
, chegadas do campo ocuparam espon­
taneamente terrenos baldios, sobretudo
nas várzeas dos rios Tamanduateí ou
Tietê, onde confeccionavam barracões de
madeira e outros materiais improvisados:
'A Avenida do Estado está se transformando
num reduto de favelas, construídas por
pobres famílias que não têm onde morar.”
(Hoje 25/10/1945).

Muitas das favelas surgidas em São


Paulo neste primeiro período de pro­
liferação limitada do fenômeno, locali-
zaram-se nas várzeas próximas às áreas
centrais e polarizadoras de emprego
porque, dada a configuração física da
cidade, estas áreas pertenciam majori-^7
tariamente ao poder público e perma­
neciam ociosas devido à dificuldade de
ocupação. Nas décadas de 40 e 50,.t
surgiram favelas como a da Baixada do
Penteado, Ibirapuera, Canindé, Ordem e
Progresso, da Lapa, Vila Prudente, Vila
Guilherme, Piqueri, Tatuapé, Vegueiro e
outras.

Segundo o levantamento realizado


r & pelo Sagmacs, em 19 5 7 já existiriam 141
i
núcleos de favelas com mais de 10
Ê
D barracos, do quais 48 em próprios

I rm

.1. I
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

o i
municipais, totalizando cerca de 8,5 mil
barracos e 50 mil pessoas "(...) cons­
£
truindo com as suas próprias mãos, em o
!
terrenos baldios, as casas que precisam para ,o
O
morar, como no caso do Parque do Ibirapuera .§
onde, com tijolo velhos, pedaços de caixões,
folhas de zinco, sacos vazios e outros o.

elementos, construíram casas sumaríssimas


e anti-higiénicas, verdadeiras coelheiras
onde, pelo menos, estão ao abrigo das
intempéries.” (Hoje 1 3/11/1945)

O surgimento das favelas materializou


com grande visibilidade a crise de ha­
bitação dos anos 40 e chocou a elite pau­
listana orgulhosa do progresso de sua
cidade récem renovada com avenidas
modernas, bem iluminadas e ladeadas por
arranha-céus. Metrópole de contrastes
mas que escondia bem sua pobreza, nos
porões dos cortiços pouco visíveis e numa
periferia ainda pouco ocupada e inaces­
sível. A favela da Baixada do Penteado,
que começou a se formar em 1942 e que
em 1946 já abrigava cerca de 120
famílias, situada junto à Avenida do
Estado, em terreno do IAPI, e a menos de
um quilómetro do perímetro de irradiação
que o prefeito Prestes Maia sequer tinha
inaugurado, era um símbolo do que sé ?
queria esconder e da emergência de uma
nova forma de provisão habitacional
popular representativa dos novos tempos.

Mas não foi sem muita resistência que Núcleo de barracos junto ao vale do Itororó, 1942
a elite paulistana aceitou a “migração”
--^__das favelas para São Paulo: "no começo era
o caos, não o do Génesis mas o da Avenida do
Estado. Aquela aglomeração de casebres de
$ *
madeira chocava os paulistanos que pas­
savam pelo local. Na nossa capital não se
conhecia a improvisação da "favela", talvez
porque todo palmo de terra tem dono e paga
imposto. Havia sim a saturação dos porões e
cortiços. Mas "favelas" eram desconhecidas.
Não é assim de estranhar que aquele
conglomerado de tugúrios impressionasse o
I
paulistano habituado à pobreza encoberta e
-

rra
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato c Crise de Habitação na Década de 40

a miséria recolhida nas saturações urbanas do O estranhamento dos paulistanos com a


Bexiga e de alguns trechos do Brás. Era também o favela durou mais de três décadas, em que a
índice da falta de casa, do descuido em dar um questão foi tratada sempre sob a ótica da
telhado aos mais necessitados. Revelava, até um repressão, reeducação e remoção. A origem
certo ponto, o espirito empreendedor dos seus deste tipo de enfrentamento do problema das
habitantes. Com tábuas de caixotes, uns sarrafos e favelas ocorreu em 1946, quando o prefeito
latas velhas improvisou-se um bairro(...). E em Abraão Ribeiro resolveu construir os primeiros
pleno centro, no terreno vasto para o qual o IAPI alojamentos provisórios de que se tem notícia em
projetara um soberbo conjunto de apartamentos (...) ^São Paulo para remover e abrigar os favelados
destinado aos seus associados. (...) Os alicerces da Baixada do Penteado e outros moradores
porém não chegaram a ser lançados. 0 terreno ficou despejados que não tinham para onde ir.
limpo, numa tentação. Não tardou a encher-se de
casebres. Aquilo pareceu mal. Mas com tamanha \ Em seis meses, a prefeitura construiu, ao lado
falta de casas tudo era possível e justificá­ da favela, no próprio terreno do IAPI, 28
vel."(Diário Popular 7/11/1946) pavilhões, comportando cada um 12 famílias,
num total de 3 36 alojamentos de dois cômodos
Não aceitando a nova realidade tão à vista cada um. Em quatro outros pavilhões foram
da cidade, o prefeito"- certamente de olhos J-^nstalados os chuveiros, sanitários e tanques. A
voltados para as eleições de governador que ~ ligação de água, entretanto, demorou, pois,
ocorreriam no início de 1947 - realiza a primeira apesar do prefeito ser indicado pelo governador,
. intervenção no que passou a denominar havia falta de entrosamento entre a prefeitura e
habitação subnormal: (...) "aconteceu que o Sr. o Estado: ofícios e mais ofícios foram mandados a
Abrahão Ribeiro entrou na prefeitura cheio de quem de direito pedindo providências. A demora fez
sensibilidade e ainda não contaminado pela crescer o temor de uma invasão, que
burocracia. Ficou chocado com a vida dos "favela- efetivamente quase chegou a ocorrer. ”(...)E
dos”(...)Foi lá e voltou estarrecido. No mesmo dia numa manhã, bem cedo, uma turma de bombeiros
resolveu dar casa higiénica, assistência, água e compareceu para auxiliar a mudança. Tudo decorreu
esgoto àquela gente.” (Diário Popular 7/11/1946) bem sem atropelos, porque só depois de mudados os
habitantes da favela a notícia correu e compareceram
milhares de candidatos a uma “casa". Temendo que
A COMISSÃO CENTRAL DE PRECO! fossem aproveitados os antigos tugúrios, os
bombeiros procederam ã demolição e desinfectaram

I CORREIO MJLISTANÍ
AXO JIÍCHI & rAffXJ — T«c*.fdw. 6 AtM» 151€ x. í!?71
tudo com fogo (...). Da velha favela só restaram
cinzas.” (Diário Popular 7/11/1946).

4'— De fato, o ambiente era propício a invasões


I de terra. Frente à gravidade da crise de habi-
I tação, em todo o país surgiram novas formas de
[ alojamento, todas de alguma maneira marcadas
) pela perspectiva de reduzir ou eliminar o custo
da moradia no orçamento familiar, deixando de
o Jj3TPagar aluguel, inexistente ou inacessível aos de
□ ***" J ^renda mais baixa. Assim, na conjuntura de
■?
mobilização e descontentamento popular
presente nestes anos do pós-guerra, emergiram
ocupações organizadas de terra por famílias
despejadas que não tinham para onde ir e que
buscavam deixar de pagar aluguel. Com a
palavra o deputado Carlos Marighela:

im
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado de Locação:
Lei do Inquilinato e Crise de Habitação na Década dc 40

‘‘(...)Encontram-se nas principais praças da Bahia, geral, uma política de construção de alo­
sob as marquizes dos edifícos públicos e sob os jamentos provisórios como uma etapa de
pontos do bondes, inúmeras famílias que não tem reeducação, remoção e desfavelamento,
moradia e que ali procuram reguardar-se das ' praticada por três décadas, quase sempre
intempéries (...) .Mas a população da Bahia, levada destruindo favelas situadas em áreas bem
por essa premência de habitação, tomou decisão , localizadas e destinando seus moradores para a
como que deseperada: dirigiu-se ao bairro da periferia (PMSP 1962,1971). 0 crescimento das
Liberdade, um dos mais populosos e proletários da 4 favelas em São Paulo ficou, então, restrito, seja
Capital e apoderou-se de terreno que não estava em decorrência do preconceito, discriminação
sendo utilizado; derrubou o mato, fez limpeza geral e repressão que seus habitantes passaram a
desse terreno, lançou ali os espeques de seus casebres sofrer na cidade, seja em função da enorme
e um bairro surgiu de um dia para outro. Milhares oferta de lotes periféricos, que funcionou como
de famílias que não tinham onde morar resolveram uma válvula de escape para à população de baixa
assim o problema.” (Câmara dos Deputados 2/4/ renda como uma alternativa de moradia melhor
1947) aceita e acessível com um pequeno gasto
monetário, apenas um pouco superior ao da
Em São Paulo, a intervenção de Abraão favela.
Ribeiro representou talvez a primeira iniciativa
da prefeitura de assumir a questão habitacional No entanto, é importante ressaltar, os dados
como um problema social. É certo que, ao que disponho mostram que os trabalhadores que
construir barracões em série, com toda infra- foram para as favelas em São Paulo eram de um
estrutura, para substituir uma precária favela, estrato social muito próximo dos que adquiriram
numa área de grande visibilidade, o prefeito um lote na periferia e edificaram sua casa
tinha um evidente o objetivo propagandístico, própria. Embora até muito recentemente os
buscando de alguma maneira faturar favelados em São Paulo tenham sido estig­
politicamente nas vésperas das eleições. Mas, matizados como marginais, vadios ou deso-.
l
como edificou um número de alojamentos su­ cupados, mesmo em suas origens, em 1946, as
perior ao de favelados que deveria remover, a favelas eram ocupadas basicamente por traba­
prefeitura sinalizou também que podia dar lhadores assalariados e, na maioria, prove­
abrigo a uma parte de enorme legião de nientes da própria capital, havendo forte relação
despejados que diariamente ficavam ao entre o problema dos despejos e a busca da
desabrigo. Subitamente centenas de famílias fo­ favela.
ram ao local em busca de moradia e, logo no
primeiro dia, cerca de 950 candidatos inscre­ Na favela da Baixada do Penteado, por
veram para ocupar os abrigos (Dep. Alves Palma exemplo, de acordo com dados apresentados pelo
Câmara dos Deputados 23/10/1946). Entu­ deputado Alves Palma (Câmara dos Deputados
siasmado com o sucesso de sua ação, noticiada 23/10/1946), cerca de metade dos moradores
çem todos os jornais, o prefeito anunciou que era proveniente da capital e 3 7% declararam
~Ç~ainda seriam edificados capela, posto médico, explicitamente que tinham se mudado devido a
' seção destinada à administração, educadora ações de despejo ou demolição do prédio onde
sanitária e policiamento, além de mais 240 moravam. Com relação à ocupação dos
alojamentos. moradores, percebe-se que predominam larga­
mente os trabalhadores com profissão definida,
Sendo uma intervenção tópica, a ação da mostrando que a favela, mesmo naquela época,
prefeitura não teve maiores consequências, foi formada por moradores já inseridos na cidade
embora tenha sido um prenúncio de uma ação e que, em função da crise de habitação, não
pública que passou a ser coordenada pela tinham outra alternativa de moradia. Assim, de
assistência social da prefeitura e que gerou, em 172 moradores pesquisados, apenas nove (5%)

rm
A Intervenção do Estado na Regulamentação do Mercado dc Locação:

irJ Lei do Inquilinato c Crise dc Habitação na Década dc 40

j-
declararam estar desempregados, contando-se
47 operários, 31 empregados de serviços
■ ■
diversos, 2 7 de serviços domésticos, 22
serventes de pedreiros, 6 pedreiros, além de
carpinteiros, tintureiros, motorneiros, encana­
dores, motoristas, sapateiros, etc. Este fato é
í’ reforçado pelo rendimento dos moradores:
apenas quinze das 111 famílias pesquisadas
(13%) tinham uma renda inferior a um salário
mínimo da época, enquanto que 45 (40%)
estavam na faixa de um a dois salários e cerca
de 37 (33%) percebiam mais de três.

Muito mais do que a favela, a periferia foi o


• destino dos milhares de trabalhadores des-
. í ; pejados e migrantes recém chegados a São
/ Paulo. Dada sua importância como alternativa
lí '"de provisão habitacional, modelo de expansão
urbana e modo de vida que gerou, a solução de
moradia baseada nos loteamentos periféricos,
1 autoconstrução e casa própria será estudada em
| 1 maior profundidade no capítulo 6. Embora por
razões urbanísticas, culturais e económicas, a
favela e outras formas de invasão de terra não
tenham crescido em São Paulo tanto quanto se
expandiram em outras cidades brasileiras, sua
emergência no contexto da crise de habitação
dos anos 40 é angular para compreender o
quadro de profundas alterações no modo de
provisão de moradias no país que ocorreu no
processo de formação de uma sociedade de base
urbano-industrial.

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Origens da Produção e I
do Finaciamento Estatal
da Habitação
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objetivo deste capítulo é analisar as origens da intervenção estatal na provi- I


são habitacional através da produção pública de conjuntos habitacionais e
do financiamento à construção da moradia para os trabalhadores. I
Trata-se de estudar as formas desenvolvidas pelo Estado no período populista para produzir
' moradias, sobretudo a ação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões e da Fundação da Casa
Popular e analisar em que medida se formulou neste período, no âmbito da política habitacional,
uma ação pública que significasse a construção de um Estado do Bem-Estar Social.

Essa análise será desenvolvida com a preocupação de refletir sobre esse tipo de intervenção
estatal de modo articulado com outras ações do poder público na área da habitação - como a
Lei do Inquilinato - e no contexto de profundas transformações das condições de habitação da
população de baixa renda no período em estudo, em particular em São Paulo.

Em geral, a literatura sobre o assunto (Sorbelman 1978, Farah 1983 e 1985, Azevedo e
Andrade 1980, Gap,1985, Melo 1985, 1991, 1992 e Varon 1988) tem tratado a questão
ressaltando, por um lado, a limitada expressão quantitativa da produção, e, por outro, sua
importância na criação de uma experiência de ação do poder público na problemática /
habitacional que teria sido relevante para a formulação da proposta de criação do BNH, •
particularmente na rejeição ao populismo e ao assistencialismo e na adoção da correção
monetária nas prestações como forma de evitar a corrosão dos recursos destinados ao |
financiamento.

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■ •'I

É interessante notar que boa parte destes trabalhos estuda a questão visando entender
outros processos ligados a política habitacional e não na perspectiva de discutir a ação social
do período Vargas. Em geral, buscam reconstituir a política pública de habitação a nível
nacional, com o objetivo de estudar a ação do Estado no período pós- 64, particularmentte a
I
intervenção do Banco Nacional de Habitação (Azevedo e Andrade 1980, Sorbelman 1978 e
Melo 1985). Outros estudam de forma quase monográfica apenas as intervenções do lAPs
(Farah 1983 e Varon 1988), sem estabelecer de forma aprofundada vínculos entre esta
intervenção e outros ações governamentais ou não-governamentais no período em estudo que
se combinaram voluntariamente ou não para criar novos modelos de moradia popular.

Apenas Melo estuda a produção estatal de habitação, abordando tanto a FCP e os lAPs
como iniciativas locais num quadro mais abrangente que inclui a restrição à produção rentista \
gerada pela Lei do Inquilinato e as transformações do mercado habitacional de forma articulada
com o desenvolvimento da economia do país. A contribuição de Melo se destaca pela ampli- <■
tude da investigação e pela excepcional capacidade analítica do autor, enquanto que Farah
realiza o mais completo estudo sobre as realizações dos lAPs através de uma ampla pesquisa
em fontes inéditas, o que resulta num trabalho de grande originalidade.

Minha intenção é, além de sinteticamente traçar um quadro que permita entender a ação
dos órgãos que agiram no período, mostrar que a importância da ação estatal muito maior do
que se imagina, principalmente entre 1945 a 1954 e inseri-la no contexto das transformações
na situação habitacional em São Paulo num quadro marcado pela crise de moradia, pela
responsabilização do Estado pela questão da moradia social e pela emergência de novos modelos
de habitação, em particular o padrão periférico.

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1
A Difícil Construção
de uma Política de
Habitação Social

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A análise da ação do poder público na Neste aspecto, novamente se destaca a !
questão da habitação social tem se pautado, com excepcional conjuntura que existiu no final do
a já citada exceção de Melo, pelo estudo Estado Novo e no período de transição para a
fragmentado dos vários órgãos envolvidos na democracia em 1945, quando as experiências
^questão a partir de 1930: o Instituto de embrionárias de produção estatal implementada
Aposentadoria e Pensões, a Fundação da Casa pelos lAPs nos anos anteriores, articuladas com
Popular ou órgãos de abrangência local, como a uma vontade política do governo Vargas,
Liga contra os Mocambos (Pernambuco), a propiciaram condições para a formulação de
Companhia Estadual de Casas para o Povo (São uma proposta consistente de criação de uma
Paulo), a Fundação Leão XIII (Rio de Janeiro), política de habitação social que, mesmo não
entre outros. Tem se perdido, nesta análise implantada, gerou ações de grande significado,
atomizada, uma observação global mais como será mostrado neste capítulo.
aprofundada da magnitude da intervenção
estatal no âmbito da habitação no período que Assim, visando ampliar as análises existen­
se inicia em 1930, quando esta questão ganha tes, irei, além de estudar as particularidades de
um novo patamar, tornando-se um aspecto cada órgão que atuava na questão, realizar uma
importante das políticas públicas e sociais. Esta.... observação mais global buscando demonstrar
fragmentação tem dificultado uma observação ! que no momento chave do período em estudo,
mais abrangente do processo de gestação da i no pós-guerra, quando se processava a transição
política de habitação social no Brasil,/, do Estado Novo para a democracia, estavam
obscurecendo importantes conjunturas quando dados todos os elementos necessários para a
o poder público esteve na iminência de criar uma \ construção de uma política habitacional
estrutura institucional e financeira capaz de: consistente para o país: recursos vultuosos,
equacionar de modo articulado uma inter- i reunidos nos caixas dos lAPs; reconhecimento
venção estatal neste campo. . na sociedade da necessidade de enfrentar a
questão, fortemente decorrente da gravidade da

rm
Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitação

crise de moradia que afetava a classe média e os realizava no âmbito da produção da


trabalhadores, repertório técnico, consolidado habitação social, como na clareza que os
de maneira mais articulada na equipe do técnicos do Instituto tinham da necessidade
Instituto de Aposentadoria e Pensões dos de garantir, acima de uma perspectiva
Industriários (IAPI) mas, como vimos no populista, o equilíbrio e a viabilidade
capítulo 2. presente em vários segmentos das financeira dos fundos da previdência.
corporações profissionais e. finalmente, vontade
política, expressa na disposição de Vargas de 4 A impressionante gravidade da crise de
priorizar a questão. moradia, de enorme e visível repercussão
pública, que gerava uma pressãp_ social sobre
Aprofundando a interpretação de Melo o governo como nunca antes havia existido;
(1991), defendo a hipótese de que a derrubada expressaoldesta conjuntura foi a resposta que
de Vargas em 2 5 de novembro de 1945 e os o governo foi obrigado a dar no período de
acontecimentos que se seguiram, incluindo o 1945/50, mesmo sem colocar em prática a
fortalecimento da estrutura corporativa “superagência", com uma produção habita­
encastelada nos 1 APs, como parte da montagem cional que estava longe de ser irrisória,como
da configuração política dominante no período veremos adiante.
populista, abortaram um processo natural que
se encaminhava para a criação de uma moderna 5 O discurso de Vargas. É certo que discursos
política habitacional para o país. podem ser retorícos? isto, entretanto, não
obscurece o fato de que o ditador passou a
Os elementos que dão consistência a esta ressaltar com ênfase a necessidade dos
hipótese são muito concretos e estavam se imensos recursos da previdência serem
processando quando do golpe que retirou Vargas utilizados na construção de mega conjuntos í
do poder: habitacionais - que, aliás, os lAPs efeti­
vamente realizaram. Efetivamente, quanto
1 As profundas transformações que já estavam mais Vargas passou a depender do apoio
ocorrendo na estrutura dos lAPs, cuja popular para se manter no poder, mais a
proposta de unificação num único órgão, questão da habitação social tornou-se
Instituto de Serviços Sociais do Brasil (ISSB), importante no contexto de sua preocupação
já havia sido instituída por lei e que de tornar-se o protetor dos trabalhadores.
viabilizaria a reunião dos fundos dos
institutos para alavancar o financiamento de 0 aborto da proposta que poderia ter \
" uma política de habitação social; implantado uma moderna e articulada política
habitacional no país não significa, no entanto,
2 A criação de uma “superagência habita­ que inexistiram iniciativas relevantes neste
cional" (Melo 1991), cujo ambicioso projeto sentido; revela apenas que as próprias con- í
respondia pelo nome de Fundação da Casa tradições do populismo impediram que tivesse
Popular e que estava pronto para ser im­ sido colocado em prática até as últimas conse­
plementado, tendo à sua disposição os quências, o “ welfare State” no setor da habitação 4--
recursos da previdência. Esta “súper agên­ social - ao contrário do que, de certa forma,
cia” garantiria a estrutura institucional aconteceu na Argentina de Perón.
capaz de implementar a política habitacional;
Outras tentativas posteriores de concré-T-"
3 A, capaçidade técnica^se expressa nas tização de uma política habitacional no país no]/
realizaçõesprincipãlmente do IAPI,tanto no período populista, também foram frustradas: af
desenvolvimento de projetos habitacionais proposta de criação, em 1952, do Banco
informados do debate internacional que se Hipotecário de Habitação, desenvolvida no

rm
Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitaçfto

âmbito da própria Fundação da Casa Popular, a Irei, a seguir, sintetizar as ações do poder
proposta formulada no segundo governo Vargas público no período, buscando mostrar que o

I pela Comissão Nacional de Bem-Estar Social, de


criação de uma mega-estrutura institucional
período Vargas foi o momento em que a
habitação dos trabalhadores tornou-se uma

I
voltada para a questão social (Ministério do questão social.
Bem-Estar Social), incluindo uma sub-secretaria
para Habitação e Favelas, além de várias
iniciativas impulsionadas no tumultuado
período de 1961 a 1964 (Sorbelman 1978,
Azevedo & Aureliano 1980 e Melo 1987).
Assim, embora a questão habitacional já fosse
reconhecida como um problema a ser tratado
pelo governo, a quem era atribuída a
responsabilidade de equacionar soluções,
contradições e ambigíiidades presentes no inte­
rior do aparato administrativo, “lobby" de
interesses corporativos, ausência de vontade
$ política das lideranças políticas e falta de uma
pressão popular mais intensa, entre outras
causas, impediram que se concretizasse a
r- implementação de uma política de habitação
social de maior alcance no país até 1964. E, na
ausência de uma ação mais efetiva do governo,
permaneceram as sucessivas e irritantes
prorrogações da Lei do Inquilinato e do
congelamento dos valores locativos, sempre
aprovadas com argumento de que algo precisava
ser feito para minorar o problema de habitação
antes de serem liberados os aluguéis.

Malgrado esta ausência de política, não se


pode negar que muito se fez em termos de
produção de habitação social no período em
estudo, como será mostrado adiante com
. destaque para a produção de uma quantidade
significativa de conjuntos habitacionais de real
dnteresse arquitetônico, urbanístico e social. No
/ entanto, o caráter fragmentário da intervenção
e sua desarticulação, gerados em grande parte
pelas características próprias do populismo
brasileiro, atuaram no sentido de reduzir
j enormemente a ação pública e seu impacto,
i além de estimular o crescimento de formas
autónomas de enfrentamento do problema
habitacional pela própria população, como fo­
ram a favela e a casa autoempreedida nos
£_loteamentos periféricos.

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-
Antecedentes: Estado
Ausente da Produção
Habitacional Antes de 30

As iniciativas tomadas pelos governos da gobierno. solución ya de este siglo - el Brasil ya era
República Velha no sentido de produzir habi­ República - de hace unos 30 anos, ... no pudo ir
tação são praticamente nulas. adelante. Razones multiples hicieron que esa
tentativa del gobierno brasileno no pasase de sus
Como vimos no capítulo 2, a ideologia do primeros ensayos. Existen todavia algunas
Estado privilegiava a produção privada e, fiel ao viviendas populares construídas directamente por el
liberalismo predominante, recusava a inter­ gobierno, con recursos de su presupuesto, pero en
venção direta no âmbito da construção de casas número muy pequeno. Se comprobó que ésta no era
para os trabalhadores. Assim, as iniciativas do una solución brasilena” (Republica Argentina
Estado restringiam-se à repressão às situações 19401:62).
mais graves de insalubridade, via legislação
sanitária e ação policial, e a concessão de É o caso da construção do provavelmente j
isenções fiscais que. como vimos, beneficiavam primeiro grupo de moradias construídas pelo
basicamente os proprietários de casas de poder público no Brasil: 120 unidades
locação. Outras iniciativas, como o congela- habitacionais na Av. Salvador de Sá (RJ) em
mento dos aluguéis que vigorou entre 1921 e 1906, pela prefeitura do Distrito Federal, que se j
192 7, tiveram limitada repercussão, como via fortemente pressionada pela crise *
mostramos no capítulo 3. habitacional gerada pela derrubada de milhares
de cortiços necessária para a abertura da Av.
Esta regra geral, no entanto, não impediu o Central (GAP, 1985). Ou ainda, o início da
surgimento de algumas poucas iniciativas, construção, pelo governo federal, da “Vila
basicamente no Rio de Janeiro e Recife, de Proletária Marechal Hermes”, que foi
escassa importância, de produção estatal, parcialmente "abandonada com as obras nos
exceções que claramente confirmam a regra. "La alicerces por quase duas décadas" (Vargas 1938,
construcción directa de la vivienda popular por el 1:241) - o que dá bem conta da importância que

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L. . _
-

Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitação

1
os governos da República Velha davam à questão
•1 - e a construção em Recife, em 1926, de 40
unidades pela Fundação A Casa Operária (GAP.
h 1985).

Esta Fundação, órgão do governo do Estado


de Pernambuco criado em 1924 com “«
finalidade de edificar pequenas casas para habitação
de pessoas pobres mediante reduzido aluguer (GAP
1985), parece ter sido a primeira instituição
pública do país a ser criada especificamente para
produzir habitação com caráter social. A
iniciativa mostra o pioneirismo de Pernambuco
í em relação à intervenção do Estado na produção
de habitação, num momento em que em São
Paulo a questão era debatida no âmbito da
prefeitura, por iniciativa do Prefeito Pires do Rio,
concluindo-se que o poder público não deveria
construir casas para os trabalhadores pois isto
desestimularia a produção privada (Cintra 1927,
ver citação capítulo 2)

A visão presente no relatório encaminhado


ao prefeito Pires do Rio (Cintra 192 7), que
aponta no sentido de se conceder favores à
iniciativa privada para que ela pudesse
supostamente produzir moradias mais baratas,
é a que predomina em todo o país. “O governo
! não deve produzir casas para os operários mas
estimular os particulares a investirem", é a lógica
que orienta, de modo geral, o Estado liberal da
República Velha.

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A Criação das Carteiras
Prediais dos lAPs: o Nascimento
da Habitação Social no Brasil
I
I

Dentre as inúmeras iniciativas tomadas pelo Embora os lAPs tenham sido as primeiras
governo revolucionário no sentido de regu­ instituições públicas de grande envergadura a
lamentar as condições de reprodução da força tratar da questão da habitação, esta atividade,
de trabalho, destaca-se para os objetivos deste na verdade, sempre foi relegada no âmbito das
trabalho a interferência do Estado na questão suas finalidades precípuas que eram oferecer \
previdenciária. que propicioiTTecursos de ' benefícios previdenciários - aposentadorias e /
grande magnitude que foram destinados ao pensões - e, em segundo plano, assistência/
financiamento de uma inédita intervenção na médica (Cohn 1981).
produção habitacional.
A habitação comparece sempre ambi­
0 estudo da ação no campo habitacional guamente dentre as finalidades dos Institutos:
realizada no âmbito dos órgãos previdenciários, ora como um objetivo importante, ligàdo à idéia
criados ao longo dos anos 30. para cada da seguridade social plena, ora apenas como um
categoria de trabalhador urbano, denominados instrumento de capitalização dos recursos
Institutos de Aposentadoria e Pensões, é exem­ mvèftidos najprevidência e, portanto, desprovido
plar da dificuldade que o Estado varguista e os 'dê^frnalfdade social. A manutenção desta ■

governos populistas que o seguiram tiveram em ambiguidade durante todo o período populista,
enquadrar a questão da habitação social. Neste ao mesmo tempo em que as características
caso, como em todas as iniciativas tomadas pelos políticas do período impediram qualquer
governos para enfrentar o problema da moradia alteração da estrutura previdenciária criada na
mesmo depois de 19 64, fica claro o dilema entre década de 30, acabou por se constituir num
entender o atendimento habitacional como uma entrave à formulação de uma consistente
atribuição básica do poder público, para o qual política de habitação social no país até 1964.
devia-se destinar recursos públicos ou como
uma atividade pública terciária.

im

*
Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitação
*I

O SURGIMENTO Aposentadorias e Pensões (lAPs), agora sob a égide


DA PREVIDÊNCIA direta do Estado" (Cohn 1981).

| Entre 1933 e 1938 foram criados seis lAPs.


O início da regulamentação da previdência um para cada categoria profissional: IAPM
j social brasileira surge, na verdade, antes de (marítimos). IAPB (bancários). IAPC (comer-
Vargas, em 1923. quando é aprovada a Lei Elói ciários). IAPI (industriários), IAPETEC (condu­
Chaves, que instaura as Caixas de Aposentadoria tores de veículos e empregados de empresas de
e Pensões (CAPs). Criadas inicialmente para os petróleo) e IAPE (estiva). Estas instituições fo­
trabalhadores das companhias ferroviárias, este ram criadas e regulamentadas por dispositivos
sitema das CAPs é extendidos para outras legais específicos, muitas vezes modificados por
empresas, atingindo o número de 183 em 1937. outras leis restritas a cada IAP. de modo que se
(CONH 1981) reforçou uma diferenciação entre os institutos
quanto a qualidade e volume dos benefícios e
serviços prestados. "A forma pela qual a previdência
Anteriormente, existiam sistemas de social foi implementada acabou por reforçar as
previdência totalmente autónomos do Estado e disparidades económicas existentes entre as várias
dos empregadores, controlados unicamente categorias profissionais" (Cohn 1981:9). Esta
pelos próprios trabalhadores segurados, com disparidade foi um poderoso obstáculo a todas
forte influência anarquista (Sociedades as iniciativas tendentes a unificar e racionalizar
Beneficientes, Mútuos de Socorro ou o sistema previdenciário concorrendo também
Associações de Auxílio Mútuo). A Lei Elói para dificultar a implantação de uma política
15--I
Chaves, ao mesmo tempo em que respondeu a habitacional consistente estruturada nos fundos
uma reivindicação do movimento operário, teve previdenciários. como será abordado adiante.
também o objetivo de estabelecer maior controle
sobre os recursos arrecadados por estes sistemas
previdenciários autonômos, que teriam tido Ao contrário do que ocorria nas CAPs, a
papel importante como fundo de greve nas participação dos trabalhadores nos lAPs, que se
3 grandes mobilizações operárias do final da dava por categorias profissionais e não mais por
empresas, tornou-se compulsória e o Estado
década de 10.
passou a deter o controle da sua gestão através
do Ministério doTrabalho. Indústria e Comércio,
* "" " O esquema de funcionamento das CAPs,que a quem coube escolher e nomear o presidente
I I serviu de modelo para a criação dos Institutos dos Institutos. "Agora é o Estado quem gere essas
; de Aposentadorias e Pensões, estava estruturado instituições, estando elas estreitamente vinculadas
i na contribuição tripartite (empregado, empre- ao poder central" (Cohn 1981). Merece destaque,
^gador e Estado); no entanto, enquanto as CAPs neste sentido, "o fortalecimento do Conselho
g
5
í eram administradas por um colegiado formado
| por trabalhadores e empregadores, sem a
Nacional do Trabalho - a cujo parecer passou a ter
que ser submetida uma série de decisões relativas
í participação do Estado, nos Institutos o Estado às instituições previdenciárias,especialmente
/-passou a ter um papel determinante. 'A partir de
aquelas referentes à aplicação dos recursos
1930, com a quebra do regime oligárquico e a arrecadados" (Farah 1983:23).
presença cada vez mais marcante das classes
assalariadas urbanas no cenário político e
económico, a previdência social, até então deixada Traço comum entre as CAPs e os lAPs foi a
I
adoção do regime de capitalização, de grande
para o setor privado através de contratos de seguro
empregador-empregado, passa a ser objeto de importância para a compreensão das carac-
atenção do Estado. Ao lado de uma série de vterísticas da atuação dos lAPs na área da
dispositivos legais regulamentando o trabalho, /habitação. O regime de capitalização consiste na
começam a ser criados os Institutos de aplicação dos recursos previdenciários
Origens da ProduçAo e do Financiamento Estatal da Habitação

arrecadados em investimentos que garantam o trabalho pela velhice,doença ou morte do chefe


aumento do seu volume. Como, com a criação de família, elevação da capacidade de trabalho
dos lAPs. a contribuição de todos os assalariados dos assalariados através da assistência médica e
e empregadores passou a ser compulsória, a fonte de recursos para investimento em vários
“arrecadação inicial de recursos é, em volume, muito setores da economia (Cohn 1981:15). A estes
maior que o exigido pelas despesas previstas a curto objetivos somou-se ainda a utilização dos
prazo. As reservas assim constituídas deveriam recursos da previdência para ações estatais de
garantir o pagamento de benefícios no futuro" cunho social, como o atendimento médico, que
(Farah 1983:26). Esta situação garantiu a foi sendo ampliado gradativamêhte sob forte
criação de um volumoso caixa, administrado reivindicação dos trabalhadores em todo o
pelos Institutos. período e, como veremos adiante, habitação so­
cial. Em ambos os casos, estas iniciativas
0 controle que o governo federal, através do liberaram o Estado de alocar recursos de origem
MTIC, passou a deter sobre este sistema orçamentária em setores que crescentemente
possibilitou a criação de uma fonte altenativa de tornaram-se responsabilidade do governo; por
y investimentos públicos extremamente impor- outro lado, o Ministério do Trabalho e os lAPs
^ tante. sobretudo num momento em que se colo­ passaram a tratar de políticas setoriais (saúde e
cava em prática uma política de desenvolvi­ política habitacional) estranhas às suas atri­
mento em que o Estado passava a desempenhar buições específicas.
----- ---------------- -—
um importante papel na implantação da
_ infraestrutura para o crescimento industrial. Cumprindo vários objetivos estratégicos do
Como afirma Cohn. "através do sistema de capita­ Estado Nacional no desenvolvimento económico
lização, parte dos recursos arrecadados pela e social e na “proteção aos trabalhadores", não é
previdência social serão investidos em setores de se estranhar que Vargas considerasse as
produtivos da economia, muitas vezes sob orientação Caixas de Aposentadoria como uma “solução
direta do governo federal" (Cohn 1981:15). mágica", que beneficiaria as classes traba­
Projetos estratégicos para o Estado como a lhadoras sem acarretar sacrifícios às “classes
implantação da Companhia Siderúrgica conservadoras" (Pinheiro 1975:176).
Nacional em Volta Redonda, a Companhia
Nacional de Alcalis, a Fábrica Nacional de
Motores e a construção de Brasília - apenas para
citar os exemplos mais conhecidos de prioridades
governamentais - receberam significativas so­
A POLÍTICA DE HABITAÇÃO
mas dos lAPs (Varon 1988:243,245). SOCIAL DOS lAPs
Considerando ainda que dos três segmentos que
deveriam contribuir com a previdência, o Estado
e, também, parte dos empregadores perma­ É no contexto do regime de capitalização, ou Ç
neceram sempre inadimplentes, pode-se afirmar seja, como uma modalidade de aplicação das
que são principalmente os trabalhadores qqpl reservas da previdência, que aparece a ação dos
acabaram financiando a previdência e, através) lAPs na área da habitação social e que emerge a
delarTmpartantes~pfõjeíos de desenvolvimento ) ambiguidade com que os governos do período em 1
nacional e de iniciativa privada. estudo tratam da questão da moradia.

y Cumpre assim a previdência papel funda­


mental na expansão do capitalismo e da
A questão da aplicação das reservas do
sistema previdenciário sempre foi polêmica e é
industrialização no Brasil, agindo em três o aspecto primordial para se detectar o papel que
irentes: manutenção do consumo mínimo das a habitação desempenhava nas políticas sociais
classes de menor renda incapacitadas para o no período em estudo..

rm
Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitaç&o

Inicialmente, as C/XPs apenas podiam aplicar habitacional, podendo ser considerado o marco
suas reservas na aquisição de títulos da dívida inicial da atuação dos Institutos nessa área” (Varon
pública (cuja rentabilidade era considerada 1988:231/2). O dispositivo autorizou a criação
baixa) e na aquisição ou construção de prédios de Carteiras Prediais nos Institutos - que
para instalar suas sedes e serviços de saúde representou a ‘‘definição do ‘modus operandi' de
(Varon 1988: 228). cada instituição no setor habitacional" (Farah
1983:46)- autorizou a destinação de até 50%
A abertura para possibilitar a utilização das reservas acumuladas no financiamento das
destes recursos em habitação social veio logo construções (anteriormente os limites eram 30%
após da Revolução de 30. através do artigo 2o até 19 34 e 40% de 19 34 a 1937): e estabeleceu
do Decreto 19.469.de 17/12/30: "Excluídas as condições de financiamento tendentes a ampliar
importâncias indispensáveis às despesas normais a demanda como a redução das taxas de juros
com os pagamentos de benefícios legais e dos serviços de 8% para 6% (não existia atualização
I administrativos, tais fundos serão aplicados na monetária): ampliação dos prazos de pagamento
aquisição de títulos de renda federal e na construção de 10 para até 25 anos: elevação do limite
de casas para os associados das respectivas caixas, máximo de financiamento e permissão para a
com a suficiente garantia hipotecária". Com concessão do benefício para associado já
variações pouco significativas os vários proprietário de moradia.
Institutos, criados a partir de 1933, assumiram
a mesma formulação, destacando-se, portanto, Não é fácil decifrar em que medida as novas
o caráter secundário do atendimento normas estabelecidas pelo decreto de 1937

habitacional, em geral definido mais como uma correspondiam a uma preocupação de ampliar
modalidade de aplicação das reservas do que o atendimento social de habitação ou era apenas
como um direito do associados, com exceção do uma forma de viabilizar e ampliar uma aplicação
IAPB (Farah 1983:42/44). mais rentável do enorme volume de reservas dos
lAPs. Talvez as duas perspectivas estivessem
Os efeitos concretos desta autorização, presentes. Melo (1987:144), afirma que parte
entretanto, foram limitados até 193 7, quando destas modificações foram resultado de lobby
se buscou, através de novo dispositivo regu­ desenvolvido pela Igreja Católica, no sentido de
lamentar, criar condições para uma atuação viabilizar o acesso à casa própria. Farah
mais ampla dos lAPs na área da habitação. (1988:46) atribui a promulgação deste dispo­
Efetivamente, de 1930 a 1936, embora as sitivo à ‘‘presença, ainda embrionária, da
reservas do sistema previdenciário tivessem pressão dos associados pela viabilização de seu
crescido cerca de quatro vezes, manteve-se a acesso à moradia"; de fato, a redução das taxas
tendência de destinação dos fundos à aquisição de juros e a dilatação dos prazos de pagamento
de títulos da dívida pública (Porto 1938:27/28). são medidas que atuam no sentido de viabilizar
Assim, quase nada se fez em termos de habitação o atendimento a setores de remuneração mais
neste período inicial, que antecedeu o Estado baixa, que ficavam excluídos das regras
Novo, restringindo-se à construção de três anteriores. Porto (1938:121) afirma que as
conjuntos com 576 unidades habitacionais no reclamações de associados tiveram papel
Rio de Janeiro, destinados a funcionários importante no reestudo da questão. No entanto,
públicos, e 118 unidades dispersas pelo Rio de é necessário atentar também para o fato de que
Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, outros aspectos do dispositivo citado, como a
empreendidas pelas CAPs (Porto 1938:28/29). elevação da porcentagem de utilização das
reservas para fins imobiliários (sem que o limite
anterior tivesse sido esgotado), a possibilidade de
O decreto 1749, de 28/6/193 7, criou, como
financiar casas para associados que já fossem
afirma Farah (1983) e Varon (1988), "as
proprietários e a elevação do limite do finan­
condições para a atuação dos lAPs no campo ciamento, demonstravam a preocupação de
-

ILlrl
Origens da ProduçAo e do Financiamento Estatal da Habitaçfto

destinar recursos de Previdência para segmentos Plano C: compreendia os empréstimos


= de renda mais elevada, buscando garantir hipotecários feitos a qualquer pessoa física ou
rentabilidade superior à aplicação em títulos da jurídica,bem como as demais operações
dívida pública. imobiliárias que o Instituto julgasse conveniente
realizar.no sentido de obter uma constante e
De fato, a tensão instável entre a perspectiva mais elevada remuneração de suas reservas.
social e a atuarial marcou claramente as
atividades das Carteiras Imobiliárias dos lAPs e. Os Planos A e B caracterizavam-se clara­
em consequência, o surgimento das políticas de mente por um conteúdo social, voltando-se ao
habitação social no Brasil. A explicitação dos financiamento da habitação destinado ao
Planos de Financiamento adotados pelos associado, malgrado particularidades na forma
Institutos mostrava claramente o campo em que de atuar dos Institutos que, em determinadas
esta tensão se efetivou. situações, distorceram este caráter. De qualquer
forma, a implementação destes Planos sig­
nificou a perspectiva de concretizar uma política
de habitação social. "A tendência social que
objetivava fornecer habitações acessíveis aos
OS PLANOS DE FINANCIAMENTO salários da classe trabalhadora, representou a forma
HABITACIONAL DOS lAPs encontrada pelo Estado para intervir na questão da
habitação das classes de baixa renda como forma de
garantir a paz social e a continuidade do processo
Em que pese a ausência de uniformidade na de produção" (Varon 1988).
atuação de cada um dos lAPs. pautando-se em
normas e instruções específicas para o Já o Plano C representava a perspectiva
funcionamento das Carteiras Prediais - ressalta- atuarial dos lAPs, cujo objetivo era, simples­
se. por exemplo, as primeiras instruções do mente. garantir a máxima rentabilidade para as
IAPB, I/\PM e IAPE que previam até oito tipos reservas acumuladas.Varon (1988:237) definia
de financiamento para atendimento habi­ esta perspectiva como uma “tendência
tacional (ver Varon 1988:232/233)-. as normas empresarial", que "tinha como principal preocu­
definidas pelo IAPI para as operações imo­ pação a manutenção da estabilidade económica-
biliárias. baseadas em três Planos, gradati­ financeira das instituições previdenciarias, o que
vamente passaram a ser adotadas pelos demais limitava as aplicações imobiliárias destinadas a
Institutos, vigorando com poucas alterações até possibilitar o acesso à casa à classe trabalhadora ao
1964 (Varon 1988 e Farah 1983). Estes Planos montante de verba que não comprometesse o
eram os seguintes: equilíbrio financeiro dos lAPs". Assim, através do
Plano C, o IAPI financiava todo tipo de
Plano A: consistia no arrendamento ou construção: asilos, sedes sindicais e até
venda de unidades habitacionais em conjuntos indústrias; no entanto, o financiamento para
residenciais adquiridos ou construídos pelos construção de edifício de "luxo" (apartamentos
Institutos, tendo em vista propiciar aos seus de classe média e alta) foi, de longe, a principal
associados moradia compatível com seu nível de inversão do Plano C, atigindo no IAPI cerca de
vida, sem prejuízo da remuneração mínima do 80% do total (Farah 1983).
capital investido;
Os Institutos foram, efetivamente, de grande
Plano B: destinava-se ao financiamento para importância na viabilização das incorporações
a construção ou aquisição de habitações por imobiliárias, sobretudo no Rio de Janeiro.
iniciativa dos associados; Garantindo financiamento, eles criaram
condições para o intenso processo de
verticalização e especulação imobiliária que

mn
Origens da Produçfto e do Financiamento Estatal da Habitação

»
tomou conta da cidade, processo que Melo redemocratização de 1945. os lAPs não deram
(1992) chamou de "boom do século", "...os divulgação a estes dados, dificultando uma
Institutos dc Aposentadoria e Pensão investiram análise atual. Assim, obteve-se apenas dados do
direta e indiretamente (via concessão de crédito) na IAPI no período entre 1940 e 19 50. sistema­
construção de grandes edifícios comerciais e tizados na tabela 4.1.
residenciais, cm conjuntos populares e, sobretudo,
em terrenos, tornando-se os maiores detentores Como se vê. é bastante significativa a
individuais de terra urbana do país" (Melo 1992). inversão no Plano C. atentando-se para o fato
de que os números tratam apenas do
Entre 1940 e 50. apenas na capital da investimento em habitação, sendo que outros
República, foram construídos somente com empreendimentos também eram apoiados
financiamento do IAPI (não foi possível obter financeiramente pelo Instituto.
dados dos outros Institutos). 618 edifícios de
k• apartamentos, somando 4549 unidades Por outro lado, pode-se aferir que a partir de
habitacionais de classe média. A contribuição 19 50. os investimentos no Plano C devem ter
dos Institutos na consolidação do capital de
incorporação voltado para a produção de
apartamentos destinados à venda, alteração
importantíssima que se deu simultaneamente à
desestruturação do mercado de locação e do
setor rentista foi. portanto, crucial. É possível,
então, supor que grupos económicos exteriores IAPI
ao interesse de equilíbrio financeiro dos Financiamentos de Moradias Pelos Planos B e C
Institutos também se beneficiavam com a Valores em Cr$1.000 a preços de 1946
destinação dos seus recursos para o Plano C,
apoiando a perspectiva atuarial neles presente.
Esta constatação mostra que para além da
polêmica entre a rentabilidade ou a função so­ Ano Plano B Plano C
cial dos investimentos dos lAPs, existe uma 1940 3.936 1.828

í disputa por recursos públicos entre os segmentos


da sociedade que lutavam por uma política so­
1941
1942
8.761
6.289
21.823
46.256
cial de habitação e o emergente setor das
■ incorporações imobiliárias privadas destinadas
1943
1944
5.955
5.360
32.443
68.966
à venda de apartamentos para as classes de
maior renda. Luta que, na verdade, nunca mais 1945 13.438 38.086
deixou de existir. 1946 48.120 97.412
1947 110.046 140.646
Uma análise dos investimentos efetuados 1948 134.266 153.043
pelos lAPs nos seus Planos poderia ser 1949 67.220 121.867
esclarecedora sobre a prioridade que cada um
1950* 52.247 41.239
recebeu, refletindo o peso relativo da perspectiva
i social na ação dos Institutos. Infelizmente,
exatamente porque a destinação de recursos
Total 455.717 763.613

para a construção de edifícios de luxo numa •até setembro


conjuntura de aguda crise de moradias passou
a ser fortemente criticada por vários segmentos
Fonte: IAPI, 1950.
sociais, com destaque para os sindicatos e
grande imprensa, principalmente após a Valores deflacionados por Farah (1983)

VF71
Origens da Produçfio e do Financiamento Estatal da Habitaçfio

crescido relativamente muito mais que os Planos opinião durante a ditadura Vargas. O discurso
A e B. pois a produção habitacional social caiu predominante nas Jornadas de Habitação
acentuadamente. ao contrário do que acontecia Económica apontava para a necessidade de
no período anterior. Efetivamente, entre 1945 e serem criadas as condições que viabilizassem o
1950 salienta-se, como será mostrado adiante, acesso à propriedade. Objetivos de ordem
■ uma maior prioridade para a habitação social, económica, como os apontados por Oscar Egidio
tanto nos lAPs como através de outras medidas, de Araújo (1942), que visavam reduzir o custo
I
como a criação da Fundação da Casa Popular. A de reprodução da força de trabalho ou
ênfase para a habitação social no período do pós- ideológica, que viam o acesso à propriedade
guerra supõe-se ser consequência da busca do como um instrumento para transformar os
governo conservador de Dutra de se contrapor a trabalhadores em defensores da ordem e do
força e capacidade de mobilização do Partido conservadorismo, eram citados como razões que
Comunista do Brasil (PCB) nos grandes centros justificariam o empenho do governo e elites
urbanos, onde se temia que a insatisfação gerada dominantes para garantir a obtenção da casa
pela crise de habitação e de abastecimento em própria.
geral poderia causar perigosas rebeliões. A
manobra que resultou na ilegalidade do PCB em A conclusão do discurso do sr. Paulo Accioly
1947 reforçou ainda mais esta preocupação, de Sá, delegado oficial do Brasil no Primer
fazendo com que o governo investisse com peso Congreso Panamericano de la Vivienda Popular,
nos Plano A e B. que nunca receberam tantos realizado em outubro de 19 3 9, em Buenos Aires
recursos como nestes anos de Dutra, período e um dos representantes da corrente reformista
que, paradoxalmente, destacou-se pela repressão do Ministério do Trabalho, influenciada pela
às organizações populares e sindicais e adoção doutrina social da Igreja (Melo 1991), é exem­
de uma política económica conservadora ligada plar desta postura: "Terminare sintetizando la obra
aos interesses internacionais do capitalismo. que el gobierno y el pueblo del Brasil procuran
realizar. Dar a cada trabajador una casa que sea
É impossível, ao tratar da questão da habi­ suya, casa individual, mejor dicho, casa familiar,
tação social, deixar de traçar um paralelo entre porque liberdad exige un minimo de propriedad. El
a conjuntura do governo Dutra e o que se passou hombre que nada posee es la verdadera definición de
no período pós-64 quando, igualmente, num lo antisocial. Nosotros queremos el hombre libre, el
momento de grave crise de habitação e de hombre feliz” (República Argentina 1940 1:63).
mobilização popular, um golpe conservador se
utilizou de intervenções da área da moradia para Para as concepções dominantes no Estado
conter a insatisfação popular e angariar a Novo e para o discurso populista e paternalista
simpatia dos trabalhadores. de Vargas era inevitável a opção pela casa
própria. Significava uma demonstração
concreta de que o trabalho recompensava e que
o "progresso e desenvolvimento económico” do país
estava beneficiando as classes trabalhadoras. No
A OPÇÃO PELA
discurso de Io de maio de 1951, o presidente
HABITAÇÃO DE ALUGUEL: Getúlio Vargas expressou de viva voz sua
POR QUE NÃO A CASA PRÓPRIA? preferência pela casa própria, aconselhando os
lAPs a estimular sua obtenção: "A casa própria
para o trabalhador constitui uma das finalidades
Como vimos no capítulo 2, o debate sobre | essenciais que determinaram a criação das
habitação para os trabalhadores, a partir dos / organizações securitárias, e este ponto deve estar
anos 30, esteve marcado pela quase unânime | presente no espírito dos seus administradores”
preferência pela casa própria. Esta concepção A (Ensaios de Opinião 1975:22).
difundiu-se por vários segmentos formadores de

rvn
Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitaçllo

I
I
!
I

Assim, à primeira vista, surpreende o fato dos conjuntos construídos a partir do final da década
Institutos de Aposentadoria e Pensões terem de 30 foram destinados ao aluguel a
optado por alugar os conjuntos que haviam trabalhadores vinculados aos lAPs".
construído para seus associados.

0 Plano B, ao contrário, era destinado


Introduzida inicialmente pelas instruções exclusivamente ao financiamento para a
normativas do IAPI referentes às operações aquisição da moradia ou à construção de casas
imobiliárias, a locação das unidades habita­ destinadas aos associados que já dispussessem
cionais construídas em conjuntos (Plano A) de um terreno próprio. Neste sentido, o Plano B
acabou sendo adotada por todos os lAPs. Como
estava muito mais coerente com a concepção
afirma Farah (198 3:50), “a grande maioria dos
dominante, tendo se tornado um instrumento

rm

Origens da Produção c do Financiamento Estatal da Habitação

I
para possibilitar o acesso à casa própria aos Como esta política foi traçada na segunda
trabalhadores. Na Fundação da Casa Popular metade dos anos 30, quando ainda não era
também se optará, basicamente, pela casa perceptível a crise que atingiria o setor da
própria, embora tenha sido prevista a locação habitacional, que emerge a partir dos
possibilidade de locação. anos 40. o Plano A poderia ser entendido, nas
suas origens, menos como um programa de
No entanto, independentemente da habitação social e mais como uma outra forma
fl
quantidade de unidades construídas por um ou de investimento rentável dos fundos previ- 1
outro programa, a importância política do Plano denciários. Ao contrário do Plano B. que
A era muito maior do que a do Plano B: neste o viabilizava através da concessão de finan­ í
resultado do investimento foi pulverizado e. de ciamento a longo prazo a aquisição da pro­ I
certa forma, desaparece em milhares de priedade para os setores que não tinham outra
minúsculas e invisíveis edificações, enquanto opção para acessar a casa própria, o Plano A.
que os grandes conjuntos habitacionais dos enquanto concepção, apenas estatizava uma
lAPs. principalmente nos grandes centros atividade - a construção de casas para locação -
urbanos, simbolizavam e expressavam de forma que vinha sendo realizada por investidores
concreta, em imensas e grandiosas construções, privados.
a ação governamental na habitação social.
Assim, a opção pelo aluguel dos conjuntos Nas instruções que regulamentaram a
habitacionais mostra como era forte nos locação das habitações produzidas pelos lAPs
Institutos a perspectiva que defendia, para além não havia nada que indicasse que o aluguel a
de qualquer consideração de ordem social ou ser cobrado deveria ser social ou seja, inferior
ideológica, a preservação do património e das ao valor cobrado pelo mercado.
reservas da previdência.
Foi, portanto, uma lei genérica, a Lei do
Efetivamente, os lAPs também "adquiriram Inquilinato, que regulamentou as relações entre
grande quantidade de terrenos urbanos em diversos todos os inquilinos e proprietários, congelando
pontos dopais" (Farah 1983:64). para constituir os aluguéis, e não uma legislação específica
um património num período de forte valorização vinculada à ação governamental na área da
da propriedade imobiliária. A grande quantidade habitação que, ao lado do incremento da
de terra adquirida pelos Institutos, cuja extensão inflação, transformou o Plano A num programa
ultrapassava em muito a capacidade de cons­ habitacional com forte subsídio governamental
trução de conjuntos, mostra que o objetivo da e, portanto, conteúdo social. Mas, neste sentido,
aquisição era basicamente o crescimento do os lAPs subsidiaram (ou melhor, tiveram
património, que poderiam ou não servir, no prejuízo) da mesma forma que milhares de
futuro, para a construção de moradias. proprietários de casas de aluguel, que sofreram
uma drástica redução do valor real de seus
É neste contexto que deve ser entendida a rendimentos em benefício dos seus inquilinos.
opção pela locação dos conjuntos habitacionais. A diferença existente se refere ao fato dos lAPs
Assim como os lAPs buscaram criar um imenso terem que cumprir a lei, enquanto que os
património fundiário, a manutenção da proprietários usaram, como vimos, toda sorte de
propriedade dos conjuntos habitacionais visava expedientes para recuperar o valor ou o
a preservação e valorização de seu património, rendimento de seu património.
além de garantir a obtenção de renda através da
locação. Nesta linha de análise, estes Institutos Mesmo assim, os Institutos também busca­
podèriam ser vistos como uma espécie de ram alguns expedientes para impedir que os
“rentiers urbanos” estatais. novos conjuntos acabassem apresentando
rendimentos insignificantes. Na segunda

rm
Origens da Produção c do Financiamento Estatal da Habitação

metade da década de 50, com este objetivo, os valores investidos que permitam visualizar de
valores iniciais dos aluguéis ou prestações foram modo claro o que é subsídio, justificar por quê e
fixados a níveis elevadíssimos para contra­ a quem ele é atribuído e definir de onde provém
balançar as perdas futuras. 0 resultado foi a os recursos a fundo perdido necessários para
inacessibilidade para os associados: "Diversos cobri-lo. E, por outro lado, quais são os recursos
conjuntos e edifícios construídos pelos lAPs ficaram a serem financiados, que devem retornar
meses e até anos desocupados, tendo ocorrido vários inteiramente a fonte provedora. Apenas assim
casos de invasões de moradias por parte de cria-se condições para um fluxo permanente de
associados: ‘Não se trata de construir edifícios com recursos capaz de alimentar de modo contínuo
apartamentos que ninguém pode locar nem comprar uma política habitacional.
- isto não é Previdência Social mas sim realizações
de obras cuja única utilidade é a de figurar nos Longe estiveram os lAPs de estabelecer algo
noticiários com legendas pomposas’(Bancário ago/ que se aproximasse desta visão. Tendo seus
set 1959). A determinação de valores acima do fundos dilapidados por uma inflação crescente,
poder aquisitivo dos trabalhadores vinculados aos resignaram-se a atribuir tal desgraça a uma cota
lAPs parece ter decorrido do intuito de diminuir ao de sacrifício, em "nome do social”. E gradati­
máximo as perdas decorrentes do processo vamente, por razões óbvias, foram deixando de
inflacionário, da Lei do Inquilinato e da inexistência investir nos Planos A e B. como se constata
de um mecanismo de atualização das prestações" observando a queda da produção e do
(Farah 1983:106). Estes expedientes, que em financiamento nos anos 50.
nada diferiam dos adotados por proprietários
privados para garantir alguma renda de aluguel,
de pouco serviram, de modo que, sem regras
claras para garantir um retorno previsível dos
investimentos realizados, os resultados foram DA DISTRIBUIÇÃO DAS UNIDADES:
desastrosos. CORPORATIVISMO DEMOLINDO
A PERSPECTIVA SOCIAL
*4 Enquanto receita para os lAPs, a política de
retorno adotada para o Plano B foi tão grave ou
até mais grave que no Plano A, pois as prestações
Nas restrições que se pode fazer ao caráter
para retorno do financiamento eram fixas e,
social do atendimento dos lAPs. outro aspecto é
portanto, se depreciaram com o tempo, perdendo ainda grave: a caracterização da demanda
IF valor real. Assim, enquanto os usuários do Plano beneficiada pelos seus investimentos: "A ausência
A moravam quase de graça em edifícios de da regulamentação aconselhada pelas leis não
propriedade de órgãos governamentais, os

r
paralisava a movimentação evolutiva dos fatos, que
beneficiários do Plano B tornaram-se pro­ se transformou numa corrida para pistolões, áspera
prietários de unidades habitacionais pagando para muitos e fácil para poucos, cujas consequências
valores irrisórios. Seria esta uma política correta são notórias. Inverteu-se e deformou-se a estrutura
de habitação social? processual e administrativa. A Carteira Imobiliária,
que se encontrava inativa, teve a partir de 1956,
- Dehnitivamente, não! Dar ou alugar quase de
I graça para trabalhadores uma moradia sem
dispor de uma fonte a fundo perdido capaz de
maior atividade que em tempos normais, com o
acesso permitido àqueles que traziam numa simples
petição o autorizo do Presidente da República na
garantir a continuidade desta ação não é uma maioria das vezes e, em outras, o do próprio
política social, é uma iniciativa populista que presidente do IPASE" (OESP 1962).
visa, consciente ou inconscientemente, objetivos
políticos de curto prazo. Uma política habi­ Todos os estudos realizados sobre a ação
tacional de cunho social deve estabelecer habitacional dos lAPs (Farah, Varon, Melo,
critérios de financiamento e de retorno dos Sampaio) apontam no sentido da existência de

IL771

11

Origens da ProduçAo e do Financiamento Estatal da Habitaçfto

critérios não objetivos na seleção dos que setores de renda média e alta acabaram se
beneficiados, ou melhor, da utilização do beneficiando das ações habitacionais dos lAPs.
apadrinhamento político e clientelismo na
indicação da demanda para os conjuntos e para No caso do Plano B, a questão é de certa
-=—a obtenção dos financiamentos. Não resta forma regulamentada: o limite de financiamento
dúvida que isto ocorreu, sendo uma das marcas é estabelecido em 80 contos, ou seja, um valor
mais características de toda ação governamental elevado, obrigando-se os Institutos a conceder
na habitação social, neste período, incluindo cinco empréstimos de valor igual ou inferior a
também a Fundação da Casa Popular. Mas o que 50 contos para cada um que concedesse em
se destaca como ainda mais grave na ação dos valor superior a este limite. Como a prestação a
lAPs é o fato da concepção estrutural dos seus ser paga é proporcional ao valor do empréstimo,
atendimentos não estabelecer, de modo claro, a pode-se aferir que, no mínimo 20% dos
exclusividade para a baixa renda, permitindo beneficiários e porcentagem superior dos valores
beneficiar quem realmente não tinha financiados eram dirigidos a associados de renda
necessidade básica de habitação social. _ média ou alta.
•»
Não foi possível obter informações seguras e Sustenta-se, então, a hipótese de que uma
estatisticamente confiáveis quanto à parcela significativa dos atendidos pelos Planos
distribuição por faixa de renda dos benefícios A e B não eram trabalhadores da baixa renda.
habitacionais concedidos pelos Plano A e B dos Embora não se possa aferir com dados precisos
diferentes Institutos. No entanto, são fartos os este fato, há indícios seguros de atendimentos
indícios que apontam para a conclusão de que habitacionais a funcionários de renda média e
boa parte dos recursos investidos pelos alta.
Institutos, mesmo nos Plano A e B. acabaram
beneficiando segmentos de renda média e até
Sampaio, que realizou estudo e entrevistas
mesmo alta, além de excluir deliberadamente
em vários conjuntos dos lAPs, revela que
todos os trabalhadores pobres que, (
“pessoas da cúpula do Partido Trabalhista, dos
independentemente de sua renda, não fossem

I
sindicatos e funcionários graduados dos próprios
assalariados e. portanto, associados de algum
Institutos tinham prioridade" (Sampaio 1993:25).
IAP.
O arquiteto Eduardo Knesse de Melo, autor do
projeto do Conjunto Armando de Arruda
A estrutura corporativa dos lAPs, por si só, Pereira, do IAPI, afirmou, em entrevista, que o
já provocava distorções neste aspecto. Os Instituto “acabou alugando os apartamentos
Institutos, nos seus programas habitacionais de indiscriminadamente para atingir uma média mais
"cunho social", podiam beneficiar qualquer alta de aluguel” (Sampaio 1993:25).
associado, independentemente de sua renda. í

Dada sua maior capacidade de pagamento, de


acesso a informações privilegiadas e influência
política, os segmentos localizados no cume da
Há casos acintosos, como a construção do
Edifício Anchieta, localizado na Av. Paulista
(entre a Av. Consolação e a Av. Angélica), em São
í
!
pirâmide de cada categoria, assim como a Paulo, destinado à cúpula dos funcionários dos
burocracia sindical e dos próprios Institutos
Sindicatos e do trabalhismo, ou como a
tinham grande possibilidade de acessar os utilização de dois apartamentos de Conjunto do
benefícios dos lAPs. Considerando a excepcional
IAPI na Bela Vista pela deputada Ivete Vargas,
qualidade e localização de alguns dos conjuntos
filha do presidente, devidamente reformados e
construídos através do Plano A, como veremos conjugados.
adiante, e o fato dos Institutos admitirem como
associado qualquer trabalhador assalariado,
independentemente de sua renda e posição na No entanto, independentemente destes casos
hierarquia da empresa onde trabalhasse, é certo escandalosos de apropriação privada de recursos -
-

rrzn
Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitação

A maneira como os setores populares não


assalariados eram tratados pelo Estado pós-3O é
importante sintoma desta exclusão que o
corporativismo impunha a importantes seg­
mentos da sociedade pouco ou não integrados a
economia formal capitalista. Os favelados eram
estigmatizados como "marginais’’ e excluídos da
proteção do Estado, pela ótica dos Institutos. Esta
exclusão dos trabalhadores não previstos na
estrutura corporativista, que Melo (1991)
chamava de segmentação, está claramente
expressa em discurso pronunciado no Congresso
Nacional, em 1 937 por Salgado Filho, ex-
ministro do Trabalho. Indústria e Comércio do
Governo Provisório. Depois de ressaltar a
"grande obra social" realizada pelo Governo
Provisório na área da habitação para os
trabalhadores, o ex-ministro investe não contra
a favela, mas contra os favelados, recusando-lhes
o direito de serem atendidos por programas
habitacionais: “E não se confundam os operários,
os trabalhadores, com esses indivíduos que habitam
as ‘‘favelas” dos nossos morros. E sobre esse ponto
quero chamar a atenção da Câmara porque é uma
necessidade ser o assunto cuidadosamente estudado,
de vez que vi, no parecer da Comissão de Justiça,
referências àqueles habitantes das “favelas” do
Distrito Federal e verifico o pronunciamento daquele
órgão técnico da Casa no sentido da concessão de
terrrenos para atender a essa população pobre. Mas
será obra social atender-se a esses habitantes das
I “favelas” do Distrito Federal.que não são, a rigor,
operários? Talvez nelas habitam, excepcionalmente,
operários da nossa Capital. Todos os indivíduos que
ocupam essas “favelas", essas casas, já denominadas
públicos e de clientelismo - que se fortalece a
casas de cachorro, não são trabalhadores que vivem
partir de 1946 merece aprofundamento o de um salário honesto... Pergunto ã Câmara: será
caráter corporativo dos Institutos, que
obra social fazer-se uma edificação para esses
estabelecia uma distinção entre quem podia e vadios...?” (BMTIC 1937A:229/230). Salgado
quem não podia ser beneficiado, não pelo estabeleceu com precisão a forma como entendia
aspecto social, mas pela associação a uma que o Estado deveria discriminar e distinguir os
corporação. Traça-se, assim, uma nova linha pobres, que não mereceriam apoio, dos
divisória entre os cidadãos, que passavam a ter operários, a quem se destinavam as políticas
direitos sociais, que agora incluía os sociais promovidas pelo Estado. Assim, atacou
trabalhadores assalariados, e os sub-cidadãos, parecer elaborado pelo deputado Levi Carneiro
que não tinham lugar na nova ordem social que que considerava necessário atender a pobreza
se estruturava. O atendimento habitacional que habitava as favelas, afirmando “mas essa
pelos LAPs é exemplar desta concepção, como se pobreza não é constituída pela classe laboriosa, pela
revela no tratamento dispensado aos favelados classe que produz, já amparada, em grande parte,
no Rio de Janeiro.

É
I

Origens da Produção c do Financiamento Estatal da Habitação

pela obra do Governo Provisório, nas edificações ENTRE O SOCIAL E O ATUARIAL:


operárias, destinadas exclusivamente a serem AS AMBIGUIDADES E OS LIMITES
ocupadas por operários". Salgado, finalmente,
DA AÇÃO HABITACIONAL
interpõe os sindicatos como intermediários para
segmentar a demanda dos projetos habitacionais CORPORATIVA DOS lAPs
públicos, como que estabelecendo uma nova
linha divisória que distinguisse quem tinha
direito à cidadania: "tivemos a oportunidade - nós A polêmica entre a perspectiva social e
do governo provisório de impor, como condição para atuarial esteve presente em todo o período de
a concessão dessas habitações, fossem os funcionamento do lAPs, com acalorados debates
requerimentos encaminhados pelos sindicatos entre os que consideravam o investimento em
profissionais, evitando-se, assim, que indivíduos não habitação social um fim em si mesmo, que
operários se tornassem seus ocupantes, o que justificaria a ausência do retorno financeiro, e
desvirtuaria a grande obra realizada então "(BMTIC os que entendiam que ele significava um
1937A:23O). sacrifício e uma queima de reservas num setor
que não era o prioritário dos lAPs. Esta polêmica
Por outro lado, a estruturação corporativa expressa, efetivamente, o grau de ambiguidade
dos lAPs criava uma diferenciação extremada com que os governos populistas trataram a
entre as própria categorias profissionais. Os questão da habitação social.
bancários, por exemplo, eram uma categoria
privilegiada que recebia salários médios muito Por um lado, sindicatos e associados dos lAPs
superiores aos dos demais trabalhadores e. em protestavam contra o "desvio” da finalidade so­ 1
consequência, seu Instituto, o IAPB. podia cial de utilização dos fundos da Previdência,
garantir um atendimento habitacional para seus fazendo da questão um pretexto para
associados muito superior ao dos demais propagandear a luta de classes: "0 dinheiro dos
trabalhadores. Não por acaso, dos 54 mil contribuintes, foi aplicado em negociatas e obras
associados do IAPB em 19 5O(Farah 1983) nada suntuárias, verdadeiro roubo ao trabalhador já
menos que 1 7.858, ou seja 32%. foram suficientemente sugado pelos patrões (...). E fora os
atendidos pelos Planos A ou B da sua Carteira palácios e arranha-céus onde o operário não pode
Predial, número muito significativo. Não é à toa morar, onde o produto do seu suor foi aplicado
que foi tão grande a resistência à unificação dos através do dinheiro que foi obrigado a dar aos
Institutos e, em consequência da Carteiras institutos (O Trabalhador Gráfico 1947). "Aplicar
Prediais, um dos aspectos que dificultou a o dinheiro dos segurados em terrenos, arranha-
construção de uma política de habitação social céus(...) a juros compensadores, pode ser finalidade
no país. lucrativa, mas não é propriamente realizar os
princípios da assistência social” (IAPC 1941).
Criando categorias privilegiadas e setores
sociais excluídos, a ação habitacional dos Por outro, os técnicos da previdência
; Institutos ficou restrita e limitada, coerente com defendiam a rentabilidade pois os lAPs nào são
um estrutura corporativa que era inadequada às órgãos de habitação e sim de aposentadoria e
necessidades de um país que se urbanizava pensões: "(...)os financiamentos imobiliários
aceleradamente, multiplicando os problemas constituem ainda (...) a melhor aplicação do
j habitacionais e urbanos. património das instituições de previdência(...)
Argumentam os contrários a tais aplicações que ao
invés de financiamentos a terceiros, deixem os
Institutos cuidar da habitação de seu segurados(...).
Vale lembrar (...) que a moradia para os segurados
dos Institutos não é o objetivo principal, até porque

rm
Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitação

tais organismos, como bem sc denominam, o são de importância da renda e do lucro individual no jogo
aposentadoria e pensão (...) "(Alencar 19 50:3 55). da economia coletiva. O corporativismo está
destinado a promover a criação de uma sociedade
Efetivamente, os lAPs não eram órgãos de futura, na qual a preponderância do capital será
habitação: no entanto, a administração de substituída pela ascendência do trabalho e da
Vargas, desde o governo provisório em 19 30, faculdade organizadora. Longe de ser conservador, o
ainda timidamente, até o Estado Novo, com corporativismo, pela sua natureza, é fator de
muito maior peso, vinha assumindo grada­ transformação social" (Amaral 1938 apud
tivamente a questão habitacional como uma Sampaio 1993). A base ideológica do Estado
responsabilidade do governo e apontando as Novo de Vargas, fortemente influenciada por
instituições previdenciárias como os órgãos estes pensadores antiliberais. contribuiu
encarregados de equacionar soluções para o decisivamente para que a questão habitacional
problema. Os Institutos reuniam, ainda, um tal fosse se tornando um problema público e para
volume de recursos recolhidos dos traba­ que fosse enfrentado por instituições
lhadores. 50% dos quais podiam ser utilizados organizadas de forma corporativa, como eram
i
nas Carteiras Prediais, que era inevitável a os Institutos de Aposentadoria e Pensões.
pressão para que os destinassem a habitação so­
cial. Vargas, em discurso proferido em 1939. no
auge do Estado Novo, inclui a habitação como
A formação desta visão vinha sendo um direito básico do trabalhador: "Neste
estimulada pelo próprio Estado, além de programa (de realizações em matéria de trabalho e
¥ personalidades e entidades empresariais. previdência), não se limitou o Estado Novo a
Mostramos no capítulo 2, como lideranças desenvolver a política de proteção social, em boa
empresariais importantes, como Roberto hora iniciada em 1930. Ampliando as diretrizes
Simonsen, defendiam a intervenção do Estado anteriores, promove, deliberadamente, a valorização
d na questão habitacional; esta posição estava do trabalhador nacional, preocupando-se^ não
?! • coerente com as bases ideológicas e políticas do somente com as questões jurídicas inerentes ao
governo Vargas. contrato de trabalho^mas, sobretudo, com os
aspectos sociais e políticos do problema. Além de
reconhecer direitos básicos que, naquele contrato,
Na Constituição de 1934, Osvaldo Aranha,
assistem ao trabalhador, a legislação atual visa dar-
£ que foi ministro e exerceu grande influência no
governo Vargas, afirmou: “Não é possível o
lhe condições de vida compatíveis com a dignidade
humana, elevando-lhe o nível cultural,assegurando-
exercício do poder deixando à iniciativa privada a
lhe habitação condigna, cuidando da melhoria de sua
solução dos problemas coletivos" (apud Sampaio
alimentação, garantindo-lhe um salário vital e
1993). Como ressalta Sampaio, pensadores e

I ideólogos que exerceram importante influência


no Estado Novo, como Oliveira Vianna e Azevedo
do Amaral também defenderam com veemência
facultando-lhe participação efetiva nos negócios
públicos através de organizações sindicais" (Vargas
1939 in Vargas 1942 VII:90/91). Quando o
ditador enumerou suas realizações no campo do
o intervencionismo estatal e a adoção de
t; soluções corporativas para o país.
trabalho e previdência, não deixou de apontar
as realizações no campo da moradia, enfatizando
o atendimento corporativo aos filiados aos lAPs:
Amaral (1938) defende com ênfase o "Também o problema da habitação popular merece
corporativismo, que é a base da estruturação dos a atenção devida, sendo de mencionar os resultados
Institutos de Aponsetadoria por categorias obtidos com as vilas e bairros residenciais já
profissionais, afirmando que "Cada passo dado inaugurados em vários pontos do país e pertencentes
pela sociedade no sentido de uma organização a associados de instituições de previdência social"
corporativa acarreta um progresso económico, em (Vargas 1939 in Vargas 1942 VII:91), para
virtude do qual vai sendo paralelamente reduzida a concluir que estas realizações fazem parte da

■f


Origens da Produçfio e do Financiamento Estatal da Habitação

(j\

construção de uma estrutura nova onde Paulo, no Io de maio de 1944, transmitido por
vigoraria a harmonia social: "Basta, porém, a rádio para todo o país : "Terminada a fase de
resenha feita, para evidenciar como da nova ordem experiência e solidificação dos Institutos e Caixas,
nasce um país de estrutura nova, onde os benefícios cujas reservas vinham sendo aplicadas sob o critério
do Estado se espalham e distribuem por todos, de imediata segurança e rendimento certo, é tempo
procurando-se a harmonia social pela única forma de iniciarmos uma política de mais largo alcance
capaz de a realizar: o bem-estar e a felicidade de cada relativamente ao emprego dos fundos acumulados.
um. "(Vargas 19 39 in Vargas 1942 VIL95). Como Emprestar os depósitos das organizações de seguro
instrumento de retórica ou como preocupação social para construções suntuárias ou fazê-los cir­
real, o fato é que o Estado brasileiro através de cular a juros bancários é afastá-los da finalidade
Vargas vai incorporando o tema da habitação superior que ditou a legislação trabalhista (...).
como um problema do governo, ligado à Quanto à aplicações do capital também serão
proteção social aos trabalhadores assalariados adotados rumos diferentes(...). Com a^coLaboração
no mercado formal. das ^administrações municipais^qi/e entrosarão os
respectivos projetos nos seus planos de urbanização,
Não faltou, entretanto, quem criticasse esta construiremos cidades-modeTónãsproximidades dos
forma ambígua e fragmentária de enfrentar o grandes centros industriais, com instalações de
problema habitacional. Já em meados da década tratamento de saúde, de eduçaçao^prõfissioirats' e
de 30. Aguiar (1 9 3 5), diretor da Caixa físicas(...). CTcálcuIo”da mobilização finãnceira das
Económica Federal da Bahia, criticava a solução reservas atuais permite-nos anunciar o propósito de
adotada pelo governo através dos lAPs. que nelas inverter inicialmente quinhentos milhões de
gerava um fracionamento por classe e que cruzeiros". (Vargas 1944 in Vargas 1945 X:288/
s
demostrava que "ao governo brasileiro faltava 9).
vontade política para resolver a questão
habitacional" (Aguiar 1 93 5 apud Sampaio 0 discurso do ditador ganhava, assim, no
1993:19/20). ocaso do regime, tons cada vez mais populistas
e, nele, o problema habitacional tornava-se
crescentemente importante. Com o p.
Já ao final do Estado Novo, no entanto, com
o agravamento da crise de moradia no período fortalecimento da oposição democrática, Vargas
da guerra e com sua politização. Vargas parece necessitava, mais do que nunca, do apoio popu­
ter sido convencido de que era necessidade lar. Assim, de olho nos milionários recursos
intervir com mais decisão na questão da acumulados nos caixas da previdência e que se
habitação social, dando ouvidos^a posição de dirigiam, graça a postura da tecnoburocracia
técnicos de visão reformista do Ministério do atuarial encastelada nos Institutos,
Trabalho (Melo 198 7:148). Assim, ao mesmo preferencialmente para os investimentos de
tempo em que continuava a reforçar junto a maior rentabilidade, sobretudo para as
incorporações privadas, buscava dar eco à

I
massa dos trabalhadores a idéia de que o Estado
é responsável pelo enfrentamento da questão insatisfação popular, manisfestada num
habitacional, o presidente parecia disposto a verdadeiro "clamor contra este esbulho” (Correio
tomar partido por uma perspectiva social na da Manhã apud Melo 1991), e criou a CARPS -
utilização das reservas dos Institutos, criticando Comissão de Aplicação das Reservas da
a perspectiva atuarial e apontando para um Previdência Social, encarregada de estudar
rompimento com o corporativismo presente na como estavam sendo aplicados estes recursos e
concepção dos lAPs. propor alternativas.

Esta posição está cristalina no discurso que Numa perspectiva que o levaria, de certa
Vargas pronunciou em imenso comício para forma, a romper com a visão corporativista e se
trabalhadores, no Estádio do Pacaembu, São aproximar mais e mais de um populismo

fffHcl
Origens da ProduçAo e do Financiamento Estatal da Habitaç&o

I;
universalista. posto que dirigido para o conjunto com os investimentos na habitação social era
da população e nào apenas para as categorias reduzida, esta posição se consolida: "Hoje em dia,
associadas aos lAPs, Vargas apontava para o ninguém põe em dúvida a aplicação das reservas de
projeto de unificação dos Institutos - que chegou Previdência Social na construção de unidades
a ser instituído pelo Decreto 7536, de 1945, com destinadas ã moradia das classes menos favo-
a criação do Instituto de Serviço Social do Brasil recidasf...) Evidentemente, não pode caber às
(ISSB) - e para a formação de um órgão específico Instituições de Previdência Social, nem constitui
e único para tratar da questão habitacional, que, escopo principal de suas atividades, o encargo de
$ se tivesse sido concretizadc^poderia ter superado solucionar tão complexo problema (...) O Instituto,
as ambigiiidades presentes na estrutura nesse particular, está adstrito a contigências
corporativa dos lAPs: 'A unificação de esforços dos económico-administrativas que emprestam aspecto
grandes Institutos e o condomínio das construções limitado à solução preconizada. A política
■ de seguro social tornaram iniciativas desta natureza inversionista deve objetivar a obtenção, nos
(a construção de cidades modelo) perfeitamente conjuntos residenciais, de uma taxa média de
viáveis" (Vargas 1944 in Vargas 1945 X:289). remuneração suficiente à garantia da estabilidade
■ económica da instituição e a manutenção efetiva do
Vargas buscava superar as concepções valor real do seu património imobiliário" (IAPI
corporativas que serviram de base ideológica ao 1950).
Estado Novo. No entanto, como veremos no item
4 deste capítulo, a inviabilização da unificação Com base neste raciocínio, desenvolveu-se
da Previdência e da criação de um órgão uma concepção que se aproximava da idéia dos
habitacional forte, que redundou numa versão subsídios cruzados, que buscava justificar, do
nascida falida da Fundação da Casa Popular, ponto de vista social, as inversões realizadas no
jogou por terra a possibilidade de superar, Plano C: "Por sua destacada influência como
através da formulação de uma política elemento compensatório das aplicações feitas em
habitacional integrada e consistente, a frágil obras de caráter social, o chamado Plano C tem sido
proposta de enfrentamento do problema de extraordinária importância nas aplicações das
habitacional pelos Institutos. Estes não reservas do IAPI" (IAPI 19 50). Mas as reservas
poderiam ter tido outro fim senão o progressivo da Previdência ao longo da década de 50
enfraquecimento de suas intervenções na área declinaram progressivamente, deixando de ser
da moradia. uma fonte promissora para viabilizar o
financiamento habitacional.
Passado o período turbulento do pós-guerra,
quando o goyerno_Dutr-a-priorizou_a_produção Premidos pela necessidade de preservar suas I
.de conjuntos-habitacionais, e afastado-o-perigo reservas, privados da contribuição do Estado,
representado pela possibilidade da Fundação da que nunca entrou com a sua terça parte nas l
Casa Popular se tornar a gestora das reservas da receitas da previdência/e subordinados à
PrevidènciaTá camada tecno-ljurucrátícêTclos concepção corporativa e fragmentação
Institutos acabou consider^djo p nnangía^ent0 institucional própria de sua estruturação, enfim,__ _
habitacional de cunho social umajesgécie 3e não sendo órgãos destinados a equacionar o
concessão aceita a contragosto por pressões A problema habitacional, os Institutos mais
políticas, devido aos reclamos da opinião entravaram do que contribuíram para a (
pública, trabalhadores e sindicatos, sempre i formulação de uma política de habitação social
destacando tratar-se de uma 2cota de sacrifício” (y no Brasil. E malgrado esta conclusão, ambígua
que não deveria de maneira alguma e contraditoriamente, eles possibilitaram a
comprometer as reservas financeiras dos lAPs. concretização de um representativo conjunto de \
realizações de habitação social, de real H

r
No início da década de 50, quando estava significado arquitetônico, urbanístico e social. / j
cada vez mais certo que a rentabilidade obtida
tf

/íp’
■m r
Fundação da Casa Popular:
a Frustrada Tentativa de Construção de
uma Política Habitacional nos anos 40. i

Em dezoito anos de existência, a Fundação De modo pioneiro e original, Melo (1987 e |


da Casa Popular (FCP). primeiro órgão criado a \ 1991) analisa aprofundadamente o complexo
nível dó governo federal com atribuição jogo de interesses que transformou o ambicioso
exclusiva para equacionar o problema habi­ projeto original da Fundação da Casa Popular
tacional, produziu, em 143 conjuntos em todó^P num órgão secundário na máquina adminis­
o país, 16.964 unidades habitacionais..^o trativa federal, desprovido de poder e recursos /
mesmo tempo, os Institutos de Aposentadoria e para enfrentar o então gravíssimo problema
Previdência que. como vimos, não tinham como habitacional brasileiro. Reconstituir este quadro )
objetivo específico enfrentar a questão da é de importância para os objetivos deste trabalhoz 7-
moradia, viabilizaram a edificação de 124.025 posto que ojiaufrágio da proposta da FCP
unidades habitacionais, ainda sem contar os representoujião só u m atraso de vinte anos_na
milhares de financiamentos para a construção fprmulação de~~u~mã política habitaciona 1
de edifícios de classe média. consistente para o paísPcõmõ acabou ^õr
remeter o enfrentamento da questão nara um
/
Os número podem parecer, em termos momento político - o regime militar pós 64 - em
absolutos, igualmente insignificantes, mas que as forças interessadas em um equacio-
choca, à primeira vista, muito mais a quase namento social da questão estavam totalmente
nulidade da atuação da FCP, do que a produção alijadas doprocesso'político ~e com Teduzldas
reduzida dos lAPs. Efetivamente, a análise do possibilidades para interferir nos seus rumos e
que foi a Fundação da Casa Popular e, prin­ diretri^TTErppr coasequência, deixou defi- j\
cipalmente, do que deixou de ser quando tinha nitivamente^o-^ Estado ?èm~~respbsta para J
pré-condições excepcionais para ter sido uma enfrentar.o problema da moradia que se tornou
agência importante na implementação da questão a ser resqlyida.pelo próprifttrabalhador.
política de habitação social, nos revelará de
forma mais definitiva as contradições do Na verdade, o projeto da Fundação da Casa
populismo brasileiro e suas limitações para Popular acabou esvaziado exatamente porque os
equacionar o problema da moradia do país. setores ou grupos sociais que seriam

rm
Origens da Produçfto e do Financiamento Estatal da HabitaçAo

beneficiados com ela eram difusos e não se Repercutindo diariamente na imprensa, o tema
• ! ’

organizaram para defendê-la, talvez até porque não podia deixar de estar presente nos discursos
não perceberam sua real importância, enquanto políticos e nas propostas governamentais.
os que a ela se opunham, por interesses cor- Vargas, atento à situação e cada vez mais
porativos.econômicos ou políticos.agiram com necessitado de apoio popular, passou a incluir o
eficiência para desmantelá-la. Como afirma tema nos seus discursos para os trabalhadores.
Melo (1991:72/73), “o processo de formação da Citamos seu discurso no dia do Trabalho de
FCP exemplifica uma iniciativa ambiciosa de 1944, quando se compromete, depois de criticar
política pública, que partiu da burocracia executiva o uso dos recursos dos lAPs no financiamento a
e foi vetada por uma coalizão de interesses afetados construções suntuosas, a canalizar estes fundos
negativamente. Trata-se(...) de um contra-exemlo para a edificação de cidades-modelo nas
da autonomia do Estado (e por extensão de setores proximidades dos centros industriais, dotados de
do complexo organizacional brasileiro)". Mas qual infra-estrutura comunitária. Mais do que
era o projeto da FCP e em que contexto ele se inseriu?
I discursos, Vargas tomou iniciativas
institucionais objetivando direcionar para
finalidades sociais as vultosas reservas da
previdência, como a criação da CARPS -
Comissão de Aplicação das Reservas da
A FUNDAÇÃO DA CASA POPULAR Previdência Social. “Mandated ‘especially to study
COMO UMA RESPOSTA À CRISE DE and elaborate plans to build towns and housing.es-
MORADIA DO PÓS-GUERRA tgtes^all over the federal territory’ (Instrução
rB Governamental - Ministério do Trabalho 12/2/

1944), the Comission produced a report that did
Como já mostrei, a crise habitacional atingiu not satisfy the President. Its scope thus was broad-
seu clímax no período da guerra e anos seguin- ened to include ‘the study of the problem of working

í ‘__ tes. Em meio a uma desenfreada especulação class housing not only with regará to its contruction
imobiliária e intensificação da produção de and design but principally in connection with the
■ edifícios de luxo para venda, em parte finan- fundamental aspects which have to be studied and
i ciados com recursos da previdência social, resolved' (Instrução Governamental - Ministério
inexistiam casas e apartamentos para alugar aos do Trabalho Indústria e Comércio 3/8/1944).
i segmentos de baixa e média renda. O-con- These included the definition of interest rates (and
f gelamento dos aluguéis, instituído pela Lei do by extension of eventual subsidies): the share of the
Inquilinato enFT9427 já com5nSâ~suposta pension funds to be invested in housing; the income
I resposta do governo^rcaTênciã de~mõrãdias, brackets of the target population; and the localities
agravou a situaçãoTdesestimulandrra-eelocação where the schemes were to be implemented. The
í£ emphasis on these aspects indicates the high prior-
de novo_s_imjóveis~Ho mergafggg^^ocgçao' e
ity then accorded to housing and urban policy by
', provocando um inédito processo de despejos. O
crescimento da atividade economica, fortemente Vargas" (Melo 1987:149).
influenciada pela conjuntura da guerra, gerava
intenso processo de urbanização e de migração A vontade (e necessidade) política de Vargas
interno em direção às grandes cidades, para implementar transformações da estrutura
-4 requerendo mais alojamentos. institucional e nas políticas sociais neste
momento de crise do Estado Novo se evidencia
na proposta de unificação dos lAPs no Instituto
Nesta conjuntura, a questão da habitação se
de Serviços Sociais do Brasil (ISSB). Como
politizava como em poucos outros momentos na
mostra Cohn (1981), o ISSB - que chegou a ser /)
história do país, ^jjim clima de carências
instituído por decreto de Vargas - univer­
generalizadas, a falta de moradia gerava, como
salizaria os serviços da previdência social a todos
já mostramos, enorme descontentamento popu­
os habitantes e ampliaria os serviços
lar, que se expressava de diferentes formas.

rm

irai
Origens da Produção c do Financiamento Estatal da Habitação

assistenciais. superando o corporativismo até votação dos comunistas nas eleições de 1945,—
então presente, que limitava o atendimento. A principalmente nas grandes cidades - Dutra )
consequência natural desta unificação seria a conferiu à questão da moradia uma prioridade |
centralização das várias Carteiras Prediais dos jsem pa.r no-período^opulísta, como uma forma
i IAPs. que abririam o caminho para a formação de mostrar sensibilidàdè^ÕcFal nuníi área tensa
| de uma "powerful national housing agency" (Melo e explosiva, que de certa forma pudesse se

i 198 7:150). "Esta proposta de centralização da


política habitacional e urbana em uma superagência
contrapor às características extremamente
conservadoras de seu governo.
federal - que antecipou a ideia do BNH, criado vinte
anos depois - foi feita junto com a criação do ISSB" Dutra tomou medidas repressivas contra as
(Melo 1991:66). forças progressista^ intervindo em sindicatos,
colocando o Eartid.o_Çomunista^na ilegalidadee
Embora a deposição de Vargas tenha criado dissolvendo à força os Comités Democráticos e
obstáculos a este caminho, a gravidade e Progressistas que, como vimos, desempenhavam
evidência política da crise habitacional a papel importante nos bairros populares na
transformou em tema importante na campanha mobilização social contra os despejos, carência
I eleitoral de 1945. quando os candidatos fizeram de moradia e péssimas condições de habitação
na periferia. Uma intervenção mais eficaz na I
propostas concretas sobre o assunto (Melo
1991). Dutra, candidato vitorioso, identificando questão habitacional apresentaria um governo
a potencialidade do tema, o considera "grave, a que. malgrado seu conservadorismo político,
ser resolvido com toda urgência", propondo, em teria sensibilidade social, visão bastante
seu programa, a criação de uma Caixa Nacional simpática à Igreja, assustada com o crescimento I
de Habitação para possibilitar a construção de do comunismo nas áreas pobres das principais
cem mil casas populares. cidades brasileiras. A semelhança com a
conjuntura pós-golpe de 64 é visível.
O governo de Dutra, efetivamente, foi ágil.em
iniciativas na área habitacional. Já na posse do Assim, não surpreende que, entre 1946 e ; ,
ministro do Trabalho, em fevereiro de 1946, foi 1950, os IAPs e a FCP tenham-pr-oduzido. um /
anunciada a criação da Fundação da Casa Pop.u- número de unidades habitaçionais^superlqr ao /■
lar. em março o anteprojeto foi divulgado para realizado por qualquer outro governo até 1964.
receber sugestões e em Io de maio foi ofi­ No entanto, a democratização do país - que
cialmente instituída, demonstrando a preo­ reduziu a autonomia do Estado para
cupação do governo frente à explosiva crise implementar políticas sem realizar consultas
habitacional. De fato, intervir na questão da as características do governo Dutra - a quem
moradia era politicamente importante para o faltava a determinação e obstinação de Vargas -
governo, "com a crise, este problema passara a ter e a firme oposição de setores que seriam
grande visibilidade política e adquirira potencial afetados, além do silêncio dos que seriam
para articular um consenso, pois incorporava beneficiados, impediram que fosse
demanda populares (habitação e emprego) e implementado o anteprojeto original da
empresariais (especialmente das indústrias de Fundação da Casa Popular, que possivelmente a*l
materiais e da construção civil). Ademais ,a transformaria numa agência habitacional de \ 7
habitação constituía uma peça importante do porte capaz de enfrentar de uma forma
discurso conservador e de setores da Igreja Católica, abrangente a questão da moradia.
que identificavam a posse de um imóvel à
estabilidade social." (Melo 1991).

Pressionado pela gravidade da situação


habitacional e pelo crescimento das forças de
■esquerda - que se expressou pela excelente

■ I:V1
Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitação

AS RESISTÊNCIAS À caráter “nitidamente redistributivo: adquirentes de


FUNDAÇÃO DA CASA POPULAR imóveis mais bem aquinhoados estariam sub­
sidiando os menos favorecidos, mediante o finan­
COMO ÓRGÃO CENTRALIZADOR
ciamento da Fundação da Casa Popular".
DE POLÍTICA HABITACIONAL
A Fundação da Casa Popular teria, assim, I
além de outras fontes de recursos tradicionais,
O anteprojeto da FCP dava conta dos aspectos como doações, contribuições ou transferências
fundamentais para viabilizar uma novo marco do Tesouro, as vultuosas reservas dos Institutos
na intervenção do Estado na questão da e recursos do processo imobiliário, cujo dina- |
habitação: centralização da gestão, fontes mismo no período de funcionamento da FCP foi^
permanentes de recursos e uma visão intenso.
abrangente que buscava articular a produção da
moradia com o desenvolvimento urbano. No
<2- x. A oposição à Fundação da Casa Popular foi.
entanto, como salientou Melo (1991:67), “o
entretanto, fortíssima. Potenciais aliados, como
decreto que estabeleu as bases da Fundação da Casa
a indústria da construção civil, colocaram-se de
Popular constituiu apenas um resíduo do ante­
modo cético, questionando a possibilidade de se
projeto divulgado pelo executivo, que sofreu
enfrentar efetivamente o problema. Na verdade,
profundas transformações a partir dos vetos feitos
este setor temia que um plano público de larga
pelos diversos atores coletivos que participaram da
envergadura da área da habitação social (havia
arena decisória".
se anunciado a intenção de construir 100 mil
-.4 casas) criasse grandes dificuldades para a
Dentre os aspectos que sofreram alteração obtenção de materiais de construção, então
estavam dois extremamente importantes: o que extremamente escassos, prejudicando o
garantia a centralização da política habitacional lucrativo negócio das incorporações para a
I na FCP (artigo 13) e o que criava uma espécie venda. Esta visão é apresentada pelo presidente
de empréstimo compulsório por 30 anos, que do Sindicato da Construção Civil: “...Falta-nos
viabilizaria recursos baratos e contínuos para cimento, tijolo,areia, pedra, enfim todos os
viabilizar a política habitacional da FCP (artigo 9). materiais de construção...É comum faltar cimento
no Rio de Janeiro por deficiência de vagões...Como
A O artigo 13° do anteprojeto, ao determinar pensar em iniciar um grande plano de constução de
que todas as operações imobiliárias - incluindo casas populares se tudo nos falta inclusive os meios
a construção de conjuntos ou o financiamento para transportar os materiais?" (O Globo 6/12/46
habitacional - que estivessem em andamento apud Melo 1991). Estes setores também temiam
pelos lAPs, deveriam ser suspensas e pela interrupção dos créditos imobiliários para
encampadas pela nova instituição; centralizavaT as incorporações, que poderia ser a conse­
na FCP todas as atividades ligadas à produção quência da transferência das reservas dos lAPs
habitacional promovidas pelo poder público, para FCP. Por este ponto de vista, a FCP faria
retirando esta atribuição dos lAPs. O artigo 9o, J parte de uma estratégia governamental de
por sua vez, criava um empréstimo compulsório 1 grande visibilidade política para combater a
de 30 anos a ser pago por pessoas físicas que intensa especulação realizada com os recursos
adquirissem terreno de valor superior a 200 mil da Previdência, que seria um elemento
cruzeiros (de valor equivalente a 0,5% do preço acelerador da inflação (Melo 1991).
de compra) ou construíssem edificações de área
superior a 200 m2 (de valor equivalente a 15 f Na verdade, era forte, na opinião pública e .
cruzeiros por m2). Tratava, na verdade de uma í mesmo no governo, a posição de que se deveriâj j
taxa sobre a transação ou produção imobiliária / suspender os créditos imobiliários com recursos
que, para Andrade & Azevedo (1982:22) tinha dos Institutos, o que chegou a ser adotado em

nn

,1
Origens da Produção c do Financiamento Estatal da Habitação

parte deste período, gerando intensos protestos Por outro lado, a oposição à unificação das
do setor imobiliário: “Não há casa para morar, Carteiras Prediais dos Institutos e à sua
porque não se constroe. Não se constroe porque não transferência para a Fundação da Casa Popular
há financiamento. Não há financiamento porque o partiu também, de vários outros setores que
governo federal coibiu. E o governo, utilizando as sentiram que, qualquer modificação na forma de
reservas dos Institutos cria a FCP... e a FCP toma funcionamento dos lAPs poderia prejudicar
emprestado dos Institutos para construir meia duzia interesses, em geral de caráter corporativo, já
de casas”. (Monitor Mercantil 23/3/1949 apud consolidados em torno destes orgãos. A alta
Melo 1991). burocracia dos lAPs, assim como grupos ligados
à estrutura pelego-corporativa do Ministério do
A oposição do setor da construção civil, de Trabalho se opõem ao projeto da FCP porque a
certa forma, pode ser caracterizada por uma concretização deste órgão, enfraquecendo os
ç^vdisputa poi recursos públicos, colocando em Institutos, iria reduzir seu poder, rompendo laços
posições opostas os que defendiam a habitação clientelísticos e retirando-lhe o controle na
social promovida pelo Estado e. por outro, os distribuição dos benefícios da previdência. "Eles
promotores imobiliários privados, ávidos por resistiram ao plano de unificação das carteiras
fontes de financiamento. Predomina, portanto, prediais e a sua transferência para a FCP. Temia-se
a perspectiva do incorporador imobiliário e não que este órgão, criado pelo governo Dutra (hostil ao
a do £onstrutor: “A perspectiva das empresas de anterior), levasse adiante uma estratégia de
construção serem incorporadas ao plano de solapamento da base material de sustentação do
habitação enquanto contratistas de obras públicas, clientelismo. A proposta universalista da FCP
com pequena margem de lucro, era descartada vis- representava, de fato, uma ruptura com o caráter
à-vis as operações especulativas no mercado de corporativo da política habitacional praticada
incorporações que emergiu e se consolidou nos anos durante o Estado Novo, que garantia direito de
40”. (Melo 199 1:70). acesso ãs unidades construídas apenas aos membros
das categorias aglutinadas nos diversos lAPs " (Melo
1991:67).
Em torno da questão da criação da FCP e da
formulação e implementação de uma política
habitacional de grande porte como requeria O rompimento com o corporativismo que a
aquele momento de grande expansão urbana, criação da FCP gerava, provocou o oposição
estava claramente colocado a questão da cerrada do Movimento Unificado dos Servidores
prioridade no uso das vultuosas reservas da da Previdência (MUSP). Este sugeria a criação d
Previdência, que cresceram brutalmente em de uma agência que estivesse acima dos lAPs,
: decorrência do regime de capitalização e da contanto que, sua ação ficasse restrita aos
próprios contribuintes, ou seja, que se
i
-—^expansão do número de segurados. Além dos
j incorporadores imobiliários, estes recursos, que mantivesse a segmentação no atendimento.
"se tornaram um elemento central do padrão de Ressaltava-se que os servidores da previdência
financiamento da economia brasileira", eram eram geralmente privilegiados na distribuição
do atendimento habitacional realizado pelas
disputados para implementar os grandes I
projetos desenvolvimentistas. Assim, a Carteiras Prediais. I
burocracia atuarial que administrava as
reservas da Previdência (da qual faziam parte "7 ■*” De certa forma, foram estes mesmos setores
nomes como Hélio Beltão, Romulo Almeida e ■ que inviabilizam a implementação do Instituto
Heitor Lima Rocha) passou a integrar o círculo ' de Serviços Sociais do Brasil ISSB, órgão que foi
de tomadores de decisões na esfera económica ! instituído no final do governo de Vargas
e, obviamente, não queria perder este poder, -^--unificando os lAPs. A unificação, num e noutro
utilizado no fortalecimento do modelo caso, feria os interesses corporativos de cada
económico, marcado pelo desenvolvimentismo. categoria posto que os Institutos foram criados

rm
Origens da Produçfto e do Financiamento Estatal da Habitação

com legislação própria e concediam benefícios Os sindicatos se opuseram ao anteprojeto


diferenciados aos seus associados. Neste sentido, porque queriam assumir eles próprios o controle
como mostra Cohn (1981), existiam categorias do aparato administrativo dos lAPs e porque
muito mais privilegiadas em termos de entendiam que a criação da FCP geraria um
atendimento, até porque recebendo salários esvaziamento das instituições da Previdência.
superiores, contribuíam com valores mais Queriam, na verdade, articular o movimento
elevados para seus institutos. É o caso do sindical com as instituições previdenciárias.
Instituto dos Bancários, que conseguiu ampliando sua esfera de poder. Justificavam sua
universalizar o atendimento médico para toda a oposição, no entanto, argumentando que os
categoria (os industriários só atingiram, no Institutos poderiam desempenhar a atribuição
máximo 30%) e que propiciaram habitação para de enfrentar o problema habitacional, como se
cerca de 30% dos associados. vê neste pronunciamento assinado por cinco
Federações de trabalhadores e dois sindicatos de
A unificação e universalização do São Paulo: “somos contrários à criação da
atendimento tanto dos Institutos de Previdência, Fundação da Casa Popular porque entendemos que
no ISSB, como das Carteiras Prediais, na FCP, as instituições da Previdência poderão com
eliminariam estes privilégios, promovendo uma vantagens realizar o trabalho que fosse confiado a
espécie de política redistributiva entre os futura organização" (OESP 28/4/1946). Esta tese,
assalariados de renda média/alta e os de baixa como vimos neste mesmo capítulo, não tinha
renda. Assim, não é de se estranhar as resis­ fundamento, posto que repetidas vezes os lAPs
tências à implementação do ISSB e da FCP, que afirmaram que não era seu objetivo enfrentar o
foram suficientemente fortes para impedir problema habitacional.
qualquer modificação significativa nesta
estrutura até 1964. quando uma nova ditadura O Partido Comunista, por sua vez. cujo poder
-agora antipopulista- deu coritinuidade, de mobilização era, em princípios de 1946.
contraditoriamente, ao projeto de unificação formidável, também posicionou-se com enfase
muito semelhante ao proposto por Vargas, com contra a FCP, considerada um instrumento
a extinção dos lAPs e criação do INPS e, por Y' conservador para, demagogicamente, iludir os
outro lado, com a transferência das Carteiras L_ trabalhadores, como afirma o lider do PCB, João

i Prediais para o Banco Nacional da Habitação


(Cohn 1981 e Melo 1987).
Amazonas: “com a lei demagógica da casa própria
visa o governo reconquistar o prestígio no meio dos
trabalhadores, bastante afetado com a decretação
Setores que, ao menos em tese, poderiam ser do regulamento sobre as greves..." (CM 2 5/4/1946
sensíveis à proposta de criação da FCP, como os apud Melo 1991:68). Os comunistas criticaram
sindicatos, as entidades profissionais e os principalmente o fato da FCP propor a casa
I comunistas, também criticaram com veemência própria como a forma básica de acesso a
a proposta, por diferentes razões. Estes grupos, moradia, medida que considerava reacionária e
por terem preocupações centradas - ao menos que visaria cooptar os setores populares,
no discurso - na melhoria das condições de vida atraindo-os para o campo conservador.
dos trabalhadores, poderiam ter sido decisivos na
sustentação de um projeto mais audacioso e Esta mesma ressalva foi feita, em documento
eficaz para enfrentar o problema habitacional, de oposição à FCP encaminhado ao Congresso
articulando uma sustentação popular a FCP. No Constituinte, pelas entidades profissionais
I entanto, interesses centrados em outras
questões e a ausência de uma visão que valorasse
ligadas a área da construção, como, entre
outras, o Instituto dos Arquitetos do Brasil e o
como uma conquista a criação de uma política Clube de Engenharia, que criticaram, ainda, o
habitacional para o país, levaram estas entidades fato do projeto tratar do problema da habitação
para a oposição ao projeto. e da política urbana como "a mera construção de

rm
*

Origens da Produção e do Financiamento Estatal da HabitaçAo

casas" (Melo 1991). Esta crítica era infundada, apoiados timidamente por um novo governo que
posto que o decreto que instituiu a FCP previu pretendia deflagar alguma iniciativa politi­
várias intervenções ligadas ao desenvolvimento camente forte para atenuar a explosividade da
urbano, como veremos adiante, mas mostra crise de moradia. A incapacidade do governo
como argumentos contrários eram buscados na Dutra de resistir aos interesses dos que se
ansia de contraposição ao novo órgão. opunham ao anteprojeto da FCP, marca um
momento de enfraquecimento do executivo,
A oposição dos setores “de esquerda" ao quando a intervenção estatal estava sob forte
anteprojeto da FCP mostrou que o tema da crítica, sendo associada ao autoritarismo recém
política habitacional era uma bandeira de derrubado. "Grandes projetos de engenharia
caráter nitidamente conservador, principal­ institucionais, associados ao getulismo, haviam
mente vinculado à Igreja Católica que enfatizava perdido a legitimidade. ...Face à fragmentação dos
a relação entre a família e a moradia como bases interesses, só um executivo forte e autonômo poderia
da estruturação moral e cristã das classes constituir-se numa instância maior de resolução de
populares, como vimos no capítulo 2. A defesa conflitos. O projeto de uma superagéneia de habi­
da casa própria como a solução mais adequada tação apresentava uma clara linha de continuidade
ao problema foi enfaticamente defendida pelos com uma proposta anterior, formulada pela ditadura
setores católicos, enquanto que as posições de de Vargas. A nova instituição apareceu então como
esquerda, fortemente influenciadas pelo PCB. um resíduo, uma idéia fora de lugar, que sucumbiu,
defendiam soluções habitacionais baseadas no na ausência de condições que a viabilizariam:
aluguel.Eram principalmente técnicos do existência de um Estado forte e autónomo e
Ministério doTrabalho. vinculados às doutrinas inexistência de atores capazes de oferecer resistência
sociais da Igreja que formularam e defenderam ativa. (...) As escolhas estratégias dos membros da
uma intervenção mais contundente do Estado na coalizão que resistiu à proposta da FCP pareciam se
questão da moradia. (Sá 1939. Porto 1938). pautar pela seguinte lógica: num quadro de
incertezas, o status quo é preferível a um esforço de
construção institucional que modifique as posições
Combatido por tantos segmentos sociais, nao relativas, incorporando interesses contrários'^. v
é de se estranhar que o projeto original da FCP (Melo 1991:73). O paralelo com o abandono do
tenha sido abortado. É certo que sua imple­ ISSB é natural e óbvio, sendo sintomático o fato
mentação não foi suspensa, pois o governo pre­ de estas transformações institucionais apenas
cisava apresentar alguma resposta à crise de terem sido retomadas quando se instalou um
habitação que se vivia. Mas ela perdeu a força novo governo forte, em 1964.
que teria caso passasse a centralizar a política
nacional de habitação e dispusesse de recursos
de origem não orçamentária para implementar
suas intervenções.
A DEPENDÊNCIA DOS
A coligação infortuita de atores que se RECURSOS ORÇAMENTÁRIOS
contrapuseram a este projeto, mostrou que,
/ naquela conjuntura o Estado perdeu, ao menos
? temporáriamente sua autonomia para formular Dentre os aspectos que tornaram a FCP um 1
\ e implementar políticas, como afirma Melo órgão frágil para enfrentar a questão da >
(1991). Na verdade, além da oposição de agentes moradia, a quase inexistência de recursos de
externos ao Estado, ocorreu um conflito origem não orçamentária foi decisivo.
interburocrático, entre a tecnocracia da Inviabilizada a unificação das Carteiras Prediais
previdência e setores da burocracia do e a transferência de suas operações e reservas
Ministério doTrabalho defensores de uma maior para a nova instituição, a FCP teve que se
intervenção do Estado na questão social, contentar com recursos de outras fontes. O'
>

rm &
Origens da Produçfto do Financiamento Estatal da Habitação

empréstimo compulsório sobre as transações ou Barros pretendia ele próprio promover


produção imobiliária, previsto no artigo 9o do empreendimentos habitacionais, tendo criado
anteprojeto também foi vetado, principalmente em 1949 a Caixa Estadual de Casas para o Povo
pela oposição do setor de construção civil. Em - CECAP (GAP 1985, Melo 1987).
seu lugar foi criado uma “contribuição obrigatória
de 1% sobre o valor do imóvel adquirido, qualquer No fundo, havia interesse na implementação
que seja a forma jurídica da aquisição, cobrado de orgãos regionais para enfrentar o problema
juntamente com o imposto de transmissão, de valor habitacional, mesmo que tenham ficado, como
igual ou superior a 100 mil cruzeiros" (Brasil 1946 a CECAP. inoperantes durante seus primeiros
apud Andrade & Azevedo 1982). tempos de existência. Este fato mostra que a
questão habitacional tornava-se cada vez mais
A cobrança deste imposto, entretanto, nunca um problema governamental, nos vários níveis
se viabilizou,tanto por sonegação como porque de governo. De fato, no período em estudo, houve
os Estados, a quem cabia fazer a cobrança a ser um claro rompimento tanto com a postura não
posteriormente repassada à FCP, contestaram intervencionista da República Velha como com
sua introdução (alegavam a constitucionalidade a perspectiva corporativa dominante durante o
do tributo, que seria área de competência fiscal Estado Novo. Rompendo com a segmentação,
dos Estados), além de não quererem arcar com formaram-se, além da FCP, inúmeros orgãos
o ônus administrativo e desgaste político da estaduais e municipais encarregados,
cobrança (Andrade & Azevedo 1982:23). exclusivamente ou em conjunto com outras
Efetivamente, seria acreditar em milagres crer atribuições da área da assistência social, do
que os Estados, sem receber nenhuma problema da habitação popular, destinados ao
contrapartida e sem que a FCP dispusesse de conjunto da população. A abrangência desta
instrumentos de pressão, fossem arrecadar um tendência no período que antecede a criação do
imposto de legalidade duvidosa para ser utilizado BNH e dos seus agentes promotores públicos,
por um órgão do governo federal que, como revela-se na extensa lista de órgãos criados em
veremos, agia politicamente na implementação cada localidade com este objetivo (apenas a
de projetos habitacionais. 'A despeito da existência primeira denominação assumida), além da já
de texto de lei determinando aos Estados o citada CECAP: Serviço Social contra o Mocambo
recolhimento aos nossos cofres da taxa de 1% sobre (Pernambuco 194 5), Departamento de Habi­
os impostos de transmissão cobrados..., a quase
r totalidade das Unidades da Federação tem se abstido,
tação Popular (Distrito Federal 1946), Fundação
Leão XII (Rio de Janeiro 1947), Superin­
através dos cinco anos de nossa existência, de tendência de Habitação (Porto Alegre 19 50),
observar os termos de tal dispositivo legal" (O Caixa de Habitação Popular (Paraná 1950),
Núcleo 1951:2) Instituto de Bem Estar Espírito Santense IBES
(Espírito Santo 19 52), Fundo Especial para a
I A FCP tinha que realizar, muitas vezes Casa Popular (Caixas do Sul 1952), Comissão de
inutilmente, gestões juntos aos governos Assistência Social do Município CASMU (Capi­
estaduais para tentar receber este imposto. A tal de São Paulo 1953), Departamento Munici­
resistência de alguns governos era explícita, pal de Habitação e Bairros Populares (Belo
revelando desinteresse tanto em arrecadar o Horizonte 1956). Comissão Estadual de Terras
imposto como em receber o benefício, muitas e Habitação (Rio Grande do Sul 1960),
vezes entendido como uma interferência na Companhia Estadual de Habitação Popular
autonomia do Estado. Este era o caso de São (Paraiba 1962), Conselho Estadual de
- Planejamento da Habitação Popular (Minas
Paulo, cujo governador Ademar de Barros
solicitou o fechamento do escritório regional da Gerais 1962), Fundação da Habitação Popular
FCP. De olho nos dividendos políticos e (Rio Grande do Norte 1963), Sociedade de
enfrentando nas principais cidades paulistas, Habitações Económicas de Brasília (Distrito Fed­
sobretudo na capital, forte crise habitacional, eral 1962), Fundação do Serviço Social de

ira
I 'I

I
!
= Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitação
I

I
I
I Fortaleza (Fortaleza 1963) Companhia A POLÍTICA HABITACIONAL DA
I Urbanizadora de Salvador (Salvador 1963). FUNDAÇÃO DA CASA POPULAR: DE
I Levantamento mais apurado poderá ampliar
INSTRUMENTO ANTICOMUNISTA À
i ainda mais esta já significativa série de orgãos
PRÁTICA DO CLIENTELISMO
criados para cuidar do problema habitacional;
I certo é que os governos a nível local buscaram
I
I criar instrumentos para intervir na questão, sem
I se empenharem em contribuir para que a FCP A Fundação da Casa Popular nasceu
se viabilizasse financeiramente, com recursos impregnada por objetivos bastante amplos,
! arrecadados no âmbito estadual. mostrando que a burocracia estatal que buscou
viabilizá-la tinha uma compreensão correta da
Sem conseguir viabilizar sua cobrança, em complexidade do problema da habitação,
1951. foi extinto o imposto sobre as transações principalmente nos grandes centros urbanos.
imobiliárias, ficando a FCP a depender quase que Pode-se argumentar, como faz Andrade &
exclusivamente dos recursos orçamentários da Azevedo, que as metasL anunciadas eram
União, disputados por todos os setores de “pretenciosas_e irrêajistas", frente ao quadro
governo e projetos de desenvolvimento. frágil em que surgiu a FCP. No entanto, os
Depedente do orçamento federal, sem fontes de formuladores do novo órgão parece terem tido a
recursos que pudessem garantir sua clareza de perceber que o problema da mor^di^T^
autosuficiência e despreparada para enfrentar no quadro urbano do país na década de 40 não j
a depreciação inflacionária que corroía suas podiaTícar restrito a mera construção de casas J-
aplicações e o retorno de sua exígua carteira de como na prática acabou ficando. Assim, o.'.
financiamentos, nada mais se podia esperar, em Decreto-Lei 9.777 que regulamentou a FCP, deu- ;
termos de realizações, da FCP. lhe possibilidade de atuar como um verdadeiro
“órgão de política urbana lato sensu", como
aponta Andrade & Azevedo (1982:21).
Ainda se tentaram, no segundo governo
Fundação cabia "financiar obras urbanísticas dé
Vargas, outras alternativas, como a criação de
abastecimento de água, esgotos, suprimento de' ••
um banco hipotecário, que chegou a receber o
energia elétrica, assistência social e outras que
nome de Banco Hipotecário de Investimento e
visem à melhoria das condições de vida e bem estar
Financiamento da Habitação Popular, a quem
das classes trabalhadoras(...); financiar as
caberia a execução da política, ficando a FCP
indústrias de material de construção, quando por
responsável pela normatização (Andrade &
deficiência do produto no mercado, se tornar •
Azevedo 1982 e Melo 198 7). Visava-se, assim,
indispensável o estímulo de crédito(...); proceder a
captar recursos que dessem maior autonomia e
estudos e pesquisas de métodos e processos que
capacidade de empreender à FCP, mas a inércia
visem ao barateamento da construção (...); financiar
governamental e a falta de prioridade
as construções de iniciativa ou sob a responsa­
predominaram tanto nesta oportunidade como
bilidade de prefeituras municipais, empresas
no tumultuado período de 1961/64, quando j
industriais ou comerciais e outras instituições, de
ocorreram várias tentativas inóquas de
residências de tipo popular destinadas à venda a
transformação (Melo 1987, Andrade & Azevedo
baixo custo ou locação, a trabalhadores, sem
1982); estas, no entanto, serão tratadas neste
objetivo de lucro(...); estudar e classificar os tipos
trabalho, posto que se vinculam mais ao
de habitação denominados populares, tendo em vista
processo que levou a criação do BNH do que à
as tendências arquitetônicas, hábitos de vida,
ação realizada no período populista.
condições climáticas e higiénicas, recursos de ma­
terial e mão de obra das principais regiões do.
país(...)". (Brasil 1946:753/6) I
I
Esta enorme gama de atribuições, embora

rm

Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitaçfto

possa parecer megalomania burocrática, era estivadores, dominado pelos comunistas que
importante para deflagrar uma intervenção comandava o bloqueio a um navio espanhol, em
habitacional de porte, como se pretendia, nas protesto contra a ditadura fraquista. Este tipo de
^condições presentes na década de 40. Naquele ação é coerente com os objetivos mais gerais da
\ momento, a acelerada expansão urbana FCP, que visava utilizar o atendimento
I requeria com urgência a implantação da infra- habitacional como instrumento para apaziguar
1 estrutura, não só em conjuntos habitacionais os setores mais radicalizados da classe
; como em loteamentos populares e a produção trabalhadora, fortemente influenciada pelo PCB.
'^habitacional estava fortemente inibida pela tornando-os mais conservadores.
carência de materiais de construção. Por outro
lado, parece ter havido consciência de que a FCP Passada, no entanto, esta fase mais aguda do
teria que se articular com o poder municipal e conflito ideológico, a política de distribuição dos
outras instituições locais, tanto no que se refere benefícios da FCP ganhou tons mais clientelistas.
ao apoio financeiro e técnico como à busca de Num contexto crescentemente inflacionário, a í
soluções habitacionais específicas para as obtenção de uma unidade habitacional da FCP.
condições regionais. Preocupações como cujas prestações eram fixas, tornou-se um
estimular a pesquisa de soluções que garan­ bilhete de loteria, fazendo crescer a demanda ao
tissem o barateamento do custo da construção mesmo tempo em que a oferta se manteve
mostram que havia, nas origens da FCRT sempre exígua. Os mecanismos para selecionar
tendência capaz de propiciar alternativas viáveis / os beneficiados eram inevitavelmente duvidosos,
para equacionar o problema da habitação social \ pois inexistiam critérios objetivos. As limitações
no país, a baixo custo. -- ao acesso eram excessivamente genéricas, dando
preferência a brasileiros ou residentes no país há
Ç A fragilidade institucional e financeira da mais de dez anos, a famílias grandes c de renda
FCP, no entanto, abortou objetivos tão amplos, inferior a 12,8 salários mínimos. Na verdade, a
de modo que ela ficou restrita a realizações limitação de renda pouco influia pois o teto era
bastantes inexpressivas, quase sempre a mera alto, permitindo o acesso de famílias de classe
reconstrução de conjuntos habitacionais em média - o que só não ocorreu com maior
f terrenos doados pelas prefeituras, que também frequência, segundo Andrade & Azevedo (1982),
se encarregavam da infra-estrutura (Andrade & porque morar em conjunto habitacional era
J>Azevedo 1982:2 7). sintoma de pobreza, imagem de que este setor
social queria distância.
r Depois das críticas ao anteprojeto, a FCP
1 incorporou a construção de casas de locação Assim, critérios de caráter clientelista aca­
j_-como uma das alternativas de; acesso à moradia, bavam por predominar, embora a ordem de
mas de uma maneira geral a Fundação solicitação, após a visita e avaliação social do
viabilizava a casa própria, construída em solicitante, fosse o mecanismo institucio­
conjunto habitacional. Possibilitando o acesso nalmente previsto. Na prática, o tráfego de
à propriedade, aspiração cada vez mais forte influência, seja de natureza político partidária,

4 entre os trabalhadores de renda média e baixa,


a FCP foi utilizada com objetivos políticos desde
suas primeiras ações.

Melo (1987) cita que o anúncio do primeiro


núcleo de casas da Fundação, a ser construído
seja no âmbito da própria burocracia, acabava
por ser o mecanismo mais eficiente de acesso a
uma das poucas moradias produzidas pela FCP.
Segundo Andrade & Azevedo (1982:29), "em
entrevistas feitas com moradores do Conjunto Carlos
Prates, em Belo Horizonte, não se constatou um só
em Santos, deu-se no contexto de uma grave caso em que o adquirente não tivesse feito uso de
crise política, marcada pela intervenção do práticas de influência. Alguns dos candidatos (à casa
Ministério do Trabalho no sindicato dos própria) chegaram mesmo a converter-se em cabos

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1
Origens da Produção c do Financiamento Estatal da Habitação

eleitorais nas regiões onde tinham morado e até 1964, sendo considerada um símbolo da
julgavam ter alguns votos”. Isto ocorria apesar da ^ineficiência governamental e do domínio da
Fundação ter tido uma "reserva técnica”; esta, fisiologia sobre qualquer parâmetro de
no entanto, era insuficiente, tornando o racionalidade e de interesse público.
clientelismo uma regra quase geral.

O clientelismo se revela também na (não)


política de distribuição regional do pouco que se O FRACASSO DA FCP:
<^Jez. Carente de recursos, seria lógico a FCP
concentrar suas realizações unicamente nos
SÍMBOLO DA AUSÊNCIA
grandes centros urbanos de modo a gerar algum DE POLÍTICA HABITACIONAL
impacto. Verifica-se. entretanto, que 45% das NO POPULISMO
unidades e 8 5% dos conjuntos foram implan­
tados em cidades com menos de 100 mil
habitantes, em 1960 (Andrade & Azevedo O período em estudo caracteriza-se como o
1982). Fica clara a opção por uma dispersão do momento em que a habitação tornou-se uma
atendimento, principalmente quanto ao número questão social, responsabilizando-se o Estado
de conjuntos, que visava obter dividendos pelo seu equacionamento. No entanto, o Estado
políticos: "não se pode desprezar a importância brasileiro não se organizou de modo a enfrentar
política que tem a atomização da oferta de casas de modo sério e consequente a gravidade do
populares. De uma ótica distributivista é vantajoso problema. Agindo de forma fragmentária nas
atender ao maior número possível de clientes. Neste Carteiras Prediais de cada um dos seis Institutos
sentido, quanto mais cidades fossem contempladas, de Aposentadoria, na Fundação de Casa Popu­
maiores os dividendos políticos alcançados." lar, em inúmeros Institutos Previdenciários de
(Andrade & Azevedo 1982:33). Não por acaso, funcionários públicos, em orgãos de intervenção
couberam a Minas Gerais, cuja influência habitacional de abrangência estadual ou mu­
política na FCP sempre foi grande, nada menos nicipal desarticulados de uma política mais geral
que 46 dos 143 conjuntos construídos pelo etc, o poder público brasileiro não de abordar a
órgão em todo o país (3 5%). questão da habitação social mas relegou-a ao
último plano de suas prioridades. 9
Formulada como uma instituição capaz de
equacionar a questão habitacional, centra­ No final da guerra, quando se vivia o drama
lizando a nível federal seu enfrentamento e da falta de moradias, a conjuntura era extre­
lançando as bases para uma intervenção mamente adequada para se implementar uma
significativa nas cidades brasileiras, a FCP política habitacional no país, criando-se um j
acabou rapidamente se transformando num órgão centralizado, com recursos e capacidade
órgão atrelado a fisiologia e às pressões políticas de operação. Como foi mostrado no início deste
rasteiras; “não foi capaz de alcançar maturidade capítulo, várias pré condições estavam dadas
institucional traduzida em paradigmas naquele momento. A derrubada de Vargas, no
universalistas, em firmeza de objetivos e em entanto, retirou o elemento decisivo: o empenho
prestígio organizacional. A imagem que dela ficou governamental para enfrentar as resistências
era de um órgão à deriva, despersonalizado, que institucionais, burocráticas, políticas e de
vagava ao sabor das injunções e das características setores económicos que seriam afetados.
transitórias de seus chefes"(Andrade & Azevedo
1982:30).
O governo Dutra, forçado pela conjuntura,
propôs a FCP, que poderia ter desempenhado este
Inócua como órgão de implementação de papel, mas foi incapaz de superar os nichos de
política habitacional, a FCP resistiu por inércia poder já encastelados na burocracia estatal e a

rm

_
Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitação

ausência de apoios consistentes por parte da estabelecer uma política de créditos que priorize
sociedade. Os governos populistas que o a habitação social, desestimulando a produção
seguiram, trataram então a questão da moradia de moradia de luxo: "la política financera de
menos como uma política pública e mais como vivienda planteaba acentuar la selección crediticia
um instrumento fisiológico para fortalecer y el estimulo de la construcción privada de la
estruturas de apoio eleitoral aos partidos vivienda, desalentando las construcciones sun-
governistas. Em resumo, passaram-se quase tuarias de lujo y prohibiendo la edificación de
vinte anos de intensa urbanização e de vivienda que no se destinara a la habitación
agravamento do problema da moradia sem que permanente "(Yujnosky 1984:78).
o governo fosse capaz de se articular e formular
uma proposta capaz de responder ao leque A comparação entre os dois países mostra
diversificado de necessidades de moradia claramente o atraso no Brasil na formulação e
presentes no Brasil. implementação da política nacional de
habitação. Enquanto no Brasil, no início da
A trajetória da Fundação da Casa Popular e, década de 50, discutia-se morosamente a
A de uma maneira geral, as realizações no campo hipótese que acabou não concretizada de criação
da produção estatal de habitação, mostram que, de um banco hipotecário para financiar a
no Brasil, a questão não foi central na estratégia produção habitacional e viabilizar a Fundação
dos governos populistas. Em outros países, a Ar­ da Casa Popular, na Argentina há muito já
gentina, por exemplo, país de condições operava um banco com este objetivo, que
relativamente similares e que também passava cumpria um papel importante na provisão de
£! • por um processo político e económico seme­
lhante (populismo e substituição de impor­
moradia social e na estratégia económica geral
do país: "EI Segundo Plan Quinquenal, que debia
tações), investiu-se pesado e de modo massivo regir entre 1953 y 1957, asignaba al Banco
em habitação social, que se tornou uma política Hipotecário Nacional toda la responsabilidad
importante na estratégia redistributiva do concerniente a la política de créditos, incluia como
h populismo: “En el período 1943/1955 cambia la objetivo construir 300 mil unidades urbanas y
acción del Estado referida a la vivienda. Ello es rurales cuyo destino debería ser preferencialmente
coherente con las características de la política gen­ para las famílias de los trabajadores "(Yujnovsky
eral del Estado que expresa los intereses del capital 1984:79).
nacional industrial. (...) El crédito para vivienda es

uno de los instrumentos de la política de É certo que também na Argentina a política
redistribuición del ingreso y de crecimiento de la habitacional tenha sido utilizada com objetivos
demanda interna. El crédito barato del Estado políticos que visavam enaltecer os governantes;
permite entonces que gran parte de la población parte da imensa popularidade do casal Perón
urbana pueda acceder a mejores servidos tem sido atribuída a suas políticas sociais, entre
4 habitacionales." (Yujnovsky 1984:75). as quais a habitacional, que permitiu a um
número significativo de trabalhadores o acesso
Numa conjuntura semelhante à brasileira, a uma moradia digna. No entanto, tratava-se
■ marcada por um processo de transformação no efetivamente de uma política social ao contrário
i sistema de produção e comercialização de do que ocorreu no Brasil, onde a multiplicação
habitação, com destaque para a desetruturação de orgãos públicos promotores de habitação so­
do submercado de casas de locação, para o cial e a escassez de resultados gerou uma política
controle dos aluguéis e para a expansão da miúda de clientela onde se destacavam chefetes
promoção imobiliária, a Argentina de Perón, de repartições desprovidos de uma visão ampla
articula a intervenção habitacional com a do problema habitacional. E esta situação foi
estratégia económica, buscando garantir uma consequência inevitável do fracasso da FCP.
objetivos anti-inflacionários e anti-cíclicos ao

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9

Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitação

Sem contar com uma estratégia para enfren­


tar o problema da moradia, o Estado brasileiro
foi incapaz de substituir os empreendedores
privados como promotor de habitação social. Em
consequência, foi inevitável a proliferação de
soluções habitacionais baseadas no autoem-
preendimento e na autoconstrução, ou seja,
0
baseadas na promoção, financiamento e
trabalho do próprio trabalhador. É o que será
analisado no capítulo 6.

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O Resultado da Produção
de Habitação Social dos
lAPs e da FCP

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! O período de Vargas marca o surgimento da
habitação social no Brasil. Abandonando o PRODUÇÃO HABITACIONAL PÚBLICA
liberalismo, o Estado brasileiro interfere na lAPs (Plano A c Plano B)
questão habitacional e destrói as regras FCP (1937/1964)
estabelecidas, visando regulamentar as relações
entre locadores e inquilinos e de produzir ele
próprio a habitação. IAPb Plano A Plano B SubTotal
(exceto Plano C)
Ao contribuir para desorganizar o mercado IAPB 5.511 12.347 17.858
habitacional, o Estado agiu norteado por uma 11.760 16.219 27.979
IAPC
tendência internacional que considerava a
IAPETC 3.339 2.917 6.256
produção de moradia pelo Estado ou através de
financiamento público como um dos mais IAPFFESP 742 25.053 25.795
importantes aspectos do “welfare State”. E, por IAPI 19.194 17.219 36.413
outro lado, buscou transferir o ônus do inves­ IAPM 882 2.451 3.333
i timento necessário para produzir habitação IPASE 6.361 6.361
operária dos setores privados para o setor público
e para o próprio trabalhador.
Subtotais
O Estado, ao produzir ele próprio a moradia, lAPs 47.789 76.236 124.025
ao penalizar fortemente os “rentiers" urbanos e FCP 18.132
ao estabelecer o clima do “laisser faire" nas
favelas e nas periferias das cidades agiu, cons­ 142.157
Total
cientemente ou não, para reduzir o custo de
reprodução da força de trabalho. Este talvez fosse
o objetivo principal e orientador de todas as Fonte: Farah 1983 e Melo 1987

rrT-i

Origens da Produção c do Financiamento Estatal da Habitação

ações do governo no campo da habitação, dando intervenção estatal na habitação social, seria um
certa coerência e racionalidade a suas iniciativas equívoco continuar ignorando esta relevante
dispersas. produção arquitetônica, que permanece inédita
e oculta nas análises existentes sobre o tema e, /
Mas. a emergência da habitação social no também, na história da arquitetura brasileira,
Brasil foi marcada pela ambiguidade na apenas por que estes governos não conseguiram
intervenção estatal. O Estado brasileiro assumiu, ou não quiseram formular, dar coerência e
de certa forma, a responsabilidade pelo problema implementar uma política habitacional consis­
/ da habitação mas suas iniciativas foram tente para o país.
I confusas e muitas vezes contraproducentes,
__ como no caso da Lei do Inquilinato. Incapaz de O fato é que apesar de tudo o que já se
formular uma política de produção habitacional apontou como fragilidade da ação gover­
baseada em critérios racionais, seja orientados namental, o resultado não foi totalmente
por princípios sociais ou financeiros, o poder decepcionante e merece uma observação mais
público interferiu sem saber bem onde queria cuidadosa do que tem sido feita. E, por outro
chegar. No entanto, a produção viabilizada pelo lado, demonstra que existiam plenas condições
poder público no Brasil no período populista está no Brasil dos anos 40 e 50 para se implementar j
longe de poder ser considerada inexpressiva, uma massiva produção de habitação social, de ( F
tanto do ponto de vista quantitativo como do excelente qualidade, se não capaz de atender às \
Ponto de vista qualitativo. necessidades da população de baixa renda, ao /
menos para limitar e conferir um outro padrão (
É certo que poderá se argumentar que a de qualidade ao incontrolável processo de / •i
produção de 140 mil unidades habitacionais ou favelização e periferização que tomou conta das ) í
principais cidades brasileiras a partir de então. I
pouco mais é um número irrisório frente às
necessidades de moradia da população
brasileira. No entanto, a questão tem que ser
Os erros governamentais impediram este
caminho, fazendo com que a dispersão de
'I
vista não apenas em termos absolutos mas
relativos, comparativamente ao nada que se
recursos e a ineficácia na sua utilização
reduzissem drasticamente o impacto da I
fazia antes e estabelecendo cortes que permitam produção habitacional realizada no populismo.
visualizar a produção de forma regionalizada e Mesmo assim, com será mostrado neste
nos diferentes subperíodos em que pode ser segmento, não foi pouco o que se fez e o que se (
segmentado o populismo. E. visto desta forma, inovou.
ver-se-á que existirão momentos, regiões e
categorias profissionais em que a produção
habitacional promovida pelo Estado no Brasil,
malgrado os inúmeros equívocos cometidos, foi i
EXPRESSÃO QUANTITATIVA
significativa.
DA PRODUÇÃO DE HABITAÇÃO
SOCIAL NO POPULISMO
I ‘ Por outro lado, do ponto de vista qualitativo,
\ principalmente a produção de conjuntos
\ habitacionais dos lAPs merecem destaque tanto
Çelo nível dos projetos - que ainda não mereceu Tornou-se corrente a opinião de que a /
o devido destaque no cenário da arquitetura produção habitacional realizada pelo poder I
.^moderna brasileira - como pelo impacto que teve público no período populista foi insignificante e /
í em várias cidades brasileiras, definindo novas inexpressiva. Esta noção formou-se, basica-{
tipologias de ocupação do espaço urbano e mente, a partir da constatação do baixo número \
tendências ....
urbanísticas de unidades habitacionais construídas pelos
introduzindo
inovadoras. Num trabalho que aborda a lAPs e pela FCP em comparação tanto com as


rm
Origens da Produção c do Financiamento Estatal da Habitação

necessidades do país como com a produção do substancialmente diferente, mas a total


BNH, no pós-64. Efetivamente, num período de inexistência de produção estatal no período an­
27 anos, entre 193 7 e 1964, excluindo-se os terior ao estudado. E, neste sentido, o impacto
financiamentos de classe média, os lAPs e a FCP da ação governamental em algumas das
produziram cerca de 143 mil unidades principais cidades brasileiras não deixou de ser
habitacionais, ou seja, pouco mais de 5,3 mil por expressivo. Este constatação, no entanto, não
ano, em média. O número, sem dúvida, parece invalida a tese central deste trabalho que aponta
irrisório em termos absolutos ou relativamente a incapacidade do Estado formular e
à população brasileira. No entanto, deve-se ser implementar uma política habitacional
mais cuidadoso ao se analisar a questão, consistente para o país como uma das causas
estabelecendo-se cortes em segmentos e em principais da formação, expansão e consolidação
períodos específicos, que revelam uma situação de soluções informais de produção da moradia,
um pouco mais favorável à atuação dos órgãos entre elas o padrão periférico de crescimento
governamentais que intervieram na questão urbano em São Paulo. Revela, ao contrário, a
habitacional. potencialidade que existia para uma produção
habitacional de grande envergadura que.
Uma primeira questão refere-se à própria lamentavelmente se perdeu.
população total a ser considerada. No momento
de maior intensidade da produção habitacional Estabelecendo-se outros tipos de segmen­
do período populista, em 19 50. o país tinha uma tações na demanda habitacional, verifica-se que,
população total de 44,9 milhões de habitantes; em algumas localidades, a produção estatal foi
no entanto, destes apenas 16,2 milhões viviam muito expressiva. É o caso da cidade do Rio de
na zona urbana e somente 8,7 milhões Janeiro, capital da República e principal centro
habitavam em cidades com mais de 50 mil urbano do país no período em estudo. Os lAPs
habitantes, localidades onde o problema produziram, apenas através do Plano A. ou seja
habitacional era sentido com dramaticidade construção de conjuntos habitacionais, no
pelos trabalhadores. Sendo de aproximadamente período entre 194 5 e 19 50, cerca de 26% do to­
6 o número médio de pessoas por família em tal de moradias que receberam habite-se na capi­
1950, concluiu-se que as unidades habitacionais tal (Varon 1988:250 e Farah 1984:85). 0
construídas pelos lAPs e FCP beneficiaram uma número não só é expressivo, como ainda está
população equivalente a 10% da população que subestimado, posto que exclui uma intensa
vivia em 1950 nas cidades brasileiras com mais produção imobiliária privada realizada com
de 50 mil habitantes. O número não é, portanto, financiamento do Plano C dos Institutos e da
assim tão inexpressivo, considerando que boa Caixa Económica Federal, além da ação da FCP
parte do estoque existente era constituído de e dos financiamentos do Plano B.
moradias precárias (cômodos de cortiço e
barracos de favela) e que o poder público A regionalização da ação habitacional revela
também interveio ainda a nível local e financiou
í. boa parte da promoção imobiliária privada para
que o atendimento habitacional privilegiou
claramente o Distrito Federal (Rio de Janeiro) e,
venda, destinada para a classe média, produção de uma maneira geral os estados da região
que não foi possível quantificar com precisão. sudeste (RJ, SP e MG), além de Brasília, que
receberam quase 3/4 do total de unidades
Uma análise mais objetiva do impacto da produzidas no país, como se vê na tabela 4.3. Os
intervenção estatal na produção de habitações dados mostram uma claro direcionamento dos
deve ser feita levando-se em conta as condições recursos para as áreas de maior potencialidade
prévias e não a conjuntura posterior. Ou seja, a económica, concentração operária e mobili­
referência não pode ser a magnitude da zação política, onde a produção foi relativa­
produção do BNH, até porque a conjuntura era mente expressiva.

lifí
Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitação

A concentração de investimentos no Rio de do Rio de Janeiro se elevou de 1,6 milhões para


Janeiro, capital da República, que recebeu mais 3,3 milhões significando um incremento de 1,7
de um terço de todos os atendimentos milhões de pessoas ou aproximadamente 280
habitacionais promovidos pelo governo federal mil famílias; se fossem acrescentados os
no período em estudo, mostra que o governo era financiamentos do Plano C e os conjuntos
muito suscetível às pressões dos “lobbies” habitacionais realizados pela prefeitura do
económicos e às mobilizações sócias surgidas no Distrito Federal (que não foram nada
círculo próximo ao centro de decisões. Neste inexpressivos, vide Pedregulho e Gávea) aos
sentido, esta concentração de atendimentos demais atendimentos habitacionais já citados,
habitacionais no Rio refletiria tanto a influência atingir-se-ia um total em torno de 60 a 70 mil
da indústria da construção civil carioca, que unidades produzidas em decorrência da
recebeu forte incremento graças aos recursos intervenção pública federal, ou seja, quase um
públicos (destacam-se. ainda, os financiamentos quarto do total de novas necessidades de
do Plano C dos Institutos que. entre 1937 e moradia no Rio de Janeiro.
19 50. aplicaram, segundo (IAPI 1950). 90% das
suas reservas destinadas aos investimentos Outro corte relevante para este tipo de
imobiliários rentáveis na capital), como a análise é o referente às categorias profissionais
necessidade do governo em responder à grave beneficiadas pelos Institutos, aspecto impor­
crise de moradia no cenário de maior visibilidade tante dado o caráter corporativo do atendimento
política do país, buscando combater a forte habitacional no período. Neste aspecto, destaca-
influência das forças de esquerda na capital e se o caso do IAPB (bancários). Em 1950, este
expondo, com maior publicidade para as outras Instituto tinha 54 mil associados (Oliveira
regiões, suas realizações no campo da moradia. 1950); destes 5.511 foram atendidos em
conjuntos habitacionais construídos pelo IAPB
(Plano A) e 12.347 receberam financiamento do
!
Efetivamente, o número de unidades
habitacionais construídas pelo poder público ou Instituto para construção ou aquisição da
com financiamento de instituições estatais no moradia própria (Plano B), totalizando 17.848
Rio de Janeiro é realmente muito elevado. famílias beneficiadas ou seja, 33,1% da
Mesmo tomando-se um período mais abrangente categoria em 19 5 0. A porcentagem nada tem de
do que o governo Dutra, ou seja entre 1940 e inexpressiva e pode ter sido ainda superior, se
1960. a produção patrocinada pelo Estado considerada a possibilidade de bancários terem
destaca-se. Nestas duas décadas, a população obtido casas da FCP ou adquirido apartamentos

DISTRIBUIÇÃO REGIONAL DOS ATENDIMENTOS HABITACIONAIS


1937/64

RJ SP MG Brasília Outros Total


lAPs-Plano A 26.504 8.950 1.742 10.593 47.789
lAPs-Plano B 21.187 16.478 6.635 7.315 24.621 76.236
FCP 3.993 2.959 4.248 1.520 5.412 18.132
TOTAL 51.684 28.387 12.625 8.835 40.626 142.157
36.3% 20,0% 8,9% 6,2% 28,6% 100,0%
Fonte: Farah 1983 e Melo 1987

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■ 1

Origens da Produçfto do Financiamento Estatal da Habitação

À direita, cartaz do Estado Novo fazendo a propaganda do Conjunto Residencial do Realengo I


(2344 unidades), primeiro conjunto habitacional de grande porte produzido no Brasil. Abaixo,
conjunto da Penha (1248 unidades) e Del Castillo (1520 unidades). Exemplos da produção massiva
de habitação no Rio de janeiro na década de 40. ■

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Origens da Produçflo c do Financiamento Estatal da Habltaçfto

INSTITUTO DE APOSENTADORIA
E PENSÕES DOS 1NDUSTRIÁRIOS

CIOflDf OPERÁRIA DE REOLENGO


MAIS UMA GRANDE OBRA
SOCIAL DO GOVERNO

CLUBE
CINEMA
CRECHE
ESCOLA
JARDINS
PARQUES T-
MERCADO
AMBULATÓRIO
JARDLM DE INFÂNCIA
A 30 MINUTOS DO CENTRO CENTRO COMERCIAL
EM TREM ELÉTRICO PRAÇA DE ESPORTES
REDE DE ESGOTOS
ABASTECIMENTO DÂGUA

ESTÃO ABERRAS AS INSCRIÇÕES PARA 1.400 CASAS

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Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitação

financiados pelo Plano C de algum Instituto. Por semelhante à do Plano A. teríamos, entre 1946
outro lado, como se vê na tabela 4.4, para outras e 19 50. uma produção total, a nível do governo
categorias os números são muito inferiores, federal, de aproximadamente 72.9 mil unidades,
chegando mesmo a serem inexpressivos, ou seja mais de 14,5 mil por ano. O número é
revelando uma diferenciação tão forte entre as significativo, revelando que se o ímpeto inicial
categorias que explica as enormes resistências da produção de moradias pelo Estado tivesse sido
corporativas à formulação de uma política mantido através de uma correta política
habitacional abrangente, que superasse privi­ habitacional, o impacto desta ação teria sido
légios de setores específicos dos assalariados. muito maior.

Por outro lado, destaca-se, tanto nos lAPs Os dados mostram que no período do pós-
como na FCP. o período de!946a!950 como o guerra, marcado pela crise e pela politização da
momento de maior produção, que coincidia com questão da moradia deu-se início a uma
o pico da crise habitacional e da politização da produção significativa de habitação supos-
questão. Na tabela 4.5, verifica-se que em tamente social. No entanto, a falta de uma
apenas cinco anos do governo Dutra, se política global para equacionar a questão, que
construiu 52.1% do total de unidades habi­ envolvesse uma estratégia de produção e
tacionais produzidas em conjuntos (Plano A) financiamento habitacional e regras capazes de
durante todos os 27 anos das Carteiras Prediais garantir um retorno adequado dos inves­
dos lAPs e 45% da produção da FCP. Infelizmente timentos realizados, seja através da venda ou da
não foi possível obter dados relativos à locação das unidades produzidas, tornou a
periodização do financiamentos do Plano B; intervenção pública cada vez mais insigni­
entretanto se. para efeito de uma estimativa, ficante.
fosse indicado para este Plano uma incidência

ATENDIMENTOS HABITACIONAIS DOS lAPs POR CATEGORIAS PROFISSIONAIS

Produção Habitacional dos lAPs Associados por Porcentagem de


(exceto Plano C) categoria em 19 50 atendimento

IAPB 17.858 54.000 33,1%


IAPC 27.979 596.000 4,7%
IAPETC 6.256 244.000 2,6%
IAPFESP 25.795 381.000 6.8%
IAPI 36.413 1.464.000 2,5%
IAPM 3.333 68.000 4,9%
IPASE 6.361 100.000 6,4%
Total lAPs 124.025 2.907.000 4,3%
Fonte: Oliveira 1950, Farah 1983

—\ Ll
Origens da ProduçAo e do Financiamento Estatal da Habitaçfto

I
I
Fica claro, no entanto, que, em 1946, havia ^honestidade e espírito público, a capacidade do
I
recursos disponíveis c prioridade governamental governo responder ao problema teria sido muito
I para enfrentar o problema, além de capacidade ^maior. Neste sentido, o retorno dos finan­
I1 de operação, malgrado a confusão institucional ciamentos para reinvestimento em novos
marcada pela existência de vários órgãos cor­ empreendimentos habitacionais seria indis­
I porativos e clientelistas que, sem terem como pensável na realimentação dos fundos des­
I atribuição principal o atendimento habitacional, tinados à produção de moradia. No entanto, a
produziram um número expressivo de unidades. ambiguidade da intervenção habitacional
desenvolvida pelos lAPs, que consideravam-na
\ Sem dúvida, se os vultuosos recursos prioritariamente uma inversão financeira,
tivessem se concentrado num só órgão que, de aliada às políticas de retorno que previram
modo adequado, tivesse estruturado uma mecanismos para enfrentar a inflação crescente,
política habitacional para o país, com acabaram por inviabilizar a manutenção de uma

DISTRIBUIÇÃO DOS ATENDIMENTOS HABITACIONAIS POR PERÍODO


!
lAPs (Plano A) e FCP (ver observação)

•li
1937/45 1946/50 1951/56 1956/64 Total
FCP 8.265 4.245 5.572 18.132
(1951/64)
IAPB 98 2.325 2.679 5.511
IAPC 201 1.199 1.579 11.760
IAPETC 467 998 897 3.339
IAPFFESP 711 742 742 í
IAPI 4.749 12.976 1.427 19.194
IAPM s/d 824 58 882
IPASE 400 1.348 4.047 6.361
lAPs Plano A 6.626 19.670 11.429 47.789 ■

FCP + PlanoA 6.626 27.935 21.348

% por período 11,8% 50,1% 38,2%

Média anual por período 1,48% 10,02% 2,73%

Fonte: Farah 1983, Melo 1987

Obs. Dos 280 conjuntos habitacionais identificados por Parah (1983), base de dados para a montagem desta tabela,
não foi possível obter informações sobre a data de construção de 48 (somando'10.064 unidades), o que justifica a
diferença entre a soma da produção por período e os totais. =

ETãTI
I

Origens da Produção e do Financiamento Estatal da Habitação

f produção nos níveis elevados do período 1946/


50.

De volta ao poder pela via eleitoral, o próprio


Vargas reconheceu o desvio de recursos dos
Institutos para finalidades alheias aos seus
objetivos. Em discurso no Io de maio de 1951,
agora no estádio do Vasco da Gama, no Rio de
laneiro, Vargas (Cadernos de Opinião 19 75:22/
23) renovava promessas ("com o esforço
conjugado dos institutos, da prefeitura e das caixas
económicas, poderemos construir logo, num
primeiro plano de realizações imediatas, cerca de 30
mil casas baratas, para moradia do distrito federal")
e lançava acusações graves contra a gestão dos
lAPs no governo Dutra: "Grandemente prejudicial
aos interesses das classes trabalhadoras era a
orientação que vinha sendo seguida em vários
Institutos de Aposentadoria e Pensões. Com poucas
exceções, esses institutos tiveram seu património
dilapidado em vultosas inversões de capital, com
objetivos inteiramente estranhos às suas finalidades.
Já foram ordenadas sindicâncias para apurar
responsabilidades, bem como medidas enérgicas para
mais eficiente fiscalização das várias caixas de
aponsentadorias e pensões. As irregularidades
encontradas serão oportunamente levadas ao
conhecimento público. E esta será a resposta do meu
governo aos sabotadores e traficantes, que
descontaram nos encargos públicos as comissões
pagas em troca de favores eleitorais"

Se em 1946 perdeu-se a oportunidade de


reestruturar de modo efetivo a intervenção
habitacional, foi- se criando um consenso de que
esta política tinha que mudar; no entanto,
nenhum dos governos seguintes conseguiu
formular e implementar uma nova política,
r
malgrado as tentativas surgidas no segundo
governo Vargas (1951/1954) e no período de
1961/4, quando todos consideravam superado
o modelo corporativo, mas eram incapazes de
desmontá-lo. A não ser o regime militar.

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Habitação Social
e Arquitetura Moderna:
A Expressão dos
Conjuntos Habitacionais
dos lAPs q
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I
■■■■■ P rova evidente da capacidade existente no país para enfrentar o problema habitacional
I nojperíodo em estudo é anualidade dos conjuntos produzidos no período dos IAPs.
\ É certo que não se pode generalizar até porque o estudo aqui realizado está longe
de esgotar o tema, neste aspecto. Entretanto, uma análise qualitativa de alguns
dos mais importantes conjuntos edificados no período revela a introdução de ^
| inovações importantes não apenas em relação às tipologias dos projetos habita­
cionais como, numa visão mais ampla, em relação à própria história de arquitetura
moderna brasileira.

! É impressionante que passados mais de cinquenta anos desde que se iniciou a produção
destes conjuntos eles ainda não tenham recebido um estudo adequado que revelasse sua
L. importância no rol das obras de destaque da fase considerada de ouro da arquitetura brasileira.

Apenas a falta de importância que o tema da habitação social tem tido na reflexão sobre a
arquitetura no Brasil pode explicar esta lacuna, uma vez que muitas vezes as investigações
sobre a questão habitacional dispensam um aprofundamento sobre aspectos ligados a
arquitetura e urbanismo dos produtos resultantes das políticas estudadas. É o caso dos trabalhos
realizados sobre a habitação do período populista: nenhum deles dispensa mais do que rápidos
comentários ao tema.

7 Por outro lado, no estudo da História da Arquitetura Brasileira, a habitação social não tem
^recebido destaque. A exceção de sempre, são os famosos e amplamente divulgados conjuntos

Irl til
1

I
1

Conjunto do Pedregulho: mais do que


uma exceção, o apogeu do ciclo de
projetos habitacionais modernos no '•
I
Brasil.

habitacionais projetados por Affonso Reidy


- Gávea e Pedregulho - realizados no mesmo
período (década de 50), sob promoção da
prefeitura do Rio de Janeiro para moradia de
seus funcionários (novamente a perspectiva
corporativa). Sempre apontados nos
compêndios de História da Arquitetura
Brasileira como contra-exemplos, estas
obras são, na visão que se desenvolve neste
trabalho, integrantes de uma produção
muito mais ampla de projetos habitacionais,
de grande interesse do ponto de vista da
arquitetura e urbanismo. Os carros-chefe
desta produção foram os empreendimentos
realizados dos lAPs.

Embora Pedregulho se destaque, inclusive


internacionalmente, pelo caráter inovador
no que se refere à solução adotada na im­
plantação, sua repercussão tendeu a obs­
curecer outras realizações importantes de
habitação social, no marco de um verdadeiro

rm
5 Habitação Social e Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos IAPs

$
‘‘ciclo de projetos de conjuntos habitacionais" de apartamentos. unidades de habitação,
grande relevância para a arquitetura brasileira. apartamentos em duplex, utilização de pilotis e
Sobre este aspecto vale citar uma declaração da _ leto-jardim destinados a equipamentos-
engenheira Carmen Portinho que. como comunitários. racionalização do projeto
Diretora do Departamento de Habitação Popu­ urbanístico e do processo construtivo etc, por
lar da Prefeitura do Rio de Janeiro, foi res­ outro, o caráter conservador e elitista das forças
ponsável pela implementação das obras do políticas dominantes da sociedade brasileira, de
conjunto: “Pedregulho foi feito para chamar lr alguma maneira pactuada pelos arquitetos
atenção do mundo inteiro. Só assim, aqui no Brasil , envolvidos, reduziu o impacto e a abrangência
aceitariam a idéia. Le Corbusier, em sua visita de dos pressupostos sociais que consubstanciaram
1962, fez os maiores elogios: ‘Fiquei admira- ^ a proposta moderna.
díssimo, nunca tive ocasião de realizar obra tão \
completa, dentro dos meus princípios, como vocês I Assim, esta incorporação incompleta
realizaram’. Isso chamou a atenção de nossos 1 possibilitou que parte destas soluções formais
administradores, porque nos projetou interna­ pudessem ser integralmente incorporadas no
cionalmente. Ninguém faz milagres dentro de casa." repertório presente na intervenção habitacional
* (Cavalcanti 1987:72). Parece que a tática deu realizada no país pelo BNH. a partir de 1964,
certo; lamentavelmente nossos historiadores da sem levar em conta seus objetivos mais gerais.
arquitetura, não souberam perceber queT O resultado foi a introdução, no repertório da
Pedregulho não é uma obra isolada, um ponto arquitetura da habitação no Brasil, de um
de partida, mas ao contrário colheu o resultado , racionalismo formal, desprovido de conteúdo,
de uma série de projetos e obras anteriores, / consubstanciado em projetos e obras de péssima
elaboradas no período de 1937/50, quej qualidade, que desgastou várias das propostas de
enfrentaram o problema habitacional de uma habitação social defendidas pelo movimento
forma totalmente inovadora em relação ao que moderno. A análise da produção do período an­
f- se fazia anteriormente no país, incorporando os terior a 64 mostra, no entanto, que as ácidas
princípios do movimento moderno. críticas aos conjuntos habitacionais de
inspiração racionalista que se realizaram no país
<-r~—* Observando este "ciclo de projetos habi- devem ser melhor balizadas, avaliando-se os
I tacionais”, é possível caracterizar as obras de projetos e obras que se situam nas origens da
I Reidy não como projetos de exceção, inter­ implantação da habitação social no Brasil.
venções isoladas de um arquiteto com visão so­
cial, como muitos o tem caracterizado, mas
como resultado de um processo de reflexão e

í
i produção sobre o tema que desde a década de
' 30 vinha se elaborando, principalmente no
âmbito dos Institutos, influenciados pelas
realizações européias, cujo pressupostos foram
consolidados nos Congresso Internacionais de
Arquitetos Modernos (CIAM), no final da década
de 20.
I
No entanto, é importante ressaltar que se,
i por um lado, colocou-se em prática elementos
básicos de repertório formal defendido pelos
■ arquitetos modernos para a habitação social,
como grandes conjuntos habitacionais
racionalizados, soluções verticalizadas e
multifamiliares, com a adoção de blocos de

nm
í

Do Segundo CIAM à íl
R•I
Origem dos Conjuntos
Habitacionais no Brasil

As casas proletárias, construídas pelas Caixas arquitetônicos e as preocupações presentes na


e Institutos em vários Estados, ainda são em intervenção habitacional realizada pelo Estado
pequeno número e de preço elevado, em relação neste período não foram resultado de decisões
às posses dos empregados. Dei instruções ao pessoais ou técnicas, tomadas apenas por
Ministério do Trabalho para que, sem prejuízo tecnocratas dos lAPs ou do Ministério do
das construções isoladas onde se tornarem Trabalho, mas nasceram de uma reflexão N
aconselháveis, estude e projete grandes núcleos amadurecida ou, ao menos, debatida, no próprio :!
de habitações modestas e confortáveis. núcleo de poder do Estado Novo.
Recomendei, para isso, que se adquiram grandes
áreas de terrenos e, se preciso, que se Pode-se, é claro, atribuir a declaração de
desapropriem as mais vantajosas; que se proceda Vargas a uma orientação emanada de algum as­
à avaliação das mesmas; que se levem em sessor; no entanto, o simples fato do ditador ter
consideração os meios de transporte para esses incluído, no seu discurso - que era uma das peças
i

núcleos; que se racionalizem os métodos de mais importantes da relação que estabeleceu


construção; que se adquiram os materiais, com os trabalhadores - o tema da habitação, com
diretamente, do produtor; tudo, enfim, de modo preocupação de ressaltar as vantagens desta ou
a se obter, pelo menor preço, a melhor casa"
(Vargas 1942 VL99/100)
daquela tipologia arquitetônica ou método
construtivo, mostra que a questão habitacional
não só se politizava, como era considerada pelo
regime um elemento importante na “cesta” de
I
A afirmação, que mostra uma clara
preocupação com a edificação de grandes serviços sociais que o Estado paternalista pre­
conjuntos habitacionais através da raciona­ tendia oferecer aos trabalhadores. O ditador, ao
lização e redução do custo da construção, com o indicar soluções baseadas em grandes núcleos
objetivo possibilitar uma produção massiva, habitacionais multifamiliares em substituição às
poderia perfeitamente ser de autoria de algum unidades isoladas unifamiliares, que predo­
arquiteto dos primeiros tempos do movimento minavam até então nas atividades das Caixas e
moderno. Foi proferida, no entanto, pelo Institutos, está movido pelos jnesmos pressu­
presidente da República, Getúlio Vargas, em postos dos^ pioneiros do movimejãtb moderjip,
discurso realizado em novembro de 1938, no aquêlêspara quem ^“moderno não era um estilo
aniversário da Constituição do Estado Novo; mas uma causa”: a busca de uma produçãoT
antes, portanto, da elaboração dos projetos dos massiva de habitação capaz de responder à
conjuntos habitacionais dos Institutos.Trata-se, imensa demanda social por moradias, resultado |
talvez, da prova mais forte de que os partidos do processo de industrialização e urbanização. 1

IV EI

I
■ Habitação Social e Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs

Assim como fará em 1944, no já citado uma das questões centrais dos anos vinte;__g_QU£l^
discurso do Dia do Trabalho, quando propõe a pertence e a quem irá pertencer? Para muitos
aplicação dos vultosos fundos dos Institutos na pioneiros da nova arquitetura, a resposta era clara:
construção de cidades-modelo nas imediações ao povo, às massas, aos trabalhadores, ao maior
das aglomerações industriais. Vargas parece número. Sob essas variações terminológicas se
imbuído da disposição de transformar o escondia a ideia comum da transformação social_
enfrentamento da questão da habitação em um iminente ou em curso e a ascensão da arquitetura a
novo elemento da sua afirmação popular, de funções novas e superiores. A exemplo de Marx. para
certa forma dando continuidade ao processo quem a filosofia que se havia limitado a descrever o
iniciado com a criação da legislação trabalhista mundo iria contribuir para transformá-lo. os
e com a incorporação da questão social nas criadores artísticos da vanguarda dos anos 20. entre
atribuições e responsabilidades do Estado. Ou eles os arquitetos, acreditavam que a arte, a
seja, fazer do tema da habitação social, de arquitetura e a organização urbana deixariam de ser
grande visibilidade junto a classe trabalhadora, um reflexo da sociedade existente para se tornarem
um novo símbolo de seu governo, capaz de um dos instrumentos privilegiados de sua
X eternizar, como todo ditador aprecia, sua reconstrução" (Kopp 1990:22).
passagem pelo governo.
0 tema central do 2o CIAM, que se realizou
É certo que, seja pela razões apontadas I em 1929. em Frankfurt am Main (Alemanha),
quando se tratou da criação da FCP, seja pelo fato foi a questão da habitação do mínimo nível de
3
que jamais se constituiu efetivamente no Brasil I vida, girando a discussão e teses em torno da
* um Estado de Bem-Estar Social, o enfrentamento \ necessidade de se viabilizar uma produção
do problema habitacional no populismo não massiva para satisfazer a crescente carência de
chegou a se destacar como uma ação social com | moradias para os operários: "necesitamos
o peso que Vargas pretendia, nem de longe _J viviendas suficientes en número y en calidad. que
equivalente à intervenção realizada nos países satisfasan las necessidades de las masas. de los que
social-democratas europeus, sobretudo a buscan viviendas con pocos médios. Necesitamos
produção alemã, austríaca e holandesa e, viviendas para el mínimo nível de vida." (May 1929
mesmo as realizações peronistas na Argentina. inAymonino 1973:108).
No entanto, as iniciativas “sociais” do governo
e a cultura arquitetônica, urbanística e, por que A busca e a investigação de desenhos,
não dizer, habitacional, presentes e projetos e tecnologias capazes de garantir uma
E implementadas no país estavam fortemente simplificação dos processos construtivos, com a
influenciadas pela produção social-democrata, incorporação de tecnologias inovadoras,
não só nos seus objetivos como nas soluções eliminação da ornamentação, adoção de um
técnicas e formais adotadas. E a produção traçado urbanístico racionalista e soluções
habitacional aqui realizada esteve, neste sentido, arquitetônicas baseadas na uniformidade e
longe de ser insignificante. repetividade das unidades e blocos visavam,
. mais do que um resultado formal, possibilitar
Frente a este quadro, a referência aos I uma produção massiva de moradias para
pressupostos do movimento moderno, sobretudo ' atender a imensa demanda por habitação
na sua primeira fase, é inevitável. De fato, a • existente nas cidades industriais; visavam res-
preocupação dos arquitetos modernos na década I ponder aos anseios dos trabalhadores orga-
de 20 se dirigia com grande ênfase ao problema i nizados por melhores condições de vida. Visa;
da produção massiva de habitação para os ' vam, enfim, uma arquitetura como arte social.
trabalhadores, numa conjuntura marcada pela
devastação da guerra e pela forte expectativa por
um transformação política que levasse ao
socialismo. “A quem pertence o mundo? Essa era

cm

J
E
Forma e Compromisso
na Arquitetura da
Habitação Social no Brasil

Antes de avançar na compreensão do que brasileira articulava-se com o modelo de


propôs o movimento moderno para a produção desenvolvimento nacional em implantação nos
habitacional, cabe, entretanto, uma pergunta anos 40 e 50, nada seria tão forte nesta
decisiva, até para justificar, ou não, a presença interlocução que o projeto e a construção de
da questão nesta tese: até que ponto pode-se novas cidades ou de grandes empreendimentos,
afirmar que os arquitetos, urbanistas e outros como era o caso de conjuntos habitacionais e
profissionais envolvidos na produção habita­ equipamentos sociais a eles vinculados,
cional brasileira dos anos 30 aos 50 conside­ entendidos como as células básicas do
ravam, à semelhança de seus companheiros organismo urbano.
europeus dos anos 20 e 30. que. “a arquitetura ■ I
moderna não era apenas formas depuradas e técnicas 0 grande exemplo da participação da 1
O
contemporâneas, mas também e sobretudo a arquitetura no projeto nacional-desenvol- I
tentativa de participar, ao nível da construção do vimentista tem sido sempre Brasília; no entanto, \
ambiente, na transformação da sociedade?" (Kopp é possível também citar, na mesma perspectiva \
1990:14) e guardadas as devidas proporções, o enfren- >
tamento da questão habitacional nas cidades já
A análise que será realizada aqui não irá existentes através da construção de grandes J
íl
responder definitivamente esta pergunta, visto conjuntos ou mesmo de cidades-modelo desti­
que. para tanto, seria necessário realizar uma nadas ao operário industrial, como falava
i

1
pesquisa específica sobre o assunto, alargando Vargas, como uma outra faceta da intervenção
i
os exemplos a serem estudados e recorrendo a física capaz de dar visibilidade e forma concreta
fontes que permitissem investigar o posi­ ao modelo de desenvolvimento e de moder­
cionamento ideológico de cada um dos profi­ nização brasileiro do período populista. Nestes y
ssionais envolvidos. No marco deste trabalho, espaços poderia florescer o "novo homem" (Go­
que trata aspectos mais gerais das origens da mes 1982) que o regime buscava criar, enfati­
habitação social, não foi possível realizar esta zando a modernidade e racionalidade, a edi­
investigação, objeto para um posterior estudo ficação de equipamentos sociais estatais
específico. Entretanto, feita a advertência, pode- considerados importantes instrumentos de B
se afirmar, à luz do conhecimento que se tem controle e normatização dos comportamentos e
hoje sobre o assunto, que a resposta é positiva. pela própria preocupação com o social,
Se se considera, como é consenso entre os entendida como a proteção corporativa ao
historiadores, que a arquitetura moderna operário urbano.

nm

J
Habitação Social e Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs

É certo que as ambiguidades do populismo e da habitaçãoteria forte influência na sociedade:


seu compromisso com as elites e as corporações \ "a casa moderna seria um instrumento de libertação
que. como vimos, inviabilizaram a concretização \ dos trabalhadores. A máquina de morar ao tempo
de uma política de habitação social consistente de colónia dependia do escravo. ...O negro era esgoto;
para o país, restrigiram substantivamente o era água corrente quente e fria: era interruptor de
possível impacto da produção de moradias neste luz e botão de campainha.. As facilidades modernas
projeto desenvolvimentjsta. No entanto, tudo diminuiriam a necessidade de empregados
indica que, no marco de reformas estruturais domésticos, que passariam a trabalhar nas
que estava colocado para as forças políticas indústrias”.
progressistas no Brasil dos anos 40 e 50. o
enfrentamento do problema habitacional Com Reidy e Carmen Portinho. que atuaram
ocupava lugar de destaque, malgrado o na construção de Pedregulho, aparece de uma
ceticismo de importantes arquitetos como forma mais acabada a relação entre habitação
Niemeyer (“não me atraía essa idéia de habitação social, modernização, educação popular e
mais barata”; Niemeyer in Cavalcanti 1987) e 1 transformação da sociedade. Para Reidy,
Artigas ("a habitação económica era um índice do Pedregulho dispunha de serviços que lhe
afã com que a burguesia lançava na luta suas últimas permitia certa autonomia, como a escola, que
reservas a fim de sobreviver mais alguns anos", seria o centro e símbolo de sua proposta de ação
Artigas 1952). reeducadora no habitar (Cavancanti 198 7). A
reeducação das classes populares através da
Outros expoentes da arquitetura brasileirai arquitetura da habitação aparece de modo
entretanto, viram na habitação social o caminho, insistente no discursos de técnicos encarregados
através do qual poder-se-ia transformar as .da implementar conjuntos habitacionais, como
condições de vida da classe trabalhadora.^ declara Carmen Portinho: "a mais importante
introduzindo hábitos e um modo de vida' \ tarefa (das assistentes sociais) era ensinar aos mais
“moderno” capazes de romper com o anacro-J pobres novos hábitos de higiene, saúde e,
nismo presente no país, expresso no sub- \ principalmente, como ‘usar’ as construções
desenvolvimento, ignorância, injustiça social e / modernas” (Cavalcanti 1987). Portinho
permanência no meio urbano de práticas de/ justificava a opção dos arquitetos modernos
I produção atrasadas e de baixa produtividade, \
visão compartilhada por outros intelectuais do \
brasileiros, defendida enfaticamente em vários
Congressos do IAB, pela propriedade estatal da
período, a grande maioria envolvida no projeto i moradia a ser alugada para os trabalhadores, em
de desenvolvimento nacional. oposição à difusão da casa própria, como uma
forma de controlar o edifício e seus moradores
Na profunda transformação que ocorreu no contra o seu mau uso: "Fui acusada de comunista,
Curso de Arquitetura da Escola Nacional de apenas porque me opunha à venda.dos aparta­
Belas Artes do Rio de Janeiro, logo após a mentos. Defendia, a título de aluguel, a dedução de
revolução de 30, com a indicação de Lúcio Costa percentual do salário do funcionário. Deste modo,
para a sua direção, considerada um dos marcos a prefeitura mantinha a propriedade, o controle dos
importantes da implantação do movimento moradores eãrbõãconservação dos prédios. Isso lá
moderno no país, já se faz notar a presença da é comunismo?-'-(Portipno in Cavalcanti 1987).
habitação social como símboIo de mudança,
comõ~reíata o Árq. Ernani Vasconcellos: “Com^ã De certa forma, a concepção de habitação
entrada de Lúcio Costa para a direção, o ensino muda como um serviço público, que está presente
completamente, a 'Torre de Pensamento às margens neste discurso de Portinho e de outros arquitetos
do Rio Sagrado' cedeu lugar à habitação popular" atuantes no período (como vimos no capítulo 3,
(Cavalcanti 198 7). Já para o próprio Lúcio CostãT^ no I Congresso Brasileiro de Arquitetos realizado
(1980 apud Cavancanti 1987), a modernização/ em 1945, a questão foi abordada nesta

L1F.1
5

Habitação Social c Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs

perspectiva). com consequências na qualidade estilo adotado.


dos conjuntos, é um dos mais fortes indicadores
da relação entre os projetos de habitação social No Brasil também a questão do "estilo" não
e uma perspectiva de transformação social que deixou de ser politizada. Os arquitetos modernos
predominava no período, baseada na estatização brasileiros procuram, aliás com algum sucesso,
dos meios de produção e dos equipamentos vender suas propostas como um aspecto
coletivos. Portinho acredita ser a habitação “um importante do novo momento de progresso que
serviço social de utilidade pública, com a principal o país vivia, com a industrialização e a
função de reeducação completa do operário urbanização.
brasileiro, que (...) deveria estar incluída entre os
serviços obrigatórios que o governo deve oferecer,
Assim, é relevante mostrar que os arquitetos
como água, luz, gás, esgoto etc" (Cavalcanti
e urbanistas modernos foram capazes de exercer
1987:69). O que poderia ser uma "reeducação
influência nos centros de decisão encarregados
completa do operário brasileiro” senão sua
de implementar projetos estratégicos do
preparação para viver em uma nova organização
desenvolvimentismo, articulando a noção do 'j
social?
moderno na arquitetura da habitação com a da
modernização e industrialização da sociedade,
Neste sentido, nota-se que uma parte mesmo que esta visão estivesse presente numa
significativa dos arquitetos, que podem ser perspectiva politicamente mais conservadora,
identificados como progressistas no campo com forte presença dos militares. Exemplo é o
político, fortemente influenciados pelo PCB. projeto de criação da Cidade dos Motores, em
remavam contra a corrente predominante, de Xerém, junto à Fábrica Nacional dos Motores,
tendência mais conservadora e apoiada pela formulado na primeira metade dos anos 40.
Igreja, que era ardorosa defensora da casa Pretendia ser uma autarquia com autosufi-
própria. Deve-se ressaltar que a adoção pelos ciência em termos de habitação, educação, lazer
lAPs da locação como forma de acesso e alimentação, seguindo o modelo das cidades >í
largamente predominante às moradias produ­ industriais americanas, com o objetivo de
zidas nos conjuntos habitacionais (Plano A), instaurar, como afirma seu idealizador.
embora resultasse da perspectiva^atuarial dos Brigadeiro Guedes Muniz, “a hierarquia social
lAPs. representou uma vitória dos que se dependente do próprio valor individual, que é a
opunham à casa própria e certamente exerceu negação mais eficiente da promiscuidade comunista"
alguma influência nos projetos dos conjuntos.. (Cavalcanti 1987). Muniz, em discurso na Fiesp,__
A opção por blocos de edifícios coletivos, com \ mostra como a arquitetura moderna influenciou I
equipamentos sociais e comunitários, é uma ] a opção de tipologia a ser adotada: "Habituados l
clara consequência desta visão, em oposição a / a ouvir por todo o Brasil, louvores às habitações
concepção da casa própria, isolada, com quintal, | individuais, por índole e por descendência, nossa
horta e criação. x primeira inclinação foi para essas habitações, onde
o operário possuísse sua casinha branca e seu
Neste aspecto, pode ser feita uma analogia quintalzinho pequenino, e se sentisse, assim, mais !
com o que ocorre na Alemanha nos anos 20 e em casa, mais possuidor da habitação em que í
30. A emergência do nazismo significou o fim morava. Consultamos, porém, Atílio Correia Lima,
do desenvolvimento de projeto de conjuntos o brilhante urbanista. (...) Correia Lima e o livro
habitacionais multifamiliares, exemplares da ‘La Ville Radieuse’ de Le Corbisier convenceram-me
í
arquitetura moderna, que predominaram na totalmente. Na mesma área de terreno onde
social-democracia dos anos 20. e a opção por podíamos abrigar cinco mil pessoas, em casas
programas habitacionais difusores da casa individuais, modestas, era possível alojar vinte e
própria unifamiliar, que buscavam resgatar a cinco mil em apartamentos modernos e confortáveis.
tradição conservadora rural alemã, inclusive no Em lugar do quintal sujo e pequenino, os operários

LI LI
I

*
Habitação Social c Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs

poderiam ter à sua disposição grandes parques com arquitetura moderna em projetos de habitação
piscinas . jardins, campos de esportes e recreio" social, com a construção do conjunto da Baixada
(Muniz 1945 apud Ramalho 1986). do Glicério. deixando ainda em elaboração um
projeto para a gleba do Heliópolis, destinada
Lima, de fato, realizou verdadeiro prose­ para 16 mil moradores que, não realizado,
litismo junto ao Brigadeiro Muniz, como pode- deixou o espaço aberto para o surgimento da
se apreender pelo parecer que apresentou sobre maior favela de São Paulo.
o plano da Cidade Operária da F.N.M., realizado
apenas três dias antes de sua morte, em agosto É óbvio que a ação destes arquitetos moder­
de 1943 (Lima 1963). Este parecer é um nos brasileiros estava fortemente marcada pelo
manifesto em defesa do projeto moderno como etnocentrismo e por um desprezo pelo modo de
elemento norteador da construção de cidades- vida do ‘‘povo", como Cavalcanti (198 7) ressalta
novas ou conjuntos habitacionais e foi capaz de enfaticamente, em sua dissertação "Casas para
convencer Muniz. o Povo", com o objetivo de mostrar que os
arquitetos modernos produziam uma habitação
\ Lima faz ácida crítica à casa isolada, que totalmente desvinculada da cultura e das
çf "recai no velho sistema de quintal, depósito de tradições brasileiras: "é minha hipótese estar a
velharias, com aspecto árido e sórdido dos terreiros arquitetura moderna inserida em um movimento
que (...) lembra o pijama e o chinelo dos domingos" mais amplo dos intelectuais brasileiros que
(imagens simbólicas do velho, de um modo de assumem postura intervencionista ou domesti-
vida arcaico), enquanto que "as construções feitas cadora em relação às camadas populares (...) No
* em série, formando conjuntos densos apresentam as campo da arquitetura prevalece, largamente, a
mesmas vantagens da produção industrial em ingerência em relação às camadas populares. Os
massa, baixam o custo unitário permitindo elevar arquitetos tendem a pensar as formas existentes de
o padrão da unidade de habitação e criar o parque moradia como anacrónicas, almejando propor
coletivo de grandes proporções (...) com uma vida soluções que interpretem ‘correta' e modernamente
social diferente com campo de esporte junto à porta, a questão" (Cavalcanti 1987:63).
que trará o gosto pela camisa esporte" (Lima
1963:6/7). Não resta dúvida de que isto ocorreu. Aliás é
um dos pressupostos da arquitetura moderna
O arquiteto busca sensibilizar o brigadeiro ' introduzir uma nova forma de tratar, do ponto
identificando suas realizações com a moder­ \ de vista formal, produtivo, social e cultural a
nidade, que só estaria completa com a opção pelo Ç_questão da habitação. Se fosse para repetir o que
ambiente novo da arquitetura: "A era industrial o povo fazia não precisaria de profissionais
que atualmente se inicia no Brasil, de que a F.N.M. especializados, seria a resposta dos modernistas
é uma das mais audazes pioneiras, não deve avançar a esta crítica. Mais do que isto, os arquitetos
e subir às alturas ,sem arrastar consigo tudo que modernos, principalmente os vinculados à
lhe é acessório. Espírito Novo! criando indústria produção habitacional patrocinada pela social-
nova! em ambiente novo! este deve ser o critério, para democracia nos anos vinte, defendiam que a
que o ciclo formidável de realizações do Brigadeiro produção habitacional concebida em função das
Antonio Guedes Muniz seja completo" (Lima necessidades e aspirações dos trabalhadores não
1963:7). deveria ser a "simples tradução em espaços
construídos das idéias que os futuros usuários
exprimam através de questionários e pesquisas
Attílio Correia Lima, apesar de sua morte
cientificamente concebidas por especialista em
precoce, (que ocorreu numa de suas vindas à São ciências humanas, doravante associados aos
Paulo, para tratar de um projeto habitacional arquitetos. Não é tanto o que os usuários desejam,
para o IAPI ), foi um dos arquitetos modernos mas sim o que deveriam desejar que os arquitetos
que se destacou na incorporação do ideário da

Irl t:l
Habitação Social c Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos IAP>

:•
da nova arquitetura pretendem ojerecer-lhes. A orientação progressista e no pensamento ■;

habitação mínima deve ser o meio de passar de uma reformista, uma visão dual entre o atrasado e o
a outra maneira de viver, ser instrumentos de uma moderno, sendo considerado como parte da 1
‘NeueWohnkultur’, uma nova cultura da habitação. principal plataforma, naquele estágio da so­
Ora, a imensa maioria da população não pode ciedade brasileira, as tarefas da modernização,
imaginar formas de habitação muito diferentes das que incluíam incutir nas classes trabalhadoras
que ela conhece. Trata-se então, após estudo hábitos diferentes dos que haviam trazido do
cientifico das necessidades e aspirações, de responder, meio rural ou que tivessem desenvolvido em
não construindo a casa ideal nascida da imaginação meio a um espaço urbano surgido de forma
popular e que. em geral, serã apenas uma má espontânea, reproduzindo práticas “atrasadas”.
imitação das residências dos ricos, mas de trazer
uma solução nova, original e suscetível de originar Neste contexto, os arquitetos e outros
novos hábitos um novo modo de vida conforme as técnicos responsáveis pela questão habitacional
ideias que têm do futuro os meios progressistas estariam dando sua contribuição ao projeto de
políticos e arquitetônicos” (Kopp 1991:53/54). modernização da sociedade brasileira através da
Estes pressupostos estavam inteiramente construção de um espaço racionalizado e de um
presentes no ideário dos arquitetos brasileiros, novo modo de morar, símbolos de uma nova
que acreditavam estar participando da época, onde a classe trabalhadora iria viver e
construção de uma nova sociedade, que ireqúe- „ passar o chamado tempo livre, de forma cada vez
riria um novo modo de morar. mais socializada. Classe trabalhadora que, na
concepção em voga no pensamento da esquerda
Portanto, se a crítica de Cavalcanti procede do período, teria, num futuro próximo, a tarefa
enquanto contraposição ao projeto moderni- de dirigir o país!
zador em que os arquitetos brasileiros estavam
metidos, posto que trataram da questão sem se Que essas visões, predominantes na esquerda
preocupar em incorporar práticas populares de brasileira e mundial, estavam equivocadas, não
morar, como um dos elementos importantes a resta nenhuma dúvida. Isto não significa, no
influir nos seus projetos e programas habi­ entanto, que os ideais que moviam os profis­
tacionais. isto não invalida a perspectiva e in­ sionais atuantes no período, de maior justiça
tenção modernizadora que os orientava. social, superação do subdesenvolvimento do
país, desenvolvimento de novas formas de
Não se pode exigir dos que intervieram na sociabilidade e eliminação do alfabetismo e
época, introduzindo importantes inovações que ignorância, inclusive no modo de morar, fossem
deram uma dimensão social ao movimento de desimportantes e que merecessem desprezo.
arquitetura moderna no Brasil, posturas que
hoje podem ser consideradas indispensáveis mas Não se pode exigir dos arquitetos do passado
que estavam totalmente distantes do ideário da mais do que as condições históricas e as
época. Trata-se de uma crítica baseada numa perspectiva políticas presentes na sociedade de
visão a posteriori ou seja realizada a partir de então permitiam visualizar. E, nas condições I
um ponto de vista desenvolvido no país em anos daquele momento, a tarefa de modernizar a
recentes - depois que se procedeu à revisão do habitação - enquanto arquitetura, inserção
modelo desenvolvimentista dos anos 50 e à urbana e produção massiva - e o modo de morar
avaliação crítica dos conjuntos habitacionais dos trabalhadores aparecia como uma tarefa de
edificados pelo BNH no regime militar - que, nos grande importância no projeto de transfor­
anos 40, estes profissionais não poderiam ter mação social do país. E a estes objetivos, os mais
feito. representativos conjuntos habitacionais do
período responderam razoavelmente, com as
Naquele momento, predominava em prati- óbvias limitações que a inexistência de uma
camente toda a intelectualidade brasileira de verdadeira política habitacional permitia.

nn
Habitaçfto Social e Arquitetura Moderna: a Expressfto dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs

Cavalcanti ainda afirma que a não realização entre a habitação de caráter social, cujos canteiros
plena de projetos utópicos (como denomina as ficaram muito secundários e não deram origem
grandes intervenções na área da habitação), senão a algumas poucas tentativas válidas (unidades
estancados por motivos de ordem política, habitacionais de Pedregulho e Gávea, de Reidy e
económica ou de personalismo das autoridades, projetos recentes de Artigas nos subúrbios de São
\ permite que "o conteúdo utópico seja sempre Paulo [referência ao Projeto Cumbica, da Cecap -
• retomado, pelo menos enquanto possibilidade. N.A.]), a classe intermediária mais abundante mas
1 Permanecem irrcalizados projetos e críticas. Uma sem interesse profundo e as casas ou apartamentos
, vez quejç_experiência nunca é levada ps últimas. de luxo que dominam o mercado pelo número e pela
consequências é, igualmente, impossível constatar qualidade.” (Bruand 1981:375).
' suqjnexeqúibiiidade” (Cavalcanti 198 7:6 7).
* Visando reforçar sua hipótese de que “os projetos Não resta dúvida que muito mais poderia ter
de habitação para os mais pobres foram apropriados sido feito na área da habitação social; no
como justificativas éticas nas idéias do movimento entanto, a recusa em pesquisar, analisar e incluir
moderno", o autor demonstra certo desconhe­ estas obras no repertório da arquitetura
cimento do assunto ao afirmar que “a presença moderna brasileira que tem predominado na
da habitação popular é muito maior nos textos e história oficial, reforçou com vigor o divórcio
discursos dos arquitetos modernos do que em suas entre arquitetura e habitação social que
obras edificadas" (Cavalcanti 1987:95). predominou a partir de 1964. Rcsgastar esta
memória é o que me proponho fazer aqui.
l A produção de habitação social, a partir dos
.• pressupostos da arquitetura moderna, durante
o período populista, desmente esta conclusão
apressada: a presença de obras edificadas,
embora muito menor do que poderia ter sido
caso o governo tivesse implementado uma
política habitacional consistente em 1946, é
expressiva, tanto do ponto de vista qualitativo
quanto quantitativo. Talvez o que realmente
falte são, ao contrário do que diz o autor, textos
e reflexões que as exponham e as analisem
I aprofundamente, para além de Pedregulho e
Gávea. E isto, lamentavelmente, Cavancanti não
soube fazer.

Estes dois empreendimentos são tidos quase


sempre como os únicos exemplares repre­
- sentativos de arquitetura moderna na habitação
social no período pré-64: Arquitetura Con­
temporânea no Brasil, de Yves Bruand, o mais
I completo manual de arquitetura moderna
brasileira e que é a maior referência bibliográfica
sobre o tema, não cita, em quatrocentas páginas
de texto, nenhum outro projeto de habitação
popular. Este autor, desconsiderando toda a
produção de habitação social que estamos
estudando, a desclassifica como "inválida"
afirmando: “(■■■) houve uma desproporcionalidade

KrlrJtl

i

Arquitetura Moderna
e Habitação Social

. I /
Os pressupostos do movimento moderno em Os pressupostos formais do movimento moderno
relação à questão da habitação social estavam seriam então instrumentos para baratear o custo da 1 \ ' 1
presentes nas concepções dos idealizadores de construção através da racionalização, estandar-
parte considerável dos conjuntos habitacionais dização e industrialização: "La indústria existe con
construídos pelos ÍAPs. Vale, portanto, aprè~ todo su utillaje y todos los métodos para la puesta
sentá-los. antes de analisar estes conjuntos e os en obra del hierro y del hormigón armado. La planta I
pressupostos que os orientaram. libre y la fachada libre se oferecen a la construcción
racional de la vivienda. El equipamiento racional
_Oj?rojeto moderno nasce; tendo com um dos (respuesta a la función biológica) entrana una
seus objetivos a pesquisa de um desenho capaz economia enorme de superfície habitable, de
volumen, de gastos de estabelecimiento. La vivienda
de garantir um avanço do processo produtivoçia
fiãEitação/para possibilitar sua racionalizaçãQ_e equipada racionalmente, mediante elementos de i
industrialização e. através delas, o barateamento serie fabricados por la gran industria, lleva consigo
—da moradia operária. Talvez não por acaso, una economia considerable en gastos de realización li
preocupação semelhante a que Vargas expressou y en gastos de construcción. Pero el equipamento
' no citado discurso de 1938. racional, que reemplaza gran parte del mobiliário y
que aporta facilidades desconocidas hasta ahora, no
puede ser realizado más que en función de la
Causava perplexidade aos arquitetos do estructura libre y de la planta libre." (Corbusier &
movimento moderno que "uno de los últimos Jeanneret in Aymonino 1973:129)
grandes sectores de la produccionên dar el saltojjue
conduce de la fabricáción artesanal a la industrial
ha sido la construcción, y no ha hecho más que dar Ao mesmo tempo em que os arquitetos *|
los primeros pasos en este sentido" (Giedion 1929 modernos acreditavam cegamente que estavam
in Aymonino 1973:103). Em decorrência deste no caminho certo para garantir a indus-
suposto atraso, não se logrou obter um tfialização dá construção da moradi_a_e_qu.e ela
barateamento do custo da habitação que, ao levaria ao seu Fãrate.amente, passam a dar 1
contrário, se elevou, como afirma Le Corbusier: enorme importância à questão do equipamento
" (...)mientras que el precio de los coches Ford - e mobiliário da moradia»,que se tornaria o >
fabricados con los mejores materiales - disminuye a aspecto mais importante da arquitetura da
causa de una racionalización extraordinária, los habitação: "Por lo que es la vivienda mínima, el
costes de construcción de una casa aumentan" problema arquitectónico podría concentarse en el
(Aymonino 1973:107). equipamento de la vivienda"(Corbusier &
Jeanneret in Aymonino 1973:131)

LLT1
I
I
Habltaçfto Social e Arquitetura Moderna: a Exprcssfto dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs I
I
I

Desenvolvendo a mesmo raciocínio. May. Ao estabelecer as relações entre a habitação,


arquiteto da municipalidade de Frankfurt. que cidade e sociedade, e ao se buscar a moradia
t realizou nos anos 20 talvez a mais significativa mínima, a célula individual, desenvolve-se uma
produção de habitação social no período, concepção que propõe a transferência de funções
enfatiza a célula individual como o aspecto mais domésticas do “espaço privado para_ os
itnpTTfrãnte da construçao da moradjaTITà equipamentos sociais e comunitários. Nesta
perspectíva de mostrar que. se superava a perspectíva, das idéias mais progressistas
acadêmica valorização das fachadas e do aspecto presentes, passa-se a repensar o papel da família
exterior das construções: "aún hoy es extraor­ e da mulher no âmbito da relação entre I
dinariamente difícil para muchos arquitectos atividades domésticas e comunitárias. Como
I
comprender que/en la construccion de vivienda, el afirma Kopp (1991:61), ao tratar da produção
aspecto exterior de los volumenes y la distribuición habitacional alemã: "Os grandes equipamentos I
de las fachadas no deben ser considerados como las coletivos do bairro, as lavanderias coletivasJ_as_
principales tareas de los arquitetos, sino que la parte creches, as salas de reunião, têm a mesma função.
mais importante del problema es la construccion Sua multiplicação contribui, ao transferir para fora
completa de la célula individual de vivienda según da habitação familiar tarefas domésticas que antes
los princípios de una concepción moderna de vida y ali ocorriam, para a evolução do conceito mesmo de
que a ellos les corresponde, además, la tarea família e para acelerar a passagem da família
urbanística de incorporar a la imagen de la ciudad extensa, necessária para a realização destas tarefas

la suma de estas células de viviendas, es decir el dentro da casa, para a família moderna, reduzida aos
barrio (Siedlung), para que de este modo se creen pais e aos filhos e que se apoia para a maior parte de
las mismas condiciones favorables para cada suas atividades domésticas em uma rede de
elemento individual de vivienda" (May in equipamentos que permitem a socialização dessas~~y~'
Aymonino 1973:112). atividades". Propostas formais estruturadoras do
projétcTmoderno. como o teto-jardim, pilotis
I A valorização da célula de moradia no 2o com o térreo livre, liberação do solo e rua interna <
í CIAM pódé ser auferida pelas ilustrações passam a estar infimamente vinculados - e de
< certa forma legitimados - à implantação de
apresentadas em suas atas, resultado da
sistematização da exposição “A habitação para equipamentos comunitários. Altera-se a relação
o_mínimo nível de vida”, montada durante o público7pfivãdo, rompendo-se as fronteiras fixas
Congresso por May e sua equipe da munici­ que os separavam, e criando-se a noção de_que
palidade de Frankfurt. Estas ilustrações mostram habitação não é apenas a casazmas um conjunto
apenas a representação em planta de unidades de equipamentos e serviços coletivos. _
habitacionais, com o respectivo mobiliário,
organizado de forma racional: não são apre- No fundo, como já foi dito, propunha-se^riar
sentadas fachadas, perspectivas ou outros uma outra maneira de morar, alternativa à
I elementos de representação da espacialização
dos projetos.
rêprõdução da forma burguesa adaptada a uma
casa de área muito menor. Para isso, como
afirma Kopp, não apenas a concepção e a
construção devem ser racionalizadas, mas
-'y-' Ao mesmo tempo em que se valoriza a célula
’ individual, May vai, talvez de modo simplista, também o comportamento dos habitantes
! fêlacíõná-ía com a cfcTãdé, ãtfaves de um dentro das residências deve se tornar racional.
^J-processr> que, como afirma Aymonino Dois elementos são básicos neste sentido: a
simplificação do trabalho doméstico, através da
r (1973:91), se articula por acumulação: "varias
| camas forman una vivienda; varias viviendas racionalização da cozinha e outras, .áreas, de
serviço, que também podem pa.yír^ser
i formam una unidad tipologica (edifício); varias
coletivas, e a renovação do mobiliário, de modo
\ unidades tipologicas formam un asentamiento
ç* urbano, y vários asentamientos urbanos son la que ele possa ser concebido não como uma
imitação do equipamento burguês mai^m
'<J~~ciudad".

Lin
Habitação Social e Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos IAPs

função de uma adequação à unjd.ade ainda que inconscientemente, pelos moralistas


habitacional de tamanho mínino, simplicidade conservadores, distanciand^ sob vários pontos
dejnanutenção. produção industrializada e
baixo preço.
de vista das propostas do movimento moderno.
I
A racionalização da cozinha, de modo a
permitir a simplificação'das“atfv idades do­
mésticas. estava estritamente vinculada à idéia
da emanciapação da mulher e de sua inserção
no mercado de trabalho. As pesquisas desen­
volvidas em Frankfurt sobre a racionalização da
cozinha associavam-se à concepção de ha­
bitação mínima e permitiram que os equi­
I
pamentos de cozinha fossem transformados em
produtos industriais. Aqui, uma vez mais, a nova
I arquitetura aparece como um instrumento do
I liberação social, onde o modo de vida é menos
individual, menos centrado na família,~ejnais
comunitário: "A construção da habitações em nossa
época reflete nossa vida social e económica. O
crescente individualismo (...) foi substituído por um
coletivismo de visão ampla. A nova comunidade das
massas exprime-se mais claramente pelo trabalho , • I
esporte e política. Seria um erro de nossa parte, I
arquitetos, ignorar deliberadamente essa evolução"
(May 1928 apud Kopp 1991:50).

As propostas do movimento moderno, I


enquanto espacializaçào e modo de vida, embora
tivessem servido de referência açftidealizadores
de boa parte dos conjuntos habitacionais
realizados pelo IAPs, chocavam-se nos aspectos
sociais, morais e políticos com as visões e
posturas que predominavam nos debates sobre
habitação nos anos 40. Estas, como vimos no
capítulo 2, fortemente influenciadas pela Igreja, /
II
relacionavam a moradia com a família,
buscando preservá-la da promiscuidade e dos
contatos perigosos com a rua, ou seja/o espaço ■
público. É certo que muitos imaginavam que os
conjuntos habitacionais concebidos dé-modo
centralizado e permeados por instUuiçpejÇdê’
controle ideológico, como creche, escolas, etcy
teriam o papel de purificar o espaço públicoda’
contaminação; no entanto, a solução habi—■
tàcional baseada no padrão periférico de
crescimento, que garantia a casa própria
individual e unifamiliar, estava, çomo^mòdó de
vida, muito mais próxima do modelo ------desejado,
_—.----

I
CHI


l

Concepção Técnica e Estrutura ■

Institucional Presentes na
Produção Habitacional dos lAPs

I
i Uma observação detida da estrutura Ligado à Igreja Católica. Porto não deixava
institucional e da concepção técnica presente de enfatizar, como era quase a regra no
nos orgãos encarregados de formular e pensamento conservador, as íntimas relações
implementar a ação habitacional pública mostra entre a casa e a família. No entanto, já se notava
que os resultados obtidos nos conjuntos uma clara inclinação pela adoção de soluções
edificados pelos lAPs não foram obra do acaso, modernas na edificação de conjuntos habita­
de ação de um ou outro arquiteto. São, ao cionais. Técnico encarregado pelo ministério de
contrário, consequência da existência, no dar parecer sobre a normatização das regras de
interior destes institutos, de concepções e atuação dos lAPs, Porto defendia:
diretrizes formuladas por uma burocracia
estatal, a partir de uma análise qbjetiva da 1 A construção de conjuntos habitacionais
necessidade e possibilidades concretas de segregados do traçado urbano existente:
produção habitacional no país. E, está claro, "bem pouco valeria construir habitações
estas concepções foram"fõrtêmênte influen­ económicas e as dividir em pequenos lotes,
ciadas pelo debate internacional sobre a questão misturados entre as construções urbanas
dã habitação- existentes, duma outra era, com toda a
promiscuidade dos cortiços vizinhos" (Porto
Em 1938,0 arquiteto Rubens Porto, assessor 1938:57)
técnico do Conselho Nacional doTrabalho, órgão
do Ministério do Trabalho responsável pela 2 A opção preferencial pela construção de
normatização, fiscalização e aprovação de vários blocos: "Atendendo à preocupação de economia,
procedimentos dos lAPs, ligados à área da a construção de grandes blocos traz a vantagem
engenharia, principalmente daSsuas Carteiras de (...) serem passíveis de ser previamente
Prediais, escreveu um livro “O Problema das fabricados e standardizados" (Porto 1938:43/
Casas Operárias e os Institutos e Caixas de 44),
5 I Pensões”, onde alinhavava diretrizes para a ação
dos Institutos na área habitacional. O livro é
3 ^imite para altura dos blocos : "no caso da
importante fonte de conhecimento do estágio de
edificação de^CõsTiêTipartamentos,
'os somos de
reflexão e proposição presente no interior do
parecer que os mesmos, quando desprovidos de
aparelho estatal no momento de estruturação
elevador, não deverão ultrapassar quatro
das Carteiras Prediais.
pavimentos" (Porto 1938:43)
Habitação Social e Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs

!
4 A utilização dos pilotis: “Com relação ao 6 Os processos de construção racionalizados e
emprego dos pilotis, tenho ainda a salientar que a edificação de conjuntos autárquicos: "O
os mesmos recuperam 95% da área cons- problema a resolver consiste no projeto de uma
truídaf...) Seu emprego assegura a todos os vila de 2.000 moradias económicas a serem
apartamentos visibilidade para o horizonte e construídas em série por processos racionali­
contato com a natureza (uma das maiores zados. Parece-nos que a solução que se impõe no
conquistas da arquitetura contemporânea), caso é a das ‘neighbourhood unit cells’, isto é,
evitando que os apartamentos, situados no dos conjuntos urbanos que a si mesmo se bastam
térreo, sejam constantemente devassados e, (autárquicos ...). Em cada um deles os seus
portanto. desvalorizadosf...) Usar o espaço habitantes devem encontrar tudo o que precisam
ganho para 'Recreio das Crianças’ é muito -exceto o trabalho - cada unidade celular
importante" (Porto 1938:45) possuirá pois, sua escola, a sua igreja, os seus
playgrounds, o seu comércio. Dentro de cada
Em relação a este aspecto, é interessante unidade não haverá em regra senão o tráfego
notar como, em Porto, o discurso moralista- pedestre: as vias de comunicação que põem as
conservador corrente, de crítica ao espaço unidades em ligação com o resto da cidade devem
público não controlado (cujo melhor exemplo é estar na periferia" (Porto 1938:51)
o bar e as rodas de malandragem), se associa a
uma proposta da arquitetura moderna (o^. 7 A articulação da construção de conjuntos
pilotis), que aparece como uma solução de lazer •_ habitacionais com planos urbanísticos:
e sociabilidade sadia, num ambiente controlado “(...) o problema da habitação económica é an­
onde só os “trabalhadores ’’ têm acesso: “Orcçnão tes de mais nada um problema urbanístico(...)
tendo em que se ocupar, na falta de melhor meio Deve-se concentrar os programas de habitação f j
social, o operário é naturalmente atraído pelas barata sobre grandes planos de organização re­ i .
'rodas' nos botequins, onde imperam os vícios e os gional, segundo eixos cuidadosamente
maus costumes. Os 'pilotis' resolvem, portanto, estudados, auto-estradas em relação às riquezas
mais este problema, aliás de alta relevância social, naturais existentes, rios, florestas e vales. ”
de vez que naquela área agradável e amena, em (Porto 1938:59/61). H
constante contato com a natureza, os homens podem
se reunir á noite e nas suas horas_delazer, 8. A entrega da casa mobiliada, de forma
organizando diversões, jogos, palestras, etc. Com um
pouco de jeito e persistência, póde-se (orçar o
operário a frequentar com assiduidade essas
racional: “(...)dever-se-ia prover a casa dos
móveis e utensílios de que iriam forçosamente y
carecer os seus moradores. (...) A entrega da
reuniões, bastando para tal, atraí-lo por meio de casa, devidamente mobiliada, oferece, além da
distrações, como sejam: leitura de jornais vantagem de ordem econômica(...) a de ordem
(gratuitos), um bom rádio, ping-pong, bilhar, higiênica(...). Nos quartos e salas das casas de
xadrez, damas e mesmo cartas (baralho), que muita gente a única abertura de iluminação e
geralmente tanto aprecia." (Porto 1938:46) ventilação se encontra, senão totalmente, pelo
menos em parte, obstruída pela necessidade de
5 Adoção do duplex: “Entre os tipos de apar­ instalar um grande armário, comprado ou ganho
tamentos, adotamoso do sistema “Duplex”pelas sem atender ao local respectivo, dispensará, por
reais vantagens que apresenta(...) Oferece uma certo, a citação das demais inconveniências
economia de 15% de espaço e de 20% nas desses móveis adquiridos, a juros altos, aos
despesas com corredores, móveis, iluminação judeus^das vendas a prestações^...). O lado
etc. A grande vantagem, no entretanto, é a de- económico estaria atendido com as compra feita
cor-rente da instalação em dois pisos, que traz a em grosso(...)." (Porto 1938:35/6).
real separação da parte de uso diário da outra,
havendo assim mais tranquilidade e intimidade. ” Porto fazia parte do grupo de reformadores
(Porto 1938:43) sociais católicos do Ministério do Trabalho,

CTT1
Habitaçfio Social e Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs

defensores de uma maior intervenção do Estado foram contratados para realizar os projetos e
na questão da habitação. Seu livro talvez seja o deram-lhes total autonomia. Fcrreira ressaltou
primeiro trabalho sistemático a estabelecer o papel de Castanhede no desenvolvimento de
diretrizes para esta ação, em particular no que projetos de grande dimensão, iniciado pelo
se refere a normas de projeto de conjuntos empreendimento do conjunto do Realengo, que
habitacionais a serem implementados pelo poder foi inédito no Brasil, numa época em que
público. Dada a própria posição, ele exerceu ninguém pensava em empreendimentos com mais de
influência sobre a ação dos Institutos. 200 casas.

Estes, no entanto, estavam longe de realizar De fato, a grandiosidade parece ter sido uma
uma intervenção improvisada no campo da das marcas da ação dos Institutos. A magnitude
habitação social. Embora não fossem, como foi da produção habitacional e de espaço edificado
ressaltado, órgãos de política habitacional, sua em geral por eles realizada, principalmente entre
' própria perspectiva de considerar a construção 1946 e 1950. para as dimensões do que se
de conjuntos uma inversão financçira_os.Ie.vãva realizava no país em termos de construção no
a elahorafcõm 'mulfp “cuidado seus projetos e país até então, mostrava que sua ação-foi
obras. Para isto, como ressalta Farah (1984:72), realmente extraordinária e inédita, merecendo
os institutos criaram, na sua estrutura admi­ uma atenção mais detida.
nistrativa. seções especializadas em projeto e
engenharia, que se consolidaram sobretudo no Apenas o IAPI. Instituto que mais se
período das grandes realizações, entre 1946 e estruturou neste campo, tinha, até 19 50. elabo­
■ 1950. Estas seções tiveram importante papel no rado projetos para 36 conjuntos habitacionais,
desenvolvimento de propostas adequadas para alguns de enorme dimensões para a época (mais
vibilizar uma produção massiva de moradias e de 5 mil unidades), totalizando 31.587 uni­
foram, certamente, os primeiros departamentos dades, em 13 Estados brasileiros, vários dos
técnicos públicos a se preocupar especificamente quais nunca chegaram a ser inteiramente
com a questão da habitação social no Brasil. concluídos. A dimensão do que este Instituto
produziu revela-se pelo quantidade de cimçnto
\íentre os arquitetos que participaram deste qnp mpnrtou apenas para os conjuntos
processo, Carlos Frederico Ferreira é um dos habitacionais de interesse social: entre 1948 e
mais importantes. Chefe do setor de arquitetura 1950 foram 1,33 milhões de sacas (IAPI
e desenho do IAPI desde a criação das Carteiras 1950:300).
Prediais até sua extinção em 1964, Ferreira foi
autor, ainda na década de 193Õ, do projeto do Muito provavelmente, o que o IAPI construiu
"primeiro cónjuntõ^iabitacional dé~ inspiração ou financiou na década de 1940__foi o, maior
i modernista realizado pelo órgão, Realengo, no
KíõTle Janeiro. Desenvolveu também o projeto
do conjunto de Santo André e de diversos outros
volume de^obras de construção civil que um
.único_ órgão ou empresa Unha edificado, até
então, em todo o país. Suas realizações^até
edifícios do Instituto. 1950, somavam 1 7.725 unidades habitacionais
dê interesse social ém conjuntos de propriedade
Segundo o arquiteto, em depoimento do Instituto, que incluíam ainda escolas e vários
prestado ao autor, os presidentes do IAPI outros equipamentos comunitários, .7^940
durante o Estado Novo e governo Dutra, imóveis financiados para moradia de associados,
engenheiros Plínio Castanhede e Pedro Alim, 4.942 unidades habitacionais de classe,média
tiveram um papel decisivo nos rumos tomados financiadas pelo Plano C, localizadas em 663
pelo órgão em relação aos projetos dos conjuntos edifícios de apartamentos (incorporações), além
habitacionais desenvolvidos por ele. Foram eles do financiamentcTpara-a-construçâo de 1.161
que, pessoalmente, escolheram os arquitetos que unidades habitacionais em conjuntos resi-

LlrT.l
I

Habitação Social c Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs


■ denciais de empregadores, vinte instituições Criticava-se a "solução baseada na moradia
hospitalares, quinze sedes de sindicatos, 26 individual, construída nó centro do terreno", que
i edifícios de lojas e escritórios e 10 instituições devia ser evTfirda pois êla~~impficaria2numa.
i educativas. expansão horizontal díT cidade, onerosa: "Os )
gigantesco~s núcleos, constituídos por filas ( *
Frente a esta magnitude de intervenção, à intermináveis de casas, obrigam à criação de {
qual ainda deveria se somar a ação dos demais oneroso e complexo sistema de transporte e I
lAPs. não é de se estranhar que, no interior comunicações, exigindo encargos vultosos no '
destes Institutos tenha se desenvolvido uma estabelecimento e manuntenção dos serviços de
investigação e reflexão sobre uma gama variada utilidade pública em geral (água, luz. calçamento,
de aspectos ligados à construção, envolvendo esgotos)" (IAPI 1950:291). Aprofundando esta
projetos arquitetônicos e urbanísticos, processos perspectiva, defende-se claramente a
construtivos - sempre fortemente marcadospela socialização da terra, que não deveria.ser
preocupação com a economia e racionalidade-, apropriada individualmente: "A substituição dos
busca de materiais alternativos. eas.pectos quintais, nem sempre convenientemente tratados,
sociais e administrativos. por áreas coletivas destinadas a recreio e edificação
dos moradores, torna-se^de maneira geral, medida
de grande alcance(...)Os conjuntos residenciais,
No IAPI. sobretudo no período em que o constituídos de edifícios coletivos elevados,
engenheiro Alim Pedro foi seu presidente, de convenientemente dispostos no. inieriojzjie amplas
1946 a 1950. estruturou-se uma concepção áreas de utilização comum, representam, pois.^a—
consistente sobre a habitação social, que melhor.so.luçãodo^problema" (IAPI 1950:292)
orientou a significativa produção do período.
análise das diretrizes e pressupostos adotados
pelo IAPI, cuja elaboração surpreende, mostra Os objetivos que os Institutos tinham, para
que. em 19 50. este órgão já tinhaatíngido uma além da função social, na construção de
maturidade institucional na intervenção conjuntos habitacionais foram relevantes no
habitacional, baseada em conhecimento teórico processo de produção dos empreendimentos,
e experiência concreta (IAPI 1950:291/378). incluindo projeto e obra. Destaca-se, neste
sentido, o fato (^d burocracia dos lAPs conceber
a edificação habitacional sobretudo como uma
As diretrizes habitacionais do IAPI inversão dos fundos previdenciários com^vistas
obedeceram de modo rigoroso ao repertório do "a formação de u~m"patrimônio, vdando
movimento moderno. Defendia^se. a criação, importância \ qualidade e durabilidade do
junto^a moradia, de escolas, serviços de produto mão simplesmente com o objetivo-xle
assistência médica, centros comerciais, estações satisfazer os futuros moradoreszmas como uma
de tratamento de esgoto.etc, além do refor-ça.das forma de dar garantias reais ao investimento.
redes de abastecimento de água.. Buscando o
melhor aproveitamento dos recursos e a
economia para "obtenção de residência a baixo Por exemplo, a preocupação com a
imobilização^do capitaLdurg nte a obra gerou
custo, acessível a grandes massas de asso­
ciados", optava-se explicitamente por “moradia iniciativas-tendexites a elevar a produtividade,
implicando uma busca pela padronização e pela
em edifícios coletivos". Para oIA PI (1950:291),
"A construção em série, apresentando características redução do tempo de_ohra.. Não é portanto por )
mera opção estética ou formatyque os Institutos (
de produção industrial, possibilita a obtenção de
foram buscar o ideário da arquitetura moderna, \
custos baixos, sem prejuízo de um
çpiisijmtiyo satisfatório. (...) a concentração em impregnado que este estava, como vimos, das '
altura permite a diminuição do valor da cota-parte preocupações com a racionalidade, produti­
do terreno e díTurFãnízãçaÕ^. vidade, produção em massa, standardização etc.
Habitação Social c Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs

CARLOS FREDERICO FERREIRA: O ARQUITETO DO IAPI


*
O arquiteto Carlos Frederico Ferreira foi chefe dc área dc Arquitetura do Setor de Engenharia do Instituto de
i
Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI). Contratado pelo orgão cm 1939. acompanhou a produção
realizado_B.elo Instituto até 1^964. Foi autor do primeiro conjunto habitacional do IAPI. o conjunto residencial i
do Realengo, no Rio de Janeiro, entre 19 39 c 194 3 c do conjunto jcsidencial da Vila Guiomar cm São Paulo.
realizado na segunda metade da década dc40. ■
Colega de Niemcycr no curso dc Arquitetura da Escola Nacional dc Belas Artes do Rio dc Janeiro. Ferreira faz
parte, junto com alguns outros arquitetos modernos, como Eduardo Kncssc dc Melo, Attílio Corrêa Lima c Milton
I
Roberto, de um grupo dc profissionais que trabalh^i| nos primeiros conjuntos habitacionais do Brasil. l
1 Seus dois projetos dc conjuntos habitacionais. Realengo c Santo André, foram publicados no exterior, por Goodwin
em 1943 c Mindlin em 1956, nos livros que revelaram a arquitetura moderna brasileira. No Brasil, no entanto,
seus trabalhos são pouco conhecidos.
Aos 88 anos, em seu sítio em Friburgo, Carlos Ferreira prestou um depoimento sobre aspectos dc seu trabalho
nolÁPlT~

FAZER UM CONJUNTO COM 2 MIL HABITAÇÕES


ERA CHOCANTE
"O presidente me chamou e eu fui lá para ver um projeto,
que tinha que fazer, de simplesmente 2 mil habitações.
Isto era um negócio muito chocante, porque ria época em
que nós vivíamos, a intenção de financiar habitação era
muito precária, os governos eram tímidos, o máximo que
o governo construía erí 200 casas. íXji ■’
Mas, de repente, veio o IAPI e disse que ia fazer 2,000
habitações. Poxa/o negócio era chocante, abriu uma
exceção fabulosa .
O presidente do Instituto, Plinio Castanhedepne chamou
e perguntou se isto era viável, se era possível fazer 2.000
habitações? Eu disse mas é claro que é possível, precisa esta máquina fez um maior sucesso em Realengo; tinha
saber onde é que vai fazer duas mil habitações. um engenheiro lã que ficou muito interessado na máquina
Então o Instituto comprou uma área enorme em e queria fazer blocos menores e realmente fez e produziu
Realengo, no Rio de Janeiro. Eu fui lá ver a área, era uma um máquina para fazer blocos de cimento menores e fez
área enorme e permitia fazer 2 mil habitações e muito diretinho.
mais coisas. Sim, porque eu não queria fazer só A máquina fez um sucesso relativo, porque na hora de
habitações. Habitação para eles era fazer uma casa, vocè confeccionar, verificava que tinha detalhes que criava^
aquela casa dois quartos e sala e está acabado. Pronto, o problemas malucos, principalmente nos encontros de
resto vem depois! Mas eu não, queria fazer habitação parede. Era problema mas eu resolvi todos os problemas
mesmo, habitação como eu achava , com escola, edifício e esta máquina ficou falada: fez o maior sucesso. Hoje
de apartamento com comércio. Eu previ até um circo." tem essa máquina em todo canto, mas naquela época
ninguém conhecia.
A PRODUÇÃO DE BLOCOS DE CONCRETO NO
REALENGO SOBRE GETÚLIO E O IAPI
"Duas mil habitações você não faz em um dia. Nós "O Getúlio criava a organização (Instituto) e depois
tivemos um período de adaptação e de estudo para dependia do presidente, Nós tivemos sorte, o IAPI era um
organizar o projeto e a obra. dos melhor organizados.
Neste período, o presidente do Instituto fez um viagem Os nossos presidentes, o Plinio e o Pedro Alim eram
aos EUA e lá ele descobriu uma máquina que eles tinham esclarecidos. Contrataram ótimos arquitetos. Eles que
lá inventado de fazer blocos de concreto grandes, bem escolhiam.
maiores do que destes de 30x20 , destes que se faz hoje Getúlio quando fez isto tinha o lado político, tinha muito
a treb por dois. Estava fazendo sucesso e então ele queria emprego, çts^institutosjramj.tm cabide desemprego, mas
que fizesse também neste esquema as casas do Realengo no IAPI não tinha isto, só entrava por concurso.
e então eu saípara outros esquemc&de casa, que fazia e O Getúlio estava interessado na inauguração. Acho que
não precisava revestir nem nada. Nós fizemos os blocos, eu tenho uma foto dele na inauguração do Realengo."
u

Habitação Social c Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs

A preocupação com a preservação do F - ——M-também,


---- y» Revelou-se,
complicados. — —— .,,w extrema
—de.
investimento realizado, entendido como~úm gravidadjejÇa questão da falta de padronização
património dos Institutos, levou-os a buscar, dos materiais, clemèhrotndrspéhsavelnuma
também, a durabilidade e quaíidade dos produção em série dê^mõfffdtaST^Ípêsaroestes
materiais ao lado da padronização vista como problemas e do inédito da produção, é sur­
um modo de possibilitar o barateamento d.a preendente a rapidez com que se edificèi^ os
construção e. assim, propiciar uma compati- conjuntos do IAPI no período do pós-guerranip
bilização entre o valor da construção e os salá­ Distrito Federal, o núcleo do Areal, constituído
I rios dos moradores: "Os projetos devem ser pa­ de 600 unidades foi construmõ~êm~5 meses, o
dronizados. tanto quanto o permitirem as condições conjunto do Bangu,_com_l 504 unidãdesêm um-
do meio, objetivando sempre economia em todos os ano e o da Penha, incluindo urbanização, escola,

I
pontos não essenciais ao dimensionamento da
habitação, de modo a tornar o valor construtivo
compatível com os salários médios locais. As
ginásio e 1248 unidades hábjtacipnais em dois
anos. Coerentemente com os demais aspectos, a
redução do tempo de obra era uma das
í
instalações devem ser simples, padronizadas e preocupações do IAPI: “a experiência do Instituto
duráveis e as estruturas, permanentes, evitando-se neste setor aconselha a adoção de um ritmo
soluções provisórias que possam comprometer a acelerado de obras, pois a abreviação da fase
preservação da garantia durante o período de construtiva conduz a resultados práticos de extrema
recuperação do capital empregado" (IAPI relevância. A primeira^çonsequêncig_diz_respeito à
1950:292). antecipação da locação e da respeçtfyapep^O- o que
justifica a adoção de meios tendentes a acelerar o
Como seria de se esperar frente ao conjunto andamento. Por outro lado, a redução do tempo de
inovador de procedimentos projetuais. os imobilização do capital no período construtivo alivia
Institutos se defrontaram com grandes o encargo de juros da inversão, à medida que decresce
o prazo de custeio, ^rapidez de construção contribui,
problemas de ordem legal para aprovar estes
projetos junto aos órgãos públicos competentes, igualmente, para o barateamento das despesas
em face das restrições impostas pelos códigos e administrativas com a direção e fiscalização das
posturas municipais: " Os^pontqs principais de obras." (IAPI 1950:295)
colisão dizem respeito ao loteamento, à concentração
em altura (gabarito), ao pé-direito mínimo e à dis­ As questões e preocupações presentes nos \
posição das vias de circulação” (IAPI 1950:293). documentos do IAPI, em 1950, mostram que no \
Assim, no surgimento da habitação social no interior do órgão havia se desenvolvido um corpo
Brasil, já aparecia a necessidade de ‘‘atualização técnico preparado para equacionar de um forma
dos códigos de posturas, de modo a comportar a consistente uma política habitacional. Infe.-
consideração dos núcleos de residência de tipo lizment^não era este objetiyoprimeiro dosLAPs,
popular, construídos sem propósito de lucro”, 'orgãos de previdência que, ao avaliarem a au­
questão que até hoje não foi devidamente sência de retorno dos investimentos realizados,
equacionada. Em alguns casos, como no reduziram drasticamente as inversõès - rnais um
conjunto da Várzea do Carmo, o projeto foi efeito_perverso da Lei do Inquilinatõ^ J.
aprovado, em caráter especial, à margem das
exigências legais aplicáveis, expediente Enquanto isto, a Fundação da Casa Popular,
precursor das atuais leis ou decretos de que tinha essa atribuição, estava muito distante
habitação de interesse social. do nível de elaboração a que tinham chegado os
lAPs, preocupando-se com aspectos secundá­
0 inédito porte das obras realizadas pelo IAPI rios, como com um autoritarismo paternalista
no período do pós-guerra exigiu de sua Divisão
de Engenharia o enfrentamento de inúmeros
problemas. A aquisição de materiais num
na gestão de seus conjuntos habitacionais e
adotando posturas de projeto muito mais
conservadoras (Aureliano & Azevedo 1980). A
i
mercado propício à escassez^ fõi~um~(iõs'mais opção pela casa própria como forma de acesso
1

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Conjunto Residencial de Cascadura. Rio de Janeiro, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos I
Industriários (IAPI). 115 Unidades.
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Conjunto Residencial da Penha. Rio de Janeiro, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Industriários (IAPI). 1248 Unidades. Dispõe de escola pública modelo, ginásio esportivo, posto
de assistência médica, zona comercial com lojas e escritórios.

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Conjunto Residencial de Cabuçu. Rio de Janeiro. Instituto de Aposentadoria e Pensões dos


Industriários (IAPI). 1 24 Unidades.
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Conjunto Residencial dei Castillo. Rio de Janeiro, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Industriários (IAPI). 1520 Unidades.

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Conjunto Residencial do Areal. Rio de Janeiro. Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Industriários (IAPI). 600 Unidades.

I
Conjunto Habitacional Ipiranga. Rio de Janeiro. Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Servidores do Estado (IPASE). 498 Unidades. Projeto do arquiteto Álvaro Vital Brazil (1947).
Não chegou a ser construído. Era composto por blocos de três pavimentos sobre pilotis, casas
isoladas e gêmeas. Os equipamentos propostos eram: escola com dez salas, cine-teatro com
1.000 lugares, lojas, ginásio, piscina e campos esportivos.

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Habitaçio Social e Arquitetura Moderna: a Express&o dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs

às unidades habitacionais produzidas pela FCP


reveja este conservadorismo.

Dado o nível técnico e administrativo que os


Institutos, em particular o IAPI. alcançaram na
segunda metade da década de 40, nào é difícil
imaginar a potencialidade que teria tido no
período uma ação centralizada, com recursos,
quadros técnicos e estratégiaxpara enfrentar de
modo eficaz a questão da produção de habitação
no país. A análise de alguns dos conjuntos
construídos pelos lAPs dãc( uma boa idéia desta
potencialidade.

cm

o
Arquitetura Moderna

Ê e os Conjuntos
Habitacionais dos lAPs

Não pretendo realizar uma análise exaustiva í de um novo modo de vida operário, moderno, %
da arquitetura dos conjuntos habitacionais Ç c o lõbfvòT~ad e qrrado-ao-mode io~de-desenvo 1 -
produzidos no período, tarefa para o futuro^a Hvimento nacional quFõ^Estadõ^esíímuIãvaTNas
partir de um levantamento completo do suas origens, portanto, a hàbitaçao social no
conjunto da produção realizada no populismo, Brasil articulava-se com um projeto de sociedade
em todo o país. Neste segmento serão destacados ç sua arquitetura refletia esta preocupação.
apenas alguns aspectos de conjuntos mais
representativos, com maior destaque para os Esta perspectiva_çoncjce.tiza-seJ_s_obretudc^na
edificados em São Paulo, com o objetivo de p ro d u ç ã orealiza da pelos lAPs. Es tesorgão s
mostrar como a arquitetura brasileira enfrentou ' foram determinantes na introdução de um nova
o desafio de desenhar a habitação social, • forma de tratar a questão dã moradia no Brasil,
introduzindo novas tipologias de ocupação introduzindo noyas^mplantações e tipologias em
urbana e de edificações. ‘<=v projetos habitacionais “que, se naõ-foram
pioneirás sl nível internacional, faziam parte da
Estas intervenções tiveram grande impacto produçãooe arquitetura moderna brasileira,
/ nas cidades brasileiras, não só pelo volume cuja relevância é internacionalmente reco­
construído, que supera qualquer outra nhecida.
/ intervenção física realizada pelo~Estad,o_no
período pré-Brasília, como pelo caráter social Neste sentido, surpreende a jjouca ou \
inovador, onde se associavam edifícios^de nenhumahnpQrtânçiajiada_a_esta.pro^uçãQjja )
moradia com equipamentos sociais erecrea- historiografia_brasjleira, quando os dois mais |
_ tivos, áreas verdes e de lazer, sistema viário^etc. importantes e pioneiros livros publicados no
| Ou seja, a intervenção realizada-si&hificóÃTã exterior sobre a arquitetura brasileira, Goodwin
construção de grandes com.plexos.Airbanos, (1943) e Mindlin (1956), que foram os maiores
implantando no país vários dos. princípios do divulgadores do movimento moderno brasileiro
movimentõ^moderno/que, como vimos, prio- no seu período heroico, destacamos conjuntos
rizava, nos s^usjnomentòs^Tíeroícos", a Habi- habitacionais de Santo_Andr£.e_d.oJRealengo,
taçãõlocíal. àmbos dóIAgre proietados.pnr..Carlos Frederico 9
/d O'71'' {
Ferreira, ao lado dos edifícios do MEC, da ÃSQ- '
i Tratava-se de verdadeiros^conglomerados
/ urbanos õhde se buscava concretizar um espaço
Ester e outras famosas_ahras dosjnais festejaBos
arquitetos brasileiros.
í
/ capaz deprõpiciar condições para ojurgimento

cm 1
i
Habitação Social c Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs

Goodwin (1943:9 7) chega mesmo a dedicar Viação em Belo Horizonte e da Caixa de


um parágrafo sobre os projetos de habitação Aposentadoria e Pensões da Leopoldina Railway,
social, destacando o trabalho de Attílio Correia na Tijuca. Distrito Federal.
Lima: “Therejire a-number of projeçts,_several of
them under construction, for large low-cost housing A adoção da casa isolada, com recuos laterais
developments such as have been done in Europe and, e frontal, nas primeiras realizações públicas de
more recently, in the United States. Attilio_Corr.ea habitação social das Caixas de /Xposentadorias e__
Lima has planned a large scheme for the industrial Pensões, reflete ainda a influência dos higie­
seccion of São Paulo. It will inclúde a number õf high nistas que. desde o início do século, apontaram
apartment houses, work^shops and communíty esta solução como a ideal. Na década de 30,
buildings. Realengo is gn interesting housing portanto. ainda predominava uma concepção
experiment with apartaments as well as single que defendia para o operário que ascendia à
houses." condição de proprietário, um modelo de moradia
que reproduzia, cm miniatura, o palacete
No entanto, até meados da década de 30, pequeno-burguês, em oposição à promiscuidade
ainda predominavam no país as implantações do cortiço e à aglomeração apenas tolerada da
típicas da produção rentista, como as vilas, casa geminada de vila.
geralmente renques contínuos de casas
geminadas, deum ou dois pavimentos, formando
I / ruas estreitas no interior dos quarteirões.
• Obedecia-se a uma implantação tradicional -
A presença marcante deste ideário na década
de 30 mostra que as diretrizes adotadas pelos
Institutos no sentido de introduzir a habitação
I ruas, quarteirões, lotes e casas. A própria ideia multifamiliar e uma implantação moderna não
_L__de conjunto habitacional inexistia; salvo era operação simples. Apenas uma forte
raríssimas exceções, como na Vila Maria Zélia, intervenção do Estado, através dos Institutos,
não se concebia núcleos habitacionais onde se poderia ter sido capaz de, em tão pouco tempo,
combinassem unidades de moradia, áreas revisar de modo tão radical o modelo de
comerciais, escolas e outros equipamentos, habitação adequada para o trabalhador. E. neste
mesmo porque, sendo empreendimentòs sentido, não resta dúvida que o novo modelo que
privados, naõliavia interesse em edificar outros se difunde, do grande conjunto habitacional
equipamentos além da moradia, salvo nas raras multifamiliar de promoção pública, representa
\ vilas operárias '«onde a preocupação do simbólica e concretamente a expressão espacial
\ empregador com o controle moral e político do deste novo momento em que o Estado se
\ trabalhador era tão forte que justificava o fortalece como o protetor dos trabalhadores e o
investimento. responsável pelo atendimento de todas suas
necessidades de serviços de caráter coletivo. Os
Nos primórdios das realizações públicas, objetivos de ordem, controle, subordinação,
1 expressas pelas primeiras e escassas construções reeducação, massificaçãoetc, tão próprios da
das Caixas de Aposentadorias, na década de 30, visão estado-novista, encontram nestes novos
os projetos que buscavam fugir à aglomeração núcleos habitacionais de inspiração moderna^o
representada pelas casas geminadas típicas das^T espaço propício para sua difusão. As soluções
vilas e cortiços da fase rentista^adotavam a casa arquitetônicas e urbanísticas adotadas rfao
• unifamiliar no centro do lote, ornamentação podem, portanto, ser consideradas neutras, mas
s tradicional e uma complexidade construtiva parte integrante deste projeto político-
imprópria à produção^seriada. É o caso, entre ideológico f>ndc^ as novas concepções formais e
outros, dos conjuntos produzidos pela Caixa de espaciais fazem parte da estratégia mais geral
Aposentadorias e Pensões pela Central do Brasil do projeto nacional-desenvolvimentista.
no Meyer, Distrito Federal, construído em 1935,
| pela Caixa de Aposentadoria e Pensões da Light, Para efeito de análise de seus projetos e
1 no Engenha.NoYD, Distrito Federal, pela Caixa sistematização das tipologias adotadas, os
I de Àposentadoria e Pensões da Rede Mineira de

cm
Habitação Social c Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs

conjuntos habitacionais produzidos no período edificado pelo IAPI, o Conjunto Residencial de


podem ser divididos em quatro grupos, que nos Realengo, Distrito Federal, composto por 2.344
permitem identificar com maior facilidade unidades, entre casas e apartamentos, que
aspectos inovadores que foram introduzidos, a estavam concluídas no início da década de 1940.
saber: Assim como vários outros empreendimentos
habitacionais do Rio de Janeiro, está localizado
1 Grandes conjuntos habitacionais de implan­ ao lado da estação de Realengo, a cerca de 40
tação racionalista, formados por blocos mul- minutos em trem de subúrbio do centro do Rio.
tifamiliares, em alguns casos incluindo tam­
bém unidades unifamiliares Seu projeto inclui, além dos serviços de
2 Unidades de Habitação, em geral formadas urbanização completos (rede de agua, luz e
por um único grande bloco vertical esgoto, galerias de águas pluviais, pavimentação
e estação de tratamento de esgoto), vários
3 Conjuntos concebidos segundo o ideário da serviços de caráter coletivo, como escola
Cidade-Jardim primária para 1.500 alunos, creche para 100
4 Conjuntos habitacionais formados apenas crianças, ambulatório médico, gabinete den­
por unidades unifamiliares tário. quadras para a prática de esportes, templo
católico e horto florestal, equipamentos que
foram efetivamente implantados.
CONJUNTOS HABITACIONAIS DE
O conjunto compunha-se de unidades
IMPLANTAÇÃO RACIONALISTA unifamiliares e blocos de apartamentos de
quatro andares cujo primeiro piso era destinado
ao comércio e serviços. O bloco principal era
É, indiscutivelmente, o grupo mais signi­ imponente e gracioso com suas varandas crian­
ficativo de conjuntos habitacionais produzido do um rico jogo de volumes. O espaço público
pelos lAPs, tanto do ponto de vista quantitativo formado pelos dois blocos paralelos que ladeiam
como em relação às inovações introduzidas. A a avenida torna-se uma forte referência espacial
grande maioria destes projetos foi desenvolvida e social.
na década de 40. com uma predominâcia da
ação do IAPI. Adotaram-se integralmente as O Realengo não era uma concepção isolada.
concepções da arquitetura moderna, onde se Em vários outros conjuntos do IAPI de grandes
nota a forte influência das “Siedlungen" alemãs dimensões como Del Castillo (Distrito Federal,
do período entre guerras e dos grandes projetos 1.520 unidades), Bangu (Distrito Federal, 5.000
racionalistas de habitação social do pós II unidades), Várzea do Carmo (São Paulo,4.038
Guerra, dos quais são contemporâneos ou unidades). Penha (Distrito Federal, 1.248
mesmo anteriores. unidades), Passo de Areia (Porto Alegre, 2.496
unidades) Santo André (Santo André SP, 3.000
Vários conjuntos deste grupo eram de grande mil unidades), Areias (Recife, 1450 unidades),
dimensão (acima de 500 unidades, ou seja mais apenas para citar os núcleos com mais de 1 mil
de 3 mil moradores), principalmente na seu unidades, estavam presentes propostas
projeto original, visto que vários deles ficaram semelhantes, incluindo ainda, em alguns casos,
inconclusos ou sequer foram iniciados. ginásios cobertos de esportes, cinemas, centro
Localizados nos grandes centros urbanos, estes comercial e serviços administrativos.
conjuntos foram concebidos como núcleos
urbanos, dispondo de vários equipamentos
comunitários, além da habitação.
Realizava-se, de certa forma, no período de
1946/50 (embora os projetos tendo sido
elaborados, em grande parte ainda no Estado
í
É o caso, por exemplo, do primeiro conjunto Novo) , o determinado por Vargas no seu

I
Conjunto Residencial do Realengo. Rio de Janeiro, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Industriários (IAPI). 2344 Unidades. Projeto de Carlos Frederico Ferreira.

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Bloco principal. Área comercial no térreo.

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Implantação

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Habitação Social e Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs I

discurso do dia do Trabalho de 1944, de de terreno privado: todo o espaço de solo rema­
edificação de “cidades-modelo" utilizando-se os nescente é público, sendo que em alguns casos I
fundos da previdência social. os blocos têm estrutura independente, são
elevados por pilotis, garante-se a fachada livre e
Nestes núcleos, concretizava-se o ideal de utiliza-se de apartamentos duplex. I
proteção e controle amplo do trabalhador,
criando um espaço totalizador, onde seu tempo Os conjuntos tem projetos diversificados, I
livre era inteiramente ocupado em atividades sobretudo na implantação, e embora possa se
educacionais e recreativas promovidas ou notar a busca de uma certa padronização no
* controladas pelo Estado que, ademais era o seu projeto dos blocos, a identidade de cada
locador. A imagem paternalista do Estado conjunto, com seu desenho característico. é
atingia o seu ápice. preservada. Em geral, os blocos são desenhados
como paralepípedos, sem nenhuma ornamen­
Além de regulamentar as relações entre o tação, mas adotando elementos de composição
capital e o trabalho, de estatizar a previdência que garantem movimento à fachada e jogo
social, de interferir nos sindicatos, atrelando-os articulado de cheios e vazios. As caixas de
ao Ministério do Trabalho e de criar a Justiça do escadas são quase sempre fechadas por
Trabalho, o poder público edificava o espaço de elementos vasados, que estabelecem uma
morar do trabalhador, alugava-o, a valores marcação vertical em fachadas caracterizadas
congelados, para assalariados filiados aos por linhas horizontais, formadas pelas
Institutos e montava uma estrutura de equipa­ aberturas.
mentos sociais que mantinha entretidos traba­
lhadores e sua família, num processo de repro­ Os projetos dos lAPs não têm a riqueza de
dução ideológica dos valores defendidos pelo composição arquitetônica dos seus congéneres
í aparato estatal. europeus mas dialoga com eles. Merecem ser
observados com maior cuidado, pois sua qua­
W Este projeto ideológico tinha uma arqui­ lidade supera quase tudo o que se produziu em
tetura: a moderna. De modo coerente com as termos de conjuntos habitacionais no Brasil do
propostas defendidas, ainda de modo meio . BNH.
desarticulado, pelo arquiteto Rubens Porto, do
Conselho Nacional do Trabalho, adotou-se O Conjunto Residencial Vila Guiomar, em
nestes projetos, quase que integralmente, os Santo André, de Ferreira, é um bom exemplo da
preceito formais defendidos pelo movimento presença dos pressupostos da arquitetura
moderno. Ao novo homem que se buscava forjar, moderna na produção habitacional. Proposto,
■■
era necessário moldar um novo espaço, uma originalmente, com cerca 3.000 unidades, este
nova concepção de morar, uma nova conjunto, numa primeira fase de 1.411
arquitetura. unidades, compunha-se de 61 blocos de quatro
pavimentos, de diferentes tipologias e dimen­
Não surpreende, portanto, que os preceitos sões, totalizando 9 78 apartamentos e 433 ca­
do urbanismo moderno e a implantação raciona- sas. Os blocos foram elevados do solo por pilotis,
lista tenham sido adotados em todos estes a estrutura de concreto armado é independente
projetos. Abandonando a trama urbana tradi­ e a fachada livre, com os pilares recuados.
cional, as quadras e os lotes, estes conjuntos
compõem-se, majoritariamente, de blocos de As torres de escadas se destacam do bloco,
apartamentos de três, quatro ou cinco pavi­ formando uma saliência em forma de dente no
mentos, sem elevador, dispostos no terreno em seu lado posterior. Este dente e o telhado incli­
composições geométricas variadas mas quase nado evitam que o bloco tranforme-se num para-
sempre buscando gerar tramas cartesianas. Nes­ lepipedo perfeito, como ocorre no conjunto da
tes projetos são eliminadas as noções de lote e Baixada do Carmo. A presença do telhado, por

ii
Habitação Social c Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos ÍAPs

i
sua vez. significa também uma recusa à dimensão, reduzidas pela presença da colunata,
utilização do teto-jardim, que caracteriza todo apresentando quarto, sala, banheiro e cozinha.
este grupo de conjuntos; o teto-jardim será A maior parte das unidades tem dois quartos,
adotado apenas num reduzido grupo de sala com varanda, banheiro, cozinha e área de
projetos. serviço. Finalmente, merece referência especial,
pela novidade, a presença de unidades ‘‘duplex",
Os apartamentos são formadas por dois ou localizadas no quarto andar dos blocos de cinco
três dormitórios, sala, cozinha e banheiro. As pavimentos. Nestas unidades, de área excessiva
colunas de escadas, marcadas por elementos para habitação social, têm-se quatro dormi­
vasados, articulam a circulação vertical, tórios, sala, duas varandas, banheiro e cozinha
servindo dois apartamentos por andar e com serviço. É uma proposta pioneira em edi­
repetindo-se sistematicamente ao longo dos fícios residenciais no país e que antecede a
blocos por duas, três ou quatro vezes, depen­ utilização desta tipologia no Conjunto de
dendo de seu comprimento. A fachada livre Pedregulho.
I
I permite a criação de um pano horizontal con­
II tínuo de aberturas, que caracteriza um dos lados No Conjunto da Várzea do Carmo, em São
do bloco. Paulo, de autoria do arquiteto e urbanista Attilio
II
Corrêa Lima, o destaque fica para a rigorosa
I composição racionalista da implantação, cujo
Neste caso, como em vários outros conjuntos
I edificados pelos ÍAPs. surpreende a qualidade e cartesianismo e regularidade lembram as !
a dimensão da moradia, que supera em muito propostas de Hilberseimer, na Arquitetura das
I Grandes Cidades. Os blocos de quatro andares,
tudo o que se veio a fazer posteriormente em
I habitação social no Brasil. rigorosamente idênticos, são verdadeiros
paralepípedos geometricamente traçados, :•
I chegam até o solo como uma massa sólida
No Conjunto Residencial da Moóca. do IAPI, ' ; despida de qualquer ornamento ou saliência,
formado por 17 blocos, adota-se uma solução salvo um singelo enquadramento das janelas e
original no pavimento térreo, com a utilização um elegante beiral que protege a entrada de cada
de pilotis apenas na face frontal do bloco, um dos lances de escada, em número de três por
criando-se uma passagem coberta ao longo de bloco.
todo o comprimento do edifício, que garante
uma proteção aos usuários no acesso às suas
moradias contra o sol e chuva, além de criar um Attílio dispôs os blocos dois a dois, formando
espaço de convívio. Estes pilotis, redondos, um pátio ladeado pelas frentes dos edifícios,
formam, na verdade, uma "colunata” imponen­ marcadas unicamente pelos beirais da entrada
te. que dá ao bloco uma monumentalidade sutil e pelo elemento vazado que fecha a caixa de
e marcante. Lamentavelmente, os blocos não são escadas, com algum interesse mas sem a
dispostos, dois a dois, de frente um ao outro, de expressão urbanística que poderia ter sido criada
modo a formar um pátio ou pequena praça pela colunata do conjunto da Moóca.
ladeado por colunas, o que enriqueceria sobre­
maneira o conjunto urbanístico assim composto. Lamentavelmente, os três blocos diferen­
ciados, de maior comprimento, que uniriam as
No Conjunto da Mooca, de autoria do fileiras indianas de blocos padronizados e
arquiteto Paulo Antunes Ribeiro (informação formariam um espaço livre ladeado por massas
não confirmada, que consta da planta obtida construídas (ver planta de implantação origi­
junto ao INSS), também merece referência a nal), não foram executados, resultando num
variedade de tipos de apartamentos, atendendo vazio despropositado e que, posteriomente, deu
famílias de diferentes dimensões. Num total de margem à edificação de prédios improvisados de
5 76 apartamentos, cerca de 1/4 das unidades, serviço da previdência.
as do primeiro pavimento, são de menor

FTF1

a
Conjunto Residencial Vila Guiomar. Santo André, SP, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Industriários (LAPI). 1411 Unidades. Projeto do arquiteto Carlos Frederico Ferreira.
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Implantação

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*
Conjunto Residencial Santa Cruz. São Paulo, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Industriários (IAPI). 282 Unidades. Ao contrário dos conjuntos da Moóca e da baixada do
Carmo, este conjunto mantebve a concepção original do projeto - de inspiração racionalista
conservando a área externa como um espaço público, verdadeiro parque para recreação sem
grades.

F Planta do apartamento
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Acessos ao bloco

Implantação original y>

Planta do apartamento
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Implantação atual
Habitação Social e Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs

UNIDADES DE HABITAÇÃO Trata-se de conjuntos que desenvolvem-se'


I praticamente no âmbito de um único edifício,
obedecendo com maior ou menor rigor os
preceitos estabelecidos por Le Corbusier na sua
conhecida proposta das “Unités d’Habitation". J
Neste grupo encaixam-se alguns poucos Na produção dos lAPs, destaca-se no âmbito
conjuntos habitacionais implantados no período deste grupo o edifício de autoria do arquiteto
em estudo, com evidente destaque para o projeto Eduardo Kneese de Melo, realizado para o IAPI.
de Pedregulho, que embora nâo seja de iniciativa localizado na baixada do Bexiga, entre as ruas
de nenhum dos lAPs (foi uma iniciativa da Japurá e Santo Amaro, na Bela Vista. São Paulo.
prefeitura do Rio de Janeiro para ser destinado a
seus funcionários de baixa renda), enquadra-se
pela sua finalidade, período de projeto e A importância deste conjunto habitacional/
execução e população a que se destinava no edifício/unidade de habitação nunca foi sufi­
cientemente destacada, não merecendo ne­
conjunto de empreendimentos de habitação
social de iniciativa pública que estamos nhuma referência na maior parte dos trabalhos
estudando. sobre arquitetura moderna no país. No entanto, _—
este projeto, que é contemporâneo ao projeto de
Reidy para Pedregulho (o projeto começou a ser
Pedregulho, pela sua importância, mereceria desenvolvido em 1949, embora o relatório do
uma análise muito mais aprofundada que não IAPI de 1950 não faça referência à sua
cabe no âmbito deste trabalho. Além disso, é um existência), traz no seu bojo várias idéias que
projeto já bastante conhecido e analisado e, foram melhor desenvolvidas pelo arquiteto
portanto, tecerei apenas uns poucos comen­ carioca. A obra é inaugurada em 19 57, antes,
tários. portanto, que Pedregulho.
s
Os conjuntos de Reidy são muito mais do que 0 edifício Japurá, como será aqui tratada a
apenas uma unidade de habitação. Trata-se de , obra de Knesse, localiza-se numa depressão, o
um grande conjunto habitacional, formado por I antigo vale do córrego Bexiga, exatamente na
outros blocos além do edifício principal -que < mesma situação em que havia sido implantado
estamos chamando de “unidade de habitação" - 1 um dos mais famosos conjuntos de cortiços de
, e apresenta todos os elementos que caracteri- São Paulo - o Navio Parado, descrito no primeiro
zam os projetos que foram analisados no item capítulo. A presença deste cortiço marcava tão
anterior, realizando-os de forma mais acabada e fortemente o local que o arquiteto inspirou-se
completa: implantação racionalista, preocupa- " nele para definir a implantação do bloco, que
ção em associar moradia com equipamentos ocupa exatamente a mesma posição do Navio
comunitários, renovação de relação espaço pú­ Parado: o fundo do vale, acompanhando, tal
blico e espaço privado etc. Ocorre que, indepen­ como Pedregulho, as curvas de nível. É certo que
dentemente dos indiscutíveis méritos de Reidy o terreno tem uma topografia menos acidentada
nos projetos dos equipamentos comunitários e mas é igualmente de difícil ocupação. Situado
de demais blocos, a sua grande inovação e num nível mais baixo que a rua Japurá, o acesso
principal contribuição está no imenso edifício' implanta-se como uma ponte, uma belíssima
serpenteante construído na parte alta do terreno galeria envidraçada.
que, como Bruand (1981) afirma é "apeça chave
da unidade residencial (...) cuja planta serpenteante
Propondo em um único edifício de 14 \
é uma manisfestação brilhante e original". E este é
andares um total de 245 unidades habitacionais, \
a realização da proposta de Le Corbusier, a
Kneese utiliza vários elementos do repertório
“Unité d’Habitation”. Assim, julgo pertinente,
moderno, em particular da concepção corbu-
incluir este conjunto no grupo que aqui está
siana: isola o edifício do piso através de pilotis,
sendo denominado de Unidade de Habitação, |

cm
Habitação Social c Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos IAPs

aproveita a cobertura como um teto-jardim para


a implantação de equipamentos comunitários,
em meio a uma recortada marquise, utiliza-se hi
de unidades duplex para reduzir o número de
paradas do elevador e racionalizar as plantas dos
apartamentos. O corredor central que, a cada
T^clois andares, dá acesso aos apartamentos que
y se abrem dos dois lados . torna-se pela sua di­
mensão, uma espécie de rua interna, como Le
Corbusier propõe nas Unités.

0 edifício comercial, implantado junto a rua


I
Japurá.também no mesmo local anteriormente
ocupado pelo outro alinhamento de prédios
I
encortiçados. cria um pátio envolvido por
construções que serve da área de recreação. Este
edifício, entretanto, nada apresenta de inte­
ressante do ponto de vista arquitetônico e, dada
sua visibilidade, contribui para manter o bloco
principal oculto na hoje carregada paisagem

>1
vertical do entorno.

cm
Conjunto Residencial do realengo. Rio de Janeiro. Instituto de Aposentadoria e Pensyés dos
Industriários (IAP1). 2344 Unidades. Projeto do arquiteto Eduardo Kneesé de Mello.

F:c ■

Parte inferior do bloco. Pilotis isolam o


edifício do terreno, transformado cm
garagem.
Situação atual da cobertura. Original­
mente um teto-jardim, foi abandonada por
falta de uso e manutenção e destruída com
a colocação de telhado.

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O edifício do IAPI cm construção repete a implantação do cortiço Navio parado. Na frente da construção,
ainda resiste o Pombal, posteriormente demolido para implantação do centro comercial.

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Habitação Social e Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos lAPs

CONJUNTOS CONCEBIDOS tratá-lo como uma esculturase adequando a mais


SEGUNDO O IDEÁRIO possível às curvas de nível" (Souza 1994). 0
engenheiro ressaltou a importância dada à
DA CIDADE-JARDIM questão estética: "Procuramos os efeitos belos,
explorando ao máximo os recursos naturais e
intentamos criar com as concordâncias
Neste grupo merece destaque o conjunto harmoniosas do traçado, o ponto alto da solução
residencial do Passo de Areia, com 1.691 paisagística" . (Souza 1994)
unidades (ou 2.496. conforme IAPI 1950). em
Porto Alegre, do IAPI. de autoria do Engenheiro
Ao que é possível auferir, esta opção
Marcos Kruter. com visível influência do
urbanística não foi assumida sem polêmica:
movimento da Cidade-Jardim (Souza 1994).
Gardolinski. engenheiro responsável pela obras
Também neste caso é importante ressaltar a
do IAPI em Porto Alegre, parece ter tido grande
lacuna existente na historiografia do urbanismo
dúvida "se optaria por um sistema de prédios altos
brasileiro, que ignorando iniciativas como a do
e traçado geométrico, ou pelo sistema predominante,
IAPI de Porto Alegre, apenas identifica os
de casas unifamiliares e poucos prédios, com um
empreendimentos de elite, sobretudo os bairros-
traçado mais orgânico, definindo-se finalmente
jardins de São Paulo, como os influenciados pela
pelo projeto de Kruter" (Souza 1 994).
corrente urbanística formulada por Howard e
'Unwin^
A opção feita no Rio Grande do Sul mostra
que o IAPI era relativamente flexível na
A grande novidade deste conjunto, portanto,
definição dos partidos urbanísticos, aceitando
é o projeto urbanístico, que contrariando a
diversidades regionais, ao contrário do que
maioria dos racionalistas conjuntos do IAPI no
I passou a existir depois de 1964. com a
Rio e em São Paulo, adotou alguns princípios da
uniformidade difundida pelo BNH. Isto confirma
cidade-jardim, como o traçado orgânico das vias
a afirmação de Carlos Frederico Ferreira. de que
e dos blocos, rigorosamente adequado ao meio-
o Instituto dava grande autonomia aos
físico e à topografia, hierarquia de vias e arquitetos responsáveis pelo projetos. E, por
profusão de áreas verdes.
outro lado, que a corrente racionalista
predominante no eixo Rio-São Paulo e mais
Outras de suas características, como coerente com os pressupostos da arquitetura
diferentes tipologias, com presença de blocos moderna brasileira, não representava o
multifamiliares e casas individuais e consenso entre os profissionais que
implantação de vários equipamentos contribuíram na produção que está sendo
comunitários, são correntes nos demais projetos analisada.
habitacionais dos lAPs, o que demonstra a
existência de certas diretrizes gerais do órgão, De qualquer maneira, a racionalidade e
de certa forma confirmada pelo Memorial economia eram princípios que ninguém, no
descritivo do projeto, elaborado pelo engenheiro IAPI, gostava de contrariar, como se deduz pelo
(Kruter s/d), onde se afirma que o projeto foi depoimento de Kruter: "sem prejuízo do
"elaborado segundo um grupo de normas e aproveitamento racional do terreno no sentido de
considerações de ordem técnica, urbanística, social obter um máximo rendimento, decidimos
e económica". disseminar os(...)espaços verdes, para que esse
benéfico elemento, além da sua função decorativa,
O engenheiro Kruter, em depoimento bizzara e alegre, possa ser usufruído de uma maneira
prestado a Souza (1994), confirma as equitativa por todos os futuros moradires do novo
preocupações pintorescas do projeto urbanístico bairro" (Souza 1994).
ao afirmar, quando se referiu ao sítio, que "queria

1141
I

Conjunto Residencial Passo de Areia. Porto Alegre, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Industriários (IAPI). 1.691 Unidades. Projeto de I. Kruter.

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Detalhe do bloco de trcs pavimen­
tos. Notar acesso direto da rua para
o primeiro pavimento.

Vista do conjunto

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Implantação. Notar a praça esportiva no centro.

§
Conjunto Habitacionais do IAPI em várias regiões do Brasil. Apesar da prioridade para o eixo
Rio / São Paulo, os conjuntos dos lAPs foram implantados em escala nacional.

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150 moradias

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Conjunto residencial do Coqueirinho. Fortaleza. Ceará


(LAPI). 1 50 unidades.
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I Conjunto residencial de Lagoinha (LAPI).


Belo Horizonte. 928 unidades. 8 lojas e
escola pública. Foram construídas duas
estações de tra-tamento de esgoto,
reservatórios de água potável e uma estação
transformadora de energia elétrica, às
expensas do Instituto.

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Conjunto residencial de São Braz. Belém, Pará (IAPI).


1 9S unidades. 1 3 lojas c escola pública.
Habitação Social e Arquitetura Moderna: a Expressão dos Conjuntos Habitacionais dos lAPa

CONJUNTOS HABITACIONAIS
CONVENCIONAIS FORMADOS
POR CASAS ISOLADAS

Não se deve ter a impressão, no entanto, de


que todos os conjuntos do lAPs inovavam em
termos de urbanismo, arquitetura e propostas de
habitação. Boa parte dos conjuntos implantados
seguia o senso e os princípios comuns, optando,
de preferência, pela casa unifamiliar, térrea,
situada em loteamentos convencionais, que era
o padrão aceito e recomendado como o ideal pelo i
gosto conservador para a moradia do
trabalhador.
I
Sobretudo nas cidades médias e pequenas,
I
mas mesmo em conjuntos localizados nos
I grandes centros, como o de Osasco, em São
I Paulo, muitos núcleos dos lAPs não passam do
modelo que Attilio C. Lima criticou como
I sinónimo do atraso cultural: a casa isolada com
grande quintal, onde o modo de vida estruturado
na família e em ideiais conservadores (“dos
chinelos aos domingos") melhor pode se
desenvolver.

A presença deste padrão nos


empreendimentos do IAPI, o mais avançado dos
Institutos no que diz respeito aos projetos
habitacionais, assim como sua predominância
absoluta nas realizações da FCP, mostra como
este modelo era forte na sociedade brasileira dos
anos 40 e 50 e o quanto as soluções mais
avançadas encontravam resistências. Mas para
a disseminação deste modelo conservador não
era necessário grandes investimemtos públicos:
o autoempreeendimento periférico poderia dar,
como deu. conta de realizá-lo.

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do Trabalhador:
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Autoempreendimento
da Moradia Popular
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i Um operário adquire um terreno; ele mesmo abre um poço depois do serviço. Compra
os tijolos. E aos domingos convida a turma para lhe dar uma mão. Em poucos domingos
as casas se levantam pelos barrancos da Vila Matilde, Vila Esperança, Vila Guilhermina.
São as 1casas domingueiras’, as mesmas que tremem com a ventania.” (Hoje6/3/1947)

Na década de 40, em consequência da crise de habitação, da desestruturação do mercado


rentista e da incapacidade do Estado financiar ou promover a produção habitacional em larga
escala, consolidou-se uma série de expedientes de promoção e construção da casa, marginais
ao mercado formal e ao Estado que, de modo sintético, irei chamar de autoempreendimento da
moradia popular, baseado no trinômio loteamento periférico, casa própria e autoconstrução
(Bonduki 1992). Este processo torna-se hegemónico em São Paulo e em grande parte das
cidades brasileiras, ganhando importância indiscutível como a forma mais comum de moradia
dos setores populares no país.

Muitos são os nomes que ganha a nova forma de construção: casas domingueiras, casas de
periferia, casas próprias autoconstruídas, casas de mutirão; sua característica básica é ser
edificada sob gerência direta do seu proprietário e morador: adquire ou ocupa o terreno; traça,
sem apoio técnico, um esquema de construção; viabiliza a obtenção dos materiais; agencia a
mão de obra, gratuita et ou remunerada informalmente; e constrói sua casa.

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Sistema hoje largamente difundido e


bastante conhecido (entre outros, Lemos & "As duas casinhas de baixo são as
Sampaio 1978, Maricato 1976, Bonduki chamadas "casas domingueiras". Só
edificadas aos domingos. Em cima,
& Rolnik 1 979, SEP 1 979, Chinelli 1980,
vemos um barracão de madeira,
Kovvarick 1981, Mautner & Taschner localizado num subúrbio, sem água, luz,
1 980, Beozzo de Lima 1 980, Costa 1 983, iluminação, num terreno de oito metros í
Bonduki 1986), o autoempreendimento e a de frente por dez de fundo e que custou i

autoconstrução da casa não eram, na década trinta e cinco mil cruzeiros ao velhinho
que o comprou." (Correio Paulistano)
de 40, propriamente uma novidade, apesar
&
da surpresa que causavam na imprensa e
opinião pública em geral.

No entanto, malgrado a existência de práticas do gênero desde o início do século, ainda sem
se constituir numa alternativa de fato para o conjunto dos trabalhadores, a grande expansão
das soluções habitacionais baseadas no autoempreendimento da casa deu-se a partir da grande
crise de habitação da década de 40, no marco das novas condições urbanas, económicas,
imobiliárias e de reprodução da força de trabalho - todas elas fortemente influenciadas pela
intervenção do Estado.
A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autocmprccndimcnto da Moradia Popular

DISTRIBUIÇÃO DOS DOMICÍLIOS SEGUNDO A CONDIÇÃO DE OCUPAÇÃO


Município de São Paulo 1 920-1 970

1920 1940 1950 1970


Ocupados por locatários 46.976 187.555 264.174 486.472
79% 67% 58% 38%
Ocupados por proprietários 11.404 69.097 167.953 683.930
19% 25% 3 7% 54%
Outras formas de ocupação 1.404 20.302 23.290 101.877
2% 7% 5% 8%
TOTAL 59.784 276.954 455.417 1.272.279

Fonte: IBGE 1940,1950.1970

[ É difícil quantificar a expansão deste processo A aceitação ambígua do conceito de habitação


j na medida em que ele se deu à margem das social permite, por um lado, uma forte inter­
_çstatísticas oficiais; a análise da evolução do venção do Estado, regulamentando as locações,
mímero de domicílios próprios em relação ao to­ financiando e produzindo ele próprio moradias
tal, no entanto, revela o enorme incremento da e, por outro, a absoluta ausência do poder
propriedade na cidade de São Paulo no período público no seio dos polos mais desenvolvidos do
pós-40. E como casa própria, para o grosso da capitalismo do Brasil (São Paulo e Rio de Janeiro,
população, significava autoemprendimento em em primeiro lugar), permitindo que se
loteamento periférico, estes dados expressam, generalizem formas não capitalistas de produção
ainda que indiretamente, o grau de crescimento - verdadeira produção doméstica - de um bem
desta alternativa habitacional. essencial à sobrevivência do trabalhador. Ao se
Na formulação que aqui se defende, a desqualificar a produção da moradia como
extraordinária expansão do autoempreen- mercadoria, seja pela sua transformação numa
dimento em loteamentos periféricos (e também espécie de serviço social (figura muito próxima
da favela), a partir da década de 40, não é um de como os lAPs encaravam os conjuntos
processo ^autónomo no conjunto das habitacionais por elas edificados), seja pela
transformações que ocorreram no quadro descaracterização de seu valor através da
habitacional no país. É parte integrante do que dissociação entre o preço de produção e de
vamos chamar de “desmercantilização" do locação (provocado pela Lei do Inquilinato), seja
processo de produção da habitação popular, ou, pela sua produção como um valor de uso
seja, a desestruturação do mercado de moradias (autoemprendimento), configura-se uma
produzidas por empreendedores capitalistas situação onde o morador não mais paga o valor
privados, no quadro da formulação do conceito de sua habitação. Reduzindo ou anulando o
de habitação social, onde o Estado e o próprio custo da moradia, provoca-se uma queda no
morador passaram a assumir a responsabilidade custo de reprodução da força de trabalho, sem
de viabilizar a habitação. inviabilizar a moradia do trabalhador e
|
I A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoempreendlmento da Moradia Popular

I
(i .
garantindo-se altas taxas de acumulação. sacrifícios para construir a casa, estes já tão
I conhecidos. Mas perda resultante da desqua­
I
Não se afirma, absolutamente, que a moradia lificação do seu modo de morar urbano, algo
I
deixe, na esfera de circulação, de ser uma merca­ como o inverso do que os arquitetos e outros
I doria. Pelo contrário. Formas não capitalistas de reformadores sociais supunham que poderia ser,
I produção da habitação (realizadas tanto pelo nos conjuntos habitacionais de inspiração
moderna, o espaço de moradia da nova classe
I
Estado como pelo morador) geram um bem que,
desde que esteja desocupado, acaba sendo operária, que construiria a nova sociedade.
incorporado ao mercado imobiliário através da
venda, adquirindo ou readquirindo seu valor. O autoempreendimento na periferia, gerando
Mas esta é uma outra questão: aqui busca-se o território da aventura individual, da
identificar o momento em que a produção da propriedade privada, da moralidade cristã e do
moradia deixa predominantemente de ser conservadorismo político - no espaço da casa em
produzida de forma mercantil e passa a ser construção, do lote bagunçado, da quadra
edificada por outros mecanismos que permitem clandestina, da rua oficializada, do ponto de
seu acesso à trabalhadores por um preço que não ônibus sempre cheio, do tempo infinito até o
corresponde a seu valor. E neste perspectiva. trabalho - formou a base do que chamo do modo
desempenhei papel indispensável o autoem­ de vida paulistano, que se tornou hegemónico
preendimento da casa. na cidade como um verdadeiro referencial cul­
I Nesse contexto, o objetivo deste capítulo é
tural estruturador do cotidiano de seus
habitantes. Ingressar neste processo tornou-se
i mostrar como se deu. no quadro de incorporação o referencial básico de incorporação à cidade/
i do problema da habitação como uma questão so­ cidadania e aspiração máxima de ascensão so­
cial. a impressionante expansão deste processo cial a que podia sonhar um trabalhador de baixa
informal e clandestino, contando com o renda.
incentivo, ou pelo menos com o consentimento
quase que explícito do poder público, pois Não se poderia tratar das origens da
representava uma forma de viabilizar a moradia habitação social sem se referir à sua genealogia.
popular sem implicar numa ampliação
significativa de seus investimentos neste setor.
I
Será mostrado, também, como os expedientes
desenvolvidos na concretização deste modelo •10
serviram excepcionalmente para difundir a
pequena propriedade imobiliária urbana para
uma camada extremamente ampla de traba­
lhadores de baixa e média renda, propiciando
uma sensação generalizada e real de ascensão
social sem implicar em distribuição de renda ou
elevação salarial. Ou seja, sem comprometer a
acumulação capitalista ou a apropriação da ri­
queza social pelas elites económicas.

Finalmente, mostrar-se-á que este quase


milagre não se processou sem perdas para a
qualidade de vida dos segmentos sociais
envolvidos. Perda não apenas em termos de
precariedade das condições de moradia ou de

cm
A Formação dos
Loteamentos Periféricos
Como Investimento

Desde o princípio do século, existem relatos neste tipo de empreendimento. Mas. sem dúvida,
de trabalhadores que promoviam e construíam a casa autoempreendida está presente em São
eles próprios suas moradias nos arredores da Paulo nas primeiras décadas do século. São
cidade, principalmente na zona rural (Rolnik promovidas principalmente por trabalhadores
1981). No entanto, pelo menos até meados da cuja renda permitia alguma poupança para,
década de 20, esta prática não era quantita­ além de pagar aluguel, adquirir um lote e
tivamente significativa e estava longe de se materiais de construção e que trabalhavam em
constituir numa alternativa viável de moradia locais situados próximos às zonas suburbanas,
I popular para o conjunto dos trabalhadores. pois, ao contrário do que normalmente se
pensa,"a indústria e outros polos de trabalho em
Vários eram os aspectos que tornavam difícil. São Paulo não nasceram apenas concentrados em
no período, uma larga expansão desta alter­ áreas de perfil urbano e fabril mas, ao contrário,
nativa de produção habitacional: predominância disseminados por um espaço amplo, urbano e rural."
da produção rentista e de seus interesses (Martins 1992).
económicos, que produziam uma quantidade
significativa de moradias de aluguel: falta de Independentemente de existir um processo de
créditos, de um sistema estruturado de vendas a ocupação dos lotes, foram abertos uma
prestações, com as devidas garantias jurídicas; infinidade de loteamentos e arruamentos na
inexistência de transporte coletivo, mesmo zona suburbana e rural de São Paulo, no período
precário, ligando as zonas suburbanas e rurais entre 1915el930. "Uma das características mais
às áreas centrais e urbanas (com exceção dos marcantes do desenvolvimento suburbano é o
núcleos isolados, servidos por trens e bondes); aparecimento, em larga escala, da função resi­
certo controle (ou receio de controle) do poder dencial, antes apenas embrionária. Os moradores
público do processo de construção, orientado suburbanos encontravam, já em 1930, em torno de
pelo higienismo; longas jornadas de trabalho e São Paulo, um cinturão vasto, se bem que
ausência de uma tradição entre os trabalhadores descontínuo, de loteamentos que, por todos os
A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoempreendimento da Moradia Popular
I
i
quadrantes, se estendiam para além dos mais cartório de imóveis ou implantação física
I afastados bairros isolados. A maioria de tais (Grostein 1987). Realizado sem maiores
loteamentos surgiu a partir de 1922, eis que na investimentos em infra-estrutura urbana,
i
planta deste ano apenas poucos figuram. O mapa da resulta em áreas precariamente arruadas e
I Sara Brasil, de 1930 (...) mostra a verdadeira incorporadas lentamente ao uso urbano,
profusão de loteamentos que circundava a cidade, permanecendo vazias por períodos prolongados. ■

mais numerosos em suas vizinhanças imediatas, Estes empreendimentos são destinados


mas aparecendo ainda de modo expressivo em inicialmente à compra como forma de inves­
porções afastadas do município." (Langenbuch timento (Grostein 1987:86).
1971)
É certo que houve trabalhadores que cons­
A profusão de loteamentos na periferia, no truíram casas em lotes comprados nestas con­
L entanto, não significava a existência de um dições, assim como também existiram inves­
processo semelhante ao modelo de produção da tidores que construíram, de pronto, moradias de
I aluguel: estes, entretanto, foram exceções, pois
casa própria que se generaliza posteriormente.
Estes loteamentos não estavam estruturados todos os estudos informam que nesse momento
como empreendimentos imobiliários para prevalecia a compra como investimento, sendo
vender lotes a trabalhadores cujo objetivo fosse que o comprador(...) "como não pensava em ocupá-
edificar sua casa própria, mas como uma lo de imediato, não necessitava ainda de serviços
I alternativa de investimento, inclusive para urbanos" (Grostein 198 7:94). Assim, quanto
empreendedores de casas de aluguel. menor a ocupação, mais desestimulados ficavam
I os possíveis futuros moradores.
Num período em que a cidade crescia in­
B
tensamente, o retalhamento sem nenhum Entre 1914 e 1930, como consequência des­
cuidado de glebas rurais, sem valor agrícola, em te processo, ocorre uma extraordinária expansão
lotes de grande dimensão (400 a 500 metros horizontal da cidade, expressa na ampliação da
quadrados), era uma operação lucrativa para área urbanizada de 3.760 ha para 17.653ha
quem a realizava, e interessante, do ponto de (Villaça 1978), não acompanhada por
vista da rentabilidade, para quem os comprava. correspodente incremento demográfico. Ocorre
Grande parte dos loteamentos comercializados uma queda na taxa de densidade bruta da cidade
no período, só existiam no papel, não passando de 110 hab/ha para 47 hab/ha, patamar de
por nenhum processo de aprovação, registro em adensamento extremamente baixo e que assim

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A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoempreendimento da Moradia Popular

Evolução da área loteada e edificada entre 1914el930

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=s 1914-3760ha
í 1930- 17.653 ha
• *- Centro
í Vila Medeiros (ver mapa ao lado)

permaneceu por décadas, como resultado da expansão da cidade tem sido obra da iniciativa
perpetuação deste modelo de expansão urbana. privada que, sobretudo pelo sistema de vendas a
"Abertos sem qualquer controle, estes loteamentos prestação, provocou o arruamento de zona imensa e
excediam em muito a demanda efetiva, representada em desproporção flagrante com as necessidade reais
pelos residentes suburbanos em potencial (...), o da população. E essa dispersão desordenada vem
mapa da Sara Brasil de 1930 mostra a escassez de encarecer ainda os serviços públicos, especialmente
ocupação da maior parte dos loteamentos, calçamento e canalizações". (Maia & Cintra
apresentando em geral, não mais de uma ou duas 1926:227)
dezenas de casas" (Langenbuch 1971).
Até o final da década de 20, ao lado do
Em meados da década de 20, a venda de lotes excesso de oferta de terrenos num momento em
em prestações já é uma prática corrente, facili­ que o mercado de locação ainda era bastante
tando o acesso a trabalhadores de renda mais ativo, a inexistência de transportes coletivos era
baixa. Por outro lado, generalizam-se, entre uma das causas mais importantes da desocu­
técnicos e urbanistas, as críticas à excessiva pação dos loteamentos. A rede de bondes, que
atividade de parcelar sem nenhum cuidado cresceu pouco desde sua implantação no começo
urbanístico, postura que sensibilizou inclusive do século, não atendia senão as áreas mais
o futuro prefeito todo poderoso de São Paulo urbanizadas da cidade e os trens, embora alcan­
durante o Estado Novo, eng. Prestes Maia. "A çassem os subúrbios e tivessem sido os maiores

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A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoemprcendlmento da Moradia Popular

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i Neste levantamento aerofotogramétrico de uma área da zona norte de São Paulo em 1930,
percebe-se a dificuldade e a resistência à ocupação da periferia no período. Os pontos escuros
representam as edificações existentes. A Vila Medeiros, embora loteada em 1919, apresenta,
assim como a maior parte da área expandida entre 1914el930, pouquíssimas casas em cada
quarteirão. O loteamento extensivo na área periférica, sem o correspondente potencial de
ocupação, se expressa na queda da taxa de densidade de 110 hab./ha para 47 hab./ha.

viabilizadores, no período, de alguns núcleos da mesma área sitos a maior distância da ferrovia:
periféricos, tendem a concentrar em torno das Lausanne, Vila Gustavo...etc, muito menos ocupado,
estações uma densa ocupação, não logrando, quando não inteiramente vazio".
sem a complementação de outro meio de
transporte de baixa capacidade, ampliar O início da operação dos auto-ônibus, que
significativamente sua área de atendimento. ocorre entre 1924 e 1925 (Stiel 1978), vai
Mesmo assim, os loteamentos periféricos cobrir a lacuna, central na viabilização do
próximos às linhas férreas são os primeiros a padrão periférico. Sistema de baixa capacidade
serem ocupados, o que não ocorre com outros
parcelamentos mais distantes das estações,
e investimento e de grande capilaridade, os
ônibus podem, ao contrário dos bondes,
;I
como mostra Langenbuch (1971): “o mapa da propiciar acesso a áreas distantes e pouco
Sara-Brasil nos mostra que em 1930 os ocupadas. Incorporados à vida da cidade no mais
loteamentos sitos no domínio do tramway da completo “laisser-faire”, o sistema de ônibus
Cantareira, tais como Chora-Menino, Tremembé, cresceu desordenadamente ao sabor do interesse
Tucuruvi etc apresentavam certa ocupação. Estes de seus proprietários (às vezes o próprio moto­
contrastavam, neste particular, com os loteamentos rista) e foi de alguma maneira regulamentado e

LT.ll

x.
V |
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f.

Tentativa de reproduzir a implantação do lote tradicional em loteamento de periferia, 1938.

organizado pela prefeitura somente em 1934, tando-o. definindo padrões, preços e formas de
assim mesmo de modo bastante precário. Sua atingi-lo, sem ainda encontrar o mercado certo
participação no padrão periférico, no entanto, para o produto que se tentava vender.
era indispensável, passando a ser, posterior-
mente, muito comum a associação de empresas De toda maneira, a oferta excede em muito a
de ônibus e de loteamento. demanda; o lote oferecido é apenas um pedaço
de terra traçado num mapa impreciso, em geral
Até este momento, no entanto, apenas se sem arruamento, acesso, infraestrutura e
delineava o tipo de empreendimento e de legalidade: "Dir-nos-hão que lotes urbanos
mercado buscados na periferia. Muitas vezes, o superabundam. Entretanto o que e posto à venda em
loteador visava atingir, sem sucesso, o prestações, com raras excepções merece o nome de
comprador de classe média-alta, difundindo, lote urbano; na realidade é a mera promessa de vir a
como imagem do loteamento de periferia, a ser cousa parecida, promessa aliás que faz toda a
cidade-jardim, de maior apelo publicitário para base do negócio" (Maia <& Cintra 1926:22 7).
este segmento social, sobretudo num momento
em que a desconcentração urbana e as Malgrado os evidentes e sempre apontados
preocupações de ordem sanitária estavam em problemas que este modelo de ocupação (ilegal,
alta. É como se tateassem o mercado, segmen­ clandestina, antiurbana, insalubre, precária e
avessa aos princípios da técnica urbanística)
trariam no futuro para a cidade, forma- se uma
espécie de "conluio branco” entre loteadores,
"Privada comum tipo fossa, sem
compradores, prefeitura, Câmara e judiciário
descarga. Isolada por folha de zinco.
para não se criar empecilhos ao livre desen­
Duas famílias se servem dela.
volvimento deste tipo de empreendimento. A
Localizada no fundo do quintal."
liberdade com que se processou, durante
(Benedito Duarte 1938)
décadas, a transformação, sem projeto nem
obras, de glebas rurais em lotes teoricamente
urbanos, foi decisiva para a profusão em larga
■ i escala do autoempreendimento da casa própria
pelo trabalhador de baixa renda.

Em 1931, no I Congresso de Habitação, o


% tema do loteamento ocupa posição de destaque.
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Cômodos de aluguel em Pinheiros, 1938 i
I
Em palestra. Anhaia Melo - então prefeito de São condições precárias nestas áreas. Como afirma
I Paulo por alguns meses e um dos vários urba­ Grostein, que realizou extenso e completo estudo 'líl
I nistas que tentou inutilmente combater este tipo sobre o assunto, a questão do loteamento clan­
de ocupação - mostrou, através de plantas, a destino afigurava-se problemática nos aspectos
dimensão dos arruamentos clandestinos, onde relacionados com a gestão urbana. “O problema ■ ll
todos puderam se certificar que a cidade social ainda estava embrionário (...). Não encon­
tramos textos desse período (início da década de 30),
d
clandestina, que cresceu ao lado da oficial, é
*i
maior do que esta (Melo in I Congresso de
Habitação 1931:300).
onde a questão do loteamento irregular fosse tratada
pelos moradores como uma situação problemática, y
quer sobre aspectos físico-urbanísticos - de preca­
A tese apresentada neste Congresso pelo riedade evidente do assentamento - quer pela
engenheiro municipal Lysandro Pereira da Silva, situação jurídico-administrativa irregular dos
a mais importante contribuição para se co­ mesmos" (Grostein 198 7:209).
nhecer a extensão, gravidade e características
deste processo de parcelamento até o início dos Seria exagerado afirmar que problemas de
anos 30. mostra que ainda não aparecia como natureza social inexistiam nos loteamentos
uma preocupação o problema de moradores que periféricos e clandestinos, na década de 30,
eventualmente pudessem estar morando em apenas porque não estão claramente

"Entrada da habitação coletiva. Contém


14 moradias, se bem que aparenta ter
I
mais famílias que moradias. Tanque em
comum. Privada em comum e sem a ' Mi
descarga, tipo fossa. Água proveniente 1
da rede geral, sendo distribuída por duas I
torneiras. Iluminação elétrica." (Bene­ á
dito Duarte 1938) a.

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J
A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoemprcendimento da Moradia Popular

explicitados em documentos. Ocorre que a casa própria (apenas 2 5% do domicílios em


questão da precariedade da moradia na periferia 1940) e a ausência das favelas na cidade (que só
ainda não era considerada um problema para o vão surgir em 1942) mostram que, até o início
poder público, seja porque ainda não tinha uma dos anos 40. o mercado rentista dava conta de
dimensão significativa frente à gravidade da atender - com a precariedade bem conhecida do
situação dos cortiços, de maior visibilidade, seja cortiço e com a casinha bem comportada da vila
porque os moradores destes loteamentos eram - as necessidades de moradia na cidade.
em número relativamente reduzido e estavam
desorganizados, sem contar com uma expe­
riência reivindicativa que lhe desse expressão e
presença política.

Nos anos 30, entretanto, há evidências con­


cretas de que comprar um lote na periferia e
autoempreender a casa própria já é uma prática
í presente e reconhecida como uma alternativa ao
cortiço.

Em várias pesquisas realizadas em meados


dos anos 30 e início dos 40, no quadro de
interesse pelo modo de vida operário que
descrevemos no segundo capítulo, aparecem
diferentes referências ao autoempreendimento
na periferia: “as classes mais necessitadas têm
apenas dois tipos de moradia a escolher: a casa feita
com as próprias mãos e o cortiço.” (Viana 1942).

Numa conjuntura anterior à crise de habi­


tação que emergiu nos anos seguintes, a peri­
feria é ainda uma das opções para o trabalhador
que a preferir como alternativa ao cortiço,
medindo custos, distância do trabalho, salu­
bridade, conforto e perspectivas para o futuro:
“Visitemos outro cortiço: está a cinco minutos do
triângulo, sendo que devido a isto muitos de seus
moradores o preferem à casa de que são proprietários
em bairros distantes. O motivo desta preferência
está no vulto da despesa com a condução e na
dificuldade com o transporte.".(Viana 1942).

A década de 30 pode, portanto, ser


caracterizada como um período de transição em
que se criam condições indispensáveis para
possibilitar um acesso, mesmo que precário, ao
lote periférico, seja do ponto de vista financeiro
(prestações) seja do ponto de vista do transporte
(ônibus). No entanto, a ocupação rarefeita dos
loteamentos de periferia, pequena difusão da

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A Não-Intervenção do
Poder Público na Periferia:
I
I O Avesso do Estado Novo
I
: •
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A enorme oferta de terrenos à venda nos Câmara municipal, governo estadual e federal,
quatro cantos e profundezas da cidade - lotes ba­ tratou - ou deixou de tratar - da expansão 'i
ratos já que desprovidos de qualquer inves­ descontrolada dos loteamentos e de suas ■ ;i
I timento e benfeitoria urbana, passíveis de serem condições de ocupação e comercialização foi
pagos à prestação sem trazer insegurança para decisiva para a consolidação do modelo de
i o comprador, com autorização para serem habitação estruturado em torno do autoem-
ocupados sem custo e chatice da feitura e
aprovação de planta, sem risco de perturbação
preendimento na periferia. Explicações gené­
ricas do estilo “a cidade cresceu muito rapid­
úi
i
pela fiscalização, com acesso por transporte amente”, “o poder público não foi capaz de
i público (mesmo precário, lento e comple­ acompanhar a expansão urbana”, “faltava uma
mentado por algumas dezenas de minutos de legislação adequada”, “a fiscalização era insu­
caminhada) - eis as condições para se viabilizar ficiente”, “o código civil não permitia", “o de
o mercado de loteamentos periféricos e se criar obras era omisso" etc, não são suficientes para
uma alternativa habitacional de massa para os justificar a permissividade e a ausência do poder
trabalhadores de baixa renda. Na década de 30, público, pelo menos até a década de 70, na i. ’
ao mesmo tempo em que se formulam nos formação e crescimento de uma cidade ilegal,
gabinetes dos lAPs modernas propostas de desprovida de qualquer infraestrutura e
habitação social - influenciadas pelas expe­
riências recém produzidas na Europa e debatidas
nos Congressos do CIAM - em São Paulo as
condições para a proliferação do autoem-
desarticulada da estrutura viária da zona
urbanizada, várias vezes maior que a cidade
oficial. I
preendimento em lotes próprios são criadas, Seria ingenuidade supor que o Estado, que
distantes de qualquer preocupação com a antes de 30 implantou uma verdadeira estrutura
qualidade. militar para combater o que entendia serem

condições urbanas capazes de colocar em risco
Se é difícil acreditar que esta saída para o a ordem sanitária e que, a partir de 30, de forma
problema da moradia tenha sido elaborada, autoritária, passa a interferir com vigor nas
técnica ou politicamente, também não é crível relações económicas - regulamentando, legis­
que condições tão adequadas para um resultado lando, alterando ou promulgando Constituições,

d1
que se procurava tenham se criado por acaso. reformando a administração pública, res­
tringindo o direito de propriedade, desa­
A forma como o poder público, prefeitura. propriando sem pagamento prévio etc, fosse
incapaz de criar instrumentos jurídicos, gestão

rm
A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autocmprcendimcnto da Moradia Popular

administrativa e legislação que controlasse atos, pareceres, despachos e outros procedi­


razoavelmente o parcelamento e uso do solo na mentos burocráticos que. ao longo de todo o
periferia das grandes cidades brasileiras, século, foram sendo tomados para tratar da
particularmente em São Paulo. Isto ocorreu questão dos arruamentos, loteamentos e parce­
porque não houve vontade política para conter lamentos em São Paulo, pacientemente anali­
este processo ou, até mesmo, porque havia a sados por Grostein (1987), serão destacados
intenção de deixá-lo correr solto e não só em apenas alguns aspectos da relação poder públi-
benefício dos que assim especulavam e co/loteamentos. O objetivo é mostrar como a
comerciavam. intervenção do Estado não só deixou de comba­
ter. como estimulou a abertura indiscriminada
Neste raciocínio, a permissividade e omissão de loteamentos clandestinos e sua ocupação pela
r do poder público nos loteamentos periféricos não moradia popular, ao mesmo tempo em que punia
foi um acaso: fez parte de uma estratégia, não os que ali fossem residir com uma legislação que
previamente traçada, mas que foi sendo circun­ proibia o próprio poder público de ah instalar
stancialmente definida, de acordo com cada serviços urbanos.
conjuntura, para não criar obstáculos ou para
facilitar a obtenção de um resultado que foi se Dentre as ações do poder público que bene­
configurando: uma solução habitacional ficiaram o modelo periférico, merece destaque a
“popular”, barata, segregada, adequada para os legislação federal, que regulamentou o lotea-
baixos níveis de remuneração dos trabalhadores mento de terrenos (decreto-lei 58. de 1937).
e que, ainda, lhes dessem a sensação, falsa ou
ver-dadeira, de estar realizando o que seria um Estabelecida pelo mesmo governo (Getúlio
I sonho - a propriedade. Vargas) que regulamentou de modo centra­
lizado, para todo o país, o mercado de locação
A grosso modo, com a expansão periférica, (Lei do Inquilinato) e a produção pública de
garantiu-se, num primeiro momento, o desaden- habitação (funcionamento das Carteiras
samento e segregação urbana, de modo que os Imobiliária do lAPs), o decreto-lei 58. não tratou
investimentos públicos pudessem priorizar as de controle urbanístico, descentralizando-o para
áreas da cidade ocupadas pela elite e, num os municípios, sem dar importância à questão.
segundo momento, uma alternativa de moradia A lei federal priorizou os aspectos jurídicos dos
de baixíssimo custo através do acesso ao lote loteamentos, incluindo registro em cartório e
clandestino, para construção da casa própria, garantia ao comprador do lote em prestações.
sem onerar o poder público e sem exigir
expressivo investimento privado. Com o Decreto -Lei 58. o comprador do lote
passava a ter resguardado seu direito na
Para desespero de técnicos e urbanistas da possibilidade do vendedor desistir do negócio
prefeitura, que entrincheirados numa repartição antes do término do pagamento das prestações.
buscavam, sem armas, resistir a um processo Até então, de acordo com o Código Civil, o
selvagem de urbanização, os passos trilhados comprador corria o risco de perder o lote no caso
pelo poder público, de modo não programado, do vendedor se arrepender da transação,
foram orientados para este objetivo, sem dar devolvendo o dinheiro recebido. O risco era
ouvidos aos que clamavam por uma cidade ideal grave, posto que a constante valorização dos
- que ficasse restrita às “ilhas” que os lAPs terrenos tornava o arrependimento comer­
edificavam para orgulho e demonstração pública cialmente interessante.
da alta preocupação social das autoridades da
república. O dispositivo, neste aspecto, era necessário e
correto, favorecendo e estimulando a comercia­
Para mostrar esta ação, sem entrar em deta­ lização de terrenos para o trabalhador de baixa
lhes no grande emaranhado de leis, decretos, renda.
i

I
I
I A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoempreendimento da Moradia Popular

I No entanto, no aspecto que garantiria um governo nunca quis adotar medidas rigorosas 8-
I padrão mínimo de qualidade urbanística e que para evitar que os loteamcntos se formassem de
dificultaria a concretização do loteamento maneira tão precária porque isto teria como
clandestino, cuja consequência seria a elevação consequência uma elevação do custo do lote, da
l moradia autoempreendida e, portanto, da
li
•i ‘
do custo do terreno, o decreto é deficiente.
l Embora obrigue - em tese - o loteador a depositar reprodução da força de trabalho. Postura, aliás,
a planta do loteamento aprovado pela prefeitura totalmente coerente com as outras ações do
em cartório, não criava nenhuma sanção aos governo federal no campo habitacional, no
I loteadores que transgredissem a determinação. período em estudo.
I "A falta de um gravame enérgico contra o loteador
levou os proprietários a fazerem letra morta o A lógica inerente ao modelo de moradia que
I decreto-lei 58. Foi assim que a esmagadora maioria se estruturou na periferia estava baseada na
dos loteamentos efetuados mesmos nos centros, formação de um vastíssimo estoque de lotes
como São Paulo, se realizaram ao arrepio da lei populares, de baixo investimento, onde a
reguladora, sem qualquer consequência para os construção pudesse ser edificada sem qualquer
infratores." (Fundação Faria Lima 1969:68) restrição. A ação da Prefeitura de São Paulo foi
absolutamente exemplar para viabilizar estas
Em consequência desta omissão da legislação condições. >!
I federal, "o poder público deixou de contar com í
I instrumentos jurídicos que o permitissem agir para Como mandavam os preceitos do urbanismo,
penalizar os loteadores de empreendimentos em para dar alguma satisfação aos técnicos,
I
desacordo ou a revelia da lei. mesmo se quisesse promulgava-se uma legislação rigorosa de
| agir." (Grostein 1987:413). Por mais de quatro parcelamento do solo (Lei 2611/1923,
I décadas (a legislação federal só foi alterada em consolidada no Código de Obras de 1934), mas i
19 79. criando-se os instrumentos necessários), quase nunca obedecida pelos loteadores; gerava-
I nada foi feito para coibir o que. consensual­ se, assim, ruas não oficiais, clandestinas ou
mente. era uma das principais causas de inú­ particulares. Locais onde o poder público ficava
meros problemas urbanos e da administração impedido de implantar serviços de infraes-
pública nas cidades brasileiras. trutura ou qualquer benfeitoria urbana: exce­
lente justificativa para excluir das demanda por nl
É difícil supor que as deficiências do decreto- recursos públicos a maior parte da cidade, não
lei 58 e as quatro décadas de descaso com o por acaso a que seria ocupada pela população
assunto fossem consequência de desconhe­ de baixa renda, reservando o investimento do
cimento dos instrumentos jurídicos que governo para o centro e os locais nobres.
T
poderiam ser criados - inclusive a criminalização
dos loteadores: na tese apresentada no I
Congresso de Habitação, em 1931, Lysandro P.
da Silva apresentou aspectos da legislação sobre
Enquanto os urbanistas se desesperavam com
a cidade real, que crescia descontroladamente,
sem limites, havia um descompasso entre a lei,
II
o parcelamento em vários países (Silva entendida como urbanisticamente correta, e
1931:101/114). uma estrutura administrativamente insufici­ ■

ente. Mas a prefeitura nunca priorizou a for­


Por outro lado, não parece razoável que os
interesses dos loteadores fossem tão fortes,
articulados e influentes que pudesse impedir
mulação de um plano geral de expansão, base
indispensável para a articulação dos novos
loteamentos com a cidade urbanizada. Assim, as
exigências feitas pela lei não podiam ser
í
qualquer ação pública que, de alguma maneira, I
os prejudicasse. Interesses muito mais poderosos cumpridas nem pela própria prefeitura . E o caso
foram atingidos por regulamentações e
iniciativas tomadas pelo governo federal, neste
meio século. Tem mais sentido supor que o
do fornecimento de diretrizes viárias. “O loteador
deveria pedi-las e, se as pedisse, havia dificuldade
em obtê-las. A máquina administrativa era
i
LU1
A Habitaçfto por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoemprccndimcnto da Moradia Popular

desestruturada e despreparada para atender à adiante. Foram quase quarenta anos em que a
demanda existente. Loteava-se e arruava-se mais do Prefeitura, enquanto cuidava do centro,
que seria possível à municipalidade atender. O mes­ avenidas, viadutos mais tudo o que ilustra o livro
mo raciocínio se aplicava à fiscalização. (...) Dentro de Maia (1945), nada fez de melhoramentos na
desta realidade, a clandestinidade não poderia ser a periferia.
exceção mas sim a regra." (Grostein 1987)
Entre 1916 e 1932, o poder público não
A clandestinidade como regra admitida cuidou do assunto, que representava apenas,
significava a liberdade para o loteador fazer o como afirmou o prefeito Anhaia Melo, "uma
que bem quisesse, de acordo com a estratégia de cidade duas vezes maior do que a oficial". Nos anos
mercado que traçasse, ou seja, o preço que a 30. dá-se algum encaminhamento à questão
renda da clientela do negócio pudesse pagar. Os (Ato 304/1932 e Consolidação do Código de
padrões, portanto, podiam variar; o certo é que Obras de 19 34), optando-se por uma política de
para a clientela de baixa renda existiria sempre regularização de loteamentos caso a caso. Mas
grande estoque de terrenos em loteamentos a regularização só podia ser deflagada por
onde pouco ou nada se investiu, com prestações iniciativa do próprio empreendedor que loteou
compatíveis com sua pequena capacidade de a área clandestinamente. E este só agiria se lhe
pagamento. fosse conveniente, pois nada existia na legislação
federal e municipal, que o obrigasse, através de
Mas para a sistemática informalmente penalização, a tomar alguma providência. Se.
estruturada, a clandestinidade tinha ainda outra eventualmente, buscasse a regularização,
função importante: à medida que as ruas eram encontraria enormes dificuldades pois a
executadas em desacordo com as leis, restava atividade não era uma prioridade da prefeitura:
como defesa ao poder público ‘não aceitar essas Pelo volume de trabalho que os procedimentos
ruas’. Desta forma, elas não eram incorporadas exigiam do poder público, "é evidente que a
a seu património - permaneciam ‘não oficiais’ regularização de loteamentos era tarefa secundária
ou ‘particulares’. Não se tratando, pois, de vias (...)considerando o pequeno número de funcionários
de sua propriedade, o poder público desobrigava- vinculados a essa atividade. ” (Grostein 1987:316).
se da prestação de serviço nessas ruas. "(...) A
situação irregular ou clandestina das vias do A prefeitura, por acaso, nunca quis estrutu­
município gerou inúmeros problemas de gestão rar devidamente a Divisão, (depois Departa­
urbana, como a falta de conhecimento das ruas mento de Urbanismo), órgão encarregado de dar
existentes e a impossibilidade de beneficiá-las as diretrizes, aprovar e fiscalizar a abertura de
legalmente com serviços públicos."(Grostein loteamentos, além de regularizar os clandes­
1987:221-226). tinos. O setor de aprovação de loteamentos não
contava com o número de técnicos necessário
Eram problemas de gestão urbana, sem para encaminhar o serviço. A consequência era
dúvida, mas era também solução - justificativa a morosidade em qualquer procedimento
legal - para administrações que não colocavam burocrático e a falta de fiscalização. Devido à
como prioridade o investimento nos locais de lentidão na obtenção de alvará, até mesmo os
moradia dos trabalhadores. loteadores bem-intencionados, aqueles que
encaminhavam corretamente a documentação
para obtê-lo, ficavam sem ele.
A saída que permitiria a ação pública na
maior parte da cidade e que tinha sido adotada
em 1916, momento em que a questão não tinha Em 1944, a prefeitura havia examinado 150
ainda esta conotação - a oficialização em massa arruamentos, tendo autorizado a abertura de
das vias - não foi aplicada até 1953, quando a apenas oito. "Esta situação é insustentável: a culpa
organização dos moradores da periferia criou cabe aos dois lados. Deve a prefeitura apressar a
outras condições políticas, como será visto aprovação dos arruamentos apresentados e, ao

LVJL1
I

I A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoempreendimento da Moradia Popular

I mesmo tempo golpear os transgressores", afirmou em contrário, criada pelo Tribunal de Justiça.
I Lodi (1 949:36). que foi Diretor do Departamen­ Este defendeu o direito de construir dos
I to do Urbanismo da Prefeitura. compradores de lotes em ruas não oficiais, desde
que obedecido o código de obras.
No aspecto fiscalização, a situação era
dantesca, demonstrando que a ordem, mesmo, Costa Manso, ministro doTribunal de Justiça,
era não fiscalizar. Os funcionários encarregados sustentou-se na argumentação que a abertura
da fiscalização não eram fiscais, pois esta função de uma rua não dependia do proprietário do lote,
nunca foi criada neste departamento, apesar da mas sim do arruador. Assim, o dono do lote não
solicitação ter sido feita durante décadas. Não poderia ter o seu direito de propriedade tolhido
tinham, portanto, ao contrário dos fiscais que por erro cometido por outro, no caso, o arruador.
controlavam obras particulares (construções), (Grostein 198 7:174) A argumentação tornou-
poder de polícia e autoridade perante o loteador. se jurisprudência, servindo para frear toda
"Eram fiscais sem poder , aplicavam multas que tentativa de impedir a ocupação - e, portanto, a
eram sistematicamente ignoradas pelos loteadores, expansão - dos loteamentos clandestinos através
que até mesmo as rasgavam na frente do fiscal ao da restrição à construção em ruas não oficiais.
constatar que este estava exercendo um cargo fora
de suas funções(...).Este fiscal tampouco podia A mentalidade jurídica predominante na
embargar obras clandestinas ou irregulares(...). O época defendia que o direito de propriedade pode
loteador não respeitava a presença do fiscal e a ser regulado, nunca totalmente suprimido. E o
primeira coisa que pedia era sua credencial - que regulamento, no caso, seria o código de posturas
sabia não existir, desautorizando o funcionário ou de obras; não se poderia, portanto, impedir
I imediatamente" (depoimento do Dr. Julião, antigo totalmente que o proprietário de um lote
I funcionário do Departamento de Urbanismo, construísse sua casa. Como a “casa operária" na
apud Grostein 198 7). zona rural podia ser edificada sem alvará, nada
poderia restrigir sua construção.
Outro aspecto da impunidade eram os valores
das multas contra os loteadores clandestinos. Sem restrições na esfera legal, contando com
Fixados em 19 34. não foram atualizados senão uma extraordinária oferta de lotes e com enorme
vinte anos depois, em 1954. Em consequência, quantidade de terra urbanizável ainda
tornaram-se irrisórios e perderam totalmente desocupada e não loteada na zona rural e
seu caráter punitivo. arredores da cidade, que permitiria uma
reprodução ampliada deste processo, a
Já no que se refere à construção de moradias viabilização de uma alternativa habitacional
nestes loteamentos, tudo foi feito para facilitá- baseada no autoempreendimento necessitava
la. A burocracia necessária à edificação de casas ainda um elemento chave: a existência de
operárias na zona rural, onde se localizavam transporte coletivo.
parte considerável dos loteamentos, é
simplificada, eliminando-se a necessidade de
alvará, bastando simples comunicação a ![■
Diretória de Obras e Viação (Ato 5 72/1934).
Eram consideradas casas operárias, moradia
com até três cômodos, além da cozinha e
banheiro.

Iniciativas tomadas para proibir a construção


em ruas não oficiais (por exemplo Ato 129 do
prefeito Anhaia Melo), sofreram fortes re­ ■
sistências, recebendo inclusive jurisprudência

LVÃ1
Crise de Transportes
e a Precariedade
da Periferia
!

“É de importância capital para o morador a dimento da casa. Mas era problema de difícil so­
localização da habitação (...) A escolha do local fica lução e, a bem da verdade, nunca foi efetiva­
subordinada aos meios de transportes existentes e à mente equacionado, pois a própria expansão
eficiência e custo desse transporte. Ainda mais a ampliada deste processo reproduziu em maior
existência ou não de serviço de água e esgotos, escala as dificuldades de deslocamento.
mantidos no Brasil geralmente pelos governos, e de
luz e gás, explorados por Companhias particulares, 0 poder público, entretanto, não podia se
influem poderosamente na escolha do lugar. É omitir, pois colocaria em risco o próprio fun­
interessante notar que destes elementos o único cionamento da cidade. Assim, a prefeitura, na
realmente insubstituível é o transporte coletivo; a gestão de Prestes Maia cria, no final da década
água encanada pode ser sustituida pelo poço, o de 30, a Comissão de Estudos dos Transportes
esgoto pela fossa, a luz elétrica pelos modernos Coletivos de São Paulo, para realizar um grande
lampeões, ou mesmo gerada na própria casa e o gás, estudo sobre as condições e as necessidades de
como combustível pode ser substituído facilmente deslocamento na cidade (PMSP 1943).
pela lenha ou pelo carvão de madeira. Mas quando
falta o transporte coletivo, a solução é o pé dois
O estudo, de grande envergadura, mostra que
acarretando grande perda e dispêndio de energia."
7% da população (cerca de 70 mil pessoas em
(Barros Jr 1942:83).
1934 e quase 100 mil em 1940) habitava em
áreas não servidas por qualquer sistema de
Como foi mostrado no capítulo 2, não transporte coletivo (PMSP 1943:342), que se
escapou aos que refletiam sobre a viabilização concentrava, com poucas exceções, num círculo
de uma solução habitacional alternativa na de 7 Km em torno do centro. Tratava-se,
periferia, a centralidade dos transportes portanto, de uma quantidade expressiva de
coletivos. Sem dúvida, este era o fator decisivo trabalhadores que só podiam se deslocar a pé por
para consolidar o processo do autoempreen- longas distâncias.

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I A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoempreendimento da Moradia Popular

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J
Para a organização dos transportes coletivos A II Guerra agravou ainda mais a situação.
era momento de indefinições: a Ligth havia Com a gasolina racionada, falta de peças de repo­
anunciado, em 1937, que não estava mais sição e indefinição quanto a seu futuro, as em­
interessada cm continuar explorando a rede de presas de ônibus nada investem no serviço e a
bondes, na qual há muito já não investia, Light, que abandonaria o serviço em 1941, é
sentindo a concorrência que faziam em compulsoriamente obrigada a continuar, tam­
empresas de ônibus e tendo sido negada pela bém totalmente desinteressada. A crise de trans­
prefeitura sua proposta de modernização do porte torna-se crítica ao mesmo tempo em que
sistema de bonde e de monopólio completo do se aguça a crise de habitação, como foi mostrado
sistema de transporte (Light 1926). no capítulo 3, e se intensifica a migração interna
para São Paulo.
Os auto-ônibus, por sua vez, nunca funcio­
naram de modo realmente organizado: não Por falta de decisões políticas, as providências
tinham horário e frequência fixas, os itinerários concretas, embora insuficientes, só vieram em
mudavam sem previsão, os veículos não tinham 1947, com a encampação de todo o serviço de
condições de manutenção, em suma, não tinha transporte coletivo pela Prefeitura, através de uma
nenhum compromisso com um serviço efe­ empresa de capital misto, a Companhia Municipal
tivamente público: era a selvageria do lucro fácil. de Transportes Coletivos CMTC. Sem entrar em
O crescimento horizontal da cidade e o aumento detalhe sobre este processo, por si só complexo o
demográfico multiplicavam as necessidade de suficiente para gerar uma outra tese, vale salientar
transporte, sobretudo em regiões de baixa que a prefeitura, ao estatizar os transportes
densidade, onde a lucratividade era menor, coletivos mostra que considerava o setor essencial,
exigindo grandes investimentos. A intensifi­ requerendo uma forte interven-ção e
cação da atividade económica exigia eficiência investimentos públicos. Num quadro de grave crise
nos deslocamentos, que estava longe, muito de habitação, a intervenção em transportes é
longe de existir. essencial para viabilizar a moradia na periferia.

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A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoemprccndimcnto da Moradia Popular

Mas nunca a CMTC conseguiu, efetivamente, empurrava inevitavelmente para a periferia: por
acompanhar as necessidades de transportes da outro, sofriam a falta de qualquer infra-
cidade: sem investir o suficiente, nào podendo, estrutura urbana e melhoramento público,
por razões de ordem política, cobrar tarifas reais, transporte em primeiro lugar. Isto, entretanto,
pessimamente administrada, logo a empresa não podia mais impedir a frenética ocupação dos
mostrou que também nào garantiria bons loteamentos.
serviços e não conseguiria manter o monopólio
dos transportes coletivos na cidade. Não Não havia alternativa: nos anos quarenta,
tardaram a aparecer, também aqui, os clan­ como foi mostrado no capítulo 3. a produção
destinos. ônibus particulares que. sem auto­ rentista de moradias, nos bairros urbanizados,
rização da CMTC. faziam a ligação entre bairros reduziu-se drasticamente: os despejos se
I de periferia não servidos pela companhia e pólos intensificaram: as favelas, que surgiam
concentradores de emprego. Logo viraram sobretudo nas várzeas bem localizadas, foram
empresas concessionárias, num quadro de estigmatizadas e, mesmo, reprimidas: casas com
progressiva redução da participação da CMTC aluguéis novos só eram conseguidas quando
nos transportes coletivos e de associação acompanhadas do pagamento de luvas: milhares
t informal entre empresas de ônibus e loteadores. de novos trabalhadores chegavam atraídos pelo
forte crescimento do nível de emprego,
O problema da falta de transporte coletivo era disputando as poucas moradias disponíveis: a
agravado pela péssima conservação das vias de especulação frenética colocava abaixo prédios
acesso aos bairros periféricos. Estas ruas e ainda novos, para dar lugar a novas
avenidas, desprovidas de pavimentação -sem incorporações. Logo, não restava outra saída
contar com serviços de manutenção, dada a senão a periferia.
omissão da prefeitura que não as reconhecia ou
não as priorizava seu atendimento -, ficavam Entre 1940 e 1950. cerca de 100 mil
intransitáveis nos dias de chuvas e eram um famílias, mais de meio milhão dc pessoas,
obstáculo a mais para as empresas de ônibus passaram a morar em casas próprias. A grande
aceitarem a criação de novas linhas. maioria em bairros - se é que mereciam o nome
- periféricos, que não estavam mais desocupados
De qualquer maneira, de forma precária e como nos anos 20.
deficiente, se estruturou na cidade um arcabou­
ço de transporte coletivo que possibilitou a Enfrentar e dominar a periferia passou a fazer
ocupação da periferia. Isto porque a crise de parte do cotidiano de centenas de milhares de
£ habitação jogou os trabalhadores para os lotea- trabalhadores que, numa verdadeira aventura
mentos, independentemente da sua vontade e da épica nunca cantada em prosa e verso,
qualidade do transporte: “já no ônibus, falamos construíram, silenciosamente, uma cidade
com o Sr. Oto Rohsbsk. Afirmou ele que mora há muito maior do que a São Paulo oficial. Vamos,
dois meses no Jabaquara. Submeteu-se à tortura do então, percorrê-la, de norte a sul, de leste a
transporte porque não há casas para morar na oeste, com os olhos de revolta de um jornal diário
cidade. Por isso arranjou, com muita dificudade uma de grande circulação ligado ao Partido
casinha com dois cômodos no Jabaquara."(Hoje 13/ Comunista, legalizado na democratização do
11/1945). pós-guerra, única reportagem a chegar até lá:

Assim, pode-se dizer que malgrado o “Nós, moradores da Zona Norte, também
crescimento económico, a década de 40 foi chamada zona transviaria, deste grande centro
dramática para o enorme contingente de industrial, somos uma imensa massa de sofredores
trabalhadores que viviam ou passaram a viver que lutam diariamente contra todas as adversidades
em São Paulo. Por um lado, enfrentavam os da vida, suportando os mais duros golpes de
despejos e a falta de moradia de aluguel, que os indiferença da administração pública (...)Não

LlrJ.l


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I A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autocmpreendiznento da Moradia Popular

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"S. Paulo deve ser muito longe, pensam os moradores dos subúrbios. Vila Matilde, que aparece no
I cliché acima, vendo-se Vila Guilhermina no fundo, parece ter sido esquecida pela prefeitura municipal.
I As ruas ainda não oficializadas, a buraqueira infernal, a falta de iluminação, água, luz e esgotos, estão
a indicar que nem tudo é São Paulo." (Correio Paulistano 1945)
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' 3

1$ USAS “MWWRHS" DOS TJAMIHADORES DE VILA MATIIíE &

suportando o peso dos alugueres proibitivos das uma fila de ônibus interminável, quilómetros e
casas no centro, acompanhando o ritmo do quilómetros são percorridos diariamente até o alto
urbanismo, somos obrigados a abandonar a cidade de Santana, onde nos valemos dos bondes
em busca do conforto do campo. Mas o conforto é superlotados e um simples descuido tem feito muitos
apenas um sonho, sonho dramático de um ser inválidos e muitas mortes. A concessionária de
perdido no deserto com a garganta seca e sonhando ônibus é a mesma para toda a zona norte, a mesma
com uma nascente em pleno deserto. Sonhamos as cujos carros sujos, quebrados, não estão ao alcance
poucas horas que dormimos com bons transportes, do centro urbano.” (Hoje 21/10/1945-carta do
luz. água, ruas calçadas e, ao acordarmos apenas sr Júlio de Oliveira/Comitê Popular da V. Mazzei)
encontramos péssimos transportes, calhambeques,
trevas, seca, pó. lama e suor(...). Ao entrarmos no "Como todos os bairros da periferia de São Paulo,
trabalho fatigados, causa-nos até vergonha dizer que Vila Celeste está completamente abandonada e
após uma noite de sono nos encontramos cansados. esquecida dos Poderes Públicos. São as seguintes as
Mas, como? sim para entrarmos no serviço vilas das redondezas: Celeste, Invernadas, Paulina,
acordamos duas horas mais cedo, com as luzes das Diva, Santa Clara, Leme, Ema, Parque Sevilha. Os
poucas ruas iluminadas ainda acesas, onde bairros, habitados quase que exclusivamente por
encontramos jovens, homens e velhos em busca de operários e camponeses recém-chegados do interior,

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A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autocmprcendimcnto da Moradia Popular

não gozam do menor conforto moderno ou antigo situação destes poucos não é nada animadora. A
(...). Para se chegara uma dessas vilas, por exemplo, viagem que os moradores daquele bairro tem de fazer
a Vila Celeste, não há meio de locomoção. É preciso é uma incerteza infalível. Dentro de cada ônibus a
chegar até Água Rasa (dc ônibus) e dai conseguir situação não é nada diferente. Os bancos partidos,
uma autolotação: alguns trabalhadores vão a pé, as vidraças emperradas, as cortinas rasgadas, óleo
demorando no percurso cerca de 40 minutos." (Hoje e graxa por todo lado e gente apinhada como num
8/5/1947) carnaval, uns sobre os outros."(Hoje 1/11/45)

“Não há água, nem luz, nem transporte, ruas “Para quem mora em bairros distantes como
intransitáveis. Vila Santa Maria é um bairro este, sem dúvida o problema do transporte é o mais
completamente abandonado. Nen talvez na mais sério. Com esse tempo de chuva, o abastecimento
remota das zonas do interior poder-se-ia imaginar torna-se quase impossível nestas redondezas.
uma localidade tão assoberbada de dificuldades. O Ninguém quer ser arriscar vir até onde moramos,
bairro possui cerca de 1000 casas. Por negligência porque as ruas são péssimas, sem calçamentos. Por
da Prefeitura, as casas foram construídas ao acaso, isso quando recebemos mercadorias, pagamos preços
o que resultou na formação de ruas tortuosas e caros devido aos carretos. Urge a prefeitura
esburacadas que, no tempo das chuvas, se tornam consertar nossas ruas, calçando-as e forçando a
absolutamente intransitáveis até mesmo para Light a iluminar nossos bairros." (Hoje 3/1/1947)
pedestres. Mesmo em tempo normal é dificílima a
passagem de veículos e não é raro que, por este “Mal havíamos descido do bonde, notamos uma
motivo, a população fique privada de gêneros de turma de colegiais que sentados na sarjeta
primeira necessidade durante dias seguidos. A falta esperavam por alguma coisa. Eram em número de
de condução é. talvez, o problema mais sério do doze. Aproximamo-nos e abordamos uma japone-
bairro. Os trabalhadores tem que caminhar cerca de zinha, moradora em Eldorado. "Estamos esperando
2 léguas até atingir o ponto de condução localizado um caminhão que nos leva para casa porque a
na Casa Verde." (Hoje 22/2/1947) estrada é muito deserta e tem lama que dá acima
dos joelhos. Nos dias que não chove, temos que ir à
“Quem se destina à Vila Independência, depois pé, andando mais de 10 Km, porque o ônibus está
de descer do ônibus na rua Silva Bueno e depois de parado/...). O caminhão cobra cinco cruzeiros por
percorrer cinco quarteirões em meio à lama, chega menina e como nem sempre podemos gastar esse
ao seu final por onde passa um fétido e lodoso dinheiro, temos que sair às dez horas para chegarmos
riozinho. Ao final da rua 2 de Julho existe uma na escola às 13 horas, depois de duas horas de
pequena ponte, essa construída pelos moradores de caminhada por estradas desertas e lamacentas. Não
Vila Independência e único meio de comunicação podemos perder o ano por faltas e por isso fazemos
daquela vila com o centro da cidade." (HOJE 9/4/ sacrifícios." (HOJE 3/1/1947)
49)
“Acho que a empresa Eldorado tem razão de
“Se quem espera sempre alcança por que é que suspender as viagens porque não é possível transitar
então, outro dia cerca de duzentas pessoas passaram em estradas nas condições em que se encontra a
3 horas numa fila enorme e o ônibus da Parada percorrida por aquela linha de ônibus. A estrada está
Inglesa não apareceu? Ou o velho ditado está errado, em péssimas condições, por que a prefeitura nunca
ou são os ônibus da cidade, de todos os bairros, que por ela se interessou. Os carros que por ela
vão obrigando quem espera a se desesperar." (HOJE transitam, na maior parte das vezes, ficam enca­
1/11/45) lhados porque existem buracos enormes que nos dias
de chuva ficam cheios de água, o que faz com que os
“Ontem à tarde, mais de noventa pessoas choferes não tenham visão exata da sua pro­
esperavam numa fila que metia medo, a chegada do fundidade. O dono da empresa vem pedindo à
ônibus Santana, que chega na cidade de vinte a trinta Prefeitura que conserte a estrada, sem ser atendido
minutos um do outro. São poucos os carros e a pelo Prefeito. Assim, centenas de pessoas ficam

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A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoempreendimento da Moradia Popular
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r isoladas porque a Prefeitura teima em não querer à redução dos custos de reprodução da força de
I consertar a estrada de Eldorado." (Hoje 3/1/1947) trabalho, possibilitada por expedientes como a
I
produção doméstica da moradia. r-
"Em Vila Maria não há uma rua calçada. Só pó
I e terra, quando há sol, e quando chove a lama toma Exemplo do descaso das administrações
I
I conta do bairro... A água invade as casas, as ruas se públicas com os problemas da periferia é o
I tornam intransitáveis e perigosas(...). Várias
empresas de ônibus se desinteressaram de explorar
o serviço para o bairro porque as ruas são
impraticáveis (...). É quase inacreditável que um
investimento na ampliação da adução de água
potável e expansão da redes de abastecimento, a
cargo do Governo do Estado, através do
Departamento de Águas e Esgotos. No período
i
bairro situado a menos de seis quilómetros da de grande crescimento dos loteamentos e de sua
principal praça de São Paulo, não tenha ainda água ocupação pela população trabalhadora, entre
encanada nem luz elétrica. Uma moradora do bairro, 1943 e 1954, não se verificou acréscimo algum !
aflita, disse à reportagem: "a vida que nós levamos é no volume de água aduzido (Governo do Estado
horrível, um verdadeiro castigo. Água de poço, de São Paulo 1957:205). Em consequência,
:i
nenhuma iluminação, condução não existe. Estou ficou comprometida a expansão da rede e, mais
I desesperada!”. Outra retrucou: "A senhora se grave, a própria regularidade no atendimento j
acostuma com tudo isto, como eu já me acostumei. em um serviço básico para o assentamento
I Faz dez anos que moro aqui e nada disso melhora. habitacional e totalmente inexistente nos novos
bairros que se formaram neste período.
i
I Até agora não vi governo que se lembrasse da Vila
Maria." (Hoje 4/3/1947)
I
Mas a situação da periferia era tão precária
I Ao mesmo tempo em que as obras de e acintosamente contrastante com o restante da
I remodelação do centro da cidade e os melho­ cidade que não podia deixar de gerar nos seus ■

ramentos dos bairros de luxo, conduzidos a moradores indignação, revolta e organização


toque de caixa por Prestes Maia, tornavam-se para lutar pela sua melhoria. O fim da ditadura
cartão de visitas de São Paulo: enquanto os em 1945, com a abertura democrática,
bondes exibiam, orgulhosamente, faixas liberdade partidária e de organização, criou as
afirmando ser a cidade o maior centro industrial condições políticas para que a periferia pudesse
da América Latina e o governo do Estado expressar sua revolta e demonstrar sua força.
construía as modernas rodovias Anchieta e
Anhanguera. obras de ponta da engenharia
nacional: no momento em que o ritmo frenético
da construção dos arranha-céus deixava a elite
paulistana ufanista de seu progresso,
preparando os festejos do IV Centenário; a
longínqua periferia - onde nenhum progresso
"moderno ou antigo" tinha chegado - escondia !
o lugar onde os trabalhadores habitavam.
Trabalhadores que, para usar uma frase chavão,
construíam o progresso do país.
*i
Estes processos, entretanto, eram absolu­
tamente coerentes: o investimento na cidade
oficial, de fachada, na criação da infra-estrutura
para a expansão industrial e as altas taxas de
acumulação da economia de São Paulo se
viabilizavam graças ao abandono da periferia e

cm
O Reconhecimento da Periferia:
Habitação Social Como
Conquista da Luta Popular

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Os comunistas, no breve período de lega­ “Eta São Paulo!


lidade em 194 5 e 194 7. foram os primeiros a Terra de Santa Cruz!
perceber que a periferia era um espaço propício De dia falta água!
ao surgimento de um movimento de luta por De noite falta luz!
melhorias urbanas e organização popular. E
desempenham um importante papel ao iden­ São Paulo sem condução
tificar seus problemas, divulgá-los no "Hoje", Terra da esculhambação
jornal diário de grande circulação e de orien­ Só se fala em conserto em véspera de eleição
tação comunista e estimular a formação nestes Tudo isto vai acabar
locais de Comités Democráticos e Progressistas, E será o povo quem vai mudar!"
orgãos de massa de apoio ao partido. Entre 1945
e 194 7, dezenas de Comités se formaram rapi­
damente em boa parte destes bairros distantes, Os Comités formulavam, a partir da reuniões
onde antes nada ou quase nada existia em que promoviam, uma série de reivindicações que
termos de organização. Os comités reuniam a tendiam a responsabilizar o governo pelas
população, levantavam os problemas das vilas, condições urbanas existentes nos bairros de
- o que não era difícil frente a sua quantidade - periferia e a exigir sua intervenção: “O povo
realizavam homenagens cívicas, promoviam precisa fazer pressão junto às autoridades para que
cursos de alfabetização ou de corte e costura e os bairros mais distantes não continuem esquecidos
traziam a palavra de ordem dos comunistas. como acontece com todos os bairros de S.Paulo. Isto
aqui é uma calamidade: falta luz, água, esgoto,
transporte." (Hoje 3/1/1947).

1*1:1 É

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A HabitaçAo por Conta do Trabalhador: Emergência do Autocmprccndimcnto da Moradia Popular

O "Hoje" passa a dar destaque à situação nes­ mesmo que o agente que causou o problema
tes bairros. Todo dia faz uma reportagem “in tenha sido o empreendedor do loteamento.
loco” ou “recebe a visita" de representantes de Trata-se, portanto, de mais uma faceta da
“bairros distantes" para ouvi-los. anotar suas consolidação da concepção da habitação como
reivindicações e dar ampla publicidade às uma questão social, onde o Estado deve intervir
condições aí existentes, claro que sempre com o para garantir condições básicas de serviços
objetivo de mostrar como o programa do PCB urbanos ligada ao uso habitacional. Para os
respondia às questões levantadas. Ressalta-se objetivos desta tese, este aspecto é fundamental.
que o PCB foi. individualmente, o partido mais
votado na cidade de São Paulo nas eleições de Com a ilegalidade do PCB. os Comités foram
1947 para a Assembléia Legislativa, e seu apoio perseguidos e fechados. Nada, entretanto,
foi fundamental para a eleição de Ademar de arrefeceria mais a luta da periferia para ser
Barros como governador do Estado. cidade. Com a retomada do processo eleitoral, a
necessidade de incorporação das massas
O conjunto de ações desenvolvidas pelos urbanas ao processo político era inevitável,
comunistas, neste período, foi fundamental para criando-se um momento propício ao surgimento
detectar, elencar e hierarquizar os problemas da de movimentos e organizações populares que
periferia, para iniciar uma tradição de tinham no Estado e na relação com políticos
reivindicações nestes bairros e desenvolver populistas sua referência mais importante.
formas de organização que passaram a ter no (Moisés 1977)
Estado o marco de referência da luta. O abaixo-
assinado ou memorial a ser encaminhado às Assim, com outra perspectiva ideológica mas
autoridades foi uma das práticas que se essencialmente com o mesmo discurso, as
desenvolveu na estratégia destas organizações Sociedades Amigos de Bairros (SABs) deram
para levar adiante as reivindicações urbanas e continuidade ao trabalho iniciado pelos CDPs.
que tinha no Estado seu principal interlocutor, muitas vezes incorporando lideranças por eles
prática que se firmou solidamente daí para a formadas. Estavam dadas as condições propícias
frente em todo o período populista. para uma ampliação ilimitada deste tipo de
organização, que marcou fortemente o período
É importante relembrar que a prefeitura e as de consolidação da periferia de São Paulo, e a
empresas concessionárias de serviços urbanos, SAB tornou-se elemento indispensável para que
não se sentiam responsáveis, neste período, por fosse coroada de sucesso a solução habitacional
obras em ruas particulares, não oficiais e em baseada no autoempreendimento da casa
loteamentos clandestinos, ou seja, não reconhe­ própria.
ciam como sua obrigação dotar estes bairros de
equipamentos urbanos. Como entre 19 30 e 0 final dos anos 40 e início dos 50 foram
1948 a Câmara Municipal esteve fechada, marcados pela problematização da periferia.
inexistindo representação popular, o fato de Com sua reabertura em janeiro de 1948. a
parte significativa da cidade não poder receber Câmara Municipal de São Paulo tornou-se o
nenhuma benfeitoria urbana não tinha um cenário onde os moradores dos loteamentos
fórum para ser debatido e questionado. clandestinos e ruas não oficiais passaram a se
manifestar: “A população residente nessas ruas
A luta que a periferia então iniciava fazia (particulares) (...) se dirigia freqúentemente à
parte, portanto, de uma questão muito mais Câmara Municipal, solicitando providências. Era a
geral: demonstrar que, frente ao problema social fórmula encontrada pela população capaz de atrair
gerado pela ocupação dos loteamentos os poderes competentes para aqueles locais, onde há
clandestinos pela moradia popular, o Estado ausência de luz, calçamento, água, esgoto e demais
deveria ser o responsável pela implantação da condições urbanísticas." (Câmara Municipal de
infra-estrutura urbana e serviços básicos, São Paulo 1952 apud Grostein 198 7).

■- -
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I

I OS PROBLEMAS DA PERIFERIA CHEGAM AO CENTRO

Mal a Câmara Municipal reabriu suas portas em janeiro de 1948, o tema da precariedade da periferia
t tomou conta do debate: depois de anos de ditadura, quando a representação política esteve suspensa, era
outra a cidade que emergia e que se manisfestava.
I Logo nos primeiros dias de funcionamento do legislativo paulistano, os vereadores apresentaram dezenas I : i
de requerimentos solicitando melhorias para os bairros distantes.
Com ácidas críticas à prefeitura, logo se destacou o vereador Jânio Quadros. Seus discursos, proferidos da
1 Tribuna da Câmara Municipal, depois de visitar os bairros esquecidos, geralmente acompanhado da
imprensapouco se diferenciam dos relatos do jornal comunista Hoje, mesmo porque são meras descrições
do que se passava na periferia da cidade. A grande diferença é que, enquanto os comunistas foram cassados
i e perseguidos como inimigos da nação, Jânio, com este discurso, se elege prefeito, governador e presidente.
i Para bem ou para mal. a periferia não podia mais ser esquecida.

I ■ ?

Discursos do vereador Jânio Quadros

Existem Ruas no Caxingui?


I
"A convite dos moradores do Caxingui. e na companhia rotineiro . Infelizmente, o assunto se reveste de gravidade !Í
1 dos vereadores Valério Giuli e Décio Grisi, percorri, (...) porque este córrego, recebendo as águas pluviais,
demoradamente, aquele bairro. O Caxingui (...) surgiu acostuma se agigantar-se e, então, trabalha pela erosão !
I com a força de uma cidade proletária, de construções os fundamentos, os alicerces de várias casas de rua
humildes - a clássica sala com dois quartos - habitada mencionada e de outras casas de ruas adjacentes (...)
por trabalhadores, em sua maioria braçais, que luta, cada Querem saber Exmos, representantes do povo, a resposta
mês, para satisfazer a prestação da propriedade de seus do Sr. Secretário de Obras ao jornalista, sobre a
sonhos. Mas o Caxingui (...) jaz no esquecimento." possibilidade de desabamento das casas: “Deixe cair"
"Não tem iluminação pública. Nem a estrada pela qual (Jânio Quadros 09/12/49)
disparam ônibus e caminhões em correrias doidas
mereceu a graça de algumas lâmpadas (...) Não tem A Inatividade dos Poderes é a Característica
policiamento (...) as mulheres, particularmente, “Na companhia de jornalistas da “Folha da Noite" e a
experimentam riscos de brutalidade inomináveis. Ao pedidos da população das ruas Cuiabá, Pascoal Moreira
escurecer, é temeridade sair à rua. Rua? Mas, existe isso e Barretos todas do bairro da Mooca, estive em visita. A !
no Caxingui? (...) Vimo-las. Barrancos e buracos em inatividade dos Poderes é a característica (...) ao longo
interminável sucessão, apesar de edificados os dois das construções modestas, há um intérmino correr dágua
lados..." (Jânio Quadros 14/12/1949) contaminada, suja, mórbida, que a Municipalidade não
■ ■ :

Nas Imediações do Fim do Mundo Situa-se a


viu até este instante, embora há anos atormente cada
morador, embora há anos roube-lhe a satisfação de
I
Vil/\ Formosa ! permanecer no lar, transformado não em local de repouso,
Aqui, a gente é de Vila Formosa (...) para fins não em local das delícias domésticas, mas em local de
burocráticos e administrativos, para efeitos de serviços castigo."(Jânio Quadros 1/8/1949.).
públicos, Vila Formosa situa-se nas imediações do fim
do mundo(...) a vida em Vila Formosa é tormento que Tenho Visto Coisas Pavorosas
Dante esqueceu, na capitulação dos suplícios infernais “Contempla as fotografias que tenho em mãos e
(...) não tem água, não tem luz, não tem esgoto, não tem
policiamento, não tem pavimentação, não tem
assistência..."(Jânio Quadros 6/02/50)
compreenderás que este trabalho não é mero e rotineiro
trabalho de bairro, mas revela crime coletivo, traduz um
estado de desleixo, de esquecimento quase inconcebível,
que mal poderíamos acreditarfosse possível no Município I
id
de São Paulo. E, visto costumeiramente nos bairros. -
”Deixe Cair!”, Responde o Secretário
É desagradável, Sr. Presidente, que um vereador deva Tenho visto coisas pavorosas, terríveis, em Vila Formosa,
tomar o tempo da Casa para cuidar do problema que, em em Vila Maria, e não sei mais em quantos bairros desta
qualquer Administração, seria havido como de somenos, Capital,"(Jânio Quadros 10/02/50) .
EI

1
A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autocmprccndimcnto da Moradia Popular

Um dos parlamentares que mais se


manifestava era um obscuro suplente de
vereador, que apenas tinha tomado posse em
função da cassação dos comunistas. Destacou-
se por violentas críticas ao poder público,
denunciando constantemente as precárias
condições em que viviam os trabalhadores.
Trata-se de Jânio Quadros:

A politização do tema, com o crescimento das


reivindicações, a grande repercussão que
ganham as denúncias e a cada vez maior
presença desta cidade ilegal, que também incluia
bairros de classe média, tornava insustentável
a situação. O poder público não podia mais
ignorar quase metade das ruas e manter-se
omisso quanto ao seu atendimento por serviços
urbanos e não pode deixá-las sem transporte
comprometendo a própria organização da
cidade: era chegado o momento de incorporar
estes bairros à cidade legal.

A proximidade das eleições diretas para


prefeito, que finalmente ocorreriam em 19 53 -
as primeiras democráticas que ocorreram na
cidade -. acelerava a tomada de providências.
Grostein (198 7) mostra que. das duas alterna­
tivas existentes para solucionar o problema das responsabilidade pela sua manutenção em estado que
ruas particulares - submeter essas ruas a um permita esse mesmo trânsito(...) Na atual conjun­
processo de regularização com algum crivo tura, afigura-se-me como imperativa a oficialização
técnico ou promover uma oficilização em massa de ruas, em massa, de vez que só por esse meio
das ruas em certas áreas do município -. a poderá a administração acompanhar o extraor­
administração optou pela segunda, muito mais dinário desenvolvimento da capital, com o objetivo
expedida e que tornava a prefeitura responsável de dotar suas ruas, praças e avenidas dos melhora­
por todas as obras necessárias, sem nenhum mentos urbanos peculiares aos logradouros
ônus para o loteador. A medida era de interesse oficiais." (Processo 33 79/52 apud Grostein
também da Secretaria de Finanças, pois 1987:342/3).
aceleraria a cobrança de impostos mas
desagradava o Departamento de Urbanismo e as
corporações técnicas, pois representava a Era evidente o intuito do prefeito utilizar-se
desta lei com objetivos eleitorais. No seu
incorporação de ruas em total desacordo com o
encaminhamento à Câmara, recomendava-se.
que entendiam ser critérios técnicos
depois de quase quatro décadas de absoluta
minimamente aceitáveis.
omissão da Prefeitura, "urgência para que todas
as ruas particulares desta capital usufruam dos
Segundo o projeto-de-lei 284/52, encami­ melhoramentos a que tem direito com assistência
nhado pelo prefeito Armando Arruda Pereira, a da Prefeitura, antes da comemoração dos festejos do
oficialização de vias seria ato administrativo pelo IV Centenário da Cidade" (Processo 3379/ 52:7
qual "ospoderes municipais entregam, oficialmente, apud Grostein 1987:344), o que era obviamente
ao trânsito público tais logradouros, assumindo a impossível: estimava-se que as ruas oficializadas
I
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=4 I
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1
I O PLANO DE EMERGÊNCIA DE JÂNIO QUADROS PARA A PERIFERIA
i
-I

Arquiteto Nomeado Prefeito por Ademar extensão da iluminação pública (...)" Segundo a Folha
I Reafirma: ”Ruas Particulares não Poderão Socialista, "trata-se de tarefas gigantescas que exigem a
mobilização não só de grandes recursos financeiros, mas
-í Receber Benfeitorias.” antes de tudo de grande capacidade de trabalho por parte
Até o início dos anos 50. a prefeitura e as concessionárias dos responsáveis pela administração municipal. Mas o
1
de serviços públicos se recusavam a fazer benfeitorias nas atual governo da cidade (...) está em condições de realizar
ruas particulares ou clandestinas, que formavam estas tarefas. Vale dizer, em condições de realizar a
praticamente toda a periferia. O arquiteto Cristiano das revolução pacífica de que o povo o encarregou através das
■I Neves, prefeito nomeado de São Paulo em 1947, eleições de 22 de março de 1953"
1 reafirmou esta postura em entrevista ao Hoje (8/5/
1947). Depois de apresentar plano para exigir das Resultados do Plano de Emergência
1
empresas loteadoras a "doação das ruas a serem abertas
"Nas administrações municipais anteriores, a Secretaria
t em novos loteamentos, de acordo com as plantas
de Obras da Prefeitura, além de não ter orientação
fornecidas pelo Departamento de Obras e com todas as
1 planificada para seus trabalhos, voltava-se exclusi­
instalações necessárias", o prefeito afirmou que: "tal
vamente para o centro da cidade e para os bairros das
medida viria ainda evitar que surgissem novos casos,
■I pessoas influentes. A atual administração vem realizando
como o que acaba de ocorrer, num impasse entre
verdadeira revolução: Foi concentrada toda a atenção aos
I particulares e a Light. que está retirando os postes e fios
bairros periféricos, onde reside o grosso da população
elétricos de uma rua particular. Posso dizer mais ainda -
I essas ruas não receberão qualquer benefício da prefeitura.
operária. Foram abandonados os planos caríssimos de I
embelezamento da cidade para serem atacados os grandes
I Não serão calçadas. Somente as que forem doadas
planos urbanísticos destinados a pôr um pouco de ordem
poderão contar com as benfeitorias."
ao vertiginoso desenvolvimento de São Paulo.
O Plano de Emergência, neste 8 meses já deu grandes
Secretário de Obras de Jânio Fala Sobre o resultados: 130 quilómetros de ruas asfaltadas,
Plano de Emergência para a Periferia colocados 251 Km de guias e 223 Km de sargetas e
Eleito prefeito. Jânio aprova a regularização em massa apedregulhamento de 760.000 m2 de ruas. Todas as ruas
das ruas particulares e dá inicio ao Plano de Emergência. onde transitam coletivos estão sendo pavimentadas. Isto
O engenheiro João Caetano Alvares Jr. membro do Partido representa a maior média de pavimentação verificada na
Socialista e nomeado por Jânio secretário de Obras expos Prefeitura. Foram regularizados 7 córregos"
ao jornal Folha Socialista a 20/ 7/1953 no que consistia Em entrevista para a Folha Socialista, em 20/411 954,
este plano: "No setor do Plano de Emergência estão o secretario de Obras de Jânio explicou o desenvolvimento
programados todos os melhoramento necessários aos
bairros periféricos de maior concentração popular da
do Plano de Emcgência: "com o intuito de distribuir o
mais equitativamente os melhoramentos, foram eles
HI
cidade. Tais melhoramentos compreendem: serviços atacados simultaneamente em todos os distritos, para dar
locais de captação de águas pluviais e servidas,
apedrejamento e pavimentação de ruas, retificação e
algum benefício a cada um dos 200 bairros ou Vilas que
circundam esta cidade. Este ataque simultâneo em todos
i
canalização de córregos, ajardinamento e arborização, os bairros estão sendo desenvolvidos há 8 meses e
construção de praças, coordenação das obras públicas alcançam 431 ruas, que já estão recebendo os benefícios
com os transportes urbanos, etc. Pretende a secretaria programados. O Plano de Emergência compreeende três
de Obras, no prazo de 4 anos do atual governo setores de serviços diferentes objetivando resolver os 3
transformar cada um dos bairros mais populosos de São maiores sofrimentos da população humilde: a rua -
Paulo em miniatura de cidade, com sua praça ajardinada, intransitável, mesmo aos pedestres; a inundação
suas ruas pavimentadas e adequadas ao tráfego periódica e os ônibus se desmanchando através das vias
rodoviário. O Plano prevê o emprego de CrS 600 milhões esburacadas".
em obras de melhoramentos nos próximos quatro anos, "No setor de serviços públicos, sob pressão da prefeitura,
execução já em pleno andamento (...) Estão sendo foram instalados 60 telefones públicos na periferia e se
tomadas medidas junto a Cia Telefónica no sentido de estenderam grandemente as redes de instalações da Light
serem instalados telefones públicos nos bairros populosos
e afastados do centro, assim como (junto a Light para)
e da Cia de Gás." (Folha Socialista 5/3/1954 e 20/4/
1954)
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representavam mais de um terço do total de toda abastecimento de água na capital. O DAE


a cidade. O prefeito pretendia colocar em prática acelerou a ampliação da capacidade de adução
grande plano de melhoramentos em ruas da represa de Guarapiranga, elevando de 1 9 54
particulares, que garantisse a eleição de seu a 195 7 de 1 m2 para 5m2 o volume de água
sucessor. aduzido. O número de prédios servidos pela rede
elevou-se aceleradamente de 2 3 3 mil cm 19 5 3
0 projeto recebeu parecer positivo na para 344 mil em 19 59 (acréscimo de 47%). Em
Câmara, apesar de um enorme conjunto de consequência, inúmeros bairros periféricos
problemas técnicos e jurídicos que foram passaram a ser atendidos. Não é por acaso,
apontados, mas por razões de ordem política, portanto, que o prestígio de Jânio chegou às
não foi aprovado na gestão de Arruda Pereira. nuvens ao final de seu governo.

Nas eleições de 1953, surpreendentemente Completava-se assim um ciclo: a primeira


saiu vencedor Jânio Quadros, candidato por franja periférica fica integrada à cidade,
pequenos partidos e contando basicamente com certamente em desacordo com os critérios
o apoio das SABs e dos bairros periféricos. Sua rigorosos de regulação que os urbanistas
vitória, que se deu em meio a uma grande greve propunham, o que não impediu a implantação
e a um sentimento de revolta dos trabalhadores das benfeitorias urbanas essenciais. Estabelece-
da cidade, representou a derrota das forças se na cidade uma certeza e uma tradição: quem
tradicionais e indicou o peso político dos novos consegue comprar e ocupar um pedaço de terra
bairros carentes (Moisés 1978). num loteamento qualquer está ingressando em
um processo que, mais cedo ou mais tarde lhe
garantirá, com grandes sacrifícios na sua
De forma habilidosa, Jânio aprovou qualidade de vida mas a custos monetários
rapidamente a oficialização de logradouros (Lei reduzidos, propriedade da casa e acesso a
4371/53) e, aproveitando-se do programa de seu serviços urbanos. A justificativa do caráter
antecessor, lançou, com financiamento externo, social da situação e o fato consumado passaram
um Plano de Emergência, que consistia na a ser argumentos irrefutáveis, capazes de
colocação de guias, sarjetas, pavimentação e derrotar todo e qualquer legalismo.
instalação de luz elétrica nas vias principais
destas áreas (Grostein 198 7:349).
Em 1962, viria nova oficialização em massa
de ruas e assim por diante(...)camadas de
Com prestígio em alta, Jânio foi eleito, no ano periferia iam, com o tempo, virando cidade.
seguinte, para o governo do Estado, onde atuou
numa significativa ampliação dos serviços de

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f O Autoempreendimento
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da Casa Própria, da Casa i

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de Aluguel, da Casa Cedida 11

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Saudosa Maloca Abrigo de Vagabundos


Adoniran Barbosa - 1954 Adoniran Barbosa - 1958

Se o senhor não está lembrado dá licença de contar Eu arranjei o meu dinheiro


Que aqui aonde está este edifício alto Trabalhando o ano inteiro numa cerâmica
era uma casa velha um palacete assobradado Carregando pote
Foi aqui seu moço que eu. Mato Grosso e o Joca E lá no alto da moóca eu comprei
construimo nossa maloca Um lindo lote dez de frente, dez de fundos
Mas um dia nóis nem pode se alembrar construi minha maloca, me disseram que
Veio os homem com as ferramentas Sem planta não se pode construir mas quem
O dono mandou derrubar Trabalha tudo pode conseguir
Peguemo toda as nossas coisas e fomos João Saracura que é fiscal da prefeitura
pro meio da rua apreciar a demolição Foi um grande amigo arranjou tudo pra mim
Que tristeza que nóis sentia cada talba que caia Por onde andará Joca e Mato Grosso, aqueles dois
doia no coração
Mato Grosso quis gritar mas em cima eu falei
amigos que não quis me acompanhar
Andaram jogados na avenida São João
j
os homem tá com a razão ou vendo o sol quadrado na detenção
Nós arranja outro lugar Minha maloca, a mais linda que eu já vi
Só se conformemo quando o Joca falou Hoje está legalizada
Deus dá o frio conforme o cobertor Ninguém pode demolir
E hoje nóis pega paia nas gramas de jardim Minha maloca, a mais linda deste mundo
E pra esquecer nós cantemos assim Ofereço aos vagabundos
Saudosa maloca, maloca querida que não têm onde dormir
din din don que nós passemos dias
felizes de nossas vidas
A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoempreendimento da Moradia Popular

"Substituindo as favelas, com óbvia vantagem e amigos, em alguns dias, comumente num sábado
para a cidade, porque possuem melhores ou domingo. Remates ou acessórios da casa são
caractcrísticas, existem em São Paulo os bairros efetuados posteriormente, ã medida das folgas do
denominados “Vilas Operárias" que se caracterizam morador e família. Nessas casas a noção de
pelo grande adensamento de casas operárias, propriedade, suas vantagens e responsabilidades,
construídas sem um estudo prévio em loteamentos constituem evidentemente um fator económico-
clandestinos; ruas não-delineadas ou muito mal- social benéfico para a coletividade." (Sangirardi
executadas; condições de acesso muito difícil devido 1956)
à topografia, em geral, muito acidentada; fundos de
vales ou escoamento natural das águas não A casa própria tornou-se uma realidade.
respeitados e ausência de serviços públicos (água, Como Oscar E. de Araújo previa na década de
esgotos, luz domiciliar). No entanto, as casas são 30. o acesso à propriedade se viabilizou na zona
de tijolos - revestidos ou não - cobertas em geral de rural, a um custo financeiro para o morador
telhas e oferecem algumas condições de higiene, por inferior do que custava o aluguel de um cômodo
exemplo, instalação sanitária individual (em cada no centro da cidade.
casa). Existe a noção de propriedade, pois em geral,
casa e terreno pertencem ao morador ou são
alugados. O terreno é adquirido em pequenas Mas. ao contrário do que Araújo e outros
prestações, de grande duração, e a parte principal defensores da casa própria pensavam, não foi
da casa, quase sempre é construída, depois de necessário realizar nenhuma campanha edu­
adquirido com sacrifício o material necessário, pelo cativa para mostrar ao trabalhador as vantagens
próprio proprietário ajudado pela família, parentes desta solução: bastou a crise de habitação
eliminar qualquer outra possibilidade para que
os trabalhadores, por falta de opção, fossem à
periferia.

Parque Novo Mundo: casarões da Foram e gostaram, malgrado todos os sacri­


Avenida Paulista nos confins de Vila fícios e precariedade ali presentes. Isto porque,
Maria. nas condições em que se deu a exploração da
força de trabalho no Brasil neste meio século, o
autoempreendimento da casa própria em
loteamentos precários tornou-se. além de um
expediente de sobrevivência, parte integrante de
um modo de vida que se desenvolveu em São
Paulo, incorporado como padrão cultural e
cotidiano aceito e desejado pelos trabalhadores
PARA A CONSTRUÇÃO de baixa e média baixa renda.
DA SUA CASA/

r-» m;
X-. o».
O arranjo engendrado na periferia - que
••XV«X-'. i,---
combinava especulação com terras, omissão do
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poder público, parceria com empresas de ônibus,
«« *< «iXv
autoempreendimento da casa própria e outros
expedientes de produção de moradias no lote. -
permitiu manter a níveis baixos a despesa fixa
com moradia que representava até 2 5% dos
O gastos de uma família de baixa renda. A
P.IBQLE me MCVI8 â repercussão desta redução no custo de
MMMtt r CMUCM1 ÍIW.
£ reprodução da força de trabalho e, portanto, nos
1Mh— f. U» salários pagos ao trabalhador, é natural e está
•***• O
totalmente coerente com outras intervenções do
I
I
I A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoempreendimento da Moradia Popular

I
I
I
Estado neste período, como a Lei do Inquilinato
1 e com a produção estatal da habitação social. Companhia City: padrão diferenciado
para a classe média alta.
I
Mais ainda: ao acenar com a possibilidade de
obtenção da casa própria, este processo tornava BUTANTAN i
1
I os moradores mais propensos a fazer todo tipo amcnoS de
I de sacrifício, como se o que gastassem com a
construção da casa não representasse
i
I exatamente uma despesa com um item normal
do seu orçamento doméstico, mas um
investimento para adquirir um património, que
justificaria toda e qualquer compressão das
demais despesas d a família. E mais, se
sujeitariam a morar da pior maneira possível, s
certos dc que aquela seria uma condição
I passageira, a caminho do paraíso.
j
I O padrão periférico criou ainda outros
subprodutos habitacionais: a subdivisão do lote
I e a construção de moradias de aluguel pelo
I trabalhador proprietário e a cessão gratuita de
parte do terreno para que outros trabalhadores
I
ainda não proprietários pudessem deixar - ou
I não ingressar - na condição de inquilinos.
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Assim, na década de 40. quando se MrM« Ho«I.U4n » frvfelivr».
Cartel. WteM m araira 4* cltala Eautete 4» Bate» pra» 4a
intensificaram as migrações para São Paulo e o p»a wte 4a aaapiaa —lafte l ifittiiai
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kw <i»!4W> «« aara» 4. Cte. Chy.
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mercado de locação entrou em colapso, «mwm «4> «aavavatea 4a teateta
4a h<4W rrá4a«Oará
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pat«*nte lat«(r«l 4a
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agudizando a crise de habitação, existia na rmtetfaa ■ partir 4* lOtteM p« arte o
cidade uma alternativa habitacional que a
• ara teu. aUtuUau 4a» aatetetea aw«pefaaafe ra «
Ua. Ql, Ba afará»i p»<■»■> aaarráa * «tela aaaa 4a praaa.
impediu, com óbvia vantagem para a cidade, | Xtea—aaraaaaea .aaaaara ptefapraaUapdtefiutite h | è.
O
como afirmou Sangirardi, ex-diretor do
1
Departamento de Urbanismo da Prefeitura, o
crescimento das favelas. Alternativa que, ao
contrário das favelas cariocas, que proliferaram
companhia oty «ã
9

jx

89.StÚA XxiBERO^JBAIXARO
à vista de todos, ficava “escondida”, onde
ninguém, fora seus moradores, a podia ver.

Mas o que tornava tào baixo o custo


monetário de morar na periferia?.

Em primeiro lugar, o preço do terreno era


baratíssimo. E não só porque se comprava
terreno rural em prestações mensais, onde o uma série de expedientes especulativos que
loteador investia muito pouco, mas também permitem vender a preços muito baixos os
porque, à medida em que se consolida uma primeiros lotes colocados à venda para, em
prática corrente de loteamentos “padrão seguida, elevar gradativamente os preços dos
popular’’, seus empreendedores desenvolvem demais (Bonduki & Rolnik 1978).

LJ-T-T
A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoempreendimento da Moradia Popular

Buscando de toda maneira estimular venda


A Casa tadm Prafaí eTSn-l L CÃWAUffl £ KA. 1
«w» «k w w tn, J-W M e ocupação, os loteadores deste período
facilitavam ainda mais o autoempreendimento
sq mnt f iub coai empííbwmento
J da casa, oferecendo tijolos e, às vezes, telhas aos

CIDADE PATRIARCA 1
compradores: "Humberto de Oliveira comprou um
terreno de 10mX40m pagando Cr$ 4.480, em
prestações. Ainda por cima recebeu 8 mil tijolos e
oiço/, at; l: 400 telhas." (Martins 1946)
CrS 2C0.C00.000.G0
Sem pagar mão-de-obra, usando geralmente
argamassa de barro, pois o cimento era caro e
raro, e outros materiais improvisados,
construindo a casa em etapas, a primeira das
ESTACAO DE SUBURBIO ESCOLA - CINEMA quais invariavelmente era constituída de “dois
IGREJA - LUZ ELÉTKICA - LINHA DE ÒNIBUS
CAPACIDADE PARA 6.000 CASAS POPULARES
cômodos", muito pouco se gastava. "Nos dias de
0 pleno "AECARVALHO" de casas popolares
tempestade, porém, as casas domingueiras tremem
e as telhas dançam como mariposas loucas. Debaixo
•*> das mesas, dentro dos armários, a criançada espera
VILA MATUE E ARTUR ALVM que a tormenta pare, tiritando de frio e de aflição.
v«» r T *—< •
MUITO em BREVE As vezes, no dia seguinte, os jornais noticiam
PREÇOS POPULARES
laconicamente: O ventaval de ontem derrubou 4
«■ Vw» JU »o-e « i— » casas em Vila Matilde. Uma criança foi ferida pelo
CWàDt PATRIARCA desabamento e retirada sob os encombros(...)Parece
==• certo que o material usado na construção era
CAIA liwyini * <Í4,
impróprio ao fim a que se destinava" (Martins
1946).

Num momento que ainda não havia se


desenvolvido uma prática corrente de constru­
ção entre trabalhadores não especializados e que
a carência de materiais, principalmente os
importados como o cimento, era generalizada,
Ao deixarem vazias glebas entre os novos pois se construía freneticamente na zona central
loteamentos e a área já urbanizada e no interior da cidade, os desabamentos na periferia eram
de um mesmo loteamento, os empreendedores frequentes: “O vendaval que varreu ontem a cidade
podiam vender muito barato os terrenos atingiu particularmente dois bairros operários
pioneiros, pois sua ocupação valorizava o localizados nas proximidades de São Caetano, os de
restante da gleba ou dos lotes não vendidos, Vila Alpina e Vila Califórnia, onde cerca de dez casas
garantindo grandes lucros futuros. Para o de operários foram derrubadas, ficando reduzidas a
trabalhador de renda muita baixa, era a escombros(...). Uma das casas era de construção
oportunidade de pagar pouco. A malha urbana recente. A hora em que a casa caiu, a família se
torna-se, assim, um verdadeiro mosaico, onde encontrava no dormitório e foi atingida por tijolos
os arruamentos mais antigos são ocupados por e telhas(...). A estrada que liga Vila Prudente aos
trabalhadores mais pobres e os contíguos são bairros citados estava intransitável em consequência
adquiridos sucessivamente por setores de renda, das chuvas e, assim, não se pode saber o número
de pouco em pouco, mais alta. Ou seja, era a exato de casas que desabaram". (Correio
especulação com terra que garantia lotes Paulistano 9/7/1946)
baratos.

HT.1
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I
I
I A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoempreendimento da Moradia Popular

4
I
I O padrão periférico, entretanto, não aluguel passa a ser predominante como um
significou apenas a casa própria. O mesmo expediente destes moradores para aumentar sua
processo de produção que a viabilizou, por renda.
empreendimento do morador, também gera uma
gama de subprodutos de alojamentos. O terreno I
Assim, pelo mesmo processo de produção
4 que serviu para a construção da casa de seu doméstica através do qual fizeram sua casa, os
proprietário, também foi utilizado na edificação habitantes da periferia também produziam i
1 de cômodos, pequenas casas ou barracos de moradias para outros trabalhadores que ainda
I aluguel ou, ainda podia ser cedido para que um não tinham se tornado proprietários de um lote.
conterrâneo, parente ou amigo confeccionasse, Não resta dúvida de que uma casa assim
I
geralmente em caráter provisório, um aloja­ edificada, aproveitando-se uma nesga de terreno I
mento precário para evitar o desabrigo, muito cuja função principal é servir de residência a seu
comum neste período de despejos. proprietário, pode ser alugada por um valor
inferior a outra produzida em base mercantis.
Em ambos os casos, a construção é realizada Trata-se, portanto, de mais um expediente que
I por autoempreendimento: "Andrés Bentes é antigo atua no sentido de baratear o custo da habitação
morador em V. Monumento. Honesto e trabalha­ do trabalhador e de criar uma alternativa de
I baixo custo à produção rentista que, embora
dor (...) vivia há vários anos na mesma casa. Nunca
I pagou o aluguel em atraso, sempre foi muito pontual. também exista nos loteamentos periféricos, está
I Entretanto, o proprietário do prédio pediu-lhe há declinante.
vários meses que desocupasse a casa sob alegação -
4 de que ia residir na mesma. Bentes não perdeu De qualquer forma, a presença de casas de
1 tempo, procurou casa em todo o bairro e adjacências, aluguel na periferia é significativa e explica
porém em pura perda. Entretanto, em face da porque, entre 1940 e 1950, 75 mil novos
insistência do proprietário, o velho operário encon­ domicílios ocupados por inquilinos se formaram
trou outra solução para seu problema. Em terreno em São Paulo. É bastante provável que pelo
de propriedade de um parente resolveu construir com menos uma parte da oferta tenha sido produzida
latas e pranchas velhas uma residência provisória
para si e sua família. Bentes reuniu alguns amigos
por pequenos investidores que continuam a
acreditar numa rentibilidade neste negócio,
i
e, domingo de manhã puseram mãos à obra, apesar do congelamento dos aluguéis. Devemos i
iniciando a construção do barracão que vai servir ter em conta que, apesar da desestrutração do ff I
de abrigo, sabe Deus lá até quando. Vai-se tornando mercado rentista, este tipo de investimento éra
muito comum, aliás, em nossa capital, essa maneira I
para o microinvestidor. o mais simples e que,
de resolver o angustioso problema de residência para malgrado a baixa rentabilidade que apresentava,
o povo, vendo-se em numerosos bairros casas toscas, não deixavam de ser uma ocupação que ainda
primitivas e, naturalmente, insalubres." (Hoje 1/ oferecia algum retorno, num lote mantido como
11/1945) reserva de valor, a espera da valorização. O
estereótipo do português dono de padaria que
í
i
A questão da construção de casas de aluguel investe suas poupanças em casas de aluguel, que
é mais complexa. Não resta nenhuma dúvida perdurou por décadas é uma manifestação deste
que, na década de 40, número muito signifi­ fenômeno.
cativo de moradias de aluguel foram edificadas
como segunda, terceira ou quarta moradia, no
próprio lote em que o proprietário já morava.
De qualquer maneira, as características das
casas de aluguel edificadas no terreno onde
i
Modalidade de empreendimento de aluguel que, morava seu proprietário eram muito mais
a bem da verdade, sempre existiu, mesmo nos favoráveis para a retomada do imóvel e conse­
bairros mais antigos, onde predominava a quente elevação do aluguel do que as casas
produção rentista típica. Na periferia, no produzidas no modelo rentista clássico. Como
entanto, esta forma de produção da casa de vimos, as várias versões da Lei do Inquilinato

rm
HabltBÇâo por Conta do Trabalhador: Emergência do Autocmprccndimcnto da Moradia Popular

sempre deixaram brechas para o despejo


promovido por locador que fosse residir no
imóvel, situação que sempre poderia ser alegada
quando um proprietário quizesse despejar o
inquilino que cohabitasse no mesmo lote.

índice da presença de casas de aluguel na


HiqócicdetfPJfa
periferia dos anos 40, é um estudo sobre as
condições de habitação de 400 famílias
assistidas pela Legião Brasileira de Assistência,
realizado em 1944 (Guazzelli 1945). A pesquisa o seu capital de AMANHAI
revelou que, numa amostra de famílias de baixa --4»vs
renda moradoras em 80 bairros do centro e da
periferia, apenas 3% possuiam casa própria,
enquanto que quase 40% pagavam aluguel em
casas individuais desprovidas de infra-estrtura:
"o grupo individual, aparece com um número bem
considerável. Acontece porém que a maior parte
j
destas casas, com exceção de raras, tinha as suas í
I
condições bem precárias, sendo localizadas em
terrenos com ausência de qualquer conforto (água, aarjííju ccviuru ituk.
esgoto e até luz elétrica)." (Guazzelli 1945). Estes
dados mostram a presença em bairros de
periferia de moradias de aluguel, ocupadas por
famílias que não tinha renda para comprar um
lote onde moravam nem para alugar casa ou
cômodo melhor localizado.

Os expedientes gerados pelo modelo de


ocupação da periferia criaram, portanto, ampla
gama de soluções habitacionais de baixo custo.
No momento em que o mercado rentista esteve
em crise e que o Estado assumiu o problema
habitacional como uma questão social mesmo
sendo incapaz de atender a forte demanda
existente na sociedade, estas soluções
produzidas pelos próprios trabalhadores
garantiram as moradias necessárias para abrigar
o enorme contigente que realizou a grande
expansão industrial e económica de São Paulo
nos anos 50 a 70.

Este modelo, por sua vez, possibilitou a


criação de um modo de vida específico, que se
tornou uma referência e um objetivo para os
trabalhadores de São Paulo nas décadas
seguintes, talvez como a maior aspiração de
progresso que eles podiam almejar.

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A Importância
I da Casa Própria
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I para o Trabalhador
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I

I Em 19 70. como vimos na tabela 6.1, 54% dos património imobiliário e também mobiliário e,
domicílios de São Paulo eram próprios, enquanto num certo ponto, de mobilidade social que a
apenas 38% eram ocupados por inquilinos. Isto maioria dos trabalhadores puderam almejar no t
significa que a maioria da população paulistana período de maior crescimento da economia do
conseguiu, no período em estudo, ascender à país. É por esta razão, muito mais do que por
condição de proprietária, graças ao padrão motivos de ordem ideológicos, que a aspiração
periférico. Foi mostrado como a obtenção da casa pela casa própria tornou-se tão forte e
própria resultou, ao lado de outros mecanismos hegemónica entre os trabalhadores de baixa
de política económica e social, numa redução do renda.
custo de reprodução da força de trabalho.
Os estudos sobre o processo de obtenção da
Neste segmento a questão da casa própria casa própria através do que tem sido chamado
será analisada sob outro aspecto: seu significado autoconstrução (entre outros, Maricato 1976,
para o trabalhador. A hipótese que será Bonduki & Rolnik 19 79a/b, Taschner & Mautner
desenvolvida relaciona a casa própria autoem- 1980, Beozzo de Lima 1980) tem, de uma
preendida na periferia como um aspecto básico maneira geral, buscadò enfatizar, além de seu
da inserção do trabalhador no processo de papel nas altas taxas de acumulação, o imenso
desenvolvimento de São Paulo; ou seja buscar- sacrifício que as famílias de baixa renda tem feito
se-á mostrar que, ao mesmo tempo em que para viabilizar a construção da casa. Refletindo
viabilizava uma redução salarial útil ao modelo a partir da lógica de Oliveira (1971), segundo a
de capitalismo selvagem brasileiro, a casa qual a autoconstrução contribui para aumentar
própria representou, além da possibilidade de a exploração do trabalho, e de uma crítica ao
morar a custo zero, a única perspectiva de modelo económico brasileiro, estas análises, que
entesouramento, de garantia para o futuro, de descrevem situações chocantes e de grande
estabilidade familiar, de construção de um impacto em termos de sacrifícios pessoais e

rm
A Habltaçio por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoemprccndimcnto da Moradia Popular

familiares, têm utilizado o tema como um autoempreendimento da casa própria, de


excelente exemplo da assim chamada espoliação incorporação destes loteamentos às redes de
urbana (Kowarick 1980). serviços públicos e uma prática cultural ligada
a este padrão de vida, a aspiração de ingressar
Não resta a menor dúvida de que o processo no processo de obtenção da casa própria se
de autoempreendimento é altamente dilapi- generaliza entre a população de baixa renda, que
dador: ocorre, entretanto, que a ênfase em passa a buscá-lo sem medir sacrifícios, com o
relação a este aspecto tem obscurecido o fato de objetivo de abandonar a moradia de aluguel e
que a obtenção da casa própria representou para construir uma casa só sua.
os trabalhadores que a obtiveram resultados
positivos na melhoria das suas condições de vida Isto ocorre porque apenas a casa própria
futura, dando-lhes uma posição muito mais confere à família trabalhadora a estruturação e
favorável para enfrentar com algum sucesso as consolidação que está presente no seu desejo. Ao
agruras da sobrevivência numa sociedade onde contrário de todas as outras condições de
os direitos sociais inexistem ou são apenas muito ocupação (alugada, cedida), apenas a casa
precariamente respeitados. própria autoempreendida permite que a família
possa, com segurança, incorporar trabalho e
A obtenção da casa própria representou uma recursos para remoldar e melhorar permanen­
das poucas oportunidades que os trabalhadores temente o espaço físico, de modo a fazê-lo refletir
de baixa renda tiveram para garantir uma e expressar o cotidiano familiar enquanto que.
segurança pessoal e familiar mínima no incerto na casa de aluguel ou cedida, o mais comum é a
futuro em que a previdência social funciona família ter que se amoldar ela própria, isto é,
pessimamente, em que as formas de poupança seus hábitos, costumes e modo de morar, assim
monetária significam perdas em valor real e em como seus objetos, a cada moradia que consegue
que inexiste (legal ou informalmente) obter. Isto explica também porque uma camada
estabilidade habitacional. Num estudo histórico bastante significativa da população de baixa
sobre a habitação no momento da emergência renda prefere a casa autoempreendida à casa
do modelo periférico parece necessário respon­ própria padronizada em conjunto habitacional
der, com distanciamento, à pergunta: afinal qual produzido por empresas governamentais.
foi o futuro dos autoempreendedores da casa
própria dos anos 40 e 50? Ao se estabelecer um padrão em que o gasto
com moradia não é mais uma despesa corrente
Os dados analisados permitem afirmar que, de sobrevivência, mas um investimento cujo
com certeza, a possibilidade de melhoria de suas objetivo é formar um património, a angústia do
condições de vida e de progresso de sua família inquilino torna-se ainda maior: mesmo tendo
foram muito maiores do que a dos que dispêndios monetários significativos para se
continuaram morando em casas de aluguel. É abrigar (embora mecanismos como a Lei do
por isso que desde então, e até agora, a aspiração Inquilinato tenham sempre atuado para reduzir
de todo trabalhador é obter a casa própria, este valor), nunca consegue materializar num
viabilizada apenas pelo processo do bem de grande valor, como é uma casa, o esforço
autoemprendimento. da família ao longo da vida. Como afirma um
morador em casa própria na zona sul: “aluguel
cê paga todo mês e depois não tem nada." (Bonduki
É certo que, como vimos, a crise de habitação
1986:5).
impôs ao trabalhador nos anos 40, quase que
compulsoriamente, a busca do lote periférico,
quando talvez ele não optasse por esta O horizonte da família trabalhadora e de seu
alternativa se tivesse outra. No entanto, à chefe, que tem trabalhado pesadamente em
medida em que se estabelece uma estratégia de condições de grande precariedade, somente se
torna menos tenebroso se for vislumbrada a

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A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoempreendlmento da Moradia Popular

I
( obtenção de alguns resultados ao longo de uma fora do seio doméstico, os trabalhadores passam
vida de privações. Estes resultados, nas con­ a reproduzir o padrão conservador e pré-urbano
dições históricas que contextualizaram a vida da de habitação e organização familiar. A casa
í classe trabalhadora no Brasil a partir dos anos própria autoempreendida foi o núcleo central
30, só puderam ser a obtenção da casa própria e deste modelo; a vida da família passou a girar I
< a boa criação e educação dos filhos. Casa própria em torno da sua concretização, que se, por um
e filhos bem colocados, que de preferência já lado, absorvia todos os recursos monetários, |j
I possam sair casados da casa paterna para sua tempo e energia disponível, por outro, tornou- !
I casa própria e ingressar em condições se a grande conquista do trabalhador, a
privilegiadas na força de trabalho, surgirá como recompensa que o fazia sentir-se vencedor.
I a aspiração máxima da família trabalhadora no
plano da vida privada, neste período. A casa representava a segurança de ter e de

O modelo, sob todos os pontos de vista,


não perder o abrigo; a garantia de morar, a médio
prazo, praticamente a custo zero; de auferir
I
concretizou o sonho dos defensores e ideólogos alguma renda extra com a sublocação de
da casa própria individual dos anos 30 e 40. cômodos no lote; a possibilidade concreta de se
assim como os planos de uma vertente de entesourar, acumular - o que não significa
I pensamento sobre a questão habitacional do enriquecer mas dispor de um bem de grande
I getulismo. ligada ao Ministério doTrabalho, que valor relativamente ao preço pago ao trabalho
l julgava importante a difusão da propriedade assalariado; permitia, ainda, amoldar a moradia
entre os trabalhadores para melhorar suas aos desejos da família, incorporando trabalho e
condições de vida e manter a ordem social, como recursos que se cristalizam num bem que se
I vimos no capítulo 2 (Araújo 1942. Porto 1938, valoriza inteiramente em favor do seu morador-
etc). Mas a casa própria autoempreendida surgiu proprietário, ao contrário do que ocorria no
praticamente sem a interferência ativa do Estado mundo do trabalho, onde parte significativa do
e dos educadores sociais, como fruto de práticas
desenvolvidas à margem do poder público, por
loteadores e. sobretudo, pela própria população.
seu produto era apropriada pelo patrão.

Enfim, a casa própria dava consistência à


i
formação do lar, território da vivência cotidiana
O modelo habitacional resultante tem raízes
claramente conservadoras e pequeno-
burguesas, tanto a nível político mais geral,
da família como unidade da sociabilidade básica
da sociedade. Neste espaço podia-se gerar e criar
os filhos, aconchegá-los e mantê-los longe das
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como a nível micro-político, no plano da convivências perniciosas e perigosas das ruas;
concepção da organização da vida privada. Esta guardar os objetos, acúmulo de bens que a
passa a girar em torno da família nuclear, sociedade de consumo em formação estava
consolidada, monogâmica e reprodutora dos impingindo através da geração de novas
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valores morais tradicionais, concretizando um necessidades; abrigar a velhice quando o
modo de vida individualista, voltado para dentro mercado de trabalho nada mais oferecesse ao
da família, pobre de relações sociais e que acaba trabalhador; situar a mulher no seu papel
por gerar um espécie de “self-made man”, muito convencionado de “rainha do lar”. Uma casa que
pouco aberto a processos coletivos de podia crescer por etapas, como a família crescia,
organização e participação. melhorar à medida que a situação económica
fosse mais confortável, ficar “mais perto”, com
Assim, frente às condições concretas de a expansão da cidade.
moradia e sobrevivência cotidiana numa
metrópole como São Paulo - cada vez mais Se para os mais ricos a casa própria pode ser
agigantada e oferecendo cada vez menos importante por aspectos simbólicos e subjetivos,
estímulo ao desenvolvimento de uma vida como satisfação própria, garantia de estabilidade
socializada e de soluções para a sobrevivência e criação de um ambiente físico doméstico
-
A Habitaç&o por Conta do Trabalhador: Emergência do Autocmprccndimcnto da Moradia Popular

compatível com o gosto, status social e cultural um conjunto amplo de fatores muito mais amplo
das famílias, para os pobres, além destes do que os salários, que possibilita a realização
elementos, que também estão presentes, as do projeto da casa própria e de seu maior grau
condições de sobrevivência exerceram um papel de melhoramento.
decisivo na opção pela casa própria. Ela se
tornou o refúgio seguro frente às incertezas que O papel simbólico que a casa passa a exercer,
o mercado de trabalho e as condições de vida nestas circunstâncias, como expressão do
urbanas reservam ao trabalhador que vai fracasso ou sucesso familiar, é evidente,
envelhecendo. Se alguma riqueza os pobres têm, tornando-se na velhice, ao lado do desempenho
eles certamente a depositam na casa e parece profissional, económico e educacional dos filhos,
lógico que seja assim. a fachada de toda a vida do trabalhador.

Ao contrário de todos os outros bens de Por isso, no período em estudo, quando a


consumo duráveis ou correntes, a moradia - terra era disponível nas condições apresentadas,
particularmente a casa própria - não pode ser mesmo os segmentos de renda mais baixa
analisada estabelecendo-se uma correlação acabaram viabilizando o acesso a casa própria e
direta entre qualidade ou “quantidade” do bem esta acabou se tornando uma aspiração
consumido e a maior ou menor disponibilidade generalizada entre a classe trabalhadora.
de renda, em momentos específicos em que esta
é auferida. Na habitação se cristalizam não
Análise que realizamos em um levantamento
simplesmente as condições de remuneração de
amostrai realizado pelo Dieese em 1981. na
um momento específico da vida do trabalhador
Região Metropolitana de São Paulo, (Bonduki
e dos outros membros engajados no mercado de
1986), mostrou que a obtenção da casa própria
trabalho, mas principalmente o resultado
entre as famílias de baixa renda (ou seja, que
indivisível de toda a vida da família.
recebiam menos que um salário mínimo do
Dieese), foi muito alta, correspondendo a 48%
O estudo das condições habitacionais do total. E o mais importante: o estudo revela
referenciado na renda e tipologia familiar não que ocorreu um progressivo processo de busca
deixa margem à dúvida: a moradia própria acaba da casa própria a medida em que o trabalhador
por se tornar o resultado do conjunto do esforço envelhece. Assim, enquanto apenas 7.4% dos
familiar ao longo de toda a vida, onde exercem casais jovens (de 18 a 34 anos), sem filhos,
papel determinante um amplo conjunto de possuiam casa própria, quanto mais velhas eram
aspectos que extrapolam em muito a renda as famílias maior é esta porcentagem, que chega
familiar. Este esforço expressa, entre outros, a a atingir, entre os chefes de famílias de mais de
coesão familiar, a habilidade de obter o apoio de 50 anos de baixa renda, o índice de 76%.
parentes e amigos, a capacidade de poupança e
sacrifícios, de superação das crises familiares e
A análise mostra também, de modo empírico,
das doenças, de abdicação dos pequenos prazeres
o que é visível a olho nu em todas as periferias
e facilidades da vida urbana, de realizar um bom
mais antigas: o progressivo processo de
gerenciamento das contas domésticas, de fazer
melhoramento da casa e do bairro à medida em
bons negócios na compra do terreno e dos
que o trabalhador e seu loteamento envelhecem:
materiais de construção, de atrair amigos,
enquanto entre as famílias jovens de baixa renda
colegas, parentes ou profissionais informais para
49% das casas são precárias, entre os mais
ajudar na construção, de inserir-se
velhos esta porcentagem cai para apenas 22%.
satisfatoriamente no mercado de trabalho, Os dados mostram, portanto, que ocorreu um
enfim, a oportunidade de alcançar sucesso como
processo de melhoramento acentuado nas
fruto de diferentes arranjos e expedientes de
moradias via incorporação, à casa, de recursos
organização da vida cotidiana de trabalho e
e trabalho.
sobrevivência. É este sucesso, como resultado de

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A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoempreendimento da Moradia Popular

Como vimos, neste levantamento de 1981, tância crescente em relação ao ambiente


I dos trabalhadores de baixa renda com mais de doméstico, familiar e individual, o modelo
50 anos. 76% obtiveram a casa própria e 78% habitacional que se desenvolveu no maior e mais
ocupam moradias pelo menos razoáveis. Como moderno centro industrial do país caracterizou-
I quem tem 50 anos ou mais em 1981, ingressou se por uma concepção tradicional e conser­
na força de trabalho na década de 1940 e vadora de modo de vida e de morar.
constituiu família entre os anos 40 e 60
1 podemos, sem possibilidade de errar, afirmar que A habitação moderna, onde o trabalhador e,
I a grande maioria dos trabalhadores do período principalmente, sua mulher deveriam ficar
estudado conseguiu resolver satisfatoriamente liberados dos serviços domésticos para poder
I seu problema de habitação, com as evidentes participar, no seu tempo livre, de atividades
limitações presentes no modelo periférico. Pode- culturais, recreativas e políticas que a vida
se afirmar, portanto, que os trabalhadores que urbana possibilita, inexiste. Nas periferias
ingressaram na aventura periférica dos anos 40 convive-se cotidianamente com casas perma­
-I e 50 foram bem sucedidos, representando um nentemente em construção, materiais amon­
segmento social que. de alguma maneira toados nas calçadas, fins de semana ocupados
progrediu ao mesmo tempo em que a economia na edificação, manutenção, melhoramento e
paulista se expandia e se industrializava. Isto reforma da casa. Como o trabalho do
não quer dizer que viviam de modo compatível h
autoempreendimento está alicerçado na contra­
com o que requer uma vida urbana contempo­ prestação de serviços, além do envolvimento na
rânea. própria casa, o morador acaba por participar da
I construção de várias outras, num processo que
i Ao contrário do que acreditavam os o envolve por anos, transformando-se numa
arquitetos modernos brasileiros dos anos 40 e prática cultural e de sociabilidade na periferia,
50. que viam na habitação do operário industrial sempre em torno da casa.
um espaço cada vez mais socializado, onde os
equipamentos coletivos passariam a ter impor- Assim como a casa própria tornou-se um
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CONDIÇÃO DE OCUPAÇÃO DA MORADIA SEGUNDO O MOMENTO DO CICLO EAMILLAR


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(Famílias com Renda Inferior ao Salário Mínimo do DIEESE)

Alugada Própria Cedida Favela i

Casal sem filhos, 18/34 anos 61,2 7,4 23,9 7,5


Casal com filhos, 18/34 anos 42,5 35,2 8,8 13,6 I
Casal com filhos, 35/49 anos 28,9 57,6 4,6 8,8
Casal com filhos, + 49 anos 20,7 68,1 11.3
Casal sem filhos, + 49 anos 12,2 76,1 10,8 0,9
TOTAL 32,7 48,6 9,3 9,4

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A Habitação por Conta do Trabalhador: Emergência do Autoempreendimcnto da Moradia Popular

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Na primeira década cresce a casa do proprietário; depois, a casa a ser alugada ou cedida. Aqui,
um caso raro onde a frente da segunda casa é edificada depois da conclusão da primeira.

bem indispensável à afirmação e ao sucesso da Nada é mais significativo desse modo de vida
família, esta passou a viver em volta da moradia, do que a observação do tempo livre dos
como se ela fosse um troféu. Inicialmente paulistanos - que majoritariamentc edificaram
sacrificando-se para obtê-la, passando o tempo suas casas desta forma. Dentre as formas de
livre para construí-la, num processo que podia divertimento mais utilizadas, sobretudo na
durar anos; depois criando, junto ao lar, um periferia, destacam-se o rádio, a televisão e a
modo de vida, um cotidiano sempre ambientado visita a parentes, atividades que se desenvolvem
em torno do ambiente doméstico. basicamente dentro do território família/lar. Isto
ocorre devido as próprias características da

Completada a casa-padrão (sala, cozinha e dois quartos), o proprietário parte para a edificação
da segunda casa, compartilhando o banheiro externo.

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A primeira casa é edificada nos fundos; a seguir, é construída a casa principal.

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periferia, como a baixa densidade, as este modelo conservador. Esta situação
I dificuldades de transportes, sempre lentos, transforma a moradia no cenário privilegiado da ÍH
I precários e caros, o medo da violência urbana, sociabilidade do trabalhador, volta-se para
a ausência de equipamentos de lazer e cultura dentro da casa como em busca de sua identidade.
bem equipadas, o isolamento da habitação
unifamiliar em loteamento e a inexistência de
estratégias comunitárias para compartilhar
problemas e alternativas de lazer e convivência
- salvo a ação das igrejas que, em geral, reforçam

O lote é todo ocupado por três casas; banheiro comum no fundo indica presença de "casas” de aluguel.

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A HabltaçAo por Conta do Trabalhador: Emergência do Autocmprccndimcnto da Moradia Popular

A Habitação por
Conta do Trabalhador

O sucesso do modelo de moradia popular últimos 50 anos. Isto significa uma quantidade
desenvolvido na periferia possibilitou a trans­ descomunal de recursos que foram incorporados
ferência do encargo de produzir a habitação do ao processo de produção social, sem nenhum
setor privado para o Estado e o próprio investimento estatal ou capitalista privado. A
trabalhador, sem que o poder público tenha quantificação destes recursos e do impacto desta
necessitado investir de modo significativo neste produção na economia paulista e brasileira
setor, pelo menos no período em estudo. precisa ainda ser melhor estudada, sendo certo
que sua contribuição para o crescimento da
A enorme quantidade de terra disponível economia foi importantíssimo.
para o assentamento popular no entorno da
cidade foi, certamente, a razão mais forte para
garantir este sucesso. Graças a esta disponi­
bilidade. o processo de expansão periférico pôde
se alastrar sem limites, pelo menos até os anos
70, garantindo novas e novas áreas de
loteamentos onde, através dos mesmo processo
descritos, a população de baixa renda pode COMPREI ESTE TERRBvO
acessar ao lote padrão popular. O pequeno u/níL nvt/xi/ia,
número de favelas em São Paulo até os anos 70
é um índice da enorme capacidade de absorção
deste modelo. HOJE WLE UMA F0RTIJNA1
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Frente à reduzida expressão quantitativa da M»«l ÍMR M
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uma intervenção importante do ponto de vista
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surgidas por iniciativa da própria população que


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O Jardim Umuarama, loteamento aberto em Osasco em 19 54, é um exemplo das melhorias que
as moradias e os bairros da periferia vão recebendo gradativamente com a incorporação de
i trabalho e poupança no único tesouro que o trabalhador consegue adquirir na vida: a casa própria.
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I este trabalho procurei estudaras origens da habitação social no Brasil, no quadro ■

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das profundas transformações no processo de provisão de moradia dos trabalhadores
ocorrido entre os anos trinta e cinquenta.
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I Através do estudo das intervenções impulsionadas pelo governo brasileiro na era Vargas,
I vistas nos capítulos 3, 4 e 5, foi mostrado como o Estado, ao regulamentar a relação
I proprietário/inquilino com objetivo explícito de proteger o inquilino, atuou no sentido de
I destruir as regras no mercado de locação habitacional, desestimulando o investimento
imobiliário. Por outro lado, o Estado passou, ele mesmo, a produzir ou financiar a produção
habitacional, assumindo a questão como parte da ação pública sem, entretanto, viablizar uma
edificação massiva de moradia, capaz de atender ao crescente processo de urbanização do país
destas décadas. Assim, indiretamente, a ação governamental contribuiu para o surgimento
ou crescimento de formas não capitalistas de produção da moradia, como o autoempreendimento Ií
em loteamentos periféricos, favelas e outras formas de assentamentos espontâneos que, talvez
de forma imprevista, acabou por realizar um outro objetivo do Estado no período, ou seja, a
difusão da pequena propriedade .

A ação governamental de Vargas no campo habitacional pode ser vistas como parte das T
iniciativas tomadas pelo governo no sentido de proteger o trabalhador, onde se destaca a
regulamentação das relações de trabalho - conhecida como a legislação trabalhista. Bastante
estudadas nos seus múltiplos aspectos, esta legislação beneficiou basicamente os trabalhadores
assalariados regularmente registrados, dentro da lógica “quem tem ofício, tem benefício"
(Gomes 1988:189). Mas a ação social impulsionada por Vargas não se limitou apenas às leis
trabalhistas e este trabalho busca mostrar que a ação no campo de moradia constituiu-se numa
outra importante intervenção estatal que visava “proteger" o trabalhador do mercado e
enfrentar a questão social.

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A intervenção na habitação seria, portanto, uma importante faceta do tratamento que o
Estado passou a dar à questão social, transformada por Getúlio, principalmente no período do
Estado Novo, na grande marca distintiva e legitimadora dos acontecimantos políticos do pós-
30 (Gomes 1988). Embora as análises que estudam esta questão secundarizem a questão
habitacional, dando destaque para temas muito mais conhecidos e importantes, como as leis
trabalhistas, a criação da Justiça do Trabalho e a Previdência - e, no âmbito desta, da emergência
da medicina social - entendo que as iniciativas tomadas no âmbito da habitação tiveram um
impacto significativo na criação de uma imagem do Estado protetor, preocupado com as
condições de vida dos trabalhadores e com a questão social.

De certa forma, o próprio Estado Novo menosprezou a importância de algumas medidas


tomadas por ele mesmo, neste campo, levando os investigadores a se desviarem do assunto.
Gomes, por exemplo, ao mostrar como o Estado Novo construiu a imagem de Vargas como o
“pai dos pobres”, que se antecipa aos conflitos e às reivindicações doando uma legislação de
proteção aos trabalhadores, apenas se refere, na área da habitação, à Liga Nacional Contra o
Mocambo, cuja ação estava limitada ao Recife, e aos programas de construção de casas populares
promovidos pelos Institutos e Caixas de Pensões (Gomes 1988:264). Omite, não por acaso, a
intervenção mais importante, o congelamento dos aluguéis, medida que beneficiava - ao menos
aparentemente - a grande maioria dos trabalhadores brasileiros. A omissão é consequência da
falta de importância dada à questão pelo próprio Estado Novo, que não enfatizou a Lei do
Inquilinato no discurso oficial.

Sem dúvida, a construção de grandes conjuntos habitacionais ou, utilizando a própria


expressão deVargas, as “Cidades Modelos”, onde se articulassem iniciativas globais de proteção
aos trabalhador (habitação, saúde, educação, recreação etc), era a imagem que o governo buscava
transmitir como a ação exemplar na área da moradia. Daí a importância da arquitetura destes
conjuntos, pois pouco importava nesta estratégia a quantidade total de unidades construídas;
o exemplo, a imagem física, a fotografia, o discurso da inauguração é que valia, servindo para
a propaganda oficial.

A ausência de um discurso articulado sobre a ação governamental na área da moradia


mostra, uma vez mais, que, embora a linearidade da análise aqui realizada possa dar a impressão
de que tenha existido uma política habitacional planejada e deliberada, plenamente articulada
com a política económica, de forma alguma isto ocorreu. O que existiu foram ações isoladas,
movidas por objetivos específicos, que, promovidas no âmbito de uma mesma lógica geral que
caracterizava o regime e o modelo económico que estava em implantação, dão a aparência de
serem articuladas.

Esta evidência não obscurece, portanto, o fato de que existiram pressupostos de ordem geral
que orientaram a ação governamental na área habitacional, como a intervenção do Estado no
mercado, a busca por reduzir o custo de reprodução da força de trabalho, o desenvolvimento de

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serviços públicos na esfera de consumo coletivo, o estímulo à difusão da pequena propriedade,
a penalização dos rendimentos improdutivos, a concentração dos investimentos na montagem
i do parque industrial brasileiro e a elevação da questão social e da massa trabalhadora urbana
I como fontes de legitimação do regime. Estes pressupostos, ao orientarem ações específicas * 1
-4 desarticuladas entre si, emprestaram certa racionalidade e estruturação à intervenção,
principalmente quando analisada com o distanciamento necessário para que seus efeitos tenham
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gerado resultados concretos. ’ i

I Assim, foi mostrado como esta intervenção foi excepcionalmente conveniente ao processo ■

de transformação de estrutura produtiva no país, que realizava neste período um esforço dirigido
I para impulsionar a industrialização, requerendo capitais e mão de obra barata. Ao limitar os
valores dos aluguéis, produzir ou financiar a produção de moradias com subsídio público e
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facilitar a difusão da pequena propriedade, através da proliferação de soluções habitacionais de
baixíssimo custo, baseadas no autoempreendimento ou autoconstrução, o Estado possibilitou
uma queda no custo da habitação para o trabalhador, possibilitando redução do salário urbano,
1 ao mesmo tempo em que liberou recursos que normalmente se dirigiriam ao setor imobiliário,
4 estimulando o investimento e a acumulação industrial.
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E certo que as ações específicas ligadas a intervenção habitacional não foram tomadas de
forma articulada e deliberada; no entanto, o sentido geral das políticas governamentais gerou
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iniciativas que foram se combinando ao longo de todo este período de modo a gerar um processo
que guarda lógica e racionalidade: a transferência para o Estado e para o próprio trabalhador
do encargo de mobilizar recursos e mecanismos para produzir a habitação, liberando os
investimentos privados. Desta forma, a habitação, principalmente dos setores de renda mais
baixa, deixou de ser produzida em moldes tipicamente capitalistas, passando a ser considerada
uma questão social, esfera da ação do Estado.

A incorporação do problema habitacional como uma questão social, como um problema do


Estado, deu-se, entretanto, de forma ambígua. Ao mesmo tempo em que o Estado buscou
promover através da FCP e, principalmente, dos lAPs uma espécie de welfare State fora de li
lugar, desenvolvendo uma série de realizações sociais, entre as quais habitação, propagandeadas
como demonstrações de que o Estado protegia o trabalhador, o direito à moradia nunca não *
chegou a ser reconhecido para todos os cidadãos.

A estreiteza da produção pública, aliada a mecanismos paternalistas no pagamento, tornou


um privilégio a obtenção de uma moradia construída pelo Estado, situação que contribuiu
fortemente para a montagem de esquemas políticos baseados no corporativismo, clientelismo
e tráfego de influência.

Ao contrário de outras políticas sociais, como a educação e a saúde, que tornaram-se um


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serviço público e, gradativamente, um direito universal, pelo menos na lei e no discurso, a

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trabalhador que, ganhando pouco, morava mal, de modo individual, isolado, sem um convívio
coletivo, em casas que ele mesmo construía em terreno de sua propriedade, ainda que precária.
Mas que representava a única possibilidade de entesouramento que ele dispunha, dando-lhe a
impressão, falsa ou verdadeira, de ascenção social, alcançável desde que estivesse imbuído da
ética do trabalho de sol a sol. Atrasado ou moderno, pouco importava: o que valia era a
funcionalidade, para o capital epara o trabalho, desta “solução”, quepredominiou enquanto o
país, puxado por São Paulo, apresentou altíssimas taxas de crescimento económico.

Esta “solução” ou modelo que se difundiu foi exatamente a que o arquiteto Attílio Corrêa
Lima chamou de arcaico, que “lembra o pijama e o chinelo do domingo”, o da casa indi­
vidual, onde o quintal continuava sendo um “terreiro sórdido”, mas, em contrapartida, fonte
do único entesouramento que o trabalhador podia alcançar através do trabalho, aliás não
capitalista.

Como o Estado Nacional de Vargas voltava-se para uma política de amparo ao trabalhador
baseado na idéia de que o progresso e a civilização seriam um produto do trabalho, nada podia
ser mais importante do que a transformação de cada trabalhador num pequeno proprietário.
Este sim é o novo homem que o regime começou a forjar.

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Hoje - Jornal do Povo a Serviço da Democracia

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Arquitetura e Urbanismo
O Malhete - órgão maçónico independente
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O Operário Boletim do Departamento Estadual de Trabalho

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Projeto Gráfico: André Stolarski ‘I


Impressão: AlphaGraphics AGBR 003 e AGBR 008 .t
Impressora: Xerox Docutech 9500, 600 DPI
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Famílias tipográficas: Photina 10/12,12/18 e Gill Sans Extrabold II
Sistema: 486 DX 33

r Softwares: Aldus Pagemaker 5.0 e Adobe Photoshop 2.5

Esta tese foi editada entre os meses de novembro e dezembro de 1994.


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Origens da habitação social no Brasil

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