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São Leopoldo
2017
AFONSO JORDÃO DE LIMA
São Leopoldo
2017
1
A minha mãe e meu pai, por terem acreditado em mim, sempre
2
AGRADECIMENTOS
3
"We don't make music - it makes us."
(David Byrne)
4
RESUMO
5
LISTA DE FIGURAS
6
LISTA DE SIGLAS
7
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9
2 OS MODELOS DE CONSUMO DE MÚSICA DIGITAL E O PROCESSO DE
DIGITALIZAÇÃO DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA ................................................ 14
2.1 O DOWNLOAD E O INÍCIO DA MÚSICA DIGITAL ............................................ 14
2.2 A EVOLUÇÃO DA MÚSICA DIGITAL ATRAVÉS DO STREAMING .................. 20
2.3 O STREAMING E O NOVOS FORMATOS DE DISTRIBUIÇÃO E
LANÇAMENTOS ....................................................................................................... 23
3 OS SELOS INDIE NO MERCADO DA MÚSICA DIGITAL .................................... 33
3.1.O QUE SÃO E QUAIS SÃO AS CARACTERÍSTICAS DOS SELOS INDIE ....... 34
3.2. OS MEIOS DIGITAIS NO MODELO DE ATUAÇÃO DAS INDIES..................... 40
3.2. OS SELOS INDIE E A TRANSIÇÃO DOS MODELOS DE CONSUMO DIGITAL
................................................................................................................................... 47
4. ESTUDO DE CASO DO SELO SINEWAVE ......................................................... 52
4.1 METODOLOGIA .................................................................................................. 52
4.2. A ESCOLHA DO CASO E A SUA RELEVÂNCIA .............................................. 55
4.3. ENTREVISTA COM ELSON BARBOSA ............................................................ 56
4.4 ANÁLISE E DISCUSSÃO .................................................................................... 69
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 75
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 78
8
1 INTRODUÇÃO
9
Alguns anos após o surgimento do iTunes e de diversas outras plataformas
de venda de música digital, começaram a chegar ao mercado fonográfico os
primeiros sites de streaming de música, que traziam a promessa de não mais baixar,
mas sim transmitir os dados dos álbuns e músicas selecionados pelo usuário
(RECUERO, 2010). Esse modelo fez com que os consumidores pudessem pagar
mensalmente para usufruir de uma extensa biblioteca ao invés de pagar apenas por
um produto específico, como um álbum ou uma música. Com esse novo modelo, o
mercado sofreu mais algumas mudanças importantes, em que grande parte das
gravadoras e artistas lentamente começaram a entender e se integrar a elas. Já o
consumidor, por outro lado, estava em um processo de migração bem mais veloz,
fazendo com que os produtores e gravadoras tivessem que encontrar, na parceria
com serviços de streaming, uma forma de pensar em novas possibilidades de atingir
esse público.
Essas mudanças do mercado fonográfico impactaram não apenas nos
formatos de consumo da música, mas também influenciaram em como os artistas
lançavam seus discos e como as empresas operavam com os novos meios de
distribuição. Muitos artistas começaram a concentrar o seu fluxo de distribuição para
os serviços de streaming, diminuindo sua prensagem física e canalizando as suas
forças em estratégias de divulgação capazes de levar os seus fãs para esse meio.
No mercado, as distribuidoras que faziam parte do processo de lançamento dos
materiais junto às gravadoras começaram a abrir setores especializados na
distribuição digital, criando novas vias entre artista, gravadora e plataforma de
streaming. Grande parte desse processo iniciou o molde de um fenômeno
extremamente importante dentro do contexto do consumo de música digital na
atualidade, que são os efeitos da transição do modelo de consumo do download
legal para o de streaming, em que não só a forma como a música é consumida e
distribuída foi alterada, mas também como toda a indústria fonográfica, em suas
muitas camadas, se comporta em relação a isso, trazendo grandes possibilidades de
análises para esse processo.
Observando essas diferentes camadas do mercado fonográfico, encontram-
se atores de menor expressão, responsáveis por desenvolver uma cadeia produtiva
independente de gravadoras, mas que é capaz de sustentar um volume considerável
10
de microambientes produtivos e consumidores de grande relevância para análise.
Grande parte desse cenário é formado, atualmente, por conglomerados de bandas
que são definidos como selos, uma espécie de organização montada, muitas vezes,
pelos próprios músicos dos grupos participantes, para auxiliarem-se mutuamente na
distribuição, agendamento de shows e organização, fazendo com que a sua atuação
seja potencializada através do trabalho em conjunto.
Por meio dos selos, a música produzida e consumida em pequena escala,
consegue chegar ao nível de produção dos grandes players de mercado,
funcionando através de uma estrutura composta por diversos processos originários
da indústria fonográfica tradicional, mas aplicados de forma mais livre e, como o
próprio nome define, independente.
Tendo este contexto como base de nossas observações, o objetivo geral
deste trabalho é de entender como os microambientes formados pelas indies1, em
sua maioria nascidas em meio à revolução digital, estão se adaptando às inúmeras
mudanças ocasionadas pela passagem do modelo de download para o de
streaming.
Observando os selos independentes brasileiros, escolheu-se como principal
objeto empírico de pesquisa o selo Sinewave de São Paulo/SP, pode-se fazer um
recorte interessante das principais mudanças que esses tipos de conglomerados de
produção tiveram durante a transição de modelos de distribuição e consumo de
música na internet, principalmente por serem agentes que nasceram durante o
surgimento da música digital.
A escolha pela gravadora Sinewave se dá pelo fato de tratar-se de uma
organização que, desde 2008, se define como um selo digital e que vem
acompanhando as constantes mudanças existentes nesse mercado. A partir da sua
fundação, todo o seu catálogo já estava disponível para download e, em 2016,
começou a ser distribuído em plataformas de streaming pagas, como Spotify e
Deezer. Isto ocorreu por conta de alterações de consumo e distribuição que o selo
identificou durante o seu tempo de atuação de mercado e que acabam se tornando
1
Segundo Paludo (2010), as indies são grupos que se organizam em um formato de mini gravadoras,
desempenhando diferentes papéis que uma gravadora de grande envergadura pode oferecer para
um artista. A principal diferença da indie para uma major, é o seu tamanho, alcance, poderio
financeiro e também catálogo de artistas.
11
características relevantes de análise dentro do objetivo de entender as mudanças no
mercado de música independente na transição entre os modelos de distribuição
através de download e streaming.
Dentre os objetivos deste trabalho, destacam-se: (a) entender o que é o
download e o streaming, e qual o papel do streaming no modelo de distribuição da
indústria fonográfica atual; (b) compreender o que são e como se organizam os
selos independentes no contexto de transição entre os modelos de distribuição de
música digital; (c) explorar os efeitos, em termos de alcance e monetização, da
migração dos selos independentes do download ao modelo de distribuição por
streaming.
O desenvolvimento desta pesquisa parte do problema inicial de entender se
houveram mudanças entre as formas como os selos distribuem sua música dentro
do cenário independente e também como o público consome esses produtos. Além
disso, caso tais mudanças tenham, de fato, acontecido, questiona-se quais foram as
principais mudanças e como elas estão influenciando no mercado fonográfico como
um todo. Se estão presentes apenas dentro desse recorte dos selos indie, ou se são
parte de um movimento maior relacionado à indústria fonográfica em geral.
Assim, considera-se que esta pesquisa é relevante não só pelo entendimento
de um fenômeno de transição que é recente e extremamente rápido, mas também
pela minha ligação com muitos dos atores que fazem parte desse cenário e que
consomem e produzem dentro desse nicho. Meu trabalho através de um site de
música focado na produção independente e com uma plataforma de gestão de
shows para produtores indie, faz com que o levantamento desses dados seja uma
forma de entender com maior precisão como esses fenômenos tecnológicos
influenciaram em cada ponta dessa cadeia, tanto em relação a quem faz os shows e
distribui os álbuns, como também com quem vai até as apresentações e adquire
esses discos.
Para contemplar cada etapa dos objetivos propostos, a pesquisa apresenta-
se em momentos históricos e conceituais distintos, divididos em três capítulos. Inicia-
se com o histórico do download e do streaming, passando pela conceituação do que
são os selos indies e como estão organizados dentro do mercado fonográfico digital,
12
até chegar na metodologia empregada para a análise dos dados e também à
pesquisa semiestruturada realizada junto ao selo Sinewave.
No primeiro capítulo, autores como Lévy (1996), Witt (2015), Anderson
(2006), Vladi (2010), Santini (2009), Castro (2005), Coutinho (2008), Silva (2016),
Cortez (2014), além de dados reunidos de empresas de pesquisa da área, foram
escolhidos para embasar a apresentação de alguns conceitos centrais para o
entendimento do cenário que pretendemos mapear, como, por exemplo, o
significado de termos como “virtual” e “ciberespaço”, além de tratar também sobre
diferentes modelos de consumo e distribuição, sobre o histórico do surgimento do
MP3 e sobre como este formato de áudio impulsionou o surgimento do download, e,
posteriormente, o streaming, causando enorme impacto sobre o mercado
fonográfico após a transição dos formatos físicos para digitais.
O segundo capítulo tem como principal objetivo conceituar o que são os selos
independentes e como eles e o seu mercado estão reagindo às mudanças que as
transições de modelo estão impondo. Para explicar esse processo e caracterizar
esses pequenos conglomerados de artistas, são citados autores como Gohn (2006),
Paludo (2010), Jenkins (2008), Leadbeater (2004), Raguenet (2013), Rheingold
(1995) Dias (2010) e Toffler (2001), além de Anderson (2006), com o conceito de
Cauda Longa, e Castells (2001), com a Cultura da Internet, além de apresentar
informações provenientes de experiências pessoais relacionadas à minha
experiência com os selos, bandas e artistas.
Por fim, o capítulo três apresenta o estudo de caso do selo Sinewave. A etapa
final é composta pela análise descritiva (SELLTIZ et al, 1965) de dados de consumo
de download e streaming dos seus seguidores e uma entrevista semiestruturada
(LAVILLE & DIONNE, 1999) com um dos representantes da organização. A
abordagem metodológica que sustenta as análises nesta etapa é respaldada por um
conjunto de autores, dentre os quais Gil (2008), Yin (2001), Castro (1976), Laville e
Dionne (1999), Lakatos e Marconi (2001), Bruyne, Herman e Schoutheete (1997),
Vergara (2000) e Selltiz et al. (1965).
13
2 OS MODELOS DE CONSUMO DE MÚSICA DIGITAL E O PROCESSO DE
DIGITALIZAÇÃO DA INDÚSTRIA FONOGRÁFICA
2
Primeira publicação sobre música do mundo, atualmente atua, principalmente, como portal de
notícias via web.
3
Business Wire é uma empresa norte americana subsidiária da Berkshire Hathaway, que opera no
negócio de distribuição de notícias comerciais.
4
The Guardian é o jornal nacional britânico, fundado 1959.
5
Sigla para Federação Internacional da Indústria Fonográfica.
14
Em um âmbito geral, a “cibercultura” – isto é, a sinergia entre a esfera tecnológica
das redes de comunicação e a sociocultural – imprimiu um redimensionamento ao
mundo da música advindo das técnicas de compressão em arquivos de áudio
(LÉVY, 1999)6. Por esse motivo, pode-se considerar que o formato MP3 foi o grande
responsável pela transformação nos modos de distribuição e consumo de música
(CASTRO, 2007), além de um dos principais influenciadores desse
redimensionamento dos sentidos dados a música e ao cenário o qual ela está
presente. Isso se dá, principalmente, pelo fato dele potencializar a forma como os
indivíduos têm acesso e consomem esse produto através do seu formato mais
compacto e facilitado de armazenamento.
Segundo Stephen Witt (2015), o formato de música em MP3, surgiu na
Alemanha na década de 80, resultado de experimentos focados na compactação
dos arquivos de áudio digital. Após testes com diversos fragmentos de gravações,
os pesquisadores responsáveis pelo projeto conseguiram chegar a compactação de
12 vezes do arquivo, fazendo com que a música, que antes necessitava de grandes
volumes para armazenamento, agora pudesse ser compartilhada e distribuída
através das primitivas conexões de internet disponíveis na época. O
desenvolvimento desse formato abriu caminho para novas possibilidades de
compartilhamento de música na web. Com o MP3, discos completos eram
armazenados em computadores e facilmente distribuídos em fóruns e comunidades
totalmente desterritorializadas que se multiplicavam na rede.
6
LÉVY, Pierre. O que é virtual? 1ª ed. 1996. São Paulo. Editora 34. 1996.
15
1999, a palavra mais requisitada passou a ser o formato musical da Internet: o MP3
(WICE, 1998)7.
Grande parte dessa alta procura nos arquivos de música compactados, se
teve pelo desenvolvimento de plataformas que instrumentalizaram a prática da troca
de arquivos de MP3 na internet, tendo como uma das principais precursoras desse
movimento o serviço norte-americano Napster8, fundado em 1999 por Shawn
Fanning e Sean Parker. A plataforma digital permitiu as primeiras ações de
compartilhamento através do P2P, ou peer-to-peer (ponto a ponto, em livre
tradução), uma rede de computadores que compartilham arquivos pela internet.
(FURTADO, 2012)9. Em pouco tempo, essas comunidades já eram responsáveis por
movimentar milhões de arquivos de música de forma autônoma na web, mudando a
percepção do consumidor em relação ao consumo de música e ao papel da indústria
nesse cenário.
10
Sigla para American Financial Printing.
18
2005). Essa rápida mudança deu continuidade ao processo de alteração do mercado
e também criou novas vias de consumo e distribuição para as duas pontas da cadeia
que alimentam o cenário musical, o artista e o consumidor.
No decorrer dessas modificações, o mercado ainda teve grandes mudanças
em poucos períodos de tempo, ostentando um aumento de 6,9% nas vendas digitais
entre os anos de 2014 e 2015 (IFPI, 2015), mostrando que a indústria musical
estava, de fato, aderindo totalmente aos suportes digitais. Por outro lado,
acompanhando o processo de migração que ocorreu desde o surgimento do MP3
até os dias de hoje, as vendas físicas acabaram perdendo totalmente a força que
tinham antes da popularização do compartilhamento de música na internet,
chegando, no ano de 2016, a representarem apenas 39% do consumo de música no
mundo inteiro, ficando atrás, pela primeira vez na história, das vendas no mercado
digital (IFPI, 2016). Ao mesmo tempo que a comercialização na web ganhou espaço,
o modelo de download acabou ganhando outros concorrentes e se estabelecendo
como mais uma das opções de consumo de música na internet, perdendo, ano após
ano, pontos em seu percentual de relevância dentro do faturamento total da
indústria. Em 2016, segundo pesquisas da Federação Internacional da Indústria
Fonográfica, o formato de download, mesmo gerando grandes quantias para as
gravadoras, teve queda de 10,5% em relação ao ano anterior, baixa maior até do
que o mercado de venda física que, no mesmo ano, teve perda de pouco mais de
4% em seu total.
O download, dentro da sua evolução a partir do MP3, se estabeleceu com um
dos fenômenos de grande importância para a indústria fonográfica na história,
principalmente, por estabelecer novas maneiras de reprodução, distribuição e
consumo de música. Por esse motivo, o formato serviu como um dos primeiros
passos da cadeia produtiva da música no meio digital e também de contato inicial do
público com o consumo de música através da web. Esses processos, ligados às
evoluções tecnológicas e aos avanços das conexões de internet, proporcionaram
não só o surgimento de um novo mercado, mas também abriram caminho para
novas plataformas que começaram uma transformação nos processos que
compõem a cadeia musical como um todo.
19
2.2 A EVOLUÇÃO DA MÚSICA DIGITAL ATRAVÉS DO STREAMING
11
SHANLEY, Mia. Spotify monthly active user base reaches 100 million. Disponível em:
<http://www.reuters.com/article/us-spotify-users-idUSKCN0Z61FM>. Acesso em: 14 out. 2016.
20
A prática cada vez mais disseminada de escutar música em qualquer lugar
e a qualquer momento, mesmo durante a realização de outras tarefas como
trabalhar, estudar, cozinhar ou dirigir – para citar apenas algumas – faz com
que ouvir música seja um comportamento emblemático do contemporâneo.
(CASTRO, p. 30, 2005).
12
GARRAHAN, Matthew; BRADSHAW, Tim. Apple’s music streaming subscribers top 10m.
Disponível em: <https://www.ft.com/content/742955d2-b79b-11e5-bf7e-8a339b6f2164>. Acesso em:
14 out. 2016.
13
Serviço lançado em 2014 pela empresa sueca Aspiro e liderado por grandes figuras da música
mundial, como o rapper norte-americano Jay Z.
21
mobilidade já citada, outro conceitos agregados ao consumo de música, como o
papel de rede social de atividades e compartilhamento de música. Segundo Silva
(2016, p.5.), “as plataformas de música digital podem ser vistas como espaços
virtuais ou redes sociais musicais online, onde o objetivo central seja a divulgação,
compartilhamento e consumo musical”.
22
Não se trata, porém, de meros prolongamentos da atividade humana nos
ambientes pesquisados, uma vez que refinam as possibilidades de
compartilhamento por vizinhança musical ou rede de seguidores e, desse
modo, eles participam efetivamente dos processos sociocomunicacionais.
(CORTEZ, 2014, p.3)
Com esse cenário do uso do streaming como uma das principais formas de
consumo, ele se tornou não apenas uma referência nesse ponto, mas também em
receita para a indústria da música em geral, tendo um crescimento em 2015,
também segundo dados da IFPI, de 3,2% em relação ao ano anterior, representando
cerca de 19% de todo faturamento da indústria fonográfica no mundo. Em paralelo a
esse crescimento, outras formas de consumo digital acabaram tendo perdas em
relação ao streaming, assim como as vendas de material físico, que, como já
comentado, seguem um fluxo de decrescência se comparado aos novos formatos
desde o surgimento do MP3. Por outro lado, as opções que surgiram a partir da
digitalização da música fizeram com que, um dos grandes problemas do início desse
processo dado a partir do download, a pirataria, diminuísse se comparado ao
período anterior ao streaming. Uma pesquisa realizada em 2016 pela empresa
Kantar Media no Reino Unido, constatou que 80% do público entrevistado utilizava o
streaming para consumir música, apresentando um aumento se comparado ao
mesmo estudo realizado um ano antes, em que mostrava um percentual de 74%
(PAULO, 2016)14. Além disso, a pesquisa mostrou ainda que o montante de pessoas
que faziam o download de arquivos de música ilegal baixara de 12% para 10% em
relação ao outro ano (PAULO, 2016), mostrando que, mesmo de forma lenta, os
consumidores de música estavam não só alterando seus hábitos de consumo em
relação às plataformas, mas também aos formatos disponíveis na web.
14
PAULO, Guilherme . Serviços de streaming estão acabando com a pirataria no Reino Unido.
Disponível em:<https://www.tecmundo.com.br/pirataria/106875-servicos-streaming-acabando-
pirataria-reino-unido.htm>. Acesso em: 24 out. 2016.
23
dessas modificações foram impulsionadas pelo avanço do formato de streaming,
moldando a forma como os artistas trabalham, as gravadoras monetizam a partir
desse modelo e também em como o mercado se organiza em relação a música na
internet. Novos formatos surgiram para cada um dos pontos comentados e, alguns
deles, derivando de formas de trabalho e de organização que já eram utilizadas no
mercado de venda de música em formato físico, mas que, durante as múltiplas
transições de épocas, ganharam novas significações e ferramentas para adaptar-se
e reinventar-se diante as novas possibilidades da indústria fonográfica na era digital.
Entre as transformações que o mercado teve em relação a sua distribuição,
estão as novas estratégias de lançamento que muitos artistas acabaram utilizando
para que a sua música pudesse ter um maior alcance através das plataformas de
streaming. Nomes como Drake, Rihanna e Kanye West, cada um com pelo menos
uma música no top 50 da Billboard em 2016 (BILLBOARD, 2016)15, utilizaram
formas alternativas e serviços diferentes de streaming para lançar seus discos,
fazendo com que milhões de fãs tivessem que adaptar a sua forma de consumo
para ter acesso ao material lançado. No caso de Drake, segundo matéria de Steve
Knopper para a Billboard (BILLBOARD, 2016), o rapper americano teria fechado um
acordo de exclusividade com o player Apple Music para lançar seu disco Views
(2016). Entre os benefícios garantidos pela marca, o cantor teria apoio de marketing
e de distribuição para seu lançamento, com o intuito de utilizar a imagem do artista
para conseguir novos cadastros em sua plataforma. A parceria, segundo dados da
própria Apple, trouxe mais de 1 milhão de usuários para o Apple Music em apenas
uma semana (BILLBOARD, 2016).
Também segundo Knopper, a cantora Rihanna teria ganho um apoio de 25
milhões da marca de tecnologia Samsung para o lançamento de ANTI (2016),
juntamente com um acordo de exclusividade com a plataforma TIDAL, que reteve o
disco em seu domínio por semanas até que outros players pudessem disponibilizá-lo
para audição. Para lançar Life of Pablo (2016), Kanye West também escolheu
estratégias diferenciadas, oferecendo seu álbum para audição com exclusividade
também na plataforma TIDAL, retendo seu lançamento oficial para outros serviços
15
BILLBOARD. Hot 100. Disponível em: <http://www.billboard.com/charts/hot-100/2016-01-02>.
Acesso em: 27 out. 2016.
24
em quase um mês (BILLBOARD, 2016). A cantora Beyonce também acabou
lançando na mesma plataforma e obteve o resultado de 1 milhão e 200 mil novos
usuários para o serviço com seu disco Lemonade (2016) (BILLBOARD, 2016),
fazendo com que a base de ouvintes disponíveis aumentasse consideravelmente em
relação ao número total que o app somava antes desse evento.
18
FINCO, Nina. A era do streaming obriga músicos a mudar suas estratégias de lançamento: A nova
trilha do sucesso depende agora da capacidade de despertar a curiosidade dos fãs. Disponível em:
<http://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/05/era-do-streaming-obriga-musicos-mudar-suas-
estrategias-de-lancamento.html>. Acesso em: 09 nov. 2016.
26
de streaming, colocando à disposição o download apenas em formato pago,
normalmente em serviços como Bandcamp.
Essa prática de disponibilizar discografias gratuitamente através do streaming
ganha cada vez mais força na indústria da música. Colocar seu material em uma
plataforma de streaming pode gerar a oportunidade de ser visto por uma
comunidade de milhões de pessoas que se guiam através de recomendações do
próprio serviço, podendo levar bandas de pequeno alcance para playlists de
destaque dentro dessas plataformas. Um dos serviços que trabalha em cima desse
modelo é o Spotify, que continuamente oferece listas feitas por curadores da própria
marca e convidados, aumentando a possibilidade de circulações de álbuns que,
muitas vezes, estão restritos a determinado nicho de mercado. Também aparecendo
como um dos fatores pelos quais as plataformas de streaming estão sendo utilizadas
em grande escala pelo mercado fonográfico, são os dados demográficos que muitas
dessas ferramentas oferecem, indicando, por exemplo, quais são as localidades que
mais ouvem os discos da sua banda, quais músicas são mais ouvidas e quantas
audições o artista tem mensalmente (SPOTIFY, 2016). Com esses dados explícitos
de maneira clara, muitos desses atores citados, tanto de pequeno como de grande
porte, conseguem direcionar as suas ações promocionais, shows e planejamentos
de lançamentos, tendo mais uma fonte de dados para consulta no momento de
pensar em um novo produto.
27
Figura 4 - Spotify Insights na página do Spotify para artistas
Por outro lado, mesmo esses meios oferecendo ferramentas para auxiliar os
artistas a distribuírem suas músicas de uma formas mais prática e fornecendo
28
acesso a dados mais apurados sobre o seu público, a questão da remuneração por
parte desses serviços, ainda é vista com maus olhos por alguns artistas,
principalmente por não trazerem suas fórmulas de pagamento de forma mais clara
para quem os utilizam. Players como o Spotify dedicam ambientes abertos para o
público em seu site, a fim de explicar como remuneram os artistas que distribuem
sua música nesse ambiente. Por exemplo, segundo dados da própria ferramenta,
seu cálculo soma a quantia de dinheiro arrecadada no período de um mês, multiplica
pelos plays do artista específico, divide pelo número total de execuções de todas as
músicas que existem disponíveis e retira 30% do valor como taxa de utilização,
gerando ao final do cálculo a quantia que será destinada ao artista. O resultado
dessa fórmula são mais de 30 bilhões de dólares pagos para artistas desde que o
serviço surgiu (SPOTIFY, 2016).
29
sites, mas, segundo o site norte-americano Consequence Of Sound, o Tidal fica com
cerca de 25% de comissão dos valores totais arrecadados, diferente dos 30% do
Spotify (CONSEQUENCE OF SOUND, 2016), já os demais players acabam não
divulgando de forma tão explícita seus cálculos, mas, de acordo com a distribuidora
brasileira Tratore19 (TRATORE, 2015), eles utilizam uma base de cálculos
semelhante das demais, apenas tendo alterações em caso de fechamentos de
contratos diretos para lançamentos, como os casos já citados de Rihanna, Beyonce,
Drake e Kanye West. Outro fator que ainda aparece na remuneração do modelo de
streaming é a participação de empresas intermediárias de distribuição digital que
fazem a ponte entre artistas e plataformas, da mesma forma que acontecia durante
a época em que a indústria produzia discos e os enviava para as lojas físicas, mas
agora de forma virtual. Empresas como a já citada Tratore, como explica em seu
próprio site, cobram valores fechados pela distribuição de discos digitalmente, não
extraindo nenhum valor da quantia que é destinada ao artista após o cálculos feito
pela plataforma a qual ele será distribuído.
Essas formas de remuneração apresentadas pelos serviços ainda são novas
no mercado em relação às que já eram utilizadas anteriormente, como o download
pago e até a venda física, mas, aos poucos, se estabelecem como um modelo de
negócio comum para quem deseja disponibilizar sua música na internet. Além disso,
os números confirmam que uma parte significante dos consumidores de música
digital na atualidade já está nas plataformas de streaming, tanto em suas versões
pagas como nas gratuitas. Pesquisas da IFPI apontam que, ainda em 2014, mais de
40 milhões de usuários no mundo já pagavam por serviços de streaming, além de
identificar um crescimento de 45,2% na base de usuários das plataformas entre os
anos de 2014 e 2015 (IFPI, 2015), mostrando que o consumo através do streaming
tende a se estabelecer como uma das principais formas de acessar música digital na
atualidade. De outra forma, além de ser um dos principais meios, também vêm
estabelecendo novos modelos de negócio dentro do mundo da música, como a
aproximação de artistas com marcas e os lançamentos com exclusividade que foram
19
A Tratore é uma distribuidora especializada na viabilização e comercialização da produção
independente (TRATORE, 2015).
30
comentados, recriando antigas fórmulas e adaptando o mercado às evoluções
tecnológicas que esses meios tiveram.
O streaming é um modelo que tende a crescer, mas isso não implica no
crescimento ou manutenção de algum player em específico, pois eles dificilmente
conseguem atingir uma faixa estável de lucratividade, principalmente por conta dos
royalties que precisam pagar às gravadoras pelas execuções de seus artistas dentro
das plataformas. Segundo matéria da Folha, estima-se que, no total, os serviços de
streaming como Spotify, Deezer e Pandora, tenham pago 2,2 bilhões de dólares em
royalties para as gravadoras em 2014 e que esse valor tenha quadriplicado em
relação aos 5 anos anteriores (FOLHA, 2012). Para o presidente executivo do Rdio,
Anthony Bay, "não existem indústrias saudáveis neste planeta em que os canais de
distribuição não lucrem”20 (FOLHA, 2012) e o resultado dessa lógica acaba em
serviços que simplesmente finalizam suas atividades por conta do poucos retorno,
como o caso do próprio Rdio, empresa criada pelos mesmos fundadores do Skype e
que encerrou suas atividades em 2015 com uma dívida de 210 milhões de euros
(FOLHA, 2012). Outro exemplo é o Spotify, que também segundo a revista, acaba
tendo 80% do seu faturamento destinado ao pagamento de direitos de reprodução
para as gravadoras (FOLHA, 2012).
Outro dado que aponta a difícil situação dessas plataformas, é o balanço
financeiro negativo frequentemente. Segundo a revista Reuters, o Spotify
apresentou um prejuízo operacional de 184 milhões de euros em 2015, o que
causou o planejamento de uma possível abertura de capital para investimento a
partir de 2017 (BLOOMERANG, 2016). Esse quadro evidencia que o futuro do
mercado de streaming pode ter grandes mudanças nos próximos anos,
principalmente pelo seu modelo de negócio com poucos lucros. Em matéria para
revista Forbes, o jornalista Zack O’Milley, través de pesquisas e entrevistas com
profissionais do mercado fonográfico, comenta sobre a aproximação das grandes
gravadoras com investidoras de serviços de streaming, como foi o caso da compra
20
BONAVENTURE, Lionel. Serviços de streaming de música têm prejuízos e vivem cenário sombrio.
Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/12/1715247-servicos-de-streaming-de-
musica-tem-prejuizos-e-vivem-cenario-sombrio.shtml>. Acesso em: 23 nov. 2016.
31
de 5% de capital do serviço digital Soundcloud pela Warner Music Group (FORBES,
2015)21.
Esses dados mostram que existem grandes modificações na forma como o
mercado musical atua em relação a evolução dos formatos disponíveis e, além
disso, evidencia como práticas vindas de décadas passadas estão se mesclando ao
digital e abrindo caminhos novos para cenários passados. O streaming aparece
como um formato que dá continuidade à evolução que o MP3 iniciou a partir da
popularização do compartilhamento e que se mostra como uma etapa de mudança
do consumo e produção que ainda está em transformação, mas que já resultou em
grandes mutações nas práticas da indústria. Para o consumidor, a forma como ele
consome e se relaciona com a música também acaba tendo modificações, mas que,
continuamente, ganham atualizações através do andamento do processo de
digitalização que o mercado musical atravessa desde 1999, quando a música
ganhou novos meios e possibilidades através da web.
21
O Soundcloud é um dos pioneiros do streaming no mundo, tendo sido fundado em Berlim,
Alemanha, no ano de 2007 por Alexander Ljung e Eric Wahlforss e atingido o número de 10 milhões
de usuários em 2012 (FORBES, 2015).
32
3 OS SELOS INDIE NO MERCADO DA MÚSICA DIGITAL
33
citados e também de alguns players que compõem esse cenário de produção e
distribuição de música independente no Brasil.
34
os produtos destinados ao público de massa sofressem uma grande divisões entre
nichos e micro nichos22.
Grande parte desse processo se deu por meio da evolução tecnológica das
conexões de internet que, a partir do seu surgimento, criaram uma série de
comportamentos e padrões que refletiram nas práticas dos produtores e
consumidores da internet, dando origem ao que Castells chama de “Cultura da
internet” (CASTELLS, 2004). O conceito que exemplifica os padrões de
comportamento dos usuários da rede e que iniciou o processo de utilização e de
criação de novos processos não só na música, mas também em diversos outros
setores da sociedade.
22
Em sua obra A cauda longa. Do mercado de massa para o mercado de nicho, Anderson comenta
que "se houvesse quatrocentos programas de rádio do tipo Top 40s, um para cada pequeno nicho
musical? De repente, o conceito de hit é substituído pelo de micro hit” (p.26)". Dessa forma, se pode
entender que o micro hit comentado, pode ser considerado um fragmento ainda menor de um nicho,
com produtos destinados a uma parcela super exclusiva da população.
35
da tecnologia de produção na música, foram essenciais para transformar o papel do
usuário da rede nesse processo. Segundo Daniel Gohn, “a música e seus processos
- de criação, produção, transmissão - embora não sejam determinados pela
tecnologia, desenvolvem-se nos caminhos delineados por ela” (GOHN, 2006, p.17).
O autor ainda comenta que “muitas mudanças causadas por avanços tecnológicos
na área musical devem-se às recentes possibilidades de digitalização da
informação, ou seja, transformar som em bits, ou em dígitos binários, para lhe dar
novos formatos” (GOHN, 2006, p.17). A partir disso, pode-se relacionar a ideologia
de liberdade trazida pela cultura da internet aos avanços tecnológicos como os
principais fatores que influenciaram na mudança de comportamento do consumidor
passivo, para o produtor agente do cenário.
Em Cultura da Convergência (2008), Jenkins caracteriza a relação dessas
mudanças no perfil e comportamento dos indivíduos a partir dos processo
tecnológicos, em que o papel, antes de consumidor, sofre mudanças para uma
forma mais ampla de atuação dentro dos processos na mídia e, nesse caso,
relacionados também a rede.
36
produtos escolhidos”. (XIE, C., BAGOZZI, R.P. & TROYE, S.V. J. OF THE
ACAD. MARK. SCI. 2008, p. 4).
Aplicado à música, esse perfil de ator pode ser considerado o ponto inicial do
surgimento de uma nova cadeia produtiva descentralizada e distante das grandes
gravadoras, principalmente por utilizarem a internet e a tecnologia para criar formas
com que possam não somente consumir, mas também desenvolver novas vias para
produzir e divulgar a música que fazem.
Além do movimento de consumidores/produtores, outro conceito que pode se
aproximar as características que dão origem ao principal ator desse novo cenário de
democratização da produção de forma independente é o de Profissionais Amadores
("Pro-Am") (LEADBEATER, 2004). O conceito de Pro-Am, abordado por Leadbeater
(2004), mostra um indivíduo que produz algo por prazer, mas que mantém um
critério profissional de qualidade. É uma atividade que não se trata de “consumismo
passivo, mas sim uma participação ativa” (LEADBEATER, 2004, p. 20). O autor
comenta que esse conceito classifica um novo tipo de produtor, o qual exige que
repensemos muitas das categorias através das quais nós dividimos nossas vidas.
“Pro-Ams são um novo híbrido social. Suas atividades não são adequadamente
enquadradas pelas definições tradicionais de trabalho e lazer, profissional e amador,
consumo e produção” (LEADBEATER, 2004, p. 20). Um ator caracterizado não só
pela posição de consumidor e produtor, mas também pela função de trabalhador
profissional-amador, que desempenha tarefas de forma profissional, mas que está
ligada diretamente ao seu prazer e realização.
Traçando o perfil desse novo ator dentro do mercado da música durante o
seu processo de digitalização, percebe-se que através da rede e também das
diversas formas de produção simplificada que os avanços tecnológicos trouxeram,
surgiram novas alternativas de produzir e comercializar a música, as quais fogem do
modelo dominante estabelecido pelas organizações tradicionalmente hegemônicas
nessa indústria (FERNANDES, SANTOS & SANTANA, 2012, p. 25), em que, grande
parte deles, esse novo ator acaba se apropriando e absorvendo como instrumento.
Nesse cenário, ter as ferramentas necessárias para produzir e divulgar as suas
próprias músicas acarreta na evolução de uma grande cadeia produtiva que ainda
não existia dentro do mercado fonográfico, a dos independentes. Por conta de todos
37
esses processos e do grande número de novos atores inseridos nesse meio, a
fragmentação da indústria cultural citada por Chris Anderson (2006), se torna algo
real dentro da indústria fonográfica. O alto volume de oferta de novas produções e a
grande cadeia produtiva independente contribui para um aumento significativo nas
variedades de produtos disponíveis no mercado, dando origem a um novo cenário
onde as grandes gravadoras e artistas de grande popularidade, os chamados hits,
dão espaço a uma parcela considerável de muitos atores de alcance limitado, os
nichos e micro nichos. Ao falar sobre os serviços ligados a distribuição digital,
Anderson comenta que os dados sobre vendas e as tendências desses serviços e
de outros semelhantes revelam que a economia emergente do entretenimento digital
será radicalmente diferente da que caracterizava o mercado de massa. “Se a
indústria do entretenimento no século XX baseava-se em hits, a do século XXI se
concentrará com a mesma intensidade em nichos.” (ANDERSON, 2006, p. 14).
Com a cultura de nichos estabelecida dentro do contexto de produção
cultural, principalmente por meio da popularização das ferramentas de produção e
distribuição, alguns desses atores que se autoproduzem iniciaram um processo de
conexões cada vez mais apuradas, potencializado, principalmente, pela web. Pierre
Levy (1996) comenta sobre a força das possibilidade de conexão trazidas por meio
da internet e como esses indivíduos se aglomeram por meio de suas
compatibilidades. Segundo ele,
38
formar redes de relações pessoais no ciberespaço. (RHEINGOLD, 1995,
p.20).
39
se levado em conta a sua emergência paralelamente aos avanços das conexões de
internet.
40
cadeia, por todas as características e conceitos, como os de Pro-Am, que
constituem a forma como esses indivíduos vivem e se organizam.
Dentro dessa organização, os selos utilizam os meios digitais não apenas para fins
de produção, mas também de conexão e relacionamento com outros atores que
estão inseridos na mesma comunidade.
41
Figura 7 - Publicação na página do Facebook do selo independente Balaclava
Records de São Paulo/SP
43
Figura 8 - Exemplo de playlists criadas pelo selo Balaclava Records dentro do
Spotify
44
Figura 9 - Tela do videoclipe de City’s Angels da banda Catavento dentro do canal
do Youtube do selo
Alguns selos utilizam, além dos sites SRS (RECUERO, 2007), seus próprios
sites institucionais para agrupar todas as informações, catálogo de artistas e
também contatos. Esses meios são utilizados por uma parcela um pouco menor de
marcas, por tratar-se de uma ferramenta que necessita de maior conhecimento
técnico para ser desenvolvida e operada. No caso do selo Sinewave de São
Paulo/SP, esse meio é usado para catalogar todos os discos lançados através da
marca e também divulgar listas de reprodução, novos discos e também eventos.
Além dessas informações, eles ainda mantêm os textos biográficos das bandas e
fotos para utilização da imprensa e demais parceiros que buscam divulgar os artistas
que fazem parte do conglomerado. Dentro desse ambiente digital, o selo ainda
utiliza guias com links para as suas redes sociais e também contatos, caso haja
usuários que queiram se conectar com a marca também em outras plataformas. No
site da Sinewave, existem links para Facebook, Youtube, Twitter, e-mail e também
assinatura de feed para que os assinantes possam receber atualizações do site em
seu e-mail.
45
Figura 10 - Página inicial do site da Sinewave
46
A democratização das ferramentas de produção está promovendo enorme
aumento na quantidade de produtores. A economia digital hipereficiente
está gerando novos mercados. E, finalmente, a capacidade de explorar a
inteligência dispersa de milhões de consumidores para que as pessoas
encontrem o que lhes é mais adequado está determinando o surgimento de
todos os tipos de novas recomendações e de métodos de marketing.
(ANDERSON, 2006, p.55).
47
para a música feita a partir das ferramentas digitais. Diferentemente do que ocorreu
na década de 90, essa cena local ganha agora a oportunidade de se expandir
globalmente, principalmente porque “a troca de arquivos digitais quebra as barreiras
espaciais.” (VIVIEIRO; NAKANO, 2008, p.11). Trabalhando a partir desses meios,
muitas bandas distribuídas através dos selos independentes, principalmente a partir
dos anos de 2010, tiveram sua primeira experiência de lançamento não mais através
do modelo físico, mas sim, do download ou do streaming. Com o surgimento do MP3
no início dos anos 90 e também a evolução das formas de gravação que começaram
a ser desenvolvidas, disponibilizar a música da sua banda acabou se tornando uma
tarefa menos complicada. Por esse motivo, as primeiras experiências dos selos indie
no mundo digital seguiram o fluxo do restante da indústria, experimentando aos
poucos as ferramentas que as primeiras conexões de internet ofereciam.
A chegada desses meios de distribuição digital provenientes do MP3,
principalmente os modelos de peer-to-peer, fizeram grandes mudanças na indústria.
Com os artistas independentes, tal evolução fez com que eles tivessem maior
autonomia para autoproduzir-se e lançar-se no mercado. Segundo Eduardo Vicente
(2010), o que se colocou em questão com a Internet e o MP3 não foi apenas a
pirataria de arquivos, mas a possibilidade de uma autêntica independência por parte
de indies e artistas autônomos, que podem assim romper o controle exercido pelas
majors sobre as instâncias de divulgação e distribuição. Com essa tecnologia, o selo
indie já não era mais uma forma com que o artista pudesse produzir o seu som para
chegar até uma major e, a partir desse processo, lançar as suas músicas com uma
estrutura mais profissional. O artista poderia fazer a sua própria distribuição e criar o
seu próprio selo, pois a internet ainda não era um dos meios de distribuição dirigido
pelas grandes gravadoras, era um espaço em construção e, de certa forma, mais
democrático.
Assim como surgiram plataformas que instrumentalizaram a pirataria e o
download ilegal durante o surgimento do MP3, outras iniciativas, pouco tempo
depois, também deram força as práticas legais de consumo e também distribuição.
Plataformas como o Bandcamp nasceram com o intuito de auxiliar os indies a se
colocarem na internet de forma mais profissional, oferecendo uma espécie de mini
site das bandas e selos dentro do próprio domínio do serviço. Além disso, a
48
estrutura acabou oferecendo a possibilidade do artista comercializar as suas
músicas através de um sistema de pagamento em que o fã escolhe pagar de zero
até um limite estabelecido pela banda para que possa fazer o download do disco ou
música. O serviço é gratuito para o fã e para o artista, porém, 10% do conteúdo
digital vendido e 15% dos produtos físicos comercializados dentro do Bandcamp
retornam para o site como taxa de utilização do ambiente. (BANDCAMP, 2016).
49
desde 2008, o próprio site como o principal local em que mantinham a discografia
das bandas que distribuiam e que divulgavam. Dessa forma, os seguidores dos
selos podem recorrer ao site oficial para buscar e fazer o download das discografias
que mais os interessam. Essa prática já foi usada pelas próprias majors logo no
início da popularização dos meios de distribuição na web, mas a falta de recursos e
o alto custo de manter uma estrutura própria na internet fez com que os selos
independentes e diversos atores que fazem parte dessa cadeia tivessem que
recorrer a outras possibilidades até que pudessem construir o seu próprio espaço.
Entre os exemplos dos selos que nasceram dentro desse processo
emergente de transformação nos meios de distribuição, pode-se falar de grupos que
nem chegaram a usar o modelo de download como forma de lançar os trabalhos das
suas bandas. O selo gaúcho Honey Bomb Records foi fundado em 2013 e, desde o
início dos seus trabalhos, nunca usou o modelo de download para distribuir o discos,
sempre optou por plataformas alternativas que utilizam o modelo de streaming,
como o Youtube, Bandcamp sem a opção de download e também o Spotify. Antes
de estabelecer como principal uso as plataformas de streaming pago, como o
próprio Spotify, Deezer e Apple Music, a Honey Bomb utilizava o seu canal no
Youtube para lançar os discos e singles dos artistas que representava, dessa forma,
grande parte do consumo de música digital distribuída pelo selo, veio através dos
sites de streaming. Essa movimentação fez com que o grupo mantivesse o seu
catálogo de artista sempre atualizado e com todos os seus lançamentos disponíveis
nessas plataformas. Atualmente, em paralelo ao streaming, o selo comercializa seus
produtos no formato físico, mas não disponibiliza ou mantém qualquer tipo de
estrutura focada no download. Essa postura se reflete no tipo de público e também
no tipo de consumo em geral que o público que acompanha o selo tem na internet.
Pesquisas feitas pelos próprios integrantes do grupo mostraram que grande parte da
sua base de seguidores na internet usa o streaming como principal forma de
consumo.
Com a evolução dos meios de distribuição e a apropriação deles por meio dos
atores que constituem esses selos, acabaram surgindo algumas novas demandas
que ocasionaram o surgimento de novos players nesse mercado. A complicação
técnica de distribuir sua música através das plataformas de streaming e também o
50
pouco alcance de suas músicas dentro do sistema como rede social, fez com que
empresas que antes distribuíam música em formato físico, começassem a
desenvolver setores especializados no digital. No Brasil, pode-se identificar marcas
como a Tratore que, segundo eles, são uma distribuidora especializada na
viabilização e comercialização da produção independente (TRATORE, 2016). Sua
atuação acontece desde o suporte para distribuição digital, até fechamento de
condições especiais de lançamento e divulgação entre artistas e plataformas de
streaming. Através do trabalho de empresas como essas, muito selos puderam
alcançar um novo nível em seu processo de distribuição digital, não apenas
oferecendo suas músicas e as comercializando através do contato direto com os
sites, mas sim, conseguindo melhores condições em cada uma das pontas que
formam as etapas de distribuição de suas músicas.
Outras empresas como OneRpm e CDbaby, também oferecem um serviço
semelhante ao que a Tratore se propõe a fazer em parceria com os selos, cada uma
delas com suas diferentes particularidades em relação ao mercado. A transformação
das distribuidoras e o surgimento de outras focadas totalmente no digital, acaba
fazendo parte do movimento constante que a indústria fonográfica está passando
desde o surgimento das tecnologias e conexões de compactação de áudio e
gravação. Selos e artista passam por quadros que também se assemelham, por
conta da constante adaptação aos novos formatos que surgem constantemente e
oferecem novas possibilidades não só de alcançar o seu público, mas também de
potencializar seus ganhos, seja monetários ou de exposição da sua marca.
51
4. ESTUDO DE CASO DO SELO SINEWAVE
4.1 METODOLOGIA
Por isso, através desse método, consegue-se entender parte dos contextos
históricos e teóricos que estão relacionados a cada um desses objetos, além de
relacioná-los com teorias da área da comunicação e tecnologia, entendo a sua
função dentro do contexto de transformações tecnológicas e mercadológicas,
abrangendo uma grande quantidade de material já publicado e disponível sobre os
temas relacionados.
52
Após reunir toda a base bibliográfica necessária, foi buscado um caso
específico que estivesse inserido dentro do contexto dos selos independentes e que
conversasse com o perfil proposto através da fundamentação teórica. Para isso, foi
realizado então o estudo de caso do selo Sinewave. Segundo Yin (2005), o uso do
estudo de caso é adequado quando se pretende investigar o como e o porquê de um
conjunto de eventos contemporâneos. Bruyne, Herman e Schoutheete (1997),
justificam a sua importância por reunir informações numerosas e detalhadas com
vista em apreender a totalidade de uma situação. Yin (2001) acrescenta que o
método ainda proporciona o cruzamento de diferentes fontes e dados, tendo como
base proposições teóricas.
23
O áudio da entrevista na íntegra pode ser ouvido através do link: http://bit.ly/2r9D3xy
55
Considerando a sua relevância e também a extensão geográfica que a sua
marca atinge por meio das bandas e artistas que divulga, foi realiza uma entrevista
semiestruturada com um dos responsáveis pela organização, Elson Barbosa,
também baixista de uma das bandas que faz parte do catálogo do selo, o grupo
instrumental Herod. Além da entrevista, foram analisados dados a respeito do
número de downloads no site do selo do período de 2010 até 2017, além dos
relatórios de streaming de três trimestres entre os anos de 2016 e 2017. Foram
cruzadas essas duas fontes, os dados da análise de consumo e as respostas da
entrevista realizada, com o objetivo de realizar um estudo analítico do caso da
Sinewave dentro do tema proposto.
acho que foi 2010, não lembro, que apareceu um plugin chamado Pay With
Tweet, não sei nem se dá pra dizer que é um plugin, mas é um
aplicativozinho lá que você configurava no site, a gente configurou no
próprio sinewave.com.br (...) aí você conseguia mascarar a url do disco, o
acesso ao disco direto assim, você mascarava o acesso a ele e você só
conseguia liberar se a pessoa publicasse alguma coisa no Twitter ou
Facebook, aí você podia configurar a mensagem pra pessoa colocar a
mensagem que ela quisesse, mas só liberava depois que você postava no
Twitter ou Facebook. (BARBOSA, 2017).
24
“Pagamento social” é uma técnica usada para garantir que uma oferta da empresa tenha um
alcance muito maior via redes sociais (...) assim, para baixar o material, receber a avaliação ou
participar do sorteio, o usuário precisa “pagar” com um Tweet ou com um post no Facebook.
(SANTOS, ERIC, 2012).
57
época, ouviu de uma pessoa influente no meio independente sobre a dificuldade de
curtir algo, antes mesmo de ouví-lo. Somando essas duas experiências, a Sinewave
desistiu de qualquer tipo de pagamento pelos downloads e liberou os álbuns de
forma totalmente gratuita. Elson Barbosa ainda comenta sobre as bandas pequenas
e as bandas grandes em relação a qualquer tipo de pagamento, seja ele monetário
ou simbólico.
essas duas histórias, Pay With Tweet e essa funcionalidade, meio que me
ajudaram a concluir (...) um tweet e um like são preços muito altos pra você
pagar por uma coisa que você não conhece, para o um Radiohead eu tenho
certeza que todo mundo pagaria um tweet pra baixar o disco deles. Discos
da Sinewave, banda pequena, banda instrumental que ninguém conhece
direito ainda, é difícil cobrar alguma coisa, então a nossa estratégia sempre
foi deixar o mais acessível possível, tanto que o link pra download a gente
nem colocava pra e-mail e nem nada, clicava em um link e já tinha um zip
baixado, pra facilitar. (BARBOSA, 2017).
Esse fato aconteceu apenas em 2016, fazendo com que de 2008 até 2016 a
Sinewave distribuísse seus artistas apenas através das ferramentas de download.
Nos relatórios extraídos do site do selo, percebe-se a curva crescente de consumo
dos primeiros anos de atuação até 2011, seu auge, junto com a curva decrescente
iniciada em 2012 e mantida até o início da atividade do selo com a distribuição
através do streaming.
58
Figura 12 - Números de downloads da Sinewave do período de 2008 até 2016
59
Figura 13 - Número de álbuns disponíveis para download na Sinewave de 2008 até
2016
60
artistas. Elson Barbosa comenta que, além das plataformas de streaming trazerem
ferramentas diferenciadas para que os selos e artistas pudessem mensurar e
conhecer seus ouvintes, aumentar o seu alcance e gerar receita, elas também
iniciaram uma mudança de comportamento do próprio selo em relação ao seu papel
junto da banda.
25
O Spotify possui uma forma diferente de mensurar os valores que serão entregues para as bandas
a partir de suas reproduções, por isso, em trimestre que o selo obteve mas reproduções, o valor total
acabou sendo menor. Segundo Eduardo Panozzo, o valor total que a plataforma gerou em um
determinado mês é multiplicado pelo número dos seus plays e dividido pelo número total de plays da
plataforma naquele período. Essa conta vai gerar uma quantia em dinheiro. As plataformas ficam com
30% dessa quantia, e repassam o resto pra quem distribuiu a música. (PANOZZO, 2016).
61
Figura 14 - Valores arrecadados com streaming nos 3 primeiros trimestres de
utilização das plataformas
Barbosa pontua que a escolha pela forma de distribuição utilizada pelo artista
não possui nenhuma regra imposta pelo selo, adaptando-se à forma de distribuição
de acordo com a necessidade da banda. Com a mudança na forma de trabalho da
Sinewave após a implementação das demais plataformas, esse acordo continua
aberto para alterações, porém, se a banda optar não intervir pela decisão de onde
disponibilizar seu álbum, o selo publica o registro para download em seu site e
também em todas as plataformas oferecidas pela Tratore. Barbosa comenta que:
o que a gente faz como selo é fazer esse meio de campo que é, se a gente
quer lançar a banda e a banda quer lançar com a gente, a gente pode fazer
o meio de campo com a Tratore pra fazer a distribuição e a gente faz a
publicação do download. Isso também não é uma coisa obrigatória, tem
banda que, ou elas preferem fazer por conta ou preferem não fazer.
(BARBOSA, 2017).
63
sobre os ganhos que tiveram com sua nova estratégia de lançamento sem
streaming.
65
pesquisa, que oferece aos usuários listas com referências de seus artistas e também
com lançamentos recentes. Elson Barbosa ainda complementa dizendo que acredita
que as listas acabam desempenhando um papel novo para o consumidor de música
em relação a forma como eles estão consumindo dentro das plataformas, chamando
as playlists de "nova rádio", principalmente pela função de agrupar diferentes artistas
e músicas em formato de compilado. Além disso, para eles como selo, elas foram
responsáveis por alterar a lógica de trabalho em relação as práticas que tinham
antes do novo modelo, por exemplo, com o compilado anual lançado todo o final de
ano pela Sinewave e que, agora com as playlists, é construído durante o ano de
acordo com as músicas e álbuns que vão sendo lançados.
A gente usa bastante pra fazer coletâneas, tipo, antigamente a gente fazia
coletâneas para download, hoje a gente tá fazendo coletâneas com o
formato playlist mesmo. Se você olhar para os anos anteriores, 2015 e
2016, têm playlists com uma música de cada disco, que é justamente pra
facilitar pras pessoas ouvirem e conhecerem, e 2017, a gente atualiza a
playlist, pra quem quiser ouvir cada música do disco (...) eu acho que é uma
ferramenta que é incrível e acho que vai crescer muito mais nessa parte de
ser a nova rádio. (BARBOSA, 2017).
Para a Sinewave, as playlists criadas pelo próprio selo vêm sendo uma
ferramenta para migrar para o streaming as suas coletâneas antes disponibilizadas
através de um arquivo para download, facilitando o processo e aumentando as
possibilidades de interação e até atualização. Por outro lado, Elson Barbosa ainda
comenta sobre as playlists criadas pelo próprio Spotify e como elas são importantes
para o crescimento de artistas nesse momento da música digital. Em relação as
listas, Bruno Telloli (2015 apud CARNETI, 2015a), curador de playlists da plataforma
comenta em entrevista para a revista Exame, que o Spotify vive um momento em
que ele quer participar do dia a dia do usuário e acaba conseguindo isso por meio
das playlists, além de usar o espaço para lançar novos artistas e impulsioná-los.
Leio sobre o mercado e pesquiso qual artista está crescendo em qual país.
(...) Artistas pequenos também têm vez. Duas bandas que ficaram
conhecidas por participar do Superstar [programa musical da Rede Globo]
já estavam em playlists do Spotify há algum tempo exatamente por terem
ficado no nosso radar. São elas Supercombo e Scalene. (2015 apud
CARNETI, 2015a)
66
Percebendo a importância das playlists e entendendo o seu papel dentro do
cenário de consumo de música digital, Barbosa pontua:
Ele ainda comenta sobre a relação que as playlists criadas pelo próprio Spotify
têm com o crescimento do artistas, assim como Bruno Telloli (2015 apud CARNETI,
2015a) pontuou em sua entrevista a revista Exame. Barbosa traz a questão da
importância de estar listado entre essas playlists chave e como isso pode trazer um
retorno em audiência, plays e também monetário.
Eu percebo assim, existe um mecanismo que tá cada vez mais claro e acho
que é uma coisa que vai ficar cada vez maior, que é você entrar na playlist
certa, que se você entrar na playlist de lançamento do Spotify, você
consegue uma quantidade muito boa de plays (BARBOSA, 2017).
A respeito da utilização das playlists, Barbosa explica que ainda sente que a
ferramenta não está sendo utilizada da melhor forma, que as pessoas e as marcas
não exploram a potencialidade da função. Comenta também sobre como as marcas
ainda não exploram a força editorial que a ferramenta pode ter, principalmente em
relação a trazer experiências mais completas para o consumo de conteúdo que
oferecem.
Eu tava comentando que a playlist é uma coisa que vai crescer muito,
porque eu tenho a impressão que a playlist hoje, ainda tem um papel meio
lúdico, de ser só uma lista de músicas que eu gosto, então eu estou ouvindo
essas músicas e tá aqui, quem quiser ver o que eu gosto, tá aqui. Eu acho
que ainda falta um pouco, pelo menos eu sinto um pouco de falta, de ter um
uso um pouco mais editorial (...) Por exemplo, eu não me conformo que a
Rolling Stone não tem uma playlist no Spotify, de músicas que estão na
edição de maio. (BARBOSA, 2017).
O Spotify, por alguma razão, ainda não chegou no ponto que o Youtube
chegou, ninguém vê o Youtube como uma ferramenta do Google, vê como
uma ferramenta global da internet, então todo mundo usa o Youtube de uma
forma livre. Mas eu tenho impressão que o Spotify tem aquela coisa, "O
Spotify", talvez eu não possa me associar a uma marca. (...) Por exemplo a
própria Rolling Stone, é super natural você ver um vídeo do Youtube no
meio de um texto, mas uma playlist do Spotify eles não fazem. (BARBOSA,
2017).
68
Analisando um cenário mais amplo, o das ferramentas tecnológicas em geral,
Barbosa pontua também sobre as facilidades que um selo tem nos dias de hoje para
existir. Contrastando com a infraestrutura existente no ano da fundação da
Sinewave, em 2008, ele afirma que, atualmente, ter um selo se tornou algo muito
mais simplificado. Ele acredita que já se pode ter um selo de forma totalmente
gratuita, sem necessidade de ter algum tipo de aparato que seja pago.
Complementa falando:
69
semelhanças muito interessantes entre esses dois recortes de análise. Se consegue
perceber como as modificações de lógica de mercado sofridas pelas grandes
gravadoras, a partir das transições de modelos de distribuição de música digital,
também se manifestaram no nicho em que os indies estão inseridos. Barbosa
comenta a respeito da transição inicial de consumo que ele e seu sócio tiveram
durante a fundação do selo, em que começaram um processo de abandono da mídia
física para se apropriarem totalmente do consumo digital.
Pode-se dizer que parte da lógica aplicada por Elson Barbosa na concepção
da Sinewave como um selo totalmente digital, vem ao encontro de um fenômeno
que já vem acontecendo muito antes da discussão da transição dos modelos de
distribuição, mas que está ligado à mudança de formato que a indústria começou a
passar a partir da criação do MP3 e da popularização do seu compartilhamento.
Essa alteração de mercado, presente no capítulo dois da pesquisa bibliográfica e
ponto principal para o início da discussão no capítulo seguinte, resultou em uma
forma diferente de pensamento dos consumidores daquela época. Em um
determinado momento histórico, eles deixaram de ser apenas consumidores e se
tornaram produtores, aplicando essa nova configuração de mercado em suas
próprias produções, algo reforçado pelos conceitos de pro-am Leadbeater (2004),
consumidores produtores de Toffler (2001) e a cauda longa de Anderson (2006).
70
No gráfico, estão relacionados alguns dos principais fenômenos de mercado
dentro de uma linha de tempo histórica, pontuando em que momento das
transformações, a Sinewave iniciou a sua atividade. O Surgimento do MP3 pode ser
considerado o início para a mudança de formato de consumo, algo que ganha
velocidade com a sua popularização e acessibilidade. Após a música digital ganhar
maior relevância e as ferramentas web estarem mais próximas do público em geral,
o selo inicia a sua atividade, entre um período de transição de formatos e modelos
para indústria e consumidor.
Elson Barbosa, sócio da Sinewave, comenta sobre como a tecnologia trouxe
uma facilidade ainda maior para que, em 2017, muitas pessoas pudessem abrir os
seus próprios selos e publicarem os discos dos seus artistas de uma forma muito
mais simplificada. Grande parte da postura autônoma de produção, pode ser
atribuída não apenas as evoluções tecnológicas que acompanharam o processo de
surgimento do selo, mas, também, a forma como os indivíduos vindos desse período
histórico e da transição de mercado acabaram absorvendo todas essas
possibilidades. As características libertárias da cultura da internet (CASTELLS,
2004) apresentadas no capítulo três, surgidas do meio digital e manifestadas na
forma como a própria Sinewave se organiza, são exemplos de como todos esses
processos culturais e mercadológicos influenciaram no surgimento e também na
estruturação dos indies.
Em 2008, quando o selo inicia apenas com o modelo de download, ele
caminha em paralelo com uma série de modificações de mercado que impactam
significativamente na forma como a sociedade consome música e como a indústria
fonográfica disponibiliza esse material. Como visto no levantamento bibliográfico a
partir do capítulo dois, no mesmo ano de fundação do selo, o mercado mundial de
música apresentou os primeiros percentuais significativos de consumo de música no
formato digital em relação aos demais formatos disponíveis. Nos anos seguintes,
principalmente entre 2009, 2010 e 2011, a Sinewave chegou aos seus picos no
número de downloads totais, mostrando que toda essa movimentação mundial de
mercado também estava afetando o microambiente em que estava inserida.
71
Figura 19 - Queda no número downloads da Sinewave
72
musical, fazendo com que a forma como eles vendiam e lançavam seus trabalhos,
fosse alterada e adaptada às possibilidades do streaming.
Para as grandes gravadoras, o acordo com serviços de streaming e a
captação de patrocínio por grandes marcas, foi uma das maneiras pelas quais elas
conseguiram se utilizar do streaming para gerar uma nova fonte de receita, ou até
mesmo de exposição para os artistas. No caso da Sinewave, mesmo fazendo parte
de um nicho com um alcance muito mais limitado, o streaming teve um efeito
semelhante em relação a forma como lançam seus discos. Barbosa comenta que o
streaming, pelo fato de trazer algum tipo de receita para o artista, forçou o selo a
investir mais no conteúdo e na forma como entrega esse conteúdo para os seus fãs,
trazendo um novo olhar para um ponto que, até então, estava sendo negligenciado
por ambas as partes envolvidas no projeto. Essa nova postura de comunicação,
também acaba tendo ligação direta com outro ponto levantado pelo proprietário do
selo e que se manifesta não somente no caso específico da Sinewave, mas em todo
o processo de cultural que cerca os indies, as grandes gravadoras e o mercado
fonográfico: a quebra de barreiras simbólicas entre os grandes e os pequenos
produtores. A questão dos indies poderem lançar seus trabalhos na mesma
plataforma que os grandes artistas, estarem ao lado de músicas de grande sucesso
através das playlists desenvolvidas pelos serviços de streaming e manterem um
calendário alinhado as datas da indústria da música, acabam sendo grandes
exemplos de como o novo modelo aproximou esses diferentes players.
Essa aproximação entre selos indie e majors, mesmo que simbólica, também
acabou se tornando ferramental através das novas tecnologias e, principalmente,
através do do streaming. Elson Barbosa afirma que as plataformas de streaming e a
distribuidora digital responsável pelos lançamentos do selo, acabaram
disponibilizando muitos dados de consumo do seu público que, no futuro, serão
muito relevantes para organizar as suas estratégias de comunicação, distribuição e
também da própria organização do selo junto às bandas. Por esse motivo, se
percebe como a evolução de mercado que a música teve a partir da sua
digitalização e também das novas plataformas de consumo, fez com que houvessem
mudanças em todas as camadas de produção que formam o mercado fonográfico.
As grandes gravadoras tiveram que passar por transições muito importantes desde o
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seu surgimento, do formato físico, até a chegada do modelo digital, mas, no caso
dos indies, eles acabaram integrando um fenômeno ainda mais recente: o da
transição de modelos de distribuição digital.
As mudanças estruturais que a Sinewave atribui à chegada do seu catálogo
às plataformas de streaming, são alterações que iniciaram, de certa forma,
simultaneamente, em diversos âmbitos do mercado produtor e consumidor de
música no mundo. A facilidade de produção e divulgação que as ferramentas digitais
trouxeram, aproximaram os indies dos grandes players e auxiliaram a trazer
possibilidades ainda mais amplas de como distribuir músicas de forma digital. Por
conta disso, pode-se dizer que, analisando o caso da Sinewave e relacionando com
o contexto geral trazido pela pesquisa bibliográfica, o processo de mudança do
modelo de download para streaming, trouxe inúmeras mudanças em relação a
atuação das diferentes camadas de produção dentro do cenário da música. Para a
Sinewave, o streaming proporcionou novas ferramentas e também aguçou a sua
percepção sobre diversos pontos ligados a forma como o selo atua dentro do
mercado e também junto às bandas que representa, causando uma mudança não só
ligada ao consumo ou a distribuição, mas também a percepção do papel do selo
indie dentro do mercado da música em geral.
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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que altere diversas funções em relação a inúmeros fatores de consumo e produção,
tenha acontecido em um mesmo meio, o digital.
Explorando o caso do selo e revisitando os conceitos tratados na etapa de
revisão bibliográfica, é relativamente seguro afirmar que essa transição de modelos
trouxe novas possibilidades para que gravadoras e artistas utilizassem os meios
digitais. A partir da entrevista com o representante da Sinewave e analisando os
dados de download e streaming das plataformas utilizadas pelo selo, é possível
compreender como o streaming alterou a percepção do próprio papel do selo junto
às bandas, fazendo com que o entrevistado observasse mais atentamente a maneira
como realizava seus lançamentos e também divulgava seus artistas, visto que, a
partir da implementação do streaming, a possibilidade de rendimento monetário se
torna real.
Outro ponto passível de conclusão é que as estratégias de lançamento
utilizadas pelas grandes gravadoras e apresentadas na pesquisa bibliográfica
influenciam também a forma como os artistas menores e seus selos enxergam o
meio digital para impulsionar seus lançamentos. Eles começam a pensar mais e
organizar melhor a forma como irão entregar o material para o seu público, além de
explorar as próprias ferramentas das plataformas para aumentar o seu alcance e
auxiliar na sua monetização. Um dos exemplos disso são as playlists, que, como dito
por Elson Barbosa, são um dos pontos chaves para que um artista ganhe destaque
dentro do cenário digital e obtenha resultados também fora dele.
Existem ainda, outros pontos que podem ser explorados em relação às
mudanças que essa transição trouxe para o cenário independente, como é o caso
da proximidade dos selos indie, do modelo de publicação das grandes gravadoras.
Assim como no surgimento das ferramentas de produção e a popularização dos
meios de divulgação através da internet, o streaming também auxiliou a diminuir as
barreiras entre o mercado de nicho e o mercado das grandes gravadoras. As
plataformas de streaming deram a oportunidade de bandas com pequeno público
estarem ao lado de bandas de grande expressão em playlists ou indicações de
ferramentas como o Spotify, além de até poderem estar sincronizados com as
mesmas datas de lançamento utilizadas mundialmente pela indústria das majors.
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Dessa forma, constata-se que muitos dos atores considerados independentes
e, principalmente, os selos e bandas que fazem parte desses conglomerados,
presenciaram e presenciam mudanças constantes envolvendo não só as evoluções
tecnológicas, mas também a transição entre o modelo de download para o de
streaming. Percebe-se que houveram alterações na lógica de mercado, na forma
como monetizam seus lançamentos, distribuem seus discos e também com
organizam seus lançamentos. Essas mudanças são constantes e mostram que, em
relação à música digital, ainda existe possibilidade para novas alterações com uma
velocidade ainda maior se comparada à mudança da música física para digital.
Transcorrido o percurso de pesquisa realizado até aqui, conclui-se que, neste
ambiente turbulento de incertezas e mudanças radicais repentinas, a única certeza é
que em breve novas formas de consumo e distribuição surgirão e provocarão novas
mudanças, deixando em aberto qual será o próximo passo e qual será a velocidade
que ele terá, principalmente, para quem faz parte de um cenário independente, livre
para experimentar novas possibilidades e apropriar-se muito mais facilmente e
rapidamente dessas mudanças.
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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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