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Psicanálise: campo fértil ou campo minado?

O grande dilema de quem está terminando o curso de Psicanálise e se vê frente a tantas ideias
incongruentes, faz com que fique difícil para o recém-iniciado optar por esta ou por aquela
direção.

Certo é a ideia de que estamos lidando com seres humanos e não com mercadorias avariadas.
Portanto, nossa responsabilidade é muito grande.

Vou fazer um paralelo com outra ciência, por exemplo, a odontologia. Cito esta ciência, pois foi
a que exerci por mais de 30 anos, e posso dizer, com propriedade, que se trata de uma ciência
exata, mas não livre de divergências. Embora essas divergências sejam de natureza técnica,
podemos argumentar se achamos certas ou erradas, e podemos também ver in loco, se
funcionam ou não.

Eu, sendo uma profissional vinda desta área onde o conhecimento é exato e sem grandes
variações de conduta, quando me aventurei a estudar psicanálise, peguei-me em um conflito,
onde titubeei em qual caminho deveria seguir, quando começasse a clinicar.

Freud em sua teoria nos mostra claramente que devemos nos ater ao tripé: análise do analista,
experiência e teoria.

Psicanalistas como Lacan e tantos outros nos apresentam argumentos diferenciados que nos
fazem pensar em como devemos nos comportar em uma análise, nos gerando insegurança.

No campo das ciências exatas, particularmente na odontologia que sempre foi meu objeto de
estudo, a experiência é muito importante, mas o domínio teórico de uma técnica precisa e
adequada é fundamental. Coisa que não vemos ser salientada com muita ênfase na
psicanálise.

Como fazer, então, para se capacitar neste campo tão intrigante como a psicanálise? Qual
caminho seguir? Vamos seguir Sigmund Freud, ou Jacques Lacan, ou outro psicanalista
contemporâneo ou não a Freud?

Freud e Lacan são considerados grandes psicanalistas e ambos seguem a mesma linha quanto
a ter a “transferência” e a “cura pela fala” como pontos centrais da análise. Mas são
divergentes em muitos aspectos. Embora Lacan tenha Freud como referência, isso não impede
de terem algumas divergências.

Uma dessas divergências é quanto à duração de uma sessão. Enquanto Freud preconiza um
tempo de, no mínimo, 40 minutos em sessões semanais, Lacan nos diz que o tempo pode ser
de alguns minutos, pois o importante é se trabalhar um problema na medida que seja
necessário.

Para alguém que está começando tão difícil empreitada nesse campo fértil que é de se tornar
psicanalista, essa disparidade entre Freud e Lacan quanto ao tempo de duração de uma sessão
é algo desconfortante, gerando insegurança, como se estivéssemos pisando em um campo
minado.

Se fosse só esse o conflito que enfrenta quem se engendra nessa fascinante missão de ajudar
mentes em sofrimento, eu diria que estaríamos bem. Mas o caso é que Lacan nos meteu em
uma grande enrascada quando divergiu em muitos outros pontos com o nosso grande mestre
Freud.
No que tange ao desejo, Freud nos diz que o desejo é a tentativa de realização de algum
momento do passado, enquanto que Lacan relata que o desejo é algo que almejamos alcançar
no presente, sem ter raiz alguma no passado. Então como ficamos? Novamente entramos num
campo minado, pisando devagarinho, um passo por vez, até sentirmos confiança para andar
sem medo de errar. Mas e quanto à ética? Seria justo com nossos pacientes, nos sentirmos
despreparados, tateando entre Freud, Lacan e tantos outros?

Sem sombra de dúvida a ética profissional é algo que não se pode relegar a segundo plano. O
psicanalista como qualquer profissional de saúde tem que ter princípios éticos e bem
definidos, pois o mais importante é a saúde do paciente e isso dever ser a principal
preocupação do profissional, e para a qual deve dar o seu melhor.

Sabemos que apesar das diferenças, Jacques Lacan, psicanalista francês, e Sigmund Freud,
psicanalista alemão, os quais nunca se encontraram, ambos têm em comum os pilares da
psicanálise, que são o inconsciente, a repetição, a transferência e a pulsão. Então, eu diria que
vale muito a pena conhecer esses dois mestres da psicanálise e mesclar suas teorias.

Além de Jacques Lacan, outros psicanalistas se distinguiram no cenário da psicanálise. Alguns


seguiram os passos de Freud, como Lacan. Outros se distanciaram das teorias preconizadas
pelo pai da psicanálise, embora Freud sempre estivesse presente como uma base que
direcionou o desenvolvimento dessas teorias.

Dando uma breve pincelada nesses autores, podemos citar, por exemplo, Melanie Klein,
Donald Winnicott e Wilfred Bion. Mas acredito que seria interessante e muito proveitoso ao
aspirante a psicanalista, conhecer um pouco mais a fundo as teorias desses outros mestres
para poder formar um cabedal teórico, que dará suporte para sua atuação com pacientes na
clínica.

Melanie Klein deu uma grande contribuição à psicanálise infantil. Mas novamente entramos
num empasse quando comparamos a teoria de Klein e de Anna Freud, filha caçula de Freud, a
qual discorreu sobre psicanálise infantil, em contradição a muitos pontos da teoria de Melanie
Klein. Anna foi uma precursora na psicanálise infantil e preconizava que a criança não era
analisável, enquanto que Melanie dizia que sim, que poderíamos analisar uma criança e para
isso criou os conceitos de brincar e de simbologias, fazendo um paralelo entre o “sonho” de
Freud e o “brincar” das crianças. Donald Winnicott era médico pediatra e psicanalista e nos
apresenta a “técnica dos rabiscos” para tratar crianças em sua clínica. Wilfred Bion nos traz o
conceito de “fragmentação da realidade” e psicanálise de grupo.

Concluindo, além de conhecermos esses outros mestres, não podemos esquecer que a base
para se tornar um psicanalista é seguir o tripé proposto por Freud, onde o fato de o analista
estar em constante análise, sem dúvida é o que, na minha opinião, vai dar base e qualificação
para o analista poder transitar com serenidade neste campo fértil que é o de ser psicanalista.

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