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Universidade Federal do ABC


Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais

POLÍCIA VERSUS PERIFERIA


Enfrentamento da violência a partir de estereótipos. Avanço da (i)legitimidade do
crime organizado

Linha de pesquisa: Política de segurança pública;


violência, criminalidade e crime organizado; polícias, tortura e violência policial.

Santo André
2015
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SUMÁRIO

I. Resumo........................................................................................................................01
II. Introdução................................................................................................................01
III. Objetivos ...............................................................................................................06
IV. Justificativa ...........................................................................................................06
V. Metodologia..............................................................................................................08
VI. Cronograma preliminar........................................................................................09
VII. Bibliografia............................................................................................................10
3

RESUMO
Este projeto tem por objetivo investigar os reflexos da criminalização conforme
estereótipo e o aumento da (i) legitimidade do crime organizado, principalmente entre
as classes mais desfavorecidas e a consequente perda de legitimidade da polícia.
Demonstra que as ações da polícia são na sua maioria dirigidas contra pessoas que se
encaixam no modelo de criminoso, ou seja, os integrantes das camadas mais pobres, o
que resulta numa maior criminalização de uma parcela da sociedade. Enfoca também a
forma com que os moradores da periferia enxergam, reconhecem a atuação da polícia.
Revela que os policiais são temidos e tidos como mais perigosos que os próprios
criminosos. Esse desprezo é recorrente na manifestação da cultura musical típica da
periferia. Igualmente torna-se visível que o crime organizado assume a regulação e
mediação de conflitos na periferia, notadamente de São Paulo. Partindo da hipótese da
existência de uma verdadeira guerra entra a polícia e a periferia, busca propor soluções
que reduzam o enfrentamento da violência a partir de estereótipos e o resgate da
legitimidade da sua atuação em muitos bairros pobres. Será realizada pesquisa
bibliográfica e visitas às Academias das Polícias Civil e Militar no Estado de São Paulo,
bem como nas associações de bairros das periferias.

Palavras-chave: Estado; polícia; periferia; estereótipo criminal; crime organizado;


mediação de conflitos.
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1. INTRODUÇÃO
A sociedade brasileira enfrenta uma guerra. É essa a impressão que se tem ao
assistir qualquer telejornal. Criminosos cada vez mais violentos e audaciosos, que
deixam uma sociedade atemorizada e clamando por Justiça, ou melhor, por punição.
O medo generalizado faz surgir uma nova cruzada (BATISTA, 2000) e os
policiais são os cruzados de agora. Alguns realmente imaginam que estão numa
verdadeira guerra santa. Logo até mesmo o extermínio é justificável contra o mal,
representado pelo criminoso.
Surge aqui o primeiro ponto de reflexão. O policial pratica o mal, imaginando
que faz o bem, pois pensa que está combatendo um inimigo feroz e irrecuperável.
De um lado se tem uma polícia que usa um sistema penal subterrâneo, calcado
no desrespeito dos direitos fundamentais. E de outro, uma população, principalmente
das camadas mais pobres da sociedade, que, além de não confiar, tem medo e odeia a
polícia.
A perda de legitimidade da polícia contribui sobremaneira para o não
arrefecimento da criminalidade. Isso porque, o sistema penal subt
errâneo não é destinado a todos indistintamente, é voltado apenas àqueles tidos
como criminosos. E quem são os criminosos? Numa palavra, os pobres! E onde estão
os pobres? Na periferia!
Existem duas formas distintas de a polícia agir, uma para os “cidadãos”, a qual é
respeitosa e outra para quem mora na periferia das cidades brasileiras, esta
extremamente violenta, admitindo, inclusive, a pena de morte. Aliás, os moradores da
periferia, na visão policial, são sempre suspeitos, principalmente quando se atrevem a
sair da periferia. Prova disso é a recente ordem do Comando da Polícia Militar de
Campinas para que os policiais “abordassem principalmente indivíduos de cor negra ou
parda” (Pellegrini, 2013).
A atuação policial e repressão ao crime são pautadas por estereótipos. Um
indivíduo que se encaixe no estereótipo de criminoso, provavelmente será submetido a
sucessivas abordagens polícias, principalmente quando se atreva a sair da periferia. E o
pior, a própria polícia relega a periferia ao segundo plano. São os bairros menos
policiados, além do que trabalhar na periferia é uma forma de castigo ao policial. Surge
um perverso paradoxo. Onde deveriam trabalhar os melhores policiais trabalham na
realidade os piores.
5

Essa forma de ação faz com que o trabalho policial perda a legitimidade, isto
porque a população, como já dito, não só não confia, mas também passa a temer a
Polícia.
Carece de legitimidade a atuação policial focada em estereótipos, pois na
realidade indica a existência de um aparato policial voltado para o controle das classes
menos favorecidas. A polícia a serviço de poucos é fatal para a democracia. Nesse
sentido, Stuart Mill (1964, p. 86) advertiu que “um dos maiores perigos da democracia,
como de todas as outras formas de governo, está no sinistro interesse dos que ocupam o
poder: É o perigo do governo destinado ao benefício da classe dominante, em
detrimento permanente de todos”.
É evidente que a autuação policial voltada especificamente para uma parcela da
sociedade faz com que essa parcela seja mais criminalizada. Esse é o nefasto efeito da
criminalização secundária. Ou seja, é a polícia que escolhe sobre quem vai recair o
ordenamento penal. É aplicação de verdadeiro direito penal do autor, baseado no que o
indivíduo é, e não naquilo que ele fez.
Outra consequência desse quadro é que o policial fica refém na própria
comunidade. Tem que se esconder, não pode ir para casa com uniforme, o filho não
pode comentar a profissão do pai na escola. Isso acaba isolando e distanciando o
policial do povo. Ele passa a relacionar-se somente com seus colegas de serviço,
criando uma subcultura, na qual ele vive preso no meio de sua gente. Por mais absurdo
que pareça a maioria dos policiais são oriundos da mesma camada social, que depois
passa a considerar como inimiga. Ou em outras palavras é uma guerra de pobres contra
pobres. Para Zaffaroni (2003, p.56) o drama dos policiais é o mesmo do povo, já que:
O estereótipo policial acha-se tão carregado de racismo, preconceitos
de classe social e outros tão deploráveis quanto aqueles que compõem
o estereótipo criminal. Isto acarreta para a pessoa uma considerável
grau de isolamento no que concerne a seus grupos originários de
pertencimento, bem como o desprezo das classes médias, que mantêm
a seu respeito uma posição completamente dúbia. As exigências
quanto ao papel policial se originam em um imaginário alimentado
grandemente pela difusão de entretenimentos (filmes ou seriados de
ficção) aos quais não pode a realidade adequar-se nem seria
conveniente que tratasse fazê-lo, e o contraste com o comportamento
concreto provoca frustração e repúdio que se associam aos estigmas
esteriotípicos.
3. Em suma, este setor se vê instigado a assumir atitudes antipáticas e
inclusive a ter condutas ilícitas, a sofrer isolamento e desprezo, a
sobrecarregar-se de estereótipo estigmatizante, a submeter-se a uma
ordem militarizada e inumana, a passar por uma grave instabilidade
no trabalho, a privar-se dos direitos trabalhistas elementares, a correr
6

consideráveis riscos de vida, a incumbir-se da parte mais


desacreditada e perigosa do exercício do poder punitivo, a expor-se às
primeiras críticas, a ser impedido de criticar outras agências
(sobretudo as políticas) e, eventualmente, a correr maiores riscos de
criminalização que todos os demais operadores do sistema. Embora
convenha descartar uma vez mais qualquer tentativa de explicação
conspiratória, há poucas dúvidas a cerca de que também a policização
é um processo de assimilação institucional violador dos direitos
humanos e tão seletivo quanto a criminalização e a vitimização, que
recai preferentemente sobre homens jovens das camadas pobres da
população vulneráveis a tal seletividade na razão direita dos índices
de desemprego”.

A criminalização de acordo com estereótipo fez com que na periferia surgisse


uma subcultura que não aceita as regras tradicionais da sociedade capitalista e tende um
a negar legitimidade ao monopólio de punir do Estado e principalmente a pena e a
prisão surgem como manifestação maior desta injustiça. Outro traço característico é a
aceitação do comportamento tido como transgressor pelas classes dominantes, como
forma correta de agir. O crime passa ser uma forma, lícita, por aquela ótica de ganhar a
vida.
Esse desprezo pelo Estado e também pela polícia e visível nas periferias. Não se
respeita a Polícia, porque não se reconhece legitimidade nas ações policiais e também
porque em muitas comunidades, com razão, a população teme mais a polícia que os
bandidos.
Nesse diapasão é visível que o crime organizado assume a regulação e mediação
de conflitos na periferia. Assim mostra Camila Caldeira Nunes Dias:
No decorrer das últimas duas décadas, assistimos a
importantes transformações ocorridas nos padrões de
normatização do comportamento e de resolução de
conflitos, particularmente em duas áreas do Estado de
São Paulo (para citar apesar dois setores onde essas
mudanças são mais visíveis): as prisões e em muitas
comunidades pobres da periferia paulistana. Entre as
unidades prisionais e a periferia paulistana há vários
pontos comuns, como a ausência do Estado enquanto
instância legítima de mediação de conflitos e a
progressiva centralização da prerrogativa de impor
as normas e as sanções disciplinares nas mãos do
grupo denominado Primeiro Comando da Capital
(PCC).

Como não poderia ser diferente, a autora questiona quais as razões que
permitiram que o crime organizado, principalmente nas periferiais, substituísse o
7

ordenamento jurídico do Estado. Enfrentando o tema, apresenta a resposta aduzindo


que:
Talvez a resposta para essa questão, bem como para tantas
outras dela advindas, esteja na falta de legitimação do sistema
estatal brasileiro, o qual, como aponta Shirley (1987, p. 87), é
totalmente desvinculado da população em geral, sendo que a
polícia e o judiciário operam como forças repressivas das
populações pobres, na defesa dos direitos de uma pequena
classe dominante. Nesse sentido, aponta o autor, não há como
se legitimarem perante essa população, contra a qual agem. A
força de sistemas extraoficiais de regulação social opera de
forma a suprir essa população de um ordenamento que, por não
ser calcado nos princípios democráticos do Estado de direito,
tem a violência como um de seus pilares. Em decorrência da
completa ausência do Estado como mediador legítimo de
conflitos sociais, o PCC consegue impor suas normas e, ainda
assim, ser reconhecido e ter muito mais legitimidade aos olhos
daqueles sob seu poder do que as forças do Estado.

Até quando? Essa é a pergunta. Até quando a sociedade vai tolerar essa guerra?
É preciso resgatar a legitimidade da polícia. Mas como fazer isso? Por meio da
educação em direitos humanos? Enquanto a repressão ao crime for orientada por
estereótipos impossível. Será sempre a guerra dos pobres contra os pobres.
Na realidade essa condição de opressão interessa às classes dominantes, pois
enquanto os desprivilegiados lutam entre si, não incomodam os que controlam a
sociedade.

2. OBJETIVOS

Verificar até que ponto o modelo de formação do policial, especificamente o


civil, contribui para sua atuação seletiva, partindo da hipótese que a repressão a
criminalidade no Brasil é direcionada unicamente para um determinado estereótipo e
que este direcionamento provoca o enfrentamento constante entre a polícia e o a
população que mais precisa da sua proteção.
Elaborar propostas tendentes a aproximar o policial das classes mais
desfavorecidas e vitimizadas, com o intuído de reduzir a orientação estereotipada da
criminalização secundária.
Apontar alternativas ao resgate da legitimidade da polícia perante a população mais
pobres e para supressão da ausência do Estado, como mediador legítimo dos conflitos
8

sociais, nessa população, assim como para minimizar as normas impostas pelo crime
organizado.
Atuação da polícia como meio para concretização do Estado Democrático de
Direito.

3. JUSTIFICATIVA

Estudar a polícia e de sua relação com a sociedade é importante para


compreender como se desenvolve o combate à violência no Brasil. Importante porque a
polícia é a principal agência de controle da criminalidade e ao exercer esse controle de
maneira equivocada repercute, paradoxalmente, no próprio aumento da violência,
dificultando que o Estado atinja seus fins, notadamente os traçados às instituições que
atuam para concretização do direito penal. Entretanto, quais são verdadeiramente os fins
do Estado a serem atingidos por meio da atuação de suas agências de repressão à
criminalidade?
Para compreender os fins do Estado por meio da atuação de suais instituições
voltadas à repressão da criminalidade e violência é imperioso discutir os fins do direito
penal, ramo do direito que contempla as normas legais elaboradas para preservar os
valores sociais.
Assevera-se que o estudo do direito penal trata-se da investigação dos

fins da pena. Todavia, como afirma Nilo Batista (VER OBRA), discutir os fins do

direito penal deveria ser discutir os fins da pena – e, no entanto, não é 1. A pena

é o fundamental instrumento de que dispõe o direito penal para a consecução

de seus fins; trata-se de noções distintas e próximas, porquanto, numa

sociedade democratizada, os fins do direito penal e da pena devem constituir

um só e indivisível projeto.

No desempenho de sua função o direito penal elege os bens importantes

e essenciais, define o fato criminoso, assim como as respostas penais, mas

independente do tempo e da época de sua vigência, tem sempre por objetivo

1
NILO BATISTA (INTRODUÇÃO CRÍTICA AO DIREITO PENAL BRASILEIRO)
9

primeiro a preservação do modelo de Estado adotado. Deste modo, o Estado

comprometido com os direitos e garantias individuais, com a sua própria

legitimidade implicará em um direito penal com os mesmos fins. Nas palavras

de Nilo Batista

“há marcante congruência entre os fins do estado e os fins do direito penal, de


sorte o conhecimento dos primeiros, não através de formas vagas e ilusórias,
como sói figurar nos livros jurídicos, mas através do exame de suas reais e
concretas funções históricas, econômicas e sociais, é fundamental para
compreensão dos últimos”.2

Na época em que o poder estava concentrado nas mãos do monarca,

Estados absolutistas, sem qualquer forma de controle, o direito penal atuava no

sentido de preservá-lo, fazendo uso indiscriminadamente dos castigos contra

os que ousassem insurgir em face da ordem vigente, ou seja, um direito penal

do terror. Antonio Carlos Santoro Filho conta que

As ordenações filipinas, publicadas em 11 de janeiro de 1603, que tiveram


vigência em nosso país, no âmbito criminal, até a promulgação do Código
Criminal do Império, constituem modalidade típica deste direito penal com
finalidade de conservação do poder absoluto. Esta missão do direito criminal
então vigente pode ser extraída facilmente de seus dispositivos, face à
existência de completa desproporcionalidade entre conduta e sanção, penas
infamantes e cruéis e extensão dos efeitos da pena aos descendentes do
condenado.

Assevera igualmente o autor, citando Antônio Luís Chaves Camargo,

que “no totalitarismo, portanto, há forte sobreposição do Estado em relação ao

indivíduo e suas liberdades e, assim, o crime passa a ser entendido como

rebelião do indivíduo à vontade normativa do estado”.

Nesse sentido, no Estado Democrático em que o direito consagra a

dignidade humana como fundamento constitucional e na prevalência dos

direitos humanos nas relações estatais, requer a construção de um direito

2
NILO BATISTA, INTRODUÇÃO CRITICA AO DIREITO PENAL –VER PAGINA
10

penal harmonizado com os pressupostos dessa natureza de Estado, que terá

como função imediata a preservação dos tais princípios informadores. Disso

tudo, como ensina Paulo de Souza Queiroz, “o perfil do direito penal –

autoritário ou democrático – depende, portando, da conformação político-

constitucional que se lhe dá (ao Estado).” 3E conclui dizendo que “definir, ou

redefinir, os fins e os limites do direito de punir supõe, portanto, conhecer,

antes, os fins e os limites do próprio Estado.” 4

Estabeleceu expressamente no art. 1º que a República

Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e

Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de

Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da

pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o

pluralismo político. No art. 3º, inseriu como objetivos fundamentais,

construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a

marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; garantir o

desenvolvimento nacional; e promover o bem de todos, sem preconceitos

de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de

discriminação.

Ensina Flávia Piovesan que a materialização do princípio da

dignidade humana é imprescindível à efetivação do Estado Democrático de

Direito, aduz que:

Dentre os fundamentos que alicerçam o Estado Democrático de Direito


brasileiro, destacam-se a cidadania e dignidade da pessoa humana (art. 1º,
incisos I e III). Vê-se aqui o encontro do princípio do Estado Democrático
de Direito e dos direitos fundamentais, fazendo-se claro que os direitos

3
PAULO DE SOUZA QUEIROZ, 121
4
PAULO DE SOUZA QUEIROZ- 122
11

fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio


democrático, tendo em vista que exerce uma função democratizadora.5

A dignidade humana é fundamento do Estado Democrático de

Direito, contudo, não significa dizer que deve ser garantida apenas no aspecto

formal, mas notadamente no sentido material da expressão, que consiste no

amplo acesso às condições necessárias para promoção do sentimento pessoal

de satisfação.

A constituição Federal em seu art. 5º, caput, estabelece que todos

são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à

vida, à liberdade, à igualdade, a segurança e a propriedade. No momento em

que a ordem constitucional garantiu o direito à vida, não se restringiu em

tutelá-la de forma branda, ao revés, do modo mais amplo possível. Não é

admissível no Estado Democrático de Direito apenas o fornecimento de meios

legais e materiais da vida corpórea, mas objetiva igualmente imbuí-la de um

sentimento pessoal de satisfação pela própria vida que deve lhe devotar o

homem a contemplá-la e compreendê-la.

Na tentativa de definir a intenção do Legislador Constituinte ao


consagrar a dignidade da pessoa humana como valor fundamental na
construção do ordenamento jurídico, José Afonso da Silva atribuiu
diversos significados a palavra dignidade, empregando-a em
diferentes contextos: dignidade social, dignidade espiritual, dignidade
intelectual e dignidade moral. Sustentou que esses tipos de dignidade
compõem o comportamento humano, mas que a dignidade prescrita na
Constituição reporta-se a um atributo inerente ao ser humano, como
um valor de todo ser racional e em virtude disso é que uma pessoa
não pode ser privada de seu direito fundamental a vida mesmo tendo
violado os direitos dos outros.
Em uma sociedade que tem como princípio fundamental a
democracia e a dignidade da pessoa humana, a relação entre estas e o
5
PIOVESAN, FLAVIA. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, Max Limond, 1996,
p. 58.
12

direito penal é individualizada e complexa, sobretudo no que atine aos seus


limites. Admitindo a democracia sempre como a vontade da maioria,
indubitavelmente o direito penal “democrático” seria pautado para um direito
penal repressivo, máximo, sem limites e garantias. Explica Luigi Ferrajoli
que
o ponto de vista da maioria induz a conceber o direito penal essencialmente

como um instrumento de defesa social, ou seja, de prevenção dos delitos e

defesa dos interesses da maioria não “desviada”, contra o atentados à

segurança trazidos pela minoria dos “desviados”; e é claro que o parâmetro da

máxima utilidade possível dos “não desviados” não só não oferece critérios

para limitar ou minimizar as aflições da pena, mas, ao contrário, para

maximizá-las.

E continua

o desvio solicita sempre a mobilização da maioria que assume a si mesma

como “não desviada” contra a maioria dos “desviados”, considerados como

diferentes e fonte de obscuros perigos.

Todavia, nos Estados democráticos não é lícito a maioria decidir sobre a

igualdade dos cidadãos, sejam eles “desviados” ou não desviados e igualmente

sobre os direitos e garantias fundamentais, notadamente a vida e a liberdade

pessoal, que não pertencem ao interesse público, à vontade da maioria, aos

quais esses direitos não podem ser sacrificadas, pois o homem na formação do

pacto social transferiu apenas parte da sua liberdade em favor do bem público,

de tal sorte que não pode dela ser privado de forma ilimitada, de modo abusivo

e injusto.
13

A par disso, o Estado está obrigado a respeitar a igualdade e os direitos

e garantias individuais, ainda que contra a vontade da maioria; o direito penal

deve ser um mecanismo de defesa e garantias de todos, da maioria “não

desviada” e da minoria “não desviada”, objetivando a prevenção e a

minimização dos delitos e das penas, ou seja, um direito penal mínimo. Deixa

claro Luigi Ferrajoli que

tal paradigma se contrapõe não somente às tradicionais doutrinas

retributivistas da pena – à la Kant ou à la Hegel – que resultam de uma

concessão supersticiosas e punitiva da relação entre delito e pena, e também

das tradicionais doutrinas que utilizam a prevenção ou defesa social, sejam

estas de prevenção geral ou específica, que assumem, todas, como ponto de

vista e parâmetro a utilidade da maioria “não desviada”. Contra este

“utilitarismo” dividido, o paradigma do direito penal mínimo assume como única

justificação do direito penal o seu papel da lei do mais fraco em contrapartida à

lei do mais forte, que vigoraria na sua ausência; portando, não genericamente a

defesa social, mas sim a defesa do mais fraco, que no momento do delito é a

parte ofendida, no momento do processo é o acusado e, por fim, no momento

da execução, é o réu.

Portando, direito penal e as agências do Estado, principalmente a

polícia, não pode ser um instrumento de controle e de repressão social que

atente contra os direitos fundamentais e a igualdade da minoria “desviadas” em

prol da maioria “não desviada”, principalmente em um Estado Democrático,

cuja democracia não deve ser entendida apenas como o poder e vontade do

povo, da maioria, mas igualmente a sua dimensão constitucional, a qual impõe


14

a minimização dos delitos, das penas e notadamente da atuação das agências

do Estado.

Ainda, o direito penal em uma sociedade capitalista funciona como um


instrumento de sustentação e reprodução desse arcabouço social, que é
injusto, já que configura um aparelho de dominação da grande maioria dos
desvalidos. O sistema de justiça criminal da sociedade capitalista, do qual, é
claro, se inclui a polícia, serve para disciplinar despossuídos, para constrangê-
los a aceitar a moral do trabalho. Maria Lúcia Karam ensina que:
A seleção e definição de bens jurídicos e comportamentos com
relevância penal se faz de maneira classista, se faz fundamentalmente
em defesa dos interesses daqueles que detêm as riquezas e o poder,
pois são exatamente estes detentores das riquezas e do poder – as
chamadas classes dominantes que vão, em última análise, definir o
que deve o não ser punido, o que deve ou não ser criminalizado e em
que intensidade.

E prossegue:
Assim, ao contrário do mito difundido pela ideologia dominante, a lei
penal brasileira não se destina a proteger apenas bens e valores
essenciais, no sentido de bens comuns a todos os homens, tendendo
sim a privilegiar os interesses daquela minoria de detentores das
riquezas e do poder.6

O legislador, no Código Penal Brasileiro, adotou uma política criminal

orientada pela defesa dos interesses da classe dominante, sobretudo, ao estabelecer as

condutas passíveis de punição na esfera penal que atentam contra o patrimônio.

Maria Lúcia Karam mostra que:

Essa tendência vai levar a que o processo de criminalização se oriente,


fundamentalmente, contra comportamentos característicos das
camadas mais baixas e marginalizadas da população, excluindo ou
minimizando comportamentos socialmente danosos, característicos
das classes dominantes e ligados à acumulação do capital. 7

É muito pouco provável que a polícia atue no desempenho de sua função

contrariando essa política criminal seletiva. 8 Ao revés, o direito penal e as agências do

6
KARAM, Maria Lúcia. De crimes, penas e fantasia. Rio de Janeiro: Luam, 1993. p. 75.
7
KARAM, Maria Lúcia. Op. cit. p. 75.
8
Os dados divulgados no Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito, que investigou a
situação do sistema penitenciário e concluiu os trabalhos no ano de 1993, mostraram que 95% da
população carcerária era absolutamente pobre e 72% dos procedimentos criminais eram de furto e roubo,
15

Estado selecionam pessoas e não condutas, direcionando seu poder de fogo àquelas

advindas das classes socialmente desfavoráveis. Baratta destaca que, além de ser o

direito penal elaborado de forma seletiva, estabelecendo desigualdades, o Estado atua de

forma a reproduzi-la:

[...] não só as normas de direito penal se formam e se aplicam


seletivamente, refletindo as relações de desigualdades existentes, mas
o direito penal exerce, também, uma função ativa, de reprodução e
produção, com respeito às relações de desigualdade. Em primeiro
lugar, a aplicação seletiva das sanções penais estigmatizantes, e
especialmente o cárcere, é um momento superestrutural essencial para
manutenção da escala vertical da sociedade. Incidindo sobretudo no
status social dos indivíduos pertencentes aos estratos sociais mais
baixos, ela age de modo a impedir sua ascensão social. Em segundo
lugar, e esta é uma das funções simbólicas da pena, a punição de
certos comportamentos ilegais serve para cobrir um número mais
amplo de comportamentos ilegais, que permanecem imunes ao
processo de criminalização. Desse modo, a aplicação seletiva do
direito penal tem como resultado colateral a cobertura ideológica desta
mesma seletividade.9

É manifesto que o Estado e suas agências, destaca-se a polícia, com frequência

orienta-se seletivamente.

Portando, revela-se importante pesquisar profundamente a atuação da polícia.


Nesse sentido, pode-se afirmar que há a necessidade de inserir o policial no meio em
que vive, pois, quando são respeitados, não precisam esconder-se da população cujo seu
dever é proteger. Policial não é juiz, não lhe sendo lícito aplicar pena alguma, quanto
mais a pena de morte, como ainda acontece nas periferias brasileiras.
Necessário primeiro apontar as causas dessa criminalização orientada por
estereótipos, bem verificar a influência dela no repúdio que a população das periferias
sente da polícia.
Interessa a sociedade buscar formas de garantir a correta atuação policial. Ou em
outras palavras, é necessário acabar com essa guerra. A pesquisa ora proposta justifica-
se pela necessidade de encontrar formulas de que a polícia seja aceita na periferia,
deixando de representar um inimigo e atue de maneira a concretizar os princípios
norteadores do Estado Democrático de Direito.
comprovando a real preocupação do direito penal, os interesses das classes influentes e não a preocupação
em proteger bens essenciais a todos os homens.

9
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do
direito penal: Trad. Juarez Cirino dos Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 166.
16

Necessário também o estudo de Michel Foucalt (2011) por revelar que a atuação
policial é a modo pelo qual os poderosos vigiam e controlam o resto da sociedade.
Raimundo Faoro (2000) ajudará a compreender a origem patrimonialista da
sociedade brasileira e a exclusão dos desprivilegiados.
Jorge de Figueiredo Dias (1997) e Eugenio Raul Zaffaroni (2003) desnudam a
ficção de que o sistema penal é para todos, ao descreverem ao descreverem a perversa
seletividade da criminalização secundária, cuja compreensão será fundamental nesta
pesquisa.
Pretende-se, ainda, estudar a formação dos policiais, civis e militares, em suas
academias, a fim de investigar a influência da formação policial na orientação seletiva.
Enfim, o diálogo teórico entre os autores, a respeito da temática apontada na
pesquisa, tem a finalidade de contribuir para o debate, no sentido da compreensão de
antigas polêmicas, suscitando novas dúvidas e futuros esclarecimentos.

4. METODOLOGIA
Propõe-se uma pesquisa essencialmente teórica. Nesse sentido, será analisado o
objeto de estudo acima descrito a partir da bibliografia pertinente ao tema. Esta será
discutida procurando inseri-la no contexto histórico em que tais análises foram
produzidas, debatendo a participação histórico-social de seus autores. Portanto, pode-se
afirmar que o projeto possui, também, um caráter histórico, pois tem como pressuposto
o processo sócio-histórico no qual os autores em discussão se inseriram. A preocupação
na primeira parte da pesquisa, será evidenciar a atuação policial com base em
estereótipos, com suas consequências no controle da violência e também demonstrar
qual a visão que as classes mais carentes tem do policial.
Na segunda parte, a pesquisa procurará trazer propostas que diminuam a
orientação seletiva e também que ajudem a arrefecer a repulsa que a população tem da
polícia, de maneira a concretizar o modelo de Estado adotado pela Constituição
Federal.
Nesta pesquisa serão adotados procedimentos metodológicos embasados numa
leitura dialética da realidade. A metodologia dialética busca a compreensão da realidade
a partir dela mesma, em que o ser social, por meio da razão, é capaz de captar os “nexos
causais” de seu desenvolvimento histórico-social, na relação entre as esferas do
universal, do particular e do singular. Tais procedimentos metodológicos serão
utilizados com o intuito de esclarecer os nexos que constituem a forma de ser de nosso
17

objeto, qual seja, o estado de guerra entre a polícia e a sociedade num Estado, ao menos
no texto da Constituição da República, democrático.
Os pressupostos metodológicos aferidos, abstratamente acima, reproduzir-se-ão
no concreto imediato a partir da análise das fontes bibliográficas primárias. As fontes
secundárias serão as obras que dizem respeito ao debate teórico contemporâneo sobre
nosso objeto de estudo.

5. CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO
Atividades a serem realizadas Período
1O a 12O mês 13o a 24o mês 25o a 36o mês
1o sem. 2o sem. 1o sem. 2o sem. 1o sem. 2o sem.
Cumprimento dos Créditos x X
Participação em eventos acadêmicos X x
Análise das fontes primárias referentes x X
à 1ª parte
Análise das fontes primárias referentes x x
à 2ª parte
Análise das fontes secundárias x x x
referentes à 1ª e 2ª partes do projeto
Redação da 1ª parte x x
Redação da 2ª parte x x x
Relatórios x x x
Apresentação da qualificação x
Redação final e defesa da tese x x

6. PLANO DE TRABALHO

A) Análise bibliográfica das obras de Max Weber, Michel Foucalt, Jorge de Figueiredo
Dias, autores que serão a fonte primária de investigação, os quais serão
complementados com obras de outros autores que possam contribuir na compreensão
do objeto de pesquisa;
B) Verificar com a moradores da periferia veem a Polícia, utilizando como fonte
primária de pesquisa as músicas de rap.
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C) Visitar as academias das Polícias Civil e Militar no Estado de São Paulo, a fim de
verificar a influência da formação do policial nessa orientação seletiva. Tal estudo será
feito não só com base no currículo das instituições de ensino policial, mas
principalmente pelo estudo do pensamento dos dirigentes da Polícia quando da
conclusão do Curso Superior de Polícia, requisito no Estado de São Paulo, para
exercício das altas funções de comando tanto na Polícia Civil quando na Militar.
D) estudar e apresentar propostas que reduzam a orientação seletiva e
consequentemente aproximem a polícia da sociedade.

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