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Aug e Resp Loj Simb Estrela do Sul Nº 54


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Sem dúvidas, uma das passagens mais icônicas da filosofia moderna está no livro “a gaia ciência”,
de Nietzshce, onde o autor trata da morte de Deus. Suas afirmações correm sério risco de serem
mal interpretadas, podendo levar o leitor à crença de um simples ateísmo por parte do filósofo,
mas tal ingerência desconsidera todo o círculo hermenêutico nietzschiano, que acaba por
evidenciar uma crítica ainda mais feroz: a morte de Deus é, em verdade, a negação de um mundo
suprassensível.
Enquanto o mundo sensível é o plano físico em sentido mais amplo, o suprassensível é aquele
representado pela metafísica, onde se concentram os valores imateriais relacionados à virtude e
espiritualidade. O autor, portanto, ao afirmar que Deus está morto, se refere às muletas
metafísicas que ligam o homem a uma moralidade cristã, de negação das paixões terrenas e das
sensações do plano sensível. Para o filósofo, todo esse ideal perdeu a consistência e a importância
na passagem para a modernidade.
O que se observa em seu raciocínio é a transferência de valores da esfera do ser da transcendência
para a esfera imanente da vontade e das paixões, ou seja, a valorização da maximização da
felicidade por meio da satisfação dos desejos. Apesar de aparentemente óbvio, essa filosofia moral
torna-se um dilema quando aplicada em situações extremas.
Peço que imaginem um grupo de 4 marinheiros que estão à deriva em algum lugar do oceano,
esperando por resgate. O grupo possui suprimentos para alguns dias e conseguem dividir de forma
justa para todos os 4. Passados alguns dias, um deles decide beber a água do mar, contrariando a
recomendação de seus companheiros e logo fica doente. É o marinheiro mais jovem, tem apenas
17 anos, estava em sua primeira viagem e, portanto, não se poderia cobrar dele a experiência dos
demais. Já em situação crítica, os 3 marinheiros decidem matar o enfermo para se alimentarem
de sua carne, dando início ao dilema que proponho.
Esse pequeno exemplo ilustra duas concepções clássicas e opostas de justiça. A primeira diz que a
moral de uma ação depende unicamente das consequências que ela acarreta, logo, a coisa certa a
se fazer é aquele que produz os melhores resultados, levando em considerando todos os aspectos
possíveis, por óbvio. A segunda abordagem compreende que as consequências não são tudo com
o que devemos nos preocupar, pois existiriam deveres e valores inerentes à condição humana que
independem do resultado prático de determinada ação.
A parti dessa análise é possível observar que a primeira percepção se aproxima mais do que
propõe Nietzsche, da prevalência de um plano sensível e que leva em conta fatores eminentemente
práticos e mundanos. A segunda visão é relacionada ao que o autor denomina como “Deus” e
torna o juízo material (leia-se: terreno) bastante diminuto, pois acrescenta valores superiores que
são indiferentes às convenções dos homens, bem como às suas necessidades enquanto entidade
corpórea.
A Maçonaria parece se apegar ao segundo conceito. No momento em que o texto de primeira
instrução diz “o trabalho de desbastar a pedra bruta, isto é, desvencilhar-se dos defeitos e paixões,
para poder concorrer à construção moral da Humanidade, que é a verdadeira obra da
maçonaria”, ela reconstrói aquelas muletas metafísicas que mencionei alhures. A régua, o maço e
o cinzel, juntos, nos ensinam sobre o trabalho da abnegação, que por meio de uma atividade
intelectual enfrenta os dilemas da vida cotidiana a fim de aplicar juízos virtuosos que não buscam
um prazer de indivíduo ou grupo, mas de toda a humanidade.
O venerável mestre diz ainda que o homem deve ser visto como “ser superior aos demais, usando
conscientemente de seus deveres e de seus direitos, para chegar ao apogeu da perfeição a que é
destinado”. Em outras palavras, o destaque dado à consciência traduz exatamente o afastamento
dos instintos, isto é, da satisfação individual associada aos seres irracionais. Posteriormente, o
Primeiro Vigilante explica que estes instintos representam o mal, “o lado fraco da nossa natureza,
o passo escorregadio da vida sensitiva”.

Ladeira do Acupe, 3, Brotas – CEP 40.290-160


Salvador – Bahia – Brasil – Fundada em 1954
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Deve-se, então, resgatar o elo quebrado na passagem para a idade moderna, marcada pelo
individualismo e pela perda de consciência coletiva. A função do obreiro é se desvincular de todo
esse juízo utilitarista, buscando a lapidação de sua mente por meio dos valores gerais, coletivos
que objetivam uma felicidade e plenitude de todos os seres.

REFERÊNCIAS

- O saber dos Antigos, de Giovani Reale


- Justiça, de Michael Sandel
- Ritual maçônico de aprendiz

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