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JÉSSICA LIRA
EMENTA
PROGRAMA
1
“UMA TEORIA QUE OPERA NO CAMPO DA CLÍNICA”
Latim: Transmittere.
Sig.: “atribuir a outrem; referir; contar; transferir; transportar.
- “Trans”: através.
- “Mittere”: enviar.
“(...) A inclusão da Psicanálise no currículo universitário seria sem dúvida olhada com satisfação
por todo psicanalista. Ao mesmo tempo, é claro que o psicanalista pode prescindir
completamente da universidade sem qualquer prejuízo para si mesmo. Porque o que ele
necessita, em matéria de teoria, pode ser obtido na literatura especializada e, avançando ainda
mais, nos encontros científicos das sociedades psicanalíticas, bem como no contato pessoal com
os membros mais experimentados dessas sociedades. No que diz respeito à experiência prática,
além do que adquirir com a sua própria análise pessoal, pode consegui-la ao levar a cabo os
tratamentos, uma vez que consiga supervisão e orientação de psicanalistas reconhecidos. ”
(FREUD, 1919).
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OS ENCONTROS DAS QUARTAS-FEIRAS DA SOCIEDADE:
• Início: 1901 – “(...) um certo número de médicos mais jovens
reuniu-se em torno de mim com a intenção expressa de aprender,
praticar e difundir a Psicanálise”, disse Freud.
• Quem sugeriu que o grupo inicia-se?
Wilhelm Stekel – foi paciente de Freud; Era médico; apaixonou-se
pela Psicanálise após seu êxito clínico com Freud.
• Grupo inicial: Stekel, Max Kahane; Rudolf Reitler e Alfred Adler.
• As sociedades psicanalíticas: as Escolas de Psicanálise; A
formação do analista e o tripé psicanalítico.
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Termo derivado das belas-artes (sublime), da química (sublimar) e da psicologia (subliminar), para
designar ora uma elevação do senso estético, ora uma passagem do estado sólido para o estado gasoso, ora,
ainda, um mais-além da consciência. Sigmund Freud* conceituou o termo em 1905 para dar conta de um
tipo particular de atividade humana (criação literária, artística, intelectual) que não tem nenhuma relação
aparente com a sexualidade*, mas que extrai sua força da pulsão* sexual, na medida em que esta se desloca
para um alvo não sexual, investindo objetos socialmente valorizados. (ROUDINESCO & PLON, 1998).
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Ler: Freud: uma vida para o nosso tempo, de Peter Gay.
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SÍNTESE DOS PRINCIPAIS ACONTECIMENTOS E MARCOS
TEÓRICOS:
4
▪ 1893: Freud vai a Berlim para encontrar Fliess. Formula, numa carta a
Fliess, a teoria da sedução traumática, que abandonará 4 anos mais
tarde. Morte de Charcot. Nascimento de sua segunda filha, Sophie.
▪ 1894: Freud escreve artigo sobre “As psiconeuroses de defesa”.
▪ 1895: Publicação de “Estudos sobre a Histeria”. 23-24 de julho tem
um sonho (A injeção de Irma); pela 1ª vez interpreta esse sonho.
Escreve “Projeto para uma Psicologia científica”. Nascimento de sua
última filha, Anna.
▪ 1896: Rompimento com Breuer. Freud utiliza pela 1ª vez o termo
“Psicanálise”. Morte de seu pai, Jacob. Em uma carta a Fliess, Freud
utiliza pela 1ª vez o termo “aparelho psíquico”.
▪ 1897: Freud inicia a sua auto análise. Ele desiste da teoria da sedução.
Em carta a Fliess, formula sua 1ª interpretação da tragédia de Sófocles,
Édipo Rei.
▪ 1898: Termina a escrita de A Interpretação dos Sonhos, exceto o cap.
VII.
▪ 1899: Publica “A Interpretação dos Sonhos”, datado pelo editor como
sendo de 1900.
▪ 1900: Fliess acusa Freud de roubar sua ideia sobre a bissexualidade e
os dois rompem.
▪ 1901: Publica “Sobre a psicopatologia da vida cotidiana”.
▪ 1902: Freud é nomeado professor extraordinário. Criação da
Sociedade psicológica das Quartas-feiras, em Viena.
▪ 1905: Publica “Três Ensaios”; “Caso Dora”.
▪ 1906: Início da correspondência com Jung.
▪ 1907: Início da análise de Ernst Lanzer (O homem dos ratos);
▪ 1908: A Sociedade psicológica das Quartas-feiras torna-se a sociedade
psicanalítica de Viena.
▪ 1909: Viagem aos EUA com Jung e Ferenczi: conferência de Freud na
Clark University.
▪ 1910: Início da análise de Serguei Pankejeff (O homem dos lobos).
Ferenczi propõe a criação de uma organização internacional (a IPA).
Jung é eleito presidente.
▪ 1913: Ruptura definitiva com Jung.
▪ 1915: Freud escreve diversos artigos sobre a metapsicologia.
▪ 1920: Sophie, filha de Freud, morre aos 27 anos de gripe espanhola.
▪ 1923: Freud descobre um câncer na mandíbula. Morte de Heinerle,
neto preferido de Freud, segundo filho de sua filha Sophie.
▪ 1930: Freud recebe o prêmio Goether em Frankfurt. A mãe de Freud
morre aos 95 anos.
▪ 1933: Nazistas queimam os livros de Freud em Berlim. Emigração em
massa dos psicanalistas alemães.
▪ 1938: Freud deixa Viena, com sua mulher e sua filha Anna, graças a
ajuda da princesa Marie Bonaparte.
▪ 1939: 23 de setembro – morte de Freud, às 3 horas da manhã.
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II. A Clínica da histeria como origem:
Aspectos históricos:
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• Segundo Roudinesco & Plon (1998) a histeria é a “doença” princeps e proteiforme
que possibilitou não apenas a existência de uma clínica freudiana, mas também o
nascimento de um novo olhar sobre a feminilidade.
Charcot e a Hipnose:
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O pressuposto do mesmerismo era o de que os seres animados estavam sujeitos às influências magnéticas,
pois os corpos dos animais e do homem são dotados das mesmas propriedades que o ímã. Essas ideias
levaram Anton Mesmer, doutor em medicina pela Universidade de Viena, a experimentar clinicamente a
eficácia do magnetismo. A novidade de Mesmer residiu em substituir o ímã, que era comumente empregado
com fins terapêuticos, pelo seu próprio corpo. Não há necessidade de ímãs, basta o contato de sua mão para
que o efeito terapêutico seja alcançado.
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permite afastar a hipótese de simulação, o grande fantasma da
psiquiatria do século XIX.
• Charcot conseguiu notar posteriormente a noção de trauma em suas
pacientes histéricas e as ressonâncias deste trauma para os sintomas
que eram apresentados. O que Charcot não esperava era que nas
narrativas que eram postas, o componente sexual ficasse evidente.
No inverno de 1885, Freud vai a Paris e assiste ao curso de Charcot, cujas aulas práticas eram
ministradas na Salpêtrière, e adere entusiasticamente ao modelo fisiológico oferecido por ele para a
histeria. Os aspectos mais salientados tanto por Charcot como por Freud, nesse período, eram os que
diziam respeito ao fato de que a histeria não era uma simulação, que ela era uma doença funcional com
um conjunto de sintomas bem definido e na qual a simulação desempenhava um papel desprezível.
Outro ponto enfatizado por ambos foi que a histeria era tanto uma doença feminina como masculina,
desfazendo dessa forma a ideia de que apenas as mulheres padeciam de manifestações histéricas (como
sugeria o próprio termo “ histeria”, que deriva da palavra grega hystéra, que significa “ útero”).
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• Breuer era grande amigo de Freud e que no início da carreira de Freud o ajudou
bastante. Breuer acreditava na genialidade e competência de Freud e assim dividiu
com ele muitas das suas aflições clínicas.
• Breuer teve grande influência em boa parte das pesquisas iniciais de Freud e em
sua vida pessoal também. Alguns biógrafos afirmam que a figura desempenhada
por Breuer para Freud era a figura paterna.
• Freud inventou o método catártico para a histeria. Redigiu, juntamente com Freud,
a obra inaugural da Psicanálise “Estudos sobre a Histeria”. Ademais, Breuer teve
uma importante paciente para a história da Psicanálise, Bertha Pappenheim, mais
conhecida como Anna O.
• Muitas discordâncias pesaram na relação de Breuer e Freud, sobretudo no que
tange ao entendimento da histeria, da sexualidade e da ciência. Freud queria
construir uma obra teórica absolutamente inovadora para a época; enquanto
Breuer continuava um erudito clássico, ligado aos princípios da fisiologia de seu
tempo.
• Anna O. (Bertha Pappenheim), era uma jovem que era extremamente controlada
pelos pais e que tornou-se mundialmente conhecida por ser considerada como o
caso clínico inaugural da Psicanálise. O interessante é que Anna O. era paciente
de Breuer e não de Freud.
• Anna O. começou a desenvolver um conjunto de sintomas muito chamativos,
como: alucinações em que os ponteiros do relógio se deformam, em que ela vê
cobras no jardim, ela se vê impossibilitada de beber qualquer líquido que não seja
suco, ela perde a capacidade falar alemão e passa a falar somente em inglês, ela
sente muitas dores no corpo e produz um estrabismo convergente nos olhos. Os
sintomas produzidos por Anna O. são indubitavelmente desafiadores.
• Freud e Breuer escrevem “Estudos sobre histeria” a quatro mãos e têm muitas
divergências, pois cada um tem um entendimento distinto sobre a Histeria.
• Para Breuer, a histeria é paradigmática. Para ele, a histeria é uma espécie de
retenção de afeto, que se descola para o corpo como uma forma de conversão (este
que é sintoma principal da histeria. Freud acompanhava esta ideia até certo ponto,
pois ele acreditava que estes afetos retidos, estas emoções retidas, eram de
natureza sexual.
• Freud escutava e discutia com Breuer a respeito do caso de Anna O., mas era
Breuer quem ia até a casa da referida paciente e a submetia a sessões diárias de
hipnose.
• Breuer utilizava-se daquilo que denominou de método catártico.
O método catártico.
• Breuer intitulo o seu método clínico de catártico (de Kátharsis, que significa
purgação), pois o que ocorria durante o tratamento era uma “purgação” ou uma
descarga do afeto que estava originalmente ligado à uma experiência traumática.
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III. Recalque & Inconsciente.
▪ TRAUMA E DEFESA
o Freud passa a aplicar uma técnica que unia a sugestão hipnótica à catarse. Com o
tempo, porém, verifica que a sugestão, por seu caráter excessivamente diretivo e
coercitivo, acabava criando um obstáculo à pesquisa. Nesse momento, abandona
a hipnose e se defronta com um fenômeno que não podia ocorrer com o paciente
sob efeito hipnótico: a defesa. Tem início, então, sua independência com relação
a Breuer e a seus contemporâneos, incluindo-se aí Charcot e Bernheim.
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o A defesa surge, desta forma, como uma censura do eu do paciente à ideia
ameaçadora, forçando-a a se manter fora da consciência. Ao mecanismo de
transformação da carga de afeto ligada a essas ideias em sintomas corporais, Freud
denomina conversão. A resistência foi interpretada por Freud como o sinal
externo de uma defesa (Abwer) cuja finalidade era manter fora da consciência a
ideia ameaçadora.
o Sob essa forma, defesa não se confunde com recalque, já que este último possui
uma especificidade que não encontramos na primeira. Com o emprego cada vez
mais constante da noção e pelo fato de Freud passar a referi-la mais à pulsão do
que às excitações provenientes de fonte exógena, a defesa passa a ser vista com
uma operação que se exerce de forma inconsciente.
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- Carta a Fliess em 21 de setembro de 1897: “Não acredito mais em minha
neurótica”.
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- A partir de Freud: “sonhos são realizações de desejos inconscientes”. Não é mais
uma espécie de adivinhação como era tido outrora.
- Sonho: formação do inconsciente.
- Interpretação dos sonhos é a via real que leva o sujeito ao conhecimento das
atividades inconscientes da psiquê. E é o melhor caminho para o estudo das
neuroses.
A QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO:
O DESEJO EM CENA:
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- A presente obra nos mostrou a importância do advento interpretativo na clínica
psicanalítica: a fala do paciente deve ser desvelada.
- A descoberta (descrita) dos desejos incestuosos – Complexo de Édipo em questão (Cap.
V).
- Freud, com o passar dos anos, acrescenta pontos em sua obra – ela continha rico
conhecimento desde os primórdios.
- Último cap. – utilizado para ensejo na criação de obras como Além do Princípio do
Prazer (1920) e O Eu e o Isso (1923): concepção do aparelho psíquico.
O Projeto:
Publicado em 1895, o Projeto para uma psicologia científica é uma forma que
Freud encontrou para transformar tudo aquilo em que acreditava e que estava
debruçado estudando em Ciência, de fato.
Todavia, o Freud médico ainda estava muito presente nos escritos iniciais de
Freud.
Segundo o próprio Freud, o Projeto para uma psicologia científica é:
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Primeira tópica freudiana: inconsciente4, consciente e pré-consciente.
Das percepções que nos chegam, resta um traço em nosso aparelho psíquico
que podemos chamar de “traço mnêmico”. Chamamos de “memória” a função
relacionada com esse traço mnêmico [o qual] apenas pode consistir em
modificações permanentes nos elementos dos sistemas.
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O pré-consciente submete o material inconsciente a uma crítica, resultando disso
uma exclusão da consciência. Ele se encontra entre o inconsciente e a consciência
como um anteparo a esta última, mantendo com ela íntima relação. Esta instância
crítica é identificada como aquilo que guia nossa vida de vigília e decide sobre
nosso agir consciente, voluntário, estando situada na extremidade motora.
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corresponde também à oposição entre o princípio de prazer e o princípio de
realidade.
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Ler: Capítulo VII da Interpretação dos Sonhos, de Freud.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GAY, P. Freud: uma vida para o nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras,
1989.
MEZAN, R. Freud: pensador da cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 1985.
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A SEXUALIDADE EM FREUD: complexo de Édipo e desejo.
MITO ÉDIPO REI: Laio, rei da cidade de Tebas e casado com Jocasta, foi advertido
pelo oráculo de que não poderia gerar filhos e, se esse mandamento fosse desobedecido,
ele seria morto pelo próprio filho, que se casaria com a mãe.
O rei de Tebas não acreditou e teve um filho com Jocasta. Depois arrependeu-se do que
havia feito e mandou abandonarem a criança numa montanha com os tornozelos furados
para que ela morresse. A ferida que ficou no pé do menino é que deu origem ao nome
Édipo, que significa pés inchados. O menino não morreu e foi encontrado por alguns
pastores, que o levaram a Polibo, o rei de Corinto, este que o criou como filho legítimo.
Já adulto, Édipo também foi até o oráculo de Delfos para saber o seu destino. O oráculo
disse que o seu destino era matar o pai e se casar com a mãe. Espantado, ele deixou
Corinto e foi em direção a Tebas. No meio do caminho, encontrou com Laio que pediu
para que ele abrisse caminho para passar. Édipo não atendeu ao pedido do rei e lutou com
ele até matá-lo.
Sem saber que havia matado o próprio pai, Édipo prosseguiu sua viagem para Tebas. No
caminho, encontrou-se com a Esfinge, um monstro metade leão, metade mulher, que
atormentava o povo tebano, pois lançava enigmas e devorava quem não os decifrasse. O
enigma proposto pela esfinge era o seguinte: Qual é o animal que de manhã tem quatro
pés, dois à tarde, e três à noite? Ele disse que era o homem, pois na manhã da vida
(infância) engatinha com pés e mãos, à tarde (idade adulta) anda sobre dois pés e à noite
(velhice) precisa das duas pernas e de uma bengala. A Esfinge ficou furiosa por ter sido
decifrada e se matou.
O povo de Tebas saudou Édipo como seu novo rei, e entregou-lhe Jocasta como esposa.
Depois disso, uma violenta peste atingiu a cidade e Édipo foi consultar o oráculo, que
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respondeu que a peste não teria fim enquanto o assassino de Laio não fosse castigado. Ao
longo das investigações, a verdade foi esclarecida e Édipo cegou-se e Jocasta enforcou-
se.
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Noção de castração: “designa uma experiência psíquica completa, inconscientemente
vivida pela criança por volta dos 5 anos de idade e decisiva para a assunção de sua futura
identidade sexual.”
❖ 5 etapas na castração (meninos)
1 – Todos possuem um pênis;
2- Pênis é ameaçado;
3- Menino vê seres castrados: a ameaça é real;
4- Mãe é castrada: emergência da angústia;
5- Menino aceita a lei da castração.
Por que elaborar uma teoria da sexualidade que tenha como pressuposto
básico a infância?
Qual a característica fundamental da sexualidade infantil? “Pequeno
perverso polimorfo”.
Que é, então, o Édipo? O Édipo é a experiência vivida por uma criança de cerca de
quatro anos que, absorvida por um desejo sexual incontrolável, tem de aprender a limitar
seu impulso e ajustá-lo aos limites de seu corpo imaturo, aos limites de sua consciência
nascente, aos limites de seu medo e, finalmente, aos limites de uma Lei tácita que lhe
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ordena que pare de tomar seus pais por objetos sexuais. Eis então o essencial da crise
edipiana: aprender a canalizar um desejo transbordante. No Édipo, é a primeira vez na
vida que dizemos ao nosso insolente desejo: “Calma! Fique mais tranquilo! Aprenda a
viver em sociedade!” Assim, concluímos que o Édipo é a dolorosa e iniciática passagem
de um desejo selvagem para um desejo socializado, e a aceitação igualmente dolorosa de
que nossos desejos jamais serão capazes de se satisfazer totalmente.
O Édipo, no entanto, é mais que uma crise sexual e uma fantasia que ela modela
no inconsciente; é também um conceito, o mais crucial dos conceitos psicanalíticos.
Diria que é a própria psicanálise, uma vez que o conjunto dos sentimentos que a criança
experimenta durante essa experiência sexual que chamamos de complexo de Édipo é,
para nós psicanalistas, o modelo que utilizamos para pensar o adulto que somos. Assim
como a criança edipiana, percebemos a escalada do desejo pelo outro, forjamos
fantasias, sentimos prazer com nosso corpo ou o corpo do outro, temos medo de ser
superados por nossos impulsos e aprendemos, finalmente, a refrear nosso desejo e
nosso prazer para viver em sociedade. Que é a psicanálise senão uma prática sustentada
por uma teoria que concebe o homem de hoje a partir da experiência edipiana vivida
por todas as crianças quando têm de aprender a refrear seu desejo e moderar seu
prazer?
Enfim, o Édipo é também um mito, já que essa crise real e concreta vivida por
uma criança de quatro anos, é uma explosiva alegoria da luta entre as forças impetuosas
do desejo sexual e as forças da civilização que se lhe opõem. O melhor desfecho para
essa luta é um compromisso chamado pudor e intimidade.
Em resumo... O Édipo é:
1. É uma chama de sexualidade vivida por uma criança de quatro anos no cerne da
relação com seus pais.
2. É uma fantasia sexual forjada inocentemente pelo menino ou pela menina para aplacar
o ardor de seu desejo.
3. É também a matriz de nossa identidade sexual de homem e de mulher, pois é durante
a crise edipiana que a criança sente pela primeira vez um desejo masculino ou feminino
em relação ao genitor do sexo oposto.
4. É ainda uma neurose infantil, modelo de todas as nossas neuroses adultas.
5. É uma fábula simbólica que põe em cena uma criança encarnando a força do desejo,
e seus pais encarnando tanto o objeto desse desejo quanto o interdito que o refreia.
6. É a chave-mestra da psicanálise. É o conceito soberano que gera e organiza todos os
outros conceitos psicanalíticos e justifica a prática da psicanálise.
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7. É, enfim, o drama infantil e o inconsciente que todo analisando representa na cena do
tratamento ao tomar seu psicanalista como parceiro.
A sexualidade infantil:
- A teoria da sexualidade infantil representa o fundamento essencial da teoria psicanalítica
desenvolvida por Freud no segundo dos Três ensaios (...). Essa teoria causou polêmica
na época, o que não significa que a sexualidade infantil teria sido negada no século XIX.
O que se negou foi a forma como Freud abordou o tema, pois a sexualidade infantil era
entendida sob formas de controle e vigilância exercidas sobre a criança.
- Autoerotismo: A primeira vez que Freud empregou o termo “autoerotismo” foi numa
carta a Fliess, em 9 de dezembro de 1899, e designou como o estrato sexual mais
primitivo, agindo com independência de qualquer fim psicossexual e exigindo somente
sensações locais de satisfação (FREUD, 2006, 377).
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DESENVOLVIMENTO NA PSICANÁLISE
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FASE FÁLICA LATÊNCIA
- Entre os 3 e 5 anos. Um tempo no qual os desejos sexuais da fase
são recalcados com sucesso, pelo supereu.
- Órgãos genitais privilegiados. Durante ele, o desejo sexual torna-se
- A questão das diferenças sexuais. inconsciente. Nesse período da vida, depois
que a primeira eflorescência da sexualidade
- Complexo de Édipo: estruturação da feneceu, surgem experiências como
personalidade. vergonha, repulsa e moralidade, resultado
da relação.
- Diferenças entre meninos e meninas.
- SUPEREU: herdeiro do complexo de Édipo.
Metapsicologia freudiana:
- Os artigos da Metapsicologia representam a tentativa mais concentrada de Freud de
esclarecimento das bases teóricas sobre as quais está assentada a psicanálise. Os cinco
artigos que compõem o conjunto — As pulsões e seus destinos, O recalque, O
inconsciente, Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos e Luto e melancolia —
fazem parte de uma coletânea de 12 artigos da qual os outros sete se perderam. Todos os
artigos restantes foram escritos no ano de 1915 quando Freud teve sua clínica bastante
reduzida em decorrência da eclosão da Primeira Guerra Mundial.
- “A teoria das pulsões é, por assim dizer, nossa mitologia” , escreve Freud (ESB, v. XXII,
p. 119).
- Como se dá a pulsão em Freud: ela nunca se dá por si mesma (nem a nível consciente,
nem a nível inconsciente), ela só é conhecida pelos seus representantes: a ideia
(Vorstellung) e o afeto (Affekt). Além do mais, ela é meio física e meio psíquica. Daí seu
caráter “mitológico”
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- Pulsão, diz Freud, é “ um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático” ;
ou ainda, “ é o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo
e alcançam a mente” (ESB, v. XIV, p. 142).
- Paulo César de Souza considera a tradução francesa de trieb por pulsion como uma
resposta a uma biologização injustificável que a tradução inglesa do mesmo termo por
instinct provocou.
▪ Ponto centralizadores:
- Pulsão difere-se do instinto7, não se reduz às simples atividades sexuais;
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Por instinto se entende um comportamento inato, fixado hereditariamente, comum aos indivíduos de uma
espécie: o instinto migratório de certas aves, por exemplo. Em resumo: instinto é um comportamento pré-
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- Há quatro características da pulsão para Freud:
“A “força” ou “pressão” constitui a própria essência da pulsão e a situa como o motor
da atividade psíquica. O “alvo”, isto é, a satisfação, pressupõe a eliminação da excitação
que se encontra na origem da pulsão; esse processo pode comportar “alvos
intermediários” ou até fracassos, ilustrados pelas pulsões — chamadas de pulsões
“inibidas quanto ao alvo” — que se desviam parcialmente de sua trajetória. O “objeto”
da pulsão é o meio de ela atingir seu alvo, e nem sempre lhe está originalmente ligado.
(Alfred Adler, citado por Freud, havia assinalado isso ao falar do “entrecruzamento das
pulsões”: um mesmo objeto pode servir, simultaneamente, para a satisfação de várias
pulsões.) Por último, a “fonte” das pulsões é o processo somático, localizado numa parte
do corpo ou num órgão, cuja excitação é representada no psiquismo pela pulsão.”
Da infância à puberdade, a pulsão sexual não existe como tal, mas assume a forma
de um conjunto de pulsões parciais, as quais é importante não confundir com as
pulsões classificadas por categoria (cuja existência Freud sempre rejeitou, como
é atestado, por exemplo, por sua refutação da ideia de uma pulsão gregária em
Psicologia das massas e análise do eu). O caráter sexual das pulsões parciais, cuja
soma constitui a base da sexualidade infantil, define-se, num primeiro momento,
por um processo de apoio em outras atividades somáticas, ligadas a determinadas
zonas do corpo, as quais, dessa maneira, adquirem o estatuto de zonas erógenas.
Assim, a satisfação da necessidade de nutrição, obtida através do sugar, é uma
fonte de prazer, e os lábios se transformam numa zona erógena, origem de uma
pulsão parcial. Num segundo momento, essa pulsão parcial, cujo caráter sexual é
assim ligado ao processo de erotização da zona corporal considerada, separa- se
de seu objeto de apoio para se tornar autônoma. Funciona então de maneira auto
erótica. Esse registro do autoerotismo constitui a fase preparatória da instauração
do que Freud chamaria, alguns anos depois, de narcisismo primário, resultante da
convergência das pulsões parciais para o eu inteiro, e não mais apenas para uma
zona corporal específica. Posteriormente, a pulsão sexual pode encontrar sua
unidade através da satisfação genital e da função da procriação.
fixado em uma determinada espécie e que prescinde que você siga o mesmo padrão comportamental outrora
estabelecido pela sua espécie.
Segundo Laplanche & Pontalis (2008, p. 241), Instinto é “(...) classicamente, esquema de comportamento
herdado, próprio de uma espécie animal, que pouco varia de um indivíduo para outro, que se desenrola
segundo uma sequência temporal pouco suscetível de alterações e que parece corresponder a uma
finalidade”.
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O conceito de Narcisismo:
- O termo “narcisismo” foi empregado pela primeira vez por Freud em 1909, durante uma
reunião da Sociedade Psicanalítica de Viena, quando o apontou como um estágio
necessário entre o autoerotismo e o amor objetal. Nesse mesmo ano, ao preparar a
segunda edição dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, incluiu uma nota de
rodapé sobre a natureza bissexual do indivíduo, na qual o termo “narcisismo” aparece
pela primeira vez em seus escritos.
- A leitura desse artigo supõe, contudo, que tenhamos passado previamente pelos Três
ensaios sobre a teoria da sexualidade, de 1905. Isto não apenas pela nota de rodapé na
qual Freud faz menção ao narcisismo, mas sobretudo pelo conceito de autoerotismo
desenvolvido no ensaio que tem por título “A sexualidade infantil.
- Freud tem sua atenção despertada para a sexualidade, considerada fator importante na
constituição das neuroses, pelo menos dez anos antes da publicação dos Três ensaios.
Num artigo de 1895, que tem por título “Sobre a justificativa de se separar da neurastenia
uma determinada síndrome intitulada ’neurose de angústia’”, ele aponta o acúmulo de
excitação sexual não descarregada como o fator preponderante na etiologia da neurose.
Nesse mesmo texto, distingue a excitação sexual somática da libido sexual de ordem
psíquica, embora ainda não considere esta última inconsciente.
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SEXUALIDADE INFANTIL:
A TEORIA DA LIBIDO:
- A libido é concebida por ele como uma energia psíquica, como a expressão anímica da
pulsão sexual,21 ou ainda como uma força suscetível de variações quantitativas que
poderia servir de medida para os processos e as transformações no domínio da excitação
sexual. O fato, porém, é que ela não se constitui numa ideia clara e distinta para a
psicanálise. A palavra libido, em latim, tem uma significação aproximada a “vontade” e
“desejo”; Freud assinala que a palavra alemã mais aproximada do que ele pretende
designar por “libido” é Lust (prazer, gana), mas que é inadequada porque designa tanto a
sensação de necessidade como a de satisfação; finalmente, em várias passagens, emprega
os termos “libido” e “pulsão sexual” como se fossem sinônimos.
1. A libido é referida à pulsão sexual e apenas a ela, sendo irredutível a qualquer outra
forma de energia anímica. A ênfase de Freud sobre este ponto era justificada pelo fato de
Jung ter proposto uma libido primordial indiferenciada que poderia ser sexualizada ou
dessexualizada. O conceito deixa de designar a energia sexual e passa a designar uma
tensão geral, indeterminada, uma espécie de élan vital. O que para Jung soava como uma
ampliação do conceito, para Freud soava como uma diluição que, além de não trazer
qualquer benefício teórico, obscurecia o conceito por ele produzido.
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A segunda tópica freudiana: EU, ISSO E SUPEREU.
- Além do princípio do prazer (1920);
- O Eu e o Isso (1923).
- A questão da modificação do EU pelo ISSO e pelas influências externas.
As instâncias ideais e o SUPEREU:
- EU IDEAL X IDEAL DE EU:
O eu ideal é uma instância que remete àquilo que nós gostaríamos de ter sido, àquilo que teria sido
o nosso lugar no desejo dos nossos pais, das expectativas da sociedade, daquilo que o outro espera
da gente. O eu ideal corresponde a uma figura do narcisismo. No fundo é um objeto para o outro,
aquilo que completaria este outro.
Já o Ideal de eu é uma instância secundária, ela é formada a partir do complexo de édipo e tem a ver
com uma substituição simbólica desse narcisismo mais primário. Ela diz para gente o que devemos
ser como um ideal, tomando algo, alguém como ideal para poder autorizar o nosso próprio desejo.
Enquanto o eu ideal é uma instância imaginária, o ideal de eu é uma instância simbólica. Ela (ideal
de eu) diz: “é como eu devo ser para poder desejar aquilo com quem me identifico”.
Substituímos às figuras que outrora foram fundamentais em nossas vidas (pai, mãe) por outras
figuras ideais (professor, médico, analista, namorado, etc.) justamente pela via do ideal de eu. É a
partir dele que montamos as nossas estruturas fundamentais de admiração e que servirão de base
para elegermos quem vamos “amar”. Amar alguém é, no fundo, colocar/incluir esta pessoa no nosso
espectro de ideal de eu.
Ideal de eu é uma instância de formação da nossa personalidade, junto com o supereu. Enquanto o
supereu diz “isto não pode! Isto não é permitido”, o ideal do eu apresenta-se para nós como
formulador de nossos
Aideais reguladores,
questão aquiloàdorepetição
da compulsão qual a gente tenta sesobretudo
em Freud, aproximar,em
aquilo
Alémpelo
do qual
a gente se orienta, o nosso horizonte, portanto
princípio do prazer: o ideal de eu nunca se alcança.
31
REFERÊNCIAS COMPLEMENTARES:
32
A FEMINILIDADE NA TEORIA FREUDIANA: primeiras questões!8
8
Este tópico inteiro foi retirado do segundo capítulo do meu livro, intitulado: “Macabéa, pobre Macabéa –
desamparo e feminilidade no romance clariciano”.
33
• “Confiar-lhe-ei de imediato o grande segredo que lentamente comecei a
compreender nos últimos meses”, diz Freud ressentido na hoje famosa carta 69
ao seu amigo e correspondente Fliess. E acrescenta: “não acredito mais em minha
neurótica”. Nesta carta do ano de 1897, Freud aborda o fato de que estava
enganado quanto à sua teoria traumática da neurose e que se regozija de assim
descobrir, pois, caso não tivesse se dado conta, poderia comprometer todo o seu
trabalho posterior.9
• Na carta de número 71, datada em 15 de outubro de 1897, Freud descobre e cita
pela primeira vez algo que é universal: “verifiquei, também no meu caso, a
paixão pela mãe e o ciúme do pai, e agora considero isso como um evento
universal do inicio da infância, mesmo que não tão precoce como nas crianças
que se tornaram histéricas (p. 316)”. E continua:
Sendo assim, podemos entender a força avassaladora do Oedipus Rex, apesar
de todas as objeções levantadas pela razão contra a sua pressuposição do
destino; (...) a lenda grega capta uma compulsão que toda pessoa reconhece
porque sente sua presença dentro de si mesma. Cada pessoa na plateia foi, um
dia, em germe ou na fantasia, exatamente um Édipo como esse, e cada qual
recua, horrorizada, diante da realização de sonho aqui transposta para a
realização de sonho aqui transposta para a realidade com toda a carga de
recalcamento que separa seu estado infantil do seu estado atual (p. 316).
9
O prazer que Freud tinha em se corresponder por meio de cartas com alguns de seus contemporâneos
é notório. Há, inclusive, estudos pós-freudianos que se dedicam a investigar somente estas
correspondências, pois acreditam que nelas se encontram rastros e respostas de teorias publicadas em
determinadas épocas da construção da psicanálise. As correspondências entre Freud e Fliess são
significativas para o entendimento de conceitos basilares da psicanálise, como o complexo de Édipo,
por exemplo.
34
• Dando um salto cronológico, chegamos ao mais debatido, pesquisado e
conhecido caso de Freud: o caso Dora. De maneira que inicio a referência a este
caso afirmando que o seu reconhecimento é justo, tendo em vista que foi a partir
dele que importantes conceitos e técnicas psicanalíticas foram postulados,
inclusive o pilar da análise: a transferência.
• Dentre as questões que poderiam ser discutidas a respeito da problemática da
feminilidade, me remeto a algo que está por trás do dilema central de Dora e que
Freud, por questões que podem ser discutidas, deixou de levar em consideração.
Dora, a todo instante, quer a resposta da sentença: o que é ser uma mulher? Ou
até mesmo quer a resposta do enigma que ficou famoso e disseminado no
imaginário popular: o que quer uma mulher? Dora, neste sentido, queria
respostas!
• A questão que atormenta Dora e que não a abandona é saber o que deseja uma
mulher ou até mesmo como é ser uma mulher. À vista deste impasse, podemos
entender o seu fascínio pela Senhora K, aquela que é desejada por todos, até
mesmo pelo pai de Dora:
Muito mais que uma paixão, o que liga Dora à Sra. K. é uma questão: o que é
ser uma mulher? É a partir dessa questão, encarnada na Sra. K., que Dora se
situa em uma relação triangular. Todos, ou seja, ela, seu pai, e o Sr. K.,
idolatram a Sra. K. Dora, de certa forma, é condescendente com o assédio do
Sr. K. Mas ela o esbofeteia quando ele lhe diz que a Sra. K. não é nada para
ele (FERREIRA; MOTTA, 2014, p. 22).
• Partindo dessa citação, torna-se imperioso afirmar que Dora não suporta escutar
que aquela a quem ela tem como um modelo identificatório, justamente por
reunir traços que configurariam algum tipo de resposta para o seu próprio
enigma, não seria relevante de alguma maneira para quem quer que fosse,
inclusive para seu próprio marido. Pois é como se este fato refletisse na própria
imagem de Dora e também a tornasse irrelevante.
• Mas o caso Dora nos é relevante para entender questões que compõem a teoria
da feminilidade, que posteriormente será concretizada com Freud quando o autor
escreve a conferência de XXXIII - Feminilidade (1933). É aqui que entendemos
com maior afinco as questões identificatórias e a incessante questão do desejo
insatisfeito. Freud ([1905]1996) deu várias provas de que o conflito de Dora
estava aquém do que era relatado superficialmente e que a questão, em si, não
era objetivamente o pai. Freud mostra que, à época, não conseguiu enxergar o
que Dora estava tentando lhe dizer, muito embora, em diversos momentos, ele
35
aponte um caminho cuja interpretação mais elaborada poderia levá-lo ao âmago
do conflito.
• Freud ([1905]1996) aponta que o que atormentava Dora não era, em si, entender
que o pai a havia sacrificado para que assim pudesse usufruir de sua relação
extraconjugal. O sofrimento de Dora se dava porque ela invejava o pai por ele
ter o amor da Sra. K, assim como ela não perdoava a Sra. K. por ter lhe “traído”,
de certa maneira.
• Talvez se Freud não estivesse tentando impor suas interpretações e conseguisse
realmente ter os ouvidos abertos para o que Dora lhe relatava, principalmente
sobre a sua estima pela Sra. K., pudéssemos ter um material mais conciso a
respeito da temática da feminilidade. Dora imaginava que a Sra. K. tinha o que
lhe faltava, apesar de não saber exatamente o que era. É por isso, penso agora,
que Dora rebelou-se e esbofeteou o Sr. K. quando este disse que sua mulher não
significava absolutamente nada para ele. Afinal, como ela, a portadora de todas
as respostas para o enigma da feminilidade, poderia não significar alguma coisa?
• Pois bem, seguindo em frente neste nosso breve histórico, no mesmo ano da
publicação do caso Dora temos outra importante publicação: os Três ensaios
sobre a teoria da sexualidade. Se no caso Dora Freud já vinha nos alertando
sobre a necessidade de adentrar em questões sexuais sem os pudores com os
quais muitos profissionais da época frequentemente demonstravam, foi em os
Três Ensaios que ele manifestou mais efusivamente o que vinha falando.
• Os Três Ensaios, assim como a Interpretação dos Sonhos, simboliza aquilo que
talvez haja de mais expressivo no que concerne às contribuições freudianas para
o pensamento da humanidade. Freud ([1905] 1996) divide os Três Ensaios em,
obviamente, três capítulos. Todavia, cada capítulo comporta diversos subtemas,
o que faz com que as mais diversas noções e problemáticas sejam elaboradas e
descritas. Sem contar que, como nos diz Strachey no prefácio da primeira edição,
este foi – juntamente com A Interpretação dos Sonhos – o trabalho de Freud que
mais conteve alterações, acréscimos e modificações.
• Pois bem, devido à extensa e rica contribuição dos Três Ensaios, irei apenas
abordar e citar pontos específicos e que são tidos como introdutórios do que
posteriormente Freud abordará em textos como A Organização Genital Infantil
(1923), Algumas consequências psíquicas das diferenças sexuais anatômicas
36
(1925), Sexualidade Feminina (1931) e Feminilidade (1933), entre outros que se
configuram como textos basilares da temática que aqui abordo.
No ponto em que começa a debater a questão do complexo de castração e da
inveja do pênis, Freud ([1905]1996) mostra, de maneira contundente, como esta
fantasia é apreendida por meninos e meninas. Tendo em vista que a tal suposição do
órgão sexual idêntico em homens e mulheres era premissa básica de toda e qualquer
criança, até que a mesmo depare-se com a realidade externa. Muito embora saibamos
como esta descoberta afeta os meninos, é às meninas que Freud faz questão de mostrar
a forma avassaladora com a qual esta descoberta funciona em seu psiquismo. Diz ele:
“(...) está pronta a reconhecê-lo de imediato e é tomada pela inveja do pênis, que
culmina no desejo de ser também um menino, tão importante em suas consequências
(p. 184)”.
• É importante destacar este primeiro momento, no qual Freud aborda abertamente
a questão da falta inerente, falta esta que faz com que as mulheres tomem um
lugar privilegiado neste entorno. Esta questão será indubitavelmente melhor
apresentada e aproveitada no decorrer dos textos freudianos, mais precisamente
a partir de 1923. Mas é este primeiro ensejo que nos permite entender, por
exemplo, como a dinâmica do tamponar a falta funciona especificamente nas
mulheres. O começo, apesar de superado e melhorado, é a possibilidade de
ensejar novas articulações teóricas. E Freud fazia isso em demasia: ele superava
a si próprio.
• Isso posto, torna-se importante destacar que Freud ([1905]1996) faz questão de
dissertar objetivamente acerca da diferenciação entre o homem e a mulher. Neste
ponto, ele afirma que desde a infância uma preponderante diferenciação de
caracteres se apresenta, como havia dito anteriormente, muito embora esta
diferenciação só se afirme com a chegada da puberdade. E, de modo enfático,
expõe que nenhuma outra configuração na vida humana é tida de maneira mais
decisiva que esta. É ela que nos rege, que nos constitui.
• Freud ([1905]1996) continua e pondera que a sexualidade das meninas tem um
caráter inteiramente masculino. Ele diz isso ao abordar de que maneira a
sexualidade é expressa na puberdade e o faz, sobretudo, para tentar assemelhar
masculino de atividade e feminino de passividade. Fiz questão de alardear esta
questão, pois mostrei como Freud, com o passar dos anos, tende a complementar
ou até mesmo mudar alguns pontos de sua teoria. Não abordarei neste exato
37
momento, mas desde já digo que na conferência de XXXIII – Feminilidade –
Freud ([1933]1996) nos diz para que não façamos distinções que tomem o
masculino como totalmente ativo e, por conseguinte, o feminino como
totalmente passivo. Lá (em 1933), ele já terá constatado que esta equação não é
exatamente precisa e completamente exata. Mas não apressemos este ponto.
• De volta aos Três Ensaios, na parte em que aborda as zonas dominantes no
homem e na mulher, Freud ([1905]1996) já demarca algo que não sofrera
maiores alterações: o psicanalista diz que só o que pode – ainda – acrescentar é
que nas meninas a zona erógena que predomina, sem sombra de dúvidas, é o
clitóris. Este ponto nos é essencial, pois é nele que Freud já nos alerta onde
devemos remexer para entender o processo de tornar-se mulher.
• Em 1908, Freud escreve um breve artigo que, apesar do título que recebera:
Fantasias Histéricas e sua Relação com a Bissexualidade, traz como foco
principal algo que já o atormentava em 1897, que é a questão das fantasias e a
relação que elas apresentam com os sintomas que as pacientes sofriam. No artigo,
Freud ([1908]1996) apresenta um olhar mais detalhado sobre o modo como estas
fantasias se traduzem em sintomas, mais especificamente em sintomas histéricos.
O que nos interessa pensar a partir deste trabalho é a maneira com a qual Freud
([1908]1996) articula a questão da fantasia e a sua representatividade. Apesar de
o autor haver se limitado a entender este ponto à questão da neurose histérica, é
possível associá-lo à temática da feminilidade. Muito embora a questão
feminilidade não seja pertencente a uma neurose específica, não é incorreto
assinalar que a histeria é grande aliada no entendimento da problemática
feminina.
• Ao escrever seu artigo, Freud ([1908]1996) apresenta que o que está em jogo
quando lidamos com fantasias, que logo são transpostas em sintomas, é que há
uma espécie de plasticidade da sexualidade, posto que a própria relação com a
questão da bissexualidade aponta para este propósito. Este dado nos é importante
para que possamos compreender as nuances da própria sexualidade feminina:
“os sintomas histéricos são a expressão, por um lado, de uma fantasia sexual
inconsciente masculina e, por outro lado, de uma feminina (p.153)”.
• Quando Freud publica O Tabu da virgindade, artigo que é parte constituinte dos
ensaios que ele reservou para as ditas Contribuições à Psicologia do Amor. É
38
interessante notar que, muito embora o artigo por inteiro seja regido por
elocuções acerca do modo como a questão da virgindade da mulher é
supervalorizada socialmente em diversas sociedades, Freud começa afirmando
que, para além da virgindade feminina se configurar como tabu, a mulher já é
tida há tempos como tabu, pois nela há questões de cunho enigmático que deixam
todos à mercê de explicações, decifrações e elucidações:
A mulher não é unicamente tabu em situações especiais decorrentes de sua
vida sexual, tais como a menstruação, a gravidez, o parto e o puerpério; além
dessas situações, as relações sexuais com mulheres estão sujeitas a restrições
tão solenes e numerosas que temos muitas razões para duvidar da suposta
liberdade sexual dos selvagens (FREUD, [1918]1996, p. 205).
• Ou seja, a mulher, tal qual descrita por Freud, surge como figura ameaçadora
justamente por conta de sua feminilidade. E esta feminilidade é tomada com um
enigma irremediável e que abala tanto os observadores externos quanto aqueles
que lidam com isso na própria pele, ou seja, nós – as partícipes deste véu turvo.
• Não é mais segredo para ninguém que aquilo que diferencia homens e mulheres
também – em muitos casos – os une. Freud ([1918]1996) aponta para o fato de
que a mulher é diferente do homem e ela é e sempre será eternamente
incompreensível e misteriosa, estranha; o que faz com que ela possa apresentar-
se, aos olhos deste outro distinto, como um ser hostil. O homem teme, a todo
instante, ser abatido pela mulher, teme ser contaminado por sua feminilidade e,
desse modo, exibe-se ele próprio como incompetente. Mas não esqueçamos que
aquilo que consideramos distinto, diferente, também causa fascínio, daí a união
entre sujeitos tão distintos.
• Continuando com o texto de 1918, aqui Freud ([1918]1996) mais uma vez faz
referência a conceitos que serão esmiuçados em um segundo momento, tais
como inveja do pênis e complexo de castração. Freud demonstra que aquilo que
apreendeu em diversas análises das ditas mulheres neuróticas se apresenta
novamente aqui. Essas mulheres passam, em sua infância, por uma fase em que
invejam nos irmãos o seu símbolo mais caro e que se configura como símbolo
de masculinidade. E é neste momento, quando constatam tal realidade, que são
afetadas por um sentimento genuíno de humilhação. Durante essa fase, todavia,
as menininhas não escondem o sentimento arrebatador de inveja ou hostilidade
para com seus irmãozinhos. Freud ([1918]1996) relata, inclusive, que elas tentam
até urinar de pé, como seus irmãos fazem, a fim de provar a tão almejada
igualdade a que aspiram. Sem sucesso, obviamente.
39
• Como último texto da primeira parte das elaborações teóricas do percurso
freudiano acerca da sexualidade feminina, temos o artigo de 1920, cujo título é
A Psicogênese de um Caso de Homossexualismo Numa Mulher. Este artigo se
revela importante porque é nele que Freud trabalha e considera com maior
profundidade até então toda a questão da sexualidade nas mulheres10. Ao mesmo
tempo, foi a partir dele que Freud conduziu suas articulações com trabalhos
posteriores como os de 1925 (Algumas Consequências Psíquicas das Diferenças
Sexuais Anatômicas), 1931 (Sexualidade Feminina) e 1933 (Conferência XXXIII
– Feminilidade).
• O artigo aborda o que estaria por trás da inclinação sexual de uma determinada
moça rumo a pessoas do mesmo sexo. A jovem fora levada ao consultório de
Freud por seu pai, pois o mesmo desejava que a filha mudasse as suas inclinações
sexuais e deixasse de andar em companhia de determinadas damas. É um texto
indubitavelmente rico e que aponta, inclusive, respostas para determinados
assuntos que estão sendo maciçamente proliferados na atualidade e que, apesar
de não configurarem, em absoluto, como objetos de estudo da presente pesquisa,
são temáticas que merecem um olhar reflexivo (por exemplo, a problemática da
homossexualidade, e de que maneira profissionais da área psicológica, sobretudo
psicanalistas, devem proceder quando recebem uma demanda impossível de ser
atendida: como fazer para dissipar impulsos sexuais por pessoas do mesmo
sexo?). Freud ([1920]1996), àquela época, já nos fornecia respostas para aquilo
que ainda hoje, apesar de tantos supostos avanços, somos confrontados a todo
instante nos consultórios particulares ou nos serviços públicos.
• Voltando ao atendimento da jovem homossexual, Freud tentou entender as
razões que levaram a moça a ter disposições sexuais pelo mesmo sexo. Com isto,
dedicou-se a investigar – em um primeiro momento – a relação da moça com a
sua própria mãe, pois notou que seria nesta relação que muito material psíquico
poderia ser elaborado:
(...) a análise da jovem revelou, sem sombra de dúvida, que a amada era uma
substituta de sua mãe. (...) a jovem que estamos considerando tinha, de modo
geral, poucos motivos para sentir afeição pela mãe. A mãe, moça ainda, via na
filha, que se desenvolvia rapidamente, uma competidora inconveniente;
favorecia os filhos em detrimento dela, limitava-lhe a independência tanto
quanto possível e mantinha vigilância especialmente estrita contra qualquer
relação mais chegada entre a jovem e o pai (FREUD, [1920]1996, p. 168-169).
10
Para dar um exemplo mais tangível, temos o caso Dora, onde o autor tratou exclusivamente da histeria,
fazendo com que as demais questões pertinentes à sexualidade feminina ficassem ausentes.
40
• Essa atenção que Freud ([1920]1996) estende à relação da moça com a mãe é
importante, pois o autor começa a apontar caminhos que serão dados como
essenciais para o entendimento futuro da sexualidade feminina. Para além da
importante relação da menina com o pai, há sobretudo a significativa relação da
menina com a mãe. Neste caso, Freud ([1920]1996) aponta que um dos motivos
para a menina haver se rebelado e partido em direção a objetos do mesmo sexo
foi o conflito psíquico que rondava a gravidez da mãe: “ora”, bradava o conflito
inconsciente da moça, “eu é que devia estar gerando este filho, e não ela – a
minha rival”.
• É nesse sentido que, atormentada e abalada, a moça inconscientemente se afasta
do pai e de todos os demais homens, direcionando a sua energia sexual e psíquica
para outro objetivo. Ela agora buscava tomar a mãe como objeto de amor. Tal
transformação fez com que ela partisse em busca de uma mãe substituta por
quem pudesse atar-se apaixonadamente (FREUD, [1920]1996).
• Após as devidas investigações dos conflitos psíquicos que rondavam a relação
da moça com sua mãe, Freud se deu conta de que as ressalvas daquela em relação
ao pai também se configuravam como fecundo material de análise. A partir de
tal constatação, Freud percebeu que não poderia continuar atendendo a jovem,
pois se deu conta que, devido a questões transferenciais, havia uma hostilidade
excessivamente latente e que ele, como médico da jovem, acabaria por ocupar o
lugar que ela inconscientemente dedicava ao pai, fazendo com que o tratamento
fosse prejudicado.
• Freud ([1920]1996) afirma que a moça trouxe consigo, desde os mais remotos
anos, um complexo de masculinidade vigorosamente intensificado. Não tolerava,
sob nenhuma hipótese, ser inferior ao irmão mais velho. Quando, à primeira vez,
deparou-se com o órgão genital do irmão e o comparou com o seu próprio,
desenvolveu uma violenta inveja do pênis, inveja esta que nunca abandonou:
(...) Era na realidade uma feminista; achava injusto que as meninas não
gozassem da mesma liberdade que os rapazes e rebelava-se contra a sorte das
mulheres em geral. Na ocasião da análise, as ideias de gravidez e parto eram-
lhe desagradáveis, em parte, presumo, devido ao desfiguramento corporal a
elas vinculados. Seu narcisismo de moça recorrera a essa defesa e deixara de
expressar-se como orgulho por sua aparência (p. 180).
• Tal dado se torna relevante, pois aponta para questões concernentes à própria
constituição psíquica da mulher. Afinal, é a maneira com a qual a menininha
41
lidará com a constatação de que é anatomicamente faltosa que determinará o
caminho que trilhará posteriormente.
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