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Mídia e política

observações e críticas
Mídia e política
observações e críticas

João Somma Neto


Hendryo André
organizadores

Programa de Pós-Graduação em Comunicação


Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Corpo docente
Celsi Brönstrup Silvestrin, Emerson Urizzi Cervi, Fábio de Carvalho Messa, Glaucia da
Silva Brito, Itanel Bastos de Quadros Junior, Jair Antonio de Oliveira, João Somma Neto,
Kelly Cristina de Souza Prudencio, Luciana Panke, Myrian Regina Del Vecchio de Lima,
Regiane Regina Ribeiro e Rosa Maria Cardoso Dalla Costa.

Revisão
Hendryo André

Projeto gráfico e diagramação


Hendryo André

Ilustração da capa
Daniela Zandonai

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


Ficha catalográfica.

M629 Mídia e política: observações e críticas; João Somma Neto/ Hendryo André (orgs.)
Eduardo Covalesky...[etal.]. Curitiba, Programa de Pós-Graduação em Comunicação/UFPR.
2013.
Inclui referências e notas
Vários autores
ISBN: 987-85-99229-19-4
1. Comunicação midiática. 2. Comunicação social. 3. Comunicação – Aspectos políticos.
4. Jornalismo/Telejornalismo. I. Somma Neto, João. II. Universidade Federal do Paraná.
Setor de Artes, Comunicação e Design. Programa de Pós-Graduação em Comunicação.

CDD 22.ed. 659.2


CDU 32

Programa de Pós-Graduação em Comunicação


Rua Bom Jesus, 650, Juvevê, Curitiba, PR – 80.035-010
(41) 3313-2025 | (41) 3313-2000
http://www.humanas.ufpr.br/portal/comunicacaomestrado

Copyright © Programa de Pós-Graduação em Comunicação, 2013


Os direitos desta edição são reservados ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Impresso na Imprensa da UFPR.


Sumário

Prefácio 09

Os caminhos se cruzam pela observação e crítica de mídia


Apresentação 15

PARTE I – OBSERVAÇÕES
Por um viés qualitativo para a análise de conteúdos
Hendryo André 21

Usos das fontes jornalísticas em notícias dos telejornais curitibanos


Eduardo Covalesky Dias, João Somma Neto e Juliana Carvalho 33

A construção da imagem pública da PEC 37 nos telejornais locais


Elaine Javorski, Igor Iuan, Liege Scremin e Liriane Kamp 55

Agendamento midiático: a eleição do conselheiro do Tribunal


de Contas do Paraná em quatro telejornais curitibanos
Paula Andreola, Renata Caleffi, Marcos Mariano e Rosângela Stringari 75

Um diálogo com os jornalistas: impactos das rotinas de produção na


cobertura de temas políticos em quatro noticiários curitibanos
Hendryo André, Camile Kogus, Franciele Fries e Roberta Zandonai 93
PARTE II – CRÍTICAS
Olhadinhas e visualidades: a imagem no telejornalismo
João Somma Neto 131

Políticos na mídia: uma análise da visibilidade e visualidade


da classe política no jornalismo televisivo brasileiro
Marcos Mariano 155

Entre a notícia e a pena: estudo sobre o agendamento


na criação da Lei Carolina Dieckmann
Renata Caleffi 171

Agendamento no 8N: apontamentos sobre influências do


Telenoche nas manifestações contra o governo de Cristina Kirchner
Michele Santos da Silva 191

Lei dos meios audiovisuais: o contexto de disputa de poder


entre os campos político e midiático na Argentina
Eduardo Covalesky Dias 211

A série “Diários Secretos”: um exemplo de escândalo político


Paula Andreola 239

Veja e Carta Capital: o impacto da revelação do câncer de


Dilma Rousseff perante as eleições à presidência
Igor Iuan 263
Prefácio
Elza A. de Oliveira Filha1

A imprensa no Paraná nasceu vinculada ao poder po-


lítico. Trata-se de um registro histórico conhecido o fato de
que o primeiro jornal paranaense, O Dezenove de Dezembro (o
nome refere-se à data de instalação da Província do Paraná,
em 1853), recebia verbas do governo. O semanário foi lan-
çado no dia primeiro de abril de 1854 e seu proprietário, o
tipógrafo Cândido Martins Lopes, contou com recursos fi-
nanceiros cedidos pelo presidente da Província, Zacarias de
Góes e Vasconcelos, para transferir suas máquinas de Niterói
para Curitiba. No primeiro número, depois de um editorial

1. Doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos; mestre em Sociologia pela UFPR;


jornalista com mais de 20 anos de atuação na imprensa diária, em jornais locais e nacionais;
ex-coordenadora do Grupo de Jornalismo Impresso da Intercom; professora do curso de
Jornalismo da Universidade Positivo, onde coordena o Observatório Paranaense de Mídia.

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Mídia e política: observações e críticas

no qual defende o papel da imprensa na busca da verdade e


na discussão de questões de interesse da sociedade, o jornal
apresenta o seu programa e, entre outros itens, destaca: “in-
formar ao público do procedimento do governo da provín-
cia e das diversas autoridades dela, mediante a publicação de
seus atos oficiais (...)”(O Dezenove de Dezembro, Ano I, n.1,
Curitiba, 1 de abril de 1854, p.2). Sete anos depois, em 1861,
Cândido Lopes desentendeu-se com então presidente da pro-
víncia, José Francisco Cardoso, e a verba de publicação oficial
foi transferida para outro jornal, O Correio Oficial, igualmente
criado por interesses políticos/partidários.
Nos 160 anos de história da imprensa paranaense –
como de resto em muitos outros pedaços do Brasil – não
foram poucos os veículos que ostentaram, aberta ou velada-
mente, ligações com o poder político. Mesmo depois que o
jornalismo assumiu de maneira hegemônica a fase da chama-
da imprensa objetiva e noticiosa, em contraposição à impren-
sa de opinião que foi característica do início da atividade2, os
jornais paranaenses muitas vezes continuaram a se constituir
por motivações partidárias ou eleitoreiras3. Com o advento

2. Em Antropológica do Espelho (2002) Muniz Sodré cita Miège (1999) ao indicar quatro
modelos de constituição de jornais: 1) imprensa de opinião, caracterizada pela produção
artesanal, tiragens reduzidas, estilos polêmicos; 2) imprensa comercial, organizada com
bases industriais/mercantis, com prioridade para a publicidade e a difusão informativa
(notícia); 3) mídia de massa, produção definitivamente dependente de investimentos pu-
blicitários e técnicas de marketing, predomínio das tecnologias audiovisuais e grande va-
lorização do espetáculo; 4) comunicação generalizada, a reboque do Estado, das grandes
organizações comerciais e industriais, dos partidos políticos; a informação insinua-se nas
clássicas estruturas socioculturais e permeia as relações intersubjetivas.
3. Um exemplo é O Estado do Paraná, criado em 1951 para dar sustentação ao governo de Ben-
to Munhoz da Rocha Neto que sofria oposição de todos os periódicos em circulação em Curitiba.
Na eleição de 2002 o mesmo O Estado do Paraná foi usado por seu proprietário, Paulo Pimen-
tel, para projetar seu próprio nome como candidato ao Senado e o do seu companheiro de chapa,
Roberto Requião, ao governo (OLIVEIRA FILHA, Elza. Olhares sobre uma cobertura: a
eleição de 2002 para o governo do Paraná em três jornais locais. Curitiba: Pós-escrito, 2007).

10
Prefácio

das emissoras de rádio e de televisão, ao longo do século


XX, os laços entre mídia e poder político no Paraná foram
mantidos e até estreitados, já que as concessões de explora-
ção do espectro eletromagnético eram usadas como moeda
de troca nas barganhas políticas, como bem lembra o artigo
do professor João Somma publicado neste volume.
Por outro lado, os estudos acerca do jornalismo regio-
nal – e da comunicação em geral, na verdade – foram inicia-
dos tardiamente em terras paranaenses. Embora existissem
cursos de jornalismo funcionando em Curitiba desde a déca-
da de 1950 (a então Universidade Católica realizava vestibu-
lares desde 1956 e teve seu curso reconhecido em 1959, e a
Universidade Federal do Paraná começou a ofertar formação
superior em jornalismo em 1964), a regularidade da pesquisa
na área só muito recentemente se estabeleceu, com a criação
dos cursos de pós-graduação, sobretudo os strictu senso, que
tiveram início na Universidade Tuiuti do Paraná, em 2000, e
na Universidade Federal do Paraná, dez anos depois.
Nos últimos anos, a ampliação do conhecimento a
respeito da mídia local se manifesta nos esforços de pes-
quisa e produção de trabalhos científicos – por parte de
professores, estudantes de variados níveis e pesquisadores
– que se debruçam também sobre temáticas e problemas
forâneos, como igualmente demonstram vários dos textos
publicados neste livro.
Organizado por João Somma Neto e Hendryo André,
e editado com apoio do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da UFPR, Mídia e Política: observações e críticas
coloca ao alcance dos leitores interessados um amplo leque
de reflexões que envolvem dois dos principais campos da
sociedade contemporânea cujos vínculos são indissociáveis.
A democracia de massa, que se consolidou junto com a ex-
pansão do jornalismo, não se realiza de forma plena sem

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Mídia e política: observações e críticas

a mediação dos veículos de comunicação. A mídia é hoje


parte constitutiva do processo político, sustentam muitos
autores, entre os quais John B. Thompson em A Mídia e a
Modernidade (2002), uma das bases teóricas mais frequentes
nos artigos que compõem este volume.
Em outro texto (Oliveira Filha, 2007) argumentei que na
atual sociedade midiatizada existe mais do que uma transação
entre os campos da mídia e da política: as próprias mensagens
políticas se revestem do tom espetacularizado comum à prática
midiática, reduzindo os argumentos ideológicos ou racionais
que historicamente marcaram o debate político. O reconheci-
mento deste patamar de relação mídia x política extrapola os
estudos acadêmicos da comunicação ou da ciência política. É
ilustrativa a colocação do historiador Eric Hobsbawm no livro
A era dos extremos, no qual traça um quadro abrangente do sé-
culo XX: “Quando o século acabava tornou-se evidente que os
meios de comunicação eram um componente mais importante
do processo político que os partidos e sistemas eleitorais, e
provavelmente assim continuariam – a menos que os políticos
dessem uma forte guinada para longe da democracia. Contu-
do, embora fossem enormemente poderosos como um con-
trapeso aos segredos do governo, não eram de modo algum
um meio para um governo democrático” (Hobsbawm, 1995,
p. 559 apud Oliveira Filha, 2007, p. 25). Intrigante na colocação
do autor é a suspeita embutida na última frase da citação, in-
dicando que os meios de comunicação não significam, a prio-
ri, a sustentação da democracia, em especial quando estão nas
mãos da iniciativa privada e podem ser usados na defesa de
interesses vários.
Mais de uma vez, nos artigos que integram este volume,
os pesquisadores relatam e problematizam aspectos que po-
dem exemplificar esta preocupação: seja na cobertura televisiva
da discussão da Proposta de Emenda Constitucional 37, ou

12
Prefácio

da eleição para um cargo no Tribunal de Contas do Paraná;


ou ainda os embates entre a mídia (especificamente o Grupo
Clarín) e o governo argentino.
Dividido em duas partes, o livro inicia com um conjunto
de reflexões fruto do trabalho do grupo de pesquisa Estudos
de Imagem, cujos integrantes desenvolveram um interessante
processo de monitoramento de quatro telejornais veiculados
por emissoras curitibanas. Bem estruturada do ponto de vista
metodológico, a atividade de observação e crítica coordenada
pelo professor Hendryo André se apresenta em cinco textos
que abordam aspectos específicos da pesquisa. O coordenador
deixa ainda registrado que desdobramentos posteriores virão
a público em uma confirmação da amplitude da iniciativa e de
seus propósitos.
Na segunda parte, o volume traz artigos com temáticas
variadas, produzidos para uma disciplina ministrada pelo pro-
fessor João Somma Neto no mestrado em comunicação da
UFPR. O texto introdutório da seção, assinado pelo próprio
professor, faz um apanhado histórico/conceitual do desenvol-
vimento da televisão no Brasil e propõe questionamentos a
respeito do atual momento marcado pelo telewebjornalismo
que implica, em alguma medida, a colaboração e participação
do público, mas que nem de longe arranha a hegemonia dos
grandes grupos tradicionais.
Merecedora de aplauso, a iniciativa desta segunda pu-
blicação4 contribui para tornar mais robusta e acessível a
produção acadêmica voltada a reflexões envolvendo as prá-
ticas jornalísticas no Paraná. O convite à leitura, formulado
neste prefácio, manifesta convicção de que os textos têm

4. O primeiro volume, Mídia e Política: caminhos cruzados, organizado pelos mesmos


autores foi lançado em 2011.

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Mídia e política: observações e críticas

capacidade de agregar conhecimentos, indicar metodologias


e aprofundar fundamentos teóricos. Endereçado a amplas
fatias de público – estudantes, professores, pesquisadores
das áreas da comunicação, da política, do jornalismo e ou-
tras – o convite se estende muito particularmente aos pro-
fissionais das redações, cujas rotinas foram observadas e
cujas práticas estão documentadas de maneira a fomentar
inquietudes e questionamentos importantes.
O momento de lançamento do livro é feliz: este ano
de 2014 marca um quarto de século de estabilidade demo-
crática no Brasil, feito raro na história5. Esta conjuntura,
inegavelmente, tem reflexos nos campos político e midiá-
tico/jornalístico, pois a liberdade é um elemento essencial
das suas práticas e apenas com vivência democrática, en-
frentado dialeticamente seus embates, poderemos construir
um país melhor.

5. Na verdade, apenas durante a Primeira República houve uma sequência de presidentes


eleitos diretamente mais longa do que a atual: entre 1894 e 1930 todos os mandatários
disputaram eleições – embora houvesse muitas limitações ao exercício do voto, direito
reconhecido a uma parcela reduzida da população.

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Os caminhos se cruzam pela
observação e crítica de mídia

Há poucos caminhos tão pavimentados e bem sina-


lizados para os estudos das relações entre o jornalismo e a
política como a observação e a crítica de mídia. Voltada a
várias temáticas ou a uma em particular, de cunho periódico
ou pontual, uniforme no tratamento ou absolutamente des-
regrada, de teor científico ou colaborativo, crítica ou criati-
va, a tônica dos formatos de observação e análise de mídia
consiste e se revigora cada vez mais na tentativa permanen-
te de ultrapassar o princípio da crítica pela crítica.
Indiferente da alternativa escolhida para a observação
de mídia, um cuidado que os pesquisadores precisam ter em
mente é aquele princípio de que a crítica precisa se esforçar
para reeducar seus olhares e interrogar seus sentidos. Visto
por esse viés, a crítica só tem razão de existência se contri-
buir de fato para o desenvolvimento da prática jornalística
e, consequentemente, do regime democrático. Os jornalis-

15
Mídia e política: observações e críticas

tas, por outro lado, precisam interpretar a “vigia” como uma


reflexão complementar sobre a prática, capaz de identificar
ações bem sucedidas e apontar caminhos para as práticas in-
cipientes. Essa é uma maneira de estabelecer vínculos reais
entre teoria e prática e aprimorar ambas, numa perspectiva
de crítica de mídia claramente dialética. Com isso, a teoria
torna-se de fato aplicada e a prática reflexiva.
Esse é o desafio aceito pelos integrantes do grupo de
pesquisa Estudos da Imagem, registrado junto ao Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), e formado por professores, pesquisadores e es-
tudantes de graduação da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil).
O grupo, que está aberto a quem se interessar em estudar a
temática, tem como escopo de atuação pesquisas e estudos
voltados às relações entre comunicação e imagem, à história
da imprensa regional, à produção audiovisual, aos diálogos
entre telejornalismo e política, e à teoria e ética no exercício
do jornalismo.
Em particular, neste Mídia e política: observações e críticas
busca-se avançar ainda mais na prática de observação sis-
temática de mídia, sem, no entanto, deixar de estabelecer
reflexões sobre os ditames que envolvem o fazer jornalís-
tico e as relações de poder que costuram as interseções en-
tre essas duas áreas. Ao adotar tais perspectivas, tidas aqui
como complementares, o livro foi dividido em duas partes:
Na primeira delas – Observações – são apresentadas reflexões
estabelecidas a partir de informações colhidas durante um
trabalho de monitoramento de mídia, realizado entre abril
e julho de 2013 em quatro telejornais curitibanos: Band Ci-
dade (Rede Bandeirantes), Paraná TV (Grupo Paranaense
de Comunicação/Rede Globo), SBT Paraná (Rede Massa/
SBT) e RIC Notícias (RICTV/Rede Record). A intenção

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Os caminhos se cruzam pela observação e crítica de mídia

dessa atividade foi buscar subsídios científicos para com-


preender as rotinas jornalísticas e os consequentes impactos
delas na cobertura política – os resultados estão apresenta-
dos nos cinco primeiros artigos. Embasados pela análise de
conteúdos, esse relevante método de pesquisa que se aplica
quando se procura descrever, ou ainda, classificar produ-
tos ou gêneros jornalísticos, os artigos se apropriam das
atualizações conceituais dessa vertente metodológica para
responder problemas contemporâneos da pesquisa em jor-
nalismo. Procurou-se, com isso, conciliar uma metodolo-
gia mista de pesquisa, voltada tanto para o viés quantitativo
quanto para o qualitativo.
Já a segunda seção reflete a sequência do trabalho
desenvolvido historicamente pelo grupo de pesquisadores,
cuja essência foi publicada na obra Mídia e política: caminhos
cruzados, o primeiro volume organizado pelo grupo, no fi-
nal de 2011. Com textos que buscam traçar reflexões a res-
peito dos veículos de comunicação (superando, inclusive, a
perspectiva regional e da própria televisão), os artigos desta
parte visam avaliar como a atuação da mídia está atrelada às
estruturas de poder instituídas e às ações e relações resul-
tantes de seu exercício. Os textos são fruto das reflexões re-
alizadas durante a disciplina Poder e política na mídia televisiva,
ministrada pelo professor João Somma Neto no Programa
de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Fede-
ral do Paraná (PPGCOM/UFPR). Acredita-se que a manu-
tenção dessas pesquisas paralelas – delineadas a critério dos
estudantes de mestrado – tenha potencial para enriquecer as
próprias atividades desenvolvidas pelo grupo.
Com a publicação de mais esta produção acadêmica,
o grupo espera aprofundar o conhecimento dos estudantes
em relação aos meios de comunicação, mais especificamen-
te à televisão, proporcionar um olhar crítico e analista e, não

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Mídia e política: observações e críticas

menos importante, traçar objetivos claros para que os resul-


tados oriundos desta pesquisa (que ainda devem ser encara-
dos como parciais) cheguem até os produtores midiáticos.
A observação e crítica de mídia ultrapassa a mediação entre
público e produtor, pois cabe aos críticos levantar questio-
namentos sobre a atividade jornalística que, por vezes, o
público não sabe enunciar.

Hendryo André e João Somma Neto


Curitiba, dezembro de 2013

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Observações
Parte I
Por um viés qualitativo
para a análise de conteúdos
Hendryo André1

INTRODUÇÃO
Analisar, sintetizar, ou ainda, compreender os arranjos
discursivos dos meios de comunicação, bem como as ligações
dessas organizações midiáticas com os vários matizes do que se
conhece por ideologia, foi e continua a ser um elemento norteador
das pesquisas em comunicação em todo o ocidente. Com ênfa-
se especialmente em suas disposições com a política, os poten-
ciais efeitos dos discursos jornalísticos prendem a atenção dos
pesquisadores que, como demiurgos, buscam organizar o caos
resultante dessas interações simbólicas para de forma criteriosa

1. Professor das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil). Mestre em Comunicação pela


Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo
pela Universidade Positivo (UP). Coordenador do Observatório de Telejornalismo Regional,
pertencente ao Grupo Estudos da Imagem, vinculado ao CNPq.

21
Mídia e política: observações e críticas

apontar, descobrir e avaliar, respectivamente, o que foi dito, o


que deixou de ser dito e, ainda, o que deveria ter sido dito.
Essa procura desenfreada pelos significados e efeitos dos
discursos, por vezes, provoca distorções, ou então, o afasta-
mento entre a interpretação teórica que se tem do objeto de es-
tudo e a realidade, ação que torna os critérios de análise subje-
tivos e o objeto abstrato, logo, desvinculado do mundo social.
Com base em tal premissa, o artigo inaugura a primeira parte
deste livro – fruto de resultados de uma pesquisa desenvolvi-
da por integrantes do grupo Estudos da Imagem2, formado
por professores, pesquisadores e estudantes da Universidade
Federal do Paraná (UFPR) e das Faculdades Integradas do Bra-
sil (UniBrasil) – com o objetivo de vincular aportes teóricos
que possibilitam utilizar a análise de conteúdos a partir de uma
perspectiva qualitativa, principalmente quando há diálogos
com outros métodos de pesquisa.
Para alcançar esse modelo metodológico híbrido3, utiliza-

2. Vinculado ao CNPq, o grupo é coordenado pelo professor doutor João Somma Neto (UFPR).
As atividades da equipe integram o Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPR,
na linha de pesquisa Comunicação, Política e Atores Sociais, mediante disciplinas ministradas.
A partir dos trabalhos resultantes foi publicado, em 2011, o livro Mídia e Política: caminhos
cruzados, que contém artigos de investigações elaborados por integrantes. As atividades têm
repercutido em propostas e realização de novas pesquisas, trabalhos de conclusão de curso de
graduação, orientações de pós-graduação, apresentação de artigos científicos e novas proposi-
ções que abrangem procedimentos de produção jornalística de televisão. Este livro é resultado
de um esforço conjunto de antigos e novos integrantes do grupo, que investiram parte do tempo
de pesquisa acadêmica para realizar uma análise de conteúdos do telejornalismo regional.
3. Não há nenhum objetivo de propor um método novo de pesquisa, já que as tentativas de
qualificar os métodos de análise de conteúdo não são novidade. Segundo Bauer (2004), há
várias maneiras de delinear pesquisas a partir da análise de conteúdos, divergindo do estudo
puramente descritivo, com base em cálculos de frequência das características pré-estabeleci-
das do objeto. Entre elas destacam-se as análises normativas (que realizam comparações com
base em determinados padrões); as trans-seccionais (que funcionam como uma comparação
empírica de diferentes contextos) e as longitudinais (que fazem comparações dentro de um
mesmo contexto, embora em espaços de tempo mais amplos) (BAUER, 2004, p. 195).

22
Por um viés qualitativo para a análise de conteúdos

se como premissa básica o fato de que deve haver uma ruptura


ao paradigma epistemológico que opõe as vertentes qualitativa
e quantitativa, afinal, “não há quantificação sem qualificação”
(BAUER; GASKELL; ALLUM, 2004, p. 24) nem “análise es-
tatística sem interpretação” (Ibid.), o que justifica a equiparação
desses dois referenciais epistemológicos, avaliados nesta obra
como complementares.
A avaliação quantitativa do corpus de pesquisa, de acordo
com Bauer (2004), tende a se materializar como “a represen-
tação e a expressão de uma comunidade que escreve” (Ibid.)
determinada formação discursiva4, tornando-se assim uma va-
riável dependente, ou seja, o algo a ser explicado e/ou compre-
endido pela posterior perspectiva qualitativa.

ATUALIDADE DA ANÁLISE DE CONTEÚDOS


Segundo Herscovitz (2010), a análise de conteúdos
tem grande valia para o desenvolvimento de pesquisas con-
temporâneas em jornalismo, inclusive em meios eletrônicos
e digitais. Como método de pesquisa, além de poder “ser uti-
lizada para detectar tendências e modelos na análise de cri-
térios de noticiabilidade, enquadramentos e agendamentos”
(HERSCOVITZ, 2010, p. 123), a análise de conteúdos é um
importante elemento quando se procura “descrever e clas-
sificar produtos, gêneros e formatos jornalísticos” (Ibid.).
Além disso, o método mostra-se vantajoso para validar as-
pectos “da produção de indivíduos, grupos e organizações,
para identificar elementos típicos, exemplos representativos
e discrepâncias e para comparar o conteúdo jornalístico de

4. Para Bauer (2004, p. 192), a análise de conteúdos possibilita “reconstruir indicadores e


cosmovisões, valores, atitudes, opiniões, preconceitos e estereótipos e compará-los entre
comunidades”.

23
Mídia e política: observações e críticas

diferentes mídias e diferentes culturas” (Ibid.). Ambas as


perspectivas são adotadas neste livro.
A validade da análise de conteúdos ganha destaque pela
constatação de Goldenberg (2004), a qual alega que todo pes-
quisador – em especial, o das ciências humanas, já que não há
metodologias de trabalho estratificadas nessa área do conheci-
mento – necessita de um esforço para conter a subjetividade de
suas ações. Se, por um lado, a autora observa que “os cientistas
sociais podem e devem improvisar soluções para os seus proble-
mas de pesquisa, sentindo-se livres para inventar os métodos ca-
pazes de responder às suas questões” (GOLDENBERG, 2004,
p. 57), por outro, alerta que o fundamental para conter a subje-
tividade está na justificativa das tomadas de decisões. “Trata-se
de um esforço porque não é possível realizá-lo plenamente, mas
é essencial conservar esta meta, para não fazer do objeto cons-
truído um objeto inventado” (GOLDENBERG, 2004, p. 45).
Cappelle, Melo e Gonçalves (2003) lembram que a aná-
lise de conteúdos nasceu como uma proposta teórico-meto-
dológica utilizada para mensurar elementos quantitativos5.

5. Segundo Cappelle, Melo e Gonçalves (2003, p. 04), os primeiros estudos oriundos da


análise de conteúdos no campo da comunicação social surgiram no início do século XX,
na Universidade de Colúmbia, e tiveram certa relevância até a década de 1940, quando se
tornaram mais hegemônicos por conta do fascínio que a propaganda nazista provocara na
comunidade científica. Para os autores, esses estudos foram “caracterizados pelo fascínio
pela contagem, pela medida e pelo rigor matemático” (ibid.). Esse caráter obsessivo para
identificar aspectos do comportamento a partir das bases estatísticas fez com que a análise
de conteúdos ficasse estigmatizada como uma prática metodológica ligada ao positivismo,
fator que impediu que a área avançasse por algumas décadas no que se refere às perspectivas
qualitativas. Bauer (2004) explica, por outro lado, que a análise de conteúdos moderna tem
como principal vantagem a clara definição dos procedimentos sistemáticos, metodicamente
replicáveis. Esse aspecto “não sugere uma leitura válida singular dos textos. Pelo contrário,
a codificação irreversível de um texto o transforma, a fim de criar nova informação desse
texto. Não é possível reconstruir o texto original uma vez codificado; a irreversibilidade é o
custo de uma nova informação” (BAUER, 2004, p. 191).

24
Por um viés qualitativo para a análise de conteúdos

Todavia, os autores alertam que estudos contemporâneos em


comunicação conseguiram atribuir características qualitativas
dentro dessa vertente metodológica. Para pesquisas que ado-
tam esses princípios,

(...) a contagem da manifestação dos elementos textu-


ais que emerge do primeiro estágio da análise de con-
teúdo servirá apenas para a organização e sistematiza-
ção dos dados, enquanto as fases analíticas posteriores
permitirão que o pesquisador apreenda a visão social
de mundo por parte dos sujeitos, autores do material
textual em análise (CAPPELLE; MELO; GONÇAL-
VES, 2003, p. 03-04).

Ao conciliar permanentemente os estudos quantita-


tivos com os qualitativos, a proposta da análise de conte-
údos diminui o grau de entropia inerente a uma pesquisa
exclusivamente qualitativa – afinal, conforme Bardin (2010,
p. 41), “o analista é como um arqueólogo. Trabalha com
vestígios: os ‘documentos’ que pode descobrir ou suscitar.
Mas os vestígios são a manifestação de estados, de dados e
de fenômenos”. Ao mesmo tempo, ao procurar se comple-
mentar com outras perspectivas metodológicas, a análise de
conteúdos não cai na armadilha de fixar verdades absolutas,
pois respeita as singularidades dos atores, fator essencial nas
ciências humanas:

Partindo do princípio de que o ato de compreender está


ligado ao universo existencial humano, as abordagens
qualitativas não se preocupam em fixar leis para se pro-
duzir generalizações. Os dados da pesquisa qualitativa
objetivam uma compreensão profunda de certos fenô-
menos sociais apoiados no pressuposto da maior rele-
vância do aspecto subjetivo da ação social (GOLDEN-
BERG, 2004, p. 49).

25
Mídia e política: observações e críticas

Em termos práticos, a tarefa de solucionar o impasse en-


tre a objetividade de cunho estatístico, adotada pelas observa-
ções pioneiras de análises de conteúdos, e a subjetividade que
marca os primeiros estudos qualitativos foi pensada justamente
a partir da complementaridade que as duas perspectivas teó-
ricas têm entre si. Por isso, as atividades do grupo de pesqui-
sa foram divididas em duas fases: monitoramento dos quatro
principais telejornais noturnos regionais veiculados na região
de Curitiba (Paraná TV, RIC Notícias, Band Cidade e SBT Pa-
raná, os quais serão descritos adiante) e produção de artigos
voltados ao agendamento e enquadramento de notícias, aos
usos das fontes nos telejornais e, por fim, à rotina enfrentada
pelos produtores dos quatro telejornais monitorados.

MONITORAMENTO: OPÇÕES METODOLÓGICAS


Os métodos para organizar e operacionalizar o pensa-
mento científico não são exclusivos da ciência e estão arraigados
na mente, “pois se constituem nos tipos de raciocínio que dão
forma aos nossos pensamentos e inferências” (SANTAELLA,
2001, p. 117). No entanto, a ciência, ao contrário do senso co-
mum, utiliza-se da lógica crítica para organizar as ideias.
Nesse aspecto estava inserida uma lacuna metodológica
nos primeiros estudos com aportes da análise de conteúdos, vis-
to que esses trabalhos se restringiam ao método dedutivo, ligado
por essência às pesquisas quantitativas. De acordo com Santaella
(2001, p. 118), esse procedimento parte de premissas gerais para
particulares, o que vincula o teor desse raciocínio a uma deter-
minação para aceitar a conclusão, previamente pensada pelo pes-
quisador. “É, portanto, o caso típico do raciocínio matemático
que parte de uma hipótese cuja verdade ou falsidade nada tem a
ver com o raciocínio, e cujas conclusões são igualmente ideais”.
No entanto, ao estabelecer critérios objetivos para a análi-

26
Por um viés qualitativo para a análise de conteúdos

se e, ao mesmo tempo, possibilitar ao pesquisador traçar inferên-


cias sobre o contexto social no qual circundam o objeto (o que
qualifica a investigação), a análise de conteúdos consegue “reve-
lar o que está escondido, latente, ou subentendido na mensa-
gem. Logo, o método pode ser utilizado tanto em pesquisas
de cunho quantitativo, quanto qualitativo, nas ciências sociais”
(CAPPELLE; MELO; GONÇALVES, 2003, p. 04). Assim, no
que compete à operacionalização, a análise de conteúdos agrega
à pesquisa tanto uma função heurística6, enriquecendo a pesquisa
exploratória, quanto serve de base para a administração da prova7
(CAPPELLE; MELO; GONÇALVES, 2003, p. 04). Como essas
duas funções estão lado a lado, o investigador tem a possibilidade
de recriar novos instrumentos de avaliação:

(...) os analistas já orientados à partida para uma problemá-


tica teórica poderão, no decorrer da investigação, “inventar”
novos instrumentos susceptíveis, por sua vez, de favore-
cer novas interpretações. Isto explica que, aquando destes
procedimentos de “leituras sistemáticas” – mas não ainda
sistematizadas –, há muitas vezes uma passagem incessante
do corpo teórico (hipóteses, resultados), que se enriquece
ou se transforma progressivamente, para as técnicas que se
aperfeiçoam pouco a pouco (lista de categorias, grelhas de
análise, matrizes, modelos). Este vaivém contínuo possibilita
facilmente a compreensão da frequente impressão de difi-
culdade no começo de uma análise, pois nunca se sabe exac-
tamente “por que ponta começar” (BARDIN, 2010, p. 32).

6. A heurística é fixada por um conjunto de regras e métodos que visam à resolução dos proble-
mas científicos. Para Bardin (2010, p. 31), “a análise de conteúdo enriquece a tendência explora-
tória, aumenta a propensão para a descoberta. É a análise para ‘ver o que dá’”.
7. O viés da “administração da prova” é uma função da análise de conteúdos para diminuir o
grau de subjetividade do pesquisador. “Hipóteses sob a forma de questões ou de afirmações
provisórias, servindo de directrizes, apelarão para o método de análise sistemática para serem
verificadas no sentido de uma confirmação ou de uma informação” (BARDIN, 2010, p. 124).

27
Mídia e política: observações e críticas

A ponta escolhida para iniciar este projeto foi a esco-


lha do corpus de pesquisa. Foram selecionadas peças jorna-
lísticas referentes à temática política nos telejornais Paraná
TV, RIC Notícias, Band Cidade e SBT Paraná. Para delimi-
tá-lo foram consideradas três das quatro regras básicas para
a constituição da análise, segundo Bardin (2010): exaustividade
– uma visão geral sobre todas as 20 edições monitoradas
para pinçar os conteúdos noticiosos voltados à política – ho-
mogeneidade – ou seja, o estabelecimento de critérios pontu-
ais para a escolha e classificação das peças jornalísticas – e,
por fim, pertinência – cuja atribuição principal é a adequação,
“enquanto fonte de informação, de modo a corresponde-
rem ao objectivo que suscita a análise” (BARDIN, 2010, p.
124). Embora o corpus delimitado seja uma amostra frente
a outros assuntos veiculados pelos telejornais no período
escolhido, a representatividade, última regra básica apresen-
tada pela autora, não foi considerada como um princípio
norteador para a delimitação do corpus, visto que não hou-
ve preocupações em compreender a amostragem da temá-
tica política frente a outros assuntos veiculados no objeto
de investigação. Essa opção, também utilizada em André
(2012), deverá ser reavaliada na sequência do projeto, visto
que foram identificadas na planilha de monitoramento algu-
mas peças jornalísticas cujo teor remetia à noção de política,
mas que não puderam ser enquadradas por conta do critério
da homogeneidade.
Com aporte das regras para a análise recomendadas
por Bardin (2010), o período de monitoramento foi definido
a partir de princípios elencados na proposta do mês artificial
(HERSCOVITZ, 2010), e do cronograma de atividades do
grupo de pesquisa ao longo do ano:

A amostra construída é considerada confiável porque se-


leciona cada dia da semana de uma semana distinta (a

28
Por um viés qualitativo para a análise de conteúdos

primeira segunda-feira de um mês, a segunda terça-feira


do mês, a terceira quarta-feira do mês e assim sucessi-
vamente); no caso do mês artificial, cada dia ou semana
pode ser recolhido de um mês distinto ao longo de um
ano (HERSCOVITZ, 2010, p.131).

Dessa forma, estipulou-se que seriam monitoradas edi-


ções de uma semana cheia dos meses de abril (08 a 13/04),
maio (13 a 17/05), junho (03 a 07/06) e julho (22 a 26/07),
totalizando cinco edições de cada um dos quatro telejornais.
Em paralelo houve o desenvolvimento de uma planilha
de monitoramento, montada em formato de formulário de
pesquisa no sistema do Google Docs e, posteriormente, exporta-
da para ser manuseada no Microsoft Excel. Como o questionário
foi preenchido por 11 estudantes (seis deles, pós-graduandos
e os demais graduandos) houve a necessidade de desenvolver
um guia de preenchimento, com critérios mínimos de preen-
chimento e, além disso, uma reunião para treinamento da equi-
pe e disponibilidade para atendimento via e-mail a possíveis
dúvidas. Após a decupagem dos materiais houve ainda a cen-
tralização das edições em torno deste autor, que realizou uma
espécie de controle de qualidade dos materiais, conferindo pra-
ticamente 70% do material bruto.

PLANILHA DE MONITORAMENTO
A planilha de monitoramento foi estruturada para servir
de aporte para que os integrantes do grupo pudessem enxergar
nuances na produção jornalística local, exercendo, portanto,
uma função heurística. Na primeira parte, o material traz infor-
mações iniciais, com campos que remetem à data de veiculação,
ao nome do telejornal e, não menos importante, à identificação
do avaliador, com o objetivo único de averiguar e dirimir possí-
veis dúvidas na etapa de conferência da decupagem.

29
Mídia e política: observações e críticas

A segunda parte da planilha foi estruturada para iden-


tificar as principais informações do fato noticioso avaliado.
Nessa seção ficaram definidos os seguintes campos: a) se o
assunto avaliado integrava a escalada do telejornal; b) O bloco
de veiculação; c) A estruturação de uma retranca para o tema
(para que na etapa de finalização da planilha fosse possível criar
retrancas semelhantes para assuntos correlatos e se tornasse
viável, por exemplo, a partir da planilha, averiguar questões de
agendamento); d) Origem e abrangência do fato (divididos em
dois campos, o objetivo foi observar se a produção jornalística
regional dá ênfase local/regional aos materiais ou se extrapo-
la o âmbito estadual (e quais tipos de peças contemplam esse
princípio); e) Abrangência política do fato (cujas alternativas
eram Poder Executivo, Legislativo, Judiciário, Sociedade Civil
Organizada ou Iniciativa Privada – nesta questão era possível
assinalar mais de uma resposta); f) Tempo de exibição; e g)
Tipo de material (Reportagem, Reportagem especial, Entrevis-
ta em estúdio, Entrevista externa, Quadro/Coluna/Boletim/
Stand-up, Nota pelada, Nota coberta e comentário/opinião).
Já a segunda e a terceira partes tratam de estudos de fontes
nos telejornais (citadas, respectivamente, de forma direta e indi-
reta no discurso jornalístico). Nessa etapa foram identificadas
quantas fontes apareciam em cada peça jornalística e quais tipos
de fontes consultadas (Oficial, Oficiosa, Personagem, Especia-
lista, Profissional/Perito, Testemunha em off, Escuta telefônica/
Câmera escondida, Fala-Povo/Enquete ou Fonte não identifi-
cada por falta de GC e sem citação nos offs). Além disso, foram
ainda transcritas as ocupações e os nomes dessas fontes.
Por fim, na terceira parte buscou uma avaliação em torno
de valores-notícias (TRAQUINA, 2005). A intenção foi que o
avaliador analisasse valores-notícia como Frequência, Amplitude/
clareza, significância, imprevisibilidade e Complementaridade/
Continuidade, além dos usos de recursos visuais e/ou sonoros.

30
Por um viés qualitativo para a análise de conteúdos

CONSIDERAÇÕES
Ainda que este texto inicial traga uma curta reflexão
acerca dos potenciais que a análise de conteúdos tem para a
elaboração e desenvolvimento de estudos de observação siste-
mática de mídia, os métodos empregados estão continuamente
em desenvolvimento, haja vista que essa prática apresenta-se
como um desafio que permite atualizações constantes, confor-
me os objetivos estipulados pelo pesquisador.
As experiências anteriores com monitoramento já con-
firmavam que a análise de conteúdos por si só não dá conta de
explicar esse fenômeno tão intrigante chamado comunicação,
algo que já havia sido lamentado em André (2012) e que alude
para o fato de que há coerência na aplicação de métodos e me-
todologias mistas de pesquisa.
Neste artigo não houve qualquer intenção de apresentar
dados oriundos da planilha, que foram extraídos e avaliados
com propriedade nos trabalhos conseguintes, e sim de com-
partilhar aspectos relevantes da experiência adquirida pelos
membros do grupo de pesquisa no que concerne à prática do
monitoramento de telejornais.

REFERÊNCIAS
ANDRÉ, Hendryo. Escândalo anunciado: o agendamento do caso de
estelionato da VC Consultoria em cinco telejornais curitibanos. In:
SOMMA NETO, João; ANDRÉ, Hendryo. Mídia e política: caminhos
cruzados. Curitiba: UFPR-SCHLA, 2011.
ANDRÉ, Hendryo. “Venda nos olhos, legendas e iniciais”: a notícia
televisiva como ferramenta de estigmatização e invisibilidade social.
2012. 143 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Programa de Pós Gra-
duação em Comunicação e Sociedade, Departamento de Comunicação
Social, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012.
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70,
2010.

31
Mídia e política: observações e críticas

BAUER, Martin W.; GASKELL, George; ALLUM, Nicholas C.


Qualidade, quantidade e interesses do conhecimento: evitando con-
fusões. In: BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qua-
litativa com texto, imagem e som: um manual prático. 3. ed. São
Paulo: Vozes, 2004.
BAUER, Martin W. Análise de conteúdo clássica: uma revisão. In:
BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa
com texto, imagem e som: um manual prático. 3. ed. São Paulo:
Vozes, 2004.
CAPPELLE, Mônica Carvalho Alves; MELO, Marlene Catarina de
Oliveira Lopes; GONÇALVES, Carlos Alberto. Análise de conteúdo
e análise de discurso nas Ciências Sociais. Organizações Rurais &
Agroindustriais, Lavras, v. 5, n. 1, p. 69-85, 2003. Disponível em:
<http://revista.dae.ufla.br/index.php/ora/article/view/251/248>. Acesso
em: 01 mar. 2012.
GOLDENBERG, Mirian. A Arte de pesquisar: como fazer pesquisa
qualitativa em Ciências Sociais. 8. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.
HERSCOVITZ, Heloiza Golbspan. Análise de conteúdo em jornalismo.
In: LAGO, Cláudia; BENETTI, Marcia. Metodologia de pesquisa em
jornalismo. 3. ed. São Paulo: Vozes, 2010.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: a tribo jornalística –
uma comunidade interpretativa transnacional. Florianópolis: Insular,
2005.

32
Usos das fontes jornalísticas em
notícias dos telejornais curitibanos
Eduardo Covalesky Dias1,
João Somma Neto2 e Juliana Carvalho3

INTRODUÇÃO
Desde o surgimento da imprensa, a política ocupa
grandes espaços na produção/divulgação de pautas para a
mídia. A editoria ganha destaque em épocas eleitorais e na
revelação, por parte da mídia, de grandes furos de reporta-
gem que tratam de polêmicas envolvendo agentes políticos.
Além disso, há outras formas de divulgação da editoria que,

1. Mestrando em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em


Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
2. Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), vice-co-
ordenador e professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade
Federal do Paraná (UFPR), professor associado do curso de Jornalismo da UFPR e líder do
grupo de pesquisa Estudos da Imagem, registrado junto ao CNPq.
3. Graduanda em Comunicação Social – Relações Públicas pela Universidade Federal do
Paraná (UFPR).

33
Mídia e política: observações e críticas

de acordo com Alves e Daldegan (2011), na busca pela ex-


posição midiática, acontecem relações de interesses entre
jornalistas e agentes políticos.
Segundo Miguel (2002), os meios de comunicação al-
teraram o modo em que vemos o mundo, e a televisão, em
especial, é o meio que mais transforma a vida cotidiana dos
brasileiros, influenciando principalmente na gestão de tem-
po e do espaço, seja ele doméstico ou social. O autor ainda
afirma que, enquanto o trabalho (atividade com maior tem-
po de dedicação do ser humano) está declinando a duração
de tempo gasto, as mídias continuam em ascensão.
Se a população brasileira está consumindo mais te-
levisão do que dedicando seu tempo ao lazer, é necessá-
rio que se obtenham respostas para o papel desta mídia na
construção da opinião pública no Brasil. Isto pode ser feito
por meio de pesquisas quantitativas e qualitativas, em que é
possível observar como é realizada a veiculação de materiais
específicos dentro deste meio.
Estudos sobre como a política é apresentada para a
sociedade são trabalhados constantemente pelas universida-
des brasileiras e, em especial, o grupo de pesquisa Estudos
de Imagem, da Universidade Federal do Paraná, está desen-
volvendo um trabalho específico sobre as relações entre o
telejornalismo e a política regional. Os primeiros resultados
da pesquisa, encontrados neste artigo, servem para novos
grupos de pesquisadores desenvolverem trabalhos seme-
lhantes, a fim de que a pesquisa atinja o âmbito nacional.
Um recorte dos trabalhos do grupo de pesquisa é
apresentado neste artigo, o qual tem por objetivo central
verificar quais são e como aparecem as fontes jornalísticas
em matérias políticas nos telejornais analisados.
As fontes de notícias são essenciais para a prática jor-
nalística. Elas produzem e oferecem conteúdos, levam a mí-

34
Usos das fontes jornalísticas nos telejornais curitibanos

dia a divulgar fatos e eventos, pautam os veículos e são pau-


tados por eles. A depender de sua relevância, são influentes
atores na condução de programas telejornalísticos, assim
como são, também, peças importantes para a manutenção
e a complementaridade daquilo que o jornalista quer trans-
mitir como mensagem dominante. O presente artigo tem
como objetivo quantificar e analisar a presença das fontes
jornalísticas em quatro telejornais locais.
Para o desenvolvimento do artigo, foi necessário ana-
lisar o uso das fontes utilizadas para apuração das informa-
ções para as matérias jornalísticas veiculadas nos noticiários
televisivos. Antes de conhecer quais agentes participaram de
fato no processo, é preciso entender e classificar os tipos de
fontes existentes como um todo, para ajudar na compreensão
de sua importância. Utiliza-se como referência para a tipolo-
gia das fontes as obras de Lage (2001) e Schmitz (2011), de
acordo com a classificação proposta por André (2012).

A POLÍTICA NO TELEJORNALISMO
Quando se pensa o objeto de pesquisa proveniente
da televisão, uma das referências centrais é a obra Sobre a
televisão, de Pierre Bourdieu. Nesta obra, o sociólogo francês
aborda, desde um programa de televisão, questões centrais
sobre a atuação dos jornalistas, o campo jornalístico, as cen-
suras e as características do meio de comunicação. O livro
é bastante crítico com relação à atuação jornalística na tele-
visão, com ênfase nos telejornais franceses, mas aplicáveis
a formatos telejornalísticos de várias emissoras do mundo.
Bourdieu (1997) destaca o aspecto de monopólio e de
totalização que a televisão possui com seus telespectadores,
principalmente pela disparidade de informação consumida
por determinados segmentos do público, ou da audiência.

35
Mídia e política: observações e críticas

Para o sociólogo francês,

(...) há uma proporção muito importante de pessoas que


não lêem nenhum jornal; que estão devotadas de corpo
e alma à televisão como fonte única de informações. A
televisão tem uma espécie de monopólio de fato sobre a
formação das cabeças de uma parcela muito importante
da população (BOURDIEU, 1997, p. 23).

Características percebidas pelo autor podem ser iden-


tificadas nas edições do Paraná TV 2ª Edição que analisare-
mos neste trabalho (os fatos-ônibus, a televisão como um
espelho de Narciso, a circulação circular da informação e a
limitação do meio como um espaço de pensamento, a com-
petição por índices de audiência, dentre outros). Alguns des-
tes conceitos podem ser melhor abordados em um universo
de concorrência, o que é proposto pelo grupo de pesquisa.
Marcondes Filho (1988), corroborando com a ideia de
Bourdieu (1997), complementa com a realidade brasileira, a
qual, segundo ele, de acordo com o nível de escolaridade e
condição financeira da população, maior ou menor é o seu
nível de consumo televisivo.
A despeito da crítica exposta pelos dois autores abor-
dados acima, surge a necessidade de inserir à análise a abor-
dagem de Arlindo Machado com relação à televisão. Ele
disserta sobre a qualidade na televisão e critica intelectuais
que sempre deslocaram a televisão a uma posição secundá-
ria na formação da sociedade, bem como deslocaram tam-
bém seus espectadores a uma função passiva em relação ao
conteúdo transmitido.

(...) a televisão é e será aquilo que nós fizermos dela.


Nem ela, nem qualquer outro meio, estão predestina-
dos a ser qualquer coisa fixa. Ao decidir o que vamos

36
Usos das fontes jornalísticas nos telejornais curitibanos

ver ou fazer na televisão, ao eleger as experiências que


vão merecer a nossa atenção e o nosso esforço de in-
terpretação, ao discutir, apoiar ou rejeitar determina-
das políticas de comunicação, estamos, na verdade,
contribuindo para a construção de um conceito e uma
prática de televisão (MACHADO, 2000, p. 12).

Com um viés otimista em relação às produções televi-


sivas, Machado (2000) esboça sete conceitos para uma “tele-
visão de qualidade” e, ao fazer um recorrido desses esboços,
versa sobre o que deve nortear a análise deste trabalho:

De fato, talvez se deva buscar, em televisão, um concei-


to de qualidade a tal ponto elástico e complexo, que per-
mita valorizar trabalhos nos quais os constrangimentos
industriais (velocidade e estandardização da produção)
não sejam esmagadoramente conflitantes com a inova-
ção e a criação de alternativas diferenciadas, nos quais a
liberdade de expressão dos criadores não seja totalmen-
te avessa às demandas da audiência, nos quais ainda as
necessidades de diversificação e segmentação não sejam
inteiramente refratárias às grandes questões nacionais e
universais (MACHADO, 2000, p. 25).

Ou seja, o trabalho não pretende ser nem demasiada-


mente crítico a ponto de creditar ao sistema econômico e à
subserviência a isso de atores coletivos que produzem os tele-
jornais, nem cerrar os olhos para a dependência da produção
em relação a lógicas econômicas e disputas de poder.
Gomes (2003) salienta que o jogo de poder das mídias,
em especial a televisão, traz junto com as imagens produzi-
das por ela, um jogo educador e disciplinador que contro-
la os próprios espectadores. Para ela, “enquanto mostram,
as mídias disciplinam pela maneira do mostrar, enquanto
mostra ela controla pelo próprio mostrar” (GOMES, 2003,

37
Mídia e política: observações e críticas

p. 77). Isso significa que, quando disciplina mostrando as


informações, a mídia possui um controle sobre o consumi-
dor, que apenas absorve o que está sendo representado ali,
e então, pode-se afirmar que, para os cidadãos disciplinados
“se não passou pelas mídias, não existe” (Ibid.).
Existe ainda uma interdependência entre o campo mi-
diático e o campo político, que se caracteriza pela retroali-
mentação do fluxo informacional. A exemplo do que observa
Champagne (apud MATTOS, 2007), a imprensa impõe ao cam-
po político uma hierarquia dos temas que este último reconhe-
ce como importante, assim como também colabora para sua
produção (MATTOS, 2007, p. 06). Por sua vez, Thompson
(2008) também relata sobre esse controle exercido pela mídia
nos acontecimentos da vida social da atualidade. Para ele, a mí-
dia se envolve ativamente na construção do mundo social, le-
vando imagens e informações a todos, modelando os próprios
acontecimentos (THOMPSON, 2008, p. 106). Aliado a isto,
o autor também fala da ligação entre os assuntos políticos na
vida atual. Antes, os posicionamentos políticos eram obscuros,
não identificáveis pela população. Contudo, hoje esse domínio
dos políticos sobre o privado não se mantém, devido à própria
audiência que assuntos políticos possuem na própria mídia.

FONTES JORNALÍSTICAS
O jornalismo como se conhece hoje data do século XIX,
com origens na concepção anglo-americana. Baseado em al-
guns princípios fundamentados na busca da verdade, na inde-
pendência, na objetividade e na prestação de serviço público,
entre outros, o jornalismo se torna informativo e não publicis-
ta, centrado no fato. O repórter como profissional responsável
por exercer uma função específica surge por volta de 1870,
“por se caracterizar no tipo de jornalista que buscava a notí-

38
Usos das fontes jornalísticas nos telejornais curitibanos

cia (newsgathering), tomava notas sobre os eventos e considerava


os fatos. Até então os jornalistas não perguntavam às fontes,
apenas relatavam o ocorrido e emitiam suas opiniões pessoais”
(SCHMITZ, 2011, p. 07-08). A reportagem e a atividade jorna-
lística em geral se pautavam mais pela observação do próprio
jornalista, e a apuração de informações carecia de maior rigor
por não contar com a possibilidade de se basear numa plu-
ralidade, diversidade e quantidade de fontes suficientes para
garantir uma abordagem ampla dos fatos.
A partir daí, o campo jornalístico passa a articular com
outros campos sociais e, em função disso, fica sujeito a vários
fatores, como as relações comerciais, as pressões do públi-
co, as ações dos jornalistas, aos interesses sociais, políticos e
culturais. As fontes fazem parte deste jogo, modificando até
certo ponto o modo de produção jornalística e conferindo ao
material produzido, inclusive, maior credibilidade.
Lage (2001) explica que houve uma grande evolução no
uso de fontes de informação jornalísticas. Antes, até meados
do século XX, não havia profissionalismo no uso de fontes e
o jornalista, se quisesse obter uma consistência maior ao ma-
terial produzido, precisava ouvir desde políticos a viajantes
para poder escrever sobre um fato. Depois da Segunda Guer-
ra Mundial (1939-1945) houve o crescimento das assessorias
de imprensa, que acabaram tornando o processo de difusão
de informações mais profissional, mas ao mesmo tempo mais
suscetível aos interesses e relações de poder que se estabele-
cem dentro do processo produtivo do jornalismo.
Dentre as formas de interferência na esfera pública, está
o agendamento midiático, ligado à teoria do Agenda Setting,
sugerida por Lippmann (2008), em 1922, e apresentada por
Maxwell McCombs e Donald Shaw – ver McCombs (2009) –,
no início da década de 1970. Inicialmente, a hipótese destes
pesquisadores era a de que os jornalistas eram capazes de

39
Mídia e política: observações e críticas

estabelecer a agenda e determinar as questões mais importan-


tes. Pouco mais de duas décadas depois, os autores reformu-
laram seu problema, questionando, afinal, quem estabelecia
a agenda pública, se eram os jornalistas ou se eles apenas
refletiam uma agenda estabelecida por suas fontes.
Schmitz (2011) explica que o saber do jornalismo tam-
bém é construído pela fonte. “As notícias resultam de proces-
sos complexos da interação, mas há limites na sua produção,
por isso, cada vez mais as fontes fornecem conteúdos prontos
para uso” (SCHMITZ, 2011, p. 12). Os promotores de notícias
– as fontes – passaram a interferir decisivamente no processo
jornalístico, sendo também produtores de conteúdos.
Dessa forma, o jornalismo torna-se um mediador entre
quem produz a notícia e o público, devido aos custos para obter a
informação, à proliferação de assessorias e agências de comunica-
ção e à capacitação das fontes para o relacionamento com a mídia.
Lage (2001) também explica que, por mais que as asses-
sorias de imprensa fossem vistas como limitadoras dos movi-
mentos dos jornalistas, no Brasil, mesmo antes da existência
das assessorias, os próprios jornalistas acabavam agindo de
acordo com os interesses de repartições e empresas de serviço
público e limitavam a divulgação de informações:

Setorizados nessas instituições, jornalistas terminavam


cooptados, quer pela exclusividade do acesso, quer por
favores e privilégios que, de forma mais ou menos explí-
cita complementavam seus salários. O resultado era uma
situação em que salas de imprensa e repórteres amigos
funcionavam como filtros políticos de informação, sem
deixar margem a que profissionais “não acreditados” pe-
netrassem em suas áreas de atuação (LAGE, 2001, p. 50).

O autor acredita que a criação das assessorias de im-


prensa acabou garantindo que a divulgação das informações

40
Usos das fontes jornalísticas nos telejornais curitibanos

funcionasse sobre um viés moral e ético, levando os adminis-


tradores a agirem de maneira que começassem a “considerar
a informação do público como tema sério, que não pode ser
mera expansão da publicidade comercial nem algo que se deva
ou possa controlar inteiramente” (LAGE, 2001, p. 51).
Outro aspecto a ser considerado é a necessidade de o pro-
fissional do jornalismo, necessariamente, exercer uma atividade
que o coloca a todo instante diante de escolhas a serem feitas. O
poder do jornalista para selecionar notícias é estudado no proces-
so do gatekeeper. Este poder, no entanto, é matéria de discussões
sobre a autonomia deste profissional que estaria vinculada à polí-
tica editorial do veículo ou, em contraposição ou complementari-
dade, ligada ao conjunto de normas próprias da profissão.
Dito isso, é necessário fazer uma avaliação sobre a nature-
za das fontes. Para a categorização do conteúdo das edições de
telejornais analisados pelos integrantes do grupo de pesquisa, a
metodologia de pesquisa adotada utilizou-se de uma classificação
similar à adotada por André (2012) que, com base em autores con-
sagrados do jornalismo e na viabilidade para organizar a prática
de monitoramento de mídia, arranja as fontes em oito categorias:

a) Oficial: políticos, empresários, líderes religiosos, porta-


vozes de grandes empresas – que falam em nome da institui-
ção que representam;
b) Oficiosa: políticos, empresários, líderes religiosos, porta-
vozes de grandes empresas – que não falam em nome da ins-
tituição que representam;
c) Personagem: pessoas comuns – que falam sobre um as-
sunto por terem passado pela experiência abordada durante
a peça jornalística ou por emitir opinião enquanto cidadão;
d) Especialista: estudioso sobre o assunto em pauta. Geral-
mente, oferta uma visão conjuntural do tema abordado;
e) Profissional/Perito: técnico no assunto em pauta;

41
Mídia e política: observações e críticas

f) Testemunha em off/Escuta telefônica: fontes que, por


questões de segurança, não são identificadas no material;
g) Fonte não identificada (falta de GC): fonte não identi-
ficada por problemas técnicos do telejornal;
h) Fala povo/Enquete: quando há espaço para várias falas
para extrair a opinião ou a impressão sobre um determinado
assunto a um grupo de pessoas.

O material de análise4 consiste em 20 edições de quatro


telejornais veiculados na Região Metropolitana de Curitiba
– Band Cidade (Rede Bandeirantes), Paraná TV (RPCTV, afi-
liada à Rede Globo), RIC Notícias (RICTV, afiliada à Rede
Record) e SBT Paraná (Rede Massa, afiliada ao SBT), tota-
lizando 80 edições. A extração foi feita em quatro períodos,
distribuídos em quatro meses distintos, entre abril e julho de
2013. Dessa forma, estipulou-se que seriam monitoradas edi-
ções de uma semana cheia dos meses de abril (08 a 13/04),
maio (13 a 17/05), junho (03 a 07/06) e julho (22 a 26/07),
totalizando cinco edições de cada um dos quatro telejornais.
A escolha dos telejornais e do horário para ser anali-
sado foi baseada em pesquisas já realizadas anteriormente,
incluindo o Ibope, o qual aponta as quatro emissoras como
as de maior audiência no Brasil. Segundo pesquisa realizada
pela Teleco Brasil (2012), a televisão é o meio de comunica-
ção mais utilizado no Brasil, sendo que ela está presente em
97% dos domicílios, superando o rádio (83%) e a internet
(36,5%). Outra pesquisa, da Meta (2010), aponta que mais
de 42% da população consome telejornais diariamente e,
dentro desta porcentagem, 72% consome essas informa-

4. Mais informações sobre a metodologia de pesquisa adotada pelo grupo de pesquisa po-
dem ser encontradas no texto de abertura desta parte do livro.

42
Usos das fontes jornalísticas nos telejornais curitibanos

ções a partir das 18h00, seguindo até às 22h00.

AS VISUALIDADES DAS FONTES


JORNALÍSTICAS NA POLÍTICA
De acordo com a análise, pode ser percebido que as
fontes oficiais são geralmente as mais presentes nas ma-
térias, já que, para garantir maior veracidade aos fatos, é
necessário expor os dados divulgados por aqueles que têm
uma certa credibilidade com os públicos. Sua ocorrência é
maior em matérias que têm como base projetos de lei ou
cunho político. As fontes oficiosas aparecem em contex-
tos parecidos. Os profissionais/peritos e os especialistas
têm embasamento teórico ou prático para afirmar aspectos
complementares ao fato principal da notícia.
As fontes não-identificadas estão presentes em maté-
rias mais gerais, como as que falam sobre protestos ou falta
de atendimento em creches, por exemplo. Geralmente são
apenas citadas, sem muito desenvolvimento. Num contexto
parecido, entram os personagens, que complementam a situ-
ação da matéria não sendo necessariamente especialistas; são
pessoas que vivem o momento independente da formação.
As testemunhas em off oferecem informações que não
gostariam de divulgar caso tivessem que ser identificadas.
Assim, acabam dando informações sigilosas e/ou contradi-
tórias que oferecem um grau mais polêmico ao fato.
O Fala povo/enquete adquire à matéria um caráter
mais inclusivo, popular, porque permite que o público dê
sua opinião sobre determinado assunto. Geralmente apa-
rece em matérias que têm a ver diretamente com aspectos
referentes à vida em sociedade, como, por exemplo, a imple-
mentação dos “ônibus rosa”, destinados apenas às mulheres
para que não sofram abusos, em Curitiba.

43
Mídia e política: observações e críticas

Nas 80 edições de telejornais analisadas foram iden-


tificadas 215 matérias com tema político. As matérias iden-
tificadas continham assuntos da competência de quaisquer
dos poderes (Executivo, Legislativo e/ou Judiciário), da so-
ciedade civil organizada ou da iniciativa privada.
Em todo o período, foram identificadas 135 matérias
com a presença de fontes diretas, em que a imagem dos entre-
vistados era exibida na tela da televisão. Nas 80 matérias em
que não há fontes diretas, 77 são formatos telejornalísticos em
que não costuma haver a presença de fontes diretas – comentá-
rio/opinião, nota coberta, nota pelada/seca e quadro/coluna/
boletim/stand-up.
A visualidade do poder político torna-se evidente já no
número que representa a presença de fontes oficiais no telejor-
nalismo. Nas 135 matérias em que há fonte direta, 99 possuem
fonte oficial. Destes casos, em 53 matérias há a presença somen-
te de fontes oficiais, sendo que em 22 delas há mais de uma fonte
oficial. A segunda maior evidência quanto à tipificação da fonte
são os personagens, presentes em 42 das 215 matérias.
A seguir, elenca-se a presença das fontes de acordo
com os quatro telejornais analisados:

Tabela 01­– Presença e tipos de fontes diretas nos noticiários


BAND PARANÁ RIC SBT
CIDADE TV NOTÍCIAS PARANÁ
Oficial 21 33 31 13
Oficiosa 04 03 01 03
Personagem 07 21 07 07
Profissional / Perito 02 05 07 05
Especialista 01 03 06 04
Fala Povo / Enquete 01 01 * 01
Fonte não identificada 02 13 02 03
Fonte: Estudos da Imagem (2013)

44
Usos das fontes jornalísticas nos telejornais curitibanos

O expressivo número de fontes diretas oficiais alcan-


çado na extração de dados contrasta com o número de pre-
sença de outros tipos de fontes para retratar a política no
telejornal. Nos casos do Band Cidade e do RIC Notícias,
apenas o número de matérias com fontes oficiais é superior
à soma de matérias com presença de outras fontes. Confor-
me Schmitz (2011, p. 25), a fonte oficial “é a preferida da
mídia, pois emite informação ao cidadão e trata essencial-
mente do interesse público, embora possa falsear a realida-
de, para preservar seus interesses ou do grupo político”.
Neste sentido, o Paraná TV se destaca pela presença
de personagens em suas matérias que, constantemente, re-
latavam problemas ou indignações em contraposição à voz
oficial. Das 21 ocorrências da presença de personagens nas
matérias, 10 possuem também fonte oficial, metade do total
de ocorrências das outras emissoras, que não exploram da
mesma forma histórias baseadas em um personagem social
que, comumente, é enquadrado como vítima de um proble-
ma de competência do poder público. Desta forma, Schmitz
(2011, p. 26-27) afirma que “a figura da vítima é carregada
de noticiabilidade, pois o público se interessa pelo sofredor,
injustiçado ou pela desgraça do destino. Já o cidadão busca
visibilidade para reivindicar os seus direitos”.
A baixa presença de especialistas no material coletado
pode ser explicado pela curta duração dos materiais extraí-
dos. São 16 registros de fala de especialistas e, deste mate-
rial, verifica-se que em 10 casos a reportagem tinha mais de
2 minutos de duração. Em 6 casos, o especialista teve voz
em reportagens de 1 a 2 minutos, enquanto que nas repor-
tagens com duração de até 1 minuto não houve presença
de especialistas. Em 15 destes 16 registros, o especialista
está presente junto a outras fontes, o que confirma o tipo
de fonte como uma necessidade de busca por “informações

45
Mídia e política: observações e críticas

secundárias ou complementares, notadamente em situação


de risco ou conflito” (SCHMITZ, 2011, p. 26-27).
Analisa-se também a incidência de fontes de acordo com
os poderes de abrangência das matérias. Percebe-se a tendência
padrão de predomínio das fontes oficiais sobre as demais, ainda
que em um caso isto destoe – as matérias em que tratam sobre
instâncias da Sociedade Civil Organizada. Vale salientar que, nes-
te caso, as matérias podem estar em dois poderes de abrangência
ao mesmo tempo. Por exemplo, em 64 ocorrências de abrangên-
cia política da Sociedade Civil Organizada, 33 abrangem tam-
bém outros poderes, enquanto 31 se limitam a ela.

Tabela 02 – Incidência de fontes pela abrangência política


PODER PODER PODER SOC. INIC.
EXEC. LEGIS. JUDIC. CIVIL PRIVADA
Oficial 55 44 09 22 12
Oficiosa 06 05 01 06 02
Personagem 21 14 01 25 03
Profissional 12 08 01 08 04
Perito
Especialista 06 07 02 06 03
Fala Povo/ * 03 * * *
Enquete
Fonte não 17 04 * 06 05
identificada
Fonte: Estudos da Imagem (2013)

A diversidade ao abordar entidades da Sociedade Civil


Organizada é um ponto a ser destacado. Os assuntos abor-
dados ao tocar nesta abrangência política dão voz a inúmeros
atores sociais classificados como personagens: aposentado, ca-

46
Usos das fontes jornalísticas nos telejornais curitibanos

cique, técnica de enfermagem, diarista, estudante, professor,


cabeleireira, presidente de sindicato, pescador, feirante, empre-
gada doméstica, cooperador de reciclagem, bibliotecária.

Tabela 03­– Incidência de fontes de acordo com o formato


ENTREV. ENTREV. REPORTA- REPORT.
ESTÚDIO EXTERNA GEM ESPECIAL
Oficial 01 06 91 *
Oficiosa * * 11 *
Personagem 01 * 40 01
Profissional / * 01 18 01
Perito
Especialista * 03 12 01
Fala Povo / * * 03 *
Enquete
Fonte não * ** 20 01
identificada
Fonte: Estudos da Imagem (2013)

Dentre os assuntos tratados no material coletado, se-


leciona-se alguns que tiveram recorrência maior. Como par-
te da coleta de dados, delimitou-se três ou quatro palavras
ou termos chave para identificar o assunto das unidades de
análise. Para tecer alguns apontamentos sobre eles, selecio-
na-se três deles: PEC 37, Caso Tayná e Transporte.
Analisando especificamente a ocorrência de matérias
sobre a PEC 37 – Projeto de Emenda Constitucional que
limitaria a atuação do Ministério Público em investigações
criminais –, que teve relevância no mês de abril, foram apon-
tados os usos das fontes diretas que serviram para a cons-
trução das matérias sobre o fato em questão. Foi observado

47
Mídia e política: observações e críticas

que houve maior incidência de fontes que têm mais conhe-


cimento prático ou teórico sobre o tema, como as fontes
oficiais, oficiosas e profissionais/peritos. Desta forma, não
foram consultados personagens, fontes não identificadas ou
enquetes porque o assunto contém um grau de seriedade
e, portanto, foram valorizadas as fontes que pudessem, de
fato, sanar dúvidas, não supor respostas.
As matérias, apesar de terem ênfase local/regional, aca-
bam extrapolando o âmbito estadual, porque o assunto tem re-
levância nacional/internacional. Este motivo justifica o uso de
fontes que possam fornecer informações mais precisas, já que
têm a chance de se tornarem referência dentro do país para pes-
soas de fora do estado que queiram saber mais sobre o assunto.

Tabela 04­– Incidência de fontes diretas / “PEC 37”


BAND PARANÁ RIC SBT
CIDADE TV NOTÍCIAS PARANÁ
Oficial * 02 01 *
Oficiosa * * * 03
Personagem * * * *
Profissional / Perito 02 01 * 01
Especialista * * * *
Fala Povo / Enquete * * * *
Fonte não identificada * * * *
Fonte: Estudos da Imagem (2013)

O transporte ganha espaço considerável de presença nos


telejornais. São 12 registros, no total. Os assuntos dominantes
com relação ao transporte estão na esfera pública, relacionados
à falta de táxis e a tempo de espera, lotação e tarifa do transpor-
te coletivo. Nestes casos, chama a atenção a carência de fontes
oficiais para ilustrar e/ou explicar a situação. Em 2 casos, elas

48
Usos das fontes jornalísticas nos telejornais curitibanos

são citadas como fonte indireta, já que não se manifestam apa-


recendo na tela, e sim por meio de notas e comunicados oficiais.
Em um caso, veiculado pela RIC Notícias, há a pre-
sença de três fontes, apenas oficiais: o presidente da URBS,
Roberto Gregório, o governador do Estado, Beto Richa, e o
prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet. A pauta em questão é o
acordo entre o Governo do Estado e a Prefeitura de Curitiba
em que oficializa um aumento no subsídio do transporte co-
letivo metropolitano para manter a frota em funcionamento
em conjunto com as cidades da Região Metropolitana.
Excluindo-se os materiais jornalísticos sem presença de
fontes diretas, como é o caso de quatro notas cobertas e uma
coluna, chama atenção a presença de personagens em 3 casos,
fontes não identificadas em 4 situações e uma enquete. Os po-
pulares ganham voz neste tipo de reportagem para demonstrar
indignação com os problemas do transporte público. A falta de
táxis é agravada pela amostragem da primeira semana de junho,
que coincide com o feriado de Corpus Christi e a consequen-
te carência e sobrecarga de demanda por táxis no entorno da
rodoferroviária. Em função disso, taxistas e usuários, muitos
deles não identificados, estão presentes nos materiais.

Tabela 05­– Incidência de fontes diretas / “Transporte público”


BAND PARANÁ RIC SBT
CIDADE TV NOTÍCIAS PARANÁ
Oficial * * 01 02
Oficiosa * * * *
Personagem * 04 01 *
Profissional / Perito * 01 * 01
Especialista * * 01 *
Fala Povo / Enquete * * * 01
Fonte não identificada * 04 01 *
Fonte: Estudos da Imagem (2013)

49
Mídia e política: observações e críticas

No mês de julho, um dos assuntos de maior desta-


que foi o caso da adolescente Tayná, que supostamente foi
morta e estuprada por quatro homens, que foram presos. A
notícia tem origem local/regional. O caso se tornou mais
conhecido porque estes homens só teriam confessado o cri-
me por terem sido torturados por policiais civis. Em todas
as vezes, as reportagens estiveram em destaque na escalada
dos programas, às vezes com ênfase regional e outras extra-
polando o âmbito nacional.
Por se tratar da morte de uma adolescente de 14 anos
com um desenrolar conturbado, o público acaba observan-
do o caso com mais empatia. Isto é notável até mesmo pela
escolha que as emissoras fizeram para as fontes: o uso de
personagens acaba garantindo um valor emocional ao dis-
curso, já que provavelmente eram conhecidos ou pessoas
que de alguma forma tinham um envolvimento mais ínti-
mo com o tema. Além disso, aparecem, também, as fontes
oficiais, oficiosas, profissionais/peritos e especialistas, que
garantem o aspecto informativo da notícia.
Das três emissoras cujos telejornais foram analisados,
apenas a Band Cidade não divulgou a notícia.

Tabela 06­– Incidência de fontes diretas / “Caso Tayná”


BAND PARANÁ RIC SBT
CIDADE TV NOTÍCIAS PARANÁ
Oficial * 02 01 01
Oficiosa * * * 02
Personagem * 01 * 02
Profissional / Perito * * 01 *
Especialista * * * 01
Fala Povo / Enquete * * * *
Fonte não identificada * * * *
Fonte: Estudos da Imagem (2013)

50
Usos das fontes jornalísticas nos telejornais curitibanos

Quanto às personalidades presentes, é interessante


constatar um certo equilíbrio na presença de fontes no te-
lejornalismo. Posicionado no cargo máximo do Poder Exe-
cutivo Estadual do Paraná, o governador Beto Richa é o que
mais aparece como fonte direta nos materiais analisados. São
seis presenças do governador nas matérias, o que não destoa
do restante das fontes. Conforme levantamento, na sequência
aparece o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e o Subpro-
curador Geral de Justiça do Paraná, Bruno Galatti, com qua-
tro presenças. Abaixo deles, aparecem várias personalidades
da política paranaense com três ou duas aparições.

Tabela 07 – Principais fontes entrevistadas


NOME OCUPAÇÃO APARIÇÕES
Beto Richa Governador 06
Alexandre Padinha Ministro da Saúde 04
Bruno Galatti Subprocurador Geral de Justiça 04
André Vargas Deputado Federal (PT) 03
Fernando Francischini Deputado Federal (SDD) 03
Gustavo Fruet Prefeito de Curitiba 03
Mirian Gonçalves Vice-prefeito de Curitiba 03
Cid Vasques Sec. Est. de Segurança Pública 02
Cleusa da Silva Mãe de Tayná 02
Reinhold Stephanes Sec. Est. da Casa Civil 02
Rogério Campos Vereador de Curitiba (PSC) 02
Marcus Vinícius Coelho Presidente da OAB 02
Antônio Cesar Presidente da Associação
02
Bochenek Paranaense de Juízes Federais
Secretária de Relações
Ideli Salvatti 02
Institucionais da Presidência
Fonte: Estudos da Imagem (2013)

51
Mídia e política: observações e críticas

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos números e da quantificação dos tipos de
fontes percebidos nas matérias extraídas pelo Grupo de
Pesquisa, é possível aferir a importância dada às fontes ofi-
ciais. Mais do que apenas sua presença, ela torna-se peça
fundamental para a legitimação da notícia. A dependência
da fonte oficial é o que aproxima os quatro telejornais ana-
lisados do poder político. No último quadro do artigo, em
que se elenca as fontes que foram citadas diretamente mais
de uma vez, percebe-se apenas fontes oficiais (com exceção
de Cleuza da Silva, mãe de Tayná, que toma importância em
virtude de o assassinato de sua filha ter se tornado uma série
de dúvidas e inconsistências quanto à atuação das institui-
ções públicas no caso).
Surpreende, refutando uma hipótese inicial de que
fontes ligadas ao Poder Executivo teriam espaço de des-
taque e predomínio nos telejornais, a presença significati-
va de notícias com abrangência política da Sociedade Civil
Organizada, acima até mesmo da abrangência política da
Iniciativa Privada, da qual os grupos midiáticos fazem parte.
É um fator que contribui para a diversidade de fontes no
telejornalismo, já que dá voz a presidentes de sindicatos,
organizações não-governamentais e entidades comunitárias.
Ainda que as fontes oficiais tenham predominado, nesta
abrangência há uma maior incidência de personagens. Estes
personagens adquirem maior importância na produção da
notícia quando são identificados e postos como atores cen-
trais do problema ou da reivindicação retratada.
De uma forma geral, ficou claro que o uso das fontes
agrega um sentido mais específico à notícia, que será sus-
tentada pelos depoimentos dados por entidades, líderes ou
personagens, por exemplo. As fontes apresentarão pontos
de vista e observações que manterão o povo informado e

52
Usos das fontes jornalísticas nos telejornais curitibanos

estimularão a reflexão. A construção de uma notícia que


cita fontes com conhecimentos mais profundos junto com
fontes de fácil identificação com o público (como os perso-
nagens ou enquetes) garantem mais do que a obtenção de
conhecimento; fazem com que as pessoas se sintam repre-
sentadas em sua posição de espectadores.

REFERÊNCIAS
ALVES, C. A.; DALDEGAN, M. C. “Diários Secretos”: Uma aná-
lise da visibilidade sobre o escândalo na Assembleia do Paraná nas
capas da Gazeta do Povo. Ação Midiática, Curitiba, I, 2011. 76-91.
ANDRÉ, Hendryo. “Venda nos olhos, legendas e iniciais”: a no-
tícia televisiva como ferramenta de estigmatização e invisibilidade
social. 2012. 143 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Programa de
Pós Graduação em Comunicação e Sociedade, Departamento de Co-
municação Social, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012.
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
GOMES, M. R. Poder no jornalismo. São Paulo: Edusp, 2003.
LAGE, Nilson. A Reportagem: teoria e técnica de entrevista e pes-
quisa jornalística. Rio de Janeiro: Record, 2001.

LIPPMANN, Walter. Opinião Pública. Petrópolis: Vozes, 2008.


MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. São Paulo: Edi-
tora Senac, 2000.

MCCOMBS, Maxwell. A teoria da agenda: a mídia e a opinião Públi-


ca. Petrópolis: Vozes, 2009.

MARCONDES FILHO, Ciro. Televisão: a vida pelo vídeo. São Paulo:


Moderna, 1988.
MATTOS, C. O agenda-setting e o discurso circular da informação.
Midiálogos, Londrina, Setembro 2007.
MIGUEL, L. F. Os meios de comunicação e a prática política. Lua
Nova, São Paulo, 2002. 155-184.

53
Mídia e política: observações e críticas

SCHMITZ, A. A. Fontes de Notícias: ações e Estratégias das Fon-


tes no Jornalismo. Florianópolis: Combook, 2011.
TELECO BRASIL. O Desempenho do Setor de Telecomunicações
no Brasil: Séries Temporais, preparado pelo Teleco para a Telebra-
sil. 2012. Disponível em: <http://www.teleco.com.br/estatis.asp>
Último acesso em dezembro/2013.
THOMPSON, J. A mídia e a modernidade. Petrópolis: Vozes, 2008.

54
A construção da imagem pública
da PEC 37 nos telejornais locais
Elaine Javorski1, Igor Iuan2,
Liege Scremin3 e Liriane Kampf4

INTRODUÇÃO
Este artigo pretende analisar a cobertura midiática das
audiências públicas realizadas no Paraná para discutir a Pro-
posta de Emenda à Constituição (PEC) de número 37. Para
isso, foram observados os telejornais vespertinos de âmbi-
to estadual das emissoras RIC/Record, Band, Rede Massa/

1. Professora pesquisadora das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil). Doutoranda


em Ciências da Comunicação pela Universidade de Coimbra (Portugal), mestre em Comu-
nicação e Indústrias Culturais pela Universidade Católica Portuguesa (2004), especialista
em Estudos do Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002). Bacharel
em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1999).
2. Mestrando em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em
Comunicação Social – Jornalismo pelas Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil).
3. Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela UniBrasil.
4. Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela UniBrasil.

55
Mídia e política: observações e críticas

SBT e RPC/Globo veiculados entre os dias 8 e 12 de abril de


2013. Nove peças tratam do assunto e mostram uma diversi-
dade de conflitos entre poderes institucionalizados como as
polícias Militar e Federal e as esferas executiva, legislativa e
judiciária. As matérias estão assim distribuídas: Band Cidade,
dia 12 de abril; RIC Notícias, dias 8 e 12 de abril; Paraná TV
2a Edição, dias 9, 10, 11 e 12 de abril; SBT Notícias, dias 11 e
12 de abril. Para o estudo do enquadramento dessas notícias
nos telejornais, primeiramente é necessária a exposição de
determinados pressupostos teóricos pertinentes à análise das
reportagens televisivas. Dentre as temáticas, serão discutidas
as relações entre mídia e política; a conexão entre o poder po-
lítico e os meios de comunicação; e a construção da imagem
pública diante de assuntos relevantes ao panorama político
e midiático. A metodologia utilizada foi a análise de conte-
údos, sob a perspectiva do enquadramento jornalístico pro-
posto por Tuchman e Entman. Foram observadas variáveis
de forma, conteúdo e discurso com o intuito de levantar os
principais recortes utilizados pela mídia para tratar o assunto.

A PEC 37
A Proposta de Emenda à Constituição de número 37, de
autoria do deputado federal e também delegado da Polícia Civil
do Maranhão, Lourival Mendes, foi apresentada à Câmara dos
Deputados no dia 8 de junho de 2011. A PEC tinha o objetivo
de acrescentar ao artigo 144 da Constituição Federal o propó-
sito de impossibilitar a apuração de infrações penais por uma
instituição específica como o Ministério Público. Dessa for-
ma, as investigações criminais ficariam sob responsabilidade
das polícias Civil e Federal. “A apuração das infrações penais
de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privati-
vamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito

56
A construção da imagem pública da PEC 37

Federal, respectivamente”5. Antes de submetida à deliberação


do plenário, a proposição foi encaminhada para a Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania, responsável pelo exame téc-
nico prévio de emendas constitucionais. Em outubro de 2011,
o relator da Comissão apresentou parecer favorável à proposta
que seguiria para a aprovação ou não na Comissão. No dia 20
de dezembro de 2011 o parecer foi aprovado e publicado no
Diário da Câmara dos Deputados. Em março de 2012 foi cria-
da a Comissão Especial, que tinha como tarefa dar um parecer
ao projeto. Foram realizadas quatro audiências públicas entre
abril e maio de 2012, com representantes de entidades públicas
e privadas, incluindo o próprio Ministério Público e as polícias
Civil e Federal. Em junho, foi proferido o parecer inicial pela
aprovação da PEC, mas com uma emenda substitutiva, com
um texto mais amplo, que regulamentava as ações do Minis-
tério Público de forma subsidiária às polícias Civil e Federal.
Em 25 de junho de 2013, a proposta foi votada na Câmara dos
Deputados com 430 votos contrários e 9 favoráveis.
Caso a PEC 37 fosse aprovada, o Ministério Público
perderia a autonomia para investigar infrações penais sem
requisição de um delegado. Assim, se a polícia entendesse a
não necessidade de apuração, o crime poderia prescrever e a
denúncia deixar de ser feita. Com o projeto de lei aprovado,
o trabalho do Ministério Público em conjunto com as polí-
cias seria paralisado, bem como os casos em andamento como,
por exemplo, a Lei da Ficha Limpa. A defesa da PEC 37 tem
como interlocutores principais o Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação dos Delegados
de Polícia do Brasil (Adepol). Segundo argumentos da OAB,

5. PEC 37/2011 está disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetr


amitacao?idProposicao=507965

57
Mídia e política: observações e críticas

as investigações criminais promovidas pelo Ministério Público


contrariam o artigo 144 da Constituição Federal, já que esse
órgão não pode produzir provas, pois é também titular da ação
penal. Com isso, entende-se que o Estado estaria no papel de
investigador e acusador ao mesmo tempo, o que inviabilizaria
a igualdade entre a acusação e a defesa no processo criminal6.

MÍDIA, POLÍTICA E A CONSTRUÇÃO


DA IMAGEM PÚBLICA
De acordo com Lima (2001), a mídia é o conjunto das
instituições que utilizam tecnologias específicas para realizar a
comunicação humana. Já a ideia de política, para o mesmo au-
tor, está associada ao exercício do poder tanto na relação entre
soberanos e súditos, como entre governantes e governados, e
entre autoridade e obediência. No entanto, é importante salien-
tar como a emergência da mídia modificou sensivelmente a exis-
tência prática da política. Antes do desenvolvimento dos meios
de comunicação, a publicidade dos governantes vinha de sua
aparição física diante dos outros em contextos de co-presença:

Os governantes usaram os novos meios de comunicação


não apenas como um veículo para a promulgação dos de-
cretos oficiais, mas também como um meio de construir
uma autoimagem que poderia ser levada a outros locais dis-
tantes. Gradualmente, a publicidade dos governantes políti-
cos e outros, a visibilidade de suas ações, de suas falas e, na
verdade, deles próprios, era promovida separadamente de
sua aparição diante de outros reunidos num mesmo local
espaço-temporal. (...) Essas foram as condições que facilita-
ram o surgimento do que poderíamos chamar de sociedade

6. Mais informações em http://www.oab.org.br/noticia/23699/oab-apoia-pec-que-man-


tem-poder-de-investigacao-criminal-so-na-policia

58
A construção da imagem pública da PEC 37

da automanifestação – uma sociedade em que foi possível


e, na verdade, se tornou cada vez mais comum, aos líderes
políticos e a outros indivíduos aparecer diante de públicos
distantes e desnudar algum aspecto de si mesmos ou de sua
vida pessoal (THOMPSON, 2002, p. 66-69).

Dessa maneira, a mídia tornou visível arenas de ação que


estavam antes escondidas do olhar e criou um campo comple-
xo de fluxos de imagens e informação difíceis de controlar. As-
sim, a visibilidade midiática transformou-se também em uma
armadilha. Ademais, a mídia também passou a ser transforma-
da em um ator político (LIMA, 2004) – o que constituiu um
desafio para a exposição de sua própria imagem pública sobre
assuntos de seu interesse.
Formar uma imagem é reconhecer um conjunto de pro-
priedades como características de determinadas instituições e
atores políticos, um “reconhecimento” que, a bem da verdade,
é uma atribuição (GOMES, 2004). Trata-se de um processo de
construções e desconstruções de verdades, realidades e legiti-
midade, tanto de quem fala sobre si, como aos próprios espe-
lhos – é um movimento dialético de pactos e disputas entre mí-
dias, espaços, palcos e poderes (WEBER, 2004). Essa luta pela
projeção de tal construção imagética, que pode ser interpretada
como imagem pública, é mantida, segundo Weber, como fator
vital à visibilidade e reconhecimento de “instituições e sujeitos
da política” (partidos, governos, políticos, ideologias, gover-
nantes) – os denominados “sujeitos políticos”.
Portanto, o que traz o fenômeno da imagem pública ao
centro da cena é a sua vinculação à esfera da visibilidade pú-
blica e a sua relação estreita com os meios de comunicação de
massa (GOMES, 2004, p. 262). Além disso, a respeito da cons-
trução da imagem pública e sua interdependência em relação
à mídia, é possível afirmar que o processo é marcado por uma
convergência de dispositivos:

59
Mídia e política: observações e críticas

Neste exercício sobre imagens públicas e institucio-


nais, mostra-se o caminho da difusão de um concei-
to desejado e estrategicamente formatado, passível de
traduções simbólicas e, como tal, apropriado e vigiado
em todas as instâncias de visibilidade política, domi-
nadas em grande parte pelas mídias, como suportes
de fabricação e difusão de quaisquer modalidades de
imagem. A imagem pública da política, enquanto dis-
positivo acionado pelos pactos e disputas de poder,
entre sujeitos, instituições e mídias, é o fator axial de
funcionamento da comunicação contemporânea, entre
organizações, indivíduos e sociedades que necessitam
de visibilidade favorável nos planos pessoal, institu-
cional, político e mercadológico. A imagem pública é
resultante da imagem conceitual, emitida por sujeitos
políticos em disputa de poder e recuperada na soma
das imagens abstratas (o intangível, a imaginação),
com as imagens concretas (o tangível, os sentidos)
(WEBER, 2004, p. 261-262).

Assim, pode-se falar das imagens públicas do presidente


da República, do Congresso Nacional, da Federação das Indús-
trias, da CUT, do MST e do ministro X ou Y (GOMES, 2004,
p. 255); – ou até de um tema como a PEC 37 – e identificá-las
com determinados conceitos, derivados da formatação deste
ou daquele dispositivo. Em outras palavras, no caso específi-
co deste estudo, os telejornais Paraná TV, Band Cidade, SBT
Paraná e RIC Noticias constroem a imagem pública sobre a
PEC 37 associando-a a dadas conceituações que operam este
processo justamente por meio da definição de seus respectivos
enquadramentos destinados a este tema.
Outro fator relevante na construção da imagem pública é
a plataforma na qual a mensagem é emitida (neste caso, a tele-
visão). É preciso considerar a montagem técnica do telejornal
– edição de imagens, palavras, cortes e colagens:

60
A construção da imagem pública da PEC 37

A produção e a edição do telejornal implicam a escolha


e a determinação do que vai ser visto e dito, do como e
do quando, mas na verdade o noticiário é um produto
fabricado por aqueles que nele trabalham, como fun-
cionários de uma engrenagem maior, que sofrem pres-
sões e exigências, das quais nem sempre se dão con-
ta. Imbuídos da obrigação do cumprimento da tarefa,
executam-na, mas possivelmente pagando um preço
alto, pois é o caso de se pensar se cada um daqueles
funcionários poderia editar outras matérias, de forma
diferente, com outro nível de criatividade, enfatizando
outros assuntos e sob um ângulo diferente, ainda que
seguindo regras de um contrato sobre modos de dizer
(SZPACENKOPF, 2003, p. 215).

Dessa forma, a televisão, como forma de interação mi-


diática, envolve o emprego de um meio técnico que possibi-
lita a transmissão da informação e do conteúdo simbólico às
pessoas que não partilham o mesmo local espaço-temporal
(THOMPSON, 2002). Essa conjuntura de fatores altera de-
cisivamente o sentido que é fornecido pelo telejornalismo a
respeito de um assunto – por exemplo, a PEC 37.
Também é relevante observar a lógica mercadológica
presente na atividade jornalística. Além da competência pro-
fissional e das exigências inerentes às tarefas, no jornalismo
funcionam mecanismos que facilitam não só informar, quanto
vender (SZPACENKOPF, 2003, p. 203). Além disso,

(...) o jornalismo começou a perder a demarcação ética


que havia conquistado nos anos 1970 devido à cria-
ção de centenas de empresas de assessoria de imprensa
formadas por jornalistas e à contratação e jornalistas
pelo setor público como assessores de imprensa. Isso
se deu sem que fossem separadas as duas profissões,
criando-se uma promiscuidade de valores no interior
do jornalismo que abriu caminho para uma nova mo-

61
Mídia e política: observações e críticas

dalidade de corrupção, mais ideológica e sutil. (...) Al-


guns sindicatos de jornalistas também se aproximaram
mais das grandes empresas, buscando patrocínio para
certos projetos (KUCINSKI, 2005, p. 60).

Sendo assim, a informação midiática atende a dois ob-


jetivos contraditórios: o do fazer-saber e o da captação, pro-
duzindo e incentivando um objeto de consumo mercadoló-
gico, para captar o maior número de leitores/espectadores
para sobreviver à concorrência (SZPACENKOPF, 2003).
Isto interfere direta e indiretamente na construção da ima-
gem pública da mídia e dos atores políticos manifestados
em seus discursos através da construção dos enquadramen-
tos referentes às temáticas noticiadas.
De acordo com Gramsci (apud LIMA, 2001), o estado
desempenha um papel na divulgação da visão de mundo,
mas o sistema cultural legitimador, decisivo para o poder
político, é mantido principalmente por instituições privadas,
autônomas e, em muitos casos, não políticas: a família, a
igreja, o partido político e, naturalmente, a mídia (p. 145-
146). E isto se reflete na política:

A mídia desempenha o papel de manutenção da ideolo-


gia política dominante: ela divulga, celebra, interpreta o
mundo nos seus termos e, em alguns momentos, a altera
para adaptá-la às demandas de legitimação num mundo
em mudança. Ao mesmo tempo, o conceito de hege-
monia é empregado para explicar o comportamento da
mídia, o próprio processo de produção cultural. A mí-
dia, ela mesma, está sujeita ao processo hegemônico. A
ideologia dominante conforma a produção de notícias
e entretenimento; isto explica por que podemos espe-
rar que a mídia funcione como agente de legitimação,
apesar do fato de que ela é independente do controle
político (HALLIN apud LIMA, 2001, p. 168).

62
A construção da imagem pública da PEC 37

Nesse mesmo sentido, Kucinski (2005) aponta para


uma “ética” que ele chama de “ideologia do jornalismo”, se-
gundo a qual o jornalista é responsável por todos os seus
atos, mas não pode ser responsabilizado pelas consequências
de ter revelado verdades – uma espécie de “proteção” forne-
cida pelo status de sua condição profissional.
Ademais, notícias (especialmente imagens) podem
operar como fontes de estímulos equivalentes à experiência
vivida – ansiedade, ódio, medo, euforia e alta exaltação são
particularmente estimulantes e também são mantidos na me-
mória de longo prazo (CASTELLS, 2009). E as estratégias
de enunciação nas notícias, seja sob a forma de comentário
ou não, provocam uma projeção mais ou menos importan-
te do imaginário social sobre o fato relatado, tal que este é
moldado pelas relações de formas existentes numa sociedade
dada (SZPACENKOPF, 2003, p. 171-172). Essa comunhão
de fatores reforça o poder midiático na construção da ima-
gem pública, sobretudo em assuntos que envolvem política.

O ENQUADRAMENTO DE TEMAS NA MÍDIA:


O CASO DA PEC 37
Para entender de que forma os noticiários televisivos
paranaenses apresentaram a discussão sobre a PEC 37, foram
analisados os telejornais Band Cidade, Paraná TV 2a Edição,
RIC Notícias e SBT Paraná. A amostra consistiu na observa-
ção das edições da semana compreendida entre os dias 8 e 12
de abril de 2013. Foram encontradas nove peças relativas ao
tema, cujos conteúdos foram analisados com a utilização de
variáveis de forma (data, gênero jornalístico, espaço ocupado),
conteúdo (personagens apresentados, cargos que ocupam, tema
principal da matéria) e discurso (narrativa, tom e argumentação
dominante da peça, fontes) (FERIN, 2012).

63
Mídia e política: observações e críticas

A análise dessas variáveis seguiu a perspectiva pro-


posta por Goffman (2002; 2012), relativa ao conceito de
enquadramento, ou frame. Para o autor, o enquadramento
definiria o contexto ou marco de interpretação pelo qual as
pessoas se detêm em alguns aspectos da realidade e ignoram
outros. O mesmo aconteceria com os jornalistas quando da
seleção dos aspectos que deveriam compor a notícia. Apli-
cado diretamente ao jornalismo por autores como Entman
e Tuchman, o conceito foi chamado de news frame. Tuchman
(1978) defende o enquadramento como uma característica
essencial das notícias que definem a compreensão da vida
cotidiana. Entman (1991) caracteriza esse “enfoque” das
notícias como esquemas de processamentos de informações
pelos quais algumas propriedades específicas das notícias
estimulariam percepções e compreensões particulares sobre
determinados eventos, mas não sobre outros. Esses enqua-
dramentos seriam construídos por meio de palavras, metá-
foras, conceitos, símbolos e imagens visuais que a narrativa
noticiosa enfatiza. Assim, palavras e imagens específicas
que integrem a notícia podem identificar uma narrativa que
carrega significados preexistentes, resultado de repetições
e reforços de um recorte do acontecimento. Desta forma,
como sugere Scheufele (1999), os meios de comunicação
constroem a realidade social por meio de um enquadramen-
to da realidade e suas imagens. Nessa ação o jornalista acaba
por enfocar uma parte da realidade em detrimento de outra.
Os enquadramentos podem, ainda, expressar a forma como
o poder social e político está distribuído e de que forma
isso pode levar à construção de uma hegemonia ideológica
(CARRAGE; ROEFS, 2004). Determinados fragmentos de
realidade podem dominar a narrativa midiática de tal for-
ma que passam a ser entendidos como senso comum ou
descrições de fatos e não interpretações deles. Carrage e

64
A construção da imagem pública da PEC 37

Roefs (2004) atribuem importância principal às análises de


questões referentes ao poder social e político, pois enten-
dem que os enquadramentos são estimulados por diversos
atores sociais – entre eles, os políticos. Assim, a imagem
pública de um fato ou instituição pode ser construída por
meio do enfoque que a mídia utiliza na sua divulgação. No
que diz respeito à PEC 37, os telejornais analisados toma-
ram partido do assunto posicionando-se de forma bastante
clara. Durante a semana analisada, as matérias encontradas
corroboram com essa constatação. As peças desse período
correspondem aos atos promovidos pelo Ministério Públi-
co para discutir publicamente as implicações da proposta de
emenda. Diversas audiências públicas foram realizadas en-
tre abril e maio, meses que antecediam a votação na Câmara,
ocorrida em junho.
A semana analisada culminou em uma audiência públi-
ca na sexta-feira (12/04) em Curitiba. Por isso, durante todo
esse período diversas matérias foram exibidas nos telejornais
locais, principalmente sobre as audiências prévias realizadas
em outras cidades do estado. Na segunda-feira (08/04), apenas
o RIC Notícias adianta o assunto por meio de uma entrevista
em estúdio com o procurador de Justiça Bruno Galatti. A ân-
cora, Alessandra Consoli, apresenta o tema com a afirmação
de que a PEC 37 tiraria o poder de investigação do Ministério
Público e com a observação dos jogos de poder que estariam
em curso. A primeira pergunta enfatiza justamente a possível
retaliação do corpo político ao MP. O procurador responde
que a PEC 37 é um desserviço à nação e coloca o Brasil en-
tre os únicos três países no mundo que não permitem que o
MP realize investigações. Ao comentário do entrevistado sobre
as investigações que passariam a ser exclusividade das polícias
Civil e Federal, a jornalista lembra da falta de estrutura des-
ses organismos. O procurador cita dados relativos ao número

65
Mídia e política: observações e críticas

de condenados por crime de corrupção que hoje, no Brasil,


corresponderia a 0,12% do total de presos e questiona se a
mudança na lei seria para melhor ou pior. Afirma ainda que o
MP tem sofrido ataques políticos intensos nos últimos anos, já
que sua função é executar a Constituição de 1988, criada para
dar fim à impunidade e evitar a distinção da Lei depois do pe-
ríodo militar (1964-1985). Ressalta que o MP é autônomo, ou
seja, não está vinculado a nenhum dos três poderes. Como a
polícia estaria vinculada ao Executivo, as investigações exclu-
sivas passariam, portanto, a ter um controle político. Segundo
o entrevistado, no Paraná o MP proporcionou diversos even-
tos informativos sobre as consequências da aprovação da PEC
37. A apresentadora termina a entrevista lembrando sobre a
assinatura eletrônica contra a PEC 37 que está disponível na
internet e que pode ser acessada por meio do portal da RIC.
Nos dias 9 e 10, foram realizados atos públicos em
diversas cidades do Estado, mas somente o Paraná TV apre-
senta o tema. Na terça-feira (09/04), uma reportagem co-
menta sobre a assinatura do governador Beto Richa e do
arcebispo da cidade de Curitiba, Dom Moacyr Vitti, em do-
cumento contra a PEC 37. Em seguida, o VT mostra um
protesto na Associação Comercial de Paranavaí contra a
proposta de emenda e o abaixo-assinado que já continha
mil assinaturas e seria enviado a Brasília. A única fonte uti-
lizada é o promotor Marcelo Gobbato que afirmava ser a
população a maior prejudicada caso o projeto fosse aceito.
Em nota final, o apresentador do telejornal diz que o teles-
pectador pode votar contra a PEC no site do programa. No
dia seguinte, uma suíte sobre os protestos gerados pela PEC
37 traz em uma nota coberta imagens da Câmara de Verea-
dores de Maringá que ficou lotada de manifestantes. A fonte
é o procurador geral do Paraná, Gilberto Giacoia, que diz
que a PEC 37 é retrocesso, um golpe contra a democracia.

66
A construção da imagem pública da PEC 37

Também são mostradas imagens da Câmara de Vereadores


de Ponta Grossa, onde houve protestos.
O assunto tem novamente repercussão no telejornal
da RPC na quinta-feira (11/04) com uma nota coberta so-
bre o terceiro dia seguido de protestos contra a PEC 37 em
Guarapuava, Londrina e Foz do Iguaçu. Foram montadas
barracas em diversas cidades e realizadas plenárias para dis-
cutir o assunto. Segundo o texto, 1,5 mil processos em fase
de investigação de corrupção poderiam ser perdidos caso
a proposta fosse aprovada. O apresentador diz em nota-pé
que o telespectador pode participar do abaixo-assinado vir-
tual na página web da emissora. O SBT também traz uma
reportagem sobre a mobilização em Londrina e que se espa-
lha pelo Estado. O texto aponta que promotores e procura-
dores apostam na pressão popular. As fontes, em repúdio à
proposta, são Bruno Galatti, procurador do MP no Paraná;
Cláudio Esteves, coordenador do Grupo de Atuação Espe-
cial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco); Alexandre
Kireff, prefeito de Londrina; e Flávio Balan, presidente da
Associação Comercial e Industrial de Londrina.
Na sexta-feira (12/04), o Ministério Público promoveu
um ato público em repúdio à PEC 37 na sua sede, em Curi-
tiba. Todos os telejornais das emissoras analisadas fizeram
a cobertura do evento. O RIC Notícias exibiu reportagem
sobre as diversas manifestações ocorridas durante a semana.
As imagens mostram o evento oficial na capital que teve a
presença de representante dos três poderes. O objetivo era
pressionar o congresso nacional e finalizar a série de eventos
realizados durante a semana pelo MP. Como fonte foram uti-
lizados o procurador Bruno Galatti, enfatizando a importân-
cia da Constituição que impediu que as investigações fossem
controladas politicamente, o que poderia voltar a acontecer
caso a PEC fosse aprovada; e Denilson de Almeida, coorde-

67
Mídia e política: observações e críticas

nador do Gaeco, que comentou a aprovação da PEC como


forma de acabar com a essência do MP e com suas investiga-
ções. Na nota retorno, a apresentadora informa o endereço
eletrônico do MP e diz que qualquer um pode assinar a pe-
tição eletrônica. Em seguida, no estúdio, o comentarista da
emissora, Paulo Gomes, faz uma análise do surgimento da
PEC 37. Para ele, a verdadeira razão para a criação da pro-
posta é a retirada dos promotores das investigações, porque
eles “pegam mais pesado, têm autonomia de ação” e muitos
políticos desonestos temem suas ações. Fala também sobre
as influências políticas que ainda atuam nas polícias. Segundo
ele, um delegado que investigue um caso de corrupção pode
ser transferido por pressão política, já um promotor de jus-
tiça não está sujeito a esta ameaça. Gomes diz enfaticamente
que é contra a PEC 37, que seria um retrocesso e não acredita
na sua aprovação.
O Band Cidade também exibiu neste dia reportagem so-
bre os protestos contra a proposta de emenda constitucional que
ocorreram no Centro Cívico, em Curitiba. As imagens mostram
a sede do MP e as autoridades presentes, representantes da so-
ciedade civil organizada e da comunidade em geral que participa-
ram do ato público. A reportagem teve como fonte o promotor
de justiça Bruno Galatti, que convocou a comunidade a parti-
cipar para entender suas implicações, e o promotor de justiça
Rodrigo Chemin, para quem a aprovação da PEC legitimaria a
corrupção e inviabilizaria o efetivo combate a desvios de com-
portamento no trato da coisa pública. O texto da matéria lembra
que a proposta foi aprovada em 2012 e que agora a ideia é mo-
bilizar o público para que ela não siga adiante.
Já a RPC e o SBT deram menos destaque ao caso nes-
te dia. No PRTV a informação do ato público foi exibida
em uma lapada que trazia alguns fatos policiais. Na nota
de retorno, o apresentador lembra que o abaixo-assinado

68
A construção da imagem pública da PEC 37

contra a emenda já tem mais de 100 mil assinaturas e que


o telespectador também pode participar na página da inter-
net da emissora. O SBT também mostra o evento em uma
lapada com notícias policiais, na sequência de acidentes de
trânsito. O texto fala também do abaixo-assinado que será
enviado ao congresso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos telejornais, mediante o enquadramento
que deram ao assunto da PEC 37, permitiu observar alguns
aspectos importantes do jogo de poder entre diferentes es-
feras públicas. A proposta de emenda levantou conflitos po-
líticos entre instituições como as polícias Militar e Federal
e os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. A PEC 37,
juntamente com a PEC 33 que impõe limites à atuação do
Supremo Tribunal Federal (STF), foram entendidas como
ações do parlamento e do Executivo contra o Poder Judici-
ário e contra o Ministério Público, que possui prerrogativas
de poder ainda que muitos juristas não o considerem desta
forma. Mesmo aparecendo como defensor dos direitos de
uma sociedade democrática, também essa esfera sofre influ-
ências tanto da parte dos outros poderes quanto da opinião
pública. O Ministério Público assume esse papel combativo,
ampliado pela possibilidade de controle externo da polícia,
e tem alcançado uma maior importância política e visibilida-
de na mídia7. Com a prerrogativa de que não havia um con-
trole sobre o MP, os parlamentares submeteram a proposta
de emenda para análise.

7. Exemplo disso foi o caso da condenação de 25 réus do chamado “Mensalão” em novembro


de 2013, julgado pelo STF, de grande repercussão midiática.

69
Mídia e política: observações e críticas

O apoio ao MP por parte dos meios de comunicação


demonstra essa confiança na instituição, diferente do que
acontece em relação aos poderes Legislativo e Executivo, os
dois poderes mais desgastados frente a opinião pública. A
argumentação dominante das peças é favorável à campanha
instaurada pelo órgão. Das emissoras analisadas, a RPC e a
RIC foram as que mostraram maior apoio às manifestações
contra a PEC 37 tanto na amplitude de sua cobertura (tem-
po de duração das matérias e número de vezes que apare-
cem) como no incentivo aos telespectadores na assinatura do
abaixo-assinado disponível nas suas páginas na internet. O
posicionamento é visível também no uso das fontes, já que
não foram ouvidos, por exemplo, representantes das polícias
Militar ou Federal ou membros da OAB. Assim, na obser-
vação das fontes utilizadas, é possível entender uma união
geral diante do fato por parte dos promotores de justiça e
procuradores, além de representantes do Executivo, como o
prefeito de Londrina, ou o governador do Paraná, da socie-
dade civil organizada por meio de associações comerciais, e
até da Igreja Católica. Há também a repetição de fontes que
utilizam um discurso conveniente para a mídia, como foi o
caso do promotor Bruno Galatti, ouvido em quatro das nove
reportagens analisadas. Essa escolha se dá pela credibilidade
da autoridade e, portanto, quanto mais alta a posição do in-
formador, mais ampla será sua informação. “Essa afirmação
segue o seguinte raciocínio: a posição de autoridade confere
credibilidade. Algumas pessoas, pela posição que ocupam,
sabem mais que outras pessoas; daí devem ter acesso a mais
fatos e, então, a sua informação deve ser, em princípio, mais
correta” (TRAQUINA, 1999, p. 172). A escolha de fontes di-
versas, ainda que nesse caso todas convirjam para um mesmo
ponto de vista, demonstra a relação simbólica entre o jorna-
lismo e a democracia. Esse fato confere aos meios de comu-

70
A construção da imagem pública da PEC 37

nicação certo poder que, portanto, lhes colocam também na


relação com o jogo suscitado pela PEC 37. Esse poder pode
ser entendido como algo que representa a investigação, o não
delito, o compromisso com a verdade, que justamente pode
ter surgido pela preocupação, desconfiança e insegurança
com o poder político. Neste ponto também a mídia aparece
como ator político (LIMA, 2004) já que assume uma posição
dentro do contexto de conflito.
O enquadramento do assunto passa pelo uso das fon-
tes, não somente pela escolha delas, mas também pela re-
presentação que a mídia lhes confere. Assim, os meios de
comunicação utilizam o que Goffman (2002) chama de “pa-
péis” representados pelas fontes para exercer o convenci-
mento sobre determinado assunto. Neste caso, todos repre-
sentavam o papel de defensores da proposta, já que a mídia,
estimulada pelo Ministério Público, a colocava como algo
benéfico para a sociedade. Assim, políticos e outros atores
sociais se propuseram a representar seu repúdio à emenda,
mostrando desta forma sua contribuição à sociedade e ao
bem comum. A posição dos meios de comunicação foi clara
no teor informativo e reforçada pelo jornalismo opinativo
que tem espaço em algumas emissoras, como foi o caso da
RIC com a opinião mais enfática no repúdio à PEC 37, feita
na intervenção de seu comentarista. A emissora enquadrou
o assunto como uma questão de cidadania e não política,
por isso do posicionamento adotado (CONSOLI, 2013). A
importância do Gaeco como fonte para pautas facilitou a
inserção do assunto. A RPC (CASTRO, 2013) também en-
tendeu o assunto como uma cerceamento à liberdade de
investigação e um problema de caráter social. Por isso, a
decisão editorial era mostrar a importância do Ministério
Público nas investigações criminais. A agenda criada pelo
órgão com os eventos públicos promovidos também desen-

71
Mídia e política: observações e críticas

cadeou ações que a mídia não pode descartar. A equipe da


Band (NUNES, 2013) relatou que, em alguns momentos,
não percebeu que poderiam estar sendo usados para levan-
tar uma “bandeira” que pudesse favorecer algum órgão em
específico. Antes desse período de discussão sobre a PEC,
notaram uma intensa divulgação de ações do Gaeco, por
exemplo, que foram levados adiante como pautas para os
telejornais. Mas isso só foi percebido mais tarde. O SBT
(SISTI, 2013) aproveitou o assunto pelo viés policial, já que
o perfil do telejornal está mais ligado a essa editoria. Foram
utilizadas notícias sobre crimes para contextualizar a ação
do Ministério Público na resolução de casos e, dessa forma,
mostrar a necessidade de investigação do órgão. Esses as-
pectos também são visíveis na situação das peças dentro do
telejornal, já que foram tratadas, na maioria das vezes, na
sequência de fatos policiais.
A relação com as fontes mostra aqui uma via de mão
dupla, na qual um ajuda na divulgação midiática sobre in-
vestigações importantes e o outro oferece apoio quando
necessário. A campanha feita junto do Ministério Público
tem, portanto, relação direta com a necessidade dos meios
em utilizar pautas geradas pelo órgão. Essa relação interfere
de forma clara no enquadramento do assunto e na divulga-
ção dessa realidade social condicionada pelo poder político
(SCHEUFELE, 1999). O discurso dominante constrói um
significado particular das questões, o que leva à hegemonia
ideológica referida por Carrage e Roefs (2004). Os atores
políticos patrocinam, portanto, esses enquadramentos que
são empregados pelos jornalistas na produção das notícias,
não somente nas que se referem especificamente ao Minis-
tério Público, mas também nas que têm ligação com seu
trabalho (como as matérias sobre crimes, por exemplo). A
estratégia de utilizar as peças sobre a PEC 37 na sequência

72
A construção da imagem pública da PEC 37

de fatos policiais para justificar a importância do MP mostra


de que forma se constrói o discurso, não somente baseado
no fato em si, ou seja, a campanha contra a proposta de
emenda, mas de forma a tornar o assunto um senso comum.
Comprova-se, portanto, que os atores sociais, em especial
os políticos, estimulam os enquadramentos e os utilizam de
forma a intervir na construção da realidade social.

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Mídia e política: observações e críticas

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74
Agendamento midiático
A eleição do conselheiro do Tribunal de Contas do
Paraná em quatro telejornais curitibanos
Paula M. W. Andreola1, Renata Caleffi2,
Marcos Mariano3 e Rosângela Stringari4

INTRODUÇÃO
A cobertura noticiosa dos telejornais paranaenses tem
diversos aspectos positivos e negativos que ainda são pouco
estudados. Desenvolvido por integrantes do Grupo de Pes-
quisa Estudos da Imagem da Universidade Federal do Paraná
(UFPR), o presente artigo faz parte de uma pesquisa realizada

1. Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em


Comunicação Estratégica e Negócios pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-
PR). Bacharel em Comunicação Social – Relações Públicas (PUC-PR).
2. Mestranda em Comunicação pela UFPR. Graduada em Comunicação Social – Jornalismo
pela Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro).
3. Mestrando em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em
Comunicação Social – Jornalismo pelas Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil).
4. Mestre em MPhil Communication Studies (University Of Malta). Professora do curso de
Jornalismo da UFPR.

75
Mídia e política: observações e críticas

com o objetivo de observar as principais características da co-


bertura midiática de quatro noticiários curitibanos.
Durante os meses iniciais de 2013, os telejornais pau-
taram um caso que, posteriormente, teve grande destaque no
público: a eleição do conselheiro do Tribunal de Contas do Es-
tado do Paraná (TCE-PR), realizada em julho do corrente ano.
Para analisar se as coberturas das notícias tiveram alguma
influência nos acontecimentos posteriores, utilizou-se a teoria
do Agenda-setting, no que trata da troca de saliências entre a
agenda pública e a agenda midiática e se a cobertura desses
temas teve maior espaço dentro dos telejornais. Além disso, foi
observado também o silenciamento de emissoras sobre alguns
dos temas, identificando isto como uma possível troca de inte-
resses políticos entre a mídia e a política.
A pesquisa foi realizada com dados quantitativos, me-
diante o método da análise de conteúdos, relacionando e com-
parando quando as notícias foram divulgadas e as ações popu-
lares acerca dos temas em questão.

DESENVOLVIMENTO
Acreditar que a imprensa por si só é todo-poderosa, ca-
paz de ser responsável por grandes mudanças na sociedade
pode ser um equívoco. Marcondes Filho (1988, p. 85) comenta
que essa interpretação é incorreta, primeiro por acreditar que
os receptores não são tão passivos como se pensa, sendo que,
para ele, a massa avalia, julga e age politicamente, mesmo que
seja para eleger um mau governante. Segundo, que “um po-
deroso jornal, uma emissora de TV, uma grande editora, ge-
ralmente não estão sozinhos em suas lutas políticas e ideoló-
gicas”. Para ele, a imprensa está unida a outras grandes forças
sociais e seu poder não funciona sozinho, porém, afirma que
de uma forma indireta, mas efetiva, a TV faz política.

76
Agendamento midiático

Muitos autores consideram que o controle dos meios de


comunicação é a mais importante fonte de poder da sociedade
moderna. Segundo Kunczik (1997, p. 89), “os meios de comu-
nicação de massa são considerados a base de um poder de per-
suasão capaz de difundir uma interpretação da realidade com
uma qualidade diferenciada própria”.
Diferentemente dos veículos impressos, o rádio e a TV
têm a capacidade de serem imediatos, podendo noticiar os fa-
tos no mesmo tempo em que ocorrem eliminando o intervalo
entre acontecimento e divulgação pela mídia. No entanto, se-
gundo Rezende (2000), perdem esse privilégio ao passo que os
jornais e revistas podem se aprimorar, aprofundar a divulgação
e análise do fato. Enquanto os veículos eletrônicos informam
com o imediatismo, os impressos dispõem de tempo e espaço
para aprofundamento do acontecimento.
O telejornalismo acaba cumprindo uma função social e
política ao atingir um público pouco habituado à leitura e de-
sinteressado pela notícia, que no horário nobre acaba por vê-la
enquanto espera a novela. Diante desse telespectador passivo,
o telejornalismo, segundo o autor, torna-se cada vez mais im-
portante, a ponto de representar a principal forma de demo-
cratizar a informação. Apesar disso é preciso levar em conside-
ração que por trás das estações de TV existem corporações que
a controlam e que são mais motivadas por interesses econômi-
cos e políticos do que pelas camadas populares da audiência.
Thompson (2008) relata sobre o controle exercido pela
mídia nos acontecimentos da vida social da atualidade. Para ele,
a mídia se envolve ativamente na construção do mundo social,
levando imagens e informações a todos, modelando os pró-
prios acontecimentos. O autor também fala da ligação entre
os assuntos políticos na vida atual. Antes, os posicionamen-
tos políticos eram obscuros, não identificáveis pela população.
Contudo, hoje esse domínio dos políticos sobre o privado não

77
Mídia e política: observações e críticas

se mantém, devido à própria audiência que assuntos políticos


possuem na própria mídia.
Pela abrangência de público e classes sociais distintas,
a linguagem e a programação televisiva se adéquam na for-
ma e conteúdo ao perfil de público a que se dirigem, sendo
que o formato espetacular é o que prende atenção das pesso-
as. Segundo Rezende (2000, p. 25), “o espetáculo destina-se à
contemplação, combinando, na produção telejornalística, uma
forma que privilegia o aproveitamento de imagens atraentes
com um conjunto de notícias constituído essencialmente de
fait divers”, ou seja, fatos diversos. Para Szpacenkopf (2003, p.
175), “o telejornal é um espetáculo que informa, diverte, alerta
uma audiência que precisa ser agradada e mantida fiel”.
Aquilo que é passado no telejornal vira um espetáculo aos
olhos do telespectador, já que as imagens, após serem editadas,
mostram uma realidade mais real daquela que veio o fato em si.
E é tudo feito de propósito, com o intuito de chamar e prender
a atenção das pessoas. A imagem, neste meio, é o que há de mais
importante, o que passa credibilidade, pois o telespectador acredi-
ta e se convence mais pelo o que vê. Lopes (1999) comenta que:

Obrigado a ilustrar aquilo que noticia com imagens, o re-


pórter nem sempre consegue os melhores planos do acon-
tecimento, pondo, por vezes, no ar, imagens verossímeis,
afastadas da verdade. E aí está a imagem a emprestar à tele-
visão um efeito do real que não passa, paradoxalmente, de
uma ficção. Cumpre-se, assim, a ilusão de que ver é com-
preender. Não vi, logo não existe (LOPES, 1999, p. 76).

Celebrián Herreros, citado por Lopes (1999), num livro


dedicado à informação televisiva, afirma que “os telejornais
ganharam uma autonomia tal que podem ser considerados os
eixos ao redor dos quais gira toda a programação. Aparecem
sempre à mesma hora. E isso está tão absorvido pelos teles-

78
Agendamento midiático

pectadores que um atraso ou adiantamento na sua difusão pro-


voca surpresa”. Herreros ainda comenta sobre a importância
da qualidade de um jornal, destacando o contraste de fontes,
imparcialidade das opiniões e diversidade dos conteúdos infor-
mativos, para que se consiga atingir os diversos públicos que
compõem a sociedade.
Apesar de encarar a televisão como um veículo pobre
de transmissão de informação, Dahlgren (apud LOPES, 1999)
garante que, se existe algum meio capaz de estimular o debate
e provocar o comentário, a televisão é indubitavelmente quem
cumpre melhor essa função. Le Paige, também citado pela auto-
ra, complementa que atualmente é a televisão quem cria aquilo
que designa como “gramática de informação”, lembrando que
se “há dez anos o sumário de um telejornal se limitava à leitura
das primeiras páginas dos jornais, hoje essas primeiras páginas
são muitas vezes inspiradas nas imagens que passam na TV”.
Frequentemente, aquilo que é noticiado pelas rádios ou pelos
jornais só se torna determinante quando ampliado pela tevê.
Porém, o problema é que o telejornalismo “é um gênero
de televisão que transmite algo muito diferente do que a priori se
propõe. Onde deveria haver informação, há encenação; onde de-
veria haver crítica, há bagatelização; onde deveria haver utilidade
pública, há comércio” (MARCONDES FILHO, 1988, p. 59).
Para Felisbela (1999), no telejornal também há espaço para
momentos puramente explicativos, embora alguns investigadores
que estudam a televisão não lhe reconheçam grande capacidade
para a exibição dos fatos. Marcondes Filho (1988, p. 54) diz que
“ninguém se informa seriamente de nada; só se tem a impressão
de ficar informado.” Já Bourdieu (1997, p. 40) defende que a TV
apenas tem espaço para os fast thinkers, ou seja, para aqueles que
“pensam por ideias feitas”, proporcionando uma informação nula.
Além disso, deve-se lembrar de que a recepção das infor-
mações depende da bagagem cultural de cada telespectador.

79
Mídia e política: observações e críticas

“Convém lembrar que a informação não é difundida apenas


para ser recebida, mas também para ser interpretada e que, por
ser “altamente deteriorável”, a reportagem televisiva exige al-
guma reflexão” (LOPES, 1999, p. 90).

AGENDAMENTO
Dentre os textos que apresentam a evolução dos estudos
do Agenda-setting, McCombs e Shaw são apontados como fun-
dadores dessa pesquisa, inspirados por Walter Lippmann, autor
de Public Opinion (1922). Pena (2007) comenta que o conceito de
agendamento já teria sido antecipado por Lippmann na obra ci-
tada acima 50 anos antes de surgir a teoria, quando sugeriu uma
relação causal entre a agenda midiática e a agenda pública.
Lippmann (2008) em seu livro intitula o primeiro capítu-
lo de “O mundo lá fora e as imagens em nossas cabeças” tendo como
tese o fato da mídia ser a ponte até nossas mentes em ter-
mos de informação. “Podemos observar que as notícias sobre
ele nos chegam ora rapidamente, ora lentamente; mas o que
acreditamos ser uma imagem verdadeira, nós a tratamos como
se ela fosse o próprio ambiente” (LIPPMANN, 2008, p. 22).
Porém, Maxwell e McCombs (2008) comentam que os anos
recentes têm mostrado algo diferente daquilo que Lippmann
descreveu em sua tese. Segundo Pena (2007):

(...) o autor mostra que a mídia é a principal ligação en-


tre os acontecimentos do mundo e as imagens desses
acontecimentos em nossa mente (...) a imprensa funciona
como agente modeladora do conhecimento, usando os
estereótipos como forma simplificada e distorcida de en-
tender a realidade (PENA, 2007, p. 142).

No artigo “Agenda-setting e framing: reafirmando os efeitos limi-


tados”, Leandro Colling destaca pontos que Lippmann e Bernard

80
Agendamento midiático

Cohen escrevem sobre mídia e imprensa. Para Lippmann, os


meios informativos dizem quais são os assuntos mais impor-
tantes que estão ao redor do público. Seguindo a mesma ideia,
Cohen, em “The Press and Foreign Policy”, escreve que a imprensa,
apesar de não conseguir dizer às pessoas como elas devem pen-
sar, tem capacidade de dizer aos leitores sobre o que pensar.
Segundo Colling (2001, p. 89), em 1972, McCombs e
Shaw publicam artigo provando o que Lippmann e Cohen já
haviam escrito. Mediante uma pesquisa realizada em 1968, na
Carolina do Norte, em época eleitoral, foram aplicados ques-
tionários com eleitores indecisos em votar nos candidatos à
presidência dos Estados Unidos. Realizada a pesquisa, ficou
constatado que além da mídia influenciar significativamente o
eleitor, ela acabou por influenciar os candidatos, que incluíram
em suas agendas temas que, inicialmente, não constavam em
suas preocupações.
Como explica McCombs (2009, p. 111), o agendamento
nada mais é que “uma teoria sobre a transferência da saliência
das imagens da mídia sobre o mundo às imagens de nossas ca-
beças”, ou seja, por meio do agendamento é que o pesquisador
descobre (ou não) se há interferência de imagens do que a mí-
dia repassa para as decisões próprias de cada indivíduo. Sendo
assim, quando o agendamento se concretiza, a agenda da mídia
acaba se tornando a agenda pública.
A necessidade de orientação é quando as pessoas estão
com a notícia e têm necessidade natural de informação. Essa
necessidade consiste em dois componentes, a relevância e a cer-
teza. Segundo McCombs (2009), se a pessoa não considera um
tópico relevante, não precisa de orientação, logo, ela pode não
considerar uma notícia interessante por não ter essa necessidade
e não dá muita atenção ao que está sendo noticiado. Porém, se
o tópico é relevante e a pessoa sabe pouco a seu respeito, existe
uma necessidade maior de orientação. Sendo assim:

81
Mídia e política: observações e críticas

Quanto maior a necessidade por orientação, mais forte é o


efeito do agenda-setting. O efeito do agendamento não diz res-
peito simplesmente à exposição. Porém, diferentes pessoas
com o mesmo nível de exposição podem demonstrar efeitos
muito diferentes, dependendo do seu nível de necessidade
de orientação (REVISTA INTERCOM, 2008, p. 208).

Reforçando o estudo acima, Pena (2007, p. 142) coloca


que “a teoria do agendamento defende a ideia de que os con-
sumidores de notícias tendem a considerar mais importantes
os assuntos que são veiculados na imprensa, sugerindo que
os meios de comunicação agendam nossas conversas”. Sendo
assim, é possível perceber que aquilo que é conversado pelas
pessoas foi pautado pela mídia.
Segundo Colling (2001), Bregman concorda com as
ideias de Traquina, acreditando que a função da agenda vem
para superar a teoria dos efeitos limitados. O autor também
cita Katz (1998), um dos principais representantes da teoria
dos efeitos limitados, comentando que:

O modelo institucional, ao qual pertence o agenda-setting, sus-


tenta que a mídia nos diz em que temos que pensar. No
paradigma crítico, a mídia tem o poder de nos dizer em que
não há o que pensar. No paradigma tecnológico, a mídia tal-
vez tenha o poder de dizer como devemos pensar e a que
grupo pertencer (KATZ apud COLLING, 2001, p. 91).

Porém, em 1972, segundo Pena (2007), a teoria do


agendamento assume outra direção a partir dos estudos de
McCombs e Shaw. O objetivo passa à análise da influência da
mídia na formação e mudança de opiniões, como as pessoas
recebem, codificam e formam seu conhecimento. O foco está
em saber como as pessoas conversam, pois, segundo os auto-
res, as pessoas têm tendência a incluir ou excluir de suas con-
versas aquilo que a mídia inclui ou exclui no seu conteúdo.

82
Agendamento midiático

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARANÁ


Em dois de junho de 1947 nascia o Tribunal de Contas
do Estado do Paraná (TCE-PR). Criado por meio do Decreto-
Lei estadual nº 627, foi instituído pelo então governador do
Estado, Moysés Lupion e substituiu o Conselho Administrati-
vo do Estado.
Instalado na Rua Ermelino de Leão, 513, teve sua pri-
meira composição formado por Corpo Deliberativo, compos-
to por cinco juízes, Corpo Instrutivo – formado por Secretaria,
Diretoria de Fiscalização da Execução do Orçamento e Dire-
toria Revisora de Contas – e uma Representação da Fazenda.
Seu primeiro regulamento, feito pelo Decreto-Lei nº 673,
de nove de julho de 1947, definiu a estrutura e competência da
Corte, definindo, entre outras atribuições, poderes para orde-
nar o sequestro de bens dos responsáveis ou seus fiadores e a
prisão dos que procurassem fugir à responsabilidade.
Em 12 de agosto do mesmo ano, é aprovado o primeiro
Regimento Interno da Casa, versando sobre a constituição e
estabelecendo procedimentos de trabalho a serem adotados.
Com 74 artigos, foi assinado por todos os juízes do Tribunal:
Raul Vaz, Daniel Borges dos Reis, Brasil Pinheiro Machado,
Raul Viana e Caio Graccho Machado Lima.
A eleição de seus primeiros dirigentes ocorreu em 14 de
Julho de 1947. Levando Raul Vaz à presidência e Daniel Bor-
ges dos Reis à vice-presidência. Vem desta época as primeiras
instruções essenciais para a fiel análise dos processos de toma-
da de contas perante a Fazenda Estadual e para a organização
das atribuições do Tribunal de Contas.
Nas décadas de 1950 e 1960, o Tribunal sofre algumas
alterações. Seus juízes passam a ser denominados de ministros,
sendo sete efetivos e mais sete ministros substitutos. Em 1968
é criada a Corregedoria e, um ano depois, é aprovado o segun-
do Regimento Interno, que vigorou até 2005.

83
Mídia e política: observações e críticas

Na década de 1970, com a Emenda Constitucional 01/69,


a Corte passa a fiscalizar os municípios do Estado, e através do
Provimento 01/70 são regulamentados os procedimentos para
as prestações de contas municipais. Em 29 de Maio de 1971, a
Constituição Estadual intitula os então ministros de conselhei-
ros. Em 19 de Dezembro, o Tribunal de Contas muda sua sede
para ao lado do Palácio Iguaçu, no Centro Cívico de Curitiba.
Os anos 1980 foram de crescimento, treinamento e incre-
mento das ações desenvolvidas, orientando os municípios e reali-
zando treinamentos para técnicos das prefeituras e câmaras mu-
nicipais. Nos anos 1990, com a Constituição de 1988, que
institui o direito de denúncia, o TCE-PR passa a exercer seu
papel social, incentivando a comunidade a participar ativa-
mente do controle da administração pública. A partir de
1992, a Corte inicia o processo de informatização de seus
setores. Em 1994, pela primeira vez é promovido concurso
para procurador junto ao Tribunal de Contas. Nove pro-
curadores recebem posse. Em 1995, todos os setores são
integrados através da rede informática. Neste ano, recebe
credenciamento do Banco Interamericano de Desenvolvi-
mento (BID) para realizar auditoria em projetos e progra-
mas co-financiados pela entidade.
Os anos 2000 começam com mudanças trazidas pela
Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 04 de maio de 2000,
prevendo entre outras coisas, punições fiscais e penais. Em
2001, o TCE lança o Sistema de Informações Municipais,
para o envio, através de via magnética das informações exigi-
das pela LRF. Começa a ser feito um levantamento de obras
inacabadas no Paraná e é visto a necessidade de criar um
Sistema de Informações Municipais de Prestação de Contas
anuais e de Acompanhamento Mensal, este com sub-módu-
los de “Obras Públicas” e “Contabilidade”.
Em 2002, como estímulo à participação efetiva da socie-

84
Agendamento midiático

dade na administração pública, a Corte institui o Programa de


Controle Social, em que a população pode denunciar o mau
uso do dinheiro público e exercer sua cidadania. Em 2005, jun-
to com o Departamento de Imprensa Oficial, edita o jornal
“Atos Oficiais” para dar mais transparência aos seus trabalhos.
Semanalmente são publicados os atos do TCE-PR.
Em 2006 é aprovado o novo Regimento Interno, em que
o Tribunal passa a julgar os processos através de duas câmaras,
compostas por três conselheiros cada. É criada a Ouvidoria,
que aproxima ainda mais o cidadão paranaense. Em 2007, a
Corte é vista como uma das melhores cortes de contas do país.
O primeiro ano da gestão de Hermas Brandão como
presidente (2009) é marcado com o lançamento do Programa
TCE Digital, que elimina o trâmite de processos em papel da
Corte. Na gestão de 2011, de Fernando Guimarães, é lançado
o Programa Anual de Fiscalização Social, para fiscalização da
qualidade do gasto público.
Ao completar 65 anos de criação, a transparência do
TCE fica mais evidente com a promulgação da Lei de Acesso
à Informação.
O TCE-PR é o órgão responsável pela fiscalização do
uso do dinheiro público, do Estado e dos 399 municípios para-
naenses, em complemento às atividades do Poder Legislativo.
Seu objetivo é garantir que o dinheiro pago pela população, em
forma de impostos, retorne à comunidade por meio de ser-
viços de qualidade. Entre suas atribuições estão: controlar a
despesa e receita do Estado e dos municípios, legalidade de
contratação de pessoal, apreciar e julgar denúncias sobre irre-
gularidades praticadas por administradores públicos.
O TCE é composto por: Tribunal Pleno – presidente,
vice-presidente, corregedor-geral e quatro conselheiros; duas
Câmaras; Auditoria; procuradores do Ministério Público; vinte
e quatro diretorias e sete inspetorias.

85
Mídia e política: observações e críticas

ELEIÇÃO
A eleição para o cargo de Conselheiro do TCE é feita
pela Assembleia Legislativa, de forma secreta, por determina-
ção constitucional. O anúncio para inscrições ao cargo é feito
pelo presidente da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep),
em sessão plenária e publicada no Diário Oficial da Casa. A
partir do início do processo de escolha, os líderes dos parti-
dos e blocos parlamentares das Alep devem indicar, em até 48
horas, os membros da Comissão Especial que será constituída
por cinco deputados. Esta comissão é responsável por homo-
logar ou não os candidatos inscritos em até três dias após o
encerramento das inscrições.
A eleição de 2013 foi realizada em 15 de julho e teve 45
candidatos concorrendo pelos votos dos 52 parlamentares ap-
tos a votar. Segundo o Regimento Interno, deputados que têm
interesses pessoais na votação são impedidos de participar. O
cargo de conselheiro é vitalício e é necessário obter pelo me-
nos 28 votos (metade mais um).
Para ser eleito, o candidato precisa ser brasileiro com mais
de 35 e menos de 65 anos de idade, ter idoneidade moral e reputa-
ção ilibada, notórios conhecimentos jurídicos, econômicos, finan-
ceiros, contábeis ou de administração pública. Podem concorrer
ao cargo, deputados, advogados, técnicos do TCE e professores.

O AGENDAMENTO POR MEIO


DA ANÁLISE DE CONTEÚDOS
Para Sousa (2004), a análise de conteúdos é o método cien-
tífico que permite o pesquisador destacar questões associadas a
vários temas, como representações, ou seja, é possível contabi-
lizar notícias para verificar quem são os personagens mais fre-
quentes, por exemplo. Nesta metodologia, é possível, segundo o
autor, refletir sobre o que é fornecido ao leitor (expectador) dos

86
Agendamento midiático

conteúdos midiáticos. “(...) ou seja, analisar aquilo que é ofere-


cido ao leitor, assumindo que aquilo que o leitor lê no jornal da
sua escolha reflecte suas atitudes e valores em relação ao facto
noticiado” (MELO apud SOUSA, 2004, p. 663).
O autor ainda complementa relatando que, mediante a
vertente quantitativa, a análise de conteúdos auxilia na men-
suração de textos e, com as conclusões expressas de maneira
numérica, permitem a comprovação do projeto.
Nesta análise utilizou-se a ferramenta de dados quantita-
tivos comparativos, observando a relação desta eleição do con-
selheiro com a eleição de 2008 que, apesar de também ter tido
relevância na agenda midiática, a cobertura utilizada na época
ressaltava apenas o fato de o novo conselheiro ser irmão do
então governador, Roberto Requião.
Em 2013, pela primeira vez na história do TCE-PR, mais
de 40 pessoas se inscreveram para fazer parte do cargo. Até então,
geralmente apenas os deputados estaduais ou com forte influência
política participavam do processo. Os indícios de que a eleição
estava ganhando repercussão dentro da grande mídia está exposta
no jornal Gazeta do Povo (pertencente ao GRPCOM), onde no
editorial do dia 14/07/2013 apresentava a seguinte opinião:

A eleição que se aproxima, então, oferece uma oportu-


nidade ímpar aos deputados estaduais: a de finalmente
abandonar o corporativismo e escolher alguém que real-
mente possua o notório saber e a reputação ilibada, entre
os candidatos disponíveis – o que não exclui a priori a
escolha de um político, desde que seja feita pelos critérios
de moralidade que se espera dos representantes do povo.
Se a função de um conselheiro é eminentemente técni-
ca e se ligações políticas podem ser deletérias quando se
trata de fiscalizar o bom e honesto emprego do dinheiro
público, é necessário que o novo conselheiro do TC seja
alguém escolhido por critérios técnicos, e não por con-
veniência política. É um bem que se faz quando se trata

87
Mídia e política: observações e críticas

de combater a corrupção, um dos motivos que levaram o


povo as ruas (Gazeta do Povo, 14/07/2013).

O Paraná TV abordou o tema, através de reportagens


especiais sobre a eleição do conselheiro. Nos telejornais obser-
vados pelos integrantes do grupo de pesquisa, o tema já estava
em fase de posse do novo conselheiro eleito (deputado Fá-
bio Camargo), mas observou-se através das mídias que a pauta
nasceu nos veículos de comunicação.
As opiniões apresentadas na Gazeta do Povo continuavam
na televisão, quando o telejornal apresentava reportagens especiais
sobre o tema, algumas chegando a ultrapassar o tempo médio das
notícias, chegando a mais de seis minutos de veiculação.
Como dito anteriormente, esse agendamento se deu, pri-
meiramente por meio da RPCTV, a qual, a partir de reportagens
especiais exibidas no mês de julho de 2013, conseguiu pautar o
debate público. O agendamento é comprovado mediante os nú-
meros de inscritos para o cargo de conselheiro, incluindo repre-
sentantes da sociedade civil organizada (com especialidade nos
assuntos ou não) e membros dos movimentos sociais.
Outra comparação com a eleição de Maurício Requião é
o número de votos obtidos durante a votação. Enquanto Re-
quião recebeu 43 votos, Fábio de Camargo (conselheiro eleito
em julho de 2013) conquistou apenas 27 votos. Essa diminui-
ção de aprovação do candidato pode ser explicada pelo maior
debate público sobre o tema.
Manifestações públicas aconteceram na Praça Nossa Se-
nhora da Salette, no Centro Cívico de Curitiba, para protestar
contra a eleição5. Anterior à decisão final, manifestações mar-

5. Mais informações em: http://noticias.terra.com.br/brasil/politica/vc-reporter-contestado-


fabio-camargo-e-eleito-conselheiro-do-tce-do-pr,af759e390d8ef310VgnVCM4000009bcce-
b0aRCRD.html.

88
Agendamento midiático

caram a sabatina dos candidatos ao cargo6.


A eleição para o cargo de conselheiro do TCE-PR, nos
últimos anos, apresentou algumas particularidades. Em julho
de 2008, Maurício Requião, irmão do então governador do
Estado, Roberto Requião, foi eleito conselheiro do TC pelos
deputados do Paraná. Após discussões e muitas liminares, e
diante da decisão do Superior Tribunal Federal, o presiden-
te do Tribunal de Justiça do Paraná, desembargador Miguel
Kfouri Neto, suspendeu a liminar que havia sido concedida e
autorizou a eleição que foi realizada no dia 04 de julho de 2011.
Maurício Requião foi eleito com mais de 80% dos votos
poss´vei. Nove parlamentares paranaenses se abstiveram da vota-
ção e houve uma ausência. A votação foi aberta e bastante rápida.
Os outros quatro candidatos da disputa (o procurador do Minis-
tério Público, Gabriel Leger, o professor Jorge Antonio de Souza,
o advogado Ricardo Bertotti e o advogado Rogério Iurk Ribeiro)
não receberam nenhum voto7. Concorreram, então, neste pleito,
apenas quatro candidatos.
Na eleição de 2013 ao cargo de desembargador do TC do
Paraná, estavam habilitados 40 dos 45 candidatos inscritos que
preencheram os requisitos necessários para concorrer à vaga:
São eles: ser brasileiro; ter idade entre 35 e 65 anos; idoneidade
moral e reputação ilibada; mais de 10 anos de exercício de ati-
vidade profissional e notório conhecimento nas áreas jurídicas,
econômica, financeira, contábil ou de administração pública8.
Podemos assegurar, nessa comparação, devido a incidên-

6. Mais informações em: http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2013/07/confusao-interrom-


pe-sabatinas-para-vaga-de-conselheiro-do-tce-pr.html.
7. Mais informações em: http://www.vigilantesdademocracia.com.br/carlossimoes/News-
6613content53087.shtml.
8 . Mais informações em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?tl=1
&id=1390959&tit=Protesto-contra-politicos-no-TC-reune-poucos-manifestantes.

89
Mídia e política: observações e críticas

cia de reportagens abordando a eleição ao cargo de conselheiro


do TCE-PR em 2013, principalmente pela RPCTV e, depois,
pela RICTV, a troca de agenda mídia.
Uma particularidade especial na eleição para o cargo de
conselheiro do TCE-PR, em 2013, foi a forte colaboração da
mídia em agendar o tema no debate público. Essa eleição, em
especial, teve forte colaboração da mídia em agendar o tema
no debate público. Confirmou-se, então, a tese defendida por
Lippmann, citada por McCombs, sobre o agendamento:

(...) é uma teoria sobre a transferência da saliência das


imagens da mídia sobre o mundo às imagens de nossas
cabeças. A ideia teórica central é que os elementos pro-
eminentes na imagem da mídia tornam-se proeminentes
na imagem da audiência. Aqueles elementos enfatizados
na agenda da mídia acabam tornando-se igualmente im-
portantes para o público (McCOMBS, 2009, p. 111).

Notou-se, também, a falta de atenção do SBT Paraná


na cobertura desse tema, já que a Rede Massa possui a maior
cobertura no Estado do Paraná, com aproximadamente 200
retransmissoras e cobre 100% dos 399 municípios parana-
enses gerando um impacto de milhões de pessoas. Qual o
interesse (ou a falta dele) em não abordar o tema? É im-
portante observar que o Band Cidade também não esteve
presente – se comparado a outros dois noticiários (Paraná
TV e RIC Notícias). É importante lembrar-se que a Band
Curitiba pertence a um dos maiores grupos empresariais,
o Grupo J. Malucelli, e que Joel Malucelli, proprietário do
grupo, pode ser um dos candidatos a governador do Paraná
nas próximas eleições.
Com relação à Rede Massa, atribui-se que o presidente
do TCE-PR, Artagão de Mattos Leão Junior, tenha influência
na Rede Massa e, por isso, não configurou-se nessa emissora

90
Agendamento midiático

de televisão a incidência do tema nos telejornais. Sendo as-


sim, constata-se que essas duas emissoras de televisão não
configuraram a troca de agenda das mídias, principalmente
por interesses políticos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Teoria do Agendamento destaca em seu conteúdo,
a troca de saliência entre temas criados pela mídia e agenda-
dos pelo debate público como a principal hipótese. No caso
da eleição do TCE-PR, verificou-se, por meio da análise da
saliência e da análise de conteúdos dos temas publicados,
que a temática teve forte relevância já na apresentação da
eleição. Por isso, o número de inscritos para a vaga subiu de
quatro na eleição anterior para 45. A comprovação do pú-
blico nessa participação de agendamento é verificado então,
neste aumento significativo do número de inscritos.
Observado isso, destacamos que a mídia paranaense
tem a capacidade de agendar alguns temas para a popula-
ção, principalmente no que diz respeito a temas políticos e,
sendo assim, pode ter relevância nas decisões políticas dos
cidadãos.

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Mídia e política: observações e críticas

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92
Um diálogo com os jornalistas
impactos das rotinas de produção na cobertura de
temas políticos em quatro noticiários curitibanos
Hendryo André1, Camile Kogus2,
Franciele Fries3 e Roberta Zandonai4

INTRODUÇÃO
Após a compreensão de elementos ligados aos usos das
fontes nos quatro noticiários estudados, ao enquadramento e
agendamento de notícias relacionadas ao tema política, a pri-
meira parte deste livro encerra-se com o estabelecimento de
um diálogo com profissionais responsáveis pela produção dos
telejornais. Primeiramente, a intenção de realizar entrevistas

1. Professor das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil). Mestre em Comunicação pela


Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela
Universidade Positivo (UP). Coordenador do Observatório de Telejornalismo Regional, per-
tencente ao Grupo Estudos da Imagem, vinculado ao CNPq.
2. Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela UniBrasil.
3. Graduanda em Comunicação Social – Jornalismo pela UniBrasil.
4. Bacharel em Relações Internacionais (Unicuritiba). Graduanda em Comunicação Social –
Jornalismo pela UFPR.

93
Mídia e política: observações e críticas

semiestruturadas com indivíduos que convivem com as rotinas


de produção dos quatro noticiários curitibanos tem como fina-
lidade conciliar elementos da análise de conteúdos com méto-
dos de pesquisa de caráter mais qualitativo, dando uma função
heurística à análise de conteúdos, conforme já descrito no tex-
to de abertura desta parte do livro. Além disso, as entrevistas
visam enriquecer a perspectiva do monitoramento de mídia,
numa primeira tentativa de compreensão dos objetivos tácitos
de cada telejornal e também das limitações enfrentadas pelas
equipes de produção (HAMILTON, 2008).
Essa opção diverge de uma idealização dos meios de co-
municação, por vezes incorporada pela crítica de mídia, a qual
exige coberturas qualificadas e, ao mesmo tempo, desconsidera
elementos contextuais que influenciam na qualidade técnica e
editorial. Não se almeja, evidentemente, justificar possíveis in-
suficiências, falhas ou desvios éticos – aqueles contrários, por
essência, aos princípios da cidadania – nas coberturas, e sim ado-
tar uma expectativa de avaliação construtiva das práticas jorna-
lísticas. Em outras palavras, pretende-se que o monitoramento
fuja da crítica pela crítica e passe a servir de ponto de referência
para uma avaliação conjunta do fazer jornalístico, a qual agre-
gue e complemente as visões de críticos de mídia e produtores
e, principalmente, direcione cada vez mais a prática jornalística
para um viés voltado ao desenvolvimento social. Essa perspec-
tiva, extraída parcialmente de Canela (2008), engloba e fomen-
ta o princípio de que a mídia é uma instituição central para os
avanços cotidianos da democracia. Portanto, o papel da crítica
é também perseguir alternativas viáveis e construtivas para que
os produtores passem de fato a considerar os resultados obtidos
pela análise e não a ignorem por considerá-la “caça às bruxas”,
proposta aparentemente audaz, mas cujo êxito ofertará aportes
para que se atinja “uma sociedade com índices de desenvolvi-
mento humano mais elevados” (CANELA, 2008, p. 54).

94
Um diálogo com os jornalistas

As entrevistas, realizadas durante o mês de novembro


de 2013, almejaram compreender, mediante a contextualização
das rotinas de produção das redações e da própria viabilidade
de tempo para a conclusão desta fase da pesquisa, como são os
tratamentos dados à política nos quatro noticiários. Além dis-
so, foram priorizados alguns objetivos paralelos, como aquele
que estabelece conciliações e discrepâncias entre os hábitos de
produção de cada um dos telejornais e os resultados da análise
de conteúdos; aquele que visa sanar dúvidas surgidas a partir
do próprio monitoramento, cujas abordagens já foram tratadas
nos três artigos anteriores; e por fim aquele que busca desco-
brir quais são os valores compartilhados localmente pela co-
munidade interpretativa dos jornalistas (TRAQUINA, 2010b)
no que concerne ao tema pesquisado.
Ainda que os trabalhos ligados à compreensão das ro-
tinas produtivas exijam grande fôlego e demanda de tempo5,
optou-se por apresentar neste artigo alguns resultados tidos
como parciais, mas que de qualquer forma abrem portas para
um campo de avaliação voltado às condições de fabrico de
notícias. Para tentar atingir esse objetivo, o artigo foi dividido
basicamente em quatro etapas: na primeira delas, de caráter in-
trodutório e reflexivo, são apresentados alguns aportes e limi-
tações da técnica de entrevista; além da exposição de elemen-
tos da trajetória profissional dos entrevistados coletados na
pesquisa de campo, na segunda parte discutem-se alguns dos
valores que estimulam a cultura profissional desses jornalistas e
que influenciam no modo como eles acreditam ser o ideal para

5. Os estudos voltados à teoria do Newsmaking costumam conciliar dois métodos de pesquisa: a


observação participante, na qual “o pesquisador assume papel ativo na vida de uma organização
ou comunidade, observa e grava interações para depois analisá-las” (STACKS, 2008, p. 54), e
a entrevista. Nesta etapa do trabalho optou-se por restringir o estudo às entrevistas, visto que
elas puderam ser complementadas pelo próprio monitoramento de mídia, realizado previamente.

95
Mídia e política: observações e críticas

se produzir um telejornal, estabelecendo vínculos com a idea-


lização de um “público-alvo”. Já a terceira seção – uma conti-
nuidade da discussão, separada apenas por princípios didáticos
– é composta por subsídios ligados às praxes de fabricação
de notícias e características próprias de cada telejornal, bem
como desafios que envolvem a atividade jornalística e crité-
rios de noticiabilidade adotados. Com todas essas informações
levantadas, por último ingressa-se na cobertura política local,
com atenções voltadas aos focos temáticos da cobertura políti-
ca, aos critérios de escolha para as pautas de cunho político, às
interferências externas e desafios para a elaboração de assuntos
ligados ao tema, à autoavaliação dos conteúdos produzidos,
bem como a uma visão da concorrência e das mudanças na
cobertura política ao longo dos anos.

VANTAGENS E LIMITAÇÕES DA ENTREVISTA


Como os diálogos entre comunicação e política po-
tencialmente trazem à tona assuntos nevrálgicos, inclusive
na perspectiva regional6, além de seguir os conselhos de Gil
(1999) para o desenvolvimento das entrevistas, os autores
deste trabalho utilizaram de forma parcial aportes extraídos

6. Se, por um lado, os estudos que relacionam a atividade jornalística à política são pioneiros
na história das teorias da comunicação (MATTELART; MATTELART, 2010), por outro, na
perspectiva regional há defasagem de pesquisas ligadas ao tema. Com exceção do trabalho de
Oliveira Filha (2007), voltado para a área do jornalismo impresso durante o período eleitoral
de 2002, e de Somma Neto (2007), poucas atividades acadêmicas dedicam-se a abordagens
locais ou regionais. Isso não significa, de forma alguma, que não haja estudos que conciliem
jornalismo e política, mas o foco dos principais pesquisadores (muitos deles integrantes da
linha de pesquisa Comunicação, Política e Atores Coletivos do PPGCOM/UFPR) tem sido de
temas de maior abrangência geográfica e/ou em períodos eleitorais. Evidentemente, não há
qualquer julgamento negativo a respeito das escolhas desses pesquisadores, e sim um alerta
sobre um viés de pesquisa que pode ser explorado por futuros estudiosos.

96
Um diálogo com os jornalistas

de Baym (2013) – num artigo no qual o autor busca esta-


belecer relações entre músicos e fãs pela internet, a partir
de uma série de entrevistas qualitativas com 36 músicos de
várias gerações e países. Como estratégia de pesquisa, Baym
(2013) cedeu a transcrição completa da entrevista ao respec-
tivo músico consultado, que pôde selecionar quais trechos
podiam ou não ser identificados7:

Aos entrevistados foram dadas duas opções de registro da


fonte: completamente anônimas, ou registradas, mas com
alguns trechos anônimos. (...) Em vários casos mandei
transcrições finalizadas para que eles [os músicos] pudes-
sem indicar quais trechos desejavam que fossem marcados
como anônimos, normalmente passagens em que critica-
vam os fãs ou diziam coisas que não queriam que seus em-
presários ou selos ouvissem (BAYM, 2013, p. 19-20).

A título de exemplificação, como o universo de entrevis-


tados é restrito se comparado ao trabalho de Baym (2013), já
que até esta etapa do trabalho foram consultadas apenas quatro
fontes (uma de cada telejornal), optou-se por tornar anônimas
as respostas de todos os participantes, desde que tenha havido
o pedido de sigilo de fonte por parte de pelo menos um dos
entrevistados. Em síntese: se o jornalista A pediu para não ser
identificado na questão número X, os jornalistas B, C e D tam-
bém não foram nomeados, mesmo que não tenham solicitado
anonimato na pergunta em questão.

7. Para um grupo de entrevistados que são jornalistas é preciso, de qualquer forma, encontrar
alternativas para aprimorar a estratégia de pesquisa, já que de acordo com os valores compar-
tilhados pela comunidade interpretativa, uma entrevista necessariamente é explorada a partir
dos valores-notícias, que estão quase sempre ligados ao inusitado ou ao impactante. Dessa
forma, apesar de os entrevistadores terem alertado previamente sobre o teor não jornalístico
da entrevista, admite-se a necessidade de aperfeiçoar a técnica junto aos entrevistados.

97
Mídia e política: observações e críticas

Num cenário ideal, o resultado oriundo da aplicação


das técnicas de entrevista constitui uma forma de intera-
ção social particular, já que o pesquisador tem autonomia
para interferir no processo, tornando a atividade científica
menos imutável, ainda que necessite estar ligada a objeti-
vos claros e pré-definidos. “Mais especificamente, [a en-
trevista] é uma forma de diálogo assimétrico, em que uma
das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como
fonte de informação” (GIL, 1999, p. 117). Disso resulta,
por um lado, o receio de subjetividade no exercício e ava-
liação dos dados resultantes dessa técnica. Entretanto, de
acordo com Gil (1999), a técnica da entrevista, amplamen-
te utilizada nas ciências sociais, tem potencial para ofertar
dados e informações sobre vários elementos da vida social
do entrevistado, aspectos cujas recorrências podem ser
classificadas e até mesmo quantificadas, conforme interes-
se do pesquisador.
Por outro lado, a disponibilidade e disposição para res-
ponder os questionamentos e a possibilidade de fornecimen-
to de respostas falsas8 de forma consciente ou inconsciente
estão, para Gil (1999), entre as principais limitações da téc-
nica – acredita-se que esse entrave possa ser parcialmente
superado com a prática de observação prévia e sistemática
de telejornais, conforme será apresentado em diversas opor-
tunidades nos próximos itens. Além disso, o autor lista mais
alguns pontos cruciais que devem ser levados em conta por
qualquer pesquisador que necessite utilizar a técnica:

8. Goldenberg (2004, p. 85) complementa esse aspecto ao acrescentar a constituição da ima-


gem que o entrevistado almeja passar: “Trabalhando com estes instrumentos de pesquisa [en-
trevista ou questionário] é bom lembrar que lidamos com o que o indivíduo deseja revelar, o
que deseja ocultar e a imagem que quer projetar de si mesmo e de outros”.

98
Um diálogo com os jornalistas

(...) a inadequada compreensão do significado das per-


guntas; (...) inabilidade ou mesmo incapacidade dos en-
trevistados para responder adequadamente; (...) a influên-
cia exercida pelo aspecto pessoal do entrevistador sobre
o entrevistado; (...) a influência das opiniões pessoais do
entrevistador sobre as respostas do entrevistado; (...) os
custos com o treinamento de pessoal e a aplicação das
entrevistas (GIL, 1999, p. 118-119).

Já Oliveira Filha (2007) percebeu empiricamente outro


elemento limitador da técnica, componente que especialmente
deve ser observado em trabalhos realizados junto a jornalistas:
a questão da memória. Por conta das rotinas de produção e da
variedade de pautas trabalhadas pelos profissionais, os jornalis-
tas tendem a voltar suas atenções para os fatos presentes.

A dificuldade de lembrar-se [de fatos ocorridos no perí-


odo eleitoral de 2002 durante a pesquisa de campo, rea-
lizada pela autora num período entre seis meses e dois
anos e meio após o pleito] foi manifestada por vários
dos informantes, especialmente no início das entrevistas.
Ao longo do seu desenvolvimento, contudo, as marcas
de memória afloraram com maior freqüência e, algumas
vezes, os profissionais retornavam a um tema já tratado
para acrescentar informações que tinham voltado à lem-
brança (OLIVEIRA FILHA, 2007, p. 105).

Dessa forma, entrevistas divididas em mais de um encon-


tro parecem ser mais viáveis no quesito memória. Na contramão,
a entrevista semiestruturada, notabilizada por ser conduzida por
“uma estrutura simples que permite uma comunicação dirigida,
de conversação, de duas vias” (STACKS, 2008, p. 28), técnica
utilizada neste estudo, desenvolve-se gradualmente a partir de
uma relação mínima de perguntas ou tópicos. Se essa opção me-
todológica, por um lado, perde em profundidade de conteúdos,

99
Mídia e política: observações e críticas

por outro, tem como vantagem principal a viabilidade para a re-


alização em períodos mais curtos de tempo e a facilidade para
comparar as respostas dos diferentes entrevistados.
Elencadas algumas das principais vantagens e limitações da
técnica de entrevista, o estudo passa agora a descrever os pontos
fundamentais discutidos com os produtores dos quatro noticiários
que serviram de objeto para esta investigação e, além disso, rela-
cioná-los com alguns dos elementos traduzidos a partir da análise
de conteúdos. A título de explicação, optou-se por descrever os
telejornais de acordo com a ordem cronológica em que veiculam.

EQUIPES DE TRABALHO
Um dos fatores basais para a compreensão das rotinas
de produção é o conhecimento acerca das equipes de tra-
balho. Ao procurar destrinchar e sistematizar os elementos
que norteiam a atividade jornalística, o estudo possibilita
uma interpretação mais criteriosa dos dados levantados no
monitoramento de mídia. Nesse caso, informações sobre
a trajetória profissional desses jornalistas – como, quando
e por que começaram a trabalhar na função que exercem
–, características que esses profissionais consideram como
fundamentais para produzir um telejornal satisfatório, além
de uma avaliação sobre a equipe de trabalho, são funda-
mentais para a mensuração das potencialidades e barreiras
enfrentadas por cada telejornal (HAMILTON, 2008) no que
compete à cobertura de assuntos ligados à política. Assim,
faz-se necessário conhecer aspectos relevantes da biografia
profissional de cada um dos entrevistados.

Band Cidade
Aline Nunes, pauteira do telejornal Band Cidade (veicula-
do de segunda-feira à sexta-feira, das 18h50 às 19h20), formou-

100
Um diálogo com os jornalistas

se pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR),


em 2005. Iniciou sua trajetória na Band ainda na época de estu-
dante, quando realizou um estágio de observação. Inicialmente
chamada para cobrir a ausência de uma jornalista afastada por
problemas de saúde, Nunes foi definitivamente contratada para
trabalhar no extinto programa Band Pé no Rio, voltado à educa-
ção ambiental. Ainda exerceu outras funções dentro da emissora
(repórter, editora-chefe) em programas distintos (Band Cidade,
Paraná Acontece). Imediatamente após a conclusão do curso de
graduação ingressou no mestrado em Educação da Universida-
de Federal do Paraná (UFPR). Após a conclusão do mestrado,
Nunes começou a lecionar numa faculdade particular de Curiti-
ba à noite e se tornou editora de texto do programa Tribuna da
Massa (Rede Massa/SBT), cargo que exerceu até 2011. Na mes-
ma época tornou-se pauteira do Band Cidade (NUNES, 2013),
após uma breve saída da emissora. Abdicou temporariamente da
docência e hoje concilia a atividade na Band à produção e apre-
sentação do programa Em Tese, na UFPR TV.
No que se refere à equipe de produção, a profissional
alerta ainda que com mais uma equipe na rua, a estrutura para
uma boa cobertura do telejornal seria suficiente. Isso se deve,
segundo ela, a uma característica intrínseca da equipe:

As nossas equipes (...) proporcionalmente trabalham


muito mais, em quantidade, em relação às outras (...). Pelo
tempo que elas ficam na TV, em 5 horas elas produzem
muito mais. Como a gente conta com o pessoal do Brasil
Urgente, a gente consegue noticiar praticamente tudo o
que acontece com a pouca equipe que a gente tem. É até
um orgulho nosso isso. Se você comparar estruturalmen-
te, nós somos uma equipe relativamente pequena, mas a
gente consegue dar conta. Os principais assuntos a gente
consegue cobrir, ainda conseguimos fazer “coisas” [ma-
teriais] especiais (NUNES, 2013).

101
Mídia e política: observações e críticas

Atualmente, a equipe do Band Cidade conta com três


equipes nas ruas, fator que obriga a produção a reaproveitar
assuntos já veiculados pelo Brasil Urgente Local, que veicula
diariamente das 16h50 às 17h50, majoritariamente cobrindo
temas ligados à violência e trânsito.
Em relação à noção de público, Nunes (2013) explica
que o Band Cidade passou por uma reformulação, dando mais
ênfase a assuntos em Curitiba, Região Metropolitana e, com
menor ênfase, ao Litoral e aos Campos Gerais. Há uma idea-
lização em torno do público-alvo. Segundo pesquisas da pró-
pria emissora, o público majoritariamente é constituído por
homens “mais velhos”.

Mas qual é o nosso objetivo? É que a pessoa que liga a


televisão às 19h50 (...) fique sabendo das principais no-
tícias da nossa região (...). Antes a gente noticiava mais
coisas do interior, mas a gente percebeu que o nosso foco
é o nosso público, que tá perto da gente. Então nosso
público é esse que eu te falei, mas o nosso objetivo é
que qualquer pessoa que ligue a tevê nesse horário possa
ficar sabendo das principais notícias daquele dia na nossa
região (NUNES, 2013).

Por fim, a jornalista alega não saber exatamente o motivo


que a levou trabalhar com pauta, além do fato de a emissora
ter precisado de alguém para exercer tal função, aspecto que
explica, em parte, a declaração de que a pauta é a função a qual
ela menos gosta de exercer em televisão (NUNES, 2013).

Paraná TV:
Formado em 1991, em Ribeirão Preto (SP), Celso Cas-
tro é editor executivo da segunda edição do Paraná TV (vei-
culada de segunda-feira à sexta-feira, das 19h15 às 19h30, e
aos sábados, das 19h10 às 19h30), onde começou a trabalhar

102
Um diálogo com os jornalistas

com dedicação exclusiva em 1999. Antes disso, foi jornalista


na EPTV, afiliada da Rede Globo no interior de São Paulo
e no Sul de Minas Gerais. Ao chegar a Curitiba, o jornalista
trabalhou por três anos no Grupo Paulo Pimentel (atual Rede
Massa de Comunicação), período no qual teve empregos pa-
ralelos no Canal Nacional de Televisão (CNT), na Secretaria
Estadual da Saúde e no Jornal do Estado (CASTRO, 2013),
periódico cuja versão impressa passou, em junho de 2013, a
ter o mesmo nome do portal de notícias Bem Paraná, perten-
cente ao mesmo grupo de comunicação.
A equipe do Paraná TV é formada por dois produtores
(um pela manhã e outro à tarde), três coordenadores de produ-
ção e 15 equipes de reportagem. “Normalmente, os [repórteres]
que trabalham à tarde são os que trabalham pra segunda edição.
Então tem alguns que entram mais na segunda edição. Os de
manhã acabam ficando pra primeira, mas a principio todos os
repórteres trabalham pra todos os jornais” (CASTRO, 2013). O
número de integrantes da equipe é considerado ideal para o jor-
nalista, principalmente quando comparado a outras afiliadas da
Rede Globo, como Porto Alegre e Belo Horizonte (Ibid.).
Para o diretor executivo, o tripé para o fabrico de um
telejornal é sustentado pelo poder de conhecimento dos pro-
fissionais, obtido a partir de leituras cotidianas, pela sensibili-
dade para reconhecer as notícias e pela clareza para contar as
histórias. Sobre o último pilar, explica o jornalista:

(...) não adianta você ter a informação, ter sensibilidade e


não saber contar pras pessoas tudo isso que você tá vendo,
tudo isso que você aprendeu... Você tem que ter clareza
de ideias. (...) Você tem que ver o telespectador como teu
amigo, como teu vizinho. Você vai contar uma história pra
ele. A pessoa tem que parar e escutar o que você tá falando.
Se ele perde a atenção, não se interessa, então alguma coisa
tá errada nesse processo (CASTRO, 2013).

103
Mídia e política: observações e críticas

No que se refere à noção de público-alvo, Castro tem uma


visão antagônica da jornalista do Band Cidade. Segundo ele, há
um consenso na equipe de que não deve haver estratificação de
público. Embora exemplifique que há uma predisposição da au-
diência do telejornal na segunda edição ser formada por mais
mulheres, o jornalista afirma que esse princípio não interfere de
forma alguma na construção das notícias. A noção de público
classe A, B ou C também é rejeitada pelo profissional:

A gente procura fazer um jornal de utilidade pública, um


jornal que vai ser interessante, que vai melhorar alguma
coisa na vida das pessoas, seja no trânsito, seja num servi-
ço de apoio ao consumidor, denunciar um golpe, denun-
ciar uma falcatrua na Assembleia [Legislativa], na Câmara
[Municipal], no governo, no Tribunal, seja onde for tem
que procurar assuntos que sejam de interesse das pessoas.
Então o público-alvo nosso é esse, a única coisa é que a
gente procura não fazer é um jornal policialesco, nada
sanguinolento, porque o público que gosta disso não é
nosso público-alvo. Isso a gente não vai fazer. (...) Por
que, afinal, o que é classe C? A gente não sabe exata-
mente: “Ah, a classe C quer ver uma coisa e a classe A
quer ver outra”. Teve alguns programas, alguns canais,
que tentaram direcionar pra isso e não deu certo. Então
quem disse que uma pessoa da classe E não possa ver um
programa sobre iates? Quem garante? Ou de roupas de
luxo? Quem garante que eles não gostam? Não dá pra
você direciona assim: “Ah, vamos fazer o jornal pra esse
público, pro público A ou B ou C”. Não dá pra fazer.

É possível perceber na fala do entrevistado valores fomenta-


dos pelo “padrão global de qualidade”, um princípio adotado pela
Rede Globo na transição entre as décadas de 1970 e 1980 e cujos
reflexos ditam ainda hoje parâmetros estabelecidos por boa parte
do telejornalismo brasileiro. A noção assumida pela Rede Globo,
“de ser ‘popular’ sem ser ‘popularesca’” (FREIRE FILHO, 2005,
104
Um diálogo com os jornalistas

p. 172) criou no imaginário social uma visão de que a emissora


conseguia aglutinar distintos critérios de excelência, fatores funda-
mentais para que a hegemonia desse padrão de qualidade e para a
própria integração territorial por meio da tevê (Ibid.).

SBT Paraná
A pauteira do SBT Paraná (veiculado de segunda-feira à
sexta-feira, das 19h20 às 19h45), Danielle Sisti, é a única entre
os entrevistados que iniciou sua trajetória profissional no jor-
nalismo impresso. No extinto O Estado do Paraná, pertencen-
te ao ex-governador e ex-senador Paulo Pimentel, ela perma-
neceu na função de repórter da editoria Geral por quatro anos,
até se tornar, respectivamente, editora de Turismo, de Geral, de
Cidades e, por fim, pauteira. Trabalhou em paralelo para a Tri-
buna do Paraná, veículo conhecido pelo binômio de cobertura
violência e esporte – na época também pertencente ao Gru-
po Paulo Pimentel, mas hoje vinculada ao Grupo Paranaense
de Comunicação (GRPCOM). Está desde meados de 2012 na
Rede Massa/SBT, onde ocupa simultaneamente a função de
pauteira nos telejornais SBT Paraná e Jornal da Massa.

[Produzir pautas] era uma necessidade dos jornais onde eu


trabalhava, o Estado do Paraná e a Tribuna do Paraná. Eles
fizeram uma mudança na redação, e dividiram as pessoas.
Eu já tinha uma certa experiência e acabei ficando na pau-
ta. E a pauta não é uma coisa muito fácil, pois tem que ter
certa experiência e fontes. Depois, como eu já tinha experi-
ência com pautas, mesmo que pouco tempo, acabei vindo
pra cá [Rede Massa] como pauteira (SISTI, 2013).

Segundo a jornalista, a equipe do SBT Paraná, que é com-


posta por 12 profissionais, poderia ser maior. No entanto, a pau-
teira considera que a própria formulação da pergunta remete a
essa impressão de que faltam pessoas na equipe: “A gente sem-

105
Mídia e política: observações e críticas

pre acha que falta, que mais gente seria legal, porque nosso dia a
dia fica muito corrido. Duas, três pessoas a mais, a gente sempre
acha que ficaria melhor. É algo meio geral” (SISTI, 2013).
No que compete ao público-alvo do telejornal, a pauteira
diz ser importante conhecê-lo. Embora o idealize por um viés
de mulheres pertencentes à classe C, a jornalista não se arrisca
a delimitar outras características desse público e, curiosamen-
te, até rompe com paradigmas que aliam o público masculino
como preferencial pelo tema esporte. “Por exemplo, nós temos
um público classe C, e muitas mulheres também. Então fala-
mos de futebol, claro, que é assunto comum a todos, mas não
é uma coisa vasta, com comentários. A gente também produz
matérias de saúde, que é do interesse comum. Matérias de cul-
tura fazemos quando é bem popular, de interesse de um pú-
blico maior, e muita matéria dirigida à classe C” (SISTI, 2013).

RIC Notícias
Alessandra Consoli ocupa os cargos de editora-chefe
e de apresentadora do noticiário RIC Notícias (que veicula
por 40 minutos, de segunda-feira à sexta-feira, a partir das
20h00). Formou-se na Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUC-PR), em 1993. Dois anos depois ingressou na
Rede Paranaense de Comunicação (RPCTV) – após ter tido
experiência em assessoria de imprensa e em rádio – onde
trabalhou por quase seis anos (quatro deles na sucursal de
Londrina, na região Norte do Paraná). Menos de um mês
após a saída da RPCTV, a jornalista ingressou na RICTV,
onde está desde 2009 (CONSOLI, 2013).
Entre os noticiários noturnos que veiculam em Curitiba, o
RIC Notícias é o último a entrar no ar, algo que gera a necessida-
de de criar, nas palavras da jornalista, um “cardápio” um pouco
diferente dos demais. Dividido em quatro blocos, o telejornal
privilegia notícias de cada uma das sucursais no primeiro bloco

106
Um diálogo com os jornalistas

(inclusive, com apresentação local). Segundo a editora-chefe, o


número de profissionais que atuam na equipe é insuficiente, fa-
tor que a força a reaproveitar materiais oriundos de outros tele-
jornais da emissora e que amplia o desafio de segurar a audiência.

[A equipe] não é suficiente porque hoje a gente precisaria


ter mais gente, mais editor, mais repórter, mais estrutura.
Veja bem, a gente tem um jornal de 19 a 30 minutos [com
a exclusão dos intervalos comerciais]. Hoje o que eu faço?
Eu aproveito muitas coisas dos outros jornais [da emisso-
ra]. Se eu tivesse uma estrutura maior eu não precisaria.
Mas eu tenho o que já passou no Paraná no Ar, no jornal
da manhã, eu tenho que dar uma editada e colocar no ar.
Não é o melhor, mas é o que eu posso fazer. Hoje, a RIC
no total deve ter 11 ou 10 repórteres, e a gente tem pro
RIC Notícias mesmo só dois repórteres. É muito pouco.

A editora-chefe do RIC Notícias acredita que não existem


características estanques ou estruturantes para um bom jornalis-
ta, já que é preciso ter expertises distintas para produzir gêneros
diferentes, que variam de acordo com a segmentação do telejor-
nal, bem como com a faixa de horário. Por outro lado, a editora-
chefe mostra-se um pouco relutante no que se refere a pesquisas
de delimitação de público, algo que faz com que o telejornal não
tenha um padrão claro de temáticas exibidos:

É bastante [desafiador produzir um jornal sem ter um pú-


blico-alvo em mente], você tem que mesclar muito [os as-
suntos]. (...) E todo bloco (...) a gente tem essa cobrança
por causa do Ibope, então você tem que fazer cada bloco
diversificado. Não pode ter aquela coisa que todo mundo já
padronizou: cada bloco é um jornal! Então a gente pode co-
meçar forte, mas atenua no final de cada bloco... Então cada
bloco é como se fosse um minijornal, pra que você possa
sustentar uma audiência que já viu tudo, porque também
tem a internet hoje. Nosso principal desafio é fazer com que

107
Mídia e política: observações e críticas

as pessoas queiram ver aqui. Tem que dar a diversificação.


Porque, por exemplo, tem o jornal da manhã, ele tem mais
entrevistas, você se aprofunda mais no assunto porque as
pessoas estão acordando, as pessoas estão: “Oh! O mundo”.
Já à noite não, à noite a pessoa tá cansada, ela quer ver o
resumo das coisas. E isso é bem complicado porque a gente
bate de frente com o JN [Jornal Nacional], que é o mais as-
sistido do país, então é cruel (CONSOLI, 2013).

Essa percepção de “minijornais” dentro do telejornal


identificada pela editora-chefe e apresentadora do RIC Notí-
cias tem sentido, de acordo com o monitoramento. Juntamente
com o Paraná TV, o RIC Notícias é o telejornal cuja distri-
buição de temas ligados à política é a mais equilibrada entre
os blocos. Das 45 peças jornalísticas classificadas como per-
tencentes à temática política, há certa polarização no terceiro
bloco (18 peças) e uma tendência a não utilização no quarto
e último bloco (06 peças). Nos dois primeiros há, respectiva-
mente, 11 e 10 peças. Em todo caso, observa-se a necessidade
de uma ampliação no tempo de observação para identificar se
essa é uma classificação arbitrária ou não.

ROTINAS DE PRODUÇÃO NOS TELEJORNAIS


Realizado um panorama geral das equipes de produção
dos quatro noticiários estudados, passa-se agora a destacar
elementos das rotinas diárias enfrentadas pelos produtores.
Nesta seção, visa-se destrinchar algumas das características
próprias de cada telejornal, bem como descrever desafios que
envolvem a atividade jornalística e critérios de noticiabilidade
adotados. Para tanto, serão elencados elementos das ativida-
des mais corriqueiras no dia a dia da redação, os impactos de
surpresas na atividade profissional e os principais critérios
para a escolha dos temas.

108
Um diálogo com os jornalistas

Band Cidade
A jornalista Aline Nunes destaca que tem como ativi-
dade cotidiana obrigatória a leitura dos principais jornais e
portais, em âmbito estadual e nacional, uma tarefa comum e
que tem relações com a crítica de Bourdieu (1997) sobre o que
sociólogo francês classificou como a circulação circular na in-
formação. Essa característica remete à própria concepção de
padronização de assuntos, discutidas pela perspectiva da Agen-
da Setting. No entanto, entre os entrevistados, esse ritual foi
especialmente destacado pela pauteira do Band Cidade, e essa
rotina de trabalho tem reflexos no monitoramento dos telejor-
nais. Na análise de conteúdos foram abordadas duas questões
envolvendo a abrangência do fato noticioso político monitora-
do: a primeira delas referente à origem do acontecimento – ou
seja, ao gancho – e a segunda relacionada à abrangência. Muito
embora os fatos noticiosos que extrapolam a perspectiva re-
gional tenham menor representatividade nos quatro noticiários
(cerca de 20% do total das notícias, tanto na origem quanto na
abrangência dos fatos), o Band Cidade foi o telejornal que mais
teve notícias ligadas à política com uma origem que extrapola o
âmbito estadual, atividade intrinsecamente ligada com a rotina
da pauteira. Por outro lado, no que se refere à abrangência da
notícia analisada, o Band Cidade é o telejornal que menos ex-
trapola o âmbito regional, característica marcada pelo trabalho
de apuração das notícias dos repórteres, que buscam o critério
proximidade na própria apuração. A adoção dessa rotina, ao
que parece, tem relações diretas com a própria necessidade de
pautar diariamente assuntos para a Band Nacional.
Outro ponto interessante extraído da entrevista é o fato
de que os critérios de seleção para a escolha de notícias exibi-
das no Band Cidade lidam também com elementos externos à
equipe de produção, a partir do obrigatório reaproveitamento
de materiais produzidos por outros noticiários da emissora, es-

109
Mídia e política: observações e críticas

pecialmente o Brasil Urgente, de cunho policialesco. Segundo a


jornalista, o Band Cidade tem várias vantagens ao se aproveitar
dos conteúdos oriundos deste telejornal. “A nossa equipe do
Brasil Urgente é excelente. Eles têm fontes, eles sabem o que
tá acontecendo, eles chegam antes, eles pegam flagrante, são
ótimos. O Band Cidade aproveita parte disso, só que no intui-
to de mostrar o que tá acontecendo, não de explorar aquelas
situações de forma sensacional, mas pra dizer que aquilo acon-
teceu” (NUNES, 2013). No que concerne à equipe de produ-
ção, as atenções estão voltadas majoritariamente para o factual,
embora haja, segundo a entrevistada, esforços para reporta-
gens mais elaboradas, voltadas quase sempre à área de serviço
e comportamento. Esses materiais costumam ser produzidos
pela equipe que atende à rede nacional da Band:

A gente tem sempre esse foco, nas pautas locais. A gente


tem, como eu disse, a Juliana [Rodrigues], que é funcioná-
ria da Band Curitiba, mas que trabalha pra rede [nacional].
Então essa matéria de rede quase sempre acaba sendo
uma matéria de serviço, uma reportagem mais trabalhada
ou alguma coisa que mostre alguma tendência de mudan-
ça de comportamento. (...) Exemplo: hoje [12/11/2013]
nós pegamos um factual, que saiu ontem à noite já. Uma
decisão da justiça que obrigou uma mulher de Colombo
[município na Região Metropolitana de Curitiba] a pagar
uma indenização de R$ 3 mil aos Correios porque o ca-
chorro dela mordeu um carteiro. A gente ofereceu isso
pra rede como uma sugestão de “algo está mudando”.
Nesse sentido, as pessoas vão ter que cuidar mais dos
seus cachorros porque centenas de carteiros e lixeiros no
Brasil são mordidos todos os anos, e as pessoas não tão
nem aí, elas não tomam cuidado, e por aí vai... Então, o
que aconteceu? O nosso objetivo nessa reportagem foi
mostrar essa tendência. É em cima de um factual, é, mas
tem um enfoque diferenciado (NUNES, 2013).

110
Um diálogo com os jornalistas

Por fim, a jornalista destaca que uma das principais ca-


racterísticas da equipe é o diálogo (repórteres e pauteiras têm
sempre feedback sobre suas ações cotidianas).

Paraná TV
O jornalista Celso Castro inicia as atividades às 11h00 e tra-
balha, geralmente, até 20h30. Segundo ele, algumas palavras-chave
norteiam a escolha dos temas pela equipe. A mais clara delas, to-
davia, parece ser factualidade, único critério de notícia capaz de
deslocar mais de uma equipe do telejornal para a realização da
cobertura. Para Castro, um desafio imposto à equipe são as mu-
danças bruscas que o teor factual pode causar. “A gente planeja,
faz um planejamento dos assuntos durante o dia, mas o factual
pode atropelar tudo. De repente, acontece alguma coisa agora à
tarde, então o link da rodoviária [que falaria sobre o movimento
de passageiros na véspera do feriado da Proclamação da Repúbli-
ca] já pode virar uma notinha pelada” (CASTRO, 2013).
Outra expressão, hierarquizada pelo jornalista como o
principal item para a escolha dos temas que veiculam no te-
lejornal, é “interesse geral”, vinculada ao valor-notícia signi-
ficância (TRAQUINA, 2005b). Por significância entende-se a
dimensão coletiva do acontecimento, o grau e nível hierárquico
dos indivíduos envolvidos nele, os impactos sobre a região de
atuação do veículo de comunicação, a quantidade de pessoas
envolvidas no fato, a relevância do acontecimento quanto à
evolução de uma determinada situação (Ibid.). A significância
dos assuntos ligados à política no Paraná TV, embora tenha
parecido um princípio difuso na entrevista, foi quase sempre
contemplada pela produção do Paraná TV, de acordo com os
critérios previamente adotados pelo grupo de pesquisa. Segun-
do as informações coletadas no monitoramento, entre as pe-
ças jornalísticas ligadas ao tema política no noticiário, três em
cada quatro notícias tiveram o critério “significância do tema”

111
Mídia e política: observações e críticas

classificado como “Bom/Suficiente”. Entre as peças classifi-


cadas como “Ruins/Insuficiente” não há nenhuma tendência
majoritária, até pelo baixo número, mas é possível alertar os
produtores que há temas de reportagens ligadas a serviços que
necessitariam de intervenção dos gestores públicos, tanto em
nível estadual quanto municipal.

SBT Paraná
De acordo com as entrevistas, a produção do SBT Pa-
raná tem muitas características incomuns com o Band Cidade.
Há na equipe também duas pauteiras (Danielle Sisti é a pautei-
ra do turno da tarde) e há temas que também são reaproveita-
dos de um programa de cunho policial (Tribuna da Massa). A
jornalista complementa a ideia:

As equipes no SBT Paraná não fazem crime e coisas de


segurança pública, mas quando surge algo, mandamos
a equipe que está menos ocupada ou cuja pauta pode
ser derrubada mais facilmente, e cobrimos também.
Porque, o que importa, é a notícia quente, não impor-
ta qual equipe que vai fazer. Nossa linha é trabalhar
muito com factual e com serviço. A gente dá matéria
de economia e política, mas sempre mais voltada pro
lado popular, explicando bem pras pessoas o que é.
Nas nossas fontes, também procuramos pessoas mais
didáticas, sabemos que nosso público não é segmen-
tado, mas geral. As matérias são de utilidade publica e
serviço. Mesmo as de gaveta têm aquele fundo de in-
formação, de trazer dados importantes (SISTI, 2013).

Para a jornalista, como o noticiário tem abrangência esta-


dual, “não interessa saber sobre buraco na esquina da cidade”,
e sim sobre temas cujos valores-notícias abarquem a signifi-
cância e/ou a imprevisibilidade. Segundo Traquina (2005b), a
imprevisibilidade não remete apenas para ocorrências fora de

112
Um diálogo com os jornalistas

controle. Ela está relacionada ainda à novidade com que um


conteúdo é enfocado, à capacidade de surpreender e de marcar
pontos na competição na definição de uma agenda pública.
“Pensando no público-alvo, temos que pensar em matérias de
alcance estadual, que interessem Curitiba e Foz do Iguaçu, por
exemplo (...). Claro, quando é algo muito inusitado, curioso,
ou importante ou grave, não importa muito onde aconteceu,
porque é de interesse geral” (SISTI, 2013).
Na contramão do Band Cidade, o SBT Paraná, segundo
a jornalista, dá maior ênfase a assuntos ocorridos noutras regi-
ões do Paraná.

RIC Notícias
Para a editora-chefe e apresentadora do RIC Notícias,
Alessandra Consoli, a factualidade é o critério mais impor-
tante para a escolha das notícias do noticiário. Segundo ela, a
alternativa para o telejornal priorizar, por exemplo, a questão
de serviços, foi a divisão da rede estadual no primeiro bloco,
no qual há apresentações mais regionalizadas (um apresenta-
dor em Londrina, outro em Maringá, assim por diante). “Não
adianta você fazer uma prestação de serviço muito local por-
que, por exemplo, pra quem mora em Londrina saber que
amanhã vai ter um mutirão de emprego em Curitiba não é
interessante” (CONSOLI, 2013). Segundo a jornalista, nos
demais blocos são priorizados assuntos com ênfase no factu-
al e no curioso. “A gente também dá muita matéria de saúde,
que a gente acabou vendo que é uma necessidade das pessoas.
Elas procuram e gostam disso. Como eu te falei: com o tem-
po você vai vendo qual é o público” (Ibid.).
Com uma jornada de trabalho que se inicia às 13h00 e
que termina entre 21h00 e 21h30, Consoli destaca que uma
das principais missões dela enquanto editora-chefe é o fato de
estruturar o espelho do telejornal de modo a deixá-lo factual.

113
Mídia e política: observações e críticas

[Às] 16h00 começam a vir os VTs. Daí eu vou pra ilha


[de edição] assistir o VT, pra ver o que tem que mudar,
o que tá errado... Vou fazer alguns ajustes, porque ajus-
tes sempre são necessários. E vou fazendo as cabeças...
Porque as cabeças que vêm do interior, elas vêm frias.
Por exemplo: 16 pessoas ficaram feridas. Eu sei que às
oito da noite isso não é mais minha chamada. Minha
chamada é que quatro pessoas ainda estão internadas no
hospital. Eu tenho que ficar atualizando aquilo ali, isso
é mais ou menos minha função como editora-chefe do
telejornal (CONSOLI, 2013).

Para a jornalista, a maior parte das surpresas cotidianas


está ligada a problemas de ordem técnica, inerentes à produção
ao vivo, ou então devido a ordens de redução ou ampliação do
tempo do telejornal, vindas da rede. Esse aspecto, apesar de la-
mentado pela jornalista, é avaliado como positivo por Macha-
do (2000), que alerta para o fato de que a operação em tempo
presente não tem relações apenas com o improviso, mas que
possibilita também que o material (especialmente, as entrevis-
tas ao vivo) cheguem ao espectador de forma mais bruta.

TRATAMENTO DADO À POLÍTICA


NOS QUATRO TELEJORNAIS CURITIBANOS
Nesta última seção procura-se discutir como é dado o
tratamento à política nos quatro noticiários monitorados. A in-
tenção é descrever quais são os focos temáticos da cobertura
política, os critérios adotados para a escolha de pautas políti-
cas, as interferências externas na produção, os desafios para a
elaboração de assuntos ligados à política, a autoavaliação da
cobertura política realizada por cada telejornal, bem como uma
visão da concorrência e das mudanças na cobertura política ao
longo dos anos.

114
Um diálogo com os jornalistas

Band Cidade
Com uma equipe reduzida, o Band Cidade, assim como
todos os demais noticiários estudados, não tem condições de
disponibilizar equipes fixas nas casas parlamentares, seja no ní-
vel estadual ou municipal. Assim, mais uma vez o critério da
significância (TRAQUINA, 2005b) entra em ação quando o
assunto é a temática política: “A gente sempre pensa as pautas
de política no sentido de ‘no que isso que os políticos estão
fazendo afeta a vida do cidadão?’” (NUNES, 2013). Segundo
a pauteira do Band Cidade, os bastidores da política não são
foco do telejornal. “Às vezes, a gente [jornalista] acha que al-
guma coisa é interessante, é notícia, porque a gente tá vivendo
aquilo... A gente tá todo dia vendo notícia política, mas muitas
vezes aquilo não interessa em nada para as pessoas comuns. Eu
vejo muito isso em colunas políticas: dois terços [dos assuntos]
é fofoca, não interessa em nada. É uma coluna mais social do
que política” (NUNES, 2013).
Segundo a pauteira, como a temática política envolve as-
suntos tidos como difíceis para boa parte do público comum,
um dos aspectos centrais para uma produção condizente com
o que ela acredita é o fato de dar um teor quase pedagógico aos
assuntos políticos:

Quando a gente foi fazer a cobertura da eleição pro


TJ [Nota: Tribunal de Contas do Paraná], quando o
Fábio Camargo foi eleito [conselheiro], eu lembro que
a primeira reportagem que a gente fez foi explicando
porque aquilo era importante para o telespectador, ou
seja, pra gente justificar por que da nossa cobertura
sobre esse assunto, que parece ser tão distante das pes-
soas. Então a gente explicou o que ele [Fábio Camar-
go] faria no TJ (sic), qual seria o papel dele, qual a
importância dessa instituição (...), porque ela cuida do
dinheiro público... (NUNES, 2013).

115
Mídia e política: observações e críticas

A eleição do Tribunal de Contas do Paraná9 (TCE-PR),


inclusive, é o único assunto no qual, segundo a jornalista, houve
algum tipo de interferência da direção da Band. De acordo com
ela, a orientação da chefia foi que os jornalistas da casa cuidas-
sem para não entrar numa clara campanha de mobilização con-
tra a família Camargo: “[A direção orientou] que a gente fizesse
jornalismo, que a gente procurasse ser imparcial, porque alguns
veículos de comunicação, por seus motivos, tavam fazendo uma
caça às bruxas. Vamos dizer [que] o pedido que a nossa direção
fez foi que nós fizéssemos jornalismo (...), que não noticiasse
a fofoca, e se preocupasse com os fatos” (NUNES, 2013). Por
fim, Aline Nunes disse não conhecer interferências externas na
fase atual, apesar de há alguns anos ter havido um funcionário
(que não integra mais o quadro, segundo ela) que constante-
mente procurava enviesar a cobertura política.
A pauteira afirma que não conhece bem a realidade dos
outros três concorrentes, porque não tem tempo para assistir

9. Em função da complexidade do caso, a jornalista acabou estabelecendo uma pequena e


compreensível confusão na resposta. O motivo é que 2013 foi marcado por dois assuntos de
grande repercussão envolvendo o deputado estadual Fábio Camargo e o pai dele, Clayton
Camargo. Fábio Camargo foi indicado pela Assembleia Legislativa ao cargo de conselheiro
do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR), em julho de 2013, numa eleição bastante con-
turbada. Já Clayton Camargo assumiu a presidência do Tribunal de Justiça do Paraná em
fevereiro, da qual foi afastado dez meses depois, após a constatação do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) de que o magistrado teve uma evolução patrimonial incompatível com as fun-
ções exercidas. Além disso, em julho, o CNJ abriu uma investigação para apurar a suspeita de
que o então presidente do TJ tivera exercido tráfico de influências para que o filho assumisse
a vaga de conselheiro do TCE-PR. Em ambos os casos houve extensa cobertura midiática.
No segundo caso, em especial, o jornal Gazeta do Povo (pertencente ao Grupo Paranaense
de Comunicação) foi proibido de divulgar notícias relacionadas ao caso, fato que fortaleceu a
campanha de mobilização para a cassação de Clayton Camargo. A título de curiosidade, como
nota de repúdio à decisão do TJ, os materiais produzidos pela Gazeta do Povo no período de
censura prévia foram publicados no site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná.

116
Um diálogo com os jornalistas

os noticiários das outras emissoras. No entanto, acredita que há


desafios a serem enfrentados para avanços na cobertura política
local. O primeiro deles, de acordo com ela, é conseguir perce-
ber quais assuntos são plantados pelas assessorias políticas. Uma
alternativa, na visão da jornalista, é tornar os assuntos ligados à
temática acessíveis ao público, algo que só pode ser atingido a
partir de um precedente: “Nosso desafio é justamente esse: con-
seguir explicar as coisas pras pessoas [para que elas] realmente
entendam por que aquilo faz a diferença” (NUNES, 2013).

Paraná TV
Segundo Celso Castro, a cobertura de temas relacio-
nados à política atende à premissa do interesse público, tan-
to para iniciativas e projetos convenientes realizados por
qualquer uma das esferas políticas, quanto para denúncias
de irregularidades. No monitoramento esse princípio pare-
ce ser seguido, embora haja naturalmente mais pautas que
ressaltem problemas, um princípio tido como básico do jor-
nalismo na concepção de Traquina (2005a).

Às vezes, a gente chega na Assembleia e fala com o


deputado: “Olha, a gente tem uma denúncia contra o
senhor. Estamos investigando isso, isso e isso...”. Sim,
ele pode ligar aqui pra falar com o editor ou com pro-
dutor e dizer: “Oh, não coloca isso”, mas não é da
vontade dele que vai, vai da nossa apuração. Se a de-
núncia tiver coerência, tiver prova, tiver embasamento,
me desculpa, mas vai pro ar (CASTRO, 2013).

Em relação à concorrência, o diretor executivo do Paraná


TV acredita que o telejornal costuma fazer uma cobertura bem
variada. Ele ainda afirma que, ao contrário de alguns dos concor-
rentes, a equipe do Paraná TV procura fazer uma cobertura jorna-
lística, inclusive na política, mais voltada ao interesse das pessoas.

117
Mídia e política: observações e críticas

Isso só ocorre, na visão do profissional, porque o telejornal con-


segue manter-se independente frente as mais diversas autoridades.
Mais antigo jornalista no cargo entre os entrevistados,
Castro acredita que não houve grandes mudanças na cobertura
da área política desde que ingressou na RPCTV, em 1999. No
entanto, ele destaca uma característica que, na opinião dele, di-
ferencia o telejornal dos concorrentes: a investigação.

A gente tá mais investigativo, né? A gente fez algumas sé-


ries como os “Diários Secretos”. O pessoal que trabalhou
até ganhou o Prêmio Esso de jornalismo. Eu acho que
assim, melhorou, a gente colocou gente exclusivamente
pra trabalhar em investigação, e acabamos descobrindo
bastante coisa. Então, eu acho que aprimorou a cobertura
política na área investigativa. Eu não vi isso em nenhum
jornal da concorrência (CASTRO, 2013).

O jornalista destaca um ponto, que é especialmente com-


partilhado pela editora-chefe do RIC Notícias, conforme será
apresentado no item do noticiário, que é o fato de que a temá-
tica política causa certa repulsa no público. Para ele, esse é um
dos principais desafios para quem trabalha com telejornalismo.

SBT Paraná
Após explicar que o principal critério para a inserção de
temas políticos no SBT Paraná é o famigerado “interesse pú-
blico”, a pauteira Danielle Sisti é a única entre os entrevista-
dos a admitir que há similaridades entre a cobertura política
dos quatro telejornais. Ao mesmo tempo, a concorrência não
a preocupa, já que considera que o público-alvo do SBT Para-
ná é “bem definido”. “Acho que trabalhamos meio igual [aos
concorrentes na temática política]. Damos bastante notícia do
interior do Estado, talvez valorizamos um pouco mais, mas
não sei dizer mesmo” (SISTI, 2013).

118
Um diálogo com os jornalistas

Um aspecto importante destacado pela jornalista, e cujas


nuances são oriundas da escassez de mão de obra, é o fato de o
telejornal evitar fazer suíte de assuntos políticos. Ela exemplifi-
ca: “A gente não precisa acompanhar toda a CPI da Urbs [Ur-
banização de Curitiba], mas os ‘finalmentes’, o que aconteceu,
o final do relatório... Isso é notícia mesmo que seja [restrito a]
Curitiba. O que for muito local não interessa, mas se for algo
muito importante, que já está no final, interessa. Não interessa
acompanhar todos os capítulos, mas interessa o resultado” (SIS-
TI, 2013). Essa opção de cobertura fica evidenciada no monito-
ramento, quando se percebe que alguns assuntos são suítes no
noticiário a partir de notas cobertas – com imagens repetidas.
O maior desafio é não ser tendencioso, na opinião da
entrevistada, algo que pode ocorrer até mesmo em função de
características exigidas pelo meio televisão:

Temos que tomar cuidado [na cobertura política], mesmo


que não haja interesse nenhum. Às vezes, sem querer a ma-
téria fica pendendo muito pra um dos lados porque a fonte
de um era melhor que a fonte do outro lado. Temos que
cuidar muito com as fontes que serão utilizadas, porque eles
não têm que opinar, eles têm que dar a informação. Quem
tem que opinar é o telespectador. Nós temos a obrigação de
informar sobre os dois lados da história (SISTI, 2013).

A jornalista complementa ao afirmar que a cobertura


política estadual deveria ser mais profunda em todos os noti-
ciários, mas que encontra dificuldades para ampliar o leque de
assuntos em função de acreditar que o público provavelmente
não irá permanecer assistindo o telejornal. Ao contrário do jor-
nalista da RPCTV, Sisti acredita que as reportagens na área de
política sempre tiveram um teor mais investigativo, fato que a
faz crer que a cobertura pouco se alterou desde que ela iniciou
a carreira. Oriunda do jornalismo impresso, a pauteira do SBT

119
Mídia e política: observações e críticas

Paraná sugere que com a crise dos impressos, cada vez mais
fadados ao extermínio na opinião dela, o jornalismo como um
todo perdeu os profissionais mais especializados.

Por exemplo, os jornais têm os repórteres de política, os


editores de política, bastante engajados, e hoje em dia os
jornais infelizmente estão bem rotativos. Aquela coisa do
jornalista que está todo dia na Assembleia [Legislativa],
todo dia na Câmara, a tevê não tem isso, não tem equi-
pe. E depois, televisão é outro público. O jornal não. A
pessoa que abre o jornal na parte de política já é o leitor
mais interessado, mais engajado. Então, eu acho que o
que mudou foi isso. Eu acho que a questão do investiga-
tivo, e a falta de profissionais que acompanham o assunto
durante vários anos, que conseguem fazer correlações do
que ocorreu em 1989 com o que está ocorrendo agora,
que entenda mesmo. Isso ai se perdeu (SISTI, 2013).

RIC Notícias
Confessamente avessa ao tema política, a editora-chefe e
apresentadora do RIC Notícias, Alessandra Consoli, destaca a
eficiência da jornalista e comentarista de política do noticiário,
Joice Hasselmann. Segundo ela, a jornalista é uma das poucas
profissionais no mercado curitibano que mantém algumas das
características que foram apontadas pela pauteira do SBT Pa-
raná, no fim do item anterior. Consoli alerta que a emissora
desenvolveu uma pesquisa de teor qualitativo e constatou que
o público “não gosta muito de política, mas ele gosta de ser
informado sobre política” (CONSOLI, 2013). Segundo a jor-
nalista, o próprio medidor do Ibope confirma a hipótese:

Então geralmente a gente tem, pra você ter uma ideia, nós
temos nosso bloco minuto a minuto, quando a gente coloca
uma matéria de política, cai. A não ser que seja uma notícia
muito relevante, que vá mudar a vida da pessoa, ela deixa.

120
Um diálogo com os jornalistas

Caso contrário é chato, porque política é uma coisa chata.


Então, a gente tem a Joice que, como vive nesse mundo, ela
traz coisa fresquinha, ela tá nesse mundo, então como co-
mentarista a gente pode deixar ela um minuto até um minu-
to e meio no ar. Como não tem imagem, e volto a dizer você
tem que se preocupar com imagem na TV, então às vezes
a gente tem esse enfoque, tem a Joice, todos os dias ela tá
com a gente, ela faz um ou dois comentários, isso vai do dia,
da movimentação política e da relevância do assunto, mas é
assim, são coisas pontuais, a gente não abre um bloco pra
isso, não tem como fazer isso, tem que ir mesclando, porque
como eu falei: o público tá cansado, ele quer o “resumão”
das coisas, não quer ver só uma coisa (CONSOLI, 2013).

Consoli acredita que a cobertura política da RICTV é


equilibrada, e que isso se deve, em parte, a mudanças na per-
cepção do público. Essa modificação de perfil, apontada pela
profissional, faz com que os jornalistas tenham maior autono-
mia para argumentar contra assuntos ou enfoques sugeridos
pela direção de qualquer emissora. A jornalista alega que não
sofreu nenhum tipo de intervenção externa na cobertura po-
lítica desde que começou na RICTV, ao contrário de quando
trabalhava em Londrina, na RPCTV.

Na época que o [Antonio] Belinati foi cassado [da Pre-


feitura] e a TV tinha uma ligação estreita com ele. Então
houve uma intervenção do Rio [de Janeiro] na RPC. Veio
um interventor, o diretor de jornalismo foi demitido... Eu
tava no começo da carreira, então foi muito marcante. A
cidade inteira contra o prefeito que ainda não tinha sido
cassado, e eu tendo que dar uma notícia tipo “coitadinho”,
colocávamos ele chorando. Tive muita interferência políti-
ca lá. Já aqui muitas pessoas falam: “Ah, essa é a emissora
dos bispos”, [mas] aqui a gente dá festa católica de Nossa
Senhora. Nunca tivemos problemas do tipo “não dê”. Po-
liticamente, entra muito PT, entra muito PSBD, até porque
[esses assuntos] têm muita ligação com a casa.

121
Mídia e política: observações e críticas

Em relação a mudanças e desafios, a jornalista é partidá-


ria da noção de que os profissionais da área precisam refletir
diariamente sobre a diferença entre utilidade pública e politi-
cagem. “Mas como a gente tem o auxílio de uma pessoa que é
do meio e que sabe [Joice], então é mais fácil pra gente. É meio
como se fosse um núcleo, ela filtra muita coisa. Então muita
coisa eu ligo pra ela. É bom ter na redação alguém do meio
[político]” (CONSOLI, 2013).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo almejou-se compreender, a partir de um di-
álogo com os produtores, como são os tratamentos dados à
temática política nos quatro telejornais. Há uma premissa por
parte dos autores de que há lacunas neste trabalho, já que ele
serve apenas como um pontapé para uma discussão mais apro-
fundada, exigida pelo tema. Embora a equipe talvez tenha se
alongado – aparentemente, para o leitor mais ácido, até com
certa demasia – em tópicos ligados a aspectos das rotinas de
produção ou até mesmo dos valores que fomentam a cultura
profissional dos jornalistas entrevistados, crê-se que essas in-
formações têm relevância para a contextualização dos motivos
pelos quais a temática política é pouco abordada pelos notici-
ários. A Tabela 01 exemplifica o quanto a veiculação do tema
é escassa, exceção que pode ser feita ao Paraná TV, veiculado
em apenas 15 minutos. De acordo com os dados do monito-
ramento, entre as peças jornalísticas que exigem ida a campo
com equipes completas (reportagem e entrevista externa) ou
incompletas (nota coberta), o Paraná TV destaca-se com 62
notícias em 20 edições monitoradas, uma média de aproxima-
damente três aparições por edição. Na outra ponta, o SBT Pa-
raná aparece com apenas 25 peças jornalísticas, uma oscilação
pouco acima de uma pauta ligada à política por edição:

122
Um diálogo com os jornalistas

Tabela 01­– Peças jornalísticas que exigem ida a campo por telejornal
BAND PARANÁ SBT RIC
TOTAL
CIDADE TV PARANÁ NOTÍCIAS
Reportagem 30 51 21 29 131
Entrevista
* 01 * 05 06
externa10
Nota coberta 06 10 04 04 24
Total 36 62 25 38 161
Fonte: Estudos da Imagem (2013)

Esse carecimento de pautas ligadas à política não con-


diz com o princípio de produzir assuntos voltados ao interes-
se do cidadão ou cidadã, aspecto destacado constantemente
por todos os entrevistados; em verdade, mais se aproxima
de uma interpretação de teor deontológico do fazer jor-
nalístico – ou seja, uma avaliação regida normativamente
por premissas ou valores “universais” do que é exercer a
atividade, e que por vezes pode se mostrar descontextuali-
zada ou impraticável. Essa visão ortodoxa do fazer jorna-
lístico – que deve ser valorizada e buscada constantemente,
não é isso que se discute – é identificada nas entrevistas,
especialmente quando o assunto em questão é o público-
alvo. Acredita-se que esse princípio tenha realces no cará-
ter representativo adotado pelos meios de comunicação, e
que pode ser mais bem explorado a partir do agendamento
político de temas mais ligados à sociedade civil, conforme
será descrito adiante. Embora o campo da comunicação não

10. Boletim e stand-up são dois tipos de peça que podem ter entrevistados. Entretanto, para
evitar possíveis dúvidas na decupagem, ficou estabelecido que essas duas categorias seriam
englobadas dentro de entrevistas externas.

123
Mídia e política: observações e críticas

tenha como finalidade governar, “ele interfere e influencia


o ato de governar ao agendar temas, requerer providências,
propor soluções, criticar atitudes, seguir alternativas, produ-
zir imagens públicas, engendrar climas sociais, enfim – e por
tudo isso –, afetar a governabilidade” (RUBIM, 2000, p. 75).
Dessa forma, ganha contorno nas entrevistas o fato de
que os jornalistas escolhem as pautas políticas basicamente
pelo interesse público, algo que não traz nenhuma novidade ou
contribuição à literatura da área – entre as bibliografias utiliza-
das neste trabalho, por exemplo, compartilham deste princípio
Traquina (2005a), quando discute valores da comunidade inter-
pretativa dos jornalistas e, especialmente, Kovach e Rosenstiel
(2003), conforme é perceptível no trecho que apresenta resul-
tados de uma pesquisa sobre os valores profissionais:

Mais de oitenta por cento deles [jornalistas] mencionou


ver ‘no leitor, ouvinte ou telespectador nossa primeira
obrigação’, como ‘um princípio básico do jornalismo’,
numa pesquisa feita em 1999 sobre os valores da profis-
são. Em entrevistas separadas com um foco mais profun-
do, orientada por psicólogos, mais de setenta por cento
dos jornalistas da mesma forma colocaram o ‘público’
como alvo de sua lealdade maior, bem acima dos patrões,
deles próprio, de sua profissão e até mesmo de sua família
(KOVACK; ROSENSTIEL, 2003, p. 84).

Além da questão do número de pautas ligadas à política,


durante a pesquisa (especialmente na fase do monitoramento)
houve uma tentativa de compreender a abrangência política
das notícias. Entre as alternativas Iniciativa Privada, Sociedade
Civil, Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário,
entre as quais foi possível assinalar no questionário de moni-
toramento mais de uma delas, houve preponderância do Poder
Executivo, exceção feita ao RIC Notícias:

124
Um diálogo com os jornalistas

Tabela 02­– Competência política do fato noticioso ligado à política


BAND PARANÁ SBT RIC
TOTAL
CIDADE TV PARANÁ NOTÍCIAS
Reportagem 30 51 21 29 131
Entrevista
* 01 * 05 06
externa10
Nota coberta 06 10 04 04 24
Total 36 62 25 38 161
Fonte: Estudos da Imagem (2013)

O número de pautas voltadas às ações da sociedade


civil (20% do total) aponta para um campo de potencialida-
des de abordagem política ainda pouco explorado em tele-
jornalismo, característica descoberta a partir das interpreta-
ções que os produtores fazem da área política. Durante as
entrevistas não houve qualquer menção à cobertura política
fora dos três poderes que formam o pilar da República. De
acordo com Rubim (2000), a “crise” institucional que abala
a política – e que interfere na própria concepção do fazer
jornalístico – acontece “pelo esgotamento de instituições,
práticas e valores, mas também pela emergência de novas
configurações da política, muitas delas ainda em amadure-
cimento e, por conseguinte, de dificultosa percepção nesse
instante em que vivemos” (RUBIM, 2000, p. 26). Assim, por
meio da fase de monitoramento e das entrevistas, percebe-se
que há defasagem no sentido do desenvolvimento de pautas
ligadas à política pelo viés da sociedade civil. Há tentativas
por parte dos produtores de adotarem essa perspectiva, mas
ainda parece ser preciso encontrar opções para que as pau-
tas possam cumprir aquilo que os produtores tanto frisaram
nas entrevistas: fazer a temática política se tornar interes-
sante para o telespectador.

125
Mídia e política: observações e críticas

Outro aspecto que deve ser destacado é a questão de es-


truturação das equipes. Embora o estudo não tenha ingressado
na questão do número de profissionais que têm dois ou mais
empregos, fica perceptível que os jornalistas da Band, Rede
Massa e RICTV têm potencialidade para ocupar dois empre-
gos, fato que interfere no ritmo de produção.
Do ponto de vista de capacidade de cobertura, a de-
dicação exclusiva exigida a todos os funcionários do GRP-
COM (a única brecha para o exercício de dois empregos
no grupo é a atividade de docência) e maior equipe de tra-
balho garantem diferenças consubstanciais entre a cober-
tura da RPCTV e das demais emissoras. Isso tem inferên-
cias na produção técnica e editorial, já que os veículos do
GRPCOM (especialmente o Paraná TV e o jornal impresso
Gazeta do Povo) são tidos como espaços destinados à pro-
dução de reportagens de cunho investigativo. No entanto,
durante o mês artificial não houve qualquer tipo de material
similar veiculado.
Por outro lado, a falta de mão de obra faz com que as
outras três emissoras sejam obrigadas a reaproveitar mate-
riais de outros noticiários das emissoras, especialmente de
programas voltados da violência urbana. Essa limitação de
equipes e aproveitamento de matérias nas mesmas fontes
colabora para que os três telejornais tenham uma cobertura
política em menor número.

REFERÊNCIAS
BAYM, Nancy. Fãs ou amigos?: Enxergando a mídia social como fa-
zem os músicos. Matrizes: Revista do Programa de Pós-Graduação em
Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo, São Paulo,
v. 7, n. 1, p.13-46, jan. 2013. Semestral. Disponível em: <http://www.
matrizes.usp.br/index.php/matrizes/article/view/429/pdf>. Acesso em:
01 set. 2013.

126
Um diálogo com os jornalistas

CANELA, Guilherme. Monitoramento de mídia, jornalismo e desen-


volvimento. In: CHRISTOFOLETTI, Rogério; MOTTA, Luiz Gonzaga.
Observatórios de Mídia: Olhares de cidadania. São Paulo: Paulus, 2008.
CASTRO, Celso. Tratamento dado à temática política no telejornal
Paraná TV. Curitiba, Sede da RPCTV, 14 nov. 2013. Entrevista conce-
dida a Hendryo André e Roberta Zandonai.
CONSOLI, Alessandra. Tratamento dado à temática política no tele-
jornal RIC Notícias. Curitiba, Sede da RIC-TV, 12 nov. 2013. Entre-
vista concedida a Roberta Zandonai, Camile Kogus, Hendryo André e
Franciele Fries.
FREIRE FILHO, João. Memórias do mundo cão: 50 anos de debates
sobre o “nível” da TV no Brasil in BOUNANNO, Milly; LOPES, Maria
Immacolata Vassalo de (org.) Comunicação social e ética. São Paulo:
Intercom, 2005.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. ed. 5.
São Paulo: Atlas, 1999.
GOLDENBERG, Mirian. A Arte de pesquisar: como fazer pesquisa
qualitativa em Ciências Sociais. 8. ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.
HAMILTON, Fernando Arteche. Monitorando telejornais: desafios e
perspectivas. In: CHRISTOFOLETTI, Rogério; MOTTA, Luiz Gonzaga.
Observatórios de Mídia: Olhares de cidadania. São Paulo: Paulus, 2008.
KOVACH, Bill; ROSENSTIEL, Tom. Os elementos do jornalismo: o
que os jornalistas devem saber e o público exigir. São Paulo: Geração
Editorial, 2003.
MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. 5. ed. São Paulo:
Editora Senac, 2000.
MATTELART, Armand; MATTELART, Michèle. História das teorias
da comunicação. 13. ed. São Paulo: Loyola, 2010.
NUNES, Aline. Tratamento dado à temática política no telejornal
Band Cidade. Curitiba, Sede da UFPR TV, 12 nov. 2013. Entrevista
concedida a Hendryo André e Franciele Fries.
OLIVEIRA FILHA, E. A. Olhares sobre uma cobertura: a eleição
de 2002 para o governo do Paraná em três jornais locais. Curitiba: Pós-
Escrito: 2007.

127
Mídia e política: observações e críticas

RUBIM, Antonio Albino Canelas. Comunicação e Política. São Paulo:


Hackers Editores, 2000.
SISTI, Daniele. Tratamento dado à temática política no telejornal
SBT Paraná. Curitiba, Sede da Rede Massa, 12 nov. 2013. Entrevista
concedida a Hendryo André e Roberta Zandonai.
SOMMA NETO, João. Ações e Relações de Poder: a construção da re-
portagem política no telejornalismo paranaense. Curitiba: EDUFPR, 2007.
STACKS, Don W. Dicionário de mensuração e pesquisa em relações
públicas e comunicação organizacional. São Paulo: Aberje, 2008.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: porque as notícias são
como são. Florianópolis: Insular, 2005a. v.1.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: a tribo jornalística –
uma comunidade interpretativa transnacional. Florianópolis: Insular,
2005b. v.2.

128
Críticas
Parte II
Olhadinhas e visualidades
A imagem no telejornalismo
João Somma Neto1

INTRODUÇÃO
“Vamos dar uma espiadinha!”. Este é um dos principais
bordões usados por um ex-jornalista, antes profissional dos
mais conceituados no meio jornalístico, hoje reduzido à
peça grotesca e decorativa na apresentação de um dos mais
populares e espetaculares shows da televisão brasileira. Em-
bora essa atração televisiva seja produzida sob a responsa-
bilidade da Central de Jornalismo da maior rede de televisão
aberta nacional, como está nítido e visível nos créditos mos-
trados ao final de cada edição, essencialmente não tem nada

1. Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), vice-co-


ordenador e professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade
Federal do Paraná (UFPR), professor associado do curso de Jornalismo da UFPR e líder do
grupo de pesquisa Estudos da Imagem, registrado junto ao CNPq.

131
Mídia e política: observações e críticas

a ver com a atividade jornalística. Apesar disso, esse progra-


ma é bastante útil para ilustrar bem o caminho percorrido
pelas diversas formas como as imagens são produzidas e
difundidas, de modo especial pela mídia, o que configura na
atualidade aquilo que se convencionou denominar de socie-
dade da visualidade.
Visualidade necessariamente liga-se à imagem e, a prin-
cípio, parece determinar mais uma qualidade daquilo que se
torna, por algum meio, visível de um jeito ou de outro, mas
pode também assumir o aspecto de certo olhar, de um olhar
específico ou particular. Visualidade, então, pode ser concei-
tuada como algo que nos é apresentado segundo determinada
maneira de ver, de olhar, de enxergar alguma coisa.
Assim, contemporaneamente, em tempos de prolife-
ração vertiginosa de instrumentos tecnológicos, aparelhos e
equipamentos cada vez mais sofisticados desenvolvidos pelas
novas descobertas, e emprego cada vez mais ampliado do silí-
cio e derivados a nos fornecer desde chips para identificação,
memórias eletrônicas, HDs, celulares com possibilidades de
múltiplos usos, a computadores de alta complexidade, somos
colocados todos os dias diante de imagens quer pela fotogra-
fia, pelos mais diversos tipos de materiais impressos, pelas
telas de notebooks, ou de receptores de TV com espessura
mínima e com capacidade de alta resolução, pelo cinema, etc.
O mundo passa a ser olhado, e apreendido, por meio
de imagens extensivamente diversificadas, expandidas ou
comprimidas em bits e frames, transmitidas por ondas ele-
tromagnéticas, por fibras óticas, ou aprisionadas em arquivos
de tipos dos mais variados como, por exemplo, MPEG, AVI,
WMV, JPG, só para citar alguns, os quais transitam agilmente
pelo ciberespaço.
Enfim, nos deparamos amiúde com profusão de ima-
gens a serem vistas, interpretadas ou não, que podem nos

132
Olhadinhas e visualidades

levar ou não à reflexão acerca do que representam na vida em


sociedade, mas das quais não escapamos mais.
No campo do jornalismo o trabalho com a imagem
abre enormes possibilidades para o cumprimento do objeti-
vo de garantir ao público o acesso à informação e conheci-
mento, implicando desse modo na relação necessária com o
exercício amplo da cidadania. Para tanto, exerce papel funda-
mental a chamada mídia eletrônica de início formada apenas
pelo rádio, e pouco mais tarde, incluindo também a televisão
entre os veículos principais, e mais recentemente abarcando
a internet e toda a parafernália tecnológica envolvida na con-
vergência midiática digital.
A partir dos anos 1920, com o rádio no Brasil, pas-
sando pelos períodos seguintes até o momento atual, foram
registradas grandes mudanças nas estruturas sociais, políti-
cas, econômicas e culturais, não somente no Brasil, mas em
escala mundial, culminando na ultramoderna globalização,
na qual os meios de comunicação e a produção dos conteú-
dos midiáticos desempenham função de extrema relevância.
O avanço da tecnologia, e as transformações nas relações
sociais, e interpessoais, proporcionaram a instauração e o
funcionamento de uma rede de interação de conteúdos en-
tre as mais diferentes plataformas.
Nesse cenário, talvez um dos mais interessantes meios
pelos quais se processem e identifiquem novas visualidades
seja o telejornalismo, nos trazendo diretamente de todos os
quadrantes mundiais tudo o que acontece, o que é feito, ou
deixado de fazer, o que é dito e que se considera importante
para a “nossa” vida. Nos produtos jornalísticos de televisão
estão presentificadas imagens de gente, de localidades, de
bens de consumo, de obras de arte, de objetos utilitários, ou
seja, de tudo o que se conforma com o cotidiano da moder-
na sociedade mercantil.

133
Mídia e política: observações e críticas

Aliada a textos verbais muito bem produzidos com a


finalidade de funcionar junto com ela própria, a imagem con-
fere ao telejornalismo alto grau de credibilidade, uma vez que
o caráter icônico remete ao evento/acontecimento/persona-
gem/localidade geográfica como se fosse a própria apresen-
tação do real, da realidade vivenciada, e não uma mera repre-
sentação, reprodução, ou construção de dada realidade. Sua
apreensão de imediato produz a sensação de se estar diante, e
muitas vezes, de se participar de forma direta daquilo que está
sendo transmitido. Essa é possivelmente uma das característi-
cas mais fortes da imagem no telejornalismo atual.
Para compreendermos melhor o percurso do jornalis-
mo em meios eletrônicos até chegarmos ao telejornalismo
da atualidade e os modos de produção por ele adotados no
que tange à captação, tratamento e uso da imagem, é neces-
sário buscarmos na própria história desses meios e da sua
extraordinária atuação em nosso país, tanto em termos da
evolução tecnológica, como das transformações no modo
de se fazer o jornalismo, e dos meandros que levaram até o
que temos hoje.
É claro que um trajeto foi percorrido, múltiplos movi-
mentos realizados, até que se chegasse às manifestações de
conteúdos jornalísticos midiáticos no modo em que são regis-
trados presentemente. Então, podemos dizer, até certo ponto,
que o precursor da visualidade telejornalística é o rádio.

O PRINCÍPIO
Há cerca de 90 anos, por volta de 1920, o rádio recém-
implantado já oferecia aos ouvintes a condição e oportunida-
de de imaginar imagens relacionadas aos conteúdos transmi-
tidos, em sua primeira fase no Brasil classificada como uma
etapa de cunho educativo calcados em valores da elite.

134
Olhadinhas e visualidades

O funcionamento do novo veículo de comunicação


o estabelece como uma espécie de predecessor da TV no
que se refere às visualidades presentes nos meios eletrôni-
cos. A voz dos locutores pronunciando palavras especial-
mente escritas para transmitir significados e sentidos sele-
cionados, emitidas com a entonação adequada, ressaltadas
pelo timbre “certo”, ao lado de outros elementos sonoros,
como a música, ruídos e efeitos de sonoplastia, chega até
os ouvintes promovendo em suas mentes a formação de
imagens diretamente relacionadas aos conteúdos expressos
e contidos nas ondas do rádio. Nesse mecanismo de forma-
tação das imagens mentais entram intensos componentes
racionais e emocionais.
Nos dez anos seguintes dar-se-ia a consolidação radio-
fônica como importante meio de comunicação, quando sur-
giu a comercialização de anúncios e se estrutura uma progra-
mação um pouco mais elaborada com produção e veiculação
dos famosos programas de auditório, transmissões de jogos
de futebol e a criação da ainda persistente Voz do Brasil. Os
ouvintes, então, passam a contar com programas mais varia-
dos, e já se pode admitir a presença de uma visualidade pró-
pria induzida ao público, por meio das nuances da linguagem
radiofônica, como por exemplo, nas transmissões dramatiza-
das e espetacularizadas dos jogos de futebol, a fazer com que
cada ouvinte montasse em sua mente a imagem dos lances do
jogo que estava sendo narrado.
Nas décadas que seguiram, apesar de mudanças signi-
ficativas em termos de tipos de programas, tecnologia, con-
teúdos e modos de produção, o rádio continua a desempe-
nhar papel de importância superlativa, sobretudo no que diz
respeito às visualidades produzidas no imaginário popular.
Assim ocorre nos anos 1940, principalmente com o sucesso
estrondoso das radionovelas e o jornalístico Repórter Esso.

135
Mídia e política: observações e críticas

Situações dramáticas, sentimentais, humorísticas e de dife-


rentes naturezas proferidas nas vozes de radioatores passam
a povoar o imaginário imagético de legiões de aficionados
que acompanham as histórias capítulo a capítulo. Algo pa-
recido acontece com os fiéis ouvintes do principal noticiá-
rio radiofônico da época, que apresenta os acontecimentos
nacionais e mundiais sob o ponto de vista de uma “teste-
munha ocular da história”, seu slogan consagrado; seus ou-
vintes são brindados com a possibilidade de também ver
imaginativamente e testemunhar a história.
Novidades são inseridas pouco a pouco na programa-
ção do rádio, e no decênio de 1950 se destaca a introdução
dos chamados serviços de utilidade pública ao mesmo tempo
em que se difundem mudanças tecnológicas que permitem a
portabilidade e mobilidade dos aparelhos receptores. Já nos
anos 1960, a tecnologia avança ainda mais possibilitando as
transmissões via satélite e adotando-se a prática dos progra-
mas jornalísticos ao vivo, e nos vinte anos posteriores (dé-
cadas de 1970 e 1980) surgem e se consolidam as emissoras
que transmitem em frequência modulada – as populares FMs
de hoje – que se especializam na transmissão de programas
voltados para segmentos específicos do público.
Dos anos 1990 até agora o rádio vem priorizando a
produção e emissão em redes, moderniza sua produção
com uma programação digitalizada e transmitida via saté-
lite, além de operar dentro da tendência convergente da
mídia interagindo com celulares e computadores pessoais
com o uso da internet.
O rádio, dessa forma, assegura visualidades indivi-
dualizadas, mesmo que a recepção possa ser coletiva, e se
constitui na prévia do que depois seria estabelecido através
da televisão, que vai buscar primeiro no rádio o seu ponto
de partida.

136
Olhadinhas e visualidades

TELEVISÃO
A atividade profissional do jornalismo na televisão
vem se constituindo ao longo dos últimos 60 anos no Brasil
como um dos principais instrumentos de informação para
grande parte da população, a ponto de os programas noti-
ciosos de TV serem considerados ainda atualmente como
o meio principal de acesso aos acontecimentos, opiniões e
análises informativas para o cidadão comum.
Desde a implantação da TV brasileira, na década de
1950, o grande crescimento da abrangência e penetração
desse veículo de comunicação se mostra como um fenô-
meno que apresenta características não somente no plano
do desenvolvimento tecnológico, mas inclusive nos campos
cultural, político econômico e social.
No âmbito da tecnologia, diversos momentos marcam
as décadas seguintes de funcionamento da televisão brasi-
leira, influindo diretamente tanto no modo de produção do
telejornalismo, como na forma em que se dá a relação com
o público principalmente no que faz referência à busca pelo
aumento e manutenção da audiência. Paralelamente, ocorrem
alterações vinculadas a aspectos como a espetacularização da
notícia, e a adoção de procedimentos produtivos que se utili-
zam de técnicas ficcionais, entre outros.
Isto fica mais claro na medida em que a evolução
da tecnologia traz inovações que de uma forma ou de ou-
tra permitem a introdução de alterações significativas no
modo de se fazer jornalismo de televisão. Após um início
simplório nos anos 1950, quando o jornalismo televisivo
era produzido meramente como a leitura de notícias no
vídeo, feita por um apresentador formal, passou-se a in-
troduzir a reportagem realizada em campo mediante gra-
vações em película, o que resultou de imediato em mais
dinamismo no próprio noticiário.

137
Mídia e política: observações e críticas

Na sequência, já nos anos 1960, uma série de novas pos-


sibilidades são vislumbradas a partir do emprego de sistemas
tecnológicos extraordinários para a época, como foi o caso do
videoteipe que conferiu mais agilidade na produção ao mes-
mo tempo em que barateou os custos. Naquele mesmo tempo
institui-se o sistema de transmissão via satélite, empregando a
tecnologia de micro ondas, e as emissoras passam a operar em
rede, com programas sendo transmitidos para diversos pontos
do país simultaneamente, bem como são registradas as primei-
ras tentativas com a TV em cores.
Mas as movimentações, compostas de mudanças e in-
clusões, propiciadas pelos novos aparatos tecnológicos aca-
bam implicando também em inovações nas estruturas nar-
rativas, como resultado de associações com transformações
socioculturais da vida cotidiana, antevistas em um de seus
exemplos mais marcantes a telenovela Beto Rockfeller2, sen-
do que as alterações se propagam por todos os gêneros tele-
visivos de então redundando em programas experimentais,
e atingindo de forma especial os telejornais.
Desde então, o desenvolvimento de novos formatos de
programas televisivos se torna uma preocupação constante, ca-
minhando em paralelo com a própria evolução da tecnologia e

2. Em Beto Rockfleller (1968), os diálogos passaram a ser mais coloquiais, diferente do tom
adotado pelas novelas de anteriores. Passaram a ser utilizadas gírias e a direção dos atores
ficou mais solta. É nesse período que acontece uma busca pela nacionalização da dramaturgia,
renovação que se concretiza com a novela Antônio Maria, de Geraldo Vietri e Walter Negrão,
em 1968, e Beto Rockfeller no mesmo ano. Na novela Antônio Maria vivia-se uma evolução,
já que não haviam carruagens, bosques, ciganos – típicos das novelas de Magadan, e sim um
cenário urbano real. “O sucesso de Antônio Maria trouxe a conscientização de que existem
novas fórmulas para se contar uma história de amor. Quatro meses depois veio a confirmação
do que se previa, com a chegada do bicão Beto Rockfeller. Era a ousadia de se investir no anti-
herói. A Tupi, sob a superintendência de Cassiano Gabus Mendes, acertava em cheio. Estava
plantada a reformulação da telenovela brasileira” (FERNANDES, 1997, p. 69).

138
Olhadinhas e visualidades

com o uso de novos equipamentos, o que vem ocorrendo sem


interrupções e cujo maior paradigma na contemporaneidade se
materializa na convergência digital.
Na década de 1970 são efetivadas as transmissões em
cores, passam a predominar programações com forte apelo
popular e se amplia a quantidade de programas jornalísticos
de abrangência nacional, em detrimento do jornalismo local
ou mesmo regional que passa a ocupar espaço mínimo nas
grades de programação.
Durante os anos 1980, registra-se uma modificação im-
portante no tipo de conteúdo veiculado nos programas jorna-
lísticos, com maior participação dos assuntos relacionados à
política, e com o abrandamento da censura do governo militar
a assinalar o que era chamado de abertura gradual, culminando
com o destaque ao movimento em favor das eleições diretas.
Como consequência do final do regime ditatorial e a vigência
constituição de 1988 temas até então negligenciados voltam a
ocupar espaços no jornalismo televisivo brasileiro. Concomi-
tantemente aumenta de forma considerável a quantidade de
concessões de emissoras outorgadas pelo governo da chamada
Nova República, chegando quase que dobrar o número de es-
tações de TV no país, segundo dados da Federação Nacional
dos Jornalistas (FENAJ).
Em prosseguimento, os anos 1990 são indicativos de mais
concorrência entre as emissoras, em busca de maiores índices de
audiência e, em decorrência, crescimento de anunciantes e de fa-
turamento, muito embora, a hegemonia da rede líder apenas seja
superada em episódios isolados. Surgem também naquela época
as emissoras que transmitem em frequência UHF e os sistemas
de TV por assinatura, produzindo alterações no quadro de atu-
ação da televisão no Brasil. Junto a isso tudo, muda o panorama
da programação, banalizando-se a maioria dos conteúdos com
um predomínio mais destacado de programas sensacionalistas.

139
Mídia e política: observações e críticas

Na área jornalística, têm origem nos anos 1990 progra-


mas que refletem a atribuição de um grau maior de importân-
cia à violência nas áreas urbanas, como é o caso do pionei-
ro Aqui e Agora do SBT, vindo depois Cidade Alerta, Brasil
Urgente, Programa 190, e outros do gênero, que indicam a
existência de uma visualidade diferente, baseada numa ma-
neira peculiar de olhar a sociedade, ainda que sob um ângulo
autoritário e ponto de vista das camadas sociais hegemônicas.
Agora, do ano 2000 em diante, configura-se a era da
programação marcada, entre outras coisas, pelos reality-sho-
ws inserindo novo tipo de visualidade privilegiadora de certo
voyeurismo que se aproveita de brechas mercadológicas exis-
tentes na audiência. É implantado o sistema de TV digital e
se intensifica a convergência midiática por meio da integração
da televisão com a internet e outras plataformas, dando for-
ma mais ou menos instável ao panorama televisivo, diante da
perspectiva de evolução cada vez mais rápida de tecnologias
emergentes e inovadoras.

NOVO CENÁRIO
O fenômeno da convergência na mídia faz parte de
uma vasta conjuntura que apresenta matrizes importantes
inicialmente no campo econômico e depois derivando para
o plano político e, finalmente, para o plano cultural, não ne-
cessariamente nesta ordem quando englobam a produção e
transmissão de múltiplas visualidades televisivas.
Essas facetas também devem ser levadas em conta quan-
do se estuda a produção jornalística na contemporaneidade,
junto com seu embasamento como prática social e as rotinas
técnicas que balizam o fazer profissional que o caracteriza.
Avaliações recentes indicam com alguma segurança que o jor-
nalismo passa por um processo contínuo de transformação.

140
Olhadinhas e visualidades

Neste sentido, uma característica diferente se institui


concomitantemente com ações inclusivas de novas tecnologias
e diferentes formas de relacionamento entre o público e a mí-
dia, e até mesmo entre as pessoas, levando à necessidade de
alterações na prática produtiva do telejornalismo. O que an-
tes era feito com a captação de imagens externas unicamente
por meio de gravações, ou entradas ao vivo com atuação das
unidades móveis integradas por equipamentos em quantida-
de, envolvendo automóveis, câmeras, antenas de transmissão,
cabos, etc., o famoso link, e no estúdio com apresentadores
em bancadas falando de maneira direta com o telespectador,
passa por mudanças, determinadas basicamente por esses dois
fatores: tecnologia e busca por novas formas de relação com
o público. O resultado alcançado se materializa em diferentes
formatos de programas jornalísticos televisivos.
Os formatos mais originais de programas jornalísticos
sejam os noticiários, programas de entrevista, ou qualquer
outro, se produzem também mediante a introdução de no-
vos elementos informativos, como os infográficos, anima-
ções, imagens de simulações elaboradas em computador, o
recurso da câmera escondida, além de imagens captadas e
enviadas por telespectadores, usando câmeras domésticas
ou os telefones celulares.
A participação do público na captação e envio de ima-
gens que são aproveitadas na produção telejornalística deli-
mita, igualmente, até mesmo um novo modus operandi do
telejornalismo nos grandes conglomerados midiáticos tele-
visivos. Com isso abre-se espaço para maior aproximação
com a sociedade, uma vez que qualquer pessoa pode ver
material produzido por ela própria ser apresentado em rede
nacional. Anteriormente, até alguns anos atrás, isto seria im-
pensável, dentro de um modelo de produção no telejorna-
lismo que privilegiava um “padrão de qualidade” cultivado

141
Mídia e política: observações e críticas

de antemão o qual descartava, de imediato, imagens que por


questões estéticas, ou de falhas operacionais, não estives-
sem dentro do modelo esperado. Um exemplo marcante e
recorrente é quando algumas imagens, mesmo sem uma ni-
tidez absoluta, acabam sendo usadas para transmitir algo
considerado de importância por profissionais responsáveis
pelo programa telejornalístico. Neste caso, o acontecimento
é noticiado e se coloca em evidência a identidade do pro-
dutor das imagens, ou seja, de uma maneira ou de outra, o
cidadão comum adquire visibilidade junto com o material
que produziu, formatando um dos tipos de visualidade pre-
sentificados nos telejornais, num fenômeno surgido muito
mais em consequência das possibilidades diferenciadas que
têm como ponto de partida as novíssimas tecnologias, do
que propriamente de uma predisposição a atitudes de aber-
tura de espaço pelas empresas ou profissionais da mídia.
A reafirmação dessa prática, como um “novo” jornalis-
mo televisivo parece, a princípio, pouco consistente porque di-
versos fatores agem na permanência de características arcaicas,
entre os quais a manutenção dos monopólios da informação
por parte das grandes corporações midiáticas, que não deixam
de utilizar as tecnologias de ponta, aliás muito mais acessíveis a
esses grupos sempre muito bem equipados e estruturados nas
áreas de capital e recursos materiais e humanos.
Nas últimas décadas empresas midiáticas de porte, in-
cluídas algumas dos ramos da informação e do entreteni-
mento, da área das telecomunicações e da informática, prin-
cipalmente, formalizam uniões, firmando contratos ou se
fundindo para atuar em conjunto. Episódios dessa natureza
significam que passa a haver um comprometimento à demo-
cratização da comunicação praticada de modo mercantil por
essas companhias, assim como à participação de diferentes
segmentos sociais e culturais nesse processo.

142
Olhadinhas e visualidades

Nesse novo contexto das visualidades telejornalísti-


cas, observa-se que o agente social que antes restringia sua
posição apenas como integrante de um público identifica-
do por números relativos a índices de audiência, agora já
assume um lugar em que pode ser considerado, ao mesmo
tempo, como visualizador e visualizado, na medida em que
presencia, registra e envia imagens, e informações comple-
mentares a respeito do acontecimento registrado, que são
apresentadas como parte integrante de um programa jorna-
lístico de televisão. Contudo, essa possibilidade se limita a
uma quantidade muito pequena de indivíduos, se conside-
rarmos toda a extensão do público abrangido pela grande
mídia nacional, ou mais ainda no âmbito transnacional.
Em todo caso, mesmo que intuitivamente, com base
em observações oriundas de suas experiências como es-
pectadores, estes novos produtores de informação que atu-
am em conjunto com os profissionais midiáticos, acabam
aplicando alguns conhecimentos ainda que rudimentares
de condições e critérios de noticiabilidade, à escolha de te-
máticas de interesse público, não obstante estejam somente
reproduzindo aquilo que é realizado nas rotinas e proce-
dimentos usuais de produção jornalística, e essas fórmulas
características do modo de produção envolvam sempre op-
ções feitas entre uma profusão de temas, assuntos e aconte-
cimentos e não sejam muito claros os métodos orientadores
que balizam as alternativas entre diferentes possibilidades.
Diante dessa nova realidade, já há aqueles que se apres-
sam em classificar essa prática jornalística na televisão como
jornalismo participativo, ou colaborativo, só porque um ele-
mento anteriormente fora do processo passa a fazer parte na
elaboração e consecução do produto jornalístico finalizado e
levado ao ar. Entretanto, esse novo produtor continua sendo
um elemento estranho dentro das atividades jornalísticas cor-

143
Mídia e política: observações e críticas

riqueiras, aparecendo vez ou outra, mas permanecendo como


alguém de fora a quem se dá a oportunidade de atuar junto
porque oferece algo em troca dessa atuação.
Em que pesem diferenças, inclusões e exclusões, re-
petições de um modo de produção específico, ou inovações
advindas de necessidades identificadas, o telejornalismo co-
laborativo, participativo, ou seja lá o nome que receba, con-
tinua fundamentado na determinação do que deve ser mos-
trado, e da maneira como aquilo que é mostrado deve ser
visto pelo público. Neste sentido, a visualidade é impositiva,
pois mesmo que se permita a elementos de fora apresentarem
imagens, informações, opiniões e valores próprios, isso tudo
é transmitido segundo um jeito de olhar, conforme pontos
de vista provenientes dos segmentos sociais hegemônicos, os
quais representam as esferas de poder da forma como estão
instituídas na sociedade. Também por isso, a tecnologia cria-
dora de visualidades particulares do atual contexto onde se
insere o telejornalismo, juntamente com a decantada conver-
gência midiática digital, a interatividade, o colaborativismo e
outros conceitos etéreos, não garante um efetivo jornalismo
televisivo mais democrático.

CONVERGÊNCIA, PODER E DEMOCRACIA


A configuração da nova mídia coloca o telejornalis-
mo contemporâneo inevitavelmente dentro do processo da
propalada convergência digital. Dessa forma é possível ad-
mitir que o chamado webjornalismo inclui o telejornalismo,
e vice-versa, tanto que os mesmos conteúdos produzidos e
transmitidos nos noticiários e outras modalidades de pro-
gramas jornalísticos das emissoras de sinal aberto podem
ser acessados nas páginas da rede mundial de computado-
res. Praticamente tudo o que se vê na TV também pode ser

144
Olhadinhas e visualidades

visto de modo on-line, repetindo visualidades ainda que em


suportes diferenciados, mas cujo modo de produção empre-
gando recursos de alta tecnologia não impede sua impreg-
nação de valores, avaliações, pontos de vista e opções de-
terminados pelas relações de poder vigentes no meio social.
Não importa se as imagens de fatos, acontecimentos,
situações, são captadas por equipamentos profissionais de úl-
tima geração, ou por modestos celulares, e repassadas pela
internet para uma emissora de televisão e depois distribuídas
no ciberespaço em sites, blogs, ou páginas de redes sociais, se
não for instituído por meio delas um efetivo diálogo público.
Sem que se alternem os sujeitos a quem é dada a oportunida-
de de se expressar na mídia, e sem que sejam alternadas tam-
bém as visões de mundo, ou os “olhares” sobre as coisas, nos
parece que tão somente a convergência processada de forma
inexorável é insuficiente para tornar o próprio jornalismo,
como atividade profissional de relevância social, mais demo-
crático do que era antes dessas transformações tecnológicas.
Por isso é essencial estudar o jornalismo e sua práti-
ca, sobretudo em suas dimensões cultural, política e social,
para esclarecer e conhecer melhor o papel que lhe cabe, assim
como aos profissionais que nele atuam, a fim de que contri-
bua eficazmente para a democratização da vida em sociedade,
em termos de informação, conhecimento e práticas cidadãs.
Esse quadro abrange de modo global o atualíssimo
telejornalismo digital, ou quem sabe possamos denominá-lo
de telewebjornalismo, com suas visualidades aparentemente
plurais, desvendando-se como a oportunidade de participa-
ção igualitária e democrática esperada com ansiedade, mas
que ao mesmo tempo corre o sério risco de manter-se con-
tinuamente como resultante de práticas atrasadas.
A despeito dessa ambiguidade contraditória, o debate
e a reflexão crítica a respeito dessa prática ao menos dife-

145
Mídia e política: observações e críticas

rente, que se processa no telejornalismo, estão permeados


pelas experimentações identificadas no dia-a-dia do exercí-
cio profissional colocando no horizonte uma probabilidade
de se chegar a um jornalismo potencialmente mais demo-
crático. Algo inédito que não se pode deixar de enfatizar
é a maior facilidade tanto na produção como na emissão e
na circulação dos conteúdos jornalísticos não mais restri-
tos aos grandes e mais tradicionais veículos de comunicação
que configuram a mídia televisiva.
Outro ponto fundamental liga-se ao modelo de fun-
cionamento da mídia, que permanece inalterado apesar das
transformações tecnológicas e da convergência, em sua
grande parte como corporações empresariais (grandes redes
de televisão) cujos braços se estendem também para a inter-
net e outros suportes. E a produção telejornalística não foge
das limitações impostas por este modelo, sendo pautada em
muitos momentos pela competição concorrencial e deixan-
do de ser o serviço público essencial de que a sociedade
necessita, uma vez que o sistema de implantação dos canais
de televisão obedece ao preceito de concessão pública. O
telejornalismo, assim, deixa de atuar como um instrumento
de consolidação do espaço público, pois apesar da plausível
condição de diversificar sua produção e as visualidades pro-
jetadas o faz com a manutenção dos velhos olhares.
A participação do cidadão comum, produzindo ima-
gens e textos verbais complementares, as encaminhando a
um canal de televisão para veiculação, ou as colocando na
internet se constitui, até certa medida, em uma real media-
ção promovida pela tecnologia, e desemboca também numa
nova forma de perceber a comunicação e agir diante dela
como posturas mais proativas. Todavia, isto somente se re-
fletirá em favor de mais pluralidade se não reproduzir os
olhares hegemônicos dos segmentos detentores de poder na

146
Olhadinhas e visualidades

sociedade, permitindo o pulsar dos contrapontos com força


pelo menos em nível aproximado com os pontos de vista
que sempre dispõem de espaço na mídia.
Avaliações apressadas podem conduzir à ideia de que a
tecnologia cada vez mais acessível é capaz de resolver todas
as dificuldades da comunicação em geral e do jornalismo em
particular, ampliando-se ainda mais no caso do telejornalis-
mo e suas ricas visualidades pictóricas, revestidas de toques
de realidade. Não é difícil verificar, no entanto, a diferença
de importância atribuída aos vários agentes sociais a partir
da presença maior ou menor destes no vídeo dos progra-
mas jornalísticos da televisão brasileira. Tanto faz o assunto
do material jornalístico, seja na reportagem política sobre as
eleições municipais recentes, seja nas imagens de assassina-
tos em série na periferia das grandes cidades, nas matérias
esportivas sobre o campeonato nacional de futebol, ou nas
informações sobre a alta de preços nos supermercados, em
denúncias sobre atendimento precário em unidades de saúde,
ou na tragédia de acidentes rodoviários, em todas essas si-
tuações aparecem personagens protagonistas e coadjuvantes,
mas os graus de relevância social dados a cada um não são
iguais. Basta constatar a frequência com que cada um aparece,
os ângulos e enquadramentos usados na transmissão de suas
imagens, o tempo de fala concedido, as fontes consultadas,
os especialistas que complementam e comentam as informa-
ções, os cortes e emendas de edição, entre tantos elementos
audiovisuais do material veiculado.

TELEVISUALIDADES JORNALÍSTICAS EM REDE


A noção de rede aqui se refere de modo geral tanto às
redes de televisão formadas por várias estações que transmi-
tem em sinal aberto, como à rede mundial de computadores

147
Mídia e política: observações e críticas

– WEB – onde material telejornalístico é facilmente acessado.


Todo o conteúdo no jornalismo televisivo que pode ser
visualizado, em alguma medida apresenta características que
permitem à televisão fazer o que Bourdieu chamou de “ocultar
mostrando”. Segundo ele, de forma paradoxal a televisão pode
mostrar algo diferente do que seria preciso mostrar no caso
de fazer o que deveria, ou seja, informar (BOURDIEU, 1997).
Há dois enfoques interessantes nessa ideia. O primei-
ro que enfatiza o fato de no telejornalismo serem mostrados
aspectos da realidade, ou um determinado recorte, enquanto
outros são deliberadamente ou não ocultados, pois sequer
são mencionados, não por negligência, mas por escolha. E
o segundo, que demonstra o descarte de um acontecimen-
to, de uma notícia ou ocorrência em função da necessidade
de dar espaço para outro material jornalístico ao qual se
atribui maior importância, de acordo com os critérios de
“noticiabilidade” empregados. Aí, entram como balizadores
do fazer jornalístico, os procedimentos rotineiros e técnicas
de produção, utilizados às vezes acriticamente pelos profis-
sionais, e também as regras operacionais ditadas pelas em-
presas jornalísticas.
Em função disso também, embora vigore a visão so-
bre uma sociedade em rede, pretensamente mais igualitária
e onde existe ampla liberdade de comunicação, na prática,
verifica-se que persistem as ações das megacorporações da
mídia, que puxam para si o poder de decisão sobre o que deve
ser produzido em termos de conteúdos comunicacionais e
de informação, incluindo também os suportes digitais, com
ênfase à TV e à web com seus portais repletos de materiais
jornalísticos, de entretenimento, de ficção e demais gêneros.
Não é por acaso que os conteúdos jornalísticos já são
colocados no mesmo nível das commodities dentro do pa-
norama econômico mundial, o que implica em as empresas

148
Olhadinhas e visualidades

de comunicação se voltarem ao desenvolvimento de estra-


tégias as mais variadas para prender a atenção do público,
além de outras com a finalidade de agregar valor aos seus
produtos simbólicos, oferecidos a audiências numerosas e
vorazes. Deste modo, tornou-se frequente ouvirmos falar em
fragmentação do público, ou ainda em audiências específicas,
como indutores de novos modelos de negócios, indicantes de
exigências a serem satisfeitas, e de desenvolvimento de novas
ferramentas de comunicação e informação.
Como consequência, criam-se novas demandas de mer-
cado, entre as quais se identificam visualidades representa-
tivas das manifestações socioculturais emergentes, tanto no
âmbito dos conglomerados midiáticos, como nas iniciativas
individuais ou dos microgrupos de comunicação.
Com a perspectiva de sempre mais recentes e contí-
nuas necessidades, o jornalista de agora precisa dominar
o conhecimento acerca de novas e cambiáveis tecnologias.
Tem que saber manejar ferramentas reais e virtuais antes
inimagináveis, empregadas para a realização de seu traba-
lho especializado em suas diversas etapas, desde a apuração
de informações, passando pelo contato direto ou indireto
com as fontes, sejam pessoais, documentais, ou de outros
tipos (envolvendo aí vários problemas inclusive no campo
da ética), a pesquisa de temas importantes, a seleção de
dados apurados, a organização desses dados, a redação de
textos, edição de textos, sons e imagens, e a difusão do ma-
terial jornalístico finalizado, só destacando as etapas prin-
cipais do processo produtivo.
Por conseguinte, novas competências e habilidades se
exigem do profissional atuante no jornalismo. Ele precisa
ser dotado da capacidade de desenvolver as aptidões e ta-
lentos estabelecidos para o perfil correspondente ao mundo
da convergência digital, sobretudo porque a combinação de

149
Mídia e política: observações e críticas

tecnologias de ponta já implantadas com êxito e as ainda em


fase de experimentação permite o cruzamento de diversos
métodos de produção.
Dessa maneira, a convergência midiática digital permi-
te e estimula o uso simultâneo de recursos e ferramentas de
áreas anteriormente distintas como a televisão, a informáti-
ca, as telecomunicações com rádio e telefone, a engenharia
e a eletrônica, entre outras, conformando a comunicação
multimidiática, que vem atender novas demandas sociais
e novos mercados, trabalhando no caso do telejornalismo
com visualidades associadas às expectativas da sociedade e
aos novos modos de vida.
Mas, apesar de todo o aparato tecnológico, da espe-
cialização dos profissionais a oferecer conhecimento e as
condições de domínio e emprego de tudo o que existe de
mais moderno e sofisticado na parafernália técnica, ainda são
mantidos modos de produção que reproduzem e reafirmam
relações de poder no jornalismo. Uma manifestação disso na
televisão é a transformação dela própria em pauta de seus
noticiários, com reportagens sobre novos programas, novas
novelas, ou ainda na abordagem de assuntos partindo do que
ocorre ficcionalmente num capítulo da trama novelística, pela
transposição para o cotidiano.
Vale indagar, então, porque seria importante a tele-
visão veicular temas sobre si mesma em visualidades des-
tinadas ao público? Kilpp ajuda a responder parcialmente,
demonstrando que “ao assumir sua própria programação e
seus negócios como teor, a TV mostra a natureza de suas
imagens” (KILPP, 2008).
Televisão associada à mídia impressa, principalmente
revistas, sites, blogs, portais, rádio convencional ou webrádio,
tudo ao mesmo tempo e agora, representa certa saturação in-
formativa e de pressuposto conhecimento acerca do mundo.

150
Olhadinhas e visualidades

Entretanto, até mesmo com a convergência digital, a impres-


cindível função de mediação social pleiteada para a prática
jornalística desvanece com a manutenção de determinadas
particularidades, como a prerrogativa da escolha de fontes
para apuração das informações, a opção por certo enfoque
para a notícia ou reportagem, o poder de se dizer o que é ou
não de interesse público, a escalação deste ou daquele espe-
cialista para complementar a abordagem do assunto, as ima-
gens escolhidas para mostrar ao público mediante sua forma
de captação e edição, a observação e aplicação de conceitos
pouco debatidos como os conhecidos critérios de noticiabili-
dade em conformidade aos princípios da teoria da produção
da notícia (TUCHMAN, 1983; TRAQUINA, 2004).
Todos esses aspectos que, de certa forma, deixam ante-
ver como se materializa concretamente o fenômeno da con-
vergência midiática detectando sua abrangência no jornalismo,
nos colocam diante da necessidade de avaliarmos então as ma-
neiras como se efetivam as mutações da atividade jornalísti-
ca, as quais refletem os novos desafios e novas prioridades de
conhecimento, qualificação e capacitação, em suma, a própria
formação indispensável para o exercício profissional.
Em meio a esta paisagem de inspiração do jornalismo
convergente contemporâneo, um ponto capital é a análise e
discussão conceitual a respeito das transformações impingi-
das pelo emprego de alta tecnologia e sua gradual popula-
rização como elemento que, por si só, presumidamente faz
resultar na efetiva democratização da comunicação em geral
e em particular da comunicação jornalística.
Segundo a teoria da convergência, esse verdadeiro
“prodígio” da pós-modernidade se conforma como uma al-
ternativa que transfere o poder para aqueles que consomem a
mídia, pois o foco sairia do meio e se voltaria para a mensa-
gem (BARBOSA; CASTRO; TOME, 2005).

151
Mídia e política: observações e críticas

Um dos principais argumentos é que a convergência


seria uma das principais ferramentas da democratização dos
meios, considerando a noção de “mídia social” estruturada
a partir das manifestações culturais e de práticas educativas,
o que geraria a efetivação de uma verdadeira democracia no
espaço cibernético.
Como princípio básico, a ideia parece interessante,
não fora o fato de que há, e tudo indica que continuará ha-
vendo, uma desigualdade brutal entre os diversos meios que
integrariam a denominada mídia social e os grandes conglo-
merados de comunicação que utilizam com muita compe-
tência e com abundância de recursos tudo o que integra o
ciberespaço, e ainda mantêm redes de comunicação eletrô-
nica e impressa paralelas como, por exemplo, as emissoras
de sinal aberto, os canais de transmissão fechada a cabo ou
satélite, as revistas e jornais de grande circulação.
As relações de poder são, portanto, muito desiguais,
bem como não ocorrem em igualdade de condições à ca-
pacidade de competição, apesar de a denominada mídia
social poder em ocasiões pontuais exercer influência e mu-
dar posicionamentos coletivos, e no caso das visualidades
apresentar imagens sob o olhar contrapontual de segmen-
tos sociais não hegemônicos, porém não como regra e sim
como exceção.
Neste sentido, o telejornalismo faz parte integrante dos
recursos utilizados pela televisão de se pronunciar sobre o
que ela mesma faz, instituindo visualidades que apresentam
formas de se ver aquilo que obrigatoriamente se deve ver,
culminando com a participação da TV na “instituição imagi-
nária de sociedades e culturas” (KILPP, 2008).
Para finalizar as multíplices visualidades que atingem o
telespectador diariamente por meio do telejornalismo se ma-
nifestam em personagens reconhecidos por seu desempenho

152
Olhadinhas e visualidades

profissional aos quais se confere certa aura, e também em


outros que aparecem com menos frequência, aos quais nem
sempre se lhes atribui o mesmo reconhecimento.
São imagens vislumbradas em pessoas, objetos os mais
variados, cores e vinhetas audiovisuais, animações e gráficos.
Visualidades telejornalísticas distinguidas com facilidade pelo
público, como a vinheta que anuncia a ocorrência de algum
fato muito importante, onde só a trilha sonora já remete o
telespectador à expectativa do que está para ser anunciado.
Outros componentes dessas visualidades correspon-
dem às imagens de âncoras, apresentadores, entrevistado-
res, comentaristas, em bancadas e cenários (reais ou virtuais)
enunciando com autoridade informações, opiniões, juízos
de valor, perguntando ou respondendo questões formula-
das como fundamentais para esclarecer, denunciar, endos-
sar, dar a conhecer, etc.
Nesse quadro, um capítulo à parte pode ser reservado
para o trabalho de repórteres em atividade de campo cobrin-
do desde acontecimentos banais, até eleições presidenciais,
guerras e conflitos ou competições esportivas, nascimentos
e velórios de celebridades. Em alguns casos, o profissional
deixa de ser simples enunciador de um relato jornalístico e
assume posição de personagem, protagonizando a reporta-
gem. A participação que a priori seria restrita a narrações
em off, e passagens com aparições formais para marcar a
mudança de um bloco informativo para outro, é realizada
performaticamente sobretudo durante as passagens.
A concepção da reportagem no formato de uma histó-
ria leva à necessidade de explorar personagens, humanizando
a narrativa, envolvendo por meio das imagens e texto verbal,
e contribuindo com apelos emocionais que trazem o espec-
tador para mais próximo. A aproximação produz a sensação
de mais participação, de vivência conjunta, de identificação.

153
Mídia e política: observações e críticas

Assim, as visualidades telejornalísticas na sociedade


contemporânea se processam num contexto multifacetado,
fundadas nas relações de poder inerentes ao próprio sistema
social, nos procedimentos técnicos marcantes das rotinas de
produção, nas expressões das raízes mais profundas da cul-
tura e das novas expectativas e reposicionamentos econômi-
cos, políticos e sociais reencaminhados pelas tecnologias de
ponta e posicionamentos cambiantes de grupos e indivídu-
os que alternam protagonismos e coadjuvâncias.

REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1997.
FERNANDES, Ismael. Memória da Telenovela Brasileira. São Pau-
lo, Brasiliense, 1997.
KILPP, Suzana. Audiovisualidades do voyeurismo televisivo:
apontamentos sobre a televisão. Porto Alegre: Zouk, 2008.
SOMMA NETO, João. Ações e Relações de Poder: a construção da
reportagem política no telejornalismo paranaense. Curitiba: EDUF-
PR, 2007.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo: porque as notícias
são como são. v. 1. Florianópolis: EdUFSC, 2004.
TUCHMAN, Gaye. La producción de la noticia. Ciudad de Méxi-
co: Ediciones G. Gilli, 1983.

154
Políticos na mídia
uma análise da visibilidade e visualidade da classe
política no jornalismo televisivo brasileiro
Marcos Mariano1

INTRODUÇÃO
A percepção de um público informado, que passe a
avaliar de maneira mais crítica uma classe política nem me-
lhor ou pior do que a do passado, vai de encontro com o
senso comum, para o qual há uma decadência dos gover-
nantes. Miguel (2008) afirma que os grandes nomes da his-
tória contrastam-se aos fracos líderes da atualidade. O povo
confiava nos políticos confiáveis do passado e desconfia
dos atuais que são inconfiáveis.
Torna-se necessário, então, entender por que a quali-
dade da elite política piorou. Para Lasch (1995), ocorreu um
distanciamento entre as elites em geral e o povo (incluin-

1. Mestrando em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em


Comunicação Social – Jornalismo pelas Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil).

155
Mídia e política: observações e críticas

do a política), devido à perda do sentido de comunidade e


de patriotismo, bem como à concomitante ampliação dessa
interação política global no campo não hegemônico. Lash
(1995) atribui a diminuição do sentido de pertencimento
a um local que vinculava a elite à massa e fazia com que a
primeira se sentisse obrigada a servir, de alguma maneira,
à segunda; em seu lugar, impõe-se o multiculturalismo, “um
bazar global em que as culinárias exóticas, as roupas exóti-
cas, a música exótica e os costumes tribais exóticos podem
ser saboreados indiscriminadamente, sem que se façam
perguntas ou se exijam compromissos” (LASCH, 1995, p.
14). Este processo denota como a globalização exerceu, de
um lado, um efeito complexo – devido à exoticidade; e, por
outro, um efeito reducionista, por diagnosticar a ausência
do sentido de coletividade.
O que o autor quer mostrar é a falta de compromissos.
As elites atuais se descomprometem das comunidades a que
antes estavam vinculadas. A posição de Lasch (1995), consi-
derando-se ser da esquerda estadunidense, é extremadamente
conservadora – ele chega a apontar a emancipação feminina
e a dessegregação racial dos bairros como parte do problema.
Mas encontra repercussões na obra de um autor “progressis-
ta” como Bauman (1998), que anota como as “elites extra-
territoriais cada vez mais globais” se distanciam do “restante
da população, cada vez mais ‘localizada’” (BAUMAN, 1998,
p. 09). O foco de Bauman (Ibid.), porém, não é a decadência
das elites e sim, a ampliação da desigualdade social. Já na nar-
rativa de Lasch (1995, p. 116), a mídia não ocupa um papel
determinante, ainda que sejam dedicadas algumas páginas à
denúncia da televisão como maior propagadora do “cinismo
que sempre esteve no mercado” (Ibid.).
“As pessoas não confiam nos políticos.” Essa frase
de Voltaire foi escrita no século XVIII, mas continua ex-

156
Políticos na mídia

pressando algo que se aproxima do senso comum do século


XXI devido a uma percepção negativa dos políticos ainda
estar presente quando o assunto entra em pauta – tanto em
países ricos ou pobres – em velhas ou novas democracias.
A mídia é vista, por alguns autores, como uma “arma na
controvérsia política” desde o seu surgimento (MARBUT,
1971, p. 15). Para outros, a mídia é mais um elemento que
confere liderança aos atores políticos, como destaca Cook
(1986, p. 203-204). Em ambas as análises, a mídia é vista
como um instrumento e, de certa forma, como uma esfera
que compete com a política na distribuição de poder entre
os atores sociais.
Desde que surgiu na década de 1950 no Brasil, a tele-
visão passou a ser o meio dominante de comunicação e se
caracterizou como um dos principais instrumentos de infor-
mação, acesso às informações e acontecimentos da socieda-
de. O artigo não considera outros veículos de comunicação
como o rádio, por exemplo, predecessor da TV no que se re-
fere às visualidades, mas este veículo proporciona, por meio
da voz dos locutores significados e sentidos, que juntamente
com a sonoplastia e a música funcionavam como promotores
da formação de imagens nas mentes dos ouvintes. Porém,
foi a televisão que revolucionou a percepção do mundo, em
especial do mundo social e, dentro dele, da atividade políti-
ca – e ocupa uma posição cada vez mais destacada na vida
de seus espectadores. Meyrowitz (1985) afirma que a mídia
eletrônica, sobretudo a TV, “rompeu a segmentação de públi-
cos própria da mídia impressa e contribuiu para redefinir as
relações entre mulheres e homens, crianças e adultos, leigos
e especialistas”. Meyrowitz (1985) assegura que a televisão
aprofundou as transformações no discurso político, de certa
maneira, unindo o sentimento de intimidade transmitido pelo
rádio, com o apelo imagético próprio do cinema.

157
Mídia e política: observações e críticas

Bourdieu (1997) mostra ser a busca pelos índices de au-


diência a causadora de um fechamento mental, uma censura
nos profissionais; e que a concorrência entre os jornalistas e/
ou telejornais gera restrições. Os anunciantes e suas influências
sobre os produtos veiculados na televisão afetam o conteú-
do da informação, tornando o noticiário homogeneizado. Isso
porque a censura econômica é que exerce maior pressão na te-
levisão pelas concorrências por fatias desse mercado e também
por não haver autonomia de um órgão de difusão, medido por
sua receita proveniente das publicidades e da ajuda do Estado.
A televisão tem entre suas outras características, segun-
do Bourdieu (1997), a capacidade de “ocultar mostrando”, ao
exibir uma coisa diferente do que seria necessário ou apresen-
tando o que é preciso, mas de tal maneira que não é mostrado
ou se torna insignificante (BOURDIEU, 1997, p. 24). Outra
característica seria o “efeito do real”, pois faz crer a partir do
que se vê. Nesse sentido, o uso ordinário da televisão é peri-
goso pela imposição de visões do mundo que desencadeiam
sentimentos fortes, muitas vezes negativos (racismo, xenofo-
bia, preconceito) e nessa busca pelo sensacional, e guiados pela
exigência do mercado, os jornalistas criam o “extraordinário
ordinário”, pois “os jornalistas, grosso modo, interessam-se
pelo excepcional, pelo que é excepcional para eles. O que pode
ser banal para outros poderá ser extraordinário para eles ou ao
contrário” (BOURDIEU, 1997, p. 26). Portanto, a lógica ima-
gética que norteia o jornalismo na televisão não deixa de incluir
uma busca pelo sensacional – aquilo que foge do comum.

VISIBILIDADE E VISUALIDADE
A visibilidade que a televisão proporciona é a condição
essencial para a disputa política nas atuais sociedades contem-
porâneas. Gomes (2004) ressalta que a democracia amplia a

158
Políticos na mídia

centralidade da esfera pública e das eleições. Isso diminui a for-


ça do que o autor chama de “política obscura” – aqueles “acer-
tos” nos bastidores e gabinetes legislativos que constituem
“lugares e situações de publicidade como aqueles da decisão
política autêntica e, posteriormente, legal” (GOMES, 2004, p.
263). Já Miguel e Biroli (2010a) acreditam no fato de a mídia
ser um elemento essencial na definição dos acontecimentos,
opiniões, posições e atores que alcançarão a visibilidade. Para
os autores, os meios de comunicação são percebidos ao mesmo
tempo como fonte e índice de capital político. Baseando-se em
critérios de normas e valores, que podem ser da empresa ou do
próprio profissional, e levando-se em conta, também, critérios
de noticiabilidade pensados na fatia do mercado da audiência e
até mesmo na espetacularização, isso pode definir o que é no-
ticiável e quem compõe a notícia. Os autores acreditam que os
meios de comunicação (no caso o jornalismo) conferem distin-
ção à medida que tornam visíveis determinadas personagens.
Ao mesmo tempo, a visibilidade e a “constatação”, pelo jor-
nalismo, de distinções e competências definidas com base em
normas, valores e hierarquias que regem o campo da política e
que os meios de comunicação absorvem (MIGUEL; BIROLI,
2010c, p. 697). Dessa forma, nota-se o acordo tácito existente
entre o jornalista e os atores políticos, bem como a busca e o
compartilhamento de um código comum.
Segundo os autores, os meios de comunicação de massa
“ecoam nos discursos parlamentares, têm impacto na forma-
ção da agenda legislativa e fazem às vezes de fórum de discus-
são para as elites políticas” (MIGUEL; BIROLI, 2010b, p. 2-3).
Para eles, a visibilidade midiática é um componente importante
na produção do capital político, pois contribui para ampliar
ou reduzir as oportunidades do ator, interferindo nas carreiras
políticas, conforme ressalta Bourdieu (1997). Além disso, a mí-
dia tem forte impacto “sobre a compreensão que os cidadãos

159
Mídia e política: observações e críticas

comuns têm da política e do comportamento de atores especí-


ficos” (MIGUEL; BIROLI, 2010b, p. 2-3). Por esse motivo, os
autores completam (Ibid.) que a gestão da imagem pública, isto
é, a gestão da visibilidade pessoal na mídia, é uma preocupação
central e permanente dos atores políticos, que não se limita aos
períodos de competição eleitoral.
A disputa por visibilidade, portanto, é uma das prin-
cipais estratégias políticas na era da comunicação de massa,
inclusive nos períodos não eleitorais (WEBER, 2007; GO-
MES, 2004). A questão é que, para conseguirem visibilidade,
os atores políticos precisam enfrentar o poder dos próprios
jornalistas sobre a atividade informativa e a definição dos cri-
térios de noticiabilidade.
Se o poder, na formulação de Weber (2007, p. 25), con-
siste na capacidade do sistema de dar visibilidade as suas ver-
sões e contagiar as demais redes de comunicação a repercutir
e mobilizar a opinião pública em torno dos temas que lhe
interessam, nada mais natural que os políticos queiram inter-
ferir na produção de informação, entretenimento e propa-
ganda institucional de interesse público dos veículos de mí-
dia, especialmente dos legislativos. Um elemento importante
a destacar é o objetivo da comunicação política.
Para Weber (Ibid.), todo o discurso construído no cam-
po da política destina-se à eleição – isto é, o objetivo final é
sempre o voto. Na opinião dela, mais do que a necessidade
de prestação de contas, os processos de comunicação ineren-
tes aos regimes democráticos estão dirigidos à propaganda,
seja “de um projeto político, de um sujeito, de um partido”
(WEBER, 2007, p. 39). E isso ocorre mesmo em períodos
não eleitorais, quando os sistemas de comunicação monta-
dos pelo Poder Público nas diferentes instâncias do governo
buscam a visibilidade aos atores políticos e a credibilidade
para seus discursos e versões dos fatos. Nesses períodos, há

160
Políticos na mídia

a produção de uma “informação cumulativa” dirigida à for-


mação de imagem pública com incidência na decisão sobre o
voto (WEBER, 2007, p. 25). Uma rede voltada para a “eleição
ininterrupta”, nas palavras de Gomes (2004).
A cobertura das sessões e audiências parlamentares por
parte da mídia; a realização de entrevistas e matérias jorna-
lísticas sobre o processo legislativo; e a mediação de debates
entre os deputados auxilia, por consequência, a manutenção
da legitimidade do sistema institucional. É claro que num am-
biente de conflito de interesses, entre a mídia e os políticos, é
inimaginável que os meios de comunicação sejam imparciais
no debate político, já que a mídia “sempre” defenderá certos
segmentos sociais e idiossincrasias. A mudança, porém, passa
pela pressão da sociedade, dos grupos que se sentirem preju-
dicados pela forma dominante de gestão, pois a aparente apa-
tia política da “massa” é imperfeita, já que pode irromper-se
de tempos em tempos no jogo político e criar situações de tu-
multo e conflitos para protestar pelos acertos realizados nos
bastidores. Exemplo recente são as manifestações ocorridas
no início de junho de 2013, com maior proporção no dia 15,
movimento este que a princípio buscava a redução do valor
da passagem do transporte público, mas tomou proporções
gigantescas contra decisões políticas acertadas em bastidores
que afetaram outros segmentos da sociedade.
Mas temos que notar que a política que chega ao pú-
blico é a “política em cena”, não é a política de negociações
entre os atores, conforme analisa Gomes (2004, p. 115). Em
outros termos, o discurso e o posicionamento público do ator
político sobre determinados temas são tão essenciais no jogo
político contemporâneo quanto a negociação entre os atores
para a divisão do poder. Desse modo, o fator “publicidade”
sempre precisa ser considerado nos cálculos das negociações,
envolvendo a visibilidade midiática, dominante nas atuais so-

161
Mídia e política: observações e críticas

ciedades, o risco de exposição negativa, a popularidade e a


imagem pública dos atores políticos (GOMES, 2004, p. 116).
No entanto, a forma como a televisão transmite o noticiá-
rio, seus recortes e as escolhas das imagens transmitidas, essa
visualidade, “parece determinar mais uma qualidade daquilo
que se torna, por algum meio, visível de um jeito ou de ou-
tro, mas pode também assumir o aspecto de certo olhar, de
um olhar específico ou particular” (SOMMA NETO, 2012,
p. 03). Visualidade, então, para o autor, pode ser conceituada
como algo que nos é apresentado segundo determinada ma-
neira de ver, de olhar, de enxergar alguma coisa.
Isso se torna muito forte no campo do jornalismo. O
trabalho com a imagem abre enormes possibilidades para o
cumprimento do objetivo de garantir ao público o acesso à
informação e ao conhecimento, implicando desse modo na
relação necessária com o exercício amplo da cidadania. Em
contrapartida, pode determinar certa visão particular, como
instigou Somma Neto (Ibid.), de um jornalista ou do dire-
cionamento político que aquele meio de comunicação está
atrelado. Szpacenkopf (2003), por exemplo, conceitua essa
visualidade como uma “montagem branca”, pois acredita ser
semelhante ao que autores da comunicação analisam semioti-
camente como a produção da notícia. O telejornal não mos-
tra a realidade, mas apresenta uma montagem da realidade. O
próprio “espelho” da edição do telejornal e dos VTs, para a
autora, já seria uma montagem branca.
A imagem confere ao telejornalismo alto grau de credibili-
dade, pois “trabalha” com textos verbais bem elaborados que se
completam com essa imagem, mesmo porque o caráter icônico:

(...) remete ao evento/acontecimento/personagem/


localidade geográfica como se fosse a própria apresen-
tação do real, da realidade vivenciada, e não de ime-
diato produz a sensação de se estar diante, e muitas

162
Políticos na mídia

vezes, de participar de forma direta daquilo que está


sendo transmitido. Essa é possivelmente uma das ca-
racterísticas mais fortes da imagem no telejornalismo
atual (SOMMA NETO, 2012, p. 03).

Somma Neto (2012), portanto, considera o telejorna-


lismo como um dos mais interessantes meios pelos quais se
processem e identifiquem novas visualidades, pela amplitu-
de de possibilidades de notícias, pois nos proporciona saber
tudo o que acontece, o que é feito ou deixado de fazer, o que
é dito e que se considera ser importante para a “nossa” vida.
Nos produtos jornalísticos de televisão estão características
do tempo vivido, sentida como presente e integrada como
tal na memória de pessoas, de lugares, de bens de consumo.

“ESPIRAL DO CINISMO”
Miguel (2002) atribui a uma desconfiança excessiva da
sociedade atual para explicar o porquê de as pessoas não con-
fiarem mais nos políticos. A formulação do autor mais comple-
ta se encontra na hipótese da “espiral do cinismo”, desenvol-
vida no livro de mesmo nome de Cappella e Jamieson (1997).
Se os políticos se tornaram cínicos, isto se deu em reação ao
cinismo dominante no público. O elemento central, porém, se-
ria a mídia, responsável por difundir uma imagem negativa dos
agentes da esfera pública. Meyrowitz (1985) explica da seguinte
forma: a imprensa lê cinicamente a disputa política e os políti-
cos se adaptam ao comportamento esperado, numa cadeia de
alimentação mútua.
De acordo com a hipótese apresentada acima, isso seria
um desdobramento da “espiral do silêncio” desenvolvida por
Noelle-Neuman (1993), na qual homens e mulheres receiam,
acima de tudo, o isolamento social – o que os levaria a se
adaptarem às opiniões que julgam predominantes e a silen-

163
Mídia e política: observações e críticas

ciar posições dissidentes. As perspectivas privilegiadas pelos


meios de comunicação parecem ser majoritárias. Como aque-
les que pensam diferente se calam, temendo o isolamento,
nossa vivência confirmaria a impressão gerada pela mídia –
isso confirmaria o mecanismo da espiral.
Para Noelle-Neuman (Ibid.), trata-se de um efeito que
se exerceria sobre a manifestação pública de opiniões ou pre-
ferências. Já a hipótese de Cappella e Jamieson (1997) diz
respeito a mudanças não apenas na expressão, mas na própria
percepção dos cidadãos sobre o mundo social. A hipótese
é que existiria um círculo vicioso de realimentação entre a
cobertura da imprensa sobre a política, as expectativas do pú-
blico e o comportamento dos políticos.
O cinismo de cada um reforçaria o cinismo dos ou-
tros: os políticos perceberiam que não vale a pena manter
uma postura republicana que priorize o bem comum, já que
sempre serão encarados como auto-interessados e carreiris-
tas; os jornalistas saberiam que seus leitores esperam uma
leitura da política neste sentido; o público veria sua crença
na falta de regra dessa atividade, confirmada tanto pelo no-
ticiário, quanto por seus eventuais encontros com os polí-
ticos. A autora atribui, então, aos meios de comunicação o
papel de deflagrador desse conceito, pois acredita que a im-
prensa lê cinicamente a disputa política e os políticos, de sua
parte, adaptam-se ao comportamento esperado, formando
essa cadeia de alimentação mútua.
Miguel (2008) concorda e acredita, também, que o
principal motor do processo é a mídia. Para ele, há pelo me-
nos três razões que ajudam a explicar por que a cobertura
da política pela imprensa tende a ser cínica. Em primeiro
lugar, haveria a influência de uma “ideologia profissional”,
segundo a qual o bom jornalista deve desconfiar das aparên-
cias, não aceitar o que lhe dizem em um primeiro momento

164
Políticos na mídia

e sempre procurar buscar aquilo que está encoberto. Se tal


postura é, em linhas gerais, saudável, ao mesmo tempo des-
cambaria com facilidade para o cinismo – a passagem do
“nada deve ser aceito sem questionamento” para o “todos
sempre têm motivos escusos ocultos”.
Em seguida, haveria o fenômeno da especialização
profissional dos jornalistas. O repórter de política entende
de política e nada mais, isto é, tem incentivos fortes para
fazer uma cobertura “hiperpolitizada” da própria política.
O repórter não é capaz de avaliar o real efeito de uma pro-
posta de reforma educacional ou no sistema de saúde, por
exemplo, mas sabe especular sobre a influência que pode ter
nos jogos do poder, como afeta a carreira política de seus
promotores, quais grupos de pressão beneficia, quais apoios
eleitorais em potencial ela adiciona ou retira. “O instinto
natural dos jornais e da TV é apresentar qualquer questão
pública como se seu significado real fosse político, no sen-
tido mais estrito e operacional do termo – as tentativas dos
partidos e de seus candidatos de ganhar vantagens sobre
seus rivais” (FALLOWS, 1996, p. 37).
Por fim, segundo Miguel (1999), existiriam incentivos
formais tanto à abordagem estratégica da política, quanto ao
foco nos malfeitos dos políticos. O escândalo e o erro sempre
são notícias, seus contrários não, como os governantes não se
cansam de reclamar. Sartori (1989) observa que “a televisão
chega sempre com rapidez ao lugar onde há agitação, alguém
protesta, se manifesta, ocupa edifícios, bloqueia ruas e estra-
das de ferro e, em suma, ataca algo ou alguém” (SARTORI,
1997, p. 94). Ele está apontando o papel da mídia na geração da
“ingovernabilidade da democracia”, estimulando um ativismo
excessivo, o que transcende a hipótese da espiral do cinismo.
Miguel (2002) ilustra a visão de que os aspectos nega-
tivos da ação política são sempre privilegiados no noticiário,

165
Mídia e política: observações e críticas

o que alimentaria a desconfiança quanto às instituições e às


elites. Patterson (1993), em seu estudo sobre a cobertura po-
lítica nos Estados Unidos, também destaca o predomínio da
negatividade e o que julga ser a contradição entre o conflito,
valor jornalístico, e a busca do consenso, valor político em
uma frase: “boa política não gera boas notícias” (PATTER-
SON, 1993, p. 147). Como resultado, os integrantes da elite
política parecem piores do que são – como mentirosos con-
tumazes, por exemplo, enquanto uma análise mais ponderada
mostraria que eles se esforçam, em geral, por cumprir suas
promessas de campanha.
Mais importante é entender que a forma narrativa pró-
pria à notícia favoreceria o enfoque estratégico, que privilegia a
busca por poder, em que há atores-adversários claramente de-
finidos, uma disputa muito evidente e momentos de clímax em
que a disputa se resolve, ainda que provisoriamente: votações
no Legislativo, anúncios de medidas governamentais, decisões
judiciais e, sobretudo, eleições. Uma eleição é, sob diversos
aspectos, idêntica a um campeonato esportivo, e tende a ser
coberta de maneira similar – aquilo que os estudos de jorna-
lismo chamam, há tempos, de abordagem horse-race. Tal como
numa corrida, não interessa o que os cavalos estão pensando
– apenas saber quem vai chegar na frente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As questões da visibilidade expostas no trabalho expli-
cam de que forma os meios de comunicação tornam visíveis
determinados atores políticos definindo critérios do que é
noticiável pensados pelas idiossincrasias, pela força publici-
tária, pelas ideologias e até mesmo pela espetacularização da-
quilo que compõe a notícia sobre determinados personagens.
Como exposto, a visibilidade midiática é um componente im-

166
Políticos na mídia

portante na produção do capital político, pois contribui para


ampliar ou reduzir as oportunidades do ator, interferindo nas
carreiras políticas, conforme ressalta Bourdieu (1997).
A maneira como a televisão apresenta o noticiário, a
forma escolhida, o recorte, os enquadramentos, essa visuali-
dade, assume sim, como instiga Somma Neto (2012), a manei-
ra de ver, de olhar, pois determina o direcionamento político
que esse meio de comunicação está atrelado, e isso se torna
muito forte no campo do jornalismo. Consideramos, então,
o telejornalismo como um dos mais interessantes meios pe-
los quais se processem e identifiquem novas visualidades, por
suas enormes possibilidades de trabalhar as notícias mostran-
do o que o jornalismo televisivo considera ser importante
para a vida dos telespectadores.
A acusação de que a televisão possa ser fonte causadora
da falta de confiança e crença na democracia precisa de provas, e
pode até, em uma reivindicação mais contundente, parecer pro-
fundamente implausível (HOOGHE, 2002, p. 07-08). Sendo a
televisão pouco autônoma, por consequência da concorrência,
da cumplicidade baseada em interesses comuns e relações entre
jornalistas, ainda assim a análise sobre este veículo de comuni-
cação é importante para o reconhecimento do problema e para
fomentar mecanismos que modifiquem essa realidade, porém,
se deixarmos como está “a televisão não é muito propícia à ex-
pressão do pensamento” (HOOGHE, 2002, p. 39).
Em estudos baseados na ciência política brasileira de
Moisés (1995), citados em trabalho de Miguel (1999, 2002,
2008) sobre os meios de comunicação e a prática política,
mostram uma pesquisa com resultados de uma série de
surveys nacionais dedicados à “cultura política”, isto é, das
crenças e atitudes relativas à política e suas instituições (que
nasce com o processo de socialização), a mídia não aparece,
ou seja, está como a grande ausente. Uma hipótese, segundo

167
Mídia e política: observações e críticas

Miguel (1999, 2002, 2008), seria de que os meios de comuni-


cação de massa sejam vistos como meros transmissores dos
discursos dos agentes e das informações sobre a realidade,
neutros e, portanto, negligenciáveis.
Se a decadência da confiança nos políticos é efeito da
mudança de atitudes do público, caberia aos meios de comu-
nicação um papel principal no desencadeamento dessa mu-
dança, em especial a televisão como meio de comunicação
mais difundido e visto no Brasil. É a perspectiva defendida,
tanto por autores liberais (no sentido estadunidense) como
por Fallows ou os próprios Cappella e Jamieson, quanto por
conservadores como Sartori e Putnam. Ilustrada com mais
sofisticação pela hipótese da espiral do cinismo, trata-se de
uma percepção que aparece com frequência no discurso de
senso comum, em particular o da própria elite política.

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xambu, 22 a 26 de outubro.

170
Entre a notícia e a pena
Estudo sobre o agendamento na criação
da Lei Carolina Dieckmann
Renata Caleffi1

INTRODUÇÃO
O Código Penal Brasileiro é composto por leis positi-
vadas que foram fruto de discussões entre a sociedade e os
governantes. Assim como todas as leis brasileiras, as leis penais
são, em sua maioria, preventivas ou resolutivas de problemas
da própria sociedade. Mas, ao longo dos anos, essa concepção
de leis que são discutidas entre a sociedade e o governo vem
ganhando um novo membro: a mídia.
São diversos acontecimentos da sociedade atual em que
a mídia se engaja na produção e na continuação desta determi-

1. Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista


em Letras: Interfaces entre os estudos linguísticos e literários pela Universidade Estadual do
Centro Oeste (Unicentro). Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade
Estadual do Centro Oeste (Unicentro).

171
Mídia e política: observações e críticas

nada pauta e, prontamente, o caso e o apelo midiático viram


leis penais. Podemos destacar várias situações em que isso já
foi observado no Brasil como, por exemplo, o assassinato da
atriz Daniella Perez, que teve como resultado a criação da Lei
8.930 de 1994. Segundo Mascarenhas (2010), essa Lei teve
ainda outro detalhe importante: o aproveitamento político de
deputados para se promoverem com o ato, já que o mesmo
estava carregado de comoção midiática.
E não é somente o crime cometido contra a atriz que
virou norma penal. Muitos são os casos em que a mídia dá
destaque a um tema em especial e, consequentemente, esta
pauta vira motivo de aclamação social e discussão no Con-
gresso Nacional. Se a notícia vira apelo social, e o apelo social
vira tema de discussões entre parlamentares e suas ideolo-
gias políticas, há de se entender esta estreita ligação de poder,
política e o agendamento midiático que ocorre e têm, como
consequência principal, a criação de novas leis penais.
Esta relação entre a mídia e a elaboração de políticas pú-
blicas em âmbito nacional é consideravelmente perigosa, já que
é através deste constante agendamento midiático de apelo so-
cial que a sociedade está mudando suas próprias leis, interferin-
do no próprio direito e penalizando todas as condutas (muitas
das quais até já são tipificadas no Código Penal).
Para tanto, o artigo a seguir faz parte do projeto de mestra-
do da Universidade Federal do Paraná, que contemplará o estudo
do agendamento produzido por veículos de comunicação, com
relação à criminalização de alguns atos/atitudes, que geraram leis
ou projetos de lei na atualidade, estes, elaborados através da reper-
cussão midiática do tema/caso dentro do Parlamento brasileiro.
Visto isto, como um recorte aos primeiros estudos do traba-
lho completo, para o artigo a seguir, será dado enfoque principal à
Lei 12.737/2012, também conhecida como Lei “Carolina Dieck-
mann”, tendo como referência midiática os telejornais brasileiros.

172
Entre a notícia e a pena

A principal hipótese desta pesquisa é a comprovação (ou


não) do agendamento das leis penais atuais conforme influ-
ência da mídia (através de notícias) por parte de pesquisa co-
municacional. Essa afirmação é encontrada em várias pesqui-
sas jurídicas, como apontam Mascarenhas (2010) e Romanhol
(2010), as quais apontam uma influência da comunicação nos
processos de criação de leis. Contudo, essas pesquisas são reali-
zadas, em número muito mais amplo, pelo universo acadêmico
jurídico e, tais teses, deixam de lado teorias comunicacionais
importantes, como o do agendamento midiático.
Portanto, o trabalho visa comprovar a tese de que a
Agenda Setting dos meios de comunicações brasileiros está
mudando o Código Penal e, ao mesmo tempo, dando um sta-
tus de “defensores do interesse público” a alguns membros
do Congresso Nacional, que se aproveitam da comoção e do
apelo de determinados casos para promoverem mudanças le-
gislativas em condutas exploradas pela mídia.
Para que o trabalho possa ser realizado, utilizou-se o es-
tudo de saliência apresentado pela Agenda Setting, em uma
comparação entre a agenda de notícias nos telejornais brasilei-
ros e as pautas do Congresso Nacional.

AGENDAMENTO
A teoria ou hipótese da agenda (agenda setting) foi expli-
cada por Maxwell Mc Combs e Donald Shaw em estudos nos
Estados Unidos, que tinham por objetivo, visualizar a influên-
cia da mídia nos assuntos tratados pela população. Após várias
pesquisas, os autores em questão, explicaram as questões entre
a notícia e a influência no público através de dados relatando
a saliência das notícias no cotidiano. Ou seja, McCombs veri-
ficou, através de pesquisas quantitativas, o quanto cada notícia
veiculada na mídia afetava o pensamento dos cidadãos norte-

173
Mídia e política: observações e críticas

americanos, principalmente no período eleitoral. Tendências


lançadas na mídia eram aceitas (em sua maioria) pela popula-
ção e cobradas dos candidatos como prioridades de governo/
campanha política eleitoral.
Como explica McCombs (2009, p. 111), o agendamento
nada mais é que “uma teoria sobre a transferência da saliência
das imagens da mídia sobre o mundo às imagens de nossas
cabeças”, ou seja, através do agendamento é que o pesquisador
descobre (ou não) se há interferência de imagens do que a mí-
dia repassa para as decisões próprias de cada indivíduo. Sendo
assim, quando o agendamento se concretiza, a agenda da mídia
acaba se tornando a agenda pública.
A repetição de notícias diariamente e exaustivamente,
utilizada por todos os veículos de comunicação, faz com que
a mensagem emitida seja a de maior importância ao público, e
o que estava na agenda midiática, passa a ser também agenda
pública (p. 18). O autor só confirma suas interrogações sobre o
agendamento ao citar que, devido a intensidade da mesma pau-
ta nos mass media, o assunto torna-se relevante para o público
como uma aprendizagem constante que, mesmo invisível, se
transforma num fenômeno muito maior:

Mas as pessoas aprendem nos mass media. Elas apren-


dem um montão de fatos, muitos dos quais elas incorpo-
ram em suas imagens e atitudes sobre uma variedade de
objetos. Elas também aprendem sobre os mais importan-
tes temas do momento, incorporando a agenda dos mass
media em suas próprias agendas dos tópicos centrais do
que a sociedade enfrenta (McCOMBS, 2009, p. 80).

Quando considera o tempo necessário de exposição mi-


diática para que um tema específico se torne agenda pública, o
referido autor é claro: “os efeitos do agendamento estão lon-
ge de ser instantâneos, mas são relativamente de curto prazo”

174
Entre a notícia e a pena

(p.75). Assim sendo, ao longo das pesquisas realizadas com


agenda midiática, tem-se a suposição de que para um assunto
entrar na agenda, ele percorre um período de três meses de
exposição midiática para então, chegar ao público.
Outras vezes, o que ocorre é uma troca de saliência, ou
seja, os assuntos enfatizados pela mídia acabam se tornando
importantes para o público (p. 111), mesmo em um período
considerado de baixa exposição, principalmente nas análises
referentes à televisão.
Para o autor, quando a televisão agenda um tema, a ex-
posição é rápida. Em contrapartida, a saída desta mesma expo-
sição é tão rápida quanto a sua entrada. Apesar de, em certos
momentos McCombs não comprovar o agendamento nesta
mídia (televisão), estudos recentes mostram que o veículo é
um forte criador de agendas da sociedade, principalmente na
América Latina, onde a cultura do assistir televisão é intensa.
No Brasil, a televisão não é considerada lazer, nem dis-
tração, pois ela é a extensão do próprio trabalho humano, feito
com rapidez e esquematização de tarefas, em um ritmo acele-
rado e adaptável. Sendo assim, a televisão é uma forma tota-
lizadora de comunicação, que limita o imaginário e o criativo
do telespectador, pois entrega tudo pronto para ele consumir
(MARCONDES FILHO, 1988, p. 20).
Bourdieu (1997) destaca também este aspecto de mono-
pólio e de totalização que a televisão possui com seus telespec-
tadores, principalmente pela disparidade de informação con-
sumida por certas pessoas. Para ele, há uma proporção muito
grande da população que não consome outro tipo de mídia,
tendo a televisão como fonte única de informações (p. 24).
Gomes (2003) salienta que o jogo de poder das mídias, em
especial a televisão, traz junto com as imagens produzidas por
ela, um jogo educador e disciplinador que controla os próprios
espectadores. Para ela, “enquanto mostram, as mídias discipli-

175
Mídia e política: observações e críticas

nam pela maneira do mostrar, enquanto mostra ela controla pelo


próprio mostrar” (p. 77). Isso significa que, quando disciplina
mostrando as informações, a mídia possui um controle sobre o
consumidor, que apenas absorve o que está sendo representado
ali, e então, pode-se afirmar que, para os cidadãos disciplinados
“se não passou pelas mídias, não existe” (p.77).
Na mesma linha, Marcondes Filho também destaca a
influência da televisão no consumo e na veracidade das infor-
mações. Segundo o autor, os telejornais são uma espécie de
extensão do drama televisivo, e com isso, há uma teatralização
das notícias vinculadas com a própria realidade. “Se a TV não
mostrasse a dor, a miséria e a morte, ela não poderia cultivar,
ao mesmo tempo, a nostalgia do prazer, da alegria e da felicida-
de” (p. 58). Além disso, a TV disciplina a população a consumir
serviços, como médicos ou de produtos.
Assim sendo, a partir do momento em que a televisão
nos ínsita a consumir produtos e enxergar a realidade seguida
pelas perspectivas dos próprios editores, repórteres, entre ou-
tros, há de se ter um destaque nesse consumo referente tam-
bém às legislações.
Antigamente o mundo era regido por uma moral maior
até que as próprias leis positivadas. Existiam princípios res-
peitados pela sociedade e que influenciavam significativamente
nas decisões e no modo de vida das pessoas. Com o adven-
to das mídias, o prisioneiro da moral e dos bons costumes se
sentiu livre, gozando de mordomias e liberdades falsas, mas
que ele acredita possuir. Segundo Marcondes, esse falso liberto
agora é preso ao sistema de publicidade e de notícias atuais.
E a sociedade livre acredita que de tão livre pode reagir
aos debates e as insinuações midiáticas. Mas, o espaço que é
aberto na mídia para essa liberdade é rapidamente cortado por
outra notícia, por outra cena, pelo intervalo comercial.
Além disto, o consumo exagerado e intenso de infor-

176
Entre a notícia e a pena

mações midiáticas também afeta outros setores da nossa so-


ciedade, sendo base desta pesquisa. Conforme explica Mattos
(2005), em um estudo sobre o agendamento da mídia na Câ-
mara de Vereadores de Londrina, houve uma saliência entre
a mídia e as decisões políticas da cidade, demonstrando uma
forte ligação entre a mídia e as leis.

Observamos também uma interdependência entre o


campo midiático e o campo político, que se caracteriza
na retroalimentação do fluxo informacional. A exemplo
do que observa Champagne (1998, p.234), a imprensa im-
põe ao campo político uma hierarquia dos temas que este
último reconhece como importante, assim como também
colabora para sua produção (MATTOS, 2005, P. 26).

Thompson (2008) é outro autor que relata sobre esse con-


trole exercido pela mídia nos acontecimentos da vida social da
atualidade. Para ele, a mídia se envolve ativamente na constru-
ção do mundo social, levando imagens e informações a todos,
modelando os próprios acontecimentos (p. 106). Aliado a isto, o
autor também fala da ligação entre os assuntos políticos na vida
atual. Antes, os posicionamentos políticos eram obscuros, não
identificáveis pela população. Contudo, hoje esse domínio dos
políticos sobre o privado não se mantém, devido a própria audi-
ência que assuntos políticos possuem na própria mídia.

DISPOSITIVO LEGAL
A lei 12.737/2012, sancionada no dia 30 de novembro de
2012 dispõe sobre a tipificação na forma criminal de delitos in-
formáticos, ou seja, regulamenta a norma penal para crimes “vir-
tuais”. Para isto, a lei acresce ao Código Penal os artigos 154A2 e
154B3. A pena para quem descumpre esta normativa vai de três
meses a dois anos de detenção, além de multa. A detenção pode

177
Mídia e política: observações e críticas

ser ainda maior o resultado for prejuízo econômico ou se forem


cometidas contra Presidente da República, governadores, pre-
feitos, Presidente do Supremo Tribunal Federal, Presidente da
Câmara dos Deputados, Senado Federal, Assembleia Legislativa
de Estado, Câmara Legislativa do Distrito Federal ou Câmara
Municipal, ou ainda dirigente máximo da administração direta e
indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.
A lei classifica como crime os sujeitos que produzirem, ofe-
recerem, distribuírem, venderem ou difundirem dispositivo ou
programa de computador alheio intencionalmente, com destaque
para as invasões econômicas, as de caráter privado (comercial ou
industrial), a comercialização ou transmissão a terceiros dos dados
obtidos por estas informações obtidas sem permissão.
O dispositivo legal ganhou o nome de Lei Carolina Die-
ckmann, fruto de uma discussão nacional sobre fotos íntimas
da atriz, que foram divulgadas na internet sem a permissão da
vítima em maio de 2010 e que teriam sido também forma de
chantagem mediante dinheiro para sua não divulgação. Poste-
riormente, a pauta foi recolocada em discussão no Congresso
Nacional para a construção da Lei que tipifica os crimes virtu-
ais com a penalização de condutas.
Leonardo SICA (2013), diz que o processo legislativo da
lei em questão foi extremamente rápido, visto que, para ser
aprovada, uma lei necessita passar duas vezes por ambas as
casas (Congresso Nacional e Senado) e, posteriormente, ser

2. Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computado-
res, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar
ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo
ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita.
3. Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante representação, salvo se
o crime é cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes
da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de
serviços públicos.

178
Entre a notícia e a pena

sancionada pelo Presidente da República. Geralmente, este


processo é lento, pois há pautas diariamente sendo votadas em
ambas as casas e, como se presume uma discussão e conhe-
cimento do projeto de lei a todos os votantes, o tempo gasto
para a aprovação é demasiado. Segundo Sica:

Trata-se de lei casuística e promocional. Casuística porque


a sua edição foi motivada em um caso concreto, distan-
ciando-a dos requisitos da abstração e generalidade, que
devem informar as boas leis. Promocional, porque a enor-
me repercussão do caso concreto permitiu ao parlamento,
mais uma vez, legitimar-se por meio do discurso de lei e
ordem e também abriu espaço para profissionais do di-
reito que se especializaram como porta vozes do “direito
digital”, com a indisfarçável intenção de se apropriar dessa
parcela do mercado de trabalho (SICA, 2013, s/p).

A penalização de mais condutas não é a melhor ma-


neira de combater os crimes, como afirma Greca e Beccaria.
Para estes autores e seus sucessores, em tese, o Código Penal
deveria ser um conjunto de leis que tem por objetivo a defesa
do cidadão. A punição aos que cometem infrações e delitos ga-
rante a paz e a tranquilidade nacional, mas toda a ilicitude tem
por dever principal ser comprovada.
Contudo, a partir do momento em que os interesses pú-
blicos são construídos pela mídia e esses novos interesses se tor-
nam lei, o Código Penal deixa de ter sua função social, que é,
antes de tudo, o de proteger todos os indivíduos, sem nenhuma
discriminação. Com a penalização de condutas pelo agendamen-
to midiático, passamos a ter ainda mais restrições de liberdade –
base dos direitos humanos – e, consequentemente, mais pessoas
presas em um sistema carcerário que, infelizmente, não funciona.
É partindo deste princípio, em que os representantes do
povo (deputados/senadores) precisam dar respostas rápidas

179
Mídia e política: observações e críticas

para a população para que sejam solucionados todos os pro-


blemas sociais brasileiros, com a punição dos que descumprem
as regras, que chegamos ao objeto desta pesquisa.
Avançando também dentro das ideias da teoria/hipótese
do agendamento, encontramos as duas hipóteses desta pesquisa.
A primeira questiona se há ou não agendamento na criação da lei
12.737/2012 na televisão com o público e, a segunda, se há um
agendamento midiático dentro do Parlamento brasileiro.

SALIÊNCIA DA NOTÍCIA
Um dos questionamentos jurídicos sobre a lei em questão é
o porquê ela foi aprovada tão rapidamente? A hipótese mais des-
tacada é, sem dúvidas, o apelo midiático ao caso. Para comprovar
(ou não) isto, analisamos dois telejornais brasileiros no período
mensal do vazamento das fotos da atriz (maio/2012) e, na sequên-
cia, a rapidez com que ela foi discutida na Câmara dos Deputados.
Os telejornais escolhidos foram o Jornal Nacional (Rede
Globo) e o Jornal da Record (Rede Record) e SBT Brasil (SBT),
pois, segundo dados do IBOPE (2013), com pesquisa realizada
no Estado do Rio de Janeiro e de São Paulo, os telejornais aci-
ma fazem parte das maiores audiências de telejornais dos esta-
dos pesquisados. Visto que não existem dados exatos e oficiais
informando o consumo nacional, foram utilizados, portanto,
os dados desta pesquisa para embasar o trabalho.
A televisão foi escolhida embasada em uma pesquisa reali-
zada pela Teleco Comunicação (2012), a qual aponta que o meio
de informação mais utilizado pelo brasileiro é a televisão, presente
em quase 97% dos domicílios, seguido pelo rádio, com presença
em 83% dos lares e, em último lugar, a internet, com 36,5%. Alia-
da a estes dados, a empresa Meta (2010), em pesquisa realizada
também relato que, mais de 42% da população brasileira consome
telejornais diariamente, sendo que, desta porcentagem, 72% assis-

180
Entre a notícia e a pena

te a programação a partir das 18h, seguindo até as 22h00.


O Jornal Nacional (Rede Globo) é considerado por vá-
rios estudiosos como um dos mais importantes e relevantes do
Brasil. No ar desde 1969, o Telejornal é hoje apresentado por
Willian Bonner e Patrícia Poeta. Com horário definido a partir
das 20h, seguindo até após às 21h (dependendo da grade da
programação da emissora), o telejornal é constante no quesito
audiência e princípios editoriais.
O Jornal da Record inicia às 20h30, de segunda-feira até
sábado, sendo apresentado por Adriana Araújo e Celso Freitas
e no ar desde 1972. O Telejornal se define4 como confiável,
ágil, moderno e que possui como diferencial as grandes repor-
tagens e as séries especiais.
O mais novo dos telejornais estudados, o SBT Brasil está
no ar desde 2005, tendo como linha editorial a liberdade e a credi-
bilidade. Tem como âncoras Joseval Peixoto e Rachel Scherazade.
Para verificar a saliência do tema nos telejornais, seguimos
os conceitos de McCombs, no qual trata das pistas de agenda-
mento geradas pela televisão, como o tempo gasto na matéria em
questão e a repetição do tópico durante um período. Para que seja
comprovada a saliência do tema, é necessário observar, então, o
tempo médio gasto na exibição da pauta e a frequência que o as-
sunto frequentou o telejornal. Aliado a isto, o resultado também
depende da disponibilidade e a relevância pessoal do público com
o tema, caso contrário, o agendamento não é comprovado.
Se tratando ainda de políticas públicas e agendamento,
podemos destacar a saliência em que determinados assuntos tra-
zem ao universo político. Segundo McCombs, os discursos dos
políticos podem nos mostrar respostas a perguntas sociais, e,
“elas também ilustram um aspecto da política do agendamento,
o processo através do qual governos tomam decisões sobre que

4. Disponível em: http://noticias.r7.com/jornal-da-record/o-programa/

181
Mídia e política: observações e críticas

assuntos sociais estarão no foco de sua atenção” (p. 157).


Como os três jornais visam a liberdade e o bom exercício
do jornalismo, segundo seus princípios editoriais, o trabalho de
análise de saliência e de agendamento das notícias foi buscado
dentro da programação dos três veículos e, posteriormente, o
andamento da legislação (ainda em forma de projeto de lei) na
Câmara de Deputados.
Iniciamos com a pauta na mídia. A primeira reportagem do
tema foi divulgada pelo Jornal Nacional no dia 05 de maio de 2012
(sábado), em uma reportagem de um minuto e trinta e sete segun-
dos se referindo ao caso do vazamento das fotos da atriz na inter-
net. No SBT Brasil a primeira reportagem veiculada aconteceu no
dia 07 de maio (segunda-feira), quando a atriz já se apresentava na
delegacia de Polícia para esclarecimentos, mesma data e assunto
em que o Jornal da Record publicava pela primeira vez o fato.
Para identificar a saliência, foram utilizadas tabelas in-
dicadoras. Nas relacionadas ao telejornalismo, colocamos as
informações mais relevantes em quatro colunas: Emissora res-
ponsável pela veiculação da reportagem (lembrando que são
apenas nos telejornais escolhidos, e não no conjunto total da
programação); A data da veiculação; O tempo gasto na divul-
gação da notícia e, por fim; Retranca, ou seja, as palavras cha-
ves da reportagem veiculada.
Já para a tabela da tramitação da lei na Câmara dos De-
putados, utilizamos apenas duas colunas. A primeira com a
data da tramitação e a segunda com o assunto abordado no
processo, encontrado a disposição no próprio site da Câmara,
a fim de observar apenas a saliência entre data de veiculação de
notícias e data das tramitações do (ainda) projeto de lei. Não
foram levados em consideração, para elaboração deste artigo,
os discursos dos deputados durante a votação do Projeto.
Durante maio/2012 foi registrada uma saliência do tema
dentro da agenda, como pode ser visto na tabela:

182
Entre a notícia e a pena

Tabela 01 - Saliência do tema na agenda do telejornalismo


EMISSORA DATA TEMPO RETRANCA
SBT 07/05 2’02’’ Carolina Dieckmann/ presta
depoimento/ fotos vazadas
SBT 08/05 1’23’’ Advogados/ vazamento de
fotos/ autorização do Google
SBT 14/05 0’26’’ Identificação/ Suspeitos/
polícia/ Fotos íntimas
SBT 28/05 0’28’’ Preso/ suspeito/ fotos íntimas
Globo 05/05 1’37’’ Fotos/ Atriz/ Vazam/ Internet
Globo 07/05 1’41’’ Polícia/ Inquérito/ Fotos
Globo 14/05 2’28’’ Polícia/ identificação/ suspeitos/
golpe fotos
Globo 16/05 4’25’’ Entrevista/ Vítima/ Fotos
Globo 28/05 1’36’’ Menor/ preso/ suspeito/ fotos
Record 07/05 3’25’’ Atriz/ Depoimento/ fotos
íntimas
Record 24/05 2’25’’ Estudante/ celular/ crime virtual
Record 28/05 1’50’’ Polícia/ menor/ preso
Fonte: A autora (2012)

Foram 23 dias em que, semanalmente, eram divulgadas


informações sobre o crime virtual que atingiu a atriz global, Ca-
rolina Dieckmann. Entre entrevistas, notas peladas, notas cober-
tas, etc., os veículos usaram boa parte da programação trazendo
novas informações sobre o caso.
Apesar de o tema não ter sido o mais saliente, perdendo
para o caso da CPI do Cachoeira, a saliência ainda pode ser des-
tacada, afinal, o tema ficou em alta durante todo o mês de maio
de 2012. Esse destaque dado para o tema é encontrado nas três
emissoras, apesar de a atriz pertencer contratualmente (contrato
de trabalho) para a Rede Globo.
Visto que os telejornais analisados possuem uma grade de
40 a 60 minutos diariamente, observou-se que as notícias rela-

183
Mídia e política: observações e críticas

cionadas ao tema em questão não ocuparam grande parte da


programação da noite, mas, ao mesmo tempo, fazem parte cons-
tante da programação mensal. A saliência entre agenda da televi-
são e a agenda no Congresso com a tramitação da lei é bastante
relevante, como pode ser visto a seguir, medindo a intensidade
de movimentação do projeto durante o mês de maio.
Abaixo temos a tabela da tramitação de toda a lei no Con-
gresso Nacional, retirada do próprio site da Câmara dos De-
putados. A análise ficou apenas no site da Câmara por ter sido
uma proposta de Lei elaborada por deputados e não senadores
e, sendo assim, a primeira discussão foi realizada nesta Casa.

Tabela 02 - Tramitação da Lei na Câmara dos Deputados


DATA ASSUNTO TRATADO
29/11/2011 Plenário: Apresentação do Projeto de Lei n. 2793/2011, pe-
los Deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e outros. Encaminha-
da a Coordenação de Comissões Permanentes (CCP)
19/12/2011 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados: sujeita à aprecia-
ção dos deputados. Volta para a CCP.
03/02/2012 CCP: Encaminhada à publicação. Avulso Inicial pela CCP.
14/03/2012 Plenário: Apresentação do Requerimento n. 4645/2012,
pelos Deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e outros, que:
Requer urgência para apreciação do PL nº 2.793/11.
28/03/2012 Plenário: Deputados pedem o desapensamento e a redis-
tribuição do Projeto de Lei (PL) nº 2.793/2011
25/04/2012 Plenário: Apresentação do Requerimento de Apensação
n. 5085/2012.
15/05/2012 Mesa diretora: Deferido o REQ n. 4763/2012. Ainda
revisto o despacho aposto ao PL n. 6.024/2005, para
distribuí-lo, nos termos do art. 139 do RICD, à Comissão
de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado
e à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Proposição sujeita à apreciação do Plenário. Regime de
tramitação Ordinária.

184
Entre a notícia e a pena

15/05/2012 Plenário: Aprovado, por unanimidade, o Requerimento nº


4.645/12; Discussão em turno único do Projeto de Lei nº
6.024/2005. (Sessão Extraordinária - 18:23); Encerrada a dis-
cussão; Aprovado o Requerimento que dá preferência para
votação do PL 2.793/2011, apensado, sobre o PL 6.024/2005;
Votação em turno único; Aprovado o Projeto de Lei nº
2.793/2011, apensado; Votação da Redação Final; Aprovada
a Redação Final assinada pelo Relator. Encaminha ao Senado
16/05/2012 Mesa diretora: Desapensação automática deste em face da
declaração de prejudicialidade do PL 6.024/2005 (principal).
17/05/2012 Mesa Diretora: Encaminha ao Senado
29/05/2012 Senado envia para Mesa Diretora: Indeferido o REQ n.
5.085/2012
05/11/2012 Mesa Diretora: Recebido o Ofício nº 2087/2012, do Se-
nado Federal, que comunica a aprovação, em revisão e
com emendas, do Projeto de Lei da Câmara nº 35, de
2012 (PL nº 2.793, de 2011, nessa Casa), que “Dispõe so-
bre a tipificação criminal de delitos informáticos; altera o
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código
Penal; e dá outras providências
05/11/2012 Mesa Diretora: Recebido o Ofício nº 2087/2012, do Se-
nado Federal, que comunica a aprovação, em revisão e
com emendas, do Projeto de Lei da Câmara nº 35, de
2012 (PL nº 2.793, de 2011, nessa Casa), que “Dispõe so-
bre a tipificação criminal de delitos informáticos; altera o
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código
Penal; e dá outras providências
06/11/2012 Mesa diretora encaminha para votação urgente.
06/11/2012 Volta para CCP
07/11/2012 Discussão, em turno único, das Emendas do Senado Federal
ao Projeto de Lei nº 2.793/11. Aprovação da redação final.
09/11/2012 Mesa Diretora da Câmara dos Deputados : Remessa à
sanção por meio da Mensagem nº 38/12.
04/12/2012 Aprovação da Presidente da República para sanção.
18/12/2012 Encaminha ao Senado para autógrafo.
30/12/2012 Transformação em Lei Ordinária presente no Código Penal.
Fonte: Câmara dos Deputados (2012)

185
Mídia e política: observações e críticas

Podemos observar que, durante a tramitação do projeto


de lei, o mês de maio teve forte correlação com as datas das
reportagens divulgadas. Aliada a esta afirmação, ainda temos o
pedido de urgência para aprovação da lei colocado em pauta e
a disponibilidade dos deputados federais em votar, em turno
único, um projeto tão importante para a sociedade, já que cri-
minaliza uma conduta.
Além disso, o Senado Federal retorna o Projeto de Lei
com aprovação em menos de 15 dias para a Câmara, demons-
trando também a rapidez com que o mesmo foi votado, pois
no dia 17 de maio o projeto de lei foi enviado ao Senado e ele
retornou para a Câmara dos deputados já no dia 29, aprovado,
com apenas sugestões de revisões de emendas.
No mesmo mês de maio, este projeto foi aprovado, pas-
sando à frente de outros Projetos de Lei que esperavam há
muito mais tempo para entrar na pauta do mês. Além disto,
o projeto foi aprovado em turno único, sendo discutido em
apenas um dia pelos deputados na Casa. Na segunda votação,
já com as revisões de emenda, o projeto também foi discutido
em turno único, sendo aprovado na mesma data.
Essa rapidez pode ser considerada uma troca de saliência
com a mídia. A primeira reportagem divulgada pelos veículos
aconteceu na primeira semana de maio. Quando as discussões
ficaram mais intensas, principalmente pelo resultado da notícia,
que já continha entrevistas com a vítima e, principalmente a iden-
tificação dos suspeitos pela polícia, a votação para aprovação da
lei foi realizada. No dia 14 a polícia identificou os menores, no
dia 15 a Câmara aprovou por unanimidade o Projeto de Lei.
A segunda troca de saliência acontece no Senado, que
recebe a lei no dia 17 de maio e, também com uma forte saliên-
cia, vota no dia 29 a aprovação do projeto de lei. Coincidente-
mente, no dia 28 de maio, os noticiários davam destaque para a
prisão dos autores do crime virtual, (menores) que chantagea-

186
Entre a notícia e a pena

ram e divulgaram posteriormente as fotos da atriz em questão.


Já no dia 29, no mesmo momento de saliência da informação, a
aprovação do Senado chega à Câmara dos Deputados para ser
votada pela segunda vez.
Há, portanto, uma troca de saliência entre a pauta da te-
levisão e a pauta da Câmara de Deputados brasileiros. Segundo
McCombs, essa saliência pode ser observada pelo fato de que:

Em termos da agenda midiática, que é causa destes efei-


tos, uma grande contribuição da Teoria da Agenda é que
ela faz uma conexão explícita entre o conteúdo de uma
mídia específica e de seus efeitos no público. Ao explicar
a premissa básica de análise quantitativa de conteúdo, a
Teoria da Agenda específica que a saliência deste con-
teúdo pode parcimoniosamente ser medida em termos
de sua frequência de veiculação (McCombs, 2009, p. 41).

Contudo, em nenhum momento, o projeto de lei discuti-


do e aprovado ainda no primeiro semestre é citado nas repor-
tagens da televisão, como se não existisse um contra agenda-
mento. Ou seja, a resposta que o Congresso deu ao tema na
televisão não foi, em tese, respondido pelos veículos na mesma
eficiência e rapidez com que o contrário se realizou. Isso des-
tacado na aprovação da primeira parte da lei, onde, segundo
autores como Greco e Beccária, é fundamental termos uma
discussão da penalização das condutas.
Este artigo não buscou analisar o agendamento do segundo
semestre. Isto fará parte da continuação dos estudos e pesquisas
de mestrado. Contudo, já podemos constatar que a aprovação fi-
nal da lei, com a sanção da presidenta Dilma Rousseff, a mídia
retoma o tema, dando destaque para o conteúdo final da lei.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Greco (2011) afirma que o Direito Penal como está hoje,

187
Mídia e política: observações e críticas

não é benéfico a ninguém. Nem ao condenado, nem aos que


ficam ao seu entorno (geralmente a família) e muito menos à
sociedade. Isso porque, o sistema carcerário como está dese-
nhado na atualidade brasileira, não recupera ninguém, e pior,
fere grande parte dos princípios da dignidade humana. Ao
mesmo tempo, não há como extinguir o direito penal da socie-
dade. “Para determinados fatos graves, infelizmente, não existe
outro remédio a não ser o Direito Penal” (p. 11).
Contudo, o que vemos na sociedade atual, conforme ex-
plica Greco, não é a punição apenas para os fatos mais graves,
os quais não possuem outro remédio, mas sim, surge um movi-
mento de Tolerância Zero, o qual Greco denomina de Direito
Penal Máximo. Neste movimento, tudo é penalizado através de
leis penais, transformando esta matéria em algo amedrontador
que faz da sociedade uma regência de leis e normas de ameaça,
e não de segurança social.
Anterior ao pensamento de Greco, Beccaria (1764) já
dava indícios de que o Direito Penal não era a melhor maneira
de resolver os problemas da sociedade, principalmente pelo
fato de que a própria sociedade exclui seus membros e pré-
determina quem fará parte do sistema penal.
A ordem social para os dois autores, não pode ser concebi-
da somente com a punição. Como a sociedade está hoje, Greco
(p.13) afirma: “o Estado Social foi deixado de lado para dar lugar
a um Estado Penal”. Para ele, a sociedade caminha para um futuro
assemelhado ao passado de Hitler, onde a punição acontece antes
mesmo do fato acontecer e, o legislador, pune para prevenir.
Percorrendo a história, veremos que as leis, que deveriam
ser convenções feitas livremente entre homens livres, não fo-
ram, na maioria, mais que o instrumento das paixões da maio-
ria, ou o produto do acaso e do momento e nunca obra de um
prudente observador da natureza humana, que tenha sabido
dirigir todas as ações da sociedade com este único fim: todo

188
Entre a notícia e a pena

bem estar possível para a maioria (BECCARIA,1764, p. 14).


Apesar de encontrarmos explicações de que o Direito
Penal está penalizando cada vez mais condutas no Brasil e que,
ao mesmo tempo, essa maximização da penalização de condu-
tas é prejudicial, chegamos a conclusão então de que, pautados
por algumas pautas midiáticas, representantes públicos (depu-
tados e senadores) estão, aos poucos, transformando o Código
Penal Brasileiro.
Como vimos acima, no caso da Lei Carolina Dieckmann,
houve uma pressa na concretização da lei. A pauta foi discutida
e aprovada ainda no clamor social, durante o mesmo mês do
acontecimento do fato, sem passar por uma discussão apro-
fundada sobre o tema, tendo como ponto principal da discus-
são a penalização de tal conduta.
Ao passo em que, enquanto a televisão agendou a pauta
dentro da Câmara de Deputados, a concretização do Projeto
de Lei na votação não foi repercutido na televisão. Ou seja, o
aproveitamento político eleitoral dos deputados que fizeram o
projeto de lei não pode ser comprovado se levarmos em conta
apenas a televisão neste primeiro momento de análise, que não
possui ainda, a análise do segundo momento da lei, onde há a
sanção presidencial do Projeto de Lei.

REFERÊNCIAS

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo, 1764.


CETIC.br. Centro de Estudos sobre as tecnologias da informação
e da comunicação. 2011. Disponível em <http://cetic.br/usuarios/
tic/2011-total-brasil>
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA. Ed. Senado Federal Bra-
sileiro, 1988.
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfi-

189
Mídia e política: observações e críticas

co brasileiro, 2011. Disponível em http://www.ibge.gov.br


IBOPE, Instituto Brasileiro de Opinião e Estatísticas. Disponível em
www.ibope.com.br
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mídia. Petrópolis: Vozes, 2008.

190
Agendamento no 8N
Apontamentos sobre influências do Telenoche nas
manifestações contra o governo de Cristina Kirchner
Michele Santos da Silva1

INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, a Argentina vem sendo o cenário de
várias discussões políticas, principalmente, após o segundo man-
dato de sua atual presidente Cristina Fernández de Kirchner. Es-
ses debates vêm resultando em uma série de protestos por parte
da população, que alega estar insatisfeita com o tipo de governo
de sua representante. Uma das manifestações mais importantes
nesse contexto foi o 8N. Articulada nas redes sociais virtuais,
esse ciberativismo teve forte aderência na internet, permitindo
uma eclosão em inúmeros protestos no ambiente offline, mobi-
lizando milhares de pessoas às ruas em todo o país e no exterior.

1. Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista


em Sustentabilidade e Gestão Ambiental pela Universidade Tuiuti do Paraná. Bacharel em
Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Estadual do Centro-Oeste.

191
Mídia e política: observações e críticas

Desde outubro de 2009, o governo de Fernández tam-


bém enfrenta uma forte crise com a imprensa nacional, pois
pretende reduzir em 35% a concentração de poder no mer-
cado de mídia e modificar a distribuição publicitária em seu
país com a Ley de Medios n° 26.522. Entre os bastidores que
permeiam a efetivação ou não da lei – que antes mesmo de
entrar em vigor foi suspendida, o maior embate do governo
está sendo com o Grupo Clarín. Primeiro, porque ele terá que
reduzir significativamente o seu número de licenças, segundo,
porque até 2009, o grupo retinha 60% da receita publicitária
em seus veículos (Lins, 2009, p. 6), e isso afetaria drastica-
mente seus interesses empresariais. Por enquanto, a lei não
foi executada, mas deixa em evidência uma acentuada crise
nas relações entre o governo e o Grupo Clarín, que beira o
espetáculo. Um exemplo das acusações e trocas de ofensas
foi a distribuição de meias que o governo fez em uma aldeia
africana, com a logomarca “Clarín Miente”2, deixando ao
governo uma imagem negativa e fortemente explorada pela
televisão local. Sobre a espetacularização no âmbito político,
Gomes observa que “a política é um show, um espetáculo
para consumo de espectadores, consumível na esfera de visi-
bilidade pública” (Gomes, 2004).
Embora o propósito desta pesquisa não seja a Ley de
Medios, é importante ter em conta os bastidores da briga entre
essas instituições, pois ela tem ganhado um extensivo espaço
nos meios de comunicação de massa, ofuscando suas verda-
deiras funções na sociedade, desviando, inclusive, discussões
relevantes para o país, como as questões da própria lei, assim
como outros temas. Quanto a isso, Bourdieu explica sobre a
censura invisível:

2. Numa missão oficial a Angola, um membro do comitê do governo argentino distribuiu meias
para crianças pobres angolanas, com a mensagem “Clarín Miente”. Tal manobra foi bastante
discutida na imprensa argentina e criticada em varias mídias locais (Fonte: jornal La Nación).

192
Agendamento no 8N

[...] o acesso à televisão tem como contrapartida uma


formidável censura, uma perda de autonomia ligada,
entre outras coisas, ao fato de que o assunto é imposto,
de que as condições da comunicação são impostas e, so-
bretudo, de que a limitação do tempo impõe ao discurso
restrições tais que é pouco provável que alguma coisa
possa ser dita (BOURDIEU, 1997, p. 19).

Portanto, para entender os mecanismos de poder que su-


postamente puderam influenciar a opinião pública argentina
antes das manifestações do 8N, este trabalho tem como obje-
tivo central analisar os vídeos jornalísticos do Telenoche - um
dos telejornais mais antigos do país, transmitido pelo El Trece,
de propriedade do Grupo Clarín. O estudo terá como base os
vídeos disponibilizados no site do canal. Busca-se, portanto,
detectar entre os conteúdos analisados, abordagens com te-
máticas negativas que estejam relacionadas com o governo de
Cristina Fernández, verificando se existe uma correlação signi-
ficativa entre as matérias jornalísticas e as queixas manifestadas
pelos ativistas do 8N. Isso poderia indicar se o Telenoche pôde
ter influenciado as opiniões e os argumentos apresentados pe-
los manifestantes do 8N, conforme argumenta McCombs:

[...] os veículos jornalísticos estabelecem a agenda públi-


ca. Estabelecer esta ligação com o público, colocando um
assunto ou tópico na agenda público de forma que ele se
torna o foco da atenção e do pensamento público – e,
possivelmente, ação – é o estágio inicial na formação da
opinião pública” (McCOMBS, 2009, p.18).

Na primeira seção deste trabalho, será feito um breve


apanhamento sobre o uso de tecnologias digitais na comu-
nicação, cuja capacidade de mobilizar pessoas para o engaja-
mento político desencadeia em manifestações no ambiente
offline. A segunda parte tratará do 8N, contextualizando

193
Mídia e política: observações e críticas

suas principais características e dados. A terceira falará, ex-


clusivamente, da análise do objetivo central deste artigo,
os vídeos do programa Telenoche que antecederam o 8N.
Aqui, serão feitas as discussões metodológicas, observando
as relações de poder entre a política e as empresas de comu-
nicação, abordando a teoria do agendamento. Finalmente,
a partir das observações e análises realizadas, será feita a
discussão sobre os resultados obtidos.

USOS DAS REDES SOCIAIS VIRTUAIS COMO


RECURSOS DE ATIVISMO POLÍTICO
A comunicação na era digital associada à informação es-
tabeleceu um vínculo intrínseco entre a técnica e a vida social
(Lemos, 2002), tanto que hoje é impossível pensar em uma so-
ciedade cuja comunicação não esteja ligada à tecnologia. Nesse
sentido, conforme pondera Maia, “a internet permite estabe-
lecer plataformas de diálogo para que as pessoas interajam lo-
calmente ou transcendam as fronteiras do Estado-nação, numa
rede anárquica de interações” (Maia, 2007).
A virtualidade surgida através da expansão das tecnolo-
gias (Lévy, 1996) colocou as redes sociais - aquelas articuladas
na internet, em uma posição social privilegiada, por possuírem
uma grande capacidade de movimentar ações que sensibilizam
pessoas a causas das mais diversas abordagens. Nesse sentido, a
interação nessas redes tem cumprido um papel preponderante
nesta etapa moderna da conectividade, pois é uma facilitado-
ra da propagação e do intercâmbio de ideias entre pessoas dos
mais diversos pontos do globo terrestre, podendo ser conside-
rada como “o principal sistema de informação e comunicação
no contexto contemporâneo” (Pereira, 2011, p. 2), por conta de
sua abrangência de impacto, velocidade na difusão de conteúdos
informativos, por seu relativo baixo custo e facilidade de acesso.

194
Agendamento no 8N

A capacidade da internet em promover o intercâmbio


de ideias e ideologias que germinam em movimentos de
contestação - com capacidade de ultrapassar as vias virtu-
ais para eclodir nas ruas (Vegh, 2003), é um possibilidade
cada vez mais real. Esta premissa pode ser observada nas
manifestações ocorridas nos últimos anos, o que permite
observar que há uma apropriação das tecnologias digitais
de comunicação e dos espaços virtuais para dar um sen-
tido reivindicatório, promovendo a “geração de conhe-
cimentos e processamento da informação como base da
nova revolução sócio técnica” (Castells, 1999, p. 17). Nesse
contexto, as mudanças tecnológicas na comunicação e in-
formação foram oportunidades que cristalizaram nas redes
virtuais uma espécie de fórum online capaz de revitalizar
lutas e movimentos civis (Moraes 2000), criando espaços
para protestos, resistência e mobilização coletiva. A partir
dessa perspectiva, o ciberativismo está inserido no âmbi-
to da lógica de comunicação contemporânea, que, junto à
desconfiança da esfera civil no que diz respeito à relevân-
cia e disponibilidade de informação política, tenderia a não
conferir credibilidade ao jornalismo (Gomes, 2005), agente
que outrora funcionaria como mediador entre os poderes e
o interesse público.
Portanto, após algumas mobilizações orquestradas na
internet, com cobertura da imprensa mundial como o Mo-
vimento Verde no Irã em 2009, a Primavera Árabe na África
Subsariana em 2010, o 15M na Espanha, o 8N argentino ou
no Brasil, com a Marcha das Vadias, Marcha da Maconha
ou o recente movimento Passe Livre, todos constituídos
na rede, demonstram que esta ferramenta “vem sendo alta-
mente valorizada por proporcionar recursos para que gru-
pos expressem e atualizem suas identidades, seus valores e
interesses” (Maia, 2007).

195
Mídia e política: observações e críticas

PROTESTOS 8N: A MOBILIZAÇÃO QUE REUNIU


ARGENTINOS EM DIVERSAS PARTES DO MUNDO
A participação do povo argentino em manifestações
políticas não é uma novidade. O ato de protestar está na cul-
tura dessa gente, antes mesmo das mídias digitais serem uti-
lizadas pelos ativistas. Desde suas abuelas na Plaza de Mayo3
às manifestações que derrubaram o governo de Fernando de
la Rúa4 em 2001.
A onda de protestos ocorrida na Argentina em 2012,
denominada por 8N (oito de novembro) foi uma série de ma-
nifestações organizadas nas redes sociais5 como o Twitter e o
Facebook, mobilizando milhares6 de pessoas nas ruas desse
país, podendo ser considerada uma das maiores já realizadas
na América Latina. Por sua abrangência e número de ativis-
tas, também atraiu simpatizantes em várias cidades ao redor
do mundo7, como em Santiago, São Paulo, Rio de Janeiro,
Miami, Milão, Paris, Londres, Sidney, ganhando destaque na
imprensa internacional8.
Apesar do movimento se declarar apartidário, existem
especulações que apontam a mobilização como fruto de arti-
culações manipuladas entre os políticos da oposição e empre-
sários locais9, como o jornal El Clarín, qualificando o evento

3. Mais informações em: http://www.abuelas.org.ar/


4. Mais informações em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2001/011220_renuncia-
cg1.shtml
5. Informação divulgada pelo diário La Nación na sua versão eletrônica, pelo site eletrônico
Infobae, entre outros.
6. Informação divulgada pelo jornal Gazeta do Povo, O Estado de São Paulo, El Clarín, La
Nación, Le Monde, entre outros.
7. Informação divulgada pelo jornal Gazeta do Povo, O Estado de São Paulo, El Clarín, La
Nación, Le Monde, entre outros.
8. A manifestação foi divulgada nos principais jornais na América Latina, Estados Unidos e
Europa – observações feitas em jornais na versão online nos dias 8 e 9 de novembro de 2012.
9. Informação divulgada pelo blog argentino Taringa e pelo site de notícias Tiempo Argentino.

196
Agendamento no 8N

como uma manobra para desestabilizar o governo de Kirch-


ner. Articulado legitimamente por cidadãos insatisfeitos ou
não, o fato é que o 8N teve grande aderência, fato este obser-
vado nas coberturas jornalísticas que mostraram milhares de
civis em vários pontos do país e nas embaixadas argentinas
de outras nações. É importante ressaltar que o 8N foi resulta-
do de um protesto anterior, sob o mesmo objetivo, o #13S10.
Posterior a esse, houve convocatórias para o #7D11 - criada
pelo governo, e os #18A12 e #8A13 mobilizados em 2013 por
ativistas de oposição ao governo que, a princípio, não têm
vínculos com partidos políticos. Entretanto, nenhum deles
teve o êxito da mobilização de novembro de 2012.
Tratando-se de uma ação desenvolvida no ambiente
online, é interessante observar a quantidade de usuários com
acesso à rede virtual na Argentina. Segundo dados publicados
pelo Banco Mundial14, 40% da população estão conectados
à internet, considerando que o número total de habitantes é
de 40.100.00015. O mesmo órgão ainda divulga que o acesso
à internet na Argentina tem tido um crescimento superior às
taxas mundiais16. Esses dados podem pressupor que o acesso
à internet condiciona o nível de interação e participação nos
ativismos online, embora esta análise careça de fundamentos
mais estudados e precisos para afirmar esta hipótese.
Segundo as temáticas elencadas pelos participantes du-
rante o 8N - dado este observado em análises de materiais jor-
nalísticos impressos, televisivos e virtuais coletados na impren-

10. Referente à data treze de setembro.


11. Referente à data sete de dezembro.
12. Referente à data dezoito de abril.
13. Referente à data oito de agosto.
14. Dados do Banco Mundial.
15. Dado do censo de 2010, divulgados pelo Instituto Nacional de Estadísticas y Censos (Indec).
16. Dados do Banco Mundial.

197
Mídia e política: observações e críticas

sa argentina17 e do exterior, o descontentamento é centrado na


atuação política da atual presidente. Isso foi aliado a queixas
como inflação, desvalorização da moeda nacional, restrição à
compra de dólares, insegurança, corrupção, desemprego, au-
mento nos impostos, mentiras e manipulação de dados emi-
tidos pelo Indec (Instituto Nacional de Estadísticas y Censos)
– que alega uma inflação inferior ao sentido pela população, e,
em menor escala, a liberdade de expressão e o monopólio das
informações do governo por parte da imprensa aliada18.
Essas queixas durante o 8N foram observadas a partir dos
vídeos das emissoras argentinas – jornalísticos ou de humor, pu-
blicados no Youtube, assim como em sites dos principais veícu-
los daquele país. Elas servirão de base para verificar a correla-
ção entre elas e as matérias jornalísticas veiculadas no Telenoche
antes do 8N, pois, com base nas reflexões de nos McCombs
sobre o agendamento, os editores e diretores de notícia possuem
a capacidade de captar e influenciar as nossas percepções nos
fatos que eles consideram relevantes, influenciando a saliência
dos tópicos na agenda pública (McCombs, 2009).

TELENOCHE: BREVE HISTÓRICO


E ANÁLISE DOS VÍDEOS JORNALÍSTICOS
O Telenoche é um telejornal argentino, veiculado pelo canal
El Trece desde 1966, sendo um dos mais tradicionais do país19. A
emissora pertence ao Grupo Clarín, que ocupa o segundo lugar no

17. Para este estudo, os dados analisados são exclusivamente de entrevistas realizadas com os
manifestantes no dia dos protestos do 8N, por emissoras argentinas que fizeram a cobertura,
sendo elas, Crónica TV, El Trece, Telefé, TV Pública, TN, Canal 9 e C5N. Esse material foi
analisado a partir do Youtube.
18. Informação divulgada pela ONG internacional “Global Voice”.
19. Informação disponível do perfil do Facebook do telejornal e no blog do programa.13.
Referente à data oito de agosto.

198
Agendamento no 8N

rating dos canais mais assistidos20. Seu telejornal mais importante, o


Telenoche, possui uma audiência de 12.2 pontos21 , e é transmitido
de segunda à sexta-feira durante o horário nobre, com 90 minutos
de duração. Em seu site institucional, o Grupo Clarín informa:

Consolidado como el más visto y confiable de la TV argen-


tina, Telenoche, en horario central, se destaca por su rigor
informativo y por la calidad de sus producciones especiales
[…]. En 2006, al recibir dos medallas de oro, Telenoche
se convirtió en el primer noticiero latinoamericano en ser
finalista de los Premios Emmy (GRUPO CLARÍN, 2013).

O jornal investe em uma linha editorial mais variada que


seu principal concorrente, o Telefe Noticias, pertencente à
emissora Telefé. Com documentários, entrevistas e matérias de
denúncia, nos últimos tempos, o Telenoche tem investido em
reportagens sobre políticas públicas negligenciadas no país. Nes-
se aspecto, pode-se dizer que o noticiário poderia servir de um
poderoso recurso midiático para formar a opinião pública sobre
o governo de Cristina Fernández. Mas para isto, é necessário en-
tender a posição ou intenções éticas que os órgãos de imprensa
ocupam, principalmente, na televisão, onde isso é central (Bour-
dieu, 1997). Ainda, se for considerado que outros programas e
veículos do grupo foram utilizados para desestabilizar o gover-
no, junto com o apoio de outras empresas de imprensa e de ou-
tros setores como o agropecuário – desafetos que a presidente
também desenvolveu com os ruralistas em 200822, desencadean-
do uma série de manifestações e greves, seria possível supor que
a imprensa estaria tentando desviar a atenção do público sobre

20. Dado coletado no site “Ibope Argentino”.


21. Dado coletado dia 17/07/2013, no site “Televisión Argentina”.
22. O conflito ocorreu quando a presidente decidiu aumentar os impostos sobre as exportações
de grãos (Resolução 125/08), desencadeando em bloqueios de estradas, protestos e greve.

199
Mídia e política: observações e críticas

a Ley de Medios, por exemplo, sob a lógica da teoria do agenda-


mento, definida como ação que “dirige nossa atenção às etapas
formativas da opinião pública quando então os temas emergem
e logo conquistam a atenção do público” (McCombs, 2009).
Nesse sentido, esses grupos de oposição comporiam
uma espécie de “facção política, por atuarem juntos, com o
apoio da imprensa” (Marcondes Filho, 1996, p.05), que neste
caso é um opositor declarado da presidência. Portanto, o El
Trece seria beneficiado pela exibição negativa de Cristina, por
tratar-se de um “princípio de uma nova composição política”
(Gomes, 2004, p. 120).
Sendo assim, para observar a existência de uma influência
de saliência nos tópicos da agenda pública argentina, foi estabe-
lecida uma análise dos vídeos durante os 29 dias que antecede-
ram as manifestações do 8N, que compreende o período de oito
de outubro a cinco de novembro de 2012 - intervalo selecionado
por conta do material disponível no site do El Trece. Os vídeos
coletados são das seguintes datas: 08/10; 09/10; 10/10; 11/1023,
15/10; 16/10; 17/1024; 18/1025 ; 19/10; 22/10; 23/10; 24/10;
25/10; 26/10; 30/10; 01/11; 03/11 e 05/11. Uma das dificul-
dades encontradas é que os vídeos do Telenoche não estão na
íntegra e tampouco podem ser filtrados por datas. Eles estão dis-
poníveis a partir de uma classificação dividida em quatro catego-
rias (a partir de ações feitas pelos usuários do site): “1. Últimos”;
“2. Más Comentados”; “3. Más Vistos”; “4. Más Votados”, nos
quais indicam as datas em que foram exibidos e com o número
de ações executado. Então, no intervalo observado, o total de ví-
deos foi 21, e todos eles estão contidos na categoria “Últimos”,
dos quais repetem nas categorias:

23. Para esta data, existem dois vídeos.


24. Para esta data, existem dois vídeos.
25. Para esta data, existem dois vídeos.

200
Agendamento no 8N

Tabela 01­– Vídeos do Telenoche distribuídos por categorias


MAIS MAIS MAIS
ÚLTIMOS COMENTADOS VISTOS VOTADOS
21 07 01 08
Fonte: El trece

Em todos os vídeos foram analisadas a abordagem


jornalística, contabilizando o seu tempo de duração. A pre-
sença de críticas ao governo, com o uso de imagens da pre-
sidente, também foi uma característica contemplada. Para
facilitar as análises, os vídeos foram classificados segundo o
conteúdo das matérias: Política; Segurança; Economia; Saú-
de; Entretenimento/Outros.

Tabela 02­– Classificação dos vídeos por conteúdo jornalístico


MAIS MAIS MAIS
ÚLTIMOS COMENTADOS VISTOS VOTADOS
Política 06 03 01 03
Segurança 03 - - 02
Economia 01 - - -
Saúde 01 01 - -
Entretenimento 10 03 - 03
ou Outros
Fonte: El trece

A comparação dos vídeos aponta que os conteúdos de


Entretenimento e Política foram os que mais tiveram ações nas
quatro categorias, embora, o primeiro item não traga nenhum
dado de interesse para este estudo, sendo, portanto, desconsi-
derado. As demais categorias (Segurança, Economia e Saúde)
não falam diretamente do governo nacional, mas citam as ne-
gligências cometidas nesses setores, com matérias que relatam
uma mãe que não consegue insulina para seu filho e ao fazer

201
Mídia e política: observações e críticas

a reclamação no ministério da saúde é filmada pelos funcio-


nários sem grandes explicações – enfatizando uma histeria no
governo, tratam da falta de segurança, através de uma matéria
sobre câmeras de vigilância que mostra cenas de assalto e van-
dalismo ou ainda, uma matéria que fala da polícia corrupta e
o avanço do crack sem grandes iniciativas para evitar essa rea-
lidade, assim, como uma matéria que mostrou uma mulher de
classe média que, atualmente, precisa dividir seu apartamento
com desconhecidos por não conseguir bancá-lo sozinha, por
conta da situação econômica que o país vive.
Já o item Política, critica explicitamente o governo. Seus
seis vídeos são compostos por matérias de longa duração, cujo
tempo varia de seis a vinte e nove minutos. Todos eles usam
termos jocosos, críticos, irônicos ou denuncistas para falar so-
bre o governo da atual presidente. Utilizam a imagem de Cris-
tina Fernández para mostrar caretas ou expressões grotescas,
com recortes em seus discursos que são remixados, geralmen-
te, acompanhados de música ou a voz de algum jornalista cuja
narrativa é desqualifica a presidente, totalizando um tempo de
1h 10min 17seg, o que representa 29% do tempo total dos
vídeos estudados durante os 29 dias de análise. Somando esses
vídeos aos das demais categorias (Segurança, Economia e Saú-
de) somam um total de tempo de 1h 44 min 15 seg, correspon-
dendo a 58% do total dos 21 vídeos observados. É importante
destacar que todo o tempo contabilizado foi transformado em
uma unidade única (segundos) para finalmente serem trans-
formados em horas, minutos e segundos. O conteúdo dessas
categorias trata de temas relacionados às acusações do governo
contra o Grupo Clarín, projetos habitacionais que o governo
não cumpriu desde o mandato de Néstor Kirchner – com forte
apelo emocional que incita à revolta contra os “K” (de Kirch-
ner), de supostas mentiras do governo sobre a fortificação das
fronteiras com tecnologia de ponta que não ocorreu, entre as

202
Agendamento no 8N

indiretas feitas por um jornalista – Jorge Lanata, que fala de um


governo déspota que atenta à democracia, em particular, após
ter a equipe de produção de seu programa26 perseguida durante
as coberturas presidenciais na Venezuela e retida no aeroporto
com o material jornalístico confiscado. Nesse ponto, o jornalis-
ta e apresentador afirma que não teve apoio do governo argen-
tino, sugerindo que isso poderia ter ocorrido por intervenção
de sua presidente. Foram quase 30 minutos de depoimento, no
qual o Telenoche não mencionou ter entrevistado ou ao menos
ter contatado algum representante do governo. Ao contrário,
investiram tempo para indiretas sutis, sob a acusação de que o
governo alegou que todos os relatos de Lanata não passaram
de uma invenção do jornalista, que é contra o governo.
A partir dessas observações, foi possível perceber que o
Telenoche utiliza considerável tempo de seu telejornal para cri-
ticar ações que estão sob o poder da esfera política. Portanto,
o noticiário pôde ter transferido a saliência de sua agenda para
a agenda do público, influenciando a opinião das pessoas que
foram protestar no 8N. Neste sentido, Szpacenkopf, afirma:

Nem tudo que acontece no mundo será noticiado e mui-


to menos com os detalhes que levem à “verdade dos fa-
tos”. Sabemos, no entanto, que só aconteceu o que foi
noticiado. Se não foi noticiado, é como se não tivesse
acontecido [...] O olhar do telejornal não é ingênuo. En-
tretanto, a recepção, o público não tomam conhecimento
disso, ao contrário, podem receber o que está sendo di-
vulgado como a totalidade do que aconteceu no mundo,
quer dizer, podem tomar a parte como um todo (SZPA-
CENKOPF, 2004, p. 197).

26. No canal El Trece, Jorge Lanata possui um programa chamado Periodismo para Todos,
que critica e debocha duramente o governo de Cristina Kirchner.

203
Mídia e política: observações e críticas

Sendo assim, o conjunto dessas informações fornecido


pelo telejornal poderia ter influenciado na “constituição de
imagens da realidade” (Lippman apud McCombs, 2009) ex-
perimentada pelos manifestantes, que possivelmente foram
maximizados por uma exposição negativa de informação, con-
veniente ao Grupo Clarín. A partir dos discursos realizados
durante os protestos do 8N, é possível ter uma amostra sobre
a incidência que houve entre as matérias jornalísticas do Tele-
noche e as queixas expostas pelos manifestantes.
Entretanto, como esta pesquisa não teve acesso aos pro-
gramas na íntegra, é precipitado afirmar que o agendamento
de fato ocorreu, apontando, portanto, a necessidade de uma
investigação mais profunda sobre a transferência de saliência
da agenda do Telenoche para a agenda da população que saiu
às ruas na noite de oito de novembro, dando entrevistas aos
jornalistas que cobriram as manifestações.


CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os meios de comunicação de massa condicionaram à
sociedade contemporânea a uma série de transformações, pos-
sibilitando novos recursos de assimilação e de interpretação
do seu meio. Nesse contexto, as empresas de informação são
influentes, podendo intervir na sociedade, principalmente, na
arena política.
A televisão, por sua capacidade de difusão e abrangência,
produz efeitos ora inéditos, ora terríveis. Ela consegue mobili-
zar uma grande massa a comportamentos em que, muitas vezes,
estão estruturados em conveniências puramente descontextua-
lizadas do interesse público, atendendo demandas corporativas,
descumprindo a premissa jornalística de que a informação deve
ser imparcial e de interesse de todos. Essa capacidade atribui
um grande poder na homogeneização de opiniões, que pode

204
Agendamento no 8N

banalizar os assuntos relevantes, despolitizar as sociedades ou


induzi-las a um pensamento de baixa criticidade, no qual está
sujeito a conclusões perigosas e precipitada dos fatos, servindo
às brechas da manipulação e do agendamento. Neste aspecto,
a transferência de saliência das agendas é uma importante alia-
da dos interesses corporativos na comunicação, principalmente,
tratando-se de um conflito que envolve governos. Pois é através
dos conteúdos transmitidos que as empresas midiáticas desviam
ou focam a atenção do público a certos assuntos.
No contexto político argentino, o governo de Cristina
Fernández de Kirchner encontra-se fragilizado por várias ra-
zões: a população está insatisfeita, há grandes protestos mas-
sivos contra o governo, falta o apoio ou a imparcialidade da
imprensa local, que pode estar sendo influenciada pela medida
governamental que pretende romper com a oligarquia das em-
presas de comunicação, entre outros fatores. Tratando da Ley
de Medios, quando aplicada, afetará drasticamente os interes-
ses comerciais das corporações comunicativas, principalmente,
os do Grupo Clarín, considerado o maior no setor daquele
país. Aparentemente, desde que o assunto da lei entrou em
pauta, o grupo e o governo de Cristina encabeçaram uma bri-
ga bastante contundente e sem sinuosidades. As ofensas e de-
clarações negativas são recíprocas e descaradamente públicas,
espetacularizadas fundamentalmente pelos veículos do grupo.
O poder outorgado pelo Grupo Clarín, permitiria agendar na
esfera pública uma série de preocupações e insatisfações, neste
caso, articuladas por seu principal noticiário, o Telenoche, pos-
sibilitando, inclusive, motivar protestos como os ocorridos no
país desde setembro de 2012.
Sobre as manifestações contra o governo da atual presi-
dente, o 8N foi uma das mais importantes, principalmente pelo
número de envolvidos e por sua aderência dentro e fora da
Argentina - demonstrando que a internet tem sido uma alter-

205
Mídia e política: observações e críticas

nativa que permite uma organização e mobilização de massas


insatisfeitas com seus líderes políticos, entre outras causas.
Porém, até que ponto essa massa não está sendo manipu-
lada por um agendamento que atende a interesses particulares
de corporações comunicativas, como é o caso do Grupo Clarín
naquele país? Neste caso, não está descartada a possibilidade do
Telenoche ter atuado na transferência de saliência de sua agenda
para a da pública, influenciando nas queixas dos manifestantes
contra o governo de Cristina Fernández, principalmente, quan-
do existe uma lei que pode desestruturar seu monopólio.
Embora este artigo observa o uso do poder jornalístico
do Telenoche sobre o governo, através de notícias sem qualquer
premissa de imparcialidade, recorrendo a recursos de humor,
ironia ou acusação para comprometer a imagem da presidente
Kirchner, é precipitado concluir se de fato ocorreu ou não o
agendamento do telejornal sobre os manifestantes do protesto
8N. Isso se deve ao fato de que durante o período estudado,
este trabalho não teve acesso aos programas na íntegra, por res-
trição de conteúdos do próprio site da emissora. Sendo assim,
é possível dizer que esta pesquisa pode direcionar a discussões
sobre a intenção do Grupo Clarín em influenciar na construção
de uma imagem negativa sobre governo, demonstrando que ele
pode usar técnicas como a do agendamento para pautar a agen-
da do público, principalmente, durante os períodos de conflito,
como a manifestação massiva do 8N. Por outro lado, indica que
o trabalho necessita de mais subsídios para analisar o poder de
influência do Telenoche nas queixas apresentadas pelos mani-
festantes. Dessa forma, ajudará a observar mais detalhadamen-
te os mecanismos atrelados ao ativismo coordenado nas mídias
virtuais, servindo de indicador sobre a legitimidade dessas ações
que tentam se firmar como alternativas políticas para superar
deficiências democráticas, aprofundadas pelos usos dos meios
de comunicação de massa tradicionais.

206
Agendamento no 8N

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210
Lei dos meios audiovisuais
O contexto de disputa de poder entre os campos
político e midiático na Argentina
Eduardo Covalesky Dias1

INTRODUÇÃO
A Lei de Meios Audiovisuais foi sancionada e promulgada
na Argentina em 10 de outubro de 2009. Baseada em princípios
de liberdade de expressão e pluralidade, os 21 pontos básicos
que norteiam a redação da Ley nº 26.522 foram debatidos e de-
finidos no dia 27 de agosto de 2004, quando a Coalición por una
Radiodifusión Democrática, formada por um grupo de sindi-
catos, universidades, organizações sociais, rádios comunitárias,
pequenas rádios comerciais e órgãos de direitos humanos, se
reuniu para construir a base de uma nova lei. O documento viria
a substituir a antiga lei nº 22.285, de 15 de setembro de 1980,
promulgada no governo do ditador Jorge Videla, baseada em

1. Mestrando em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em


Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

211
Mídia e política: observações e críticas

princípios da Doutrina de Segurança Nacional, política norte-


americana voltada a países da América Latina como forma de
conter a expansão do comunismo no contexto da Guerra Fria.
No artigo 5 do texto da lei nº22.285, que definia sobre
finalidade e interesse público, falava-se que

Los servicios de radiodifusión deben colaborar con el en-


riquecimiento cultural de la población, según lo exigen
los objetivos asignados por esta ley al contenido de las
emisiones de radiodifusión, las que deberán propender a
la elevación de la moral de la población, como así tam-
bién al respeto de la libertad, la solidaridad social, la dig-
nidad de las personas, los derechos humanos, el respeto
por las instituciones de la República, el afianzamiento de
la democracia y la preservación de la moral cristiana.

A Lei de Meios Audiovisuais promulgada no governo


Kirchner apresenta um conceito mais amplo sobre o que é o
interesse público, assinado por vários órgãos civis, no artigo 3.
Dentre os 15 itens, destaca-se como objetivo:

La promoción y garantía del libre ejercicio del derecho


de toda persona a investigar, buscar, recibir y difundir in-
formaciones, opiniones e ideas, sin censura, en el marco
del respeto al Estado de Derecho democrático y los de-
rechos humanos, conforme las obligaciones emergentes
de la Convención Americana sobre Derechos Humanos
y demás tratados incorporados o que sean incorporados
en el futuro a la Constitución Nacional.

A diferença do teor textual é uma das características que


demarcam a mudança na dinâmica de funcionamento dos meios
audiovisuais argentinos a que se propõe a lei atual, restringindo
práticas monopólicas e mudando a forma de administração e o
órgão regulador de tais atividades, dentre várias outras mudan-
ças. Em decorrência disso, houve a resistência por parte dos gru-

212
Lei dos meios audiovisuais

pos midiáticos afetados pela aplicação da lei, conflito simbólico


esse que já percorre mais de três anos em uma guerra de medidas
cautelares na Justiça, que suspendem artigos da lei.
Para entender o contexto de implantação da Lei de Meios
Audiovisuais na Argentina, é necessário entender o contexto
político deste período, no que tange às relações entre o campo
político e midiático.
A noção de campo social é problematizada por Pierre
Bourdieu, especialmente ao discutir o conceito de poder sim-
bólico. O autor dá ao campo social o sentido de espaço de
disputa e domínio de experiência por um viés sociológico.
Em “Sobre a Televisão”, Pierre Bourdieu conceitua o
campo social como

um espaço social estruturado, um campo de forças – há do-


minantes e dominados, há relações constantes, permanen-
tes, de desigualdade, que se exercem no interior desse espaço
– que é também um campo de lutas para transformar ou
conservar esse campo de forças (BOURDIEU, 1997, p. 57).

Para o sociólogo, nas relações entre campos, há dissonân-


cias, tensões, já que considera campo um espaço de lutas, mar-
cado por interesses em manter ou mudar as forças ali presentes.
Como precursor dos estudos de campos sociais aplica-
dos aos processos midiáticos, a pesquisa busca também fun-
damentação teórica nos estudos e nas definições de campos
sociais e campo midiático de Rodrigues (1999). O autor define
um campo social como:

(...) o resultado ou o efeito de uma gênese, de um proces-


so de autonomização secularizante bem sucedido, graças
à aquisição da capacidade de impor, com legitimidade,
regras que devem ser respeitadas num determinado do-
mínio da experiência, baseadas numa indagação racional
metodicamente conduzida (RODRIGUES, 1999, p. 18).

213
Mídia e política: observações e críticas

Para criar essa definição, Rodrigues (1999) ressalta que


o significado da expressão campo social deve ser entendida
com um sentido energético, e não espacial. Com essa metáfo-
ra, o autor pretende sublinhar o efeito de tensão que existe no
confronto entre campos autônomos, considerando que cada
um deles tem a ambição de regular o domínio da experiência
de sua área.
Por tornar-se o centro das relações tensionais entre vários
campos sociais, o campo midiático se caracteriza pela gestão de
conflitos. “Esta centralidade faz do campo um espaço social de
negociação permanente: dos diferentes campos sociais com o
campo dos media e dos diferentes campos sociais entre si” (ES-
TEVES, 1998, p. 170). No entanto, a relação entre os canais
oficiais é produzida em termos formais e explícitos, enquanto a
relação com as mídias acontece de uma maneira latente e implí-
cita, baseado num sistema de compensações mútuas.
Esse sistema de compensações se evidencia quando há
ações políticas ou econômicas que se tornam aproveitadas por
ambos, como uma ação política realizada em benefício da rela-
ção governamental com a mídia.

FAMÍLIA KIRCHNER X GRUPO CLARÍN


Desde 2003, quando Néstor Kirchner assumiu a pre-
sidência da Argentina, o crescimento econômico do país era
constante. Após a população ter sido imersa em várias crises,
que chegaram a causar a renúncia do presidente Fernando de
La Rúa, em 2001, Kirchner chegou ao poder em meio a um
processo eleitoral particular: dentre 19 candidatos, três deles
eram do mesmo partido, o Partido Justicialista (PJ), fundado
por Juan Domingo Perón e corrente política argentina mais
proeminente nos períodos democráticos da segunda metade
do século 21. Na disputa estavam Néstor Kirchner, Carlos Me-

214
Lei dos meios audiovisuais

nem e Adolfo Rodríguez Saá, todos do mesmo partido, mas


de correntes ideológicas distintas. O PJ “havia se convertido
no fim dos anos 90 em uma sociedade de partidos provinciais
peronistas sem horizontes ideológicos nacionais” (SIDICA-
RO, 2011, p. 75), e essa situação se refletia na disputa eleitoral.
Os dois primeiros avançaram a um segundo turno – Kirchner,
com 22% dos votos e o apoio do então presidente Eduardo
Duhalde; e Menem, com 24,3% dos votos, mas com uma re-
jeição muito grande por parte do eleitorado: 56%, segundo o
Instituto Rover e Associados, no dia 22 de abril de 2003. Antes
das eleições de segundo turno, as pesquisas apontavam entre
60 e 70% de intenções de voto para Kirchner. A derrota imi-
nente resultou na renúncia de Menem à candidatura à presi-
dência e, dessa forma, Néstor Kirchner foi eleito presidente
com a menor votação da história do país.
O governo atingiu altos níveis de popularidade, bene-
ficiado pela fragmentação social existente e pelo carisma de
Kirchner. Sidicaro (2011) afirma que, ao liderar um governo
apartidário, o presidente pôde reunir adesões de pessoas e gru-
pos alheios ou hostis ao peronismo, além de atores coletivos
como defensores dos direitos humanos, organizações sociais,
sindicatos, empresários, dirigentes de partidos em crise e parti-
dos peronistas provinciais. O programa de governo era pensa-
do durante o mandato, e a própria identificação do governo era
definida com o neologismo “kirchnerismo”, na contramão de
linhas políticas que falam sobre o trabalhismo, o progressismo,
o desenvolvimentismo.

Na Argentina esse tipo de neologismo formado a partir


de um sobrenome tem sido usual para designar grupos
ou correntes políticas que, sem ofertar princípios progra-
máticos bem definidos, fazem do pedido de adesão a um
indivíduo e aos que lhe destacam seu emblema principal
(SIDICARO, 2011, p. 83).

215
Mídia e política: observações e críticas

Como plataforma de campanha, havia a decisão de


recuperar o controle de atividades privatizadas na década
de 1990. Essa disposição gerou tensões, mas demarcaram
a característica governamental de se distanciar do neolibe-
ralismo. A gestão feita por Néstor Kirchner entre 2003 e
2007 atingiu, em dezembro deste ano, um índice de 57%
dos entrevistados que consideravam que o governo estava
resolvendo os problemas do país ou sabia como fazer, mas
necessitava mais tempo, segundo o índice de confiança me-
dido mês a mês pela Universidad Torcuato di Tella. O índice
demonstrava a confiança popular na sucessora de Néstor,
sua esposa, Cristina Fernández de Kirchner.
A gestão de Néstor Kirchner se manteve em afinidade
com o campo midiático do início ao fim do mandato. O país
vivia um período de crescimento econômico em diversos
setores, exemplificado pelo PIB: um crescimento de 95%
desde 2003, segundo o Instituto Nacional de Estadística y
Censos (Indec) – entidade que era questionada no primeiro
semestre de 2013 por suspeita de distorcer índices econômi-
cos, como a inflação. Às vésperas das eleições presidenciais,
em 2007, a relação entre o Grupo Clarín era boa. No entan-
to, Clarín e governo divergiam quanto à escolha da Frente
por la Victoria de lançar Cristina à presidência. A situação
permitia que Néstor Kirchner pudesse se candidatar à ree-
leição. No entanto, o projeto kirchnerista previa uma alter-
nância de poder entre o casal na Presidência da República,
de forma a buscar a perpetuação no poder (MAJUL, 2009).
Ainda assim, impulsionada pela aprovação a Néstor
Kirchner, a então senadora pela província de Buenos Aires
ascendeu à presidência com vitória em primeiro turno, com
45,3% dos votos. Na Argentina, a vitória em primeiro turno
pode ser alcançada quando o candidato alcançar mais de
45% dos votos válidos.

216
Lei dos meios audiovisuais

Para garantir uma boa gestão a Cristina, havia, no en-


tendimento de Néstor, a necessidade de uma boa relação
com o campo midiático. Em dezembro de 2007, uma medi-
da que futuramente viria a se tornar contraditória demarcou
a necessidade dessa boa relação: no dia 7 daquele mês, úl-
timo dia de governo de Néstor Kirchner, foi assinada pelo
então ministro do Comércio, Guillermo Moreno, a fusão
entre duas operadoras de TV a cabo, a Cablevisión e a Mul-
ticanal. Juntas, elas representariam 47% do mercado nacio-
nal do setor. Conforme Majul (2009, p. 381), Kirchner diz:
“Eu dou parte do que Clarín busca e Magnetto me deixa
governar tranquilo”.
A dissonância entre o Grupo Clarín e o governo Kir-
chner se tornou mais evidente a partir de 2008, quando no
primeiro ano de mandato a presidenta Cristina determinou
um aumento nos impostos sobre exportação de grãos da
Argentina. Majul (2009), no entanto, relata que o conflito
teria começado antes, ainda no início do mesmo ano, quan-
do se descobriu que o Governo tinha informações privi-
legiadas da capa do jornal do dia seguinte, repassadas por
um jornalista infiltrado na redação do Clarín. O país vivia
um crescimento econômico desde 2003, ano de posse do
presidente Néstor Kirchner, impulsionado pelo setor agrí-
cola e pela demanda industrial brasileira. O aumento nos
impostos foi uma forma que o governo criou para se utilizar
dos lucros de um setor em franca expansão e aumentar o
superávit fiscal.
No entanto, a medida presidencial foi o estopim para
a maior crise na gestão kirchnerista até então. A Resolução
125/2008 do dia 12 de maio de 2008 determinava um sis-
tema de retenções móveis para a exportação agrícola (trigo,
milho, soja e girassol), proporcional ao preço internacional
das commodities. A medida desagradou a sociedade patro-

217
Mídia e política: observações e críticas

nal agrária, que uniu grupos distintos de representação e


iniciou uma série de paralisações com o intuito de forçar
a suspensão da resolução. O trancamento de rodovias por
tempo indeterminado e as paralisações no campo começa-
ram a prejudicar a economia. Sarlo (2011) afirma que, como
resultado das mobilizações, houve um entendimento por
parte de setores de classes médias urbanas de que o conflito
agrário era democrático e institucional, e se posicionaram
em nome da oposição, a favor da elite rural: “rodearan a los
chacareros y a los grandes sojeros como si fueran una súbita
vanguardia republicana” (SARLO, 2011, p. 215-216).
O conflito agrário se tornou também urbano, tanto
pelos que produziam bens e serviços no interior quanto
pelos grandes centros, e se desenvolveu em sua dimensão
simbólica. Neste momento, a cobertura midiática de meios
privados se posicionava em favor das entidades patronais
agrárias, para desagrado dos Kirchner. O Grupo Clarín, alia-
do até o início do mandato de Cristina, tornava-se o alvo.
“Se ha repetido hasta el cansacio que Kirchner fue amigo
del Grupo Clarín mientras convergieron sus intereses y que
se volvió enemigo a causa de la línea difundida por el diario
durante el conflicto agrario” (SARLO, 2011, p. 217).
Naquele período, a presidenta Cristina enfrentava os
menores índices de aprovação por parte do eleitorado desde
o início da era Kirchner, contabilizando também a gestão
de seu marido Néstor Kirchner, que assumira o poder em
2003. A crise de gestão se agravava também pelo posicio-
namento do vice-presidente Julio Cobos em favor dos rura-
listas, o que, segundo Majul (2009), por pouco não resultou
na renúncia da presidenta. O atrito entre o Grupo Clarín e
o governo Kirchner se tornou mais evidente a partir deste
conflito.
É evidente, no entanto, que o processo de idealização

218
Lei dos meios audiovisuais

da nova Lei de Meios Audiovisuais da Argentina não foi


criada da noite para o dia. A principal proposta cidadã para
a democratização das comunicações foi apresentada em
2004 pela Coalición por una Radiodifusión Democrática,
que elencava os 21 pontos norteadores do texto da nova
lei. A Coalición foi uma ampla aliança formada em torno da
demanda por uma democratização midiática, que visava a
retomada de espaços democráticos junto à radiodifusão. A
antiga lei, nº 22.285, configurava a comunicação como um
bem comercial com controle do Estado, o que excluía enti-
dades sem fins lucrativos, que não podiam ser licenciatárias
de serviços de radiodifusão.
As tentativas de alteração na Lei de Radiodifusão es-
barravam, desde a década de 1980, quando a democracia foi
reinstaurada na Argentina, na resistência encontrada pela
reação de sindicatos patronais organizados. Os presidentes
Raúl Alfonsín, em 1985, e Fernando De La Rúa, entre 1999
e 2001, tentaram conceber uma nova legislação para regular
os meios de comunicação. O primeiro esbarrou na pressão
da Comisión Empresaria de Medios de Comunicación Inde-
pendientes (CEMCI) ao Congresso, que fez com que a pro-
posta nunca tramitasse no Legislativo. De La Rúa também
não teve êxito: “as políticas de comunicação da Alianza se
caracterizaram pela ‘continuidade do liberalismo comunica-
cional existente matizado por certas doses de transparên-
cia e prolixidade planificatória’ (GARCIA LEIVA, 2005, p.
303)” (SEGURA, 2011, p. 89).
Entre os dois mandatos, a gestão de Carlos Menem
colaborou para a flexibilização da Lei de Radiodifusão a fim
de possibilitar a constituição legal de conglomerados multi-
midiáticos. A Lei 23.696 de Reforma do Estado consagrou a
desregulação, a privatização e a desmonopolização para to-
das as políticas públicas, incluindo as de comunicações. No

219
Mídia e política: observações e críticas

segundo mandato, a abertura do setor de radiodifusão e de


telecomunicações para o capital financeiro transnacional e a
incorporação de novas tecnologias e serviços fortaleceram
o oligopólio no país (SEGURA, 2011, p. 89).
Neste contexto, organizações civis, movimentos so-
ciais, universitários e sindicatos do campo da comunicação
começaram a se articular politicamente de forma a enfrentar
modificações na lei nº 22.285. Esse ponto de mudança, se-
gundo Segura (2011), parte de uma percepção de que havia
a necessidade não só de ter acesso aos grandes meios, con-
trolar os existentes e ter seus próprios meios, mas também
lutar pela democratização do sistema comunicacional geral.
A situação política argentina dava indicadores de que a
mudança poderia acontecer em um governo alinhado a um
pensamento de centro-esquerda. As circunstâncias de tal
ato, no entanto, não poderiam ser previstas. Segura (2011)
coloca o governo Kirchner no contexto da nova esquerda
latino-americana e traça características da gestão com base
em outros autores, ao encontro de apontamentos feitos por
Sidicaro (2011) anteriormente:

La llegada al poder de fuerzas políticas “cuya orientaci-


ón programática era contraria a los esquemas neoliberales
aplicados hasta entonces” (Nazareno, 2010: 175) y que, en
conjunto, pueden ser ubicadas en sentido amplio “a la iz-
quierda del centro” (Panizza, 2005: 716) en la medida en que
“presentan desafíos al stablishment económico y activan a
los sectores populares” (Etchemendy, 2008: 104), impulsan
políticas más estatistas que sus antecesores, desarrollan di-
versas medidas de inclusión de ciertos actores sociales en el
gobierno y de participación en la definición de algunas po-
líticas públicas (Etchmendy, 2008: Panizza, 2005), fue vista
como una oportunidad por las organizaciones que impulsa-
ban reformas democratizadoras en las políticas de comuni-
cación en la región. (SEGURA, 2011, p. 95)

220
Lei dos meios audiovisuais

De 2004, quando as bases para a nova lei foram defi-


nidas pela Coalición, até o início de 2009, quando o projeto
de lei que substituiria a Lei de Radiodifusão entrou na pauta
do Congresso Nacional, vários fatos envolvendo a relação
entre o governo Kirchner e o Grupo Clarín permearam esse
processo. A boa relação entre os dois até o início de 2008,
período anterior aos conflitos agrários, possibilitou negó-
cios que causaram discordâncias internas junto aos grupos
que defendiam a nova lei. Em 2005, enquanto a Coalición
articulava para inserir na pauta presidencial um novo pro-
jeto de lei que derrogaria a Lei de Radiodifusão, o governo
Kirchner publicou o Decreto nº 527, que suspendia por dez
anos o vencimento das concessões aos proprietários dos
meios de comunicação de massa. A medida gerou crise den-
tro da Coalición, que deixou de funcionar por vários meses.
Voltou à cena, justamente, durante o conflito agrário, quan-
do o governo começou a questionar a atuação dos meios de
comunicação na cobertura do conflito e legitimou o discur-
so e os 21 pontos pela democratização dos meios debatido
há anos pela Coalición.
Como visto até aqui, o processo de instituição da Lei
de Serviços de Comunicação Audiovisual nº 26.522, conhe-
cida popularmente como Lei de Meios Audiovisuais, esteve
permeado por relações de poder nas três esferas: o Estado,
o mercado e a sociedade civil. É necessário definir o que
representa a sociedade civil.
A partir do conceito de Bobbio (1987), a sociedade
civil é entendida como um lugar ampliado em que cabem
todas as instituições presentes na sociedade e organizadas
fora da estrutura estatal. A definição é tomada a partir das
reflexões de Gramsci, de que existem duas esferas distin-
tas: a sociedade política e a sociedade civil – inclui-se nesta,
usualmente, as instituições econômicas, o que mais tarde

221
Mídia e política: observações e críticas

Gramsci incluiria como uma terceira esfera. Há uma ques-


tão funcional fundamental para que haja o discernimento e
a abertura de uma esfera a mais neste sentido: o interesse.
Tal abertura se torna visível no fim do século 19, quando as
auto-organizações começam a surgir.
A Lei de Meios Audiovisuais é um emaranhado com-
plexo de relações baseadas nos três interesses decorrentes
da diferenciação entre as três esferas: o poder, atribuído ao
Estado; o lucro, atribuído ao mercado; e a cidadania, atri-
buída à sociedade civil organizada. Por cidadania, utiliza-se
o conceito de Faxina (2012) que, por sua vez, constrói sua
teoria a partir de Cortina (2005), Chauí (1984) e Dagnino
(1994), dentre outros:

Tida como o conjunto de direitos e deveres ao qual uma


pessoa está sujeita na sua relação com a sociedade em
que vive, mas também na sua condição de indivíduo, a
cidadania é resultado de um processo em permanente
construção. Sua natureza não é estática, acabada, é pro-
cesso. Não é, portanto, um conceito que exprime algo já
dado, configurado, mas está em constante transformação,
ganhando nuances próprias em cada sociedade, por ser
construída, como toda prática humana, de acordo com
a cultura local. Por ser produzida culturalmente, ela só é
passível de construção no processo de alteridade. (FAXI-
NA, 2012, p. 94)

Neste sentido, pois, a Coalición, na Argentina, é for-


mada por um conjunto de segmentos da sociedade civil
(sindicatos, grêmios, coletivos universitários e de direitos
humanos, entre outros) que perceberam, desde a redemo-
cratização do país, em 1983, a necessidade de democratizar
o acesso aos meios de comunicação do país. A legislação
vigente, de 1980, não possibilitava o acesso ao espectro ele-
tromagnético de radiodifusão de maneira plural e igualitária

222
Lei dos meios audiovisuais

e centralizava o controle dos meios junto a uma comissão


formada pelo Executivo, por empresários do ramo e por se-
tores de inteligência do governo. Por uma questão política:
durante a Ditadura Militar, o controle dos meios de comu-
nicação estava subordinado ao Poder Executivo Nacional,
e a Lei de Radiodifusão tinha como um dos objetivos a se-
gurança nacional. A despeito deste artifício, a ideologia de
combate ao ideário comunista e o contexto da Guerra Fria
resultavam no controle do conteúdo e na delimitação do
acesso aos meios.

Los servicios de radiodifusión deberán difundir la infor-


mación y prestar la colaboración que les sea requerida,
para satisfacer las necesidades de la seguridad nacional.
A esos efectos el Poder Ejecutivo Nacional podrá esta-
blecer restricciones temporales al uso y a la prestación de
todos los servicios previstos por esta ley (LEY 22.285,
1980, artigo 07).

A Lei de Meios Audiovisuais produz várias mudanças


com relação à Lei de Radiodifusão, o que trataremos a se-
guir. A partir destas mudanças, sistematicamente explicita-
das no projeto de lei que tramitou no Congresso Nacional
antes de sua aprovação, pretende-se analisar as relações de
poder perceptíveis em alguns pontos. Sabe-se que, até hoje,
alguns dos artigos da lei nº 26.522 seguem tendo sua apli-
cação e constitucionalidade questionadas pela Justiça – que,
não obstante, também participa do jogo de poder disputado
entre o governo Kirchner e o Grupo Clarín, com constantes
acusações de corrupção por parte dos juízes federais.
Desde novembro de 2009, um mês após a sanção da Lei
de Meios Audiovisuais, o Grupo Clarín mantinha constantes
vitórias na Justiça ao suspender, por meio de medidas caute-
lares, os artigos 161 e 41. O primeiro determina um período

223
Mídia e política: observações e críticas

de um ano a partir da instituição da lei para que os grupos mi-


diáticos que detivessem número de concessões acima do per-
mitido se adequassem aos critérios estabelecidos. O segundo
afirma que as licenças dos serviços de comunicação audiovi-
sual são intransferíveis. Tais medidas, se aplicadas, prejudica-
riam o Grupo Clarín, que deveria se desfazer de 90% de suas
concessões – todas excedentes ao que diz a lei – num prazo
de um ano, sem a chance de transferi-las.
Em dezembro de 2012, o juiz Horacio Alfonso, da Cá-
mara Civil y Comercial Federal, havia decidido em favor da
constitucionalidade de todos os artigos da Lei de Meios. A
decisão abriu precedente para uma apelação por parte do Cla-
rín para que se habilitasse o recesso judicial de janeiro para o
andamento do processo. A decisão mais recente, tomada no
dia 17 de abril de 2013, considera os artigos 161 e 41 cons-
titucionais. No entanto, outros dois artigos cruciais para a
manutenção das licenças do Grupo Clarín foram declarados
inconstitucionais: os artigos 45 e 48. O primeiro delimita um
número máximo de licenças de canais por cabo e o segundo
refere-se a práticas de concentração indevida, que diz que “se
considera incompatível a titularidade de licenças de distintas
classes de serviços entre si quando não deem cumprimento
aos limites estabelecidos nos artigos 45, 46 e concordantes”.
O tribunal considerou fundamental distinguir os meios de
comunicação que usam espectro radioelétrico dos que não
requerem, como é o caso das TVs por cabo.
Atualmente, o julgamento da constitucionalidade da
lei tramita na Corte Suprema, após a Autoridade Federal de
Serviços de Comunicação Audiovisual (AFSCA) apelar con-
tra a inconstitucionalidade dos dois artigos. O julgamento
dará sentença em última instância com relação à lei, o que
deve ocorrer ainda no segundo semestre de 2013. Desde a
concepção da lei, o Grupo Clarín a questiona – chegando

224
Lei dos meios audiovisuais

a apelidá-la de “Lei Mordaça”, “Lei de Meios K”, “Lei de


controle de meios” e “Lei contra os meios” – posicionado
em um ponto de desfavorecimento econômico. Vários são
os sinais emitidos pelo governo de que a lei pretendia neu-
tralizar o poder do Grupo Clarín, e nos discursos de Cristi-
na, com frequência, são citadas as práticas monopólicas e a
concentração da informação. Em seu discurso no dia 18 de
março de 2009, quando apresentou publicamente o projeto
da Lei de Meios, Cristina disse:

Si ustedes me dijeran qué espero como resultado de


esta ley, diría que es que cada uno aprenda a pensar
por sí mismo y decida pensar, no como le marcan des-
de una radio, desde un canal, sino que, precisamente,
pueda acceder a toda la información, a todas las voces,
a todas las creencias religiosas, a todas las creencias
políticas para que, entonces, ese ciudadano pueda de-
cidir a qué dios le quiere rezar, a qué partido puede
ingresar, quién es el que no le gusta, quién es la que le
gusta; en definitiva, yo creo que solamente podemos
formar ciudadanos libres si esos ciudadanos tienen la
posibilidad de formar su propio pensamiento2.

LEI Nº 22.285/1980 X LEI Nº 26.522/2009


No projeto de lei apresentado ao Congresso Nacional,
um quadro comparativo entre a Lei de Radiodifusão de 1980 e
a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual é apresentado
como um resumo prático e didático sobre que mudanças im-
plicam a segunda sobre a primeira. O quadro é reproduzido e
traduzido abaixo.

2. Disponível em http://www.casarosada.gov.ar/index.php?option=com_content&task=view
&id=5701&Itemid=66

225
Mídia e política: observações e críticas

Tabela 01­– Comparativo entre a Lei de Radiodifusão (1980) e a Lei de


Serviços de Comunicação Audiovisual (2009)
LEI DE LEI DE SERVIÇOS DE COMU-
RADIODIFUSÃO (1980) NICAÇÃO AUDIOVISUAL (2009)
Objeto de Unicamente se regulam os Outorga marco legal a todos os Servi-
regulação serviços abertos (rádio e TV) ços de Comunicação Audiovisual in-
e os sistemas mais antigos, dependentemente do suporte técnico
como antenas comunitárias. utilizado para sua transmissão. O livre
A regulação é tão antiga que acesso às novas tecnologias permitirá o
se considera as rádios FM estabelecimento de garantias destinadas
como “novas tecnologias” a proteger o pluralismo e a diversidade
de todas as produções audiovisuais
Liberdade de Está limitada pelas necessida- Garante-se o direito humano universal
expressão des de Segurança Nacional. ao direito à informação e à liberdade
A lei atual admite restrições de expressão como prevê o artigo 13
à Liberdade de Expressão ba- da Convenção Americana sobre Di-
seadas neste motivo reitos Humanos, que implica o direito
a receber, difundir e investigar infor-
mações e opiniões. Os tratados de Di-
reitos Humanos são uma peça funda-
mental do espírito desta proposta
Autoridade de O organismo que regula o O organismo que regulará os Serviços
aplicação rádio e a TV está integrado de Comunicação Audiovisual será diri-
por militares, serviços de in- gido por um órgão colegiado integra-
teligência e empresários do por representantes do legislativo
nacional, da segunda e terceira mino-
ria e representantes do Poder Executi-
vo Nacional. Estabelece um Conselho
Multisetorial e Participativo integrado
por representantes das Universidades,
das Associações sem fins de lucro, dos
trabalhadores do setor, etc.
Monopólios e Admitia monopólios e oligo- Impede a formação de monopólios e
oligopólios pólios de meios. O Estado oligopólios. Promove o pluralismo do
tem uma participação sub- espectro e dos serviços de Comunica-
sidiária, já que só pode dar ção Audiovisual. O Estado, as Provín-
serviço em áreas geográficas cias, a Cidade Autônoma de Buenos
não rentáveis aos privados Aires e os Municípios terão frequên-
cias atribuídas
Proteção Não se protege o trabalho Garante e protege o trabalho local e
ao trabalho argentino nem se incentiva a argentino mediante cotas de exibição
argentino produção local de cinema local. Exige 70% de produ-
e local ção nacional nas rádios e 60% na TV

226
Lei dos meios audiovisuais

Licenciatários
A radiodifusão só se podia Permite o acesso a entidades sem fins
exercer como atividade com de lucro. Reserva com caráter inder-
fins de lucro. As modifica- rogável 33% do espectro para pes-
ções operadas durante a dé- soas jurídicas sem fins de lucro tais
cada de 90 facilitaram a con- como associações, fundações, entida-
centração horizontal por via des filantrópicas, etc.
da admissão dos multimeios
e a aparição de holdings. So-
Com mente
a aplicação
em 2005 da lei em vigência, algumas mudanças já
o Congresso
Nacional permitiu a pessoas
podem ser jurídicas
percebidas. No entanto, há uma vasta gama de al-
sem fins de lucro
terações queserem
necessitam
titulares deum aprofundamento sobre a situação
licenças,
midiática namasArgentina.
com algumas O completo cumprimento da lei, por
restrições
exemplo,
Produção pode
Não sealterar
fomentaem muito Fomenta
a produção a situação de concentração
a produção de conteúdos
de conteúdos de conteúdos educativos ou educativos e infantis. Estabelece um
dos meios
educativos e e a descentralização dos
infantis serviços
Conselho Assessoraudiovisuais no
sobre Audiovisual
país. O Clarín, maior conglomerado multimidiático da Argenti-
infantis e Infância para garantir o cumprimen-
to destes objetivos
na, possui 240 licenças de rádio e TV no país (incluindo canais
Qualidade da Estabelecem limites à qua- Promove a polifonia de informações
de TV a cabo,
informação
o que, de acordo com a nova lei, é absorvido
lidade da informação a di- e opiniões em concordância com o
pela necessidade fundir, a deque adequação). Se a lei for
deve ser veraz, estabelecido nos declarada cons-
pactos de Direitos
titucional naobjetiva sua totalidade,
e oportuna. Estes e se novos
Humanosrecursos em favor do
limites tem sido utilizados
Clarín não forem efetivados
para restringir a liberdade–de como é o caso da lei de meios
de âmbito municipal,
expressão proposta pelo governador da província
de Buenos Aires, Mauríciocondição
Meios públicos Só se prevê sua Macri ,Permite
e da província de Córdoba,
que as Universidades tenham
subsidiária. As Universida- emissoras sem restrições nem obriga-
José ManueldesDedevem La Sota - o grupo midiático sofrerá um abalo
ser titulares de ção de serem sociedades comerciais.
considerávellicenças em sua estruturaco-econômica,
por exploração Propõe-se umsendo
sistema deobrigado
meios esta-a
se desfazer de 90% de suas concessões atuais de rádio e com
mercial em TV. Só se previa tais com objetivos democráticos, TV.
a ATC como empresa co- participação e controle comunitário e
De acordo com mercialas propostas destes governadores, abertamen-
social
teMultiplicidade
apoiadasPermite pela oposição
que uma só pessoa Só se pode ter e10 pelos
ao kirchnerismo licenças meios de
de serviços
comunicação
de licenças sejaempresariais,
titular de 24 licençasos projetos
de abertos protegeriam os grupos
em serviços serviços abertos (rádio e TV)
midiáticos
abertos
situados nas duas províncias, eximindo de cumpri-
mento à lei federal, a despeito da instabilidade jurídica que isso
Multiplicidade Os sistemas de TV paga não As licenças de TV paga estarão limi-
possa
de licençasincorrer.
no têm limitações em relação tadas em número e em cotas de mer-
sistema por
A ação às licenças
de Mauricioque pode Macri
possuir écado
particularmente destacável.
assinatura uma mesma pessoa, sempre
O embate entre que não o governo
estejam na e o Clarín polariza a discussão polí-
mesma
tica no país.zona Emdemaio de Isto
cobertura. 2013, enquanto a constitucionalidade
facili-
ta a formação de monopólios
da Lei de Meios Federal se direcionava à última instância de

227
Mídia e política: observações e críticas

julgamento,
Participação Macri,
Não opositor
está prevista ao kirchnerismo
a participa- Dá participação eaoum dos possí-
Congresso Nacio-
veis candidatos à presidência de 2015, fez uso de um Decreto
parlamentar ção do Congresso Nacional, nal, e sua intervenção será obrigatória
dado que se trata de uma lei na conformação da Autoridade de
de Necessidade e Urgência
da Ditadura, razão pelapara
qualproteger
Aplicação,as da empresas privadas
eleição das autoridades
de comunicação é uma leidecentralista
qualquer expropriação
e antide- de licenças
dos Meios Públicos e bensdo
e da eleição
mocrática Defensor do
A Lei de Meios cria seis novas instituições, responsáveis Público. Dá participação
e representação à segunda e terceira
por administrar, fiscalizar e regular o sistema
minoria parlamentarde comunica-
ção audiovisual
Controle argentino:
Não está previsto Autoridade Federal
O controle do Congresso de Serviços de
está previs-
Comunicação (AFSCA), Conselho Federal de Comunicação,
parlamentar nenhum controle to para avaliar o funcionamento da
por parte do Autoridade de Aplicação, dos Meios
Conselho AssessorCongresso
da Comunicação Audiovisual e da Infância,
Públicos e do desempenho do De-
Comissão Bicameral de Promoçãofensor e Seguimento
do Público. Para da Comuni-
isso, cria a
cação Audiovisual, Defensoria do Público de Serviços Comisión Bicameral de Seguimiento
de Co-
y Promoción de los Servicios de Co-
municação Audiovisual e Conselhomunicación Consultivo Honorário dos
Audiovisual
Meios
Audiências Públicos.
Não estão previstas Está previsto o mecanismo de Audiên-
públicas Oe sistema e a pluralidade de cias vozes democratiza
Públicas para determinar o prorroga-
espaço
elaboração ções de licenças e decisões sobre o uso
de debate sobre os serviços de comunicação
participativa
audiovisual do
que se dará às novas tecnologias, por
país, ainda que o presidente da AFSCA
de normas exemplo,seja atribuído
o destino pelodigital
do dividendo Po-
der Executivo.
Publicidade SujeitaNo entanto,
a limites como o órgão
a mo- permite anãoparticipação
A publicidade está submetidada a
ral cristã. O tempo de publi- limites
oposição por meio de representantes das três maiores bancadas subjetivos, ainda que deva se
cidade nos serviços de TV ajustar a critérios objetivos e estabele-
do Congresso pagaNacional. Neste caso,
não é regulamentado cidosopela
conflito entre oo tempo
lei. Regulamenta campo de
midiático e o campo político se manifestou em novembro de
publicidade nos sistemas de TV paga
2012, quando
Publicidade Não um parlamentar deImplementa
está previsto oposiçãomedidas ao kirchnerismo
parafiscais para
argentina em desencorajar o investimento de pu-
Alejandro
meios estran- Pereyra, designado parablicidade fazer parte da AFSCA,
no exterior. teve
Desta maneira
sua
geirosdesignação bloqueada pelo governo após ser
não se permitirá questionado
deduzir do imposto
de
por entidades da sociedade civil pela sua participação renda o investido em publicidade
como
no exterior
advogado
Prazo de
de empresas midiáticas e por falsificar
As licenças duram 15 anos e As licenças duram 10 anos e podem
dados de seu
currículo.
licenças Apodem
impugnação gerou
ser prorrogadas porconflitos políticos
ser prorrogadas por 10 entre o Le-
anos mais, sob
gislativo e o Executivo, após o Clarín noticiar que partidários
10 anos mais realização de Audiências Públicas
Sinais
da de
oposição Os(Frente
sinais de TV paga nãoProgressista)
Ampla são Regula os canais de TV. Prevê
criticaram que as
Cristina
televisão sujeitos regulados, pela qual responsabilidades sejam assumidas
por bloquear nãoacumprem
participação de vozes
leis argentinas pelos contrárias no órgão
titulares dos conteúdos e nãoad-
de
ministrativocomo dos ameios.proteção ao menor, quem só presta facilidade de acesso.
nem tributam em nosso país. Desde o ponto de vista dos avanços
O artigo que fala sobre conteúdos de interesse público
As violações dos canais são tecnológicos se justifica dada a apari-
é relevante responsabilidade
para corroborar açõesção
de quem governistas
de novos atores que confronta-
na cadeia de valor
ram diretamente o Grupo Clarín. Aliás, essa é uma das grandes
distribui e não de quem pro-
duz ou comercializa

228
Lei dos meios audiovisuais

ressalvas
Informação quanto Não está à efetividade
previsto que os da Exige
Lei de aos Meios,
meios queque traz uma
mantenham uma
gama de inovações democráticas ao setor, porém é contamina-
do meio ao pú- meios devam proporcionar pasta de acesso público onde figure
blico sobre os ao público informação rele- toda a informação relevante do licen-
da pelo enfrentamento explícito em
compromissos vante
querer enfraquecer o con-
ciatário, como a ordenada pela Federal
glomerado
que motiva- acima da plena aplicação da lei, através
Comunications Comission dos vieses
(FCC) dos
ram a entrega Estados Unidos
possíveis de ação política. Dentro de interesse público, o artigo
da licença
77 da Lei de Meios fala sobre a necessidade de garantir o direi-
Requisitos Exige requisitos pessoais ba- Para ser titular de uma licença se pon-
to
paraaoser acessoseados
universal
na possedede conteúdo informativo
riqueza e derarão critérios derelevante
idoneidade ee en- de
acontecimentos
titular de uma preferênciaesportivos,
de aspectosencontros
pa- raizadofutebolísticos
na atividade. Excluiou outro
a possibi-
licença trimoniais lidade de ser titular a quem tenha sido
gênero esportivo. funcionário hierárquico de governos
Com base neste artigo e nodeplano de enfraquecimento
fato, atendendo à importância dos
econômico do Grupo Clarín – um dossiê, conforme meios na construção do EstadoMajul
de Di-
reito e da vida democrática
(2009) –, o governo argentino negociou com a Associação de
Transparência Esta lei possibilita que me- Promove um regime de transparência
Futebol
da titularidadeArgentino (AFA) de
diante a utilização a compra
socie- dedos direitos
titularidade de de transmissão
propriedade das li-
de todas as dades partidas de futebol
por ações, se escondadacenças
Primeira Divisão Nacional.
a verdadeira titularidade das
Como “carro-chefe” licenças
da programação, a transmissão futebolís-
tica
Novasfoi responsável
tecno- Destinada pela reestruturação
à obsolescência As novasdatecnologias
TV Pública, reorien-
são consideradas
tou
logiasa pauta publicitária a partir de um negócio de
pela sua concepção, esta lei uma ferramenta essencial para 600 milhões
assegu-
nasceu “velha”. Os avanços rar
de pesos anuais durante 10 anos. Mais do que isso, forçoua pluralidade e diversidade de vozes.
uma
tecnológicos das últimas três Promoverá a universalização de seu
decisão unilateral por parte
décadas indicam da AFA
o anacrôni- acessode romper
para diminuir aum contrato
brecha digital e
com a TyC Sports que já durava mais de 10 anos. À época, no
co da lei promover a alfabetização tecnológica.
contrato firmado entre a AFA e aPrevê serviços conexos aos de comu-
Chefatura de Gabinete de
nicação audiovisual em forma flexível,
Ministros, houve a promessa de que o valor
e com que excedesse
neutralidade tecnológica. 600Pela
milhões de pesos de arrecadação seriam 50% direcionados ao
primeira vez se auspicia a redistribuição
do conhecimento por via do aproveita-
esporte olímpico e amador. Até hoje, mento a das
publicidade arrecadada
novas tecnologias
com
Regime deo programa Fútbol para Todos nunca excedeu
Permite a propriedade con- Adota medidas para a desconcentra- o valor
anual dodecontrato
titularidade e o direito
junta de licenças de transmissão
de TV e em- ção da exploração dasmonopólica
competições de di-
licenças presas produtoras de sinais reitos de exibição, tal como existem
é cedido àsdeemissoras alinhadas ao governo. O descompasso
conteúdos. Isto favorece a nos EUA, Canadá e União Europeia.
rende um projeto de lei
criação de monopólios eme debate na Câmara
abu- Restringe de Deputados
a propriedade conjunta de
para que haja cessão onerosa de no mínimo 70% dosprodutoras
sos de posição dominante na licenças de TV e empresas direitos
matéria e afeta os custos do de sinais de conteúdo
de transmissão serviçodas competições
de TV por assinatura esportivas a outros canais de
TV aberta com o objetivo
no exercício deà diversificar
do direito in- a arrecadação publi-
citária. formação

Mais do que um conteúdo de interesse público, o pro

229
Mídia e política: observações e críticas

Federalismo Regulação inexistente Promove tanto a participação institu-


cional das províncias como a proteção
a conteúdos locais e regionais desti-
nados a sustentar a produção local.
Trata-se de um trabalho autêntico a
todos os membros da cadeia de valor
da produção audiovisual
Regime de É delegado ao Poder Exe- Regulamenta-se no marco do estabe-
sanção cutivo Nacional. Contempla lecido pelos Tratados Internacionais
que os meios devem denun- de Direitos Humanos
ciar aos atores e jornalistas
que atentem contra a segu-
rança nacional
Conteúdo Permite a codificação das Projeto prevê que as partidas de fute-
de interesse transmissões esportivas, im- bol relevantes possam ser vistas por
público pedindo o acesso aberto à TV aberta
maioria da população
Meios de Não estão previstos Promove a regularização de meios
propriedade comunitários, que estão excluídos há
social décadas
Indústria de Não se promove Promove a criação de conglomerados
conteúdos criativos e de conteúdos do mesmo
modo que tem sido realizado em vá-
rios países como EUA, Austrália, Ín-
dia, Canadá e Espanha
Acessibilidade Não está prevista Prevê adoção progressiva de medidas
de pessoas com para permitir que as pessoas com de-
deficiência ficiência acessem à programação, por
exemplo o sistema “closed caption”
Cooperativas Sua participação esteve proi- Estabelece um regime aberto de parti-
bida até 2005. Atualmente cipação para as cooperativas. Também
podem participar em forma se implementam medidas para evitar
restrita abusos de posição dominante
Cinema Não está previsto Estabelece uma cota de exibição de
nacional cinema nacional, como o fez França
e Brasil
Controle de Não se estabelece um regime Estabelece uma tarifa social
tarifas de de preços dos serviços pagos
serviços por
assinatura
Fontes: Ley de Radiodifusión (Ley nº 22.285/1980) e Ley de Servicios de Comunicación
Audiovisual (Ley nº 26.522/2009).

230
Lei dos meios audiovisuais

Com a aplicação da lei em vigência, algumas mudan-


ças podem ser percebidas. No entanto, há uma vasta gama
de alterações que necessitam um aprofundamento sobre a
situação midiática na Argentina. O completo cumprimento
da lei, por exemplo, pode alterar em muito a situação de
concentração dos meios e a descentralização dos serviços
audiovisuais no país. O Clarín, maior conglomerado multi-
midiático da Argentina, possui 240 licenças de rádio e TV
no país (incluindo canais de TV a cabo, o que, de acordo
com a nova lei, é absorvido pela necessidade de adequação).
Se a lei for declarada constitucional na sua totalidade, e se
novos recursos em favor do Clarín não forem efetivados –
como é o caso da lei de meios de âmbito municipal, propos-
ta pelo governador da província de Buenos Aires, Maurício
Macri3, e da província de Córdoba, José Manuel De La Sota 4
- o grupo midiático sofrerá um abalo considerável em sua
estrutura econômica, sendo obrigado a se desfazer de 90%
de suas concessões atuais de rádio e TV. De acordo com as
propostas destes governadores, abertamente apoiadas pela
oposição ao kirchnerismo e pelos meios de comunicação
empresariais, os projetos protegeriam os grupos midiáticos
situados nas duas províncias, eximindo de cumprimento à
lei federal, a despeito da instabilidade jurídica que isso possa
incorrer.
A ação de Mauricio Macri é particularmente destacá-
vel. O embate entre o governo e o Clarín polariza a discus-
são política no país. Em maio de 2013, enquanto a constitu-
cionalidade da Lei de Meios Federal se direcionava à última

3. Disponível em http://www.lanacion.com.ar/1582116-macri-busca-frenar-con-un-decreto-
la-ofensiva-contra-los-medios.
4. Disponível em http://www.lanacion.com.ar/1583047-de-la-sota-anuncio-un-proyecto-de-
ley-para-proteger-la-libertad-de-prensa.

231
Mídia e política: observações e críticas

instância de julgamento, Macri, opositor ao kirchnerismo e


um dos possíveis candidatos à presidência de 2015, fez uso
de um Decreto de Necessidade e Urgência para proteger as
empresas privadas de comunicação de qualquer expropria-
ção de licenças e bens
A Lei de Meios cria seis novas instituições, respon-
sáveis por administrar, fiscalizar e regular o sistema de co-
municação audiovisual argentino: Autoridade Federal de
Serviços de Comunicação (AFSCA), Conselho Federal de
Comunicação, Conselho Assessor da Comunicação Audio-
visual e da Infância, Comissão Bicameral de Promoção e
Seguimento da Comunicação Audiovisual, Defensoria do
Público de Serviços de Comunicação Audiovisual e Conse-
lho Consultivo Honorário dos Meios Públicos.
O sistema e a pluralidade de vozes democratiza o es-
paço de debate sobre os serviços de comunicação audio-
visual do país, ainda que o presidente da AFSCA seja atri-
buído pelo Poder Executivo. No entanto, o órgão permite
a participação da oposição por meio de representantes das
três maiores bancadas do Congresso Nacional. Neste caso,
o conflito entre o campo midiático e o campo político se
manifestou em novembro de 2012, quando um parlamentar
de oposição ao kirchnerismo Alejandro Pereyra, designado
para fazer parte da AFSCA, teve sua designação bloqueada
pelo governo após ser questionado por entidades da so-
ciedade civil5 pela sua participação como advogado de em-
presas midiáticas e por falsificar dados de seu currículo. A
impugnação gerou conflitos políticos entre o Legislativo e
o Executivo, após o Clarín noticiar6 que partidários da opo-

5. Disponível em http://www.pagina12.com.ar/diario/elpais/1-208509-2012-11-24.html.
6. Disponível em http://www.clarin.com/politica/Bloquean-designacion-director-oposicion-
AFSCA_0_816518469.html

232
Lei dos meios audiovisuais

sição (Frente Ampla Progressista) criticaram Cristina por


bloquear a participação de vozes contrárias no órgão admi-
nistrativo dos meios.
O artigo que fala sobre conteúdos de interesse pú-
blico é relevante para corroborar ações governistas que
confrontaram diretamente o Grupo Clarín. Aliás, essa é
uma das grandes ressalvas quanto à efetividade da Lei de
Meios, que traz uma gama de inovações democráticas ao
setor, porém é contaminada pelo enfrentamento explíci-
to em querer enfraquecer o conglomerado acima da ple-
na aplicação da lei, através dos vieses possíveis de ação
política. Dentro de interesse público, o artigo 77 da Lei
de Meios fala sobre a necessidade de garantir o direito
ao acesso universal de conteúdo informativo relevante e
de acontecimentos esportivos, encontros futebolísticos ou
outro gênero esportivo.
Com base neste artigo e no plano de enfraquecimento
econômico do Grupo Clarín – um dossiê, conforme Ma-
jul (2009) –, o governo argentino negociou com a Asso-
ciação de Futebol Argentino (AFA) a compra dos direitos
de transmissão de todas as partidas de futebol da Primeira
Divisão Nacional. Como “carro-chefe” da programação, a
transmissão futebolística foi responsável pela reestrutura-
ção da TV Pública, reorientou a pauta publicitária a partir
de um negócio de 600 milhões de pesos anuais durante 10
anos. Mais do que isso, forçou uma decisão unilateral por
parte da AFA de romper um contrato com a TyC Sports que
já durava mais de 10 anos. À época, no contrato firmado
entre a AFA e a Chefatura de Gabinete de Ministros, houve
a promessa de que o valor que excedesse 600 milhões de
pesos de arrecadação seriam 50% direcionados ao esporte
olímpico e amador. Até hoje, a publicidade arrecadada com
o programa Fútbol para Todos nunca excedeu o valor anual

233
Mídia e política: observações e críticas

do contrato e o direito de transmissão das competições é


cedido às emissoras alinhadas ao governo. O descompasso
rende um projeto de lei6 em debate na Câmara de Deputa-
dos para que haja cessão onerosa de no mínimo 70% dos
direitos de transmissão das competições esportivas a outros
canais de TV aberta com o objetivo de diversificar a arreca-
dação publicitária.
Mais que um conteúdo de interesse público, o pro-
grama Fútbol para Todos é o principal produto midiático
do governo para fazer frente à audiência do Canal 13 com
o programa Periodismo para Todos, transmitido no do-
mingo à noite e que, semana após semana, tem denunciado
esquemas de corrupção no governo 7. É também uma das
ferramentas utilizadas para explicitar o conflito simbólico,
por meio de peças publicitárias como o 7D 8, uma referên-
cia à data de 7 de dezembro de 2012, tida como limite para
que o Grupo Clarín se desfizesse das licenças excedentes
ao que dizia a lei.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aplicação da Lei de Meios é resultado de um con-
flito de poder entre o campo midiático e o campo po-
lítico, atravessados por atores coletivos posicionados em
uma terceira esfera pública: a sociedade civil organizada,
representada por diversos órgãos. Muitos deles, a partir
da aplicação da lei, possuem espaço no Conselho Federal

6. Disponível em http://www1.hcdn.gov.ar/proyxml/expediente.asp?fundamentos=si&numex
p=8497-D-2012.
7. Disponível em http://www.lanacion.com.ar/1583926-admiten-que-cambian-los-horarios-
del-futbol-por-el-rating-de-lanata.
8. Disponível em http://www.lanoticia1.com/noticia/7d-el-video-de-cristina-contra-clarin-
por-la-ley-de-medios-en-futbol-para-todos-54442.html

234
Lei dos meios audiovisuais

de Comunicação Audiovisual. Isto, sem dúvida, expande


o espaço cidadão e a democracia dentro do novo sistema
geral de comunicação massiva.
É necessário se analisar com cuidado os fatores que
motivam a aplicação da lei, por isso é essencial que se en-
tenda o contexto em que o conflito entre o kirchnerismo e o
Grupo Clarín começou. Com base nestas informações, con-
segue-se visualizar as causas e as consequências do conflito
em um âmbito macro. Pontualmente, a cobertura midiática
trata o embate em suas particularidades. Isso torna a análise
sobre o processo de instituição da Lei de Meios bastante
complexa e subjetiva. Na atual situação governamental da
Argentina, o conflito soa ideológico. Em sua origem, po-
rém, é baseado nos três interesses explicitados por Faxina
(2012) quanto às esferas públicas.
A sociedade civil organizada percebeu a necessidade
de uma nova Lei de Meios e se organizou politicamente para
isso a partir de ações legitimamente democráticas. O pro-
cesso de inserção na pauta presidencial durou pelo menos
quatro anos – de 2004 a 2008 – até que houvesse o interesse
por parte da gestão presidencial de levar a cabo o projeto.
Como parte de um plano para enfraquecer economicamente
o maior grupo midiático do país – que, após 7 anos de pro-
ximidade com o governo, voltou-se contra as medidas em
defesa da livre iniciativa e do setor econômico - e fortalecer
o próprio poder, Cristina investiu na instituição da Lei de
Meios Audiovisuais, concebida como uma voz de pluralida-
de e fortalecimento de rádios comunitárias e canais de TV
de entidades sem fins lucrativos. A efetivação deste benefí-
cio à sociedade civil é mantida longe do discurso midiático
empresarial, que não costuma citar a participação de ou-
tros organismos fora da bipolaridade entre campos político
e midiático. Em sua essência, no texto e em seu propósito

235
Mídia e política: observações e críticas

(mais ainda se comparada à antiga Lei de Radiodifusão), a


Lei de Meios Audiovisuais é democrática e bastante louvada
por organismos internacionais de liberdade de expressão e
de direitos humanos, mas bastante criticada por associações
midiáticas empresariais de vários países justamente por en-
frentar os monopólios e as concentrações indevidas de con-
cessões públicas de rádio e TV.
A contextualização histórica imbricada em aconteci-
mentos políticos e relações de poder descritas neste traba-
lho mostram a situação do embate entre o Grupo Clarín e o
governo Kirchner, mas de forma alguma encerra ou resume
os fatos. A Lei de Meios está em vigor há quase quatro anos,
mesmo tempo em que medidas cautelares e julgamentos em
várias instâncias se arrastam na Justiça. Constantemente,
por parte do campo político, partem ações em defesa da
empresa, e há o interesse de ter ao seu lado a opinião do
grupo que se mantém como o maior conglomerado multi-
midiático do país, apesar das investidas governamentais.

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Mídia e política: observações e críticas

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238
A série “Diários Secretos”
um exemplo de escândalo político
Paula Andreola1

INTRODUÇÃO
A cada dia, mais escândalos políticos vêm sendo transmiti-
dos pelos veículos de comunicação como forma de demonstrar à
sociedade aquilo que fica por trás dos setores que detêm certo tipo
de poder. Com o objetivo de informar as pessoas e cumprir o pa-
pel do jornalismo, as empresas direcionam profissionais para fica-
rem, de forma específica, responsáveis pela coleta de informações,
descobrindo fraudes políticas e investigando diversos setores.

1. Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especia-


lista em Comunicação Estratégica e Negócios pela Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUC-PR). Bacharel em Comunicação Social – Relações Públicas (PUC-PR).
2. [Do gr. aporía.] S. f. 1. Filos. Dificuldade de ordem racional, que parece decorrer exclusiva-
mente de um raciocínio ou do conteúdo dele. 2. Hist. Filos. Conflito entre opiniões, contrárias
e igualmente concludentes, em resposta a uma mesma questão. 3. E. Ling. Figura pela qual o
orador finge hesitar, ter dúvidas, na escolha de uma expressão, de um rumo para o discurso.

239
Mídia e política: observações e críticas

O aparecimento de escândalos midiáticos e suas ocor-


rências não datam de hoje, diferentemente do que se imagina,
escândalos já ocorriam antigamente, mas hoje tomam uma pro-
porção e visibilidade maior na mídia devido principalmente às
transformações e desenvolvimento dos meios de comunicação.
A fim de agendar um assunto para os telespectadores a
RPCTV – Rede Paranaense de Comunicação TV-, juntamente
com o Jornal Gazeta do Povo, investigaram os diários da As-
sembléia Legislativa do Paraná e a partir das investigações pro-
duziram a Série Diários Secretos, que apresentou a contratação
de funcionários fantasmas e corrupções que haviam no local.
Utilizando imagens de documentos e entrevistas para
passarem mais credibilidade, a Série fez parte da programação
da primeira edição do telejornal da RPCTV, além de ser citada
em outros telejornais inclusive nacionais.
Sendo assim, o artigo tem por objetivo relatar fatos im-
portantes da Série, conceituar temas relacionados com poder,
escândalos políticos, telejornalismo e jornalismo investigativo.


SUICÍDIO DE VARGAS, WATERGATE
E DIÁRIOS SECRETOS
Na década de cinqüenta o Brasil já presenciava escân-
dalos políticos que repercutiam mesmo sem a grande di-
vulgação dos veículos de massa. Recentemente trazida por
Chateaubriand, em 1950, a televisão ainda não tinha o poder
dos dias atuais, pois somente uma parte da população com
alto poder aquisitivo poderia tê-la, sendo assim, o suicídio de
Getúlio Vargas, um exemplo de escândalo político, de 1954,
foi noticiado pela imprensa minutos após o ocorrido. Mesmo
já havendo estações de rádio, a população tinha como fonte
primária de informação os jornais que, em casos como este,
publicava edições extras.

240
A série “Diários Secretos”

Devido à grande importância pública do Presidente Ge-


túlio Vargas, a causa de sua morte não pôde deixar de ser noti-
ciada ou omitida por jornalistas, isso porque a imprensa brasi-
leira de meados dos anos 50 não se intimidava diante da morte
voluntária, diferentemente do que seria a imprensa no final da
década, além do mais, toda a imprensa o atacava, com exceção
de Samuel Wainer, do Jornal Última Hora, que fora fundado
sob inspiração política do próprio presidente.
A primeira edição da Ultima Hora foi lançada em 12
de Junho de 1951. O jornal nasceu em um período de forte
efervescência política e social. Após voltar ao poder, uma das
grandes mudanças que o governo de Getúlio enfrentou foi a
relação com a imprensa, pois esta só falaria do seu governo
para criticar. Era o que Weiner chamava de “conspiração do
silêncio”. Segundo ele, o Última hora “era um jornal de oposi-
ção à classe dirigente e a favor de um governo”, no caso o de
Getúlio. Foi considerado um marco no jornalismo brasileiro
inovando em termos técnicos e gráficos.
Outro veículo que teve importância, relacionado ao suicídio
de Vargas, foi a Revista O Cruzeiro. Trabalhando nesta revista que
Samuel Weiner conheceu Vargas, iniciando uma relação que re-
sultou na criação do Última Hora. Foi a principal revista ilustrada
brasileira do século XX, fundada por Carlos Malheiro Dias e diri-
gida por David Nasser, publicada a partir de 10 de novembro de
1928, pelos Diários Associados de Assis Chateaubriand. Inovou
no fotojornalismo e na inauguração da dupla repórter-fotógrafo.
O lançamento da revista teria sido uma empreitada de
Chatô e Getúlio, já que, apesar de intuitos diferentes, Chatô
visando o lucro e Getúlio a popularidade, utilizavam em alguns
momentos dos meios para atingirem seus objetivos. A idéia
veio de Chatô, de criar uma cadeia nacional de informação, o
que interessou Vargas, já que este acreditava que o país precisa-
va de instituições que lhe dessem unidade.

241
Mídia e política: observações e críticas

Em 1954, Chatô, proprietário da revista, estava posicio-


nado ao lado do jornalista Carlos Lacerda, principal adversário
político de Vargas, sendo assim, a posição editorial da revista
favorecia a oposição ao governo. Segundo Bibiana (2008) Cha-
tô estava lutando pelos seus interesses e empresas enquanto
Getúlio era democrata que sem o apoio das forças armadas
vivia sob forte oposição. Nesta época, “Chatô alia-se a Lacerda
numa campanha contra o jornal getulista “Última Hora”, de
propriedade do seu antigo funcionário Wainer que tinha po-
sições claras a favor do governo Vargas e por isso ganhava
benefícios financeiros e apoio político.” (2008, p.03)
Na cobertura do suicídio de Getúlio Vargas a revista
atingiu a tiragem de 720.000 exemplares, sendo que até então,
o máximo alcançado fora de 80.000. Nos anos 60 a revista en-
trou em declínio e seu fim foi em Julho de 1975.
Até seu suicídio Vargas estava sob grande pressão política
e pessoal. Segundo Dapieve (2006), a oposição udenista fazia
uma campanha contra o governo de Getúlio, que acabava de dar
um aumento de 100% ao salário mínimo; as multinacionais o
sabotavam, contrariadas pela lei que limitava a remessa de lucros
para o exterior em 10%; os militares haviam retirado o seu apoio
e a quase totalidade da imprensa o atacava ferozmente.
A pressão contra Getúlio Vargas aumentou dezenove dias
antes de seu suicídio, com o atentado a Carlos Lacerda, jornalista
e deputado federal pela UDN (União Democrática Nacional)
e principal opositor do presidente, em 05 de Agosto de 1954.
Gregório Fortunato, chefe da guarda presidencial, conhecido
como Anjo Negro, foi dado pelo inquérito Policial militar como
o mandante direto do atentado. Lacerda foi ferido com um tiro
no pé e o Major Vaz, oficial da aeronáutica e segurança do políti-
co, foi baleado no peito e morreu a caminho do hospital. Apesar
de não ter ligações diretas com o atentado, ao saber do ocorrido
Getúlio disse que o tiro teria sido uma punhalada em suas costas.

242
A série “Diários Secretos”

Até seu vice, Café Filho, mesmo sem intenção de aban-


donar a presidência, estava a favor de sua renúncia junto com a
oposição. Getúlio Vargas se suicidou no Palácio do Catete, no
Rio de Janeiro, então capital da República, com um tiro do seu
revólver Colt calibre 32 no coração, às 08h25m do dia 24 de
Agosto de 1954.
Já internacionalmente é possível citar um dos escândalos
de poder mais importantes das últimas décadas. O Watergate,
emblema do jornalismo, que ocorreu em 1972. A investigação
jornalística sobre o caso fez com que Richard Nixon, presiden-
te dos Estados Unidos na época, renunciasse.
O escândalo ficou conhecido por Watergate porque cinco
homens foram presos, em 16 de Junho de 1972, carregando dis-
positivos para grampear conversas e tentando entrar no quartel
general do Comitê Democrático Nacional em um hotel e com-
plexo de apartamentos chamado Watergate em Washington.
O caso começou a repercutir a partir da cobertura feita
por Bob Woodward, repórter local do Washington Post, no
dia seguinte, ao ter sua atenção voltada para o fato de um dos
cinco homens apresentados, McCord, ser o coordenador de
segurança do Comitê para reeleger o Presidente, no caso Ni-
xon. Junto com Carl Bernstein, também repórter, Woodward
ficou quase dois anos cobrindo o caso, segundo reportagem do
Jornal Gazeta do Povo em 10 de Junho de 2012.
Woodward e Bernstein, com suas reportagens, consegui-
ram manter o assunto em pauta, mas por falta de evidências o as-
sunto logo foi substituído por outros acontecimentos. Segundo
Thompson (2002), apesar da Casa Branca ter declarado que não
tinha nada a ver com o caso, mais tarde ficou claro que nos dias
seguintes Nixon e seus assessores ficaram preocupados com as
conseqüências políticas e começaram a destruir documentos que
pudessem conter provas incriminadoras. Além disso, planejaram
estratégias para impedir a investigação do caso pelo FBI. Como

243
Mídia e política: observações e críticas

o impacto imediato foi sem importância, Nixon venceu a eleição


presidencial de 1972 por grande maioria.
No ano seguinte, o escândalo tomou maior proporção a
partir do julgamento dos invasores, em 08 de janeiro de 1973.
Eles foram declarados culpados e receberam pena severa.
Como havia desconfiança que os culpados haviam sido com-
prados, em 07 de fevereiro o Senado votou a criação de um
comitê para investigar o caso. Em 23 de Março, o Juiz Sirica leu
uma carta de McCord afirmando que havia sido feita pressão
política sobre os acusados para que se declarassem culpados e
permanecessem calados, e que outras pessoas estavam envolvi-
das na operação não tinham sido identificadas.
Essa carta foi um passo para que os acontecimentos
do Watergate voltassem a receber ampla cobertura da mídia,
tanto impressa com televisiva, e começassem a se desdobrar.
As audiências televisionadas do comitê começaram em 17 de
maio. Em Junho, João Dean, antigo conselheiro da Casa Bran-
ca foi chamado para depor e suas informações mostravam o
encobrimento de Nixon no caso. Em 16 de Julho de 1973,
Alexandre Butterfield, antigo assistente de pessoal de Nixon
afirmou publicamente sobre um segredo que se tornou prova a
subseqüência dos acontecimentos: “Nixon tinha instalado um
sistema secreto para gravar conversações em seus escritórios
privados na Casa Branca.” (Thompson, 2002, p. 247).
A partir daí o comitê solicitou algumas fitas para serem
escutadas. Inicialmente Nixon resistiu ao pedido, mas em 19
de Outubro ele acenou que as tornaria acessível. A posição de
Nixon perante as pesquisas de opinião começava a enfraquecer
e apareciam os primeiros sinais sérios que o levaram ao impea-
chment. Entre o outono de 1973 e a primavera de 1974 foram
apresentadas mais fitas, sendo que algumas eram entregues edi-
tadas por Nixon. A batalha pelas fitas foi importante pelo fato
de serem evidências que poderiam mostrar quanto o presiden-

244
A série “Diários Secretos”

te conhecia sobre a invasão e o que teria feito, mas Nixon ne-


gava que tinha conhecimento antecipado sobre o acontecido.
Uma das fitas aumentou a desconfiança sobre o envolvi-
mento do presidente. Identificaram uma pausa na gravação que
apagava parte da conversa entre Nixon e seu chefe de pessoal,
Robert Haldeman. Porém, segundo Thompson (2002, p. 249),
foi “a fita de 23 de Junho de 1972 que a Suprema Corte ordenou
a Nixon que entregasse a 24 de Julho de 1974, que finalmente
tornou sua posição insustentável.” Nesta, Nixon e Haldeman
discutiam para impedir a investigação do FBI sobre a invasão e
para isso deveriam pedir ao diretor adjunto da CIA para intervir.
Ao escutarem a fita, seus assessores duvidaram que ele
iria sobreviver à transcrição e o forçaram a renunciar. Assim, Ni-
xon optou por entregar a transcrição juntamente com uma de-
claração admitindo que algumas seções estavam em desacordo
com suas declarações anteriores. Rapidamente perdeu o apoio
tanto da Casa como do Senado. Foi então em 08 de Agosto que
Nixon anunciou sua renúncia num programa televisionado.
Nixon não foi condenado por planejar ou ordenar a in-
vasão que levou à sua queda, mas as fitas trouxeram à públi-
co um mundo oculto de poder que poucos cidadãos comuns
imaginariam. A reação na mídia e entre os políticos, segundo
o autor, foi avassaladoramente negativa. Sua carreira política
terminou abruptamente e sua reputação foi manchada pelos
acontecimentos que levaram a sua renúncia.
Thompson comenta que as consequências políticas do
Watergate foram muitas, tendo impacto na atividade legisla-
tiva e no clima político do congresso; na condução prática
da política presidencial e na orientação política dos meios
de comunicação. Foram aprovadas leis pelo Congresso que
tinham conexão com o Watergate como, por exemplo, o
cargo de Consultor Independente para investigar casos de
suposta má conduta de funcionários presidenciais. Além

245
Mídia e política: observações e críticas

disso, modificou a condução da política presidencial na me-


dida em que os presidentes em exercício lutavam para evitar
esse tipo de catástrofe.

A experiência do Watergate contribuiu também para


uma gradual mudança nas regras de envolvimento da
mídia, à medida que jornalistas, editores e outros in-
divíduos com acesso às formas midiáticas de comu-
nicação começaram a se interessar mais em procurar
apoderar-se e tornar públicas informações e alegações
com respeito às atividades privadas, ocultas e po-
tencialmente comprometedoras das figuras políticas
(THOMPSON, 2002, p. 255).

Por mais de 30 anos, a identidade do informante que


delatou o envolvimento do governo com a invasão no edifício
Watergate foi mantida em segredo. Em 2005, a fonte conheci-
da como “Garganta Profunda” revelou seu rosto e seu nome.
Era Mark Felt, ex-vice-diretor do FBI.
Neste ano, em 17 de Junho, o escândalo completou 40
anos, e o Jornal Gazeta do Povo produziu uma reportagem
relembrando o caso, entrevistando jornalistas e mostrando
que casos como este inspiram reportagens como a série “Di-
ários Secretos”.
Segundo reportagem de Rodolfo Stancki, o escândalo
foi um marco da imprensa que começou por uma investi-
gação jornalística. Francisco Karam, professor do curso de
Jornalismo da UFSC diz que:

é um momento que mostra o poder da investigação da


imprensa, que mantém um papel fundamental na manu-
tenção de uma sociedade democrática...Os repórteres se
debruçaram sobre os fatos, conversaram com centenas
de pessoas e isso resultou num ato de grande significado,
que é a renúncia de um presidente.

246
A série “Diários Secretos”

Para Elza Oliveira Filha, o exemplo do Watergate deve


ser continuamente lembrado, diz que é preciso “mostrar a ne-
cessidade do aprofundamento na investigação jornalística.”
Além de servir de padrão para o jornalismo investigati-
vo, o escândalo teve grandes conseqüências políticas, sendo a
mais evidente a mudança no governo norte-americano. Para
Luis Grohmann, cientista político, “Nixon foi o último pre-
sidente dos EUA a representar o conservadorismo atrasado
da década de 1950. Sua saída coincidiu com o declínio desse
modelo.” Segundo ele o país partiu para uma agenda neoliberal
que reforçou o controle da corrupção no governo. Por fim,
Sean Purdy, historiador, afirma que o escândalo “ensinou” os
governos posteriores a lidar com a mídia. “Na época, a guerra
do Vietnã foi televisionada. Em 2003, a imprensa americana
não tinha cobertura exclusiva da Guerra do Iraque. O que se
via na tevê era o que tinha sido vendido pela gestão de Bush”.
Segundo Thompson, a relação entre os escândalos e a
mídia está no fato de que o escândalo vende, é possível comer-
cializar e, como organização, a mídia tem interesse financeiro.
Os escândalos midiáticos “não são simplesmente escândalos
noticiados pela mídia e que existem independente dela: eles
são de diferentes maneiras e até certo ponto, constituídos por
diferentes formas midiáticas de comunicação.” (2002, p.59)
Os escândalos políticos e mais especificamente escânda-
los de poder nas Câmaras, Assembléias e Ministérios são vei-
culados frequentemente nos veículos de comunicação, o que
faz com que a sociedade fique anestesiada às novas notícias e
fatos. Isso se deve também à demora ou até falta de justiça feita
diante dos ocorridos para punir os responsáveis.
Em 16 de Março de 2010, a Rede Paranaense de Comu-
nicação (RPCTV) e o Jornal Gazeta do Povo deram início à
divulgação da série “Diários Secretos”. Essa série de reporta-
gens apresentou todas as movimentações de funcionários da

247
Mídia e política: observações e críticas

Assembléia Legislativa do Paraná (Alep), mostrando escânda-


los ocorridos na Assembléia. Até o final da divulgação da sé-
rie, em 24 de Abril de 2010, nomes, prisões, recadastramentos,
protestos, entre outros acontecimentos foram revelados.
A investigação sobre os diários começou quase dois
anos antes da divulgação, tendo como jornalistas responsá-
veis Karlos Kohlbach, Katia Brembatti, James Alberti e Ga-
briel Tabatchek. Em entrevista feita em 31 de Julho de 2012,
com James Alberti, ele conta que inicialmente a investigação
tina dois objetivos. Primeiro o de levantar a quantidade de
funcionários da Assembléia e segundo o de acabar com os
diários avulsos que existiam.
A análise foi feita em mais de 700 diários oficiais edi-
tados pela própria assembléia entre 1999 e 31 de Março de
2009. “A investigação revelou a existência de 2.178 atos se-
cretos do Legislativo entre janeiro de 2006 e março de 2009.
Todos publicados em diários oficiais avulsos, que serviam
para ocultar nomeações, demissões e pagamentos irregula-
res”. (GAZETA DO POVO, 2010)
As reportagens transmitidas pela RPCTV mostraram a
existência de atos secretos na Assembléia, indícios de desvio
de dinheiro público e uso de funcionários fantasmas, deno-
minação dada às pessoas nomeadas para cargos públicos que
jamais desempenham as atribuições que lhe cabem. No início
da série, a Assembléia Legislativa do Paraná (Alep) não prestou
nenhuma explicação sobre as denúncias, mas de acordo com
a gravidade das informações, alguns nomes foram revelados,
como os de Abib Miguel, ex-diretor geral da Alep e José Nassif,
ex-diretor administrativo. A partir daí, houve uma pressão da
opinião pública e providências foram tomadas. Nelson Justus,
presidente na época da Assembléia, que inicialmente negou as
irregularidades, abriu uma sindicância interna e anunciou o re-
cadastramento de todos os funcionários da Casa.

248
A série “Diários Secretos”

Com as demais acusações, os fatos foram se desenro-


lando e entre eles é possível destacar algumas informações
mais relevantes. Na semana do dia 19/03/2010, Abib Miguel
e José Nassif pedem afastamento do cargo e estudantes pro-
testam em frente à Casa. Duas semanas após, o Ministério
Público abre inquérito para investigar Nelson Justus e sindi-
calistas invadem Assembléia pedindo afastamento da mesa
diretora. No dia 20/04, a Assembléia Legislativa exonera 237
funcionários comissionados, 22 deles apontados em irregula-
ridade na série Diários Secretos.
Após 2 anos da divulgação dos escândalos e das denún-
cias mostradas pela série Diários Secretos, segundo reporta-
gem do site da Gazeta do Povo, em 16/03/2012, nenhum
acusado do esquema de desvio de recursos na Assembléia
foi julgado pela Justiça. Apesar de os julgamentos não terem
ocorrido, o Ministério Público (MP) conseguiu bloquear os
bens de dos responsáveis pela gestão de recursos do Legis-
lativo, em caráter de liminar. Os deputados Nelson Justus,
ex-presidente da Casa, Alexandre Curi, ex-primeiro secretá-
rio e Nereu Moura, além do ex-deputado e atual conselheiro
do Tribunal de Contas Hermas Brandão estão com os bens
indisponíveis, pelo fato de responderem ações por improbi-
dade administrativa, já que o MP entendeu que tiveram res-
ponsabilidade pelas nomeações de fantasmas.
R$ 6,6 milhões é quanto o MP pede que seja devolvido
pelos deputados acima. Também estão com os bens parcial-
mente bloqueados os ex-diretores da Assembléia Abib Mi-
guel, conhecido como “Bibinho”, Cláudio Marques da Silva
e José Ari Nassif. Esses respondem a ações criminais, pois,
segundo o MP, teriam ficado com verba desviada. O MP pe-
diu para bloquear R$76,7 milhões dos bens de “Bibinho” e
que o mesmo valor seja bloqueado também de Nassif. No dia
07/05/2012, o Tribunal de Justiça do Paraná concedeu habe-

249
Mídia e política: observações e críticas

as corpus para “Bibinho”, que estava preso desde março de


2012 na Penitenciária de Piraquara, acusado de desviar R$ 250
milhões dos cofres públicos, de ser o principal beneficiário do
esquema montado na assembléia e por atrapalhar o andamento
do processo. Segundo promotores, era ele quem movimentava
as contas bancárias dos funcionários fantasmas.
A reportagem também chama atenção para a diminuição
dos gastos na Assembléia devido à demissão de funcionários
fantasmas e corte de pagamentos indevidos na remuneração
dos servidores da Casa. “... o saldo – ao menos financeiro – é
de uma economia média de R$ 4,5 milhões todo o mês na fo-
lha de pessoal”.

ESCÂNDALOS POLÍTICOS E MIDIÁTICOS


Segundo Thompson, o escândalo midiático é um fenô-
meno moderno que teve início no fim do século XVIII. Seu
trabalho está focado nos “desenvolvimentos ligados à invenção
e exploração dos novos meios de comunicação e de difusão da
informação”, utilizando isso como base para relatar mudanças
que ocorreram desde a invenção da imprensa por Gutenberg
em 1440, passando pelos jornais diários e semanais, descoberta
da eletricidade, telefone e enfim, início do século XX, década
de 1920, a transmissão por rádio e televisão.
O desenvolvimento de novos meios implicou na mudan-
ça do intercâmbio de informações, antes uma interação face
a face, de caráter dialógico até a interação de pessoas por um
meio técnico em espaço-temporais distantes. Os acontecimen-
tos se tornam públicos ao serem registrados e transmitidos a
outros que não estão presentes no momento, desta forma, o
autor identifica-os como publicidade midiática, “que é inde-
pendente de sua capacidade de serem vistos ou ouvidos por
indivíduos co-presentes” (THOMPSON, 2002, p.65).

250
A série “Diários Secretos”

O processo de mudança dos meios de comunicação é


retraçado por Thompson através das relações entre mudan-
ças das formas de publicidade e o exercício do poder político.
Antes, os governantes faziam aproximações físicas, a visibilida-
de exigia uma co-presença, e estes eram vistos somente pelos
membros da corte e elite, que faziam parte de sua vida social.
Já com a chegada dos impressos e outros meios, os governan-
tes utilizavam para construir uma auto-imagem, que podia ser
levada para os outros locais.
A chegada dos meios eletrônicos –rádio e televisão-
representou um novo começo. A publicidade, por meio da
crescente disponibilidade dos produtos da mídia em escala
nacional e internacional, atingiu a vida de uma proporção
crescente de população. “O rádio e a televisão possibilitavam
a transmissão da informação e do conteúdo simbólico a gran-
des distâncias e com pouca ou nenhuma demora” (THOMP-
SON, 2002, p.67). Através da televisão, a publicidade midiá-
tica é definida pela visibilidade no sentido restrito de visão,
o que gera mais credibilidade diante dos espectadores pelo
fato de verem com os próprios olhos. As pessoas podem exa-
minar detalhadamente as ações, falas e expressões faciais de
seus líderes políticos, e isso cria um intimidade midiática, em
que os políticos se mostram não apenas como líderes, mas
como seres humanos. Desta forma, se perde a majestade que
circundava os líderes antigamente, e se ganha a capacidade de
falar diretamente com as pessoas.
Consequências boas, mas que deram oportunidade ao
público julgar os líderes diante de seu caráter. E assim, com
a ascensão da mídia impressa e eletrônica vieram também os
escândalos mais regulares. A visibilidade midiática além de
uma oportunidade nova de aparição transformou-se em uma
armadilha. Na Europa Moderna, governantes políticos ficaram
cientes de que a imprensa poderia promover sua imagem, mas

251
Mídia e política: observações e críticas

também atacá-la e prejudicá-la.


Segundo Thompson (2002), a ligação entre escânda-
lo e mídia teve sua origem com os panfletos, no fim do
século XVI e início do século XVII, “uma cultura em que
escandaloso foi empregado para caracterizar afirmações,
alegações, acusações e descrições articuladas coma palavra
imprensa.” O desenvolvimento dessa relação veio com as
novas formas de regulação política e práticas de publicação.
No século XVIII, com os periódicos, a imprensa já sofria
ataques de ministros do governo por apresentar alegações
escandalosas, mas foi a partir deste século que a liberdade
de imprensa era cada vez mais afirmada como um direito a
ser defendido para garantir a liberdade das pessoas contra
ações opressivas do estado.

EVOLUÇÃO DO JORNALISMO
O desenvolvimento do jornalismo começou no século
XIX com a expansão da imprensa e explodiu no século XX
com a expansão de novos meios de comunicação como rá-
dio e televisão. Durante décadas do século XIX a atividade
ganha um novo objetivo, segundo Traquina (2005, p.34), o de
“fornecer informações e não propaganda”, oferecendo assim
notícias, baseadas nos fatos e não nas opiniões. Encarados
como negócio, os jornais rendem lucros e o objetivo passa a
ser o aumento das tiragens. Assim, o século XIX é tido como
a “época de ouro” da imprensa, tendo maior expansão devi-
do à liberdade garantida na constituição.
O impacto tecnológico também marcou o jornalismo do
século XIX, pressionando a hora de fechamento, realizando
um valor da cultura jornalística, o imediatismo.
Segundo Pena (2005) os anos entre 1830 e 1900 são
chamados de imprensa de massa, pois marcam o início da

252
A série “Diários Secretos”

profissionalização dos jornalistas, a criação de reportagens


e manchetes, a utilização da publicidade e a consolidação da
economia de empresa. De 1900 até 1960 passa a ser chamado
de imprensa monopolista, marcada por grandes tiragens, influ-
ência das relações públicas, grandes rubricas políticas e fortes
grupos editoriais que monopolizaram o mercado.
Até o começo do século XX, os jornais eram essen-
cialmente opinativos, pois defendiam suas posições em
variados temas. Felipe Pena (2007) comenta que era mui-
to comum um jornal oposicionista utilizar os primeiros
parágrafos da narrativa sobre um assassinato para criticar
a política de segurança do governo. Portanto era possível
constatar que não havia objetividade ou imparcialidade nos
jornais. Exemplo disso, segundo o autor, foi a briga políti-
ca entre os jornais Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacer-
da, e Última Hora, de Samuel Wainer, na década de 1950.
“Enquanto o primeiro criticava ferozmente o governo de
Getúlio Vargas, o segundo defendia-o com toda paixão, es-
pecialmente porque o presidente brasileiro era o principal
financiador” (2007, p. 41).
Em meados dos anos 50, chega ao país, pelo jornalista
Pompeu de Souza, o lead, conceito utilizado na imprensa ame-
ricana que prometia revolucionar as redações e trazer objetivi-
dade ao jornalismo.
Segundo Traquina (2005) desde 1900, as notícias tomam
o formato de reportagem da mensagem, com a utilização da
“pirâmide invertida”.

A utilização de um lead se tornou prática corrente no


jornalismo norte-americano, demonstrando o crescen-
te sentimento de autoridade por parte dos jornalistas, a
decidir quais são os elementos do acontecimento mais
importante e que merecem figurar no lead (TRAQUI-
NA, 2005, p. 60).

253
Mídia e política: observações e críticas

Tuchman coloca o lead como um procedimento iden-


tificado com a objetividade, através da estruturação da infor-
mação numa sequência apropriada. Segundo ela a informação
mais importante relativa a um acontecimento deve ser colo-
cada no primeiro parágrafo, da mesma forma que Traquina
comenta da pirâmide invertida. Porém a autora coloca o lead
como um procedimento problemático por ser responsabili-
dade do jornalista escolhê-lo.

“O jornalista só pode invocar seu profissionalismo para


justificar que o lead escolhido é válido devido à sua pers-
picácia profissional, ou seja, à sua capacidade de escolher
“objetivamente” entre “fatos” concorrentes, para decidir
quais os “fatos” que são mais “importantes” ou “interes-
santes”. Até certo ponto, as dificuldades do jornalismo
são mitigadas pela fórmula familiar de que a notícia se
preocupa com o “quem”, o “quê”, o “quanto”, o “onde”,
o “porquê”e o “como”, isto é, os chamados “seis servi-
dores” de um lead. Assim, se o jornalismo puder afirmar
que foi atrás das “coisas mais materiais”, explica Tuch-
man, ele ou ela podem dizer que foram “objetivos”.”
(TUCHMAN, apud TRAQUINA, 2005, p.141).

A partir de 1960 o jornalismo fica marcado pela infor-


mação eletrônica e interativa, como ampla utilização da tec-
nologia, dentro das limitações tecnológicas da época, mu-
dança das funções do jornalista, velocidade na transmissão
de informações. Os novos avanços nas últimas décadas do
século XX tornaram possível a transmissão direta do acon-
tecimento.
Com o crescente poder da imprensa, surge o jornalismo
de investigação, com os chamados jornalistas muckrawkers,
jornalistas dedicados a denunciar corrupções e escândalos e
a defender os interesses do homem comum, no fim do século
XIX e início do século XX.

254
A série “Diários Secretos”

Jornalismo investigativo
Com a profissionalização da atividade jornalística no sé-
culo XIX e desenvolvimento do jornalismo investigativo, al-
guns profissionais tomaram a revelação de segredos ocultos
do poder como forma de exercer sua missão de guardiães do
interesse público.
A utilização de testemunhas oculares e o desenvolvi-
mento da reportagem com a utilização da técnica de descrição
foram algumas das inovações no jornalismo no decurso do sé-
culo XIX.
O jornalismo investigativo recebe essa denominação
pela prática de reportagem especializada em desvendar misté-
rios e fatos ocultos do conhecimento público, improbidade ad-
ministrativa e superfaturamentos, como os casos de corrupção
e desvio de verbas públicas mostrados durante a Série Diários
Secretos.
Apesar de o conceito ser questionado por alguns jornalistas,
como Clovis Rossi, o formato investigativo possui características
específicas e se diferencia dos demais formatos pela demanda de
tempo das investigações, versões contrárias, comparações de da-
dos. Rossi acredita que todo jornalismo é investigativo, pelo fato
de que para recuperar as histórias é preciso investigar.
Rubens Valente, jornalista, classifica as reportagens inves-
tigativas em reativas e proativas. A primeira é quando, “dado um
assunto, a imprensa vai atrás e o leva a reviravoltas inimagináveis,
por exemplo, o escândalo Watergate, que nasceu de um fato ge-
rado pela polícia, com a prisão de pessoas que instalavam escu-
tas num edifício, e não do trabalho dos jornalistas, que depois
foram os responsáveis pela queda do presidente Nixon”. Já as
proativas são construídas pelos próprios jornalistas que fazem as
revelações a partir de um levantamento próprio de informações,
como é o caso da série “Diários Secretos”, feita por jornalistas
da RPCTV e do Jornal Gazeta do Povo, a partir de investigações

255
Mídia e política: observações e críticas

sobre os Diários da Assembléia Legislativa do Paraná.


Apesar de sua importância, os jornais têm dificuldades
para investir em equipes experientes na área investigativa, pois,
segundo o jornalista Chico Otávio, “a realidade nas redações
conspira contra a reportagem investigativa”. As equipes são
pequenas e as rotinas exaustivas devido à quantidade de pautas.
Antes de fechar uma reportagem o jornalista faz um longo tra-
balho de apuração sobre o assunto em questão podendo reali-
zar entrevistas on e off com fontes diversas, levantamento de
documentos em arquivos, para depois montar sua reportagem.
Sendo que, entrevistas off, são as informações obtidas “fora
do microfone”, não oficialmente e sem que seja divulgado o
nome da pessoa que forneceu a informação, podendo ser feitas
anotações, mas que não relata a opinião dos entrevistados.
Em entrevista concedida por email para o Jornal Gazeta
do Povo, Eugênio Bucci, jornalista, comenta sobre o escândalo
do Watergate e dificuldades do jornalismo investigativo. O jor-
nalista destaca o valor do trabalho investigativo, a busca, leitura
detalhada e checagem de documentos, envolvendo conversas
com fontes especializadas e um trabalho de reportagem que se
estende por meses e anos. Assim como Chico Otávio, citado
anteriormente, Bucci afirma que a maior dificuldade para fazer
reportagens investigativas talvez seja o tempo e que, além dis-
so, “é preciso que as redações tenham fôlego para financiar o
trabalho longo e que tenham independência política para bus-
cá-lo.” Para ele, o que mudou atualmente para os jornalistas,
se comparado ao início dos anos 70, é o advento dos compu-
tadores conectados à internet, o que desafia os jornalistas que
precisam dominar muito mais a tecnologia.
No caso dos Diários Secretos, a investigação nos diários du-
rou quase 2 anos para que daí sim fosse feita a divulgação da série.
Segundo Dirk Lopes, em entrevista concedida a autora, em 19 de
Abril de 2012, ”foram 20 mil informações checadas 5 vezes.”

256
A série “Diários Secretos”

TELEJORNALISMO
Diferentemente dos veículos impressos, o rádio e a Tv
têm a capacidade de serem imediatos, podendo noticiar os fa-
tos no mesmo tempo em que ocorrem eliminando o intervalo
entre acontecimento e divulgação pela mídia. No entanto, se-
gundo Rezende (2000), perdem esse privilégio ao passo que os
jornais e revistas podem se aprimorar, aprofundar a divulgação
e análise do fato. Enquanto os veículos eletrônicos informam
com o imediatismo, os impressos dispõem de tempo e espaço
para aprofundamento do acontecimento.
O jornalismo na televisão sofre com a limitação de tempo,
principalmente os telejornais do horário nobre, ao terem que
divulgar o maior número de notícias no menor tempo possível,
o que reduz consideravelmente o vocabulário utilizado e apare-
cem as repetições lingüísticas. Para Szpacenkopf (2003, p. 165)
“o telejornal é um espetáculo constituído de informações “pere-
cíveis”, já que toda notícia pressupõe uma luta contra o tempo
para não se tornar obsoleta, velha e sem valor mercadológico”.
O telejornalismo acaba cumprindo uma função social e
política ao atingir um público pouco habituado à leitura e de-
sinteressado pela notícia, que no horário nobre acaba por vê-la
enquanto espera a novela. Diante desse telespectador passivo,
o telejornalismo, segundo o autor, torna-se cada vez mais im-
portante a ponto de representar a principal forma de democra-
tizar a informação. Apesar disso é preciso levar em considera-
ção que por trás das estações de Tv existem corporações que
a controlam e que são mais motivadas por interesses econômi-
cos e políticos do que pelas camadas populares da audiência.
Pela abrangência de público e classes sociais distintas, a
linguagem e a programação televisiva se adéquam na forma e
conteúdo ao perfil de público a que se dirigem, sendo que o
formato espetacular é o que prende atenção das pessoas. Se-
gundo Rezende (2000, p.25) “o espetáculo destina-se à contem-

257
Mídia e política: observações e críticas

plação, combinando, na produção telejornalística, uma forma


que privilegia o aproveitamento de imagens atraentes com um
conjunto de notícias constituído essencialmente de fait divers”,
ou seja, fatos diversos. De acordo com Szpacenkopf (2003, p.
175), “o telejornal é um espetáculo que informa, diverte, alerta
uma audiência que precisa ser agradada e mantida fiel.
Aquilo que é passado no telejornal vira um espetáculo
aos olhos do telespectador, já que as imagens, após serem edi-
tadas, mostram uma realidade mais real daquela que veio o fato
em si. E é tudo feito de propósito, com o intuito de chamar e
prender a atenção das pessoas. A imagem, neste meio, é o que
há de mais importante, o que passa credibilidade, pois o teles-
pectador acredita e se convence mais através do que vê.
Somma (2009) comenta que o modelo adotado pelo te-
lejornalismo trata a informação de acordo com as leis de mer-
cado e do espetáculo, em que tudo vira um show de imagens.
“Na realidade produzida pelo telejornalismo tudo é rápido e
superficial, o que resulta numa falsa impressão de recepção de
informações.” (2009, p. 27).

***
Muitos autores consideram que o controle dos meios de
comunicação é a mais importante fonte de poder da sociedade
moderna. Segundo Kunczik (1997, p. 89) “os meios de comu-
nicação de massa são considerados a base de um poder de per-
suasão capaz de difundir uma interpretação da realidade com
uma qualidade diferenciada própria.”
O potencial de poder atribuído aos meios de comunicação
vem da dificuldade que as pessoas têm em compreender os pro-
cessos sociais na sociedade industrializada. Sendo assim eles têm
a oportunidade de transmitir interpretações que, segundo o autor,
dão sentido às complexidades e tornam compreensível o ininteli-

258
A série “Diários Secretos”

gível, podendo tornar compreensíveis os contextos políticos ou


ofuscá-los, criando obstáculos para o seu discernimento.
Para Kepplinger (apud KUNCZIK, 1983), a ação po-
lítica só existe para a maioria do público por via dos meios
de comunicação, que assumiram o poder quase completo para
decidir o que deve ser informado e como, portanto, os meios
desempenham papel-chave no processo político. Através de
estudos empíricos na Alemanha ele observa que o papel seleti-
vo dos meios de comunicação afetou tanto a estrutura dos par-
tidos como o sistema político em geral, concluindo assim que
“os meios de comunicação de massa, originalmente enraizados
fora do sistema político, acabaram ocupando um lugar dentro
dele” (KUNCZIK, 1983, p.91)
Kunczik comenta que a responsabilidade de argumenta-
ção e fixação do tema político é dos jornalistas, seus principais
representantes, porém, ressalta que estes devem ter consciên-
cia da responsabilidade pelo clima político da sociedade.

A hipótese de que a política tornou-se dependente os meios


de comunicação não significa que os jornalistas fixam te-
mas políticos por conta própria. Ao coletar informações,
os jornalistas dependem muito do material predetermina-
do oferecido pelo jornalismo subsidiário (trabalho publici-
tário e relações públicas) que é divulgado no interesse dos
próprios políticos (KUNCZIK, 1983, p. 93).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A divulgação da série “Diários Secretos” trouxe a tona
informações que até então eram desconhecidas da maioria
da sociedade. Através da revelação das fraudes que esta-
vam ocorrendo na Assembléia Legislativa do Paraná ,pelos
jornalistas, os telespectadores tiveram a oportunidade de
acompanhar o desenrolar do caso, com a prisão de envol-

259
Mídia e política: observações e críticas

vidos, cassação de bens e mandatos e principalmente ações


que surgiram a partir desse caso.
Assim como os exemplos de escândalos citados ante-
riormente, que renderam ou chamaram atenção para novas
leis e movimentos, a Série gerou conseqüências positivas
através de movimento feito pela OAB, Lei da Ficha Limpa
e fatos menores, como simplesmente despertar a atenção
para os eleitores e cidadãos.
Foi o que ocorreu com a produção da Série Diários
Secretos da RPCTV. Seu objetivo não era influenciar as
pessoas sobre o voto na eleição de 2010, e isso pôde ser
constatado no resultado da própria eleição, em que alguns
candidatos foram reeleitos e continuaram nos cargos mes-
mo após a divulgação de informações sobre improbidade
política. Porém, as pessoas tomaram conhecimento de fatos
e de pessoas contrários ao que deveria ser transparente.
Através do espetáculo criado pelos telejornais, a reali-
dade pode ser mostrada e intensificada a partir de imagens e
reportagens feitas pelo jornalismo investigativo, que parece
estar mais importante e presente no dia a dia da sociedade.
O processo de julgamento ainda está em andamento,
porém esse parece ser um caso que está sendo levado à sério
pela justiça, ao passo que frequentemente são registrados
na mídia informações sobre seu andamento e conseqüência
dos culpados.

REFERÊNCIAS

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DIAS, Bibiana Soldera. A crise final do Governo Getúlio Vargas sob
o olhar de Assis Chateaubriand: uma análise das edições de agosto
e setembro de 1954 da revista O Cruzeiro. Rio Grande do Sul. 2008.

260
A série “Diários Secretos”

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anais/1212363845_ARQUIVO_TextoBibianaANPUHRS[1].pdf>.
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DAPIEVE, Arthur Henrique Motta. Suicídio por contágio – A ma-
neira pela qual a imprensa trata a morte voluntária. Dissertação de
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dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesabertas/0410389_06_pretextual.pdf.
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KUNCZIK, Michael. Conceitos de Jornalismo: Norte e Sul: Manual
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Universidade de São Paulo, 1997.
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NETO, João Somma. O poder da imagem ou a imagem do poder?
A política do telejornalismo. Comunicação: reflexões, experiências,
ensino; Revista dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda/
Universidade Positivo. V.2 – n.1 – 1º semestre 2009
PENA, Felipe. Jornalismo. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 2005. Coleção
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PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. São Paulo: Contexto, 2007.
REZENDE, Guilherme Jorge de. Telejornalismo no Brasil: um perfil
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tagem branca e a violência no espetáculo telejornal. Rio de Janeiro:
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THOMPSON, John B. O escândalo político: poder e visibilidade na
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TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo. Porque as notícias são
como são. 2. ed. Florianópolis: Insular, 2005.

261
Mídia e política: observações e críticas

Sites consultados
Muckrakers. Disponível em:
http://veja.abril.com.br/livros_mais_vendidos/trechos/fascismo-de-es-
querda.html. Acesso em 29 de Maio de 2012
Jornal Última Hora. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%9Altima_Hora. Acesso em: 17 de
Junho de 2012.

262
Veja e Carta Capital
o impacto da revelação do câncer de
Dilma Rousseff perante as eleições à presidência
Igor Iuan1

INTRODUÇÃO
O presente artigo analisa as estratégias ideológicas e
discursivas de duas reportagens jornalísticas que abordaram
a revelação do câncer de Dilma Rousseff (na época, minis-
tra-chefe da Casa Civil) para a grande imprensa. As matérias
escolhidas para esta análise são: “O câncer no palanque”, da
revista Veja, e “Dilma não se entrega”, da revista Carta Capital
– ambas publicadas no dia 6 de maio de 2009. O enfoque
escolhido para esta pesquisa é verificar qual foi o posicio-
namento dos veículos quanto ao impacto da revelação da
enfermidade nas eleições presidenciais de 2010.
Parte-se do pressuposto de que o jornalismo constrói uma

1. Mestrando em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bacharel em


Comunicação Social – Jornalismo pelas Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil).

263
Mídia e política: observações e críticas

representação da realidade, sempre afetada pelos fatores discursi-


vos e ideológicos (BENETTI, 2007, p. 110-111). A partir dessa
ideia é possível constatar que a representação do caso na Revista
Veja não é a mesma da Carta Capital – e é esta diferença o ponto
primordial que será investigado neste trabalho. De início, é realiza-
da uma breve contextualização acerca da revelação do câncer de
Rousseff, por meio de citações das primeiras notícias impressas de
alguns veículos jornalísticos a respeito do caso.
Quanto à metodologia, pretende-se utilizar o aporte teó-
rico proposto por Thompson (2009) sobre o estudo dos modos
de operação da ideologia. A opção por este quadro referencial
se deve à constatação da influência ideológica nas estratégias
jornalísticas, muito embora haja uma lacuna nas pesquisas de
comunicação no tocante à investigação textual sistemática dos
mecanismos da ideologia. Desta forma, procura-se aliar a iden-
tificação ordenada dos mecanismos de operação ideológicos à
interpretação discursiva das estratégias de Veja e Carta Capital,
nas duas reportagens sobre o câncer de Rousseff.
As hipóteses principais da presente pesquisa são as seguin-
tes: a Carta Capital representa Rousseff e sua doença no sentido de
insinuar a permanência da sua candidatura presidencial; enquanto
a Veja constrói a imagem da ex-ministra e do câncer de modo a
insinuar a desistência de sua candidatura para a Presidência. Para
isto, pretende-se verificar se ambos os veículos utilizaram um ou
vários modos de operação da ideologia, sendo que o método para
esta investigação é o da análise do discurso nas duas reportagens.


A REVELAÇÃO DO CÂNCER

Um resumo das notícias de jornais


No dia 25 de abril de 2009, a então ministra-chefe da
Casa Civil Dilma Rousseff anunciou que estava sendo sub-

264
Veja e Carta Capital

metida a tratamento contra linfoma – o câncer no sistema


linfático. A revelação aconteceu em uma entrevista coletiva
dada por ela, acompanhada por médicos, no Hospital Sírio
Libanês, em São Paulo. Este fato foi noticiado pela maioria
das revistas e jornais brasileiros, a partir dos dias 26 e 27 do
mesmo mês. A Folha de São Paulo publicou alguns fatos
que antecederam o ocorrido:

A ministra, que foi ontem ao hospital Sírio Libanês, em


São Paulo, disse que, há cerca de 30 dias, durante um
exame de rotina coordenado pelo cardiologista Roberto
Kalil foi encontrado um nódulo em sua axila esquerda,
de 2,5 centímetros. Dilma se submeteu, há três semanas,
a uma cirurgia de 45 minutos para extração e biópsia do
nódulo. O diagnóstico conclusivo saiu na quarta-feira
(dia 22) (Folha de São Paulo, 26/04/2009, p. A4).

A expectativa dos médicos era a de que seriam neces-


sárias, durante quatro meses, cinco ou seis sessões de qui-
mioterapia para o tratamento da ministra, cada uma de cerca
de quatro horas, sendo que a próxima estaria marcada para
dia 9 de maio (O Estado de São Paulo, 26/04/2009, p. A2).
De acordo com o jornal Zero Hora do dia 27/04/2009, p.
9, Rousseff já estava com um port cath (cateter que cria um
acesso permanente à veia e é usado para facilitar a aplicação
dos remédios quimioterápicos de longa duração) implanta-
do no corpo nas vésperas de receber a confirmação sobre o
tumor cancerígeno.
Os dias que sucederam à revelação do câncer de Rous-
seff foram marcados por especulações sobre os efeitos que
a doença causaria nas eleições presidenciais de 2010:

Para alguns – aliados ou adversários –, a eventual candida-


tura da ministra à Presidência sofreria abalos com a doença.
Mas, na opinião de outros, inclusive petistas, confirmado

265
Mídia e política: observações e críticas

o prognóstico dos médicos, Dilma poderá ser beneficiada


pela imagem de mulher forte, capaz de vencer adversida-
des (Folha de São Paulo, 28/04/2009, p. A6).

Tudo indica que alguns meios de comunicação procu-


raram ressaltar a “imagem de mulher forte, capaz de vencer
adversidades” de Rousseff, em uma tentativa de “humani-
zar” a ex-ministra; enquanto outros destacaram a exploração
política em torno da doença. As reportagens de capa do dia
06/05/2009 “O câncer no palanque”, da Veja, e “Dilma não se
entrega”, da Carta Capital, mostram visões divergentes do fato.

Perfil jornalístico de Veja e Carta Capital


Criada por Victor Civita e Mino Carta, a revista Veja
teve sua primeira edição publicada em 1968 – plena ditadura
militar e ano em que foi redigido o Ato Institucional núme-
ro 5 (AI-5), que, entre outras medidas, estabeleceu a censura
prévia no Brasil (MIGUEL, LIMA DA ROCHA e ROCHA,
2008, p. 3). Isso fez com que Mino Carta deixasse a Veja,
em 1975, devido a pressões da ditadura contra o veículo
(SOUZA, 1988, p. 99).
A história da Veja é entrelaçada com a da Carta Ca-
pital. Esta também foi fundada por Mino Carta. Em 1994,
ele se uniu a outros três jornalistas para “inventar seu pró-
prio emprego”, de acordo com as palavras de Carta (Carta
Capital, 27/05/2009, p. 12). A revista começou com perio-
dicidade mensal, depois quinzenal (em 1996), e, a partir de
agosto de 2001, semanal (MIGUEL, LIMA DA ROCHA e
ROCHA, 2008, p. 3). Portanto ambas as revistas são publi-
cadas semanalmente.
Sobre a Veja, é notável a capacidade de produção de
sentidos da revista, inserida em um contexto de formação
de opinião que demanda estudos aprofundados (BENETTI,

266
Veja e Carta Capital

2007, p. 8). Quanto à Carta Capital, são marcantes as aná-


lises e comentários em que o enunciador expõe, por vezes
escancaradamente, pontos de vista sobre os mais variados
temas (CALLES, 2004, p. 5). Entretanto, o principal ponto
em comum verificado por pesquisadores é o fato de am-
bas mais darem importância à opinião do que à informação,
apresentando pontos de vista particulares e contundentes
sobre determinados temas.
Barreiros e Amoroso (2008) analisaram a cobertura
jornalística feita por Veja e Carta Capital sobre o “escân-
dalo do mensalão”. Como conclusão, o artigo mostrou
que Veja explicitou uma tendência contrária ao presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, na época candidato à reeleição,
enquanto Carta Capital apoiou abertamente a candidatu-
ra, apesar de todas as denúncias de corrupção contra lide-
ranças do Partido dos Trabalhadores. De acordo com os
autores, um fator que serve como base para a construção
da linha editorial de determinada publicação são os fato-
res ideológicos. Dessa forma, chega-se ao aporte teórico
principal para a investigação das duas reportagens sobre o
câncer de Rousseff: a ideologia.

APORTES TEÓRICO E METODOLÓGICO

A ideologia e o seu papel na mídia


Em uma investigação sobre determinados produtos
culturais e midiáticos – a exemplo dos filmes altamente di-
fundidos pelas indústrias cinematográficas –, Kellner cons-
tata a pertinência do estudo da ideologia na mídia em geral:

Afirmamos que é preciso fazer um estudo cultural que


critique a interseção de classes, sexos, raças e outros de-
terminantes fundamentais da cultura e da identidade, a

267
Mídia e política: observações e críticas

fim de conceituar mais plenamente as dimensões ideo-


lógicas dos textos culturais e avaliar toda a gama de seus
efeitos (2001, p. 14).

A tese geral defendida por este autor é a de que a mí-


dia moderna é o espaço em que a ideologia se manifesta de
forma mais representativa e contundente.
Pinto (1999) aponta para a influência dos mecanismos
ideológicos, presentes nos sentidos de quaisquer textos. Sousa
(2004), por sua vez, define a ideologia como um instrumento
de estratégias e táticas de dominação, por parte de grupos so-
cialmente dominantes, nos meios de comunicação. Já Thomp-
son (2009) apresenta um conceito que parece ser a junção das
duas ideias expostas anteriormente neste parágrafo: o de que
“estudar a ideologia é estudar as maneiras como o sentido serve
para sustentar relações de dominação” (id, p. 76). Desta forma,
este artigo chega ao cerne, tendo em vista a análise posterior
das duas reportagens sobre a revelação do câncer de Rousseff.
Quando este autor diz “sentido”, refere-se aos fenôme-
nos simbólicos que mobilizam a aquisição de conhecimentos.
Isso pode ocorrer, por exemplo, quando se vê uma imagem,
um texto, uma música, um filme ou uma narrativa – e estes
transmitem conhecimentos que sugerem relações de poder,
provenientes de grupos particulares (ibid, p. 80). A ideologia,
portanto, separa grupos em dominantes e dominados e/ou su-
periores e inferiores, produzindo hierarquias que servem aos
interesses das forças e das elites do poder (KELLNER, 2001,
p. 83). Esses grupos podem ser brancos e negros e/ou homens
e mulheres, por exemplo.

Modos de operação ideológicos


Thompson (2009, p. 81) distingue cinco modos gerais
através dos quais a ideologia pode operar – e também cita as
estratégias correspondentes a cada modo. Faz isso com o obje-

268
Veja e Carta Capital

tivo de esboçar, de forma preliminar, um campo de análise da


ideologia. A seguir, este artigo representa uma tabela similar à
publicada pelo autor referido neste parágrafo:

Tabela 01 - modos de operação ideológica


MODOS GERAIS ALGUMAS ESTRATÉGIAS
TÍPICAS DE CADA MODO
Legitimização Racionalização, Universalização e
Narrativização
Dissimulação Deslocamento, Eufemização e Tropo
(Sinédoque, Metonímia, Metáfora)
Unificação Padronização e Simbolização da Unidade
Fragmentação Diferenciação e Expurgo do Outro
Reificação Naturalização, Eternalização e
Nominalização/Passivização
Fonte: Thompson (2009)

A Legitimização ocorre quando as relações de domina-


ção são representadas como legítimas, isto é, justas e dignas de
apoio. A Racionalização se refere à construção de uma cadeia
de raciocínio que procura defender, ou justificar, um conjunto
de relações ou instituições sociais. A Universalização ocorre
quando acordos institucionais que servem aos interesses de
alguns indivíduos são apresentados como se atendessem aos
objetivos de todos. A Narrativização acontece na medida em
que certas histórias são contadas com o objetivo de retratar o
passado e o presente como tradições eternas e aceitáveis.
Na Dissimulação as relações de dominação são re-
presentadas de uma maneira que desvia a atenção do recep-
tor, de forma a serem ocultadas, negadas ou obscurecidas.
No Deslocamento, um termo costumeiramente usado para
se referir a um determinado objeto ou pessoa é empregado
para se referir a um outro. Na Eufemização, ações, institui-

269
Mídia e política: observações e críticas

ções ou relações sociais são descritas de modo a desper-


tar uma valoração menos negativa do que realmente são. O
Tropo é o uso figurativo da linguagem, ou formas simbóli-
cas para a mobilização das estratégias de dominação. Nesta
estratégia ideológica estão compreendidas a Sinédoque, a
Metonímia e a Metáfora. A Sinédoque ocorre quando al-
guém usa um termo que está no lugar de uma parte, a fim
de se referir ao todo, ou vice-versa. A Metonímia é o uso de
um termo que toma o lugar de uma característica relaciona-
da a algo para se referir à própria coisa, embora não exista
conexão necessária entre o termo e a coisa. Já a Metáfora é
a aplicação de um termo ou frase a um objeto ou ação à qual
ele, literalmente, não pode ser aplicado.
Quando à Unificação, há a construção de uma forma
de unidade que interliga os indivíduos em uma identidade
coletiva, independentemente das diferenças e divisões que
possam separá-los. A Padronização opera na ocasião em
que um referencial padrão, como a criação de um clichê, é
proposto como fundamento partilhado e aceitável. A Sim-
bolização da Unidade se refere à construção de símbolos,
difundidos através de um grupo, que contam uma história
compartilhada e projetam um destino coletivo, tais como
bandeiras, hinos nacionais e emblemas.
A Fragmentação é a segmentação de indivíduos e gru-
pos que possam se transformar em um perigo aos grupos
dominantes. A Diferenciação é ênfase que é dada às diferen-
ças, distinções e divisões entre pessoas e grupos, no apoio
do que os desune e, portanto, os impede de desafiar as re-
lações existentes. O Expurgo do Outro é a construção de
inimigo contra o qual os indivíduos são chamados a resistir
coletivamente ou a expurgá-lo, através de adjetivos ou ex-
pressões pejorativas.
Por fim, a Reificação envolve a retratação de uma si-

270
Veja e Carta Capital

tuação transitória, histórica, como se essa situação fosse


permanente, natural, atemporal. A Naturalização acontece
no instante em que um estado de coisas – uma criação so-
cial e histórica – é tido como um acontecimento natural.
Na Eternalização, fenômenos sócio-históricos são apresen-
tados como permanentes e imutáveis. A Nominalização /
Passivização ocorre no momento em que as sentenças, ou
parte delas, são transformadas em nomes; ou os verbos são
colocados na voz passiva.
Estes são os modos de operação da ideologia e suas
estratégias típicas. Vale ressaltar que anteriormente foi ela-
borada uma definição resumida de cada mecanismo e estra-
tégia da ideologia, de acordo com a proposição de Thomp-
son (2009). Finalizada a especificação sobre os mecanismos
de operação ideológicos – o aporte teórico-metodológico
– parte-se para a próxima fase investigativa, que é a análise
propriamente dita das reportagens “O câncer no palanque”
e “Dilma não se entrega”. A investigação das matérias se
inicia através dos seus títulos, subtítulos e chamadas. De-
pois, aborda-se o texto da reportagem “Dilma não se entre-
ga”, da Carta Capital. Posteriormente, analisa-se o conteúdo
textual da matéria “O câncer no palanque”, da Veja.

ANÁLISES DAS REPORTAGENS

Títulos, subtítulos e chamadas


A Carta Capital, no subtítulo de sua reportagem, diz
que Rousseff “permanece na arena”, conforme pode ser
verificado na Tabela 2 desta monografia. Em relação ao
contexto da ideologia, manifesta-se a Metáfora – variação
da estratégia Tropo, do mecanismo ideológico Dissimula-
ção –, através da palavra “arena”. Literalmente, este termo

271
Mídia e política: observações e críticas

não pode ser aplicado no contexto em que foi inserido. A


“arena” é uma metáfora que pode simbolizar tanto a vida da
ex-ministra, quanto a disputa pelas eleições presidenciais de
2010. Sendo assim, este enunciado remete a uma insinuação
da permanência de Rousseff como pré-candidata do PT; e
também reitera o discurso da luta e do combate, corrobo-
rando para a construção da ex-ministra como “guerreira”.
Enquanto isso, a Veja, em uma estratégia diferente,
anuncia: “O impacto da revelação nas chances de Dilma
Rousseff suceder a Lula na Presidência”, na primeira chama-
da complementar da capa. Neste enunciado, há a insinuação
da possibilidade de uma substituição da ex-ministra na suces-
são presidencial de 2010, embora não seja explicitada que a
modificação irá, de fato, ocorrer. Outro ponto relevante é a
estratégia do veículo em: “O governo tenta transformar um
assunto grave e delicado, a doença da ministra Dilma Rousse-
ff, em trunfo para a campanha presidencial do próximo ano”,
subtítulo da reportagem. A palavra “trunfo” indica o gover-
no brasileiro como oportunista, ao se aproveitar da doença da
ex-ministra para tentar levar vantagem nas eleições presiden-
ciais de 2010 – de acordo com o discurso de Veja.

Eleições 2010: impacto do caso


da candidatura de Rousseff
O tema principal das reportagens “Dilma não se en-
trega” e “O câncer no palanque”, logicamente, é a revela-
ção do câncer da ex-ministra Dilma Rousseff. No entanto,
o caso trouxe uma discussão sobre as eleições para a Presi-
dência da República em 2010 que ganhou mais evidência do
que a própria doença. Isso porque Rousseff, na época, era
a primeira opção do PT para a sucessão presidencial. E a
enfermidade fez com que fossem levantadas dúvidas sobre
a permanência da sua pré-candidatura.

272
Veja e Carta Capital

A revista Veja expõe o governo sob o discurso do


oportunismo e do aproveitamento eleitoral. Diante da en-
fermidade de Rousseff, Lula e seus aliados se sentiram ame-
açados quanto ao futuro político do PT, segundo este veí-
culo. Na frase “Diante dessa ameaça, o governo partiu para
uma exploração despudorada do câncer da ministra, a fim
de manter o nome de Dilma na ribalta” (CABRAL, 2009, p.
58), em relação ao contexto ideológico, verifica-se a Metá-
fora – variação da estratégia Tropo, do modo de operação
Dissimulação. A palavra “ribalta” é literalmente empregada
no âmbito teatral (e não político), o que sugere uma repre-
sentação de Rousseff pelo lado do exibicionismo, como um
artista que busca o apoio popular – e, também, a conquista
de votos.
Já no enunciado “Para ele, a disseminação de boatos
sobre a saúde da ministra poderia atrapalhar sua recupera-
ção, sua atuação no governo e minar sua candidatura” (id,
p. 61), atesta a estratégia Deslocamento – correspondente
ao mesmo modus operandi da ideologia citado no parágra-
fo anterior; já que a expressão “minar” é costumeiramente
aplicada na linguagem militar. Ademais, na frase “Se colo-
casse em dúvida a candidatura de Dilma, Lula abriria espaço
para uma guerra fratricida no PT e nos partidos aliados”
(ibid), encontra-se a estratégia Diferenciação – do meca-
nismo ideológico Fragmentação; pois a expressão “guerra
fratricida” indica uma ênfase quanto às possíveis divisões
entre os membros do Partido dos Trabalhadores. Portanto,
percebe-se que a Veja transmite uma ideia de insegurança
por parte do governo, no que diz respeito ao futuro político
de Rousseff – o que já denota uma tendência do veículo
previamente citado em insinuar a possibilidade da desistên-
cia da ex-ministra quanto à sua pré-candidatura para as elei-
ções de 2010.

273
Mídia e política: observações e críticas

Em contrapartida, a Carta Capital, ao invés de colocar


o governo como o vilão de sua narrativa, representa a gran-
de mídia de forma pejorativa, atribuindo-lhe um sentido de
exploração política dos acontecimentos:

Ao longo da última semana, apesar das reiteradas


informações de que o linfoma foi detectado na fase
inicial e as chances de cura são altíssimas, as palavras
câncer e sucessão presidencial andaram juntas no no-
ticiário. O que era indesejável, precipitado e ruim para
a democracia passou a ser fundamental, urgente (ME-
NEZES, 2009, p. 23).

Na última frase, quanto ao contexto da ideologia, é


identificada a estratégia Racionalização – do modo de ope-
ração Legitimização. Carta Capital se utiliza da democracia
(uma instituição social que estabelece um conjunto de rela-
ções) para persuadir o leitor a criticar a relação estabeleci-
da na imprensa entre a sucessão presidencial e o câncer de
Rousseff.
Por outro lado, tal como a Veja, a Carta Capital des-
creve, no decorrer da reportagem “Dilma não se entrega”,
as atitudes do governo brasileiro diante da revelação da do-
ença da ex-ministra:

O governo, por seu lado, procura minimizar o assunto


e tenta impedir a base aliada, em especial o PMDB,
de alvoroçar-se como urubu na carniça. Poucas horas
após o anúncio da doença, havia peemedebistas inte-
ressados em inflacionar o passe do partido em uma
eventual aliança nas eleições presidenciais de 2010 sob
o pretexto de que um concorrente enfermo se tornaria
um fardo mais pesado (MENEZES, 2009, p. 23).

Atesta-se, no primeiro enunciado desta passagem, a

274
Veja e Carta Capital

Metáfora – variação da estratégia Tropo, do modo de ope-


ração da ideologia Dissimulação; pois a expressão “urubu
na carniça” não pode ser aplicada literalmente ao PMDB.
Assim sendo, a referida revista, além de retratar a impren-
sa como vilã de sua narrativa, cria uma imagem negativa
do PMDB – partido que, supostamente, ameaçaria a per-
manência de Rousseff como candidata do PT. Já em “in-
flacionar o passe”, manifesta-se a estratégia Deslocamento,
correspondente ao mesmo modus operandi especificado
previamente; já que é empregado um termo costumeira-
mente utilizado no futebol (e não na política). Desta forma,
nota-se que Carta Capital retrata o PMDB como um partido
oportunista e interesseiro. No entanto, ressalta o governo
como o “protetor” da candidatura de Rousseff, por tentar
abafar a especulação acerca do caso. Isto sugere uma pro-
pensão da revista em insinuar a permanência da candidatura
da ex-ministra.
Todavia, existem ocasiões em que os discursos de
ambas as revistas são identificados de forma mais explícita,
quanto à candidatura de Rousseff. A revista Veja, por exem-
plo, busca as fontes como meio de sugerir as especulações
acerca do panorama político do Partido dos Trabalhadores:

A estratégia de blindar Dilma não está impedindo o


ataque especulativo petista. Oficialmente, o partido di-
vulgará uma resolução para reafirmar o apoio à candi-
datura de Dilma. “Não há plano B nem C. Só há o pla-
no D, que se chama Dilma”, pregou o secretário-geral
do PT, José Eduardo Cardozo (CABRAL, 2009, p. 62).

Neste trecho, tendo em vista o contexto ideológico,


verifica-se a estratégia Deslocamento – do modo de ope-
ração Dissimulação; pois a palavra “pregou” é costumei-
ramente utilizada no âmbito religioso. Essa abordagem faz

275
Mídia e política: observações e críticas

com que a afirmação de José Eduardo Cardozo pareça en-


fraquecida. Em outras palavras, um secretário-geral do PT
não deveria pregar, mas sim afirmar, garantir, ou outro ter-
mo que se adequasse a esta posição profissional.
A passagem que confirma o discurso da Veja quanto
às especulações sobre a possibilidade de substituição da ex-
ministra em sua candidatura é a seguinte:

Nos bastidores, porém, os possíveis herdeiros da can-


didatura agem com a discrição de um elefante e se en-
galfinham com a voracidade de um urubu. “Fernando
Haddad passa metade do tempo plantando notas de
que é o plano B de Lula. E a outra metade conversan-
do com jornalistas e políticos sobre as notas”, comen-
ta um parlamentar petista. “Patrus Ananias diz que o
reserva da mãe do PAC só pode ser o pai do Bolsa
Família”, afirma outro, sobre as intenções do ministro
do Desenvolvimento Social. Tarso Genro, ministro da
Justiça, colocou seu nome à disposição e o governador
baiano Jaques Wagner prepara uma agenda de temas
nacionais. Todos querem ter o nome conhecido para
a eventualidade de Lula substituir sua candidata (CA-
BRAL, 2009, p. 62).

Em relação à contextualização ideológica, logo na pri-


meira frase deste trecho atesta-se duas vezes a Metáfora,
variação da estratégia Tropo – do mecanismo Dissimulação;
por meio das expressões “discrição de um elefante” e “vo-
racidade de um urubu”. Observa-se que ambas as revistas
utilizam a palavra “urubu” como metáforas dos “inimigos”
presentes em suas respectivas narrativas. A representação
animalizada dos possíveis sucessores do PT às eleições para
a presidência da República faz com que se intensifique o
discurso de oportunismo e aproveitamento eleitoral por
parte do governo. Por outro lado, também exerce o efeito

276
Veja e Carta Capital

de suscitar dúvidas quanto à permanência da candidatura de


Rousseff.
A Carta Capital, pelo contrário, ao invés de especular
as intenções dos possíveis substitutos para a candidatura da
ex-ministra, aplica uma tática diferente:
Roseana já retirou cistos no ovário, pólipos no intes-
tino, um nódulo no pulmão esquerdo, extraiu útero,
operou o joelho e teve que arrancar parte do intestino
e dois tumores benignos no seio. Neste meio tempo,
enfrentou também cinco eleições: à Câmara, ao go-
verno do estado, duas vezes, e ao Senado. Quase foi
candidata à presidente da República em 2002. Naquele
ano, sua candidatura não naufragou por problemas de
saúde, mas em decorrência da montanha de dinheiro
encontrada no escritório do ex-marido Jorge Murad.
A Operação Lunus, da Polícia Federal, durante o man-
dato de Fernando Henrique Cardoso, meses antes da
eleição, afastou a então pefelista do páreo e beneficiou
o tucano José Serra (MENEZES, 2009, p. 25-26).

No contexto da ideologia, verifica-se a estratégia Deslo-


camento – do modus operandi Dissimulação; tendo em vista a
palavra “naufragou”, inadequada para a situação em que foi uti-
lizada. Nota-se, neste caso, que a referida revista contraria a ideia
de que uma doença, necessariamente, ocasiona a desistência de
uma candidatura política. Já na expressão “páreo”, identifica-se
a Metáfora – variação da estratégia Tropo, do mecanismo ideo-
lógico Dissimulação; pois este termo não é aplicável literalmente
a eleições, mas sim a uma corrida de cavalos. Isso reforça o dis-
curso do veículo em sugerir um sentido de luta, de combate, não
somente quanto à doença, mas também em relação à política – já
que a desistência da candidatura de Roseana Sarney “beneficiou
o tucano José Serra”, de acordo com o veículo. Dessa forma,
percebe-se que Carta Capital relata as experiências da política
Roseana Sarney (considerando o seu histórico de doenças), para

277
Mídia e política: observações e críticas

insinuar a probabilidade da superação por parte da ex-ministra


Dilma Rousseff em relação ao seu câncer – o que consolidaria a
sua permanência na disputa presidencial de 2010.
Entretanto, o momento do texto de Carta Capital em
que é veemente a insinuação da permanência de Rousseff –
e, sobretudo, o apoio do veículo à ex-ministra é o seguinte:
“Entre as manifestações indelicadas e mesmo agourentas,
houve quem fizesse enquetes sobre qual o nome ideal para
substituí-la como candidata do PT à Presidência, como se a
ministra fosse, desde já, carta fora do baralho” (MENEZES,
2009, p. 26). Em primeiro lugar, nas palavras “indelicadas” e
“agourentas” é manifestada a estratégia Expurgo do Outro
– do modo de operação Fragmentação. Os adjetivos pejo-
rativos em questão promovem a construção de um inimigo
(no caso, quem realizou as referidas enquetes), sendo que
esse tipo de sondagem é citado na revista Veja, inclusive.
Posteriormente, encontra-se a Metáfora – variação da estra-
tégia Tropo, do mecanismo ideológico Dissimulação; consi-
derando a expressão “carta fora do baralho” – literalmente
aplicável a jogos de azar (o que, mais uma vez, remete às
eleições como um combate).
É notável, portanto, a enfática rejeição por parte da
Carta Capital quanto à possibilidade de substituição da candi-
datura da ex-ministra. O trecho que corrobora este posiciona-
mento é: “Entre os que convivem diariamente com a ministra
e dentro do próprio PT, a expectativa é de que a candidatura à
sucessão de Lula seja mantida” (id, p. 24). Nesta afirmação –
somada a todos os elementos analisados quanto à reportagem
“Dilma não se entrega” –, o veículo, por fim, insinua a perma-
nência da candidatura da ex-ministra Dilma Rousseff.
Por outro lado, a revista Veja, contrariando a relutân-
cia de Carta Capital sobre o assunto, menciona uma enquete
quanto a possíveis substitutos de Rousseff: “A Arko Advice

278
Veja e Carta Capital

perguntou a 66 deputados da base governista quem deveria


substituir a ministra Dilma Rousseff, caso ela não possa dis-
putar a sucessão do presidente Lula. O ex-ministro da Fa-
zenda Antonio Palocci foi o mais citado” (CABRAL, 2009,
p. 62). Contudo, o momento no qual se evidencia o discurso
da Veja no tocante às questões trabalhadas neste tópico é:

Se houver uma indefinição ou se o tratamento precisar


ser prorrogado, a hipótese da substituição ganhará for-
ça, pois a avaliação do governo é que é necessário ini-
ciar o ano eleitoral com uma candidatura consolidada,
e sem o fantasma de uma substituição de última hora a
rondar o palanque (CABRAL, 2009, p. 63).

Nesta passagem, o contexto ideológico aponta para a Me-


táfora – variação da estratégia Tropo, do mecanismo ideológico
Dissimulação; pois a palavra “fantasma” não pode ser aplicada
de forma literal no caso em que foi empregada. Esta expressão
novamente indica o governo em uma posição de dúvida e amea-
ça quanto à candidatura de Rousseff. Além disso, em “Se houver
uma indefinição ou se o tratamento precisar ser prorrogado, a
hipótese da substituição ganhará força”, as ideias do veículo so-
bre a substituição da ex-ministra são reforçadas. Sendo assim, a
transcrição anterior, aliada a todas as considerações levantadas
no estudo das estratégias discursivas e ideológicas da matéria “O
câncer no palanque”, demonstra o fato de a revista insinuar a
desistência da candidatura da ex-ministra Dilma Rousseff.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentadas as análises das estratégias discursivas e
ideológicas das revistas Veja e Carta Capital, presentes nas
reportagens “O câncer no palanque” e “Dilma não se en-
trega”, chega-se ao momento das considerações finais em

279
Mídia e política: observações e críticas

relação aos resultados das investigações. A estratégia Deslo-


camento e a Metáfora – variação da estratégia Tropo – fo-
ram as mais empregadas, tanto no que se refere ao texto de
Veja, quanto em relação à reportagem da Carta Capital. E,
por conseguinte, o modus operandi mais identificado foi a
Dissimulação. Isto denota o que realmente foi aferido neste
artigo: o fato de que ambas as revistas, de um modo ge-
ral, emitiram os seus respectivos posicionamentos de forma
dissimulada e metafórica. E utilizaram, para isto, determina-
das representações da personagem Rousseff, do câncer e do
impacto do caso nas eleições 2010 – construídas a partir do
viés ideológico específico de cada publicação.
Quanto às hipóteses principais, os estudos acerca das
estratégias ideológicas e discursivas confirmaram posturas
específicas por parte das revistas em questão. De fato, a es-
tratégia da Veja, na reportagem “O câncer no palanque”, foi
construir as imagens da ex-ministra e do câncer de modo a
insinuar a desistência de sua candidatura para a Presidência
em 2010. Já a estratégia da Carta Capital, na matéria “Dilma
não se entrega”, foi representar Rousseff e sua doença no
sentido de insinuar a permanência da sua candidatura pre-
sidencial. Para isto, ambos os veículos utilizaram, de forma
predominante, as estratégias Tropo (Metáfora) e Desloca-
mento – correspondente aos modus operandi da ideologia
Dissimulação –, o que pode ser verificado através de uma
análise discursiva nas duas reportagens.
Em suma, nas reportagens “Dilma não se entrega” e “O
câncer no palanque”, tendo em vista os três enfoques esco-
lhidos para esta análise, foram atestadas: construções opostas
da personagem de Dilma Rousseff; abordagens diferenciadas
em relação ao câncer; e diferentes insinuações no tocante à
possibilidade de substituição da candidatura da ex-ministra.
Portanto, refletir, por completo, a realidade de um aconteci-

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mento é uma tarefa impossível para o jornalismo. Este, ao in-
vés disso, constrói uma representação do real, inevitavelmen-
te afetada pelos fatores ideológicos e discursivos intrínsecos a
cada veículo jornalístico – no caso deste trabalho, às revistas
Veja e Carta Capital. E este fenômeno é verificável através
de uma investigação sistemática dos elementos presentes nos
textos de determinadas narrativas.

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Carta Capital na cobertura do “escândalo do mensalão”. Disponível
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tica na era dos meios de comunicação de massa. 8. ed. Petrópolis:
Vozes, 2009.

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Formato: 14x21 cm
Mancha: 105x 170 cm
Tipologia: Garamond 12,4 (14,88)
Papel: Pólen soft 80g/m2 (miolo)
Couché fosco 250g/m2 (capa)
1a edição: 2013

Programa de Pós-Graduação em Comunicação


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