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O POTENCIAL ASSOCIADO À GEOMETRIA DO NAVIO


EM UM MEIO FLUIDO

Neste capítulo são apresentadas ferramentas matemáticas desenvolvidas utilizando a teoria potencial e
a equação de Laplace, capazes de permitir a geração de funções que definem uma condição de contorno
de um corpo sólido genérico para, então, estabelecer as velocidades e forças de pressão associadas a esse
corpo. A função potencial dada pela condição de contorno do navio, uma vez definida, pode ser asso-
ciada a outros potenciais relacionados aos demais contornos espaciais, como a superfície livre da água,
águas rasas, bancos e outros navios, por exemplo. A solução da equação de Laplace é linear, e a soma de
qualquer número de soluções também é uma solução. Assim, diversos escoamentos potenciais podem
ser construídos superpondo-se configurações de escoamentos elementares. O objetivo da superposição
de escoamentos elementares é a produção de configurações semelhantes àquelas de interesse prático.
A procura de uma combinação de elegância matemática que tivesse utilidade no estudo do escoamento
potencial atraiu muitos pesquisadores.

2.1. A origem: o meio-corpo e o corpo


oval de Rankine
O físico, matemático e engenheiro William John Macquorn
Rankine (Escócia, 1820-1872), um dos pais da termodinâmica,
teve a intuição de somar o potencial de um escoamento uni-
forme ao potencial de uma fonte. Essa ideia tornou possível
definir a geometria de um semicorpo rígido, porque a condição
de impenetrabilidade do sólido,

∂∅
=0
∂n

poderia ser obtida pela soma dos dois potenciais. O semicorpo


de Rankine é bidimensional, 2D. A soma dos potenciais é possível
porque a solução da equação de Laplace, ∇2∅ = 0, é linear e,
portanto, admite a solução pelo princípio da superposição.

2.1.1. Fonte e sumidouro


FIGURA 27
Fonte e sumidouro pertencem a um grupo de escoamentos
elementares que, associados a técnicas de superposição, per-
∫ ∫ ∫
2π 2π 2π
mitem estabelecer a definição da geometria de contornos de m
VndA = Vrrdθ = rdθ = m
corpos, que serve como condição de contorno para diversas 0 0 0 2πr
aplicações em hidrodinâmica.
Uma fonte só possui velocidades radiais, ou seja, vθ = 0,
O potencial 2D de uma fonte é dado a partir do conheci- como apresentado na figura 28.
mento de suas velocidades radiais, vr, e tangenciais, vθ, que são
mais facilmente visualizadas quando tratadas em um sistema A velocidade radial ao longo de cada círculo de raio r é dada
de coordenadas polares, como apresentado na figura 27. por

A quantidade de massa que passa por unidade de tempo m


Vr =
em uma pequena distância ao longo de uma circunferência de 2πr
raio, r, é dada por sua vazão, ou seja, pela rapidez com que o
escoamento passa por esse pequeno valor de distância r, que Em coordenadas cartesianas, em um ponto (x, y), as com-
é calculada por ponentes de velocidades de um campo de uma fonte são

Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido 57


garantir, quando empregando fontes, que esse ponto fique fora
da região de interesse. Ao definir o contorno do casco de um
navio com distribuição de fontes as origens das fontes, ou sin-
gularidades, devem ficar sempre dentro do contorno do casco.

Com a consideração anterior a expressão do potencial da


fonte passa a ser


r1
m m m
ϕs = dr = (lnr1 - lnr0) = lnr + C
r0 2πr 2π 2π

Então, a constante C vale

m
C= lnr
2π 0

r1
Lembrando que lnr1 - lnr0 = ln
r0

FIGURA 28
Tem-se que a função potencial de uma fonte, fora da ori-
gem, em coordenadas polares é
m x
u=
2π (x2 + y2) m r1
ϕ (r, θ) = ln
2π r0
m y
v=
2π (x2 + y2) A função de corrente é dada por

Como visto no capítulo anterior, as velocidades em um m


ψ (r, θ) = - θ
campo potencial são determinadas a partir do conhecimento da 2π
função ϕ, então, a velocidade radial e tangencial são obtidas por
Em coordenadas cartesianas, essas mesmas funções são
m ∂ϕ , 1 ∂ϕ dadas por
Vr = = Vθ = =0
2πr ∂r r ∂θ
m m
ϕ (x, y) = ln x2 + y2 = ϕ (r, θ) = lnr
Ou, em sistema de coordenadas cartesiano, por 2π 2π

m x ∂ϕ m y ∂ϕ m y m
u= = v= = ψ (x, y) = arctan = ψ (r, θ) = - θ
2π (x2 + y2) ∂x 2π (x2 + y2) ∂y 2π x 2π

A função potencial de velocidades, em coordenadas pola- Em que ϕ (x, y) e ψ (x, y) são a função do potencial de
res, é de fácil obtenção; basta integrar o potencial para a velo- velocidades e a função de corrente, respectivamente.
cidade radial
É fácil verificar que fora da origem (0, 0) essas funções
satisfazem à condição ∇2∅ = 0 e ∇2ψ = 0, necessária para um
ϕs = ∫ 2πr
m
dr = -
m
2πr
lnr + C escoamento irrotacional e incompressível.

Em que m é a quantidade volumétrica de fluido por uni- A representação das linhas equipotenciais e das linhas de
dade de comprimento que deixa o ponto central da fonte na corrente, com suas respectivas constantes, está na figura 29.
unidade de, e C uma constante a ser determinada.

Da mesma forma, a função de corrente para uma fonte é


dada por

�s = ∫ 2πr
m
dθ = -
m

θ+C

Um padrão equipotencial, no campo, será obtido para


quando ϕ = const. Então é importante relacionar a constante
C com alguma origem (0, 0). Essa origem é chamada de ponto
singular do escoamento da fonte. Assim que se aproxima dessa
origem, no entanto, a magnitude da velocidade radial tende
ao infinito, e esse escoamento não teria significado físico.
Como esse ponto singular não tem significado físico deve-se
FIGURA 29

58 Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido


Outro artifício matemático similar empregado é o sumi- Em coordenadas polares a função potencial e a de corrente
douro, definido como uma fonte com intensidade negativa e são dadas por
representado na figura 30.
ϕ (r, θ) = V∞rcosθ

ψ (r, θ) = V∞rsinθ

Com V∞2 = u∞2 + v∞2 obtêm-se, em coordenadas cartesianas,


a função potencial de velocidades e a de corrente, dadas por

ϕ (x, y) = u∞x + v∞y = V∞(xcosθ + ysinθ)

ψ (x, y) = u∞y - v∞x = V∞(ycosθ - xsinθ)

Um escoamento permanente no sentido positivo de x, com


velocidade V∞ e empregando o padrão de contagem dos veto-
res e ângulos é apresentado na figura 32.

FIGURA 30

Tem-se a relação oposta à da fonte resultando para a fun-


ção potencial


r1
-m m r1
ϕ- s = dr = ln
r0 2πr 2π r0

E para a função de corrente FIGURA 32

m Para essa condição tem-se


ψ- s = - θ

u∞ = V ∞ v∞ = 0
2.1.2. O potencial de um escoamento uni-
ϕ (x, y) = - u∞x
forme 2D
ψ (x, y) = u∞y
Um escoamento uniforme 2D consiste de um campo de
velocidades constantes em que A figura 33 apresenta as linhas equipotenciais e as linhas
de corrente adotando uma constante zero para o potencial
V∞ = u∞i + v∞j medido na origem do sistema.

O campo de velocidades pode ser expresso em função dos


seus vetores unitários i e j ou em função do vetor resultante
V∞ e o ângulo θ, como apresentado na figura 31.

FIGURA 31 FIGURA 33

Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido 59


2.1.3. O potencial de uma fonte em um
escoamento uniforme
A soma do potencial de um escoamento uniforme, ϕU, com
uma fonte, ϕS, é

ϕ = ϕU + ϕS

Em coordenadas polares, com a fonte na origem do sis-


tema, tem-se

m
ϕ = V∞rCosθ + lnr
2π FIGURA 35

A velocidade radial, ur, no novo potencial é dada por então, a solução obtida para o problema de um potencial pode
ser diretamente empregada para gerar a solução do segundo.
∂ϕ m
ur = = V∞Cosθ +
∂r 2πr O potencial da linha de corrente que define o contorno do
corpo, ψSP, é dado pela soma
Quando θ = π, tem-se um ponto de estagnação em
ψSP = ψV∞ + ψS
m m
V∞Cosπ + = 0 → - V∞ + =0
2πr 2πr As velocidades radiais de uma fonte em função da linha de
corrente são dadas por
Então, a posição do ponto de estagnação, b, quando θ = π, é
1 δψ m
m vr = =
b= r δθ 2πr
2πV∞
δψ
Quando a velocidade radial é igual a zero, obtém-se um vθ = - =0
δr
ponto de estagnação. Fisicamente, isso significa que o fluxo
que saía da fonte contraequilibra o fluxo uniforme em b, con- Integrando o potencial para a velocidade radial, obtém-se
forme apresentado na figura 34. a linha de corrente radial associada à fonte

ψs = ∫ 2πr
m m
dθ = θ + C

No ponto de estagnação a constante C = 0.

A velocidade do escoamento incidente, Vr, em coordenadas


polares é

Vr = V∞rCosθ

A linha de corrente, que contém o ponto de estagnação,


considerando o escoamento incidente à esquerda da fonte é,
em coordenadas polares,
FIGURA 34
m
O ponto b está localizado a determinada distância a partir ψSP = V∞rSinθ + θ

da fonte. Para ângulos diferentes de π, a fonte de fluxo desvia
o escoamento uniforme, fazendo com que ele se incline. Muito Para determinar a intensidade da linha de corrente no
longe do corpo, onde a influência da fonte é mínima, as linhas ponto de estagnação, ψSP, basta substituir o valor r por
de corrente tendem a permanecer paralelas com o eixo x,
como pode ser verificado na figura 35. m
b= , já calculado, em θ = π, obtendo
2πV∞
Para o caso 2D e devido à irrotacionalidade e à incompres-
sibilidade do fluido pode-se garantir que todos os pontos em m m m
que a velocidade na direção normal seja zero estarão sobre ψSP = V∞ Sinπ + π =
2πV∞ 2π 2
uma linha de corrente com igual intensidade, ou constante,
apresentada para o ponto de estagnação, ψSP. Os potenciais ϕ O valor da intensidade de uma linha de corrente é cons-
e ψ obedecem à mesma equação diferencial (para o caso 2D); tante; então, para 0 ≤ θ ≤ 2π, será obtido

60 Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido


m m
= V∞rSinθ + θ
2 2π

Isolando r é obtida uma função que define a forma do contorno do meio-corpo de Rankine, para qualquer posição de θ

m π-θ
r=
2πV∞ Sinθ

π m π
Quando θ = ,r= = b
2 4V∞ 2
y
Quando θ = 2π, temos uma indeterminação matemática que pode ser resolvida substituindo r = , porque as linhas de
corrente da fonte e do escoamento incidente são horizontais. Sinθ

Então

y m π-θ m
= ⇒y= = πb
Sinθ 2πV∞ Sinθ 2V∞

m
= πb corresponde à largura do meio-corpo de Rankine.
2V∞

Na figura 36 pode-se verificar a geometria formada com um escoamento uniforme (u∞ = const) e uma fonte. Essa figura
forma um meio-corpo. Esse é o meio-corpo de Rankine.

FIGURA 36

A linha vermelha define o meio-corpo de Rankine e separa o escoamento livre do escoamento proveniente da fonte, exata-
mente como se fosse a linha de corrente divisória entre um corpo sólido semi-infinito e o escoamento sobre esse corpo. Todos
as geometrias sólidas criadas em um escoamento potencial com esse perfil-padrão de separação do escoamento livre são
conhecidas como corpos formados por linhas de corrente (streamlined body)

2.1.4. O campo de pressões no meio-corpo de Rankine


O campo de pressões vai ser útil para definir as forças exercidas por um fluido ideal sobre o meio-corpo; ele pode ser calcu-
lado pelo conhecimento das velocidades que atuam sobre a superfície do meio-corpo em conjunto com o emprego da equação
de Bernoulli.

A velocidade radial e a angular, em coordenadas polares, definidas pela função linha de corrente, são dadas por

∂ψSP m
Vr = = V∞rCosθ +
∂θ 2πr

∂ψSP
Vθ = - = V∞Sinθ
∂r

Definindo a velocidade resultante por V e elevando ao quadrado, chega-se a

V∞mCosθ m 2
V2 = V∞2 + +
πr 2πr

m
Lembrando que b = é a menor distância da fonte até o ponto de estagnação, pode-se simplificar a equação anterior por
2πV∞

Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido 61


b b 2
V2 = V∞2 + 2 Cosθ +
r r

Empregando a equação de Bernoulli é possível obter as


pressões ao longo da linha de corrente que define o contorno
do corpo por meio de

ρ ρ
p∞ + V∞2 = p + V2
2 2

Rearranjando

p∞ - p V2
=1-
ρ 2 V∞
u
2 ∞

Surge, então, o coeficiente adimensional de pressão dado


por

p∞ - p V2
cp = =1- FIGURA 38
ρ 2 V∞
V
2 ∞

Na figura 37 apresenta-se um exemplo ilustrativo do per-


fil das pressões para o meio-corpo de Rankine em função do
coeficiente cp.

FIGURA 39

FIGURA 37

FIGURA 40

2.1.5. O dipolo
A expressão seguinte é obtida somando, em coordenadas
Um dipolo é composto da soma de uma fonte e de um polares, o potencial da fonte e do sumidouro
sumidouro de intensidades iguais, como visto na figura 38.
m r1 m r2 m r1
ϕd = ln - ln = ln
O potencial do dipolo, ϕd, é dado pela soma do potencial 2π r0 2π r0 2π r2
da fonte e do sumidouro.
O mesmo tratamento pode ser dado para a determinação
m de ϕd quando no sistema de coordenadas cartesianas. Obser-
O potencial de uma fonte é lnr , e o de um sumidouro vando a figura anterior, verifica-se que os vetores r1 e r2, rela-
2π 1
m cionados à fonte e ao sumidouro, respectivamente, têm a
- lnr
2π 2 seguinte relação, no sistema de coordenadas cartesianas
Relacionando r1 e r2 com uma origem comum (0, 0), como
apresentado na figura 39. r12 = (x + c)2 + y2

Empregando o padrão de contagem dos vetores e ângulos, r22 = (x - c)2 + y2


como apresentado na figura 40.

62 Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido


Então, a função potencial, 2D, em um sistema de coorde- Somada a linha de corrente do escoamento incidente ao
nadas cartesianas é descrita por de um dipolo são obtidas novas linhas de corrente.

m (x + c)2 + y2 ψ = ψ∞ + ψd
ϕd = ln
2π (x - c)2 + y2
Fazendo a operação em um sistema de coordenadas pola-
A função de corrente, em coordenadas polares, para o res, tem-se
dipolo é dada por
m 2crSinθ
ψ = V∞ rSinθ - tan- 1 2 2
m m m 2π r -c
ψd = - θ - θ = - (θ1 - θ2)
2π 1 2π 2 2π
Que, em um sistema de coordenadas cartesianas, corres-
Rearranjando ponde a

2πψd m 2cy
- = (θ1 - θ2) ψ = V∞y - tan- 1 2 2 2
m 2π x +y -c

Tomando a tangente de ambos os termos Uma linha de corrente particular é a que contém os dois
pontos de estagnação; ela define o contorno do corpo oval
2πψd tanθ1 - tanθ2 de Rankine.
tan - = tan(θ1 - θ2) =
m 1 + tanθ1tanθ2
Na figura 41 a linha de corrente ψsp (encarnada) descreve
Observando a figura anterior pode-se verificar que existe o corpo oval de Rankine.
uma relação trigonométrica entre θ1, θ2

rsinθ rsinθ
tanθ1 = tanθ2 =
rcosθ - c rcosθ + c

Substituindo

rsinθ - rsinθ
2πψd rcosθ - c rcosθ + c 2crSinθ
tan - = = 2 2
m rsinθ rsinθ r -c
1+
rcosθ - c rcosθ + c

Então o potencial da função de corrente é descrito por

m 2crSinθ FIGURA 41
ψd = - tan- 1 2 2
2π r -c

Que, em coordenadas cartesianas, corresponde a Os pontos de estagnação ocorrem a vante e a ré do oval na


posição x = ± L, y = 0. Os pontos de maior velocidade e menor
m 2cy pressão ocorrem na posição x = 0, y = ± h.
ψd = - tan- 1 2 2 2
2π x +y -c
Os semieixos maior e menor, L e h, da oval são determina-
Caso o valor de c seja pequeno, o valor da tangente se dos de forma similar ao semicorpo de Rankine
aproxima do próprio ângulo
1. No ponto de estagnação V∞ = 0, a distância L corresponde
m 2crSinθ mcrSinθ ao valor de x em que V∞ = 0, e a razão geométrica L/c é obtida
ψd = - =-
2π (r2 - c2) π(r2 - c2) a partir do valor da intensidade ψSP(L, 0) = constante;

Que, em coordenadas cartesianas, é 2. No ponto (0, h), ψSP(0, h) = constante, determina-se a
razão geométrica h/c.
mcy
ψd = -
π((x2 + y2) - c2) Para a determinação das velocidades ao longo da linha de
corrente dada por ψSP = 0 é necessário conhecer o potencial
2.1.6. O corpo oval de Rankine dado pela soma do potencial do escoamento uniforme e do
dipolo, que é mais facilmente visualizada quando se trabalha
O corpo oval de Rankine é uma figura geométrica simétrica, com coordenadas cartesianas. Considerando um escoamento
definida pela linha de corrente que contém os pontos de estag- paralelo ao eixo x, tem-se
nação e obtida pela soma dos potenciais de um escoamento
uniforme e de um dipolo. m 2cy
ψSP = V∞y - tan- 1 2 2 2
2π x +y -c

Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido 63


As abscissas dos pontos de estagnação são obtidas da con- h 1 h2 πV∞c h
= - 1 tan 2
dição de a velocidade resultante ser nula em tais pontos. Assim, c 2 c m c
para um escoamento paralelo ao eixo x, 2D, escolhendo um
sistema de coordenadas cartesianas, a velocidade resultante Ou em função do parâmetro χ
no ponto de estagnação é dada por
h 1 h2 1 h
= - 1 tan 2
∂ψSP 2mc x -c -y2 2 2
c 2 c χ c
= 0 = V∞ -
∂y 2π x4 + 2x2y2 - 2x2c2 + y4 + 2y2c2 + c4
Com a construção do corpo oval de Rankine foi provada a
Nos pontos de estagnação de abscissas (L, 0) tem-se possiblidade do emprego das funções potenciais de corrente e
de velocidade para criar condições de contornos cinemáticas e
∂ψSP mc L 2 - c2 dinâmicas (quando relacionando com a equação de Bernoulli)
= V∞ - =0
∂y π L - 2L2c2 + c4
4
de um corpo rígido em um meio fluido. O tratamento do corpo
oval de Rankine, porém, como verificado, não é simples, e
Que na forma compacta é existe uma geometria mais interessante e simples para o uso
prático: a geometria de um cilindro.
∂ψSP mc 1
= V∞ - =0
∂y π L 2 - c2 2.1.7. O doublet
O valor de L é dado por Um doublet é obtido quando se sobrepõem uma fonte e
um sumidouro de intensidades iguais.
mc 1⁄
2
L=± + c2
πV∞ Observando a figura anterior, verifica-se que os vetores r1
e r2, relacionados à fonte e ao sumidouro respectivamente,
Que conduz a têm a seguinte relação, com o vetor r na origem, no sistema
de coordenadas polares
L m 1⁄
2 L m 1⁄
2
=± +c ou =± 1+
c πV∞ c πV∞c r1 = (r2 + c2 + 2rc cosθ)1⁄2
Definindo-se, um novo parâmetro, χ r2 = (r2 + c2 - 2rc cosθ)1⁄2
m Com isso a equação do potencial de um dipolo passa a ser

πV∞c dada por
Verifica-se que a solução passa a ser dependente de m r1 m 1 2 2 1
ϕd = ln = ln(r + c + 2rccosθ) - ln(r2 + c2 - 2rccosθ)
2π r2 2π 2 2
L
χ: = ± (1 + χ)1⁄2
c Dividindo e multiplicando por r2 + c2 cada expressão dentro
do logaritmo
A dimensão h, é obtida a partir de
m 2rccosθ 2rccosθ
m 2cy ϕd = ln (r2 + c2) 1 + 2 2 - ln (r2 + c2) 1 - 2 2
ψSP = V∞y - tan- 1 2 2 2 4π r +c r +c
2π x +y -c
O logaritmo do produto de duas quantidades é igual à soma
∂ψ dos logaritmos
Fazendo SP = 0 em x = 0 e y = h resulta
∂x
m 2rccosθ 2rccosθ
m 2ch ϕd = ln (r2 + c2) + ln 1 + 2 2 - ln (r2 + c2) - ln 1 - 2 2
V∞h + tan- 1 2 2 = 0 4π r +c r +c
2π h -c
O primeiro termo e o terceiro dentro dos colchetes se
Que leva à seguinte igualdade cancelam.
2πV∞h h 2 - c2 m 2rccosθ 2rccosθ
= cotan- 1 ϕd = ln 1 + 2 2 - ln 1 - 2 2
m 2ch 4π r +c r +c
Ou Se forem excluídas as posições em que r = c, ou seja,
quando c tende a zero, tem-se que o termo
c 2
2πV∞h
h 1- = 2c cotan- 1
h m 2rccosθ
r2 + c2
A razão h/c é dada por
será menor do que a unidade, exceto nos pontos de singulari-
dade, ou seja, em r = ± c e θ = 00 ou 1800; assim são garantidas

64 Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido


as condições para que cada logaritmo da expressão possa ser Que em coordenadas cartesianas corresponde a
desenvolvido em uma série de potências
y
ψd = - μ
m 2rccosθ 1 2rccosθ 2 1 2rccosθ 3 x2 + y2
ϕd = - + + ...
4π r2 + c2 2 r2 + c2 3 r 2 + c2
2rccosθ 1 2rccosθ 2
1 2rccosθ 3 A configuração das linhas de corrente para o dipolo é feita
- - 2 2 - - + ...
r +c 2 r +c
2 2
3 r2 + c2 mediante uma equação paramétrica, levando-se em conside-
ração que y = rsinθ e que r2 = x2 + y2, em que uma constante
Juntando os termos, chega-se a cψ pode ser obtida por

m 4rccosθ 2 2rccosθ 3 μsinθ μy


ϕd = + + ... - ψd = = 2 2 = cψ
4π r2 + c2 3 r2 + c2 r x +y

Quando a distância c → 0, permanece apenas o primeiro Ou seja


termo, porque os termos com numeradores de ordem superior
são da forma μan, com n > 1, e tendem a zero. Assim, no limite μ
x2 + y2 - y=0
com c → 0, chega-se ao potencial de um doublet cψ

2mccosθ Que resulta em


ϕd =
4πr
μ 2 μ 2
x2 + y - =
No numerador, fazendo 2cψ 2cψ

2mc Que são, portanto, circunferências tangentes à origem,


μ=
4π centro no eixo 0y e raio

obtém-se, no limite, o potencial de um doublet μ


2cψ
μcosθ
ϕd =
r
De forma análoga as linhas equipotenciais têm origem no
O potencial de velocidades do doublet, reescrito em coor- eixo 0x e raio
denadas polares, é feito por meio da relação
μ
, como apresentado na figura 42.
x 2cψ
r = x2 + y2 e Cosθ = 2 2
x +y

resultando em

x
ϕd = μ
x2 + y2

A função de corrente de um doublet ψd, em coordenadas


polares, pode ser obtida quando da definição das velocidades
tangencial e radial, da seguinte forma

∂ψd ∂ϕ μcosθ
=r d=-
∂θ ∂r r

∫ μcosθ μsinθ
θ
∂ψd = - dθ + f(r) = - + f(r)
0 r r

∂ψd 1 ∂ϕd 1 μsinθ μsinθ


=- =- - = 2
∂r r ∂θ r r r

Essas equações, quando conjugadas, levam a

∂ψd μsinθ μsinθ


= 2 + f'(r) = ⇒ f'(r) = 0 ⇒ f(r) = constante
∂r r r2

Considerando nula a constante

μsinθ
ψd = - FIGURA 42
r

Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido 65


2.2. O escoamento ao longo de um cilindro
Ao se sobrepor o potencial de um escoamento uniforme ao de um doublet obtém-se um contorno geométrico dado pela
linha de corrente que contém os pontos de estagnação, correspondente ao de um cilindro, como representado na figura 43,
que é uma figura geométrica de grande importância nos estudos envolvendo a teoria de asas.

FIGURA 43

A soma do potencial do escoamento uniforme incidente, da esquerda para direita, com um doublet é dada por

μcosθ μcosθ μ
ϕ = V∞x + = V∞rcosθ + = cosθ V∞r +
r r r

A soma das funções de corrente

μsinθ μsinθ μ
ψ = V∞y - = V∞rsinθ - = sinθ V∞r -
r r r

A velocidade radial é dada por

∂ϕ μ
Vr = = cosθ V∞ - 2
∂r r

Observando-se a expressão e a figura anterior pode-se verificar que, quando cosθ = 0, existe uma linha de corrente circular
fechada com raio c = R, para o qual a velocidade radial é zero.

Facilmente verifica-se que quando existe a igualdade

μ
=V
R2 ∞

tem-se um ponto de estagnação em que a intensidade do dipolo no contorno do cilindro é

μ = V∞c2

Da mesma forma a velocidade tangencial será anulada quando sinθ = 0

1 ∂ϕ μ
Vθ = = - sinθ V∞ + 2
r ∂r r

Com conjugação das condições dadas pelas velocidades radial e tangencial são definidos os dois pontos de estagnação do
cilindro, representados por A e B na figura 44.

66 Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido


velocidade tangencial é máxima e corresponde a - 2V∞, como
apresentado no gráfico da figura 45.

FIGURA 44

μ μ
A≡ ,π ,B≡ ,0
V∞ V∞

Tendo obtido os pontos de estagnação falta definir a função


de corrente cuja constante vale zero, ψSP. Para isso basta subs-
tituir a intensidade do doublet obtida no ponto de estagnação,
FIGURA 45
μ = V∞R2, para o raio R, na equação que define as funções de
corrente, chegando, assim, à equação da linha de corrente que
define um cilindro em um escoamento uniforme
Na figura 46 apresenta-se a distribuição de razão de
V R2sinθ R2 velocidades
ψSP = V∞rsinθ - ∞ = V∞r 1 - 2 sinθ
r r

De forma similar o potencial de velocidades ao longo da u∞
circunferência que descreve o cilindro é dado por
com intensidade máxima na parte superior do cilindro.
V R2cosθ
ϕSP = V∞rcosθ + ∞
r

Ou

R2
ϕSP = V∞ 1 + rcosθ
r2

Como resultado, verifica-se que no contorno do cilindro


a velocidade radial, Vr, que corresponde à velocidade normal
ao cilindro, Vn̂ , é

1 ∂ψSP R2
Vr = Vn̂ = = V∞ 1 - 2 cosθ
r ∂θ r

No contorno do cilindro c = r, ou seja, Vr = Vn̂ = 0

Ou seja, no contorno do cilindro a velocidade radial é zero.


Esse valor já era esperado porque o contorno é definido por FIGURA 46
uma linha de corrente estabelecida por um círculo.

No contorno do cilindro a velocidade tangencial é 2.2.1. As forças de pressão sobre um cilin-


dro e o paradoxo de D’Alambert
∂ψSP R2
Vθ = - = - V∞ 1 + 2 sinθ
∂r r A variação de pressão em torno do cilindro pode ser obtida
através da equação de Bernoulli
Vθ = - V∞2sinθ
p 1 2 p 1
Só existem velocidades tangenciais. Nos pontos de estagna- + V + Vθ2 = ∞ + V∞2
ρ 2 r ρ 2
ção θ = 0 e θ = 180 a velocidade é zero em θ = 90 e θ = 270; a

Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido 67


Que na forma adimensional corresponde ao coeficiente O termo da força na direção x, Cosθi,
ˆ corresponde à força
de pressão dado por de arrasto.

p - p∞ V2 + V 2 1


cp (r, θ) = = 1 - r 2θ Farrasto = ρV∞2b (1 - 4Sin2θ)(Cosθi)dθ
ˆ =0
1 2 V∞ 2 0
V
2 ∞
Este é o paradoxo de D´Alembert: "Parece-me que a teo-
No escoamento potencial a referência de pressão para ria (escoamento potencial), desenvolvida com todo o rigor
tomada do coeficiente de pressão geralmente é a associada à possível, dá um desaparecimento completo dos termos de
pressão de estagnação; com isso p∞ = p0 e V∞ = V0. A pressão resistência. Um paradoxo singular que deixo para futuros geô-
no ponto de estagnação é sempre correspondente à unidade. metras (matemáticos) elucidarem”. Devido a essa observação
a hidrodinâmica passou a ser vista com reservas pela comu-
Na superfície do cilindro a única velocidade existente é a nidade científica em relação ao emprego da teoria potencial
tangencial em função do que era observado na realidade. A reabilitação
surgiu com a introdução do conceito de camada-limite, em
p - p0 V2 1904, por Ludwig Prandtl. Os efeitos viscosos são importantes
cp (r, θ) = = 1 - θ2
1 2 V0 e ficam contidos em uma pequena região sob o seu domínio,
V
2 0 a camada-limite, mas fora dela; em todo o restante do domí-
nio fluido, os seus efeitos são desprezados, e o domínio é do
Lembrando que Vθ = - V∞2Sinθ e que Vθ = V0, no ponto de escoamento potencial.
estagnação, então, o coeficiente de pressão para o cilindro é
O termo da força na direção y, Sinθiĵ, corresponde à força
V 24Sin2θ de sustentação para um cilindro
cp (r, θ) = 1 - θ 2 = 1 - 4Sin2θ

1


Fsustentação = ρV∞2b (1 - 4Sin2θ)(Sinθj)dθ
ˆ =0
Em que θ é ângulo medido a partir do ponto de estagnação 2 0
a ré do cilindro.
A força de sustentação também vale zero.
Na figura 47 tem-se um gráfico apresentando os valores de
cp (r, θ) sobre o cilindro. 2.3. O conceito circulação em um cilindro
No contorno do cilindro gerado pela soma do potencial da
velocidade incidente e um doublet, a vorticidade, Ω, é dada
pelo rotacional ∇ × V, e vale zero, como esperado

1 (∂(rVθ)) ∂Vr
∇×V=Ω= -
r ∂r ∂θ

Lembrando que:

Vr = Vnˆ = 0

FIGURA 47 e que Vθ = - V∞2Sinθ, que é independente de r, então

1 ∂(rVθ)
A partir do coeficiente de pressão a força de pressão sobre =0
r ∂r
o cilindro pode ser calculada por
A vorticidade, Ω, é uma medida da rotação de um elemento
∫ 1
Fp = - (p - p0)nds = ρV∞ cp(r, θ)nds
S 2 S
∫ fluido enquanto ele se move em um escoamento.

A circulação, Γ, para um fluido irrotacional é a integral de


Em que linha da componente da velocidade em torno de uma curva
fechada fixa no escoamento.
ds = (rdθ)l
Γ = ∮V.dl
l = é o comprimento de um arco do cilindro
Para a curva fechada que descreve o contorno do cilindro,
A força de pressão hidrodinâmica passa a ser há apenas velocidades tangenciais
1


Fp = ρV∞2 l (1 - 4Sin2θ)(Cosθiˆ + Sinθj)dθ
ˆ V = Vθ = - V∞2Sinθ
2 0

dl = rdθ

68 Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido


Então a circulação é dada por 1 ∂ψ , k ∂ψ
Vr = 0 = Vθ = = -
r ∂θ r ∂r


Γ= Vθrdθ
0 Antes de calcular a função potencial e a de corrente é
interessante analisar a circulação ao longo de uma linha de
∫ corrente de raio r, que é dada por
2π 2π
Γ= V∞(-2sinθ)rdθ = [2V∞rcosθ]] = 0
0 0



Γ= Vθrdθ = 2πrVθ
A circulação está associada à força de sustentação. Quando 0
a circulação é diferente de zero existe a força de sustenta-
ção. Para a existência de uma circulação diferente de zero é k
Mas Vθ = , então
necessária, entretanto, a inclusão no escoamento de outro r
escoamento elementar: o vórtice livre.


Γ= Vθrdθ = 2πK
2.3.1. O vórtice livre 0

O potencial 2D de um vórtice livre ou irrotacional é dado Ou seja, a circulação é constante e diferente de zero para
a partir do conhecimento de suas velocidades radiais, Vr, e qualquer linha de corrente e está associada à intensidade do
tangenciais, Vθ. O vórtice livre ou irrotacional é caracterizado vórtice na origem, o que parece contraditório, uma vez que o
por um valor constante de sua velocidade tangencial ao longo fluxo é irrotacional, Ω = ∇ × V = 0. Para investigar essa aparente
de um raio r, e pelo fato de a velocidade radial valer zero, como contradição, pode-se avaliar a circulação em torno de qualquer
visto no item anterior. outro contorno que não inclua a origem e descobre-se que,
como esperado, essa circulação é de fato zero. Assim, conclui-se
A figura 48 representa o perfil de velocidades em torno de que há algo especial ou “singular” na origem, que é um ponto
um vórtice livre anti-horário, com seus respectivos sistemas de vorticidade infinita que tem uma contribuição finita para
de coordenadas. a circulação em torno de qualquer contorno que inclua a ori-
gem. Na verdade, é convencional caracterizar a força de um
vórtice livre pela magnitude da circulação, Γ, em vez de pela
constante, K.

A velocidade tangencial passa a ser descrita por

Γ
Vθ =
2πr

A função potencial de velocidades é dada por


ϕv = Vθrdθ = ∫ 2πrΓ rdθ = 2πΓ θ + C 1

FIGURA 48
A função de corrente é dada por
A velocidade tangencial ao longo de cada círculo de raio
r é dada por ∫
ψv = Vθdr = - ∫ Γ
2πr
Γ
dr = - lnr + C2

K
Vθ = Com C1 e C2 iguais a zero, da mesma forma como foi feito
r
para a fonte no item 2.1.1., tem-se:
Em que K é a intensidade do vórtice.
Γ Γ
ϕv = θ e ψv = - lnr
Cada círculo de raio r é uma linha de vorticidade, como se 2π 2π
fosse o contorno de um cilindro de raio r. Assim, como verifi-
cado no item anterior, para o contorno de um cilindro, quando 2.3.2. A força de sustentação em um cilin-
só existem velocidades tangenciais, o rotacional ∇ × V vale zero. dro – o teorema de Kutta-Joukowski
Em um escoamento irrotacional 2D, as velocidades em um A força de sustentação em um cilindro é obtida ao se sobre-
campo potencial são determinadas a partir do conhecimento por o potencial de um escoamento uniforme ao potencial de
da função ϕ um doublet e de um vórtice livre, como representado na figura
49.
∂ϕ , k 1 ∂ϕ
Vr = 0 = Vθ = =
∂r r r ∂θ

Da mesma forma a função de corrente é obtida por

Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido 69


FIGURA 49

A soma do potencial do escoamento uniforme incidente, Os pontos de estagnação, diferentemente dos de um cilin-
de um doublet que forma um cilindro e de um vórtice livre, dro sem circulação, não têm posição fixa.
girando em sentido horário, é
A obtenção dos pontos de estagnação, com r = R, em
ϕ = ϕV∞ + ϕd + ϕv
Γ
Vθ = - 2V∞sinθ - =0
V R2cosθ Γ 2πr
ϕ = V∞rcosθ + ∞ + θ
r 2π
Ou seja, os pontos de estagnação são dados a partir de
Ou
Γ
θ = arcsin -
R2 Γ 4πV∞R
ϕ = V∞rcosθ 1 + 2 + θ
r 2π
Existem dois pontos de estagnação quando
A soma das funções de corrente

ψ = ψV∞ + ψd + ψv

V∞R2sinθ Γ
ψ = V∞rsinθ - + lnr
r 2π

Ou

R2 Γ
ψ = V∞rsinθ 1 - + lnr
r2 2π

A velocidade radial no campo é dada por

1 ∂ψ R2
Vr = = V∞cosθ 1 - 2
r ∂θ r

A velocidade tangencial no campo

∂ψ R2 Γ
Vθ = = - V∞sinθ 1 + 2 - FIGURA 50
∂r r 2πr

Verifica-se que apenas a velocidade tangencial é depen- •|Γ|<|4πRV∞|
dente da circulação Γ.
Um único ponto de estagnação localizado em
Em torno do cilindro r = R, que resulta em
π Γ
•θ= se 4πRV∞ e ϕv =
Vr = 0 2 2πr

Γ 3π Γ
Vθ = - 2V∞sinθ - •θ= se 4πRV∞ e ϕv = -
2πr 2 2πr

70 Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido


ˆ = - ∮(p - p0)ndA
F = - ∮pndA ˆ

p0 é uma pressão constante associada à presenciada pelo


cilindro em um escoamento, sendo, como já visto, geralmente
associada ao valor da pressão de estagnação, e o seu valor
não altera o resultado da integração, podendo ser adotada
como uma constante, que deve ser multiplicada pelo valor da
integração obtido.

Adimensionalizando a força, para facilitar o cálculo

F D L
= ˆi + ĵ
1 2 1 2 1 2
ρV∞2R ρV∞2R ρV∞2R
2 2 2

Tem-se, a expressão adimensional da força em função dos


seus coeficientes de arrasto, cD e sustentação cL

CF = CDî + CL ĵ
FIGURA 51
Os coeficientes de arrasto e sustentação são então calcu-
lados por
Nenhum ponto de estagnação no cilindro se
1 p 1
CD = - ∮ n dA → CD = - ∮ c n dA
•|Γ|>|4πRV∞| 2R 1 2 x 2R p x
ρV∞
2

1 p 1
CL = - ∮ n dA → CL = - ∮ c n dA
2R 1 2 y 2R p y
ρV∞
2

Em que

nx = cosθ e ny = sinθ

dA = Rdθ

Como apresentados na figura 53.

FIGURA 52

A força resultante em um cilindro, por unidade de compri-


mento, é obtida pela integração das forças de pressão sobre
o cilindro de raio R. Definindo a força resultante, em notação
vetorial, por

F = Diˆ + Ljˆ

Em que D é a força de arrasto por unidade de comprimento,


e L a força de sustentação por unidade de comprimento que
estão atuando sobre o cilindro, e ˆi e ˆj são os vetores unitários
nas direções x e y, respectivamente.

A força resultante é dada por FIGURA 53

Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido 71


O coeficiente de pressão cp é Γ
CL =
RV∞
Vθ 2
Cp = 1 -
V∞ Então a força de sustentação por unidade de comprimento
será
E a velocidade tangencial ao longo do cilindro
1 2 1 2 Γ
L = ρV∞2RCL = ρV∞2R
Γ 2 2 RV∞
Vθ = - 2V∞sinθ -
2πR
L = ρV∞Γ
Então
Esta última expressão matemática é o famoso teorema
V 2 Γ 2
de Kutta-Joukowski: a força de sustentação, por unidade de
Cp = 1 - θ = 1 - - 2V∞sinθ -
V∞ 2πR comprimento, é diretamente proporcional à circulação. Esse
resultado, apesar de ser calculado em um escoamento poten-
cial, é bastante realístico quando aplicado ao escoamento real.
2Γsinθ Γ 2
Cp = 1 - 4sin2θ + +
πRV∞ 2πRV∞ 2.4. Conceitos e teoremas fundamentais

Então o coeficiente de arrasto passa a ser 2.4.1. O teorema da divergência de Gauss,


o princípio de conservação de massa na sua
1 2Γsinθ Γ 2
forma diferencial
CD = - ∮ - 1 + 4sin2θ + + cosθRdθ
2R πRV∞ 2πRV∞
O teorema de Gauss foi definido por Lagrange em 1762,
Ou como visto no capítulo 1, quando da definição de um campo
potencial; no entanto foi publicado de forma independente por
1 2Γsinθ Γ 2
Carl Friedrich Gauss, em 1813 e provado por Ostrogradsky, em
CD = - ∮ - 1 + 4sin2θ + + cosθdθ
2 πRV∞ 2πRV∞ 1831. No estudo da hidrodinâmica, o teorema está associado
ao princípio de conservação de massa.
Sabendo-se que
O divergente representa a taxa volumétrica de escoamento
∮cosθdθ = 0 resultante em um volume de controle infinitesimal. O que se
procura representar é o quanto está “enchendo” ou “vazando”
∮sin2θcosθdθ = 0 em um determinado volume infinitesimal do escoamento.
∮sinθcosθdθ = 0 O divergente está associado ao campo vetorial de veloci-
dades e é definido por
Conclui-se que
ˆ
∫AVndA
CD = 0 ∇V ≅ limVol → 0
Vol
Então a força de arrasto por unidade de comprimento será Em que Vol é o volume de um pequeno “volume de con-
zero trole”, dVol, e A é a área de um vetor unitário normal n orien-
tado para fora de A, como pode ser verificado na figura 54, em
1 2 um ponto qualquer da superfície.
L = ρV∞2RCD = 0
2

O coeficiente de sustentação é dado por

1 2Γsinθ Γ 2
CL = - ∮ - 1 + 4sin2θ + + sinθdθ
2 πRV∞ 2πRV∞

Sabendo-se que

∮sinθdθ = 0

∮sin3θdθ = 0

∮sin2θdθ = π

Conclui-se que
FIGURA 54

72 Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido


V é a velocidade de um escoamento que passa por dA. O "Um ensaio na aplicação de análise matemática para as teo-
volume dVol é apenas um volume “matemático”; ele é comple- rias de eletricidade e magnetismo", que distribuiu a amigos e
tamente permeável, ou seja, sua presença não afeta o caminho familiares, bem como, presumivelmente, a outros matemáticos
do fluxo. e físicos atuantes na Inglaterra. Esse ensaio, em que estava o
teorema equivalente ao que se conhece atualmente como teo-
No lado direito da equação verifica-se rema de Green, não teve nenhum impacto; dificilmente alguém
na Inglaterra tinha trabalhado nesse campo. Matemáticos bri-
• O fluxo que passa pelo elemento dA corresponde a Vn̂ . tânicos estavam interessados em mecânica, óptica, astronomia,
No sistema métrico tem-se m/s vezes m2, ou seja, VdA = m3/s. movimento planetário e hidrodinâmica; a inspiração de Green
veio da França, de Laplace e Poisson, mas lá ninguém parece
• A integração sobre a área da superfície é a vazão resul- ter visto seu trabalho. Essa falta de resposta deve ter depri-
tante do escoamento em A. mido Green, que, no entanto, logo começou a trabalhar em um
segundo documento. Recebeu, porém, valioso encorajamento
• A divisão por Vol oferece a vazão por unidade de volume. de Edward Bromhead, matemático de Cambridge diplomado
e influente que viveu em Lincolnshire e claramente percebeu
• Fazendo Vol tender a zero é obtida a vazão de escoa- habilidade excepcional em Green. Green procurou áreas de
mento do fluxo por unidade de volume em um ponto escolhido muito mais interesse a físicos matemáticos britânicos e, com
qualquer. a influência de Bromhead, começou a publicar documentos
nos jornais científicos.
Ao colocar essa equação no sistema de coordenadas car-
tesianas obtém-se Green ingressou na Universidade de Cambridge com a
idade de 40 anos para fazer seu curso de graduação em mate-
∂ux ∂uy ∂uz mática levando consigo seu ensaio sobre eletricidade e mag-
∇V = + +
∂x ∂y ∂z netismo. Seu desempenho acadêmico foi muito fraco. Green
faleceu quatro anos depois de se formar, deixando para trás
Ao se fazer o somatório, no lado esquerdo da equação da seu ensaio.
divergência, de todos os elementos de volume dVol no interior
de um volume escolhido qualquer e fazer o mesmo com todos Posteriormente (1850-1854), William Thomson (Lord
os elementos infinitesimais de área, dA, da superfície desse Kelvin), descobriu o trabalho de George Green e conseguiu
volume considerado, do lado direito da equação, obtém-se o publicá-lo num jornal importante de grande circulação e alta
teorema da divergência de Gauss reputação na época; descobriu-se, então, que outros cientistas
já tinham chegado a resultados obtidos por George Green,
ˆ
∇VdVol = VndA entre eles Gauss, e de forma independente. O trabalho de
George Green influenciou Thomson, Stokes e Maxwell.
No caso do escoamento potencial de um fluido incompres-
sível tem-se que a taxa de fluido resultante de um volume O teorema de Green quando escrito para um fluxo que
infinitesimal é nula, ou seja, de ∇.u = 0. Essa é outra forma passa na direção normal ou perpendicular a uma trajetória
de se entender o princípio de conservação de massa na sua fechada escolhida qualquer é dado por
forma diferencial.
∂ux ∂uy
+ ˆ
dA = ∮Vndl
2.4.2. O teorema de Green ∂x ∂y

Uma particularização do teorema da divergência de Gauss Na figura 55 tem-se um exemplo desse escoamento, escolhen-
é o teorema de Green, que sai do domínio 3D para 2D. Permite do-se como referência a origem da área de uma circunferência.
que se avalie o comportamento de campos vetoriais em relação
a uma linha de contorno ou trajetória fechada, viabilizando,
assim, trazer novos conceitos em relação à circulação.

George Green (1793-1841), um cientista autodidata inglês,


era filho de um padeiro que vivia em Notingham, onde passou
grande parte de sua vida trabalhando. A história diz que ele
cursou apenas dois anos do ensino elementar e não esclarece
como George Green obteve o conhecimento matemático já
que não frequentou nenhuma instituição de ensino regular.
Ele inventou técnicas matemáticas completamente novas para
resolver os problemas que surgiram na análise de campos deri-
vados de potenciais e teria tido um efeito imediato e profundo
se tivesse sido lido por outros pesquisadores no campo. Era
um grande trabalho de originalidade notável. Infelizmente, não FIGURA 55
teve efeito até alguns anos depois de sua morte. Ele foi acon-
selhado por não ter tido nenhum treinamento formal e ser de
posição social modesta a não enviar seu trabalho a um jornal Green visualizou que qualquer curva fechada possui varia-
científico. Em 1828, publicou apenas 100 cópias do documento ções vetoriais tangenciais que também podem ser relacionados

Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido 73


ao campo. Nenhum pesquisador tinha entendido isso de forma
tão clara. Um dado importante, para aplicação do teorema, é
que o sentido da trajetória considerado é sempre o anti-ho-
rário, como apresentado na figura 56.

FIGURA 56

FIGURA 57
Na forma tangencial o teorema de Green, cujo lado direito
descreve uma circulação, porque as velocidades consideradas Ou seja, o somatório de todas as rotações no interior do
serão sempre as tangenciais V = Vθ invólucro da superfície S tem o mesmo valor da circulação
medida ao longo da trajetória fechada c. Essa é outra forma
∂ux ∂uy de se entender o escoamento irrotacional, porque a circulação
- dA = ∮Vθdl
∂y ∂x seria zero ao longo da trajetória C; com esse teorema, porém,
a circulação pode ser diferente de zero em um campo poten-
Ou seja, aparece o conceito escalar do rotacional, Ω, dado cial, desde que a origem do rotacional esteja fora do mesmo.
por
2.4.4. As identidades de Green
∂u ∂u
Ω= x- y
∂y ∂x As identidades de Green são um conjunto de três igualda-
des aplicadas a campos vetoriais, todas com origem no teo-
associado a uma trajetória fechada, que pode ser o contorno rema da divergência de Gauss. Essas identidades funcionam
de um corpo sólido, em torno do qual só existam velocidades como uma “solução universal” para a equação de Laplace cuja
tangenciais. solução não seja trivial em todo domínio potencial. Funções
que possuem esse tipo de solução não trivial são conhecidas
2.4.3. O teorema de Stokes como funções harmônicas. Qualquer função harmônica pode
ser expressa em termos das identidades de Green.
O nome de Sir George Gabriel Stokes foi atribuído ao teo-
rema de Stokes; no entanto, não foi ele quem descobriu o Escolhendo-se duas funções potenciais quaisquer ϕ1, ϕ2
conceito matemático. Stokes já era um distinto professor de e sabendo-se que
matemática e física na Universidade de Cambridge quando
tomou conhecimento, por intermédio de seu amigo William ∇(ϕ1∇ϕ2) = ϕ1∇2ϕ2 + (∇ϕ1) . (∇ϕ2)
Thompson, de um teorema que relacionava uma integral 2D
a uma integral de linha, que era o teorema de Green. E resol- e que
veu investigar se o teorema de Green poderia ser estendido
para 3D; colocou, então, a solução desse problema como um ∇(ϕ2∇ϕ1) = ϕ2∇2ϕ1 + (∇ϕ2) . (∇ϕ1)
dos prêmios anuais para os pesquisadores das disciplinas de
física e matemática da Universidade Cambridge. O teorema Lembrando que o teorema da divergência de Gauss é dado
de Stokes se deve, portanto, a quem formulou o problema e por
não a quem o resolveu.

∇FdVol ⃗ˆ
= FndA
A ideia de Stokes era relacionar a integral das funções veto-
riais obtidas por Green para um plano com a linha de corrente Substituindo a primeira igualdade obtém-se a primeira
c à superfície S, como apresentado na figura 57. identidade de Green

A solução foi obtida por meio da seguinte igualdade (ϕ2∇2ϕ1 + (∇ϕ2)(∇ϕ1))dVol = ∇(ϕ1∇ϕ2)dA

(∇ × V)ds = ∮V.dl A segunda identidade é obtida a partir da diferença

∇(ϕ1∇ϕ2) - ∇(ϕ2∇ϕ1)

74 Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido


Ou seja Essa condição de contorno é conhecida como condição de
contorno de Dirichlet, em homenagem ao grande matemático
ϕ1∇2ϕ2 + (∇ϕ1)(∇ϕ2) - ϕ2∇2ϕ1 - (∇ϕ2)(∇ϕ1) = ϕ1∇2ϕ2 e físico alemão Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805-1859), e
diz respeito a toda condição de contorno em que sejam conhe-
Substituindo novamente na equação da divergência resulta cidos os valores da função potencial ao longo do contorno.
a segunda identidade de Green
Ou seja, o problema é caracterizado como de contorno
(ϕ2∇2ϕ1 - ϕ1∇2ϕ2) dVol = ∇ . (ϕ2∇ϕ1 - ϕ1∇ϕ2)dA misto, porque em todo o domínio em algumas partes são conhe-
cidos os valores da função potencial e em outras partes são
2.5. A distribuição de singularidades para fornecidos os valores da componente de velocidade normal
ao contorno.
formar o contorno do navio
Definidas as condições de contorno, torna-se necessário
Na teoria potencial, singularidades localizadas dentro dos descobrir uma função que possa definir o potencial relacio-
corpos são empregadas nos exemplos do cilindro criado por nando uma integral do volume total Vol com uma integral de
um dipolo com origem no centro do círculo, o oval e o semi- superfície S de um corpo contido nesse volume. Essa equação
corpo de Rankine, como visto no início deste capítulo. Essa é dada pelo teorema da divergência de Gauss
mesma técnica conhecida como de distribuição de singulari-
dades também pode ser empregada para se criar uma forma ˆ
∇VdVol = Vnds
arbitrária de um corpo, e para isso é necessária uma aborda-
gem mais sofisticada. Essa abordagem emprega o teorema Essa integral é aplicada no contorno de uma superfície arbi-
de Gauss e as identidades de Green, vistas no item anterior. trária S, contida em um volume arbitrário Vol.

Escolhe-se um volume arbitrário Vol, que contém um corpo, Sabendo-se que o escoamento é irrotacional, pode-se defi-
cuja superfície é S, como apresentado na figura 58. nir, como ferramenta de apoio, um vetor velocidade função de
dois campos potenciais genéricos. Essa ferramenta de apoio
está relacionada a uma função de Green, dada por

V = ϕ1∇ϕ2 - ϕ2∇ϕ1

Substituindo na equação da divergência de Gauss, tem-se

∇(ϕ1∇ϕ2 - ϕ2∇ϕ1)dVol = (ϕ1∇ϕ2 - ϕ2∇ϕ1)ds

Pela regra dos produtos tem-se

∇(ϕ1∇ϕ2 - ϕ2∇ϕ1) = ∇ϕ1∇ϕ2 + ϕ1∇2ϕ2 - ∇ϕ2∇ϕ1 - φ2∇2φ1

Que resulta em

∇(ϕ1∇ϕ2 - ϕ2∇φ1) = ϕ1∇2ϕ2 - ϕ2∇2ϕ1


FIGURA 58

Substituindo na equação da divergência


Existem duas condições de contorno. A primeira, aplicada
em S, é a condição de impenetrabilidade, ou seja, a compo- ˆ
(ϕ1∇2ϕ2 - ϕ2∇2ϕ1)dVol = (ϕ1∇ϕ2 - ϕ2∇ϕ1).nds
nente normal da velocidade em qualquer superfície sólida tem
de ser nula Lembrando que o produto interno de uma função F por um
vetor unitário normal é
∂ϕ
∇ϕnˆ = =0
∂n ∂F
∇F.nˆ =
∂n
Essa condição de contorno é conhecida como condição de
contorno de Neumann, em homenagem ao grande matemá- Tem-se que
tico e físico alemão Carl Gottfried Neumann (1832-1925), e diz
respeito a toda condição de contorno que seja especificada por ∂ϕ2 ∂ϕ
meio da derivada normal à função. (ϕ1∇ϕ2 - ϕ2∇ϕ1)nˆ = ϕ1 - ϕ2 1
∂n ∂n

A segunda condição de contorno impõe que a velocidade Substituindo o resultado anterior novamente no teorema
do escoamento tenda para a velocidade do escoamento não da divergência
perturbado à medida que nos afastamos do corpo.
∂ϕ2 ∂ϕ
∇ϕ = V∞ com r → ∞ (ϕ1∇2ϕ2 - ϕ2∇2ϕ1)dVol = ϕ1 - ϕ2 1 ds
∂n ∂n

Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido 75


Na região exterior ao contorno S, ∇2ϕ2 = 0 e ∇2ϕ1 = 0, por A função de Green associada, G, é dada pelo campo ϕ2
se tratar de um escoamento potencial. Fisicamente falando,
por se tratar de um escoamento incompressível, a superfície ϕ2 = G
S não se pode contrair nem expandir, mas pode deformar-se.
Então, a equação passa a ser Por se escolher o potencial de uma fonte amarrado a uma
função logarítmica, torna-se necessário resolver um problema
∂ϕ2 ∂ϕ de descontinuidade existente no interior da superfície S, por-
ϕ1 - ϕ2 1 ds = 0
∂n ∂n que lnr tende a infinito quando r tende a zero. Em 1828, Green,
ao apresentar as identidades e a função de Green, não apre-
Esse resultado mostra que qualquer movimento de um sentou uma solução para essa descontinuidade que, segundo
fluido em um escoamento potencial incompressível, dentro de ele, deveria ser justificada mais tarde. Ele afirmou que deveria
um contorno fechado (região simplesmente conexa), depende existir uma função harmônica capaz de satisfazer às condi-
exclusivamente do movimento em seus contornos. O interesse ções de contorno, em S, e que essa solução seria única. Essa
para a solução do problema passa ser definir os potenciais hipótese gerou uma série de discussões no meio matemático,
ϕ2 e ϕ1. sendo, aliás, publicados muitos trabalhos em que se afirmava
não existir a solução do problema e, caso existisse, não seria
∂ϕ1 única. Dentre esses trabalhos destaca-se o do francês Henri
Se ϕ1 e
∂n Léon Lebesgue (1875-1941), que provou que se o contorno da
superfície fosse deformável e nele existisse pelo menos uma
fossem sempre conhecidos (por exemplo, ser fontes ou dipolos, ponta, ou quina, o problema algumas vezes não teria solução.
em que os potenciais já são conhecidos devido aos trabalhos
iniciais de Rankine, como apresentado no início do capítulo), A primeira hipótese para solucionar o problema foi dada
seria possível determinar o potencial ϕ2 em uma linha de con- por Lord Kelvin, mas a resposta completa veio bem mais tarde,
torno conhecida, e vice-versa. com Dirac, empregando a função delta de Dirac, que será abor-
dada no item 2.9.
∂ϕ2
ϕ2 e
∂n A solução proposta por Kelvin consistia em avaliar uma
região arbitrária R0 no interior (e não no exterior como já visto)
seriam as funções de Green, representadas pela letra G. A equa- de uma região arbitrária S0 que contém o ponto de descon-
ção anterior assumiria a forma tinuidade P.

∫ ϕ1
∂G
∂n
∂ϕ
- G 1 ds = 0
∂n

O conceito de função de Green é generalizado para espe-


cificar uma classe de soluções de equações diferenciais não
homogêneas com fontes pontuais. A função de Green tem uma
interpretação física simples, como sendo a resposta de qual-
quer sistema físico quando na presença de tais tipos de fontes.

As soluções de equações diferenciais não homogêneas


com outros tipos de fontes podem ser determinadas, uma vez
conhecidas as soluções com fontes pontuais, com iguais con-
dições de contorno impostas à equação original.

2.6. A determinação da função de Green


para uma fonte ou um dipolo FIGURA 59

Devido ao trabalho inicial de Rankine, o potencial de uma A partir do teorema da divergência de Gauss, tem-se
fonte ou de um dipolo já eram conhecidos para uma esfera ou
um cilindro. Então, poderia ser identificada a função de Green
associada ao potencial de uma fonte para depois ser reutilizada ∫∫∫ (lnr∇2G - G∇2 lnr)dv =
R0
∫∫ ˆ
(lnr∇G - G∇(lnr))nds
S0
para outros potenciais associados a qualquer outra geometria.
O lado esquerdo da equação, como já visto, valeria zero,
A função de Green é válida para 3D. Como exemplo, será caso o ponto P fosse externo a uma superfície arbitrária S0,
feito, inicialmente, um estudo de caso, para 2D, de potenciais porque ∇2ϕ2 = 0, e ∇2lnr também seria zero, e a equação se
de uma fonte em um campo genérico ϕ1. Em coordenadas restringiria a
polares, o campo associado à fonte, é

ϕ1 = mlnr1
∫ ˆ =0
(lnr∇G - G∇(lnr)).nds
S0

Neste estudo, como em diversos outros de diversos auto-


Sabendo-se, para uma fonte ou doublet, que
res, é conveniente fazer a intensidade da fonte m = 1.

76 Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido


1 Para um círculo, o elemento de linha é dado por
∇(lnr)nˆ =
r
ds = rdθ
Obtém-se
Substituindo esse valor na integral de linha, obtém-se
∫ S0
1
lnr∇G - G = 0
r ds rdθ
- ∮sε = - ∮sε = - ∮sεdθ
r r
Agora é necessário avaliar o que ocorre no interior de S,
onde existe uma descontinuidade no ponto P. Para excluir o Integrando de 0 até 2π, obtém-se
ponto P do interior da área S0, Kelvin definiu uma circunferência


("buraco", em suas palavras) de raio ε, que engloba a origem,
- dθ = - 2π
como apresentado na figura 60. 0

Chegando-se finalmente ao resultado

- ∫ Sε lnr
∂G G
-
∂r r
. ds = - 2πG

A função de Green, G, está associada agora ao ponto de


singularidade G = G(p)

∫ Sε lnr∇G - G
1
r
ds = - 2πG(p)

Com isso a função de Green, G, associada ao ponto de


singularidade P é dada por

G(p) = -
1

∫ S0
1
lnr∇G - G ds
r
FIGURA 60
Definição da circunferência em torno do ponto P
Esse conceito de Kelvin empregando a segunda identidade
de Green para a região interior do “corpo sólido” que contém a
Lord Kelvin de forma brilhante empregou novamente o descontinuidade no ponto P pode ser estendido para a região
teorema da divergência de Gauss em 2D, para a região R0, que exterior a V. Aplicando a solução encontrada entre a superfície
contém a área Sε, que corresponde à circunferência de raio ε. do corpo e uma superfície arbitrária A que envolva S e que
No contorno da circunferência a função de Green é associada venha a tender para o infinito, como pode ser visto na figura
ao potencial conhecido por a seguir, as integrais sobre A tenderão para ϕ∞, ou seja, para
o escoamento não perturbado pelo corpo, tal como estudado
∫ Sε lnr
∂G
∂r
1
- G ds =
r
∫ Sε lnr∇G - G
1
r
ds
inicialmente.

Assim, chega-se à expressão final do potencial de duas


No primeiro termo da equação foi utilizada a regra do pro- dimensões para qualquer ponto P no interior do contorno S,
duto interno da normal com o gradiente. que é dado por

Fazendo ε → 0 e considerando que a função G é bem-com-


portada e aproximadamente constante, logo
G(p) = ϕ∞ -
1

∫ S0
lnr
∂G
∂n
1
- G ds
r

∂G Fisicamente o que se pode verificar nessa equação é que


→ 0, a avaliação da função se resume à integral
∂r ela fornece resposta devida à aplicação de uma carga unitária
em qualquer ponto R do domínio. No ponto r = 0, a solução
∫ Sε lnr
∂G
∂r
1
- G ds =
r
∫ Sε -G
1
r
ds = - G ∫ Sε -
1
r
ds
será feita com o emprego da função delta de Dirac.

2.7. O potencial de uma fonte 3D no con-


Ou seja, a função de Green, G, está amarrada ao termo
constante torno de uma esfera e a função de Green a
ele associada
ds
- ∮sε
r Para analisar o potencial de uma fonte 3D no contorno de
uma esfera, é recomendável trabalhar o laplaciano em coor-
O qual será calculado ao longo da linha de circunferência denadas esféricas
em que ε = r.

Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido 77


1 ∂ 2 ∂ϕ 1 ∂ ∂ϕ 1 ∂2ϕ
∇2ϕ = r + 2 sinθ +2 2
r ∂r
2
∂r r sinθ ∂θ ∂θ r sin θ ∂φ2

Os ângulos φ, θ, ϕ e o raio r podem ser visualizados na


figura 61.

FIGURA 62

Com isso, o potencial de uma fonte 3D, em um elemento


de superfície, é dado por

Q 1
ϕ(r, θ, φ) = -
4π r
FIGURA 61

Por conveniência adota-se Q = 1


O campo de velocidades em coordenadas esféricas é dado
por Então, o potencial de uma fonte atuando em um elemento
de superfície de uma esfera é dado por
∂ϕ m
Vr = =
∂r r2 1
ϕ(r, θ, φ) = -
4πr
1 ∂ϕ
Vθ = =0
r ∂θ Com isso a função de Green, G, associada ao ponto de
singularidade P, em 3D, em qualquer ponto do domínio, será
1 ∂ϕ dada por
Vφ = =0
rsinθ ∂φ

Em que m é a intensidade de uma fonte G(p) = -


1

∫S0
1 ∂G
r ∂n
-G
∂ 1
∂n r
ds

O potencial de velocidades de uma fonte 3D é dado por No ponto r = 0, a solução será feita com o emprego da
função delta de Dirac.
ϕ(r, θ, φ) = ∫ ∂ϕ
∂r
dr =
m
r
2.8. Introdução à solução numérica: o
Para se determinar o potencial de uma fonte 3D a um método direto
elemento de superfície de uma esfera, pode-se empregar o
teorema da divergência de Gauss. A vazão volumétrica que A expressão final do potencial de duas dimensões para
flui pela superfície da esfera de raio r é qualquer ponto do escoamento é dada, como já visto, por

Q= ∫∫ Vnds = ∫∫ mr ds
S S 2
G(p) = ϕ∞ -
1


S0
lnr
∂G
∂n
1
- G ds
r

O elemento de superfície da esfera, apresentado na figura Essa equação está numa forma em que é possível interpre-
62, é tar o integral como função de uma distribuição de singularida-
des. O primeiro termo do integral pode ser interpretado como
ds = r2sinθdθdφ o potencial de uma fonte de intensidade

Então ∂G
∂n
Q= ∫∫
0
π 2π

0
m 2
r2
r sinθdθdϕ = - m4π → m = -
Q
4π e o segundo como o potencial de um dipolo de intensidade G.

78 Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido


Por exemplo, escolhendo fazer apenas distribuição de i=n
1
fontes, sem escoamento incidente e sem dipolos, a equação G(p) ≈ lnrimds

passa a ser i-1

G(p) = -
1

∫ S0
lnr
∂G
∂n
ds
Em coordenas polares, ds = rdθ, o potencial entre os pontos
a e b, devido a uma fonte situada no ponto p, será dado por

Considerando o ponto p na posição A e B uma posição no i=n


1
contorno do corpo, a equação pode ser escrita na forma G(p) ≈ lnriλridθi
2π i-1

G(A) = -
1

∫ S0
lnr
∂G(A,B)
∂nB
ds
Em coordenadas cartesianas globais, tem-se

∂G(A,B) r = x2 + y2 ds = rcosθ + rsinθ


∂nB
Resultando em:
pode ser entendido como um coeficiente de influência que
uma fonte localizada na posição A exerce no ponto B localizado i=n
1
no contorno S. G(p) ≈ ln(x12 + y2i )λ(cosθi + sinθi)
2π i-1

A solução numérica surge quando se divide o contorno


S em diversos segmentos ds, como apresentado na figura a Esse método é conhecido como o método direto de inte-
seguir (no exemplo, um sumidouro). Cada segmento elementar gração, ou seja, a posição das fontes ou dipolos pode estar
pode ser interpretado como uma intensidade m = mds, dada em qualquer parte no interior do escoamento considerado.
pela fonte situada na posição P. Ao se raciocinar dessa forma
tem-se a intensidade da fonte por unidade de comprimento ds. O método analisa diretamente as incógnitas do potencial
e da derivada normal ao contorno como variáveis físicas do
problema a ser resolvido. Na figura 64 é apresentada a dis-
cretização do contorno de uma circunferência, para solução
da equação via método numérico direto. O potencial em cada
elemento ds vem, nesse caso, de uma única fonte com inten-
sidade reduzida em função de lnr. O potencial total é formado
pelo somatório dos potenciais obtidos em cada elemento ds.

FIGURA 63

FIGURA 64

2.8.1. Distribuição de singularidades pelo No método indireto de análise, comumente citado como
método direto, a fonte está no interior do método das fontes, as incógnitas podem ser vistas como inten-
contorno sidades de fontes elementares distribuídas no contorno do
corpo, sem significado físico. O potencial é obtido pelo soma-
Essa fonte localizada no ponto p, vai exercer um potencial tório das fontes elementares centradas em cada elemento ds.
elementar de velocidade, dG(p) no contorno de S, dado por Esse é o método mais empregado.

dG(p) = lnrmds A equação a utilizar é a mesma do modo direto

Entre os pontos a e b, o potencial da velocidade, induzido


no ponto P pela totalidade de fontes, será dado pela expressão G(p) = lnriλds

G(p) =
1


a
b
lnrmds O resultado final será igual porque o somatório do potencial
de cada fonte elementar sobre o contorno da circunferência
Ou seja, subdividindo o contorno S, entre a e b, tem-se um será igual ao somatório dos potenciais aplicados na distância
número n de seções ds r em relação à fonte centrada na origem.

Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido 79


A combinação dessa possível solução E = ∇V na equação

ρ
∇E =
ε0

permite que o potencial V seja escrito pelo laplaciano na forma

ρ
∇2V = -
ε0
FIGURA 65

Essa é a famosa equação de Poisson. O que nela está sendo


No método direto a equação integral empregada para feito consiste em uma técnica matemática: primeiro criar um
resolver o problema será igual, mas com a imposição de que, artifício chamado de potencial elétrico para depois se definir o
ao se dividir o contorno em elementos que representem uma campo. O potencial elétrico é um escalar, e é muito mais fácil
unidade de integração ds = rdθ, a singularidade é inserida trabalhar com um escalar do que com um vetor.
nesse elemento, geralmente na posição ds/2.
Em geral, a equação de Poisson é do tipo
Empregar o método indireto com o rigor matemático
demanda o entendimento de outra função matemática: a ∇2V = f(r)
função delta de Dirac.
Em que r é vetor posição, em coordenadas cartesianas
2.9. A equação de Poisson e a função delta r = (x,y,z)
de Dirac No caso particular em que f(r) = 0, ∇2V = 0, e tem-se a
equação de Laplace, própria para um campo eletrostático com
Essas duas técnicas são especiais para a solução de proble-
ausência de cargas, ou seja, ρ = 0.
mas eletrostáticos que foram adaptados para a hidrodinâmica.
O problema básico da eletrostática consiste em, dada uma
A solução da equação de Poisson parte da resposta para a
distribuição de cargas, determinar o campo em qualquer ponto
seguinte pergunta: que tipo de função densidade deveria ser
do espaço. A solução vem a partir do emprego do teorema da
utilizada em ∇2V = - ρ/ε0 = f(r)?
divergência de Gauss e da segunda identidade de Green. Para
geometrias fáceis, como um cilindro ou uma esfera, é possível
A solução, como posteriormente visto, é dada por
encontrar a solução, como já visto, quando foi empregada a
técnica de solução de Kelvin. A dificuldade, no entanto, está
ρ
em formular o problema, tendo uma descontinuidade, dada V(r) = -
4πε0|r´- r|
por uma carga pontual, no interior de uma região com um
contorno genérico. Esse problema eletrostático é o mesmo
Considera-se a carga localizada no ponto r’ e imersa em
da hidrodinâmica, quando se pretende determinar o campo
um meio de permissividade ε.
associado ao contorno de um “corpo sólido” genérico.

Siméon Denis Poisson (1781-1840), físico e matemático


francês, aluno de Laplace e Lagrange, fez grandes contribuições
à área da eletricidade e do magnetismo.

Poisson, em 1813, partiu do princípio de que o rotacional


do campo elétrico, E, é nulo

∇xE=0

Com essa hipótese, o campo é conservativo, podendo,


como já demonstrado por seu professor Lagrange, ser calcu-
lado por meio do gradiente de um campo potencial escalar V

E = - ∇V
FIGURA 66
Sabendo-se que a divergência do campo elétrico é dada Geometria para determinação da função potencial em uma
região limitada por uma superfície ∑
pela razão entre a densidade de carga elétrica, que é a quan-
tidade de carga elétrica existente em determinada grandeza
Na solução surge um problema: como representar uma
geométrica, e a constante de permissividade no vácuo, ε0, que
carga puntiforme? porque |r´- r| tenderia a zero, e a densidade
descreve como um campo elétrico afeta e é afetado por um
da carga iria para infinito.
meio, ou seja
Esse é o problema já visto em hidrodinâmica, porque |r´-r|
ρ
∇E = é o vetor vermelho, correspondendo então a um vetor associado
ε0

80 Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido


a um sumidouro (fonte negativa), localizado em um ponto gené- Heisenberg e o de Erwin Schrödinger num único formalismo
rico P dentro de uma superfície representativa de um sólido. matemático e no processo introduziu, simbolicamente, a fun-
Nesse momento a solução procurada é comum à eletrostática ção δ, que gozaria das seguintes propriedades
e à hidrodinâmica.
1) δ(x) = 0 se x ≠ 0

2) δ(x) = 0



3) -∞
δ(x)dx = 1

Na teoria de integração do matemático alemão Bernhard


Riemann(1826-1866), como bem sabemos de cálculo integral,
se δ fosse integrável a Riemann, implicaria δ ter limites defi-
nidos, o que não pode ser válido em função das propriedades
1) e 2). Também a teoria de integração do matemático francês
Henri Lebesgue (1875-1941), apesar de muito mais rica que
a de Riemann, não comporta δ como função integrável, pois
uma função integrável à Lebesgue, satisfazendo 1) implicaria

FIGURA 67 ∫ ∞

-∞
δ(x)dx = 0

A solução veio a partir da ideia do matemático inglês Oliver O matemático francês Laurent Schwartz(1915-2002) final-
Heaviside (1850-1925), que introduziu o cálculo operacional mente colocou a função de Dirac num contexto matemático
para resolver equações diferenciais de circuitos elétricos, tor- defensável, propondo a teoria das distribuições, também refe-
nando-as equações algébricas. A solução definitiva viria a ser rida como uma teoria de funções generalizadas.
matematicamente formalizada muito tempo depois. Uma fun-
ção apareceu naturalmente no processo, a saber a função com A função delta deve ser entendida como limite de uma
valores reais, definida para 0 ≠ t ∈ R dada por H(t) = 0, se t < 0, distribuição.
e H(t) = 1, se t ≥ 0. Representava então a função voltagem, que
assumia valor constante e superior a zero quando se fechava Para entendimento desse conceito, considere uma função
o circuito, a partir do instante t = 0, e era nula quando t < 0. com as seguintes características

1
1) f(r) = se |r|< a
2a

2) f(r) = 0 se |r|> a

Essa função está representada na figura 69.

FIGURA 68

Algum tempo depois o inglês Paul Marie Andrien Dirac


(1902-1984) introduziu o conceito de uma função que pode-
ria ser diferenciável e integrável, e que pudesse ser aplicada
diretamente ao problema de distribuição de singularidades
quando fazendo uso das identidades de Green. Paul Dirac foi FIGURA 69
sem dúvida um dos maiores físicos atuais; ocupou por mais de
30 anos (desde 1932) a cátedra Lucasiana da Universidade de A integral dessa função de - ∞ a + ∞ tem a importante
Cambridge, a mesma prestigiosa posição acadêmica ocupada propriedade
por Sir Isaac Newton. Em 1933 dividiu o Prêmio Nobel em Física
com Erwin Schrödinger. Em seu livro Principles of quantum

+∞
f(r)dr = 1
mechanics, em 1930, incorporou o prévio trabalho de Werner -∞

Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido 81


Ou seja, a área do retângulo formado entre a base – a e a lim f(r) = ∂(r)
σ→0
altura 1/2a é sempre igual à unidade.
Esse exemplo é bastante utilizado em engenharia.
Essa função pode ser adaptada como solução do problema
de carga puntiforme em um campo potencial. Para isso, seria A função delta de Dirac possui, a partir dos exemplos cita-
interessante que a função adaptada satisfizesse as seguintes dos, as seguintes características
propriedades

+∞
1) -∞
δ(r)dr = 1
1) f(r) = 0 se r ≠ a
2) δ(r) = 0 se r ≠ a
2) f(r) = ∞ se r = 0
3) δ(r) = ∞ se r = 0
Pode-se, então, definir uma função ∂(r) com as seguintes
características Essa função pode então representar a tão desejada densi-
dade de carga de uma partícula pontual: uma fonte, um sumi-
lim f(r) = ∂(r) douro ou até mesmo um elétron, como proposto originalmente
a→0
por Dirac.
Ao diminuir gradativamente o valor de a, a base do retân-
gulo será diminuída, e a altura aumentada, mas sempre a área Uma propriedade fundamental da função delta que surge
será igual à unidade. Ou seja, a função ∂(r) quando integrada quando ela é relacionada com outra função genérica é
de - ∞ a + ∞ sempre continuará valendo um.

+∞

-∞
f(r)δ(r)dr = 1
Essa é uma das representações da função delta de Dirac.
Ou seja, tem-se como resposta
Existem outras representações para a função delta; por

+∞
exemplo, considere a seguinte função gaussiana f(0) -∞
δ(r)dr
r2
1 - Porque fora da origem tudo vale zero, e f(0) deixa de ser
f(r) = e σ2
σ π uma variável para ser uma constante e, portanto, pode sair
da integral.
A representação gráfica dessa função pode ser visualizada

+∞
na figura 70. Mas -∞
δ(r)dr = 1, ou seja

∫ +∞

-∞
f(r)δ(r)dr = f(0)

Esta é a propriedade mais importante da função delta de


Dirac: a propriedade de filtragem. Como exemplo de filtragem,
pode-se definir uma função na forma


+∞

-∞
f(r)δ(r - a)dr

Ou seja, a função delta foi deslocada da posição 0, na ori-


gem, para a posição a, e tem-se como resposta


+∞

-∞
f(r)δ(r - a)dr = f(a)

A função delta pode ser generalizada para 3D


+∞
FIGURA 70
-∞
δ(x)δ(y)δ(z)dxdydz = 1

Essa é a clássica distribuição de uma função centrada na Uma carga pontual ou uma fonte situada na origem pode
origem e com curva em formato de sino, razão pela qual então ser descrita pela função delta de Dirac.
é conhecida mundialmente como bell curve. A distância σ é
conhecida como a variância da distribuição. Essa função tem Fazendo uso da função delta de Dirac a fim de achar a
uma característica fundamental: sua integral de - ∞ a + ∞ solução da equação de Poisson, para o potencial de uma fonte,
também vale um. A função, devido ao valor da variância σ, tem-se
pode ficar mais achatada ou mais alongada, mas a área sob a
curva sempre valerá um. ρ
∇2V = ∇2G = - = f(r) = δ(r)
ε0
Ao se fazer σ cada vez menor aumenta-se a altura aumen-
tando e diminui-se a base, ou seja, no limite, tem-se a função
delta

82 Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido


Em que G é uma função de Green e deve ser entendido ∂G
ˆ = (∇.G)n̂ ∮dl =
∮(∇.G)ndl ∮dl
como o potencial de uma fonte localizada em uma origem x0; ∂n
o vetor r é o vetor posição, ou seja, x - x0.
Para um círculo de raio r e área A, obtém-se
Preparando o sistema para aplicação do teorema da diver-
gência de Gauss, tem-se ∂G ∂G
∮dl = 2πr
∂nˆ ∂nˆ
No interior de um volume R:
Aplicando o teorema da divergência, para uma fonte de
∫∫ ∇ Gdv = ∫∫ ∇(∇.G)dv = ∫∫ δ(r)dv = 1
v
2
v v
carga unitária

No contorno S tem-se
∫∫ δ(r)dA = ∂G
A ∂nˆ
2πr


∫ (∇.G)nds
S
ˆ = (∇.G)nˆ ∫∫ ds =
∂G
∂nˆ
S
∫∫ ds S
Ou seja

Aplicando o teorema da divergência, para uma fonte de ∂G 1


= G'(r) =
carga unitária ∂n 2πr

∫ ∫ δ(r)dv = ∂n
v
∂G
ˆ
∫∫ ds S
Então o potencial G é dado por

Para o volume de uma esfera de raio r, obtém-se


G= ∫ 2πr
1
dr

∂G Ou seja, a solução fundamental para o caso 2D é dada por


1= 4πr2
∂nˆ
1
G=- lnr + C
Ou seja 2π

∂G 1 O emprego da função delta como ferramenta de auxílio


= G'(r) = 2
∂n 4πr para a solução da equação de Poisson permite que a posição
da fonte ou do dipolo possa ser inserida em qualquer região de
Então o potencial G é dado por uma superfície S dentro de um volume V, incluindo o próprio
contorno. Inserir a singularidade no contorno não era possível
G= ∫4πr1 dr
2
usando a circulação proposta inicialmente por Kelvin. Com isso,
qualquer geometria de um corpo que tenha contornos contí-
nuos e suaves poderá ser estudada, e seu potencial calculado.
Ou seja

1
G=- +C
4πr

Com a condição de contorno de Dirichlet

Com r → ∞, G = 0, então C = 0

Ou seja, o potencial 3D de uma fonte puntiforme é dado


por

1 1
G=- =-
4πr 4π(x - x0)

Essa é a solução fundamental da equação de Poisson para


o caso 3D

Para o caso 2D a solução fundamental é obtida por

No interior da área a divergência é dada por

∫∫ ∇ GdA = ∫∫ ∇(∇.G)dA = ∫∫ δ(r)dA = 1


A
2
A A

A circulação em torno de uma linha l que contorna a área


A é dada por

Capítulo 2 - O potencial associado à geometria do navio em um meio fluido 83

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