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UNIVERSIDADE LUSÍADA

Departamento de Direito
INTRODUÇÃO À ECONOMIA
Cursos de Direito
(1.º Ano - 1.º Semestre)
Ano 2020-2021.
Sumários desenvolvidos

Regente: Guilherme d'Oliveira Martins


NOTA - Os sumários que se seguem constituem apenas e fundamentalmente um roteiro
de estudo. Não se trata de uma exposição exaustiva da matéria. São, assim, um instrumento
importante mas nunca exclusivo, designadamente para o acompanhamento tutorial. De
modo sintético, indica-se os temas, as referências fundamentais e, no final de cada capítulo,
a bibliografia. O método usado obriga, assim, a uma preparação e acompanhamento
permanentes das aulas e a um contacto constante com os elementos de estudo (sumários,
notas sobre as aulas, bibliografia fundamental, trabalhos práticos). Só considerando os
sumários como um roteiro ou guião poderemos retirar deles a sua plena utilidade. G.O.M.

Capítulo V
Estado, mercado e alocação de recursos

5.1 Fundamentos da análise microeconómica do sector público.


5.2 Economia pública, objetivos e meios de ação.
5.3 Políticas públicas, incentivos e desincentivos.
5.4 Perda absoluta de bem-estar e impostos.
5.5 Redistribuição de recursos e intervenção económica.
5.6 Regulação económica.

CAPÍTULO V – Estado, mercado e alocação de recursos


5.1. Fundamentos da análise microeconómica do sector público.

A mais adequada afetação dos recursos materiais à satisfação de necessidades resulta da


liberdade dos agentes económicos e do confronto livre dos seus interesses no mercado.
Pressupõe-se que os preços se fixem pelo livre jogo da oferta e da procura,
automaticamente no mercado. O mercado tende a otimizar a afetação dos recursos, mas
não pode esquecer a satisfação geral de todos, com o melhor nível de utilidade possível, nas
condições existentes e com os bens disponíveis. Há, no entanto, diversas limitações que
obrigam a conceber uma complementaridade entre o mercado e os instrumentos de
regulação pública. Tais limitações revelam-se quer do lado do mercado quer do lado do
Estado e demais entes públicos.

Já analisámos as falhas ou incapacidades do mercado, importa agora sistematizar as


situações que exigem a regulação da economia por entes públicos: a desigualdade na
distribuição da riqueza, a instabilidade no conjunto da economia e em sectores
específicos (designadamente considerando os ciclos sazonais, as estações do ano e a
instabilidade meteorológica), o custo crescente dos serviços públicos, as situações
monopolísticas abundantes e crescentes, as atividades económicas que beneficiam
ou prejudicam outras (exterioridades), a provisão inadequada de bens privados e
públicos, a má distribuição de recursos entre o presente e o futuro (cf. A. L. Sousa
Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Almedina, 4ª ed., p.19).

Jean Tirole (1953), prémio Nobel da Economia de 2014, tratou deste tema, sendo
reconhecido pelo caráter inovador da sua análise sobre o comportamento dos atores
económicos, que não pode reduzir-se à lógica das trocas mercantis e do funcionamento
espontâneo do sistema de preços. As políticas públicas e a regulação económica por
entidades independentes são fundamentais para assegurar uma concorrência capaz de
garantir condições eficientes na produção e nas trocas no âmbito das sociedades industriais.

Não basta proceder a uma análise simplificada da realidade - ora privilegiando os


mecanismos espontâneos de regulação, ora dando ênfase à hétero-regulação ou à
intervenção pública. Importa, analisar em concreto os efeitos de ambos os instrumentos
(designadamente com recurso à teoria dos jogos, como refere ainda Jean Tirole) -
percebendo-se que o mercado apresenta incapacidades que têm de ser corrigidas ou
superadas e que a intervenção pública tem efeitos perversos, como a ineficácia das
estruturas centralistas, os efeitos perversos da fixação de preços mínimos ou de controlo
administrativo dos preços e o risco de emergência do mercado negro perante excessos de
intervenção pública. Daí que seja indispensável perceber qual a relação entre a utilidade dos
bens públicos recebidos e a desutilidade inerente aos impostos pagos, de modo a saber se
há ou não aumento de bem-estar.

5.2. Economia pública: objetivos e meios de ação.

Perante as incapacidades do mercado, temos de compreender a importância do papel do


mais influente dos agentes do circuito económico, o Estado. A eficiência e a equidade
funcionam como seus referenciais permanentes. Ao longo dos últimos dois séculos
verificou-se uma tensão entre os que defendem uma conceção de Estado mínimo (Estado
guarda noturno), que se limitaria a garantir o funcionamento do mercado, enquanto
instrumento espontâneo de regulação económica, e os que, pelo contrário, apontam para
um conceito de Estado produtor, enquanto agente decisivo na orientação da vida
económica.

O século XIX foi dominado pelo primeiro conceito, numa lógica livre-cambista, mas as
crises económicas do final do século e a ocorrência da grande depressão dos anos trinta do
século XX, aliadas à emergência da segunda revolução industrial e à produção de massa
conduziram à emergência quer dos protecionismos nacionais quer da criação do Estado
social moderno, constituído em garante da cobertura dos riscos sociais e em fator de
coesão e de emprego. A única receita eficaz contra a depressão passou, nas economias
abertas, a ser a intervenção do Estado (v.g. New Deal nos EUA de F. D. Roosevelt). A esta
verificação que acresceu o facto de terem sido coroados de sucesso os esforços excecionais
das economias de guerra (1914-18 e 1939-45) e da reconstrução da economia mundial
depois da última conflagração mundial.

Os chamados "trinta anos gloriosos" das economias ocidentais (1945-75), de que fala Jean
Fourastié (1907-1990), foram marcados na Europa pelo papel importante dos Estados nas
economias abertas europeias, sem, porém pôr em causa o mercado. Foi o que se designou
como “economia social de mercado”, na fórmula consagrada do Chanceler Ludwig
Erhard (1897-1977). A longa recessão dos anos oitenta, após os choques petrolíferos (1973
e 1979), a crise dos Estados sociais, em virtude do peso crescente da população não ativa,
em razão da evolução demográfica, o fim do império soviético e a falência do modelo
coletivista recoloca hoje o tema da intervenção do Estado, não fazendo já sentido o
contraponto simplista entre Estado mínimo e Estado produtor. Hoje, tende a falar-se
sobretudo de um Estado regulador, importando definir, com clareza, quais os respetivos
objetivos presentes na ação económica pública. A regulação centra-se no primado da
qualidade dos serviços públicos e na concretização do equilíbrio entre eficiência e equidade.
Trata-se de garantir a coesão social, o equilíbrio entre interesses contraditórios, a defesa da
concorrência nos mercados e a justa repartição de recursos. Na sequência da crise
financeira norte-americana do sub prime e do “crash” de Outubro de 2008, este tema
ganhou nova atualidade, uma vez que foi por falta de regulação dos mercados financeiros
nos Estados Unidos que se precipitou uma situação muito grave indutora de recessão
económica. Daí que o reforço da regulação independente se tenha tornado uma das
preocupações fundamentais para preparar a recuperação, ao lado da exigência de
intervenção do Estado para evitar a falência em massa de instituições financeiras afetadas
por falta de liquidez e para recuperar a confiança perdida. Assim, o Estado é hoje chamado
a cumprir três desígnios fundamentais: (a) evitar ocupar o espaço reservado ao mercado, (b)
fazer respeitar a concorrência pela regulação e (c) preocupar-se com o investimento
reprodutivo e o emprego.

5.3. Políticas públicas: incentivos e desincentivos.

As políticas públicas deparam-se com evidentes limitações na sua eficiência. A ideia de que
a intervenção do Estado deve basear-se no aperfeiçoamento de instrumentos suscetíveis de
melhorar a concorrência e a competitividade do mercado, articulando-os como
mecanismos de redistribuição de riqueza e de rendimentos, aponta para o privilegiar de
meios indiretos que favoreçam uma melhor articulação entre a oferta e a procura no
mercado.

Daí a importância de usar instrumentos indiretos - incentivos e desincentivos, que


permitam orientar os comportamentos dos sujeitos económicos, no sentido de favorecer
situações próximas da concorrência perfeita, de contrariar a concentração de iniciativas, de
recusar a economia subterrânea. O sistema fiscal pode ser usado como instrumento de
incentivo à concorrência e à transparência – por exemplo, agravando a tributação sobre
bens transacionados através de paraísos fiscais ou off shores, desagravando a tributação de
sociedades que façam investimentos em inovação tecnológica ou que privilegiem o capital
humano ou baixando a tributação sobre a aquisição de material informático etc..

Em lugar de intervenções diretas ou do alargamento do campo de ação do sector público,


as políticas públicas modernas abrem espaço à economia de mercado, sem esquecerem a
conceção e aplicação de uma regulação pública eficaz preocupada com a coesão económica
e social, com a justa repartição de recursos e com a eficiência económica.
Na relação entre o poder político e a economia, temos, de um lado, a ordenação
económica, através da qual o Estado define e executa padrões e quadros no âmbito dos
quais vai desenvolver-se não só o comportamento dos entes públicos como o dos sujeitos
económicos - desde a Constituição Económica à regulamentação pública da economia,
passando pelas leis, e pela organização das instituições relevantes para a vida económica.
De outro lado, temos a atuação económica, a intervenção económica e a direção
económica do Estado.

Na atuação económica o Estado age por si próprio, como se fosse um qualquer sujeito
económico privado, formulando escolhas e opções económicas, que não visam, porém,
alterar os comportamentos de outros sujeitos económicos, devendo estar sempre pautadas
pela defesa e salvaguarda do interesse público.

Através da intervenção económica o Estado tenta modificar a forma natural como os


agentes económicos atuariam, quer através das políticas económicas quer através de ações
pontuais através das quais se pretende melhorar a eficiência económica.

Na direção económica, característica dos sistemas coletivistas (v. supra) o Estado


modifica os quadros gerais da atividade económica, procurando substituir-se ao próprio
mercado. Nas economias de mercado, apenas a ordenação, a atuação e a intervenção de
Estado são compatíveis com a liberdade económica e a prevalência dos critérios de
regulação ligados ao mercado.

5.4. Perda absoluta de bem-estar e impostos.

Numa economia monetária cada pessoa procura distribuir o respetivo poder de compra,
adquirindo bens ou serviços de modo a poder nivelar as satisfações marginais que lhe são
proporcionadas pelo consumo. O bem-estar de cada um depende, pois, mais do
rendimento que orienta para o consumo do que do rendimento que aufere. O bem-estar
depende, assim, mais do aumento ou diminuição das satisfações obtidas do que do seu
valor absoluto. A redistribuição de recursos revela-se uma importante tarefa do Estado,
visando a coesão social, a eficiência e a equidade.

Arthur C. Pigou (1877-1959), continuador de Alfred Marshall na cátedra de Economia na


Universidade de Cambridge, aplicou critérios de bem-estar ao estudo da distribuição de
recursos entre os sectores público e privado, partindo do princípio de que cada indivíduo
recebe utilidades do consumo de bens públicos e que o pagamento de impostos para
financiar esses bens se traduz numa desutilidade. Assim, para cada sujeito económico, o
ponto ótimo de oferta de bens públicos é aquele em que a utilidade marginal dos
bens públicos é igual à desutilidade marginal do imposto. Se pagasse mais impostos, a
sua utilidade marginal implicaria mais sacrifício do que o benefício obtido através bens
públicos, havendo perda absoluta de bem-estar. Ao invés, se o mesmo sujeito económico
pagasse menos impostos, então a utilidade do último bem privado usufruído
corresponderia à desutilidade marginal do bem público que obtinha.

5.5. Redistribuição de recursos e intervenção económica.

A necessidade de equilíbrio entre os benefícios e os custos, entre a utilidade e a


desutilidade, aplicada a todos os indivíduos rege a afetação ótima dos recursos individuais
entre bens privados e públicos. Até para que haja ligação entre equidade e eficiência e
equilíbrio entre imposto e bem público, haverá que conceber os tributos exigidos aos
cidadãos em termos tais que respeitem as capacidades dos contribuintes, de modo a que
não haja dúvidas sobre o interesse e a legitimidade do ato de pagar impostos. Acima do
limiar a partir do qual o imposto pago tem valor maior do que o benefício público auferido
pelos cidadãos, só haverá interesse em receber menos bens públicos e em não pagar mais
impostos.

A distribuição da carga fiscal deve basear-se num princípio de igualdade, segundo o qual
deve ter tratamento o que é igual e diferente o que é diferente. Assim, os desiguais devem
ser tratados desigualmente. Por outro lado, um equilibrado efeito redistributivo do
sistema fiscal gerador da redução das desigualdades entre os membros de uma sociedade
aumenta o bem-estar geral. Daí que o sacrifício fiscal deva ser repartido de acordo com a
capacidade de cada um para pagar e que as despesas devam ser usadas pelo Estado para
redistribuir o bem-estar de forma equilibrada e igual. Nesse sentido, a relação entre
utilidade e desutilidade do sistema tributário, bem como o efeito redistributivo dos
impostos devem ponderar um conjunto diversificado e complexo de fatores que
determinam a coesão social, as relações de confiança e o nível obtido do capital social.

5.6. Regulação económica.

Depois de analisado o papel do Estado na vida económica, compreendemos porventura


melhor o que estudámos sobre os sistemas económicos e sobre a sua evolução mais
recente. Estamos, assim, em melhores condições para percebermos que as incapacidades e
as falhas de mercado se associam às incapacidades e falhas da intervenção, o que aponta, de
modo claro, para a necessidade de encontrar novas formas de regulação económica,
sobretudo considerando que à segunda revolução industrial caracterizada pela produção de
massa e em larga escala se contrapõe hoje uma nova vaga de industrialização baseada
fortemente na inovação científica e tecnológica e na capacidade para aprender mais e
melhor.

Daí falar-se cada vez mais de Estado regulador, sociedade pós-industrial, da aprendizagem
ou educativa e de economia do conhecimento. O Estado deixa de ser o Estado mínimo do
século XIX e o Estado produtor do século XX para passar a ser o Estado catalisador e
regulador - capaz de ordenar a economia, de intervir supletivamente ou
subsidiariamente, de usar métodos indiretos de incentivo à eficiência e à equidade
e de desincentivo a determinados comportamentos ineficientes e iníquos e de
garantir a concorrência equilibrada e justa, bem como a justiça distributiva. O
Estado regulador e catalisador e a economia de mercado completam-se assim, devendo o
primeiro ser um incentivador de iniciativas e um fator de inovação e de desenvolvimento.

Na passagem da segunda à terceira revolução industrial, em que a produção de massa dá


lugar à inovação tecnológica em grande escala (a partir de micro-processadores e do
aperfeiçoamento de chips microscópicos), encontramo-nos diante da abertura de fronteiras
e da afirmação da globalização ou mundialização, o que leva à completa reformulação das
políticas públicas e do papel dos Estados. Os novos espaços supranacionais (União
Europeia, Mercosul) tendem, assim, a assumir progressivamente funções que
tradicionalmente estavam reservadas ao Estados-nações. No dizer de Daniel Bell, o
Estado-nação tornou-se demasiado pequeno ou demasiado grande para responder aos
desafios contemporâneos.
Daí que a noção de regulação tenha ganho uma importância acrescida. Estado regulador
tem, assim de ser capaz de ordenar, através da equilibrada ponderação dos interesses e
valores públicos e privados, as economias, nacionais e internacionais. E, como já vimos,
tem de intervir supletivamente (não como produtor), de usar métodos indiretos de
incentivo à eficiência e à equidade e de desincentivo a determinados comportamentos
ineficientes e iníquos, além de dever garantir a concorrência equilibrada e justa – o que é
especialmente evidente por parte das Autoridades da Concorrência nacionais ou de outras
instâncias de regulação nacionais (como os Bancos Centrais, para a supervisão do sector
financeiro; a ERSE, no caso do Sector Elétrico; a CMVM, no mercado de valores
mobiliários, a ERC na comunicação social, etc.), comunitárias ou internacionais. O
cumprimento da lei e das regras prudenciais revela-se um objeto fundamental da ação
reguladora. E se dúvidas houvesse basta vermos o que ocorreu recentemente na atual crise
financeira internacional, para concluirmos pela necessidade de reforço da atividade
reguladora. A ação de supervisão bancária e de regulação do sistema financeiro tornou-se,
assim, da maior importância, havendo sobretudo depois do Outono de 2008 críticas
severas a alguma complacência neste domínio. A verdade, porém, é que hoje o tema
ganhou uma acrescida importância, constituindo uma lição da atual crise a exigência de
reforço da regulação financeira. Um caso como o de Madoff (atividade financeira
clandestina, geradora de grandes ganhos não sustentados de curto prazo) deveu-se à
existência de fragilidades óbvias no sistema de regulação financeira nos Estados Unidos,
exigindo um reforço dos instrumentos tendentes ao respetivo desenvolvimento.

BIBLIOGRAFIA:
PAUL SAMUELSON E WILLIAM NORDHAUS Economia, MacGraw Hill, Queluz, 2005 (pp. 34-
45).
JOÃO CÉSAR DAS NEVES, Introdução à Economia, Verbo, Lisboa, Reimp. 2005 (Capítulos 4 e
6).
FERNANDO ARAÚJO, Introdução à Economia, Almedina, Coimbra, 2005 (Capítulo 16, pp. 601-
612).

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