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ARTIGO ORIGINAL | ORIGINAL ARTICLE 175

Adoecimento psíquico na sociedade


contemporânea: notas conceituais da teoria
da determinação social do processo saúde-
doença
Mental illness on contemporary society: conceptual notes on the
theory of social determination of the health-disease process

Vitória Nassar Viapiana1, Rogério Miranda Gomes2, Guilherme Souza Cavalcanti de Albuquerque3

DOI: 10.1590/0103-11042018S414

RESUMO Este trabalho objetiva sistematizar elementos conceituais a fim de contribuir para a
análise do adoecimento psíquico na sociedade contemporânea, a partir da teoria da determinação
social do processo saúde-doença, referencial teórico que reconhece a existência de um nexo
biopsíquico constituidor dos indivíduos e estabelecido em sociedade. Analisou as caracterís-
ticas do capitalismo contemporâneo, com ênfase na organização do trabalho, permeado por
processos destrutivos da saúde, geradores de cargas psíquicas relacionadas com a produção de
sofrimento e adoecimento. O desgaste gerado nesse processo produz um perfil epidemiológico
marcado pelas altas taxas de transtornos mentais.

1 Universidade Federal do PALAVRAS-CHAVE Trabalho. Capitalismo. Estresse psicológico. Transtornos mentais. Saúde
Paraná (UFPR) – Curitiba mental.
(PR), Brasil.
Orcid: https://orcid.
org/0000-0002-8425- ABSTRACT This study’s goal is to systematize conceptual elements in order to contribute to the
7879
vitoriaviapiana@gmail.com analysis of mental illness on contemporary society, from the theory of social determination of the
2 Universidade
health-disease process, a theory that recognizes the existence of a biopsychic nexus from which
Federal do
Paraná (UFPR), Programa are constituted individuals, and which is socially established. We analyze the characteristics of
de Pós-Graduação em contemporary capitalism, emphasizing the organization of labor, which is teeming with processes
Saúde Coletiva – Curitiba
(PR), Brasil. that are destructive to health and that generate psychic loads related to the production of suffering
Orcid: https://orcid. and illness. The weariness generated in such process produces an epidemiological profile marked
org/0000-0002-2055-
0558 by high rates of mental disorders.
rogeriomgomes@uol.com.br

3 Universidade Federal do KEYWORDS Work. Capitalism. Stress psychological. Mental disorders. Mental health.
Paraná (UFPR), Programa
de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva – Curitiba
(PR), Brasil.
Orcid: https://orcid.
org/0000-0002-7544-
412X
guilherme.albuquerque.
ufpr@gmail.com

Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative
Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer
meio, sem restrições, desde que o trabalho original seja corretamente citado. SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 42, N. ESPECIAL 4, P. 175-186, DEZ 2018
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Introdução relacionados com o sofrimento psíquico. A


moderna psiquiatria, transitando da referência
Este estudo tem como objetivo a sistemati- na psicodinâmica para a neurobiologia, reflete
zação de alguns elementos conceituais que esse movimento de tentativa de localização e
contribuam para a análise do adoecimento restrição dos fenômenos psíquicos ao âmbito
psíquico na sociedade contemporânea a partir orgânico, cerebral. Com isso, constrói-se uma
da teoria da determinação social do processo compreensão biologicista dos ‘transtornos
saúde-doença, tal como compreendida pela mentais’ como entidades autônomas, anistóricas,
epidemiologia crítica. isoladas do contexto sociocultural em que se
Os transtornos mentais são agravos de saúde inserem os indivíduos. O que Basaglia4 caracte-
altamente prevalentes na sociedade atual. rizou como a psiquiatria colocando os sujeitos,
Segundo dados da Organização Mundial de e suas vidas, entre parênteses para compreender
Saúde (OMS)1, transtornos mentais como de- a doença. A partir dos anos 1950, a produção dos
pressão, abuso de álcool, transtorno bipolar e psicofármacos impulsiona a dinâmica biologicista
esquizofrenia se encontram entre as 20 princi- por meio da teoria dos neurotransmissores. Com
pais causas de incapacidade. A OMS1,2 estima isso, a psiquiatria busca se aproximar da legitimi-
que atualmente a depressão afeta cerca de dade conferida à medicina como prática social
350 milhões de pessoas, sendo que a taxa de científica e supostamente neutra em relação aos
prevalência na maioria dos países varia entre processos e valores sociais5.
8% e 12%. É a principal causa de incapacitação Esse já é, contudo, um momento de críticas
dos indivíduos no mundo quando se considera às limitações da compreensão biomédica da
o total de anos perdidos (8,3% dos anos para saúde-doença, expressas nas várias teorias
homens e 13,4% para mulheres) e a terceira biopsicossociais, ecológicas e sistêmicas ini-
principal causa da carga global de doenças em ciadas no primeiro terço do século XX. Em
2004. A previsão é de que subirá ao primeiro alguns países da América Latina, esse processo
lugar até 2030. ganha conotações mais críticas com a produ-
Santos e Siqueira3 analisaram estudos sobre ção em torno da teoria da determinação social
a prevalência de transtornos mentais na po- do processo saúde-doença que, no caso brasi-
pulação adulta brasileira e verificaram que leiro, irá influenciar o surgimento do campo da
as taxas variam de 20 a 56%. Os transtornos saúde coletiva a partir do fim dos anos 1970.
mais prevalentes indicados nos estudos são Esse movimento, somado a diferentes leituras
os de ansiedade, de humor, os somatoformes críticas da área da psicologia, contribuirá para
e o abuso de álcool. que, nas duas últimas décadas, o fenômeno do
Esses dados, em geral, têm como principal sofrimento psíquico seja objeto de estudos que
consequência as reivindicações por ampliação problematizam sua relação com os processos
da disponibilidade de serviços de assistência aos sociais, com as condições de vida e de trabalho.
sujeitos em sofrimento. Contudo, a gravidade do Ainda assim, a relação entre o adoecimento
quadro tem repercutido relativamente pouco em psíquico e o trabalho é pouco estudada. O fato de
estudos sobre as causas do aumento do adoeci- o sofrimento psíquico não possuir caráter tangí-
mento psíquico nos dias atuais, fazendo com que vel e ser menos visível que os agravos orgânicos
a relação entre sofrimento/adoecimento psíquico dificulta o estabelecimento do chamado ‘nexo
e condições de vida e trabalho seja ainda um tema causal’ entre trabalho e adoecimento6.
de pouca visibilidade. Para Paparelli, Sato e Oliveira7 são muito
Isso se deve principalmente ao predomí- comuns duas compreensões distintas acerca
nio da racionalidade biomédica, a partir de da relação saúde-doença e trabalho: para a
meados do século XX, como principal guia primeira, a causa do adoecimento dos traba-
orientador dos conhecimentos e práticas lhadores deve ser identificada no indivíduo,

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em suas características fisiológicas, psíquicas, dos indivíduos9. Esse elo biopsíquico estabelece-
sociais e em seu contexto de vida; a segunda -se em sociedade, ou seja, embora as dimensões
defende e naturaliza a ideia de que o trabalho biológica, psíquica e social componham os indi-
produz sofrimento e que isso não pode ser víduos, a última possui uma posição hierárquica
mudado, é uma determinação inquestionável superior na determinação dos sujeitos e coletivos
e intransponível. humanos, inclusive em seus processos de saúde-
Atualmente, ampliam-se os estudos em -doença, dada a sua capacidade de subsunção dos
áreas como a saúde do trabalhador e a saúde outros dois âmbitos10.
mental e trabalho que têm fornecido um rico Discute-se neste escrito como as formas
subsídio à compreensão de processos gera- de produção capitalistas, permeadas por pro-
dores de adoecimento psíquico no trabalho. cessos destrutivos da saúde física e mental,
Uma característica importante desse campo geram significativas cargas psíquicas que se
de estudos da relação entre saúde mental e relacionam com a produção de sofrimento e
trabalho é a heterogeneidade conceitual e adoecimento. Estabeleceu-se, dessa forma,
metodológica. Com a complexidade do tema, um diálogo com a profícua e contraditória
por vezes, muitos estudos utilizam-se de re- produção das áreas voltadas ao estudo da
ferenciais teóricos antagônicos, buscando relação entre sofrimento psíquico e trabalho
no ecletismo respostas para as dificuldades a partir de um referencial teórico específico,
de apreensão do objeto. Não obstante suas procurando contribuir para o enriquecimento
importantes contribuições, o caminho meto- dos conhecimentos sobre esse tema.
dológico de enfoque nos fenômenos do psi-
quismo ocasionalmente motiva estudos com
a finalidade de compreender o adoecimento A determinação social do
psíquico relacionado com o trabalho que isola processo saúde-doença
essa forma de sofrimento das demais formas
de impacto do trabalho sobre a integralidade Para compreensão de formas particulares de
dos sujeitos. Não raramente, desconsidera-se sofrimento e adoecimento, como o sofrimento
a indissociabilidade entre os elementos do psíquico, é fundamental a compreensão da pro-
processo de trabalho que causam sofrimento dução social das dimensões biológica e psíquica
psíquico e aqueles que resultam em agravos humanas. Isto é, os processos pelos quais as
físicos. Com isso, ainda que não intencional- relações sociais, a história, a cultura subsumem
mente, vários desses estudos, ao fragmentar – incluem e subordinam – o biológico. Para
as dimensões corporal e psíquica, acabam por Breilh10, a produção de doenças ocorre no plano
recair em um dualismo entre subjetividade e coletivo, e, portanto, não se pode desvincular o
corpo, característico da tradição cartesiana8. estudo do processo saúde-doença do contexto
Este artigo tem o caráter de delineamento social em que está inserido. Para tanto, é neces-
conceitual, uma aproximação ao tema, a partir sário analisar os processos estruturais de cada
da teoria da determinação social do processo sociedade, decorrentes de determinado grau de
saúde-doença. Utilizou-se dessa teoria, desen- desenvolvimento das forças produtivas e das
volvida pela medicina social latino-americana relações de produção. Esse complexo delimita
e pela epidemiologia crítica, a fim de buscar um modo de produção específico, abrangendo
elementos que contribuam para ampliar o determinadas classes sociais e suas frações. Nas
conhecimento a respeito da relação entre so- distintas formações sociais concretas, essas
frimento e trabalho. Esse referencial teórico classes e frações poderão apresentar novos
rejeita a fragmentação entre as dimensões arranjos próprios, além de segmentações em
corporal e psíquica, reconhecendo que ambas grupos e coletividades com características par-
conformam um ‘nexo biopsíquico’ constituidor ticulares. As classes, frações e grupos sociais

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desenvolvem determinados perfis de reprodu- mecânicas ou os instrumentos e tecnologias


ção social, expressos em modos particulares de nele envolvidos. Deve-se compreender o pro-
vida, aos quais estão associados determinados cesso de trabalho, no caso do capitalismo, como
perfis epidemiológicos. a materialização de uma determinada relação
A fim de compreender a forma como se pro- de exploração do capital sobre o trabalho.
duzem esses perfis epidemiológicos, e para se Buscando apreender a complexidade do
contrapor à concepção biomédica tradicional nexo biopsíquico humano, sem reduzi-lo a
de riscos e fatores, Breilh10 propõe a noção elementos isolados, a medicina social latino-
de processo, que incorpora a complexidade, -americana desenvolveu a categoria ‘cargas
contraditoriedade e movimento da realidade. de trabalho’, possibilitando a identificação
As condições de saúde-doença dos indivídu- de elementos do processo de trabalho que
os se desenvolvem mediante um conjunto de interatuam dinamicamente entre si e com
‘processos críticos’, que podem adquirir pro- o corpo-psiquismo do trabalhador, gerando
priedades protetoras e benéficas (saudáveis) desgaste (perda da capacidade potencial e/
ou destrutivas e deteriorantes (insalubres) da ou efetiva corporal e psíquica). As cargas são
saúde, nos vários âmbitos da vida – trabalho, expressões particulares das formas específicas
consumo e cotidiano, político, ideológico e do processo de produção e podem ser divididas
da relação com o ambiente. São ‘processos em físicas, químicas, biológicas, mecânicas,
críticos protetores’ aqueles que favorecem fisiológicas e psíquicas. Ao atuarem sobre o
defesas e suportes e estimulam uma orienta- corpo-psiquismo, combinam-se, potenciali-
ção favorável à vida humana. Já os ‘processos zam-se umas às outras e se tornam processos
críticos destrutivos’ geram privação ou dete- intracorporais e intrapsíquicos complexos,
rioração da vida. Os processos se desenvolvem provocando mudanças fisiológicas9.
no seio de uma formação social específica e são Mesmo as cargas físicas, químicas, mecâ-
marcados pelas possibilidades reais de cada nicas e biológicas podem ter efeitos psíquicos
modo de vida e, portanto, podem se tornar nos trabalhadores a elas submetidos, como
protetores ou destrutivos de acordo com as afirma Seligmann-Silva12 ao se referir a ques-
condições históricas em que ocorrem. Não tões como ruído, calor, poeira, vibrações, gases,
existem processos protetores ou destrutivos ventilação e luminosidade.
de forma abstrata. É no seu desenvolvimento No que se refere especificamente às cargas
concreto que os processos adquirem caráter psíquicas, são divididas em elementos que
protetor ou destrutivo. Um mesmo processo causam sobrecarga psíquica (tensão prolon-
pode ainda desencadear simultaneamente gada) e subcarga (impossibilidade de desenvol-
efeitos protetores e destrutivos10. vimento e uso da capacidade psíquica). Como
Grande parte dos processos protetores e exemplos de sobrecarga psíquica, podem-se
destrutivos resulta, direta ou indiretamente, citar a atenção permanente, a supervisão com
das formas como se organiza o processo de pressão, a consciência da periculosidade do tra-
trabalho, pois é ele o aspecto determinante balho e os altos ritmos de trabalho. A subcarga
das condições de vida e em torno do qual se psíquica pode ser exemplificada pela perda do
estrutura um modo de produção11. A cada controle sobre o trabalho quando o trabalhador
modo de produção correspondem processos de é subordinado ao movimento de uma máquina,
trabalho específicos. Para Laurell e Noriega9, a desqualificação do trabalho advinda da sepa-
a conformação concreta do trabalho permite ração entre concepção e execução, a fragmen-
compreender como se constitui o nexo biopsí- tação do processo de trabalho, a repetitividade,
quico humano. Todavia, não é suficiente ana- monotonia, entre outros. Tanto as sobrecargas
lisar apenas os aspectos técnicos do trabalho, quanto as subcargas psíquicas são comuns sob
como suas características físicas, químicas e o modo de produção capitalista9.

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Os processos críticos implicam a modula- portanto, não decorre apenas de seu papel como
ção de cargas de trabalho e, ao mesmo tempo, fonte de sustento para a maioria da população,
configuram-se como uma síntese concreta mas também de seu caráter constituidor dos
destas. Por exemplo, a intensificação do tra- sujeitos, inclusive na dimensão psíquica. Como
balho é um processo crítico destrutivo, que atividade principal do gênero humano, ela en-
tem como consequência a intensificação das gendra processos de formação da consciência e
cargas existentes em um processo de trabalho da personalidade, bem como desperta emoções
particular. Nesse sentido, compreende-se o e sentimentos, elementos envolvidos com o
processo de trabalho como constituído por sofrimento e com o adoecimento psíquico.
múltiplos processos que, por sua vez, resultam A própria estrutura da consciência e a per-
na alteração de diferentes cargas. sonalidade estão intimamente relacionadas
Dessa forma, o estudo de determinada com a atividade, visto que são resultado da
condição de saúde-doença envolve a análise relação entre fatores extrínsecos, as condições
de processos estruturais do modo de produ- materiais de vida e as relações sociais, e fatores
ção predominante em dada formação social. intrínsecos, os processos biológicos e psíqui-
Neste caso, essa investigação implica a análise cos que se desenvolvem em consequência da
do capitalismo contemporâneo e suas ca- atividade humana14. Desse modo, essas duas
racterísticas fundamentais determinantes dimensões são sínteses de aspectos objetivos
dos atuais processos de trabalho. Só assim é e subjetivos, sendo formadas a partir das rela-
possível apreender em profundidade o perfil ções sociais que o indivíduo estabelece com o
epidemiológico da sociedade contemporânea, mundo, por meio de sua atividade15.
marcado pelas altas taxas de sofrimento e de Emoções e sentimentos também estão inti-
adoecimento psíquico. mamente relacionados com as atividades que os
indivíduos desempenham, incluindo o trabalho,
pois são originados na realidade objetiva.
Trabalho, subjetividade e
capitalismo O sujeito tem uma atitude emocional em re-
lação aos objetos e fenômenos do ‘mundo
A centralidade do trabalho na vida dos indiví- real’ e os sente de distinta maneira segundo
duos não se deve somente ao fato, importante, as relações objetivas particulares em que se
de ocupar parte significativa do tempo de vida encontra com eles16 [grifo e tradução nossa].
na sociabilidade contemporânea. Por meio do
trabalho em sociedade, o humano produz os Reações emocionais são motivadas por tudo
meios necessários à sua sobrevivência, am- o que, direta ou indiretamente, satisfaz neces-
pliando as capacidades humanas de transfor- sidades dos indivíduos e que se relaciona com
mação da natureza e do mundo. Ao transformar as exigências sociais. Objetos e fenômenos que
o mundo, os sujeitos também transformam a permitem a satisfação das necessidades ou
si próprios; a atividade é a base dos atributos correspondem às exigências sociais suscitam
humanos. Nesse sentido, o trabalho tem um vivências emocionais positivas. Por outro lado,
caráter ontológico, constituidor do ser social, aquilo que obstrui a satisfação de necessidades
e fundador, portanto do gênero humano11. ou não se adequa às exigências da sociedade
Além de ser o meio para a satisfação das resulta em emoções negativas.
necessidades pessoais, o trabalho é também Para Leontiev14, um dos principais compo-
fonte de identificação e autoestima, de desen- nentes da estrutura da consciência é a relação
volvimento das potencialidades humanas e entre significações sociais e sentidos pessoais. A
de sentimento de participação nos objetivos significação é o reflexo generalizado da realidade
da sociedade13. A centralidade do trabalho, elaborado pela humanidade e fixado na forma

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de conceitos, saberes ou até mesmo saber-fazer inabalável, as formas como se apresenta a organi-
(modo de ação generalizado, normas de compor- zação dos processos produtivos têm sofrido mo-
tamentos etc.). É a forma ideal da experiência e dificações, reestruturações periódicas, associadas
da prática sociais da humanidade, a forma me- às necessidades de cada fase da acumulação.
diante a qual o homem assimila a experiência A partir da década de 1970, em resposta a
humana generalizada. É independente da relação mais uma de suas crises, o capital empreende
individual com a realidade refletida. O que uma uma reorganização da produção e do trabalho
significação se torna para determinado indivíduo visando à recuperação das taxas de lucro e
constitui o sentido subjetivo e pessoal. O sentido dos níveis de expansão. Essa reestruturação
traduz a relação do sujeito com os fenômenos produtiva institui um conjunto de processos
objetivos conscientizados e está diretamente vin- que representa a passagem a um novo regime
culado à sua vida, suas necessidades e interesses. de acumulação, caracterizado pela busca da
Sob o capitalismo, o trabalhador é alienado superação do caráter mais rígido do fordismo-
em relação aos meios de trabalho, perdendo o -taylorismo, anteriormente predominante. A
controle sobre o objeto, os instrumentos e a orga- ‘acumulação flexível’, originalmente desenvol-
nização do trabalho. Com isso, além dos produtos, vida a partir do modelo toyotista, apoia-se na
o próprio processo de trabalho aparecerá para flexibilidade dos processos e mercados de tra-
os agentes como externo e independente, um balho, e dos produtos e padrões de consumo17.
ente estranho. Produto e processo de trabalho, A maior flexibilidade e mobilidade permite
uma vez reificados, ao invés de controlados pelos aos empregadores exercerem maior contro-
agentes, aparecem como um poder que lhes é le sobre a força de trabalho, já enfraquecida
superior, que lhes controla. O trabalho, ao invés de pelo aumento do desemprego a níveis sem
espaço de realização, de finalidade da existência precedentes após a Segunda Guerra Mundial.
humana, torna-se, para os agentes, mero meio de Em resposta à dinamicidade do mercado
garantia da sobrevivência individual11. O sentido consumidor, o toyotismo diferencia-se da pro-
do trabalho para os trabalhadores deixa de se dução homogênea característica do modelo
localizar nele mesmo, encontrando-se em algo fordista-taylorista incorporando a variedade
externo – o salário. Em outras palavras, o sentido e a heterogeneidade. Baseada no trabalho
que o trabalho adquire para o trabalhador não em equipe e integrando a multivariedade de
coincide com sua significação objetiva, há uma funções, confere nova aparência ao trabalho
cisão entre sentido e significado. Essa relação se parcelar. A produção é estruturada de forma
traduz, na consciência, pela desintegração de sua flexível, possibilitando ao trabalhador operar
estrutura geral14. Nesse contexto, o trabalho perde várias máquinas simultaneamente, sob o prin-
sua capacidade realizadora dos sujeitos, agrega cípio do just in time, para o melhor aproveita-
cada vez menos elementos que dão sentido à mento possível do tempo de produção18.
sua vida, podendo se converter facilmente em Além disso, nesta fase da acumulação capi-
trabalho imposto, forçado e, consequentemente, talista, as empresas se tornam mais ‘enxutas’,
fonte de sofrimento. isto é, reduzem o contingente de força de tra-
balho (trabalho vivo) ao mesmo tempo que
ampliam a tecnologia (trabalho morto) com os
Capitalismo recursos da automação e da microeletrônica.
contemporâneo e A introdução de novas tecnologias é um dos
aspectos centrais da acumulação flexível e
acumulação flexível tem como resultado, para um segmento dos
trabalhadores, a exigência de maior quali-
Embora a hegemonia mundial do modo de ficação, bem como a capacidade de realizar
produção capitalista permaneça praticamente múltiplas atividades simultaneamente. Essa

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‘multifuncionalidade’ do trabalhador, contudo, acumulação capitalista20. Com essa ‘captura


diferentemente de significar ampliação do grau da subjetividade’, reprime-se e controla-se a
de reflexão e realização no trabalho, reflete de força de trabalho mediante a internalização
fato a intensificação dos ritmos e cargas de de regras, utilizando as emoções dos agentes
trabalho18. Nesse sentido, talvez o termo que e constituindo um processo de cooperação/
melhor expresse essa nova condição posta cooptação, de envolvimento manipulatório21.
para o trabalhador contemporâneo seja o de Como consequência, fragmenta-se a consciên-
multitarefas, dada a característica de respon- cia de classe dos trabalhadores, enfraquecendo
sabilização por múltiplos atos fragmentados. sua luta contra o capital18.
Por outro lado, a maioria das atividades Além das técnicas de envolvimento, com
são cada vez mais simplificadas, empregando o impulso à intensificação do trabalho, es-
uma força de trabalho com baixo grau de qua- tabelecem-se novas formas de coerção, mais
lificação e substituível a qualquer momento. refinadas, veladas e associadas à busca de con-
Como consequência, tem-se, de um lado, uma sentimento (cooptação) dos trabalhadores.
parte mais qualificada dos trabalhadores, com Generalizam-se formas de violência, como o
algumas condições mínimas de segurança no assédio, dispositivos organizacionais voltados
emprego, e, de outro, uma grande parcela de à obtenção de submissão dos trabalhadores às
trabalhadores precarizados. imposições de sobrecarga de trabalho, uma
Também faz parte da atual tendência do forma política repressiva escolhida pelas em-
mercado a redução do número de trabalha- presas para viabilizar a lucratividade22.
dores em tempo integral, com vínculos mais Com a acumulação flexível, o trabalho
estáveis com o emprego, e a contratação de expande-se para além da empresa, absor-
uma força de trabalho ‘flexível’, subcontratada, vendo outras dimensões do cotidiano, como
facilmente empregada e demitida17. Ampliam- os espaços de lazer e descanso, tornando
se as formas precárias de emprego – trabalho praticamente todo o tempo de vida extensão
informal, terceirizado, em tempo parcial – com do trabalho20. Com as novas tecnologias de
menos direitos sociais. O aumento das taxas comunicação, o espaço das empresas se ‘des-
de desemprego e a transformação do desem- territorializa’, de modo que tarefas do traba-
prego maciço em fenômeno permanente re- lho invadem a esfera doméstica, estendendo
sultam em um quadro extremamente precário a jornada. O trabalhador deve estar a todo
e de pauperização, inclusive com utilização momento ‘conectado’, psiquicamente dispo-
de mecanismos supostamente pretéritos de nível para a empresa, podendo ser solicitado a
exploração – aumento de jornadas, trabalho qualquer momento, de acordo com a demanda
infantil, trabalho escravo ou semiescravo19. de produção21. Além disso, parte importante
Com a acumulação flexível, torna-se cada do tempo livre destina-se ao aperfeiçoamento
vez mais comum a utilização de formas de profissional, qualificação e adequação ao pro-
gestão e técnicas de trabalho em equipe cesso de trabalho. Esse quadro, além de con-
(células de produção, times de trabalho, grupos tribuir para ampliação do desgaste, impacta,
semiautônomos) que exigem o envolvimento ainda, na redução do tempo de recuperação,
participativo dos trabalhadores. Requer-se de reprodução da força de trabalho8.
uma nova disposição subjetiva, uma mudança Todas essas transformações particulares da
de atitude em relação ao processo produtivo, acumulação flexível, cabe salientar, respon-
incentivando-se habilidades cognitivo-com- dem a uma necessidade imanente ao modo de
portamentais proativas, mobilizando-se co- produção capitalista, independentemente da
nhecimentos, capacidades, atitudes e valores, formação social concreta em que se apresente:
para que os trabalhadores se adaptem à nova a busca permanente pelo aumento da acumu-
organização do trabalho de modo favorável à lação. Como a base material da acumulação

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de valor é a exploração do trabalho, trata-se A superioridade do desgaste sobre a repro-


de ampliar a taxa de mais-valia. Seja através dução pode se manifestar física e/ou psicolo-
dos mecanismos de aumento da mais-valia gicamente de diversas formas. Por um lado,
absoluta – aumento de jornada, intensificação além da manutenção dos acidentes de tra-
do trabalho, redução de salários; seja mediante balho (traumatismos, amputações e mortes),
mecanismos de aumento da mais-valia relativa ampliam-se as doenças crônicas relacionadas
– aumento da produtividade por meio de avanço com o aumento de ritmo e de pressão, sejam as
tecnológico. Esse quadro alarmante tem como lesões musculares (lesões por esforços repetiti-
importantes repercussões a desregulamentação vos, lombalgias crônicas etc.), sejam as doenças
dos direitos trabalhistas, o aumento da fragmen- cardiovasculares, que, apesar de associadas
tação entre os trabalhadores, a precarização e em estudos epidemiológicos a condições de
terceirização da força de trabalho e a subordi- trabalho sob estresse excessivo, têm o nexo
nação do sindicalismo classista18. com o trabalho cotidianamente ignorado19,23.
Em relação ao desgaste psíquico, como
consequência das novas formas de gestão do
Algumas implicações do trabalho, ocorre o aumento das sobrecargas
trabalho na sociedade psíquicas, tais como: a pressão por intermé-
dio de metas, ou mesmo dos próprios colegas
contemporânea sobre o de trabalho; a ‘internalização’ das regras
psiquismo da empresa por parte dos trabalhadores; a
exigência de alta produtividade e a atenção
Esse quadro sintético da acumulação flexível permanente dela decorrente; a concentração
pode subsidiar a compreensão de várias reper- exigida pelo aumento do número de máquinas
cussões sobre a saúde dos indivíduos e coletivi- a serem operadas ou supervisionadas; e os
dades nos dias atuais. São vários os ‘processos altos ritmos de trabalho, nos quais se eliminam
críticos destrutivos’ nos atuais processos de quaisquer períodos de suposta ‘improdutivida-
trabalho. Dentre os principais, cabe destacar: de’ (momentos de descanso). Paralelamente,
o aumento de jornada; os vários mecanismos acentuam-se as subcargas psíquicas, com a
de intensificação do trabalho (aumento de restrição do desenvolvimento das capacidades
ritmo, a multifuncionalidade, o aumento das psíquicas em função do aprofundamento da
formas de salário por peça-produtividade, a alienação, tal como se observa na subordina-
implantação de metas, o trabalho em domicílio, ção dos indivíduos à tecnologia cada vez mais
entre outros); as várias formas de precarização automatizada, na manutenção do trabalho
(terceirização, trabalho temporário, parcial parcelar, ainda que no formato multitarefas, e
etc.); as novas formas de coerção (violência- na ausência de interferência dos trabalhadores
-assédio); os atuais mecanismos de controle sobre o planejamento do trabalho8.
e consentimento (a captura da subjetividade, Os estudos de Seligmann-Silva12 atestam
o autocontrole pela equipe-célula produtiva). para o fato de que a intensificação do traba-
Esses processos serão responsáveis por pro- lho é um dos principais fatores na produção
duzir o aumento de um conjunto de cargas do cansaço e de suas complicações sobre a
específicas – mecânicas, físicas, psíquicas, saúde mental. De acordo com a autora, as
fisiológicas etc. – a depender da atividade manifestações mais comuns são: a fadiga,
laboral particular analisada. O aumento do sentida pelos trabalhadores como cansaço e
desgaste provocado por essas cargas ante as irritabilidade, expressando-se também em de-
limitadas possibilidades de restauração das sânimo e descontrole, podendo evoluir para a
capacidades vitais dos sujeitos produzirá um fadiga patológica e o Esgotamento Profissional
perfil epidemiológico típico desse período. (Síndrome de Burnout); os distúrbios do sono,

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cuja acentuação contribui para o agravamento em que o trabalho gera altos níveis de desgaste
da fadiga e para o surgimento de quadros psi- ao nexo biopsíquico humano, prolongando as
copatológicos; o desencadeamento de crises circunstâncias desgastantes até o esgotamento
(psicóticas, epilépticas, de agitação psicomoto- ou adoecimento23.
ra etc.), causadas principalmente por situações Aos desempregados, ainda, são comuns
de aumento extremo da jornada de trabalho sentimentos de vergonha, autodesvalorização,
(prolongamento da jornada, supressão de insegurança e tristeza pelas perdas de emprego,
folgas, dobras de turno, trabalho em domicílio) além de revolta e injustiça. Isso contribui para
e pela intensificação do ritmo de produção; os a irradiação de uma sensação generalizada
acidentes de trabalho (o desgaste gerado no de instabilidade, desenvolvida inclusive pelos
trabalho pode prejudicar a atenção, memória, trabalhadores inseridos no mercado formal de
raciocínio e a capacidade de tomar decisões trabalho. Uma consequência imediata do desem-
rapidamente em situações emergenciais, o que prego é o isolamento social, podendo ocasionar
pode contribuir para ocasionar acidentes); e quadros psicopatológicos, sendo o alcoolismo
os transtornos mentais. e a depressão os mais referidos na literatura12.
Em época de acumulação flexível, os Diretamente relacionado com a problemá-
mecanismos de intensificação do trabalho tica do sofrimento psíquico no trabalho está o
se aprimoram. O capital torna-se capaz de tema do suicídio. Observou-se que, segundo
mobilizar, intensa e profundamente, a sub- Fried12, durante crises econômicas, ocorre
jetividade, estimulando o comprometimento considerável aumento dos índices de suicídio
dos trabalhadores pela vigilância coletiva- e das taxas de transtornos mentais, além do
mente exercida pela equipe20. Essa forma de crescimento de problemas psicossomáticos.
controle, exercida pelos trabalhadores sobre Reeves, McKee e Stuckler24 verificaram que,
si mesmos, gera insegurança, nervosismo, após a recessão de 2007, as taxas de suicídio
ansiedade, perturbações no sono e sintomas aumentaram em quase todos os países da
psicossomáticos. O ambiente de trabalho se Europa. Segundo os autores, choques econô-
torna mais competitivo, e as relações de tra- micos podem piorar a saúde mental e levar
balho, mais distantes e frias, permeadas pela ao suicídio, principalmente devido ao desem-
individualidade e desconfiança. Além disso, as prego (o suicídio é 2,5 vezes mais comum em
formas de violência, como o assédio, ampliam desempregados) e ao endividamento.
a instabilidade e tensões no local de trabalho, Segundo Franco, Druck e Seligmann-
transformando-o em um espaço degradado, Silva25, muitos dos regimes de trabalho atuais
inseguro e arriscado, não só para os que sofrem estão em contradição com os biorritmos dos
o abuso, mas para todos22. indivíduos, principalmente no que se refere
Para Seligmann-Silva12, somam-se a esse às cargas e ritmos de trabalho, resultando em
quadro de tensão emocional as vivências de adoecimentos. De fato, a fase da acumulação
insegurança no trabalho. Trabalhadores mais flexível coloca exigências ao nexo biopsíquico
vulneráveis, como os temporários, ainda sofrem geradoras de níveis de desgaste que superam
pela situação de desproteção ou de alternância significativamente sua capacidade de repro-
entre emprego e desemprego, o que pode gerar dução. Se em momentos pretéritos, como os
ansiedade e levar a transtornos mentais. séculos XVIII e XIX, a disparidade entre des-
Os altos níveis de desemprego e a permanência gaste e reprodução tinha como consequência a
de um significativo exército industrial de reserva alta mortalidade e baixa expectativa de vida da
exercem forte coerção sobre os trabalhadores classe trabalhadora, nos dias atuais, esse con-
empregados, fazendo com que se submetam a traste se expressa de forma distinta. Reduz-se
condições precárias de trabalho, na tentativa de a mortalidade e prolonga-se a vida. Entretanto,
manterem o emprego. Configura-se um cenário uma vida sofrida, agonizante, permeada por

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profundos sinais de desgaste, expressos nas ter como objetivo a transformação desses
diversas formas de sofrimento crônico. processos, sob pena de perderem eficiência
em produzir alteração significativa nos indi-
cadores epidemiológicos.
Considerações finais Nesse sentido, são fundamentais as inicia-
tivas voltadas à melhoria das condições de
Discutiu-se neste trabalho como as caracterís- trabalho, redução da intensificação, dos ritmos,
ticas gerais do modo de produção capitalista, da precarização e da violência no trabalho por
e seus aspectos mais específicos desenvolvi- exemplo. Como o principal processo geral
dos a partir da acumulação flexível, podem motivador das várias organizações e estrutu-
afetar a subjetividade, engendrando emoções ras produtivas na sociedade é a acumulação
e sentimentos relacionados com processos de capitalista, o processo saúde-doença na so-
sofrimento e de adoecimento psíquico. Essa ciedade reflete inevitavelmente a contradição
dinâmica pode ser compreendida a partir dos capital-trabalho. Transformar os processos de
conceitos de processos críticos – protetores e trabalho – e, por consequência, a sociedade
destrutivos – e de cargas de trabalho, os quais – em espaços mais saudáveis e realizadores
possibilitam a compreensão do desgaste que para seus executores envolve necessariamente
é gerado no processo de trabalho, bem como a contraposição à lógica do capital. Trata-se,
a conformação do nexo biopsíquico humano em síntese, de colocar a vida e a saúde acima
nesse contexto. do lucro.
O enfoque do artigo no processo de trabalho
decorre das limitações de espaço e não implica a
desconsideração de outros âmbitos da vida dos Colaboradores
indivíduos e coletividades permeados por pro-
cessos críticos protetores e destrutivos da saúde, Vitória Nassar Viapiana contribuiu para a
como os âmbitos do cotidiano e do consumo, o concepção, planejamento, análise e elabo-
político-ideológico e o do ambiente. Ao mesmo ração do texto. Rogério Miranda Gomes
tempo, cabe destacar o papel condicionante do contribuiu para a concepção, planejamento,
trabalho sobre essas outras dimensões. análise e elaboração do texto. Guilherme
Práticas de prevenção relacionadas com o Souza Cavalcanti de Albuquerque contri-
sofrimento psíquico devem necessariamente buiu para a revisão do conteúdo. s

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Adoecimento psíquico na sociedade contemporânea: notas conceituais da teoria da determinação social do processo saúde-doença 185

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Recebido em 18/06/2017
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Suporte financeiro: não houve

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