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O desenvolvimento do carro
Há alguns anos, a VW vinha trabalhando no desenvolvimento de um motor
bicombustível em parceria com a Magneti Marelli e com a Bosch. A proposta da Bosch
(sensor com atuação física) já estava adaptada ao veículo, mas seu custo a inviabilizava
comercialmente. Com a proposta da Marelli e a modificação na política de tributação
de IPI, o custo do motor bicombustível tornou-se competitivo no mercado e o projeto
foi novamente levado à diretoria e aprovado, com uma incumbência específica de
reduzir ao máximo o time to market a VW queria ser a pioneira nessa tecnologia
no mercado.
Como a empresa já possuía expertise no motor EA827 a álcool as modificações
necessárias para o motor tornar-se bicombustível o aproximam do motor a álcool e
com a participação de fornecedores no desenvolvimento, otimizaram-se algumas
etapas de testes e pré-produção e o veículo pôde ser lançado num prazo recorde: seis
meses, desde a aprovação do projeto até o lançamento no mercado.
Portanto, no desenvolvimento do Gol 1.6 Total Flex não houve nenhuma
alteração significativa no processo usual de desenvolvimento de produto, tanto
por parte da montadora como do fornecedor. Desde seu surgimento no Brasil, no
início dos anos 1990, o desenvolvimento de sistemas eletrônicos de motor é
responsabilidade dos fornecedores trata-se de black boxes.
No atual estágio tecnológico da eletrônica de motor, a Volkswagen (e tampouco
suas concorrentes no Brasil) não teria condições de desenvolver 100% sozinha a
tecnologia bicombustível.
Nos anos 1980, no início do uso de sistemas eletrônicos em motores, a VW na
A dependência de conhecimento
Nesse ambiente de mudanças contínuas, que enfatiza a inovação, o processo de
desenvolvimento de produtos dá-se por duas vias distintas: a primeira é a própria
montadora que demanda o projeto ou a tecnologia; a segunda, os fornecedores
propõem novos produtos numa ação proativa.
No caso do motor flexível brasileiro, foi a segunda opção que prevaleceu. A
Magneti Marelli ofereceu uma solução tecnológica pronta para a montadora, que,
após debater questões de interesse financeiro, tributário e estratégico, decidiu
implementá-la no mercado num tempo recorde.
A Volkswagen agiu, portanto, como integradora de diferentes sistemas do
motor, fossem eletrônicos ou mecânicos. Ao dotar o motor de uma arquitetura
modular e a partir do momento em que o desenvolvimento de sistemas eletrônicos
tornou-se uma atividade em que a montadora não teria condições de concorrer com os
fornecedores especializados, a Volkswagen e as outras montadoras passaram a
depender desses fornecedores, numa dependência de conhecimento. Essa situação é
potencialmente perigosa para elas, segundo alguns autores, pois a competitividade em
longo prazo pode ficar comprometida, uma vez que os fornecedores passam a
controlar a evolução tecnológica dos sistemas e impõem padrões.
Especificamente no caso do motor bicombustível, isso já ocorreu: dois anos após
o lançamento do VW Gol, praticamente todas outras montadoras que atuam no Brasil
já tinham lançado ou planejavam lançar modelos bicombustíveis.
Por outro lado, as montadoras continuam ditando as características que o cliente
percebe e que são propiciadas por aspectos técnicos do motor de um automóvel, como
maciez ao dirigir, tipo de ruído e agressividade. Sua competência é detectar as
preferências do mercado e delinear essas características segundo uma espécie de
“DNA” do automóvel, para, em seguida, transformá-las em especificações,
repassando-as aos fornecedores.
Acontece que a inovação do motor bicombustível por envolver não somente o
sistema de injeção, mas a modificação de diversos componentes para que o motor seja
funcional guarda relação próxima com o “DNA” dos automóveis. Delegar a um
fornecedor o desenvolvimento de componentes-chave para o sucesso dessa inovação,
como o sistema de injeção eletrônica, é muito arriscado.
A forma de gerenciar essa parceria com o terceirizado é o que pode ajudar a
montadora a reter suas competências essenciais, mas fato é que há, sim, um risco maior
de as montadoras perderem suas competências essenciais no desenvolvimento de
motores. Elas estão cada vez mais dependentes de conhecimento dos fornecedores em
produtos essenciais para manter a competitividade.
Mesmo que a montadora ainda controle a competência de integrar a arquitetura
do produto e saiba gerenciar bem essa parceria, a evolução da tecnologia eletrônica
pode fazer com que padrões do setor sejam estabelecidos por fornecedores e não mais
pelas montadoras.
HSM Management Update nº 36 - Setembro 2006
Adriana Marotti de Mello é mestre em engenharia de produção, Luis Henrique Rigato Vasconcellos é
doutorando em engenharia de produção e pesquisador ligado a ESPM e a FGV-EAESP e Roberto Marx é
professor doutor. Todos fazem parte do grupo de pesquisa TTO (Trabalho, Tecnologia e Organização) do
departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP, a faculdade de engenharia da Universidade de
São Paulo.