Você está na página 1de 6

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UNB)

Instituto de Ciências Sociais – ICS


Estudos Latino Americanos – ELA
Ciências Sociais Latino Americanas 1

AYNA WILLIAM RIBEIRO SILVA


221028896

RESENHA AO PENSAMENTO ABISSAL

BRASÍLIA
2023
“América Menina, América Latina
Tão bela, tão formosa,
Nas mãos de gente ladina,
Te querem América Latrina.
Quanta torpeza!
América, América Latina,
Abençoada pela Mãe Natureza
Teu povo tem triste sina.
Quando poderias ser fortaleza
Te fazem tão pequenina.
De governantes só vileza
E os políticos, qual aves de rapina,
Saciam-se na ingênua menina.’

Juares de Marcos Jardim


A resenha a seguir trata-se da obra de Boaventura De Sousa
Santos, intitulada: “Para Além do Pensamento Abissal”. O ensaio fala
majoritariamente de um dinamismo entre linhas cartográficas
invisíveis, dois universos destoantes, onde o autor traça uma
dicotomia de duas relações identitárias, com um povo que se situa
“deste lado da linha” e “do outro lado da linha”, sistema esse que foi
fundado no colonialismo e se estruturou na contemporaneidade,
exercendo influência política e exploratória contra os países
“subalternos”, extirpando-os e matando reiteradamente seus povos,
destruindo suas culturas e menosprezando suas epistemologias.
Boaventura diz que o pensamento ocidental consiste numa divisão
de duas linhas, a linha “deste lado” e do “outro lado”, assim
conceitua as linhas abissais, que é uma relação do “eu” com o
“outro”, onde esse “outro” é pernicioso, inexistente e irrelevante, uma
dinâmica de verdadeiro ou falso. Conectando a teoria do autor com
as perspectivas de Stuart Hall, quando se cria uma identidade, uma
diferença é formada, e geralmente ela é degenerescente, excluída e
tem sua humanidade retirada (2003). No pensamento abissal o “eu”
só existe enquanto ele gera a inexistência do “outro”, uma identidade
só existe porque existe uma diferença.
O conhecimento e direito são as manifestações mais escancaradas
do pensamento abissal, que cria um monopólio de distinções, onde
no campo do conhecimento só é válido, científico e verdadeiro o que
é produzido nos centros; os conhecimentos das margens, dos povos
originários, subdesenvolvidos, populares e ancestrais são “místicos”,
inverificáveis, não-científicos, são irrelevantes e indignos de
reconhecimento. No direito, a linha do “eu” impõe e universaliza o
legal e ilegal, esquecendo de territórios onde essa relação inexiste e
não é paradigma para suas organizações. Nos dois campos há uma
eliminação violenta de manifestações que se contrapõem aos
métodos do “eu”, e na apropriação dos mesmos, seja ela epistêmica,
do corpo ou cultural.
As linhas abissais não são físicas, elas se deslocam com a
temporalidade, porém fixam-se na conjuntura em que estão
temporalmente situadas. Dois grandes abalos ocorreram com as
linhas abissais nos últimos sessenta anos, que foram as lutas
anticoloniais e processos de independência, e uma que ocorre
desde a década de setenta, e consiste numa movimentação onde
um lado da linha se expande e o outro encolhe, pois o domínio da
linha em ascensão contamina e extirpa o diferente, o encolhe.
Esses movimentos geram o que Boaventura chama de “regresso do
colonizador”, onde os indivíduos se rebelam e assumem que suas
vidas devem ocorrer do outro lado da fronteira, dividida em três
partes, esses agentes em regresso são figuras que mostram a
pressão da violência/apropriação, regulamentação/emancipação e
estão alocadas na imagem do terrorista, do imigrante ilegal e do
refugiado, que são violentados institucionalmente com leis
antiterroristas e migratórias, submetidos ao subemprego e a miséria,
retornando a lógica colonial abissal, violando direitos, pois essa é a
única forma do imperialista se manter, segregando, explorando e
matando. Achille Mbebe (2016, p.23-34), com a necropolítica expõe
que o poder do estado não está mais no controle da vida, não é mais
sobre deixar morrer e fazer viver, se trata agora do pleno exercício
da morte como forma de gerenciar a política.
Como uma forma de resolução dessas problemáticas o autor cita o
cosmopolitismo subalterno, mostrando que a ideia do pensamento
abissal é a de continuar se reproduzindo, mesmo que de forma
violenta, e só pode ser parado por uma resistência epistemológica,
um contramovimento, como o autor bem fala, é necessário um
pensamento pós-abissal, pois não há como progredir mantendo
estruturas de violências epistêmicas e físicas, então se torna
necessária a emancipação de todos os povos do Sul para romper as
linhas abissais e a exploração capitalista global, com agentes das
duas linhas, onde os dois são contemporâneos e iguais, gerar uma
ecologia de saberes para abandonar o esquema primitivista temporal
e toda epistemologia universal, mesclar diversos conhecimentos,
porque todo saber é incompleto e possuem ignorâncias, mas os
credibilizando e fazendo uma junção de diversas epistemologias
poderemos romper essas linhas abissais limitantes, pois existem
muitas formas de saberes, conceitos e ciências que vão além do que
a produção dos centros e eles devem ser credibilizados.
O autor conclui o artigo propondo um programa de pesquisas para
identificar saberes que foram historicamente ignorados;
procedimentos para relacionar diversos saberes entre si; um
questionamento a respeito da natureza e à avaliação das
intervenções possibilitadas pelos saberes e qual o impacto dessas
concepções de conhecimentos pós-abissais para a construção de
um futuro que não repita mais os erros passados.
Boaventura de Sousa Santos é português e Professor Catedrático
da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, neste texto
há um modelo ensaístico, sintético, mas bem trabalhado, com uma
leitura simples, curta e bastante explicativa sobre as dinâmicas
abissais, facilitando a compreensão do leitor sobre as conjunturas
apresentadas. A simplicidade de relacionar com diversos outros
pensadores e teorias ajuda ainda mais na compreensão e no
desenvolvimento de novos pensamentos acerca do assunto, abrindo
possibilidades para o que o autor tanto sonha, o pensamento pós-
abissal, a ecologia de saberes, a mistura de todos os conhecimentos
para gerar algo sublime.
Referências Bibliográficas:

HALL, Stuart.. Identidade e Diferença. Ed.3. Vozes. 2011.

MBEBE, Achille. Necropolítica. Ed.32, Rio de Janeiro. Revista do PPGAV.. 2016, p. 23-34.

SANTOS, Boaventura. Para Além do Pensamento Abissal. Novos Estudos. 2007, p. 71-94.

Você também pode gostar