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A implementação da Lei 10.639/03 nas escolas públicas municipais de


Tabuleiro do Norte-Ceará: uma análise das primeiras experiências.

Edneide Márcia Silva1

Resumo

A aprovação da Lei 10639\03 apresenta-se para a história de resistência e luta dos afro-
brasileiros e africanos como um grande passo nas relações étnicas e raciais brasileira.
No entanto, ela não encerra em si o seu o objetivo maior que reside no respeito à
diversidade e fim da discriminação racial, bem como na construção de uma nova
narrativa histórica brasileira e geral isenta dos vícios do eurocentrismo que veja e
compreenda o continente africano em seus matizes. No referido artigo objetiva-se, pois
discutir e analisar a busca pela implementação desta Lei no âmbito escolar, mais
precisamente em escolas da rede de ensino público de Tabuleiro do Norte – Ceará.

Palavras-chaves: Lei 10639\03; escola pública; resistências.

Abstract

The approval of the Law 10639\03 comes for the resistance history and it struggles of
the Afro-Brazilian and African as a great step in the racial ethnic relationships Brazilian,
however she doesn't contain in itself yours the largest objective than it resides in the
respect the diversity and end of the racial discrimination, as well as in the construction
of a new Brazilian and general historical narrative it exempts of the addictions of the
under the European optics, that he/she sees and understand the African continent in your
shades. In referred him article it is aimed at to discuss and to analyze the search for the
adaptation of this Law in the school ambit, more precisely in schools of the net of public
teaching of Tabuleiro of the Norte - Ceará.

Keywords: Law 10639\03; public school; resistances.

1
Aluna do Curso de Especialização em História e Cultura Afro-Brasileira. Faculdade de Selvíria - MS
2

Introdução

Analisar a sociedade brasileira em sua extensão e produção historiográfica é


também pensar em relações de poder que se estabeleceram ao longo destes quinhentos e
doze anos. O que compõe a sociedade brasileira atual senão uma identidade plural? Sim
surgimos da pluralidade - emergente do nativo sul americano, do europeu (português,
sobretudo) e do africano - que em nome do domínio vencera outrora as pluralidades
étnicas nativas.

No entanto nossa pluralidade não nos remete, quase sempre, a relações


democráticas e toleráveis a esta diversidade que nos compõe. Infelizmente ao lado do
multiétnico, multicultural sobrevivia e se impunham valores que se estabeleceram, ora
pela força bruta (braçal) ora pelo discurso. Estes valores designaram e representaram
mais que características de uma época, ditaram por muito tempo a hierarquização da
estratificação social brasileira em termos econômicos e sociais, determinando dentro
desta estrutura sócio-política o lugar do negro, em sua maioria, à condição de
inferioridade, de submissão, transgressão, atraso, ao maligno.

Não obstante há que se ressaltar a fundamental importância de forças paralelas


que também durante esses quinhentos e doze anos lutaram para reverter à ordem do
discurso predominante e dar a cultura e aos povos nativos e africanos o seu devido lugar
dentro da sociedade brasileira, seja por meio de revoltas, por manifestações ou ainda
pela brilhante arte da ação de se burlar a ordem, se apropriar dela para revitalizar e
inserir no meio social as práticas e as crenças de uma “minoria” sem voz, como fizeram
os africanos e seus descendentes com o brilhante sincronismo religioso.

Na contramão do discurso, do poder surgiram e perduram até hoje grupos,


entidades que veem a luta como meio de ressignificação de valores e instrumento base
para a construção de uma nova sociedade brasileira e porque não também de cidadania.

Perceber, compreender e aceitar o africano e afro-brasileiro dentro do universo


cultural a que pertencem e disseminam nas raízes da sociedade e da cultura brasileira,
bem como os indígenas (nativos) é o primeiro passo para que seja disseminada dentro
desta mesma sociedade a respeitabilidade e empatia que é devida. O brasileiro, precisa
ainda se reconhecer afro, assim como se reconhece também digno de legado europeu.
3

Partindo de inquietações como estas na década de 1970 o Movimento Unificado


Negro de Salvador passa a lutar pela aprovação de uma lei federal que reconhecesse e
exigisse a implementação dos estudos africanos e afro-brasileiros no currículo oficial da
educação básica brasileira.

Essas primeiras iniciativas foram impulsionadas pela


constatação, por parte do movimento negro, de que os PCNs
abordam a temática racial\étnica na “pluralidade cultural” em
forma de orientação genérica, sem maiores consequências na
produção de políticas educacionais. O movimento negro já
alertava que a evasão escolar se dava além do déficit financeiro,
também pela questão do racismo presente nos livros didáticos,
além da falta de conteúdos que valorizassem a identidade negra
no currículo escolar2.

É interessante neste momento refletirmos acerca da forma como surge agora a


intencionalidade do Movimento. Exige-se, ou almeja-se, a legitimidade da lei, mais que
isso que esta se fizesse cumprir primordialmente nos espaços escolares. Assim como
muitos de nós acreditamos o ambiente da sala de aula é o segundo, em muitos casos o
primeiro, espaço de construção de valores, crenças, identidade. Como diz a letra da
canção Anjos da Guarda, autoria de Lecy Brandão 1995, na sala de aula é onde se
forma o cidadão, na sala de aula é onde se muda uma nação, na sala de aula não há
idade nem cor (...). Como bem lembra a letra da canção, a sala de aula, ou espaços de
aprendizagem formal, onde se reproduz diariamente a concepção de uma educação
convencional são espaços que como outro qualquer atua e influencia na formação ética
e intelectual do ser humano.

A educação é uma prática social (como a saúde pública, a


comunicação social, o serviço militar) cujo fim é o
desenvolvimento do que na pessoa humana pode ser aprendido
entre outros tipos de saber existentes em uma cultura, para a
formação de tipos de sujeitos, de acordo com as necessidades

2
SANTOS, Jocéli Domanski Gomes dos. A Lei 10.639/03 e a importância de sua implementação na
Educação Básica. p. 3.
4

em um momento próprio da história de seu próprio


desenvolvimento. 3

Enfatizo, pois que se compreendem por educação os processos curriculares


pedagógicos ministrados em um ambiente escolar condizente com um específico código
de leis e determinações. Posto que numa discussão como esta seja cabível ao termo toda
pluralidade significativa que lhe compete. E como ressalta Brandão a educação mesmo
em sua pluralidade tem por fim o aprimoramento intelecto, moral e cultural de um
determinado sujeito para que este possa não apenas ser bem aceito dentro de seu grupo
social, mas, sobretudo, que possa também ser peça fundante de um determinado modelo
social, seja este último uma continuidade de um modelo já preestabelecido, entendido
então como um sujeito que em suas práticas e crenças protege, preserva um modelo
social, ou que contrária a isto, deposita-se neste sujeito em formação a base de um
modelo social que se pretende inovador, precursor de uma transição social, que a partir
dos mesmos novas crenças, valores e uma estratificação sociocultural e política se
estabilize ou ao menos se apresente como elemento desarticulador de outro modelo até
então predominante.

Deste modo imbuído no desejo do Movimento Negro Unificado de Salvador,


residia - em minha leitura – o desejo de se expressar e se utilizar de outros recursos de
poderes que lhes permitissem de maneira mais rápida chegar à esfera nacional. Como
disse anteriormente a aprovação da lei representa, pois um recurso de poder dentro da
realidade brasileira, pois se com ela se obtém a exigência do cumprimento da
implementação e valorização dos estudos africanos e afro-brasileiros, esbarramos desta
vez, na aplicabilidade da mesma e os seus respectivos desafios, que muitas vezes
insistem em se manifestar como empecilhos na luta pela ressignificação da leitura
histórica e cultural predominante acerca da Àfrica e afro-brasilidade em suas
totalidades.

3
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação \ Carlos Rodrigues Brandão. São Paulo. Brasiliense.
2007. (Coleção Primeiros Passos). P. 74.
5

A LEI 10639\03

Fruto de uma sequência de lutas que objetivamente se iniciou ainda nas


primeiras décadas do século XX, mas que só veio a ser atendida, em grande parte, em
09 de janeiro de 2003, com a assinatura da lei 10639/03, oriunda do Projeto de Lei nº
259, apresentado em 1999 pela deputada Esther Grossi e pelo deputado Benhur
Ferreira. 4 A referida lei se materializou acrescentando dois artigos à Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Brasileira (Lei 9.394\96) dispondo o seguinte:

Art.26-A- Nos estabelecimentos de ensino fundamental e


médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino
sobre história e Cultura Afro-Brasileira.

Parágrafo Primeiro - O conteúdo programático a que se


refere o caput deste artigo incluirá o estudo da África e dos
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,
resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à História do Brasil.

Parágrafo segundo - Os conteúdos referentes à História e


Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo
currículo escolar em especial, nas áreas de Educação Artística
e de Literatura e Histórias Brasileiras.

Art.79-B – O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro


como “Dia Nacional da Consciência Negra”. 5

Como pode ser observado a Lei 10639\03 é bastante clara e enfática no tocante a
periodização de sua aplicabilidade que tende a ser cotidianamente em todo o currículo,
com ênfase nas disciplinas de história, arte e literatura. Novamente voltamos a
questionar duas dimensões que por ora se expressam complementares, ora opostas: a
teoria e a prática. Infelizmente a clareza teórica até aqui não tem sido tão complementar
ao que tange à prática.

4
SANTOS, Jocéli Domanski Gomes dos. A Lei 10.639/03 e a importância de sua implementação na
Educação Básica. p. 4.
5
Idem, p. 4.
6

Aprovada em 2003 e regulamentada em 2004, praticamente oito (08) anos


depois o que uma rápida pesquisa bibliográfica e empírica nos revela é que na maioria
das escolas brasileiras a Lei ainda está só no papel. Em relação aos porquês, as razões
para este dado, vários fatores são citados como preconceito por parte da comunidade
escolar, sobretudo dos próprios professores, dificuldade de material que atenda às
exigências da Lei, escassez de qualificação na área, entre outros. Sobre este fato Oliva
nos revela que durante pesquisas realizadas por ele na região do Recôncavo Baiano
entre os anos de 2007 e 2008 ele pode perceber que:

Apesar de professores e estudantes reconhecerem em sua


esmagadora maioria – 98% dos alunos e 100% dos professores
– a importância dos estudos africanos nas escolas da região,
ainda vigora uma situação emblemática e complexa de se
resolver. As imagens que compõem os cenários mentais de
grande parte dos entrevistados apontam para um cruzamento ou
sintonia com as referências imagéticas e ideias de África que
conduzem a ação mental de milhões de brasileiros
cotidianamente: os estereótipos. Nem uma região que para
todos parece estar historicamente embebida de africanidades
parece ter em sua memória histórica lembranças positivas do
continente. Neste caso, apenas a ação coordenada de
movimentos e associações culturais e sociais e,
fundamentalmente, a abordagem adequada de conteúdos da
história africana nas salas de aula podem reverter em curto
espaço de tempo esses esquecimentos relacionais e substituir as
imagens que conduzem os olhares lançados daqui sobre o
continente que é nosso vizinho pela fronteira atlântica sul, seja
no presente ou no passado. 6

A realidade constatada por Oliva não difere daquela encontrada por outros
pesquisadores do gênero em outras cidades e estados brasileiros. O mesmo pude
perceber quando iniciei meus estudos sobre a implementação da Lei 10693\03 na cidade
cearense Tabuleiro do Norte. A dificuldade de transpor o preconceito e os estereótipos
se impõem, em suma, bem mais que a capacitação profissional necessária, tão citada por
colegas docentes.

6
Oliva, Anderson Ribeiro. A África não está em nós. A História africana no imaginário de estudantes do
Recôncavo Baiano. Publicado em Fronteiras, Dourados, MS, vol.11, n. 20, p. 73-91, jul. /dez. de 2009. P.
87 e 88.
7

Tal situação nos coloca novamente de frente como um questionamento abordado


no início deste artigo. Busca-se no espaço escolar um novo tipo de conflito que possa na
melhor das hipóteses resultar na promoção de uma nova releitura da história geral (de
fato e não somente europeia) e da história brasileira pensada sob o prisma de uma
historicidade menos branqueadora.

O campo de trabalho

Durante este ano de 2012 fui desenvolvendo pesquisas e leituras acerca da


implementação da Lei 10693\03 nas escolas de educação de Tabuleiro do Norte. Como
primeiro recorte decidi trabalhar apenas com as escolas municipais do Ensino
Fundamental II, a justificativa para esta escolha reside na prática docente que tenho no
referido nível de ensino, ainda que esta experiência tenha sido calcada dentro de uma
rede de ensino privada e por isto mesmo concentrando até aqui muitas diferenciações
em relação à realidade na qual se insere meu objeto de estudo.

O município de Tabuleiro do Norte conta atualmente com um número de onze


(11) escolas onde na quais tem funcionado o Ensino Fundamental II, destas apenas uma
localiza-se na sede, as demais encontram-se em pequenos povoados, muitos deles de
difícil acesso para os professores que em sua maioria residem na sede do município e
precisam se deslocar de manhã cedinho retornando apenas no final da tarde para suas
residências.

Antes de tratarmos de modo específico do trabalho realizado nestas escolas é


necessário discutirmos alguns dados referentes à forma como se dá a escolha dos livros
adotados nas escolas de ensino público tabuleirenses, de modo geral. Tal forma vem
citada no documento transcrito abaixo:

Aos trinta dias do mês de junho do ano de dois mil e dez


reuniram-se na Escola de Ensino Fundamental Antônio Alves
Maia localizada à rua Coronel Pio Gadelha nº 4683 na sede da
cidade de Tabuleiro do Norte- Ceará, diretores, coordenadores e
professores do 6º ao 9º do ensino fundamental da rede
municipal, perfazendo um total de profissionais da educação.
Em plenária abriu-se um processo com a acolhida realizada pela
8

coordenadora geral do município Élcia Oliveira Maia, com


apresentação em slides da mensagem “Boa filosofia”. Em
seguida o coordenador municipal do PNLD, Francisco José
Lima Silva, fez uso da palavra e solicitou a todos os presentes
maturidade e consciência para que a escolha beneficie o
trabalho em sala de aula e não as editoras, citou como princípio
fundamental a isonomia. Destacou ainda pontos importantes
para a escolha do livro didático PNLD 2011: Conhecer o guia
através de oficinas, agendar e divulgar com antecedência a data
da escolha e seguir a portaria normativa nº 07 de 05\04\2007.
Informou também a novidade da escolha da área de Língua
Estrangeira e apresentou em slide todo o processo de escolha do
PNLD: Missão; objetivo e termo de compromisso. A plenária
foi desfeita com todos presentes direcionados para a sala de sua
referida área, ficando a divisão em sala 1- Área de Ciência, sala
2- Área de Cultura e Sociedade sala 3 - Área de Linguagens e
Códigos. Ao retornarem à plenária, após terem discutido e
escolhido a obra em cada área os relatores de cada sala
apresentaram as suas escolhas. Na sala 1 – Área de Ciências as
relatoras Elione e Liliane fizeram as exposições das escolhas de
Ciência (...). Na sala 02 – Área de Cultura e Sociedade foi
realizada a seguinte escolha: História 1ª Opção Título: História
Sociedade e Cidadania Editora: FTD Código: 24906 COL 06; 2ª
Opção: Título: Projeto Araribá; Editora: Moderna; Código:
24981 COL 06. (...) Encerrada a Plenária todos os participantes,
em comum acordo, disseram ter sido tempo suficiente para a
escolha de todas as disciplinas não sendo necessária a
prorrogação. Concordaram também ter sido o processo de
escolha completamente democrático em todas as turmas e que
nada havia a apontar de negativo no processo PNLD 2011.
Finalizado o processo eu, Rísya Acácia de Almeida Malveira
lavrei esta ata, que vai assinada por mim e por todos os
participantes:7

Como se pode perceber o processo de escolha do livro procura ser fiel às


determinações exigidas pelo MEC, realizando o processo de escolha do livro didático
por meio de encontros onde os professores analisam os livros indicados no guia do livro
didático, espécie de manual, produzido por profissionais do MEC, que junto com as
orientações para a escolha dos referidos livros enviam também resenhas analíticas dos
mesmos. Sobre o processo de escolha do livro didático para as escolas municipais de

7
Ata de escolha do livro didático. Secretaria de Educação – Tabuleiro do Norte- Ceará.
9

Tabuleiro do Norte – Ceará o coordenador municipal do PNLD Francisco José afirma


que:

Os critérios que a gente procura seguir são os critérios


estabelecidos pelo MEC. Primeiro a gente, quando a gente lê lá
na lei que regulamenta a escolha do livro didático do PNLD a
gente observa que logo no início tem lá o critério da isonomia,
ou seja, as editoras elas não podem ter acesso direto aos
professores no sentido de promover o processo de escolha. Eles
podem divulgar o material, eles podem ir até a porta da escola,
né, entregar o material para a escola, mas o contato com os
professores o MEC não recomenda que seja feito, né. Então, um
dos principais critérios é esse. Um outro critério é que a gente
procura tratar as editoras todas da mesma maneira, para que
exatamente não haja é, esse problema de uma editora achar que
está sendo beneficiada e outra prejudicada. (...) Nós fazemos
todo o processo de forma democrática. Primeiro, nós, é, a gente
faz uma reunião “pré” (no sentido de ser anterior a plenária da
escolha) com os professores por pólo, por exemplo, o pólo
serrano, o pólo do Olho Dágua e aí a gente já tem mais ou
menos uma prévia do que eles vão, pretendem escolher e depois
a gente faz uma assembleia geral com os professore, né, pra
definir quais são as primeiras e as segundas opções. Isso dá uma
briga muito grande, né, porque geralmente alguns professores
eles já tem simpatia com alguns determinados trabalhos e
quando chegam lá aí que vão discutir isso sempre dá uma
polêmica grande, mas sempre no final dá certo, o livro é
escolhido. E sempre tem a primeira opção8.

Acerca dos critérios apontados para a escolha do livro didático de história a


coordenadora Élcia Oliveira se mostrou mais precisa, que parafraseando os argumentos
proferidos pelas relatoras do grupo de cultura e sociedade citou

Em primeiro lugar as imagens, porque são tidas como


facilitadoras da abordagem dos temas históricos em sala de
aula, posteriormente as fontes extras que os livros
disponibilizam como links de pesquisas, filmes e músicas, em
último caso o texto (na visão da coordenadora), dificilmente os
professores param para analisar os discursos do texto do livro e

8
Depoimento cedido pelo professor graduado em geografia, especialista em meio ambiente e
coordenador do PNLD em Tabuleiro do Norte – Ceará no dia 09 de abril de 2012.
10

quando fazem se remetem a linguagem, se é de fácil ou de


difícil compreensão9.

Na fala da professora da rede de ensino público municipal, Antônia Marta R. dos


Santos, a questão da linguagem, a maneira como o tema é trabalhado, se é
compreensível, se é de fácil compreensão, permanece como prioridade frente a outros
fatores como aqueles lembrados pela coordenadora, bem como àqueles voltados para as
temáticas africanas e afro-brasileiras. Sobre estes últimos os entrevistados muitas vezes
deixaram transparecer que se busca perceber como os autores vêm explorando-os assim
como a questão indígena. Mais notável ainda são os sujeitos diretamente responsáveis por tais
questões, os professores, pois como bem sabemos, espera-se que estes independentes das
dificuldades que apresentem para julgar ou não a abordagem da temática africana e mesmo a
afro-brasileiro nos discursos textuais e imagéticos do livro didático, representam a ponte direta
entre o que se pretende alcançar com a implementação da lei e os atores sociais,
probatoriamente responsáveis pela construção de uma nova nação brasileira e consequentemente
capaz de emanarem e lançarem sobre as gerações vindouras uma nova conceituação acerca da
nossa composição social, econômica e histórica.

Percebe-se, pois a escolha do livro didático como uma ação que exige cautela
por parte dos professores. Uma vez interrogados acerca da percepção da secretaria e dos
professores em relação à adequação dos livros à lei 10639\03 obtivemos os seguintes
discursos:

Olha nós da secretaria, agente recomenda, né. Primeiro, em


primeiro lugar a gente examina as resenhas dos livros, por que é
assim se o livro vai ser escolhido para o próximo ano, esse ano
o MEC manda as resenhas de cada livro pra secretaria, dos
livros aprovados e aí a gente ler lá e carimba, certo. Quando vai
acontecer o encontro, já que a lei afro é uma coisa tão recente,
então a gente sempre toca nessa tecla de que a cultura afro ela
precisa ser inserida no currículo, porque, porque já é uma ideia,
já deveria está sendo trabalhada 10.

9
Depoimento cedido pela professora Élcia de Oliveira, atual coordenadora de História
no dia 13 de julho 2012.
10
Depoimento cedido pelo professor da rede municipal de Tabuleiro do Norte, Ceará e atual coordenador
do PNLD no referido município, Francisco José Lima Silva, em entrevista concedida no dia 09 de abril de
2012.
11

A Secretaria Municipal de Educação Básica, representada pelos coordenadores


Francisco José e Élcia de Oliveira, se posiciona de maneira enfática acerca da
adequação do currículo oficial à temática, ao fazê-lo tais considerações reconhece a
realidade conhecida por todos nós, os nosso livro didáticos, embora já esteja procurando
se adequar à lei, reavaliando seus discursos ainda não chegou onde esperamos.

Os docentes de História da rede municipal de ensino básico tabuleirense


adotaram em assembleia, como foi descrito acima, a coleção História, Sociedade e
Cidadania para o ensino fundamental II que será trabalhada durante os anos de 2010,
2011 e 2012. A escolha tornou-se unificada para todas as unidades escolares do
município onde funciona o ensino fundamental II, as razões para isto residem nos
argumentos de que as escolas elas tem liberdade para escolher a coleção que preferirem,
no entanto os professores começaram a perceber que quando ocorria de um aluno que
estudava em uma escola, por exemplo, da zona rural e por diversos motivos esse aluno
precisava mudar de escola, ao chegar nessa escola, esse aluno sentia dificuldades porque
o livro já não era o mesmo. E também, quando havia a necessidade de pedir livros para
reservas na Seduc (Secretaria de Educação do Estado do Ceará) se tornava mais fácil
encontrar livros de uma só coleção que de várias. Então definido como escolha
unificada o livro História, Sociedade e Cidadania, escrito por Alfredo Boulos Júnior, do
ano de 2009, lançado pela editora FTD o referido livro foi avaliado, em relação à
adequação a Lei 10639\03 da seguinte maneira pelos professores entrevistados

Então o livro eu acho que ele, ele ainda traz pouco sobre, sobre
a África. Ele vem por unidade, e então em uma, em uma
unidade ele fala sobre dois países africanos. É o que ele tem
sobre a África, ele trata sobre os reinos antigos, né, o
interessante é que ele mostra que, também que a África não foi
sempre miserável, 100% miséria, que a miséria que tem lá foi
fruto da ação humana, da chegada do, do colonizador, mas eu
ainda considero pouco, né, então você tem um continente
enorme e você fala sobre dois, dois países apenas. Porque na
verdade ele fala dos reinos, né, os reinos que envolvem hoje
12

muitos países, mas eu tenho certeza que se a gente for, for


pesquisar a gente encontra muito mais coisa sobre a África11.

O nosso livro didático ele é muito falho em relação a questão


africana, pra você ter uma ideia lá a gente ensina 6º e 7º ano,
infelizmente não tem 8º e 9º, nos dois livros de história, 6º e 7º
só tem dois capítulos que falam sobre a áfrica, e eles (os alunos)
perguntavam professor não existia áfrica não nessa época, aí a
gente vai relatar tudo, olha existia mas o livro se volta mais para
a história da Europa, porque a Europa era o centro do mundo,
aí a gente vai falar do eurocentrismo, né, por isso que a história
relata mais a questão da Europa. Eles perguntavam sempre e a
África e os negros tavam aonde nessa época, eles acham que os
negros só passavam a existir quando vieram aqui para o Brasil.
Em relação à questão africana, olha, é como eu disse há pouco
tempo, pra se tratar o governo ele cria a lei que institui a
disciplina da cultura africana pra ser ministrado em sala aí esse
mesmo governo manda um livro que fala praticamente nada da
história africana. Mais uma contradição. Olha o nosso livro
didático quando fala do negro no Brasil é ligado diretamente à
escravidão, ele centra o negro apenas no lado escravo, não se
fala em momento algum na riqueza cultural dos negros aqui no
Brasil 12.

Como bem nos lembra Oliva em suas análises do livro didático Nova História
Crítica escrito por Mário Schimidt:

Fica evidente que ensinar a História da África, mesmo não


sendo uma tarefa tão simples, é algo imperioso, urgente. As
limitações transcendem—ao mesmo tempo em que se
relacionam—os preconceitos existentes na sociedade brasileira,
e se refletem, de um certo modo, no descaso da Academia, no
despreparo de professores e na desatenção de editoras pelo
tema 13.

11
Depoimento citado pela professora Antônia Marta Rebouças dos Santos da rede municipal do ensino
fundamental II da cidade de Tabuleiro do Norte em 13 de julho de 2012.

12
Depoimento citado pelo professor Luís Reginaldo de Almeida Maia atuante no ensino fundamental II
das redes de ensino privado e público do município de Tabuleiro do Norte, em 17 de julho de 2012.

13
OLIVA, Anderson Ribeiro. A história da África nos bancos escolares. Representações e imprecisões
na literatura didática. In Estudos Afro-asiáticos. Vol. 25. Nº 03, Rio de Janeiro 2003, p. 35.
13

Ao passo que as mudanças vão sendo paulatinamente inseridas no contexto do


livro didático, elas ainda se apresentam timidamente, deixando muitas vezes, como no
caso do livro trabalhado pelos professores da rede de ensino público tabuleirense, as
nuances do conservadorismo historiográfico ressaltar-se frente as tímidas manifestações
dos discursos que buscam ressignificar as páginas desta história.

Os mesmos professores sob a orientação da SEMEB (Secretaria de Educação


Básica de Tabuleiro do Norte) participaram do I Seminário do Ensino da História da
Cultura Afro-brasileira e Africana de Tabuleiro que objetivavam de modo geral
preparar as instituições escolares de Tabuleiro para implementar a História da Cultura
Afro Brasileira e Africana14. Segundo relatos dos membros da secretaria de educação
municipal, bem como de alguns professores o referido seminário foi compreendido pela
maioria como um primeiro passo na implementação da lei, onde os professores na
ocasião teriam a oportunidade de ser orientados a desenvolver projetos voltados para as
temáticas em questão, para outros o seminário não foi de tanta colaboração, bem como
planejar formas de inserir cotidianamente no currículo oficial, discussões sobre a
história e cultura africana e afro-brasileira em todas as disciplinas, sobretudo nas
disciplinas de história, literatura e arte.

Em três das onze escolas municipais onde funcionam turmas do ensino


fundamental II, as orientações do supracitado seminário geraram projetos que no
depoimento de um dos professores responsável pelo projeto interdisciplinar “a educação
tem várias cores” mudou construiu no aluno uma nova visão não só sobre a África, mas
uma nova maneira de ver e entender a cultura negra e em muitos casos de até se aceitar
como negro, o mesmo pardo, uma vez que nas fichas de identificação muitos alunos se
diziam brancos, quando na verdade correspondia a denominação parda.

14
Trecho contido no folder de divulgação do I Seminário do Ensino da História da Cultura Afro-brasileira
e africana de Tabuleiro, promovido pela secretaria de educação municipal, ocorrido em 31 de maio de
2011.
14

Considerações Finais

Diante de um universo de contradições ora pela questão da capacitação


profissional, ora pela dificuldade de encontrar material didático, ou ainda pelo
preconceito muitas vezes incutidos no professor, fruto de uma sociedade historicamente
preconceituosa, as ações afirmativas seja, por meio do Estado brasileiro expresso na lei
10639\03, em forma de cotas, ou mesmo em ações pontuais como aquelas originadas
em tantos projetos, vêm aos poucos encorpando as vozes dissonantes e guerreiras de
uma luta de resistência que se iniciou, aqui no Brasil, desde a chegada dos africanos
nestas terras, e em África nas inúmeras lutas de resistência, ora contra a colonização de
seus territórios ora pela predominância de sua cultura sobre a imposição imperialista dos
países europeus e asiáticos.

Tabuleiro do Norte assim como muitas outras cidades brasileiras apresenta-se


nesse rol ainda de maneira tímida, mas por assim ser não se pode lhes tirar os méritos
que embora conseguido em algumas ações isoladas, já vem na medida do possível,
construindo junto aos alunos uma nova maneira de entender a historiografia da
humanidade, bem como buscando novas formas de interação e compreensão social
étnica brasileira.

Referências Bibliográficas

Alberti, Verena; Pereira, Amílcar Araújo. Movimento Negro e democracia racial no


Brasil: Entrevistas com lideranças do movimento negro. Rio de Janeiro: CPDOC, 2005,
15f.

Boulos Júnior, Alfredo. História sociedade & cidadania, 6º ano \ Alfredo Boulos Júnior.
– São Paulo: FTD, 2009. (Coleção História – Sociedade & Cidadania).

Idem, 7º ano.
15

Brandão, Carlos Rodrigues. O que é educação \ Carlos Rodrigues Brandão. São Paulo.
Brasiliense. 2007. (Coleção Primeiros Passos).

Domingues, Petrônio. Movimento Negro Brasileiro: Alguns apontamentos históricos.


Pag.: 16. Artigo publicado no site www.scielo.br . (Acesso em 18 de janeiro de 2012).

Lopes, Ana Lúcia. Currículo, escola e relações étnico-raciais, 2006.

Munanga, K. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional, versus


identidade negra. Petrópolis; Vozes, 1999.

Oliva, Anderson Ribeiro. A história da África nos bancos escolares. Representações e


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Oliva, Anderson Ribeiro. A África não está em nós. A História africana no imaginário
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