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Aula 5: Biorreatores Aerados

Prof. Gabriel de Castro Fonseca (DQBIO/UFSJ)


Projeto de Biorreatores

Contextualização

Qual é a importância dos Conforme discutimos na aula passada, as reações


reatores aerados? aeróbias são muito importantes para os bioprocessos
modernos, como por exemplo no tratamento de águas
e na produção de antibióticos, vacinas, enzimas, entre
outros produtos.

O oxigênio, no entanto, tem baixa solubilidade em


água. Enquanto pode-se dissolver centenas de gramas
de glicose por litro de água, a solubilidade do O2 é de
apenas 7 mg/L, e no entanto, necessita-se 1,14 g de
oxigênio para cada grama de glicose.

Para uma reação aeróbia ser viável, é preciso for-


necer ar atmosférico esterilizado constantemente para
o biorreator. Por exemplo, para um fermentador com
uma população de 109 células por mililitro de leveduras
respirando ativamente, o oxigênio dissolvido no caldo
deve ser substituído 12 vezes por minuto para atender
a demanda celular.

Transferência de O2
em Biorreatores

Que fatores afetam a A taxa de transferência de massa na interface gás-


transferência de oxigênio líquido entre as bolhas de ar e o caldo fermentado pode
em biorreatores? ser expressa pela equação

dCO
NO = = kL a(CL∗ − CL ) (1)
dt
A taxa de transferência de O2 será influenciada,
portanto, por fatores físico-químicos que alterem os
valores do kL a e da força motriz da transferênca de
massa CL∗ − CL .

Isso pode ser atingido, por exemplo, reduzindo-se


o tamanho das bolhas de ar (através de agitação mais
intensa), o que aumenta kL a; ou aumentando a pressão,
o que aumenta CL∗ . O aumento da pressão nem sempre
é factível, exceto em reatores de coluna. Em relação
ao valor do kL a, há muita margem para o ajuste. Em
fermentadores industriais seu valor tipicamente varia
na faixa entre 0,02 s−1 e 0,25 s−1 e as bolhas de ar
têm diâmetro com ordem de grandeza na faixa dos
milímetros.

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Bolhas de ar

Quais são as característi- A eficiência da transferência de massa depende em


cas das bolhas de ar no bi- grande parte das características das bolhas no meio
orreator? líquido, que afetam o valor do kL a. Em reatores de
tanque agitado, o oxigênio é fornecido ao sistema
borbulhando ar por baixo do impelidor, cuja rotação
contribui para reduzir o tamanho das bolhas e espalhá-
las pelo vaso.

A escala do reator tem grande influência nas pro-


priedades das bolhas. Em escala de laboratório, onde o
tanque é pequeno e todo o líquido se encontra próximo
ao impelidor, as bolhas ficam sujeitas a grandes distor-
ções ao interagirem com as correntes turbulentas no
vaso. Em escala industrial, por outro lado, as bolhas
passam a maior parte do tempo flutuando de forma
livre através do líquido depois da dispersão inicial no
impelidor. Em termos quantitativos, fermentadores de
laboratório trabalham com um nível de agitação entre
10 e 20 kW /m3 , enquanto os industriais operam na
faixa de 0,5 a 5 kW /m3 .

A propriedade mais importante das bolhas de ar é


seu tamanho. A área específica de uma bolha esférica
sem contaminações que reduzam sua área de contato
superficial será
πd 2 6
a= 1 = (2)
6 πd
3 d
onde d é o diâmetro da bolha e pode-se concluir que
quanto menor esse diâmetro, maiores serão os valores
de a e, consequentemente, de kL a. Assim, para um dado
volume de gás, é mais vantajoso que ele esteja disperso
em muitas bolhas pequenas do que em poucas grandes
e um objetivo do projeto de biorreatores é promover um
alto nível de dispersão gasosa.

Outro benefício de ter bolhas pequenas é que elas


ascendem com menor velocidade, dando mais tempo
para o oxigênio se dissolver no líquido. É possível, as-
sim, manter um volume maior de gás (VG ) dissolvido no
líquido (VL ) em um dado momento, uma característica
conhecida como retenção de gás (gas hold-up, ), e
definida como
VG
= (3)
VG + VL
A retenção gasosa em biorreatores pode ser imprevisí-
vel e costuma variar entre 0,01 e 0,20.

Embora seja desejável manter bolhas pequenas,


existem limites práticos. Em fluidos viscosos, bolhas
muito pequenas ( 1 mm) ficam retidas no reator por
tempo demais mesmo após o esgotamento do oxigênio,
reduzindo a área útil de reação sem mais contribuir
com a aerobiose. Além disso, na maioria das culturas,
em bolhas com diâmetro abaixo de 2 a 3 mm, a tensão
superficial torna sua superfície muito rígida, o que
diminui o valor de kL .

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Figura 1: Padrão de escoamento em reatores aerados em função da
velocidade de rotação do impelidor e da vazão de gás alimentado.
A razão velocidade/vazão cresce da esquerda para a direita.[1]

Agitação e aeração

Como a agitação do reator Uma vez que o tamanho das bolhas é tão importante
afeta a aeração? para a transferência de oxigênio no reator, convém con-
siderar os processos físicos que determinam o tamanho
das bolhas. Esses processos incluem a formação das
bolhas, dispersão dos gases e coalescência.

As bolhas se formam do borbulhador. Existem vá-


rios designs para esse equipamento, incluindo simples
tubos abertos, tubos perfurados, difusores porosos e
dispositivos injetores em duas fases. Em fermentadores
de tanque agitado, no entanto, os detalhes sobre o bor-
bulhador têm importância secundária em comparação
com os efeitos do impelidor. A constante quebra de
bolhas, dispersão e coalescência entre bolhas que se
chocam faz com que seus tamanhos no reator tenham
pouca relação com o tamanho com que são formadas.

A coalescência entre bolhas pequenas geralmente


é um problema, uma vez que aumenta seu diâmetro.
A frequência da coalescência depende principalmente
das propriedades do líquido e pode ser reduzida com a
dissolução de sais no caldo.

Os padrões de escoamento dos fluidos não aera-


dos em tanques agitados foram descritos na aula sobre
misturas. Conforme mostra a Figura 1, o padrão de
escoamento das bolhas de ar varia com a razão entre
a frequência de rotação (Ni na figura, ωi na notação
que temos usado) e a vazão de gás alimentada (Q).
Quanto maior a razão NQi , melhor será a mistura do gás
no fluido e maior o valor do kL a, mas apenas até certo
ponto.

Estima-se que a menor velocidade que a ponta do


impelidor (vtip = πNiB Di ) deve ter para haver dispersão
das bolhas de ar por todo o tanque fica entre 1,5 e
2,5 m/s, sendo NiB a mínima frequência para dispersar
o gás. Essa frequência deve também estar abaixo de
um limite NiR a partir do qual a recirculação do ar
começa a diminuir a eficiência do impelidor.

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Agentes antiespumantes

O que são e para que ser- A maioria das culturas de células produz algum tipo
vem antiespumantes? espuma e agentes estabilizadores de espumas, como
proteínas, polissacarídeos e ácidos graxos. O acúmulo
de espuma em fermentadores, portato, é muito comum
e isso causa problemas operacionais como a obstrução
de saídas de gás, perda de volume útil do biorreator,
condições pouco apropriadas para a atividade metabó-
lica, etc.

A adição de compostos antiespumantes ao meio é


uma solução comum, embora esses compostos afetem
a química superficial das bolhas provocando uma redu-
ção no kL a. Uma alternativa ao uso de antiespumantes
químicos é a utilização de quebradores de espuma
mecânicos, como discos em rotação no topo do tanque,
mas esses dispositivos consomem muita potência e
têm eficiência limitada quando a formação de espuma
é excessiva. Assim o uso de agentes químicos pode ser
inevitável em muitas situações.

Temperatura e pressão

Quais são os efeitos da A temperatura do caldo fermentado reduz a solubili-


temperatura e da pressão? dade do oxigênio no líquido, causando a redução na
força motriz da transferência de massa (CL∗ − CL ). Por
outro lado, eleva o coeficiente de transferência de
massa kL . O efeito líquido da mudança depende da
faixa de temperaturas considerada. Para temperaturas
ente 10 e 40 ◦C, é mais provável que o aumento da
temperatura seja benéfico. Acima de 40 ◦C a solubili-
dade do oxigênio cai significativamente, prejudicando a
transferência de massa.

Aumentos tanto na pressão absoluta quanto na


pressão parcial de oxigênio no gás usado para aeração
elevam o valor de CL∗ . A transferência de massa no
fermentador pode ser melhorada com uma maior
pressurização do ar alimentado ou usando um gás en-
riquecido com oxigênio, ou mesmo O2 puro, mas essas
estratégias aumentam os custos de operação do reator
e algumas culturas podem sofrer efeitos inibitórios se
expostas a altas concentrações de oxigênio.

Resumo

Transferência de oxigênio As condições de transferência de oxigênio em biorrea-


tores se beneficiam de bolhas de ar pequenas, grandes
velocidades de agitação e altas pressões (parciais) do
gás. O efeito da temperatura pode ser benéfico ou pre-
judicial dependendo da situação.

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Presença de células

Como a presença de cé- A influência da concentração celular no caldo sobre a


lulas afeta a transferência transferência de O2 depende da espécie do organismo.
de oxigênio? Células com morfologia complexa geralmente reduzem
a efetividade da transferência. As células interferem
com a destruição e coalescência de bolhas. Proteínas
e outras moléculas podem adsorver à superfície da bo-
lha e reduzir a sua área de contato com o fluido.

Determinação do kL a

Como se determina o va- Em geral existem duas abordagens para avaliação dos
lor do kL a? valores de kL e a: cálculos baseados em correlações
empíricas e medidas experimentais. Em ambos os
casos, a determinação de cada um desses parâmetros
individualmente é trabalhosa ou até impossível. É
conveniente, portanto avaliar o produto combinado kL a.
O valor do kL a depende das condições hidrodinâmicas
do meio e poderia ser relacionado a parâmetros como
diâmetro da bolha, velocidade do líquido, densidade,
viscosidade e difusividade do oxigênio no líquido, assim
como com variáveis de operação do processo.

Infelizmente, a precisão das correlações empíricas


aplicadas a sistemas biológicos costuma ser baixa,
uma vez que caldos fermentados contêm uma grande
quantidade de substâncias que interagem de forma
complexa com o coeficiente de transferência de oxi-
gênio. Outra dificuldade está em traduzir medidas
realizadas em laboratório para reatores industriais,
onde as condições hidrodinâmicas são diferentes.

Apesar de todas essas dificuldades, uma fórmula


empírica muito usada para tanques agitados é
0,7
P

0,2
kL a = 2, 0 × 10−3 uG (4)
V
Onde P é a potência dissipada pelo agitador, V é o
volume do fluido e uG é a velocidade superficial do gás
(vazão de gás dividida pela área da seção transversal
do tanque), todos dados em unidades do Sistema
Internacional. Essa relação pode concordar com re-
sultados experimentais errando em 20 a 40 %, mas em
reatores muito grandes, pode superestimar a taxa de
transferência de oxigênio em até 100 %.

Há vários métodos experimentais para determina-


ção do kL a, como a oxidação de sulfito de sódio a
sulfato em um ambiente aerado submetido a posterior
titulação; ou o balanço de oxigênio, cuja concentração
em fase gasosa é medida antes e depois de passar pelo
reator na ausência de células.

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Figura 2: Sistemas de transferência de oxigênio em biorreatores:
(1) bandeja/lagoa; (2) leito fixo; (3) coluna de bolhas; (4) airlift; (5)
tanque agitado e aerado; (6) draught-tube.[2]

Reatores aerados

Como funcionam os siste- Além do fermentador de tanque agitado existem bior-


mas de aeração? reatores aerados alternativos para situações em que o
cisalhamento provocado pelo impelidor é indesejável.
Alguns deles estão mostrados na Figura 2.

Na bandeja ou lagoa de oxidação no contexto de


de tratamento biológico de resíduos, (1) na figura, a
transferência de oxigênio ocorre apenas por difusão
no líquido em contato com ar atmosférico e requer um
longo tempo de exposição. Muito usado para fermenta-
ção em estado sólido.

O esquema (2) é utilizado em reatores com células


imobilizadas em um leito fixo. A aeração geralmente
é realizada em um vaso separado, antes de o caldo
ser alimentado ao reator, para evitar a formação de
bolsões de gases entre as partículas do leito.

Na coluna de bolhas e no airlift, esquemas (3) e


(4) respectivamente, ocorre transferência de oxigênio
por borbulhamento de ar e as próprias bolhas causam
a agitação do meio, necessária para a mistura. Esses
reatores são interessantes para o cultivo de células
sensíveis ao cisalhamento, são de mais simples cons-
trução e economizam energia por não necessitarem de
agitação mecânica. Contudo, exigem vazão de ar maior
para poder manter um bom nível de agitação, da ordem
de 1,0 v.v.m., contra 0,5 v.v.m. dos reatores agitados
(volume de ar por volume de meio por minuto).

O “v.v.m.” é uma medida de vazão específica de ar


equivalente a 1,0 min−1 e indica quantas vezes por
minuto se forneceu ao biorreator um volume de ar
equivalente ao volume de caldo fermentado em seu
interior. Por exemplo, em um reator com volume útil de
1000 L, uma aeração de 2 v.v.m. equivale a 2000 L/min
de ar introduzidos no sistema.

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Como funcionam os siste- A coluna de bolhas, muito usada para produção de
mas de aeração fermento (inóculos), consiste em uma serpentina ou
calota no fundo do reator da qual sobem pequenas
bolhas de ar. A diferença entre a coluna e o air-lift é que
neste último a subida da das bolhas é direcionada por
chaminés no interior do biorreator. O nome “coluna”
se deve ao fato de que esse reator (e também o airlift)
é construído com altura muito maior que o diâmetro,
para aumentar o tempo de residência das bolhas de
oxigênio no seu interior.

Os esquemas indicados com os números (5) e (6)


representam reatores aerados e com agitação mecâ-
nica. O reator (5), o tanque agitado tradicional, é com
folga o de uso mais frequente na indústria.

O reator de tanque agitado considerado padrão


apresenta altura do líquido igual ao diâmetro do tanque
e é agitado por um impelidor com seis pás planas de
diâmetro igual a 13 do diâmetro do tanque. Quatro
chicanas são posicionadas nas laterais do reator para
melhorar a mistura.

A vantagem de se obedecer a dimensões padroni-


zadas está no aproveitamento de um grande conjunto
de dados de operação desse sistema, o que facilita o
projeto. Mas, na prática, é frequente encontrar rea-
tores que não seguem rigorosamente essas relações
geométricas.

O esquema (6), referente ao draught-tube, posici-


ona o impelidor no interior de um duto visando a
formação de um vórtice no interior dessa chaminé e
ampliar a efetividade da transferência de oxigênio. Em
contrapartida, ele aumenta o cisalhamento nas células.

Resumo

Reatores aerados Reações aeróbias exigem um grande fornecimento de


oxigênio. Há vários tipos de reatores aerados na in-
dústria, sendo que o reator de tanque agitado é o mais
usado e designs alternativos como o airlift são preferí-
veis em situações onde o uso do tanque agitado seria
problemático.

Bibliografia
[1] P.M. Doran. (2013). Bioprocess Engineering Principles. Academic Press. 2a ed., Capítulo 10.
[2] W. Schmidell et al. (2001). Biotecnologia Industrial. Volume 2 - Engenharia Bioquímica. Edgard
Blücher, 1a ed., Capítulo 14.

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