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SANEAMENTO –

TRATAMENTO DE ÁGUA
AULA 4

Prof. César Augusto Marin


CONVERSA INICIAL

Vamos voltar à definição de SAA dada pelos professores Azevedo Netto


e Fernandez (2019): “o conjunto de obras, equipamentos e serviços destinado
ao abastecimento de água potável a um determinado consumidor […] em
quantidade, qualidade e confiabilidade (continuidade) do abastecimento,
adequada aos requisitos necessários e suficiente ao fim a que se destina”.
Até aqui, você aprendeu sobre os principais parâmetros de qualidade de
água, conheceu a concepção típica de ETAs e foi treinado a dimensionar os
processos de condicionamento, que são o pré-tratamento e a coagulação. Nesta
etapa, continuaremos conhecendo mais sobre a garantia da qualidade de água
com o uso das ETAs, finalizando o condicionamento com a floculação (tópicos
01 e 02) e aprendendo a dimensionar os sistemas de separação de sólidos por
decantação (tópicos 03 e 04) e por flotação por ar dissolvido (tópico 05).
Nosso objetivo com esta etapa é que você ao fim:

• conheça os princípios e a necessidade de uma floculação otimizada;


• conheça os princípios de sedimentação de partículas;
• conheça os princípios da flotação de partículas; e
• esteja apto a dimensionar os processos de floculação e
decantação/sedimentação/flotação de uma ETA.

Bons estudos!

TEMA 1 – PROCESSOS UNITÁRIOS: FLOCULAÇÃO

Até aqui, aprendemos sobre os conceitos de coagulação e como


dimensionar estes sistemas. Conhecemos que nosso objetivo com este
processo é quebrar o equilíbrio elétrico que causa forças de repulsão entre as
partículas.
Entretanto, sem um processo que possibilite a aglomeração controlada
destas partículas, a coagulação se torna um processo de pouca efetividade.
Quando realizamos a coagulação da água, nosso objetivo é que as partículas
que estão ali presentes, sobretudo as partículas coloidais, aumentem o seu
tamanho a ponto de conseguirmos retirá-las por um processo de separação
físico. Se representarmos o tamanho desta partícula na forma de um diâmetro
(mesmo não sendo um círculo perfeito), o que pretendemos é que esta atinja um

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diâmetro mínimo, que chamamos de diâmetro crítico, acima do qual as partículas
se tornem sedimentáveis.
Isso só é possível se possibilitarmos que os sólidos entrem em contato
entre si e dermos o tempo adequado para que isso aconteça, processo que
chamamos de floculação. A Figura 1 nos demonstra de forma esquemática que,
na água somente coagulada, a quantidade de partículas abaixo do diâmetro
crítico ainda é muito grande, e é durante o processo de floculação que em sua
maioria atravessam a linha crítica.

Figura 1 – Ganho de tamanho das partículas ocasionado pela floculação

Crédito: Wasteresley Lima.

Para isso ser possível, precisamos garantir que as partículas se choquem


entre si o máximo possível, mas que este choque ocorra em uma velocidade
adequada, pequena, para que flocos já formados não sejam quebrados. O
princípio geral da floculação é dado pela expressão abaixo, o modelo de
Argaman e Kaufman:

𝑑𝑁
=− 𝐾 𝐾𝐵 𝑁0 𝐺 2
⏟𝐴 𝑁𝐺 + ⏟
𝑑𝑡
𝑎𝑔𝑟𝑒𝑔𝑎çã𝑜 𝑞𝑢𝑒𝑏𝑟𝑎

Onde:

• N = concentração de partículas primárias (não floculadas, unidades/m³);

3 3
• No= concentração de partículas primárias que entram na floculação
(unidades/m³);
• G = gradiente de mistura (s-1);
• KA = coeficiente de agregação, que é dependente da turbidez da água
bruta (KA~ uT0,8); e
• KB = coeficiente de quebra.

De forma simplificada, a concentração de partículas primárias ou não


floculadas diminui e, portanto, a floculação é melhor, quanto maior o gradiente
de velocidade e maior a turbidez da água bruta. Porém, as partículas voltam a
se tornar primárias com a quebra dos flocos, e esta quebra aumenta com o
quadrado do gradiente de velocidade. Assim, gradientes de velocidade muito
elevados, apesar de causarem melhor agregação, vão causar maiores quebras
e, portanto, existe um gradiente ótimo.
A derivação matemática destas expressões é complexa e por vezes
empírica, pois os coeficientes KA e KB dependem de diversas condições locais e
características da água bruta. Porém, uma importante derivação apresentada em
Richter e Azevedo Netto (1991) é válida para gradientes de velocidade pequenos
(entre 15 e 70 s-1), onde os efeitos de quebra são ínfimos, e com a consideração
de vários tanques em série:

𝑁0 𝑇 𝑚
= (1 + 𝐾𝐴 𝐺 )
𝑁𝑚 𝑚

Onde:

• T = tempo de detenção total (s); e


• m = número de câmaras de floculação em série.

Ou seja, um bom projeto de floculação depende de garantir uma


otimização das três seguintes variáveis:

• gradiente de mistura;
• tempo de detenção;
• número de câmaras.

A NBR 12.216:1992 (ABNT, 1992) prevê os seguintes critérios para os


floculadores:

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• o período de detecção e os gradientes de velocidades devem ser
determinados por ensaios com a água bruta (testes de jarros);
• a agitação na água pode ser realizada por meios mecânicos ou
hidráulicos;
• o tempo de detenção usualmente se situa entre 20 e 30 minutos para
floculação hidráulica e entre 30 e 40 minutos para floculação mecânica;
• o gradiente de velocidade na primeira câmara é de 70 s-1 e na última de
10 s-1.
• deve ser instalado dispositivo que permita alterar o gradiente de
velocidade aplicada em 20% para mais ou para menos em cada câmara
de floculação (em razão da alteração das condições da água bruta);
• os tanques de floculação devem ser providos com tubulações de descarga
de no mínimo 150 mm e fundo com 1% de declividade na direção desta
(é comum o acúmulo de lodo no fundo, necessidade de limpezas
periódicas); e
• a velocidade de passagem entre câmaras deve ficar entre 0,15 e 0,3 m/s.

Como mostra Vianna (2014), cada água é um caso, e pode ser possível
flocular águas com menos de 20 minutos de detenção.

Figura 2 – Tipos comuns de sistemas de floculação, a) floculação mecânica com


turbinas; b) floculação mecânica com paletas; b) floculação hidráulica

a)

5 5
b)

c)

Fonte: Howe et al., 2016.

O grau de agitação necessário pode ser obtido de várias formas. Na


Figura 2, mostramos os conceitos dos três principais tipos utilizados.

• Na Figura 2a, mostramos o dispositivo hidráulico que se assemelha muito


aos da mistura rápida, que são as turbinas. Sobre este tipo de dispositivo,
que já falamos, seu dimensionamento também segue a mesma forma,
apenas com gradientes de velocidades inferiores.
• Na Figura 2b, é apresentado o agitador de paletas, somente utilizado para
floculação, que consiste em um eixo central e várias paletas paralelas a
este, presas a este eixo e que giram com este em baixa rotação,
movimentando a água de forma mais homogênea. Podem ser de eixo
vertical ou horizontal.
• Na Figura 2c são apresentados dois tipos de floculação hidráulica, o
primeiro por chicanas horizontais e o segundo por chicanas verticais,
existindo também modelos que utilizam os dois sentidos de fluxo. Neste
caso, a agitação é realizada pela perda de carga causada pelas
alterações na direção do fluxo. É possível também fazer a floculação
hidráulica dentro de tubulações, tendo como origem a vorticidade de
escoamentos turbulentos.

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No Quadro 1, elaboramos uma comparação entre os dispositivos de
floculação.
Deve-se dar um especial destaque que as estruturas mais simples e de
menores custos de capital são os floculadores hidráulicos e, por este motivo,
foram muito usados em instalações mais antigas, e também continuam em
estações de menor porte. Por outro lado, possuem baixa flexibilidade
operacional, sobretudo para realização de sistemas automatizados. Neste
âmbito, os floculadores de paleta têm uma grande vantagem. Entretanto, com o
advento da modelagem em Computational Fluid Dynamics (CFD), em que é
possível dimensionar formas de turbinas específicas para cada projeto, e com
resultados otimizados, a floculação em turbinas tem tido um aumento
considerável no seu uso, e hoje são a tecnologia considerada de primeira linha.
Existem muitas outras formas de prover a agitação necessária à
floculação, mas os conceitos são semelhantes aos que serão apresentados na
sequência deste texto. Em especial, o mercado de equipamentos está bastante
aquecido e constantemente traz novas soluções para as concessionárias do
serviço, de eficiências ainda maiores e que devem sempre ser consideradas.

Quadro 1 – Comparação qualitativa entre os dispositivos de floculação

Tipo de Floculador com Floculação


Turbinas
dispositivo paletas Hidráulica
Possibilidade de
Simplicidade
manutenção sem
Floco grande
esgotamento do
Baixo custo de
tanque
Confiável manutenção

Vantagens Sem perda de carga


Sem perda de carga Sem partes
móveis
Muito flexível
Um eixo para vários
misturadores Pode produzir
Maior potencial de
flocos grandes
entrada de energia
Difícil
compartimentalização Necessidade de maior Pouca
atenção na flexibilidade
Desvantagens Substituição e manutenção especificação dos
exige esgotamento do equipamentos
tanque

7 7
TEMA 2 – PROJETO DE SISTEMAS DE FLOCULAÇÃO

2.1 Floculação mecânica: dimensionamento

Aqui, vamos conhecer como dimensionar os sistemas de floculação


utilizando dispositivos mecânicos. Primeiro, vamos conhecer a floculação com
turbinas.
Já conhecemos estes dispositivos e como funciona o seu
dimensionamento. A potência hidráulica de um agitador de turbina para
floculação é dada pela seguinte expressão:

𝑃 = 𝑁𝑃 . 𝜌. 𝑛3 . 𝐷5

Onde:

• P = Potência (W);
• n = rotação do agitador (s-1);
• D = diâmetro do rotor (m); e
• Np = número de potência, obtido a partir do tipo de turbina ou impelidor
utilizado.

O número de potência é uma informação normalmente obtida a partir dos


fornecedores, porém como uma aproximação simples podemos adotar os
valores apresentados no Quadro 2.
Até aqui, o processo de dimensionamento dos tanques de mistura rápida
ou de floculação são parecidos, apenas alterando os tempos de contato
(maiores) e os gradientes de mistura (menores). Porém, o projeto de floculadores
com turbina ainda exige alguns cuidados extras, para evitar a quebra de flocos.

• A velocidade periférica do agitador deve ser no máximo de 3,0 m/s,


preferencialmente abaixo de 2,0 m/s. Velocidades maiores causam
quebra de floco.
• A relação do diâmetro do rotor e do diâmetro equivalente do tanque deve
ser maior do que 0,35 (o ideal está entre 0,4 e 0,5), para garantir que a
mistura ocorra e se dissipe ao longo da câmara.
• É necessário prever estruturas para quebra de vórtices.
• Geralmente o projeto é feito com 2 a 4 câmaras.

8 8
Com estes cuidados, é possível obter uma excelente floculação, de forma
estável, e com grande flexibilidade, o que é imperativo em ETAs de grande porte.

Quadro 2 – Principais tipos de turbinas de floculadores e seu número de potência

Crédito: Wasteresley Lima.

Figura 3 – Esquema representativo de um conjunto de paletas girando para


cálculo da potência de agitação

É possível também obter estas garantias com os floculadores de paletas,


e ter também maior controle sobre o sistema a ser adquirido, sem demandar
conhecimentos específicos de hidráulica da parte dos fornecedores. Neste caso,
dimensiona-se a potência de agitação causada por cada paleta, e por fim soma-
se o resultado final para conferir a potência total. Vamos agora explicar como

9 9
funciona o dimensionamento de um floculador de paleta vertical, porém
destacando que a regra de dimensionamento é a mesma.
Inicialmente, vamos pensar em um conjunto de paletas girando em torno
de um eixo, conforme demonstrado na Figura 3. Então, para cada conjunto j de
paletas colocadas em B braços, temos que:

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𝑃𝑗 = 1,465. 10−5 . 𝐶𝑑 . 𝛾. 𝑏. [(1 − 𝑘)𝑁 3 ]. (𝑅𝑒𝑗 − 𝑅𝑖𝑗 ). 𝐵

Onde:

• Cd = coeficiente de arraste da água sobre a paleta (ver Quadro 3);


• γ = peso específico da água (9810 N/m³)
• N = rotação (rpm);
• Rej= distância entre o eixo e o lado externo da paleta (m);
• Rij= distância entre o eixo e o lado interno da paleta (m);
• b = largura da paleta;
• B = número de braços; e
• k = relação entre a velocidade da paleta e a velocidade da água (ver
Quadro 3).

Para n paletas em cada braço, fazemos então:

𝑃 = ∑ 𝑃𝑗
1

Quadro 3 – Coeficientes para uso na equação dos floculadores de paletas

b/(Rej – Rij) Cd N (rpm) K


1 1,10 1,1 a 2,0 0,32

2 1,15 2 a 5,2 0,24

4 1,19 Outros 0,25


Para cálculo da potência
10 1,29 0
do motor
18 1,40
∞ 2,01
Fonte: Vianna, 2014.

Alguns outros cuidados devem ser tomados no projeto.

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• A velocidade periférica não deve ultrapassar 0,75 m/s.
• A soma das áreas das paletas contidas em um plano não deve ser
superior a 20% da área da seção transversal da câmara.
• No caso de floculadores de paletas verticais, as bordas superior e inferior
deverão se situar a 0,15 m e 0,40 m da superfície e do fundo. No caso de
paletas horizontais, vale a mesma condição em relação às paredes,
considerando 0,40 m.

Com isso, fechamos o dimensionamento dos floculadores mecânicos.


Agora, passaremos para os sistemas hidráulicos.

2.2 Floculação hidráulica: dimensionamento

Neste item, vamos conhecer como dimensionar os sistemas de floculação


utilizando dispositivos hidráulicos.
O conceito geral da floculação hidráulica é o de causar uma perda de
carga que induza à água uma alteração horizontal ou vertical no seu movimento,
causando vorticidade. Como apresentado na NBR 12.216, neste caso, o
gradiente de velocidade obtido em cada compartimento é dado por:

𝑔ℎ
𝐺=√
𝜈𝑡

Onde:

• G = gradiente de velocidade (s-1);


• g = aceleração da gravidade (9,81 m/s2);
• h = somatório de perdas de carga na entrada e ao longo do compartimento
de floculação (mca);
• ν = viscosidade cinemática (m²/s); e
• t = tempo de detenção no compartimento.

A indução de perda de cargas é realizada normalmente por chicanas,


como apresentada na Figura 4. Estas chicanas podem ser verticais, horizontais
ou ainda mistas.

• Chicanas verticais: a água percorre o floculador em movimentos


sucessivamente ascendentes e descendentes. Apresentam um pouco de
desvantagem, pois é comum a decantação de flocos nas zonas de
11 11
ascendência, necessitando limpezas mais frequentes. Muito utilizado em
estações de pequeno porte.
• Chicanas horizontais: sucessivas mudanças horizontais de direção
(geralmente de 180°C). Mais utilizado em estações de maior porte, pois a
garantia de velocidades mínimas geraria canais muito estreitos em ETEs
de menor porte, mas é a forma mais adequada, pois mantém o fluxo
sempre no sentido horizontal, reduzindo deposição de sedimentos.
• Tipo Alabama: é um tipo misso. Neste caso, todas as passagens de fluxo
ocorrem no fundo das paredes dos compartimentos, porém ao entrar em
cada compartimento ela é defletida para cima com anteparos ou
tubulações. O princípio deste sistema é que os flocos que entram no
compartimento, ao ganhar velocidade ascendente, se choquem com os
que estão em saída, garantindo boa mistura.

Figura 3 – Exemplos de floculadores hidráulicos com chicanas horizontais,


verticais e mistas

Créditos: Joey001; Ody_Stocker/Shutterstock.

O cálculo das perdas de cargas em sistemas com chicanas pode ser


calculado com a seguinte expressão (Richter; Azevedo Netto, 1991):

(𝑛 + 1)𝑣12 + 𝑛𝑣22
ℎ=
2𝑔

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Onde:

• n = número de canais formados pelas chicanas;


• v1 = velocidade nos canais; e
• v2 = velocidade nas passagens.

Deriva-se então que quanto maior a velocidade de passagem, maior será


o G obtido. Por isso, como é possível verificar na Figura 3, começa-se com
passagens estreitas, e estas vão sendo alongadas. A NBR 12.216 recomenda
realizar no mínimo 3 sequências com mesma abertura, o que chamamos então
de compartimentos.
Algumas recomendações são importantes:

• a velocidade da água ao longo das chicanas deve estar compreendida


entre 0,30 m/s (no início) e 0,10 m/s (no final);
• o espaçamento mínimo da chicana deve ser de 0,60 cm (para permitir
limpeza) ou deve ser instalado dispositivo de fácil remoção (exemplo:
stop-logs em ranhuras); e
• a velocidade v2 deve ser igual a 1,5 de v1.

Uma forma rápida de calcular a quantidade de canais é mostrada a seguir.

• Para chicanas horizontais:

3 𝐻𝐿𝐺 2
𝑛 = 0,045 √( ) 𝑡
𝑄

• Para chicanas verticais:

3 𝐵𝐿𝐺 2
𝑛 = 0,045 √( ) 𝑡
𝑄

Onde:

• H = profundidade de água no canal (m);


• B = largura de água no canal (m);
• L = comprimento do canal (m);
• G = gradiente de velocidade desejado (s-1);
• Q = vazão (m³/s); e
• t = tempo de floculação (s).
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Com isso, você já está preparado para dimensionar sistemas de
floculação. Agora vamos mostrar o processo final desejado, que é a separação
dos sólidos floculados pela sedimentação.

TEMA 3 – PROCESSOS UNITÁRIOS: DECANTAÇÃO

A decantação da água é o processo físico em que ocorre a separação das


impurezas sólidas com o auxílio da gravidade ou, em outras palavras, em que
os sólidos sedimentam e é formado um sobrenadante limpo, o qual chamamos
de água decantada.
Este processo pode ser realizado em tanques circulares ou retangulares,
como apresentamos na Figura 4. O processo em tanques circulares possui
algumas vantagens em relação ao processo em tanques retangulares, porém
construtivamente é mais caro e impossibilita a construção com paredes
compartilhadas. Por este caso, em sistemas de tratamento de água,
praticamente só decantadores retangulares são usados, com exceção de alguns
sistemas de pequeno porte.
A principal garantia para que existam sólidos em condições de
sedimentação são os processos a montante, tanto os pré-tratamentos quanto a
coagulação e a floculação. Tento estes processos sido adequadamente
realizados, resta então apenas dar as garantias de fluxo e tempo para que a
gravidade atue e nos entregue uma água de boa qualidade.

Figura 4 – Exemplos de decantadores: i) circular; ii) retangular

Créditos: DedMityay; Ody_Stocker/Shutterstock.

Para permitir que isso seja realizado, é importante conhecermos um


pouco de como é a física envolvida na sedimentação de partículas. Este é o
conteúdo que veremos a seguir.

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3.1 Física da sedimentação de partículas

A sedimentação de uma partícula ocorre quando o seu peso é superior ao


empuxo e às forças de arraste. No caso de um decantador horizontal, isso pode
ser representado conforme a Figura 5. A partícula adere a um perfil parabólico
pois, durante sua queda, a água no sentido horizontal causa o seu arraste. Além
disso, à medida que sua velocidade descensional se torna maior, ela também
passa a sofrer um arraste no sentido vertical, freando sua descida. Uma boa
sedimentação terá que garantir que o arraste horizontal seja pequeno a ponto de
a partícula possuir tempo suficiente para atingir o fundo antes de ser arrastada
para fora do tanque.

Figura 5 – Trajetória da partícula em um decantador retangular, no caso de uma


sedimentação discreta

Porém, quando olhamos para a Figura 5, não conseguimos ter uma


dimensão sobre o efeito que as outras partículas exercem entre si durante o
processo. Como nos mostra Ferreira Filho (2017), a sedimentação de partículas
ocorre por quatro fenômenos diferentes.
• Sedimentação discreta (Tipo 1): quando o efeito entre partículas é nulo ou
muito pequeno, ou seja, o processo como apresentado na Figura 5.
Ocorre quando a probabilidade de contato entre as partículas é mínima
(baixa concentração) ou quando estas não se aglomeram.

• Sedimentação floculenta (Tipo 2): semelhante ao Tipo 1, porém neste


caso as partículas vão se aglomerando ao longo do processo de
sedimentação e, portanto, aumentando a diferença entre peso e empuxo,
sendo, assim, mais rápida que a de Tipo 1. Ocorre somente com
15 15
partículas que se aglomeram e quando a probabilidade de contato é
média (concentrações usuais).
• Sedimentação em zona (Tipo 3): dependendo do grau de adesão e da
quantidade de partículas, aquelas mais pesadas, que sedimentariam
antes, acabam criando uma força adicional que puxa as partículas em
conjunto, criando zonas bem definidas, que possuem então uma
velocidade de sedimentação em grupo. Ocorre com partículas que se
aglomeram e em grandes concentrações, não sendo comum em ETAs.
Pode ocorrer quando realizamos adição de cal.
• Sedimentação por compressão (Tipo 4): por fim, a sedimentação em zona
pode evoluir para a sedimentação por compressão, quando a zona que
está localizada acima pressiona a zona de baixo. Esse é o tipo de
sedimentação que acontece somente no adensamento de lodos.

3.2 Sedimentação discreta

Para processos em sedimentação discreta (Tipo 1), de acordo com a


densidade do material da partícula, do seu tamanho e das condições de fluxo, é
possível determinar qual será o dimensionamento necessário. A força de arraste
vertical, causada pela água freando a queda da partícula, será dada por:

𝑣𝑦2
𝐹𝑑,𝑦 = 𝐶𝑑 𝐴𝜌𝐻2 𝑂 ⁄
2

Onde:

• Fd,y = força de arraste no sentido vertical;


• Cd = coeficiente de arraste;
• A = área de projetação da partícula sobre um plano perpendicular à
direção do movimento; e
• vy = velocidade de queda.

O coeficiente de arraste é derivado das condições em que o fluxo decorre,


notadamente do grau de turbulência (número de Reynolds), ou seja:

𝐶𝑑 = 𝑓(𝑅𝑒)

Esta relação é dada por ábacos, como pode ser visto no livro dos
professores Richter e Azevedo Netto (1991). Nesta sedimentação, em algum

16 16
momento, ocorre uma velocidade descensional que gera um arrasto que
equilibra o peso da partícula com o seu empuxo. Ou seja, a velocidade não se
eleva além deste patamar. Esta velocidade é conhecida como velocidade
terminal. No caso de uma partícula esférica, a velocidade terminal é dada por:

4𝑔(𝜌 − 𝜌𝐻2 𝑂 )𝑑
𝑣𝑡 = √
3𝐶𝑑 𝜌𝐻2 𝑂

Essa é a conhecida Lei de Stokes.

3.2 Sedimentação floculenta

Na grande maioria dos decantadores de ETAs, o processo que ocorre é o


de sedimentação floculenta, ou tipo II. Neste caso, os conceitos são os mesmos,
porém as velocidades terminais acabam sendo maiores que as que ocorreriam
no caso da sedimentação tipo I, pois o material ganha peso ao longo do processo
de sedimentação.
Neste caso, é necessário determinar as curvas de sedimentação
especificamente para cada ETA, e para isso existe o ensaio em coluna de
sedimentação, que possui uma boa descrição do seu funcionamento no livro do
professor Vianna (2014). Consiste em uma coluna usualmente de 150 mm,
construída na altura do decantador, e com pontos de amostragem a cada 0,60
m. Em intervalos determinados de tempo, as amostras são retiradas e aplica-se
então uma curva de ajuste para determinação da velocidade terminal.
Entretanto, tais testes, para garantir confiabilidade, necessitariam de
campanhas em vários momentos, sendo úteis somente para ETAs que já estão
em operação e precisam ser ampliadas. Para ETAs novas, normalmente se
adotam as velocidades apresentadas na NBR 12.216 (ABNT, 1992), mostrados
no Quadro 4.

17 17
Quadro 4 – Velocidades de sedimentação recomendadas pela NBR 12.216

Fator a ser aplicado Velocidade terminal a


Capacidade nominal na vt determinada em considerar em caso de
da ETA ensaio de não realização de ensaio
sedimentação de sedimentação
Até 1.000 m³/dia
ou
Até 10.000 m³/dia em 1,74 cm/minuto
0,5
caso de locais sem (25 m³/m².dia)
garantia de bom
controle operacional
Entre 1.000 e 10.000
m³/dia, caso possível 2,43 cm/minuto
0,7
obter bom controle (35 m³/m².dia)
operacional
Superior a 10.000 2,80 cm/minuto
0,8
m³/dia (40 m³/m².dia)
Fonte: ABNT, 1992.

TEMA 4 – PROJETO DE DECANTADORES

Agora que você já conhece os conceitos de velocidade terminal e de


sedimentação, pode passar a dimensionar os decantadores de uma ETA.
Essencialmente, o parâmetro principal de um decantador é a Taxa de Aplicação
Hidráulica (TAH):

𝑄
𝑇𝐴𝐻 =
𝐴𝐻

Onde:

• TAH = Taxa de Aplicação Hidráulica (m³/m².dia);


• Q = vazão da planta (m³/dia); e
• AH = área superficial do decantador, em planta (projeção horizontal).

O que precisamos garantir, então, é que:

𝑇𝐴𝐻 < 𝑣𝑡

Ou seja, nosso principal objetivo é garantir que a taxa de aplicação


hidráulica seja inferior à velocidade terminal da partícula. Neste caso, haverá

18 18
tempo para que as partículas, em sua grande maioria, consigam atingir o fundo
do decantador antes de sua saída. Veremos então como isso é realizado.

4.1 Decantador convencional

Em um decantador convencional, a água escoa no sentido horizontal, e


com a taxa hidráulica dentro dos limites de velocidade terminal, as partículas se
acumulam no seu fundo.

Figura 6 – Diagrama esquemático mostrando as principais zonas do decantador,


que precisam ser adequadamente dimensionadas

Para isso ocorrer de forma satisfatória, é necessário que existam as


quatro zonas conforme apresentado na Figura 6.

• Zona de entrada: espaço e dispositivos necessários para que o fluxo


adquira um perfil homogêneo, sem vorticidade e sem curtos-circuitos
hidráulicos.
• Zona de sedimentação: espaço onde ocorre a sedimentação
propriamente dita, conforme tópico anterior.
• Zona de acúmulo de lodo: espaço necessário para o acúmulo dos
sedimentos em uma camada de lodo, que precisa ser removida do
sistema em intervalos adequados.
• Zona de saída: espaço de tomada de água, em que devem ser evitados
excessos de velocidade que possam causar ressuspensão de partículas
já decantadas.

Para garantir que estas zonas sejam adequadamente dimensionadas, a


NBR 12.216 traz diversas recomendações, que vamos falar agora.
Inicialmente, é importante garantir que o decantador não tenha uma
velocidade muito grande, a ponto de que esta cause ressuspensão de sólidos
por tensão cisalhante:

19 19
√𝑅𝑒⁄8 . 𝑣𝑡 , 𝑅𝑒 < 2000
𝑉𝐻 < {
18. 𝑣𝑡 , 𝑅𝑒 > 15000

Caso não existam ensaios, considerar:

• vH < 0,50 cm/s para ETAs até 10.000 m³/dia;


• vH < 0,75 cm/s para ETAS acima de 10.000 m³/dia, com remoção de lodo
espaçada; e
• vH < 1,00 cm/s para ETAs acima de 10.000 m³/dia com remoção de lodo
continua.

Com isso, é possível determinar a altura mínima que deve possuir a zona
de sedimentação, ou seja:

𝐿. 𝑇𝐴𝐻
𝐻𝑚𝑖𝑛,𝑠 =
𝑣𝐻

Figura 7 – Tipos de remoção mecanizada de lodo, da esquerda para a direita: i)


raspador mecânico estacionário submerso; ii) raspador mecânico estacionário
comum; iii) remoção por air-lift; iv) remoção por pás tipo Zickert®

Créditos: Jefferson Schnaider; Wasteresley Lima.

20 20
Para determinar a altura mínima da zona de lodo, deve-se considerar se
o sistema possui remoção manual ou automática de lodo. Em caso de remoção
manual, com sistema gravitacional, a NBR 12.216 recomenda que seja acrescida
uma altura que garanta o acúmulo de 60 dias de lodo. Já no caso de uso de
sistemas mecânicos, é imprescindível verificar com os fabricantes qual a altura
mínima necessária para o seu equipamento. A Figura 7 apresenta alguns dos
modelos disponíveis de remoção mecanizada de lodo.
Assim, a altura total do decantador será dada por:

𝑇𝐴𝐻
𝐻𝑚𝑖𝑛 = + 𝐻𝑙𝑜𝑑𝑜
𝑣𝐻

Usualmente, este valor fica entre 3 e 5 metros. Assim, já temos os critérios


necessários para dimensionamento da zona de sedimentação e da zona de lodo.
Agora, vamos ver como funcionam as zonas de entrada e saída. A Figura 8
mostra os diferentes tipos disponíveis. Na entrada, pode ser usado um sistema
que consiste em canal ou parede defletora com passagens, ou ainda, o que é
mais comum, o uso de cortinas perfuradas. Para a saída, podem ser usados
vertedores lineares ou sistemas de tubos ou calhas perfuradas.
Em relação a estrutura de entrada, caso sejam utilizados o sistema de
canal e passagens, recomenda-se que o canal seja dimensionado para manter
o gradiente de velocidade da última câmara de floculação, e que as passagens
devem ser calculadas para garantir este mesmo gradiente, considerando como
perda de carga a seguinte expressão, para passagens afogadas:

𝑈𝑚 2 𝑈𝐿2
ℎ = [𝜑 ( ) + 𝜃] .
𝑈𝐿 2𝑔

Onde:

• h = perda de carga na passagem;


• Um = velocidade média no canal a montante;
• UL = velocidade média na passagem; e
• φ e θ são coeficientes empíricos, normalmente 1,67 e 0,7 para
interligações consideradas curtas (Vianna, 2014).

21 21
Figura 8 – Estruturas de entrada e saída dos decantadores: da esquerda para a
direita, em cima, entradas: i) canais e passagens; ii) cortina defletora; em baixo,
saídas: i) vertedores lineares; ii) tubos ou paredes perfuradas (orifícios)

Créditos: hxdyl; ymgerman; Joey001/Shutterstock.

Caso seja considerado o uso de cortinas perfuradas, recomenda-se que


os orifícios sejam uniformemente espaçados, com distância entre si não superior
a 50 cm, com a soma de suas áreas inferior à 50% da área total da seção
transversal, e localizados a uma distância da entrada como segue:

𝑎
𝑑 = 1,5 𝐻
𝐴

Onde:

• d = distância da entrada do decantador em relação a cortina;


• a = somatório da área total dos orifícios;
• A = área da seção transversal do decantador; e
• H = altura do decantador.

Além disso, deve ser garantido o gradiente de velocidade mínimo de 20 s-


1
. No caso das cortinas, é calculado conforme segue:

22 22
𝐷 𝜋𝑈 3
𝐺= √
𝑆 8𝐶𝑑2 𝜈𝑥

Onde:

• G = gradiente de velocidade na passagem pela cortina;


• D = diâmetro do orifício (m);
• S = espaçamento entre os orifícios (m);
• U = velocidade de passagem pelo orifício (m/s);
• ν = viscosidade cinemática da água (m²/s);
• Cd = coeficiente de descarga, entre 0,8 e 0,9 para orifícios circulares; e
• x = distância percorrida pelos jatos até que se encontrem (m).

O problema neste caso é determinar qual o valor de x. Segundo Richter e


Azevedo Netto, o valor de x/S se localiza entre 4,5 para Re = 10000 até 3,0 para
Re de 30000.
Conhecemos assim os principais dispositivos de entrada. Agora,
finalizamos esta parte com os dispositivos de saída. A NBR 12.216:1992 define
para considerar, independente do instrumento utilizado, o conceito de vazão
linear, ou seja, vazão por metro de vertedor ou tubo perfurado:

𝑞 = 0,018. 𝐻. 𝑣𝑡

Onde:

• q = vazão linear mínima (L/s.m);


• H = profundidade do decantador (m); e
• vt = velocidade terminal (m³/m².d).

Quando não são realizados testes, deve ser igual ou inferior a 1,8 L/s por
metro linear.

4.2 Decantação acelerada

Como apresentado no item anterior, a ação de um tanque de


sedimentação depende de sua área e não de sua profundidade. Isso é fácil de
verificar pelas expressões que apresentamos a respeito da decantação.
Portanto, se realizarmos uma subdivisão horizontal, em tese teríamos o dobro

23 23
de área de sedimentação e, portanto, o dobro da capacidade. Se dividíssemos
em 3, o triplo, e assim sucessivamente. Como mostram Richter e Azevedo Netto
(1991) essa ideia foi aplicada nos decantador de fundo múltiplos, ou
“empilhados”, que foram construídos a partir de 1915 em várias cidades da
Europa, porém as dificuldades com limpeza do lodo dificultaram seu uso.
Entretanto, a partir de 1970, pelo modelo desenvolvido por Yao, surgiram
os decantadores tubulares ou lamelares, que hoje chamamos de alta taxa. O
conceito trazido por Yao é aplicado a partir da instalação de placas paralelas ou
elementos tubulares inclinados, e com alteração do fluxo para a direção
ascensional. Com este conceito, é possível manter parte dos ganhos na área de
sedimentação e resolvendo o problema da limpeza e da retirada de lodo.

Figura 9 – Diagrama esquemático mostrando as principais zonas do decantador


de alta taxa (ou lamelar ou tubular)

Este é o decantador que conhecemos por alta taxa, ou o processo de


decantação acelerada. É também utilizado o termo lamelar ou tubular, em razão
dos perfis que são utilizados para causar um movimento o mais próximo de um
fluxo laminar. A zona de entrada, neste caso, possui um defletor de fluxo que
obriga o escoamento a se direcionar ao fundo. No fundo, é instalado um sistema
para distribuição homogênea do fluxo, que passa a ser ascendente. Este fluxo
então, ao ascender, percorre as lamelas ou elementos tubulares que geram as
condições de sedimentação, e com isso se obtêm um ganho expressivo na taxa
aplicada.
Este ganho é traduzido pela aplicação de um fator multiplicador à
velocidade terminal determinada em ensaios ou definidas pela NBR
12.216:1992:

𝑇𝐴𝐻 < 𝐹. 𝑣𝑡

24 24
Onde F é chamado de Fator de Área. Esse fator é calculado da seguinte
forma:

𝐿
𝑠𝑖𝑛 𝜃 (𝑠𝑖𝑛 𝜃 + 𝑐𝑜𝑠 𝜃)
𝐹= 𝑑
𝑆

Onde:

• θ = ângulo de inclinação dos elementos tubulares em relação à horizontal;


• L = comprimento do elemento tubular ou da placa (m);
• D = diâmetro interno do elemento tubular ou distância entre as placas (m);
e
• S = fator de eficiência, derivado da geometria dos tubos.

O fator S é necessário pois ocorre uma zona de transição de fluxo na


entrada dos elementos, e perde-se então uma parte do comprimento para a
tranquilização das velocidades. Este fator S é:

• S = 1,0 para placas planas paralelas (pois neste caso não há transição de
fluxo);
• S = 4/3 para tubos circulares;
• S = 11/8 para tubos quadrados;
• ou deve ser obtido a partir dos fornecedores de elementos.

A Figura 10 mostra um tipo de elemento hoje disponível no mercado, com


grande eficiência no aproveitamento da área.

Figura 10 – Exemplo de elemento estruturado para decantação acelerada, tipo


TUBEdek®

Fonte: Enexio, 2021.

25 25
Em tese, quanto menos inclinado o elemento e quanto menor o
distanciamento entre as placas, melhor o fator de área. Porém, a inclinação é
necessária para que o floco decantado na parede do tubo sofra a tensão
cisalhante que o carregue para o fundo d decantador, de outra forma a placa ou
o elemento tubular encheria de lodo e com o tempo não haveria mais passagem
de fluxo. Por isso, é recomendado manter θ em 60°. O distanciamento também
não pode ser pequeno a ponto de não permitir um mínimo de acúmulo de lodo.
Outros critérios que precisam ser adotados:

• a zona de lodo deve ser prevista com volume para acúmulo de no mínimo
10 dias de operação;
• a velocidade linear nos vertedores deve ser inferior a 2,5 L/s.m; e
• a velocidade nos elementos não deve exceder 0,15 m/h.

Outro critério muito importante a ser adotado é a distância entre os


dispositivos de entrada e saída, para garantir que não ocorram perturbações no
fluxo que prejudiquem o desempenho do decantador. A teoria envolvida é um
tanto complexa, porém existe um critério normalmente adotado que simplifica o
cálculo.

• A partir da determinação dos vertedores, e dependendo das razões


geométrica, chega-se em uma distância na horizontal entre os vertedores
ou tubos de coleta, LV.
• Deve-se garantir que HU e HL > 0,5 LV.

Figura 11 – Diagrama esquemático das distâncias do início das lamelas em


relação à zona de acúmulo de lodo (HL), do fim das lamelas até o NA (HU) e
entre vertedores (LV)

26 26
Com estes conceitos, você já possui as ferramentas necessárias para
dimensionar os sistemas de separação de sólidos por decantação em ETAs.
Agora, como último tópico, vamos conhecer uma forma ainda mais avançada
para realizar a separação de sólidos, que é muito útil no caso de locais onde há
grande presença de algas ou onde a velocidade terminal é baixa. É a flotação
por ar dissolvido.

TEMA 5 – FLOTAÇÃO POR AR DISSOLVIDO

Aprendemos nos tópicos anteriores como funciona o processo de


sedimentação dos flocos, ou a decantação da água. A Figura 5, em especial, nos
mostra as principais forças em ação, e a trajetória prevista para uma partícula
em um processo de sedimentação. Conhecemos também o conceito de
velocidade terminal. Vimos no projeto de decantadores que a sua área é definida
de acordo com a velocidade terminal de sedimentação dos flocos obtidos na
ETA. Então, quanto menor esta velocidade, maior será a área de decantação
necessária ou, ainda, em outras palavras, mais dificultoso é este processo.
Como mostram Di Bernardo e Di Bernardo (2005), em captações sujeitas
a florescimento de algas, o que é bem característico de barragens, é comum a
necessidade de pré-cloração para melhorar a qualidade dos flocos, mas esta é
uma prática com um risco grande na formação de trihalometanos, e por isso tem
sido abandonada ou usada com muita cautela. Nestes locais, a flotação é muito
útil, pois não exige um floco denso para que tenha seu funcionamento, já que a
separação é induzida pelo empuxo.
Voltando para a Figura 5, se conseguirmos aumentar a força de empuxo,
conseguiremos levar a partícula para superfície, e isso é possível com a
utilização de microbolhas de ar que aderem à superfície das partículas e as
“empurram” para a parte superior. Este processo é chamado de flotação por ar
dissolvido. Aqui iremos apresentar a tecnologia mais utilizada, que é a de
saturação com ar pressurizado em uma vazão de recirculação do efluente.

5.1 Funcionamento de um sistema de flotação por ar dissolvido

O sistema de flotação clássico, que funciona com a saturação com ar de


uma parcela do efluente, está apresentado na Figura 12. O afluente é
direcionado para o fundo do tanque, onde se encontra com a água saturada.

27 27
Esta água é parte do efluente que é recirculada com utilização de bombas e
introduzida em um tanque de saturação, onde fica em contato com ar sobre uma
pressão controlada, causando uma supersaturação. Quando esta água é
liberada em pressão quase atmosférica, perde boa parte do ar dissolvido na
forma de microbolhas que aderem ao conjunto do floco.

Figura 12 – Diagrama esquemático de um sistema de flotação com seção


retangular em planta

Essa massa de flocos, agora com ar incorporado, passa a ter uma


densidade reduzida pela presença das bolhas de ar:

𝑉𝑎𝑟 𝜌𝑠𝑎𝑟 + 𝑉𝑠 𝜌𝑠
𝜌𝑠𝑎𝑟 =
𝑉𝑎𝑟 + 𝑉𝑠

Onde

• ρsar = massa específica dos flocos com bolhas de ar incorporado (g/L);


• ρar = massa específica do ar (g/L);
• ρs = massa específica dos flocos (g/L);
• Var = volume de ar (L); e
• Vs = volume de sólidos.

Assim, quanto maior a quantidade de ar incorporado, menor a densidade


do conjunto floco+ar e maior a sua flotação. Essa relação, muito importante no
dimensionamento destes sistemas, é chamada de relação Ar-Sólido, ou relação
A/S:
28 28
𝐴 1,3 𝑎𝑠 (𝑓𝑃𝑎𝑏𝑠 − 1)𝑅
=
𝑆 𝑆𝑠 𝑄

Onde:

• as = solubilidade do ar na pressão do tanque de saturação (mL/L);


• f = fator de eficiência do sistema de saturação (%);
• Pabs = pressão absoluta no tanque de saturação (bar);
• SS = concentração de Sólidos Suspensos no afluente (mg/L);
• Q = vazão de tratamento (L/s); e
• R = razão de recirculação (%).

Para águas com SS maior ou igual a 200 mg/L, recomenda-se manter uma
relação de 0,15 g de ar/g de SST. Já para concentrações inferiores, é importante
manter no mínimo uma vazão de recirculação de 15% para possibilitar uma boa
distribuição, o que geralmente já garante o atendimento à razão A/S.
Este floco, agora com menor densidade, flota então para a camada
superior, e então precisa ser retirada por meio de um sistema de raspagem,
geralmente mecânico. A Figura 13 mostra um flotador visto de cima, onde a
principal unidade possível de ser vista é justamente o raspador mecânico e suas
pás.
Embaixo deste lodo existe a zona de clarificação, importante para garantir
que os fluxos não causem perturbação na zona superior e leve os flocos a serem
carregados para as zonas inferiores. Ao mesmo tempo, não pode ser muito
grande a ponto de manter o lodo por um tempo muito elevado na camada
superior, pois as bolhas de ar tendem a escaparem dos flocos após
determinados intervalos de tempo.
Usualmente, a tomada de fluxo é realizada na região inferior do flotador,
e seu nível é mantido por um vertedor na saída, que não possui critério de
dimensionamento a não ser o controle hidráulico.

29 29
Figura 13 – Flotador por ar dissolvido visto por cima

Créditos: Vladimir Mulder/Shutterstock.

Conhecendo o funcionamento de um sistema de flotação por ar dissolvido,


precisamos então agora saber como garantir que tudo ocorra como previsto.

5.2 Parâmetros de projeto

O sistema de flotação por ar dissolvido ainda não possuía uma aplicação


confiável em 1992, motivo pelo qual não foi incorporado à NBR 12.216:1992.
Porém, é certo que em uma ocasião de revisão este sistema passará a constar.
Entretanto, não possuímos critérios de Norma para se basear o projeto, e iremos
trabalhar então com números usuais que se apresentam na literatura.
Os cuidados que devem ser realizados são sempre os seguintes:

• Em relação à câmara de floculação:


o Comprimento/Profundidade < 4 (para garantir que o lodo flotado fique
pouco tempo na câmara);
o Tamanho usual: 3 metros de profundidade, 12 m de comprimento.
o TAH = 150 a 300 m³/m².d (considerando a recirculação):

𝑄(1 + 𝑅)
𝑇𝐴𝐻 =
𝐴𝐻

30 30
o Tempo de detenção: entre 5 e 30 min (não pode exceder os 30 minutos)
• Em relação ao raspador:
o Velocidade das pás < 1 m/min (para não quebrar o lodo flotado);
o Rotação: < 1 rpm;
o Recomendada a instalação de tubulação de jateamento com jatos para
3 a 5 m/s nos lados da câmara para remover o lodo flotado que adere
às paredes (Di Bernardo; Di Bernardo, 2005).
• Em relação à água saturada:
o Velocidade nos orifícios de distribuição: 15 a 25 m/s;
o Velocidade nas tubulações de distribuição: entre 3 e 7 m/s;
o TAH na câmara de saturação: entre 700 e 1200 m³/m².dia;
o Tempo de detenção: entre 1,5 a 3,0 min;
o Altura do recheio: entre 0,6 e 0,9 m;
o Recirculação: de 15 a 30%;
o Pressão de trabalho no tanque de saturação: 4 a 7 bar.

FINALIZANDO

Finalizamos nossa etapa! Vamos relembrar os principais tópicos que


abordamos.

• A coagulação precisa de uma etapa posterior para aglomeração das


partículas coaguladas, que é o processo de floculação.
• O objetivo de uma boa floculação é que a maioria das partículas esta atinja
um diâmetro mínimo, que chamamos de diâmetro crítico, acima do qual
as partículas se tornam sedimentáveis.
• Um bom projeto de floculação depende de garantir a otimização do
gradiente de mistura, do tempo de detenção e do número de câmaras.
• A floculação pode ser mecânica ou hidráulica, sendo que a floculação
hidráulica geralmente produz flocos melhores, porém apresenta pouca
flexibilidade.
• A separação das partículas da água é geralmente realizada por
decantação, onde a gravidade é a força motriz, sendo que as partículas
sedimentam e a água decanta.

31 31
• A sedimentação das partículas pode ocorrer por quatro processos
diferentes, dependendo do efeito que as partículas exercem entre si,
sendo que em ETAs o mais comum é a sedimentação floculenta (Tipo 2).
• Durante a sedimentação, em algum momento, ocorre uma velocidade
descensional para a qual o arrasto se equilibra com o peso da partícula e
a velocidade então não mais se altera, que é chamada velocidade
terminal.
• O projeto do decantador deve garantir que a Taxa de Aplicação Hidráulica
na sua zona de sedimentação seja inferior à velocidade terminal.
• Além disso, deve garantir que a zona de entrada, a zona de acúmulo de
lodo e a zona de saída estejam adequadamente dimensionadas para que
não perturbem o processo de sedimentação.
• A partir de 1970, pelo modelo desenvolvido por Yao, surgiram os
decantadores tubulares ou lamelares, que hoje chamamos de alta taxa,
com os quais é possível obter a mesma eficiência de sedimentação com
áreas de 3 a 4 vezes menores.
• É possível também realizar a separação das partículas por meio do
processo de Flotação por Ar Dissolvido, o qual pode trabalhar com Taxas
ainda maiores que o processo de decantação acelerada.

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REFERÊNCIAS

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 12.211/1992: Estudo


de concepção de sistemas públicos de abastecimento de água – Procedimento.
1992.
_____. NBR 12.216/1992: Projeto de estação de tratamento de água para
abastecimento público. 1992.
AZEVEDO NETTO, J. M.; FERNANDEZ, M. F. Manual de Hidráulica. 9. ed. São
Paulo: Edgard Blucher, 2018.
BRASIL. Portaria de Consolidação n. 05, de 28 de setembro de 2017.
Ministério da Saúde, Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 03
out 2017.
COSTA, A. G. Curso de Especialização a Distância em Elaboração e
Gerenciamento de Projetos para a Gestão Municipal de Recursos Hídricos.
Sistemas de abastecimento de água - MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE -
Agência Nacional das Águas - Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Ceará – Fortaleza – 2015.
DI BERNARDO, L.; DI BERNARDO, A. Métodos e Técnicas de Tratamento de
Água. 2. Ed. São Carlos: RiMa, 2005.
ENEXIO. TUBEdek® Lamellas for Efficient Sedimentation Processes.
Revisão 11-06, Enexio, Wettringen, Alemanha, 2021.
FERREIRA FILHO, S. S. Tratamento de água: concepção, projeto e operação
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HOWE, K. J. et al. Princípios do Tratamento de Água. Revisão Técnica Elvis
Carissini. São Paulo: Cengage, 2016.
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em: <https://www.arandanet.com.br/revista/hydro/guia/222-Equipamentos-
mecanicos-para-ETAs-e-ETEs>. Acesso em: 20 maio 2022.
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Curitiba: InterSaberes, 2021.
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atualizada. São Paulo: Edgard Blucher, 1991.
VIANNA, M. R. Hidráulica aplicada às Estações de Tratamento de Água. 5.
ed. Nova Lima: Imprimatur, 2014.

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