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Aula 1: Reatores Ideais

Prof. Gabriel de Castro Fonseca (DQBIO/UFSJ)


Projeto de Biorreatores

Contextualização

Qual é o objetivo desta Como engenheiros e engenheiras de bioprocessos,


disciplina? vocês vão lidar com o o projeto, operação, otimização
e controle de processos físicos, químicos e biológicos.
Mas o que é, afinal, um processo?

Processos são transformações. São fenômeno nos


quais ocorre alguma alteração nas variáveis que
descrevem um sistema, como temperatura, pressão,
densidade e composição. Os processos geralmente são
classificados como físicos ou químicos.
• processos físicos: são aqueles em que se altera
as propriedades, mas não a composição da ma-
téria. Exemplos: aquecimento, mudança de fase,
mistura, separação.

• processos químicos: são aqueles em que além das


propriedades, se altera a composição da matéria.
Exemplos: combustão, corrosão, além de inúme-
ras reações conduzidas na indústria.
Os processos químicos podem ainda ser chamados de
processos bioquímicos ou bioprocessos quando eles
são intermediados por células vivas ou componentes
dessas células, como enzimas, proteínas, anticorpos,
etc. Existem também inúmeros exemplos de bioproces-
sos tanto naturais quanto industriais.

Observe que o que caracteriza tanto os processos


químicos quanto os bioquímicos é a ocorrência de rea-
ções. As reações ocorrem em instrumentos chamados
reatores, ambientes controlados nos quais é possível
manipular as condições ambientais visando aumentar
o rendimento e a velocidade de uma reação desejada.

Na disciplina de Cinética e Cálculo de Biorreatores


vocês aprenderam sobre os reatores e biorreatores
ideais e isotérmicos, isto é, com condições de mistura
e escoamento perfeitos e idealizados e sem mudanças
de temperatura.

Projeto de Biorreatores trata os biorreatores de


forma mais aprofundada, examinando como desvios
na idealidade afetam esses equipamentos. É uma
disciplina que sintetiza os conceitos de várias outras
disciplinas, principalmente Cinética, Mecânica dos
Fluidos, Transferência de Calor e Massa e Operações
Unitárias, entre outras. Conforme sejam necessários,
os conceitos importantes dessas disciplinas serão
revisados a seu tempo. Hoje, revisaremos os reatores
ideais.

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Reatores ideais

O que é um reator ideal? Existem três tipos de reatores considerados ideais:


1. O reator batelada de mistura perfeita,
2. O reator contínuo de mistura perfeita;
3. O reator contínuo de fluxo pistonado.

Os dois primeiros tipos de reator consistem de tanques


nos quais a composição do fluido contido em seu
interior é uniforme em qualquer ponto do espaço. A
diferença é que no reator batelada essa composição
varia no tempo, enquanto que no reator contínuo ela é
constante no tempo.

O terceiro reator tem geometria tubular e a com-


posição do fluido em seu interior é constante no tempo,
mas não é uniforme no espaço. A velocidade de esco-
amento do fluido, no entanto, é a mesma em qualquer
ponto.

Voltaremos a discutir esses reatores mais adiante.


O inconveniente de se estudar reatores ideais é que
nem sempre eles se parecem muito com reatores reais.
A vantagem de se trabalhar com modelos idealizados
é que eles são mais fáceis de compreender e projetar.
Além disso, os reatores ideais representam o melhor
desempenho possível para um reator, de modo que ao
projetar reatores reais os engenheiros e engenheiras
procuram torná-los tão próximos de sua versão ideali-
zada quanto possível.

Como nosso estudo se restringirá aos reatores ideais,


por simplicidade chamaremos o reator batelada de
mistura perfeita simplesmente de reator batelada.
O reator contínuo de mistura perfeita será chamado
de reator de mistura ou CSTR, como é conhecido em
inglês (continuos stirred tank reactor, reator contínuo
de tanque agitado). Finalmente, o reator de fluxo
pistonado será chamado de reator tubular ou PFR
(plug flow reactor, reator de fluxo pistonado).

Resumo

Reatores ideais Há três tipos de reatores ideais: o reator batelada, no


qual a composição é uniforme no espaço, mas não no
tempo; o reator de mistura, em que a composição é uni-
forme no espaço e no tempo; e o reator tubular, onde a
velocidade do fluido é uniforme no espaço e no tempo.

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Como fazer os balanços No ambiente industrial, concentrações (CA ) e vazões
materiais em reatores ide- volumétricas (v) são relativamente simples de medir
ais? em comparação a vazões ou frações em base mássica
ou molar. Além disso, o objetivo final de uma reação
química industrial é obter a máxima conversão (XA )
possível de um reagente em produto, e isso costuma
ser alcançado calculando o volume operacional (V )
apropriado para o reator. Por esse motivo, os balanços
materiais em reatores costumam ser escritos em
função dessas variáveis de processo. É recomendável
tomar como referência para a conversão o componente
limitante, que convencionaremos representar pelo
índice A.

Aplicando-se a Equação Geral de Balanço e assumindo-


se um processo a densidade constante, o que frequen-
temente é válido em bioprocessos,

Acumula = Entra − Sai + Reage (1)

dnA
= FA0 − FA + rA V
dt
dCA V
= v0 CA0 − vCA + rA V (2)
dt
A Equação (2) ainda não está pronta para uso, te-
ríamos, por exemplo, que escrevê-la em termos da
conversão. Essas substituições deixariam a equação
muito grande, de modo que faremos isso aos poucos,
conforme forem feitas outras simplificações, quando
realizarmos os balanços materiais para os reatores
ideais.

Como já assumimos que a densidade da solução é


constante pode-se simplificar o balanço de massa total
fazendo
dρV
= ρv0 − ρv
dt
dV
= v0 − v (3)
dt
Portanto pode-se escrever a Equação (2) como

dCA
V + CA (v0 − v) = v0 CA0 − vCA + rA V
dt
dCA v0
= (CA0 − CA ) + rA
dt V
dXA v0 r
− = XA + A (4)
dt V CA0
Ao aplicar o balanço material aos reatores ideais, algu-
mas simplificações são evidentes, como eliminar os ter-
mos relativos a vazões de entradas e saídas no reator
batelada e os termos de acúmulo nos reatores contí-
nuos.

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O reator batelada

Que equações descrevem Em um reator batelada (ou descontínuo) não há entrada


um reator batelada ideal? e nem saída de material durante a reação. Isso significa
que o balanço molar para um componente A em uma re-
ação que ocorre a volume constante (como geralmente
é o caso em bioprocessos) pode ser representado por

−rA dXA
= (5)
CA0 dt

Na forma integral teríamos


Z XA
dx
t = −CA0 (6)
0 rA

A variável mais importante no projeto de um reator


batelada é o tempo, que indica a duração exigida da
reação para se atingir a conversão desejada.

Como exemplo, vamos assumir que a velocidade


dessa reação (a volume constante) é conhecida e tem
cinética de primeira ordem (rA = −k1 CA ). Nesse caso,
podemos calcular a conversão do reagente A como
Z X
dx
t = −CA0
0 −k1 CA0 (1 − x)
Z X
dx
k1 t =
0 1−x
Z X
d(1 − x)
−k1 t =
0 1−x
−k1 t = ln(1 − X) − 
ln(1)


X = 1 − e−k1 t

O reator de mistura

Que equações descrevem No reator de mistura ideal não há acúmulo de matéria,


um reator de mistura? de forma que pode ser representado pela equação
rA v
− = 0X (7)
CA0 V A
Essa questão também costuma ser escrita em termos
do tempo espacial, τ = vV
0

V CA0 CA0 XA
τ= = (8)
FA0 −rA

Onde XA e rA são medidos nas condições de saída do


reator, que são iguais às condições internas do reator.

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Figura 1: Reator contínuo de fluxo pistonado.

Figura 2: Balanço de massa em um reator tubular.

O reator tubular

O que é o reator contínuo O reator contínuo de escoamento pistonado consiste


de fluxo pistonado? de um tubo muito longo através do qual um fluido escoa
à mesma velocidade em qualquer ponto do seu interior.

Em reatores reais, o escoamento de um fluido no


interior de um tubo pode ser de três tipos: laminar,
turbulento e intermediário. O escoamento laminar
ocorre a baixas velocidades, quando a influência
das forças viscosas sobre o escoamento do fluido
são significativas. O escoamento turbulento ocorre
a altas velocidades, quando as forças viscosas são
insignificantes e o escoamento intermediário ocorre a
velocidades intermediárias.

No regime laminar de escoamento, a velocidade


de escoamento do fluido é menor nas proximdades
da parede do tubo e maior no centro, formando um
perfil parabólico. Conforme o escoamento se torna
mais turbulento, esse perfil de velocidade fica mais
achatado. O escoamento pistonado, considerado o
regime de escoamento ideal em um reator, é alcançado
no limite quando o nível de turbulência no fluido tende
a infinito (Figura 1).

Na prática um escoamento pistonado não existe,


pois isso exigiria um fluido desprovido de viscosidade,
mas é uma boa aproximação para o escoamento
turbulento.

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Que equações descrevem Diferentemente do reator de mistura, no qual a reação
um reator tubular? química ocorre imediatamente tão logo o reagente
entra em contato com o fluido no interior do tanque, no
reator tubular o reagente reage aos poucos, conforme
atravessa o comprimento do tubo.

Como a composição do fluido varia ao longo do


comprimento, é pouco útil fazer um balanço material
no reator como um todo, considerando apenas as
vazões molares de reagente na entrada e na saída.

Um volume de controle mais apropriado para com-


preender como a concentração de reagente varia no
interior do tubo é um elemento diferencial de volume
em forma de disco na direção perpendicular ao escoa-
mento do fluido (Figura 2).

Considerando a operação do reator ideal em estado


estacionário,

Acumula = Entra − Sai + Reage


((( (
(

Seja z a dimensão que representa a posição do ele-


mento de volume no tubo, FA (z) seria a vazão molar
de reagente A na entrada do elemento. A vazão mo-
lar do reagente na saída do elemento de volume seria
FA (z + ∆z) e a taxa de reação de A em [mol/tempo] se-
ria rA ∆V = rA S∆z, se S for a área do disco. Substituindo
esses termos no balanço,

0 = FA (z) − FA (z + ∆z) + rA S∆z


1 FA (z + ∆z) − FA (z)
rA = +
S ∆z
Tomando o limite quando ∆z → 0,

1 dFA dFA
rA = =
S dz dV
dXA
rA = −FA0 (9)
dV
CA0 V
Em termos do tempo de residência (τ = FA0 ) e para
qualquer valor de A )
Z XA
dx
τ = CA0 (10)
0 −rA

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Como os biorreatores se Observe que a Equação (1), a equação de projeto do
comparam? reator tubular, é idêntica à Equação (5), que descreve o
reator de mistura em batelada. A única diferença é que
uma é escrita em termos do tempo espacial τ e a outra
em termos do tempo t.

Esse semelhança não é uma coincidência e de-


corre do fato de que em reator de fluxo pistonado
não há mistura entre “fatias” de fluido em diferentes
pontos do espaço assim como no reator batelada não
há mistura entre fluidos em diferentes momentos do
tempo. Por exemplo, uma partícula que está há vinte
e quatro horas no interior de um reator pistonado não
se mistura com uma partícula que está há 23 h no
reator, pois todas as partículas no tubo estão à mesma
velocidade e a primeira tem uma vantagem de uma
hora. Da mesma forma, uma partícula que está há vinte
e quatro horas em um reator batelada (um sistema
fechado!) bem misturado não pode se misturar com
uma que está há 23 h no reator, a menos que essa
partícula seja capaz de voltar no tempo.

O reator do tipo tanque de mistura contínua, por


outro lado, propicia mistura entre partículas que pas-
saram diferentes intervalos de tempo no interior do
sistema, e por isso sua equação de projeto é diferente
das demais.

Bibliografia
[1] P.M. Doran. (2013). Bioprocess Engineering Principles. Academic Press. 2a ed., Capítulo 12.
[2] H.S. Fogler. (2006). Elementos de Engenharia das Reações Químicas. LTC, 4a ed., Capítulos 3 e 4.

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