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-Pela feição, há algo errado.

- Me assustei quando Lucas surgiu por de trás de mim, que lia um livro
sentada no jardim.

Ri soprado.

-Nada fora dos conformes. -respondi fechando o livro para encarar o príncipe, que continuava em pé
atrás, com as mãos nas costas. -O que te traz aqui?

-Sabe, - ele começou, sua feição entregando sua brincadeira. -Quando se está passando pela janela e
uma menina solitária é avistada, é comum que fiquemos curiosos.

-É claro. -ri em resposta. Meus pés se esticaram, deixando a mostra para o sol o salto cravejado que
usava. Me espreguicei, aproveitando a luz quentinha que seus raios esbanjavam. Depois de um
tempo, a sensação de que estava sendo observada me tomou, e virei novamente para Lucas, pegando
o príncipe com um sorrisinho no rosto.

-Está ocupado?- perguntei. Quem sabe ele teria uma ideia do que fazer, visto que todas as minhas
tinham se esgotado.

O príncipe respirou fundo, sentando ao meu lado no banco.

-Um pouco. Tenho algumas reuniões, e vários relatórios para preencher após o termino delas. É
capaz de não conseguir jantar com vocês hoje. -ele apertava levemente uma das mãos, um claro sinal
de nervosismo.

Nunca tinha visto o príncipe nervoso antes, ele sempre transmitia calma e muita autoconfiança.
Embora eu já tivesse presenciado momentos que comprovam o contrario.

-Não que vá fazer muita diferença para nós. -empurrei seu ombro, na tentativa de amenizar a
situação. Ele sorriu, se deixando ser levado.

-Qual a razão da pergunta? Há algo que gostaria de fazer e que eu possa ajudar?- neguei para em
seguida o sorriso do príncipe fosse de acolhedor para malicioso.- Então você só queria sair comigo
mesmo, é isto que está dizendo senhorita Singer?

Revirei os olhos. Lucas era mesmo irritante.

-Ora, cale a boca Lucas!

O príncipe soltou uma risada escandalosa, daquelas que são boas de se ouvir e jogou o corpo para
trás, aparentemente satisfeito por ter me deixado envergonhada.

-Você fica tão vermelha quando a elogio que é difícil acreditar que é a mesma pessoa que faz pouco
caso de todas as barreiras que esse lugar tem.

-Ei!- protestei. -Não faço pouco caso. Até acho algumas regras interessantes, só não as respeito.

Era engraçado o jeito que eu falava abertamente sobre quebrar regras com o príncipe, na própria casa
dele, mesmo sendo ele quem normalmente as ditaria.

Mais engraçado ainda era ver o jeito com que ele aceitava minhas constantes violações.

Lucas levantou a cabeça, inclinando-a para o céu e suspirou. Parecia cansado.


E então, subitamente se levantou, parecendo completamente bem. Ajeitou o terno bem passado e
bateu as mãos nas pernas, a fim de tirar alguma poeira que houvesse ficado ali.

-Eu realmente preciso ir. -concordei com um sorriso. -Sugiro que procure algo que goste de fazer,
tem vários lugares do castelo que tenho a impressão que você gostaria de conhecer.

Dito isso, Lucas se aproximou como se estivesse indo embora, mas parou para deixar um beijo casto
em meus cabelos e então se abaixar, sussurrando algo em meu ouvido.

-Se quiser ir á casa na árvore, sabe onde encontrar. -foi o que disse antes de ir.

Sorri com meus pensamentos. Será que tenho a confiança dele desta maneira, a ponto de deixar um
segredo íntimo de família em minhas mãos?

O dia passou depressa. Fui para o quarto logo após o jantar, enquanto as outras ficaram no Salão das
mulheres ou na biblioteca. Não as vi quando voltaram para seus aposentos, já estava dormindo.

Logo pela manhã Silvia nos entregou um relatório que precisaríamos ler antes da aula,
aparentemente iriamos usar ele como base para algum novo ensinamento.

Estava preocupada. Como dito, o príncipe não apareceu no restante do dia, tampouco se juntou a nós
para comer.

Creio que todas estavam pensando o mesmo, mas meus pensamentos iam um pouco além disso.

Foi quando vi despontar entre o vão da escadaria uma mecha de cabelo, aparentemente um cachinho
rebelde que aos poucos foi dando forma a uma cabeleira quase dourada pelo sol que entrava no
castelo, e talvez um pouco bagunçada para seus padrões.

O príncipe então surgiu, afrouxando a gravata apertada enquanto as mangas de sua camisa estavam
praticamente emboladas até a altura do cotovelo, como se tivesse as levantado com pressa.

Nunca havia visto ele assim. O visual desleixado o fazia parecer mais jovem, mais comum. Não
parecia o príncipe de Illéa ali, apenas um garoto comum voltando do trabalho.

Sorri quando ele parou de virar o pescoço na tentativa de faze-lo parar de doer e veio em minha
direção.

-Parece que não sou eu quem está com relatórios hoje. -disse assim que pôs os olhos no papel em
minha mão, seu tom com um ar brincalhão.

-Por sorte você não é uma selecionada. Se safou. -brinquei. Ele riu e então suspirou, sentando ao
meu lado no banco.

-Como foi ontem por aqui?- disse por fim.

Respirei fundo procurando mentalmente algo que fosse interessante em contar.

-Bem. As meninas notaram sua falta, óbvio. Mas nada além disso. Silvia nos carregou de conteúdos
também, não estávamos com cabeça para isso.

-Quer dizer que vocês não têm tempo para sentir minha falta?- perguntou. Sorri em resposta.

-Exatamente, vossa Alteza.


Lucas riu, e então, na tentativa de reprimir um bocejo, levou a mão a boca.

Percebi pela maneira que seus olhos se fecharam ao piscar que estava exausto.

-E você? Como passou ontem? Não te vi desde aquela hora.

-Não consegui descer, desculpe. -balancei a cabeça, indicando que estava tudo bem.

Ponderei se deveria dizer que era óbvio sua exaustão. Ele era o príncipe, por mais gentil que seja,
poderia se chatear se ouvisse algo assim? Afinal, se não descansou, certamente havia motivos.

Mas minha curiosidade falava mais alto. Ele não teria dormido a noite? O que passou fazendo então?
Estava sendo muito invasiva?

Bom, só há uma maneira de saber.

-Sem querer ser rude, mas seu rosto exala cansaço. -disse, chamando sua atenção. O príncipe se
virou em minha direção. –Não descansou?- perguntei olhando em seus olhos.

Ele suspirou, parecendo pensar no que diria. Por fim, aparentou se render ao que era a verdade.

-Não consegui dormir direito esta noite, por mais que remexesse. Se dormi cerca de trinta minutos,
foi muito. –Respirei fundo. Não queria ficar cobrando o príncipe, não tinha nem posição para fazer,
mas, se não dissesse, quem diria? Com certeza Lucas escondia da rainha a falta de sono.

-Hum... - resmunguei.- Quer que eu invente uma desculpa que te faça ficar na enfermaria por duas
ou três horas? Ninguém vai desconfiar. -brinquei, arrancando uma risada suave por parte do
príncipe.

-Bem que eu gostaria, mas não vi nenhuma de vocês ontem. Certamente tenho que encontra-las hoje.

Suspirei encarando Lucas. Se não o conhecesse, diria que por vezes estava cansado da Seleção. E
mesmo o conhecendo, em momentos como esse, esta opinião ainda passava por minha mente.

Ainda assim, o príncipe precisava dormir. Portanto respirei fundo, não acreditava que iria fazer
aquilo novamente.

-Bem... – comecei. -Sua amiga ou não, ainda faço parte da Seleção. Se encontrar comigo também é
uma obrigação sua. –Lucas apertou os olhos ao me encarar, perguntando com o olhar o que eu queria
dizer.

-Estou dizendo que é só continuar comigo. Você estará em um encontro com uma das selecionadas,
e neste meio tempo, descanse. Ninguém vai saber que ao invés de conversar, você dormiu. Afinal de
contas, o que acontece em um encontro, fica em um encontro – sorri, orgulhosa de minha ideia.
Lucas virou o rosto, pela expressão estava ponderando a questão.

Por fim, disse;

-Não acho correto fazer coisas divertidas com as outras, e com você descansar ou me queixar. Por
mais que sejamos amigos, se torna tedioso, não?

Sorri. Era bonita a forma em que se preocupava.

-Aposto que nenhuma das outras sabem do que eu sei. – foi quase que uma pergunta. Ele sorriu
cumplice, respondendo silenciosamente que não. –Então, ainda estou em vantagens.
O príncipe sorriu novamente, satisfeito com minha resposta. Me levantei do banco e estendi a mão,
esperando pela dele.

-E além do mais, você está muito bagunçado para encontra-las. – brinquei, mas pela sua expressão
Lucas levou a sério quando levou desesperadamente as mãos ao cabelo, parecendo se lembrar só
agora que estava com a camisa amassada e o cabelo bagunçado.

Ri com sua tentativa falha de ajeitar os fios rebeldes.

-Pare!- disse aos risos, colocando minha mão sobre a dele que tentava abaixar um dos cachos. O
príncipe levantou o olhar, me encarando como se perguntasse a razão do meu ato. –Você fica ainda
mais bonito assim. – disse, por fim.

Lucas abaixou as mãos e sorriu, um sorriso que antes era surpreso passou em poucos segundos para
convencido.

-É, não é como se eu conseguisse ficar feio.- disse se levantando. Arqueei as sobrancelhas,
desacreditada. O príncipe passou sua mão pela minha e nos guiou até a escada.

Observei a maneira como seus cachos ainda dourados pelo sol que atravessava a janela se
movimentavam a maneira que ele andava, como se agradecessem por estarem soltos.

Lucas, agora, parecia de fato não se importar com a aparência desleixada enquanto nos guiava até
meu quarto. Soube que íamos para lá assim que viramos a esquerda após a escadaria, e não seguimos
pelo longo corredor que seria o caminho para o quarto dele.

Como se estivesse em casa, e de fato estava, o príncipe abriu a porta e entrou primeiro, dando um
giro leve e se jogando na cama logo em seguida, suspirando alto.

-Ainda não acredito que me deixou fazer isso.

Sorri me sentando no banco ao lado da cama.

-Não é como se eu precisasse deixar você fazer alguma coisa. –retruquei. –Na verdade, é quase que
ao contrário.

Ele riu, se acomodando nos travesseiros. Ao olhar para mim percebi novamente aquele brilho em
seus olhos escuros, e poderia jurar que era necessário apenas mais alguns segundos para me perder
neles.

Novamente lembrei de Bruna, de suas palavras que em momentos como esse me atingiam como um
raio.

Eu tinha mesmo tanta certeza dos meus sentimentos?

Se sim, por que não consigo responder essas perguntas que rodeiam minha mente?

Não percebi que Lucas também me encarava, sem dizer uma palavra. Pela sua expressão poderia
jurar que estava pensando a mesma coisa que eu, mas era impossível.

Quando se deu conta que eu já havia saído de meus devaneios, o príncipe se ajeitou mais ainda no
travesseiro e me olhou, seus olhos parecendo de um cãozinho abandonado, pronto para pedir algo.

-Canta de novo?
E sem perceber, me perdi novamente em seu olhar. Se me concentrasse, era capaz de ver
constelações em seus pequenos olhos. Era como se tivesse um céu estrelado bem a minha frente,
único e privadamente para mim.

O príncipe me encarava da mesma forma, mas parecia ter deixado a couraça de lado. Não parecia
haver mais sono, cansaço, quarto, paredes.

Parecia que estávamos em um cubículo como uma tela em branco, apenas nós dois, e o que
aconteceria depois dependeria de como iriamos decidir pintar esta tela.

Lucas parecia precisar da minha presença, e eu tampouco percebi que estava na mesma dependência.

Quando tudo estava desmoronando, era para seus braços que corria. Quando estava feliz, também
era lá que queria me encontrar. As coisas começavam a fazer sentido, ao mesmo tempo em que se
tornavam ainda mais bagunçadas.

Elevei minha voz, até tentando, mas falhando na tentativa de me desprender do olhar do príncipe.

“Sou um bobo sonhador e um pouco apaixonado, que vi o anjo do amor e ele andava do seu lado.”

“E sempre que eu quiser te encontrar, mesmo se houver distância, é só no Paraíso tocar, que meu
coração vai te alcançar.”

O príncipe ainda me encarava, parecendo divagar entre a canção e meu rosto.

A voz de Bruna ecoou novamente pela minha cabeça. Eu tinha mesmo certeza do que estava
sentindo?

Olhando para Lucas, para sua pureza e gentileza, conseguia facilmente enxergar o príncipe de Illéa.
Não só no titulo, mas também em suas ações.

E então, parecendo sair de seu transe pessoal, o príncipe respirou fundo e se ajeitou ainda mais no
travesseiro, fechando os olhos. Mas não parecia ter fechado para que pudesse dormir, e sim para que
aquele momento não acabasse.

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