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Batidas ecoaram na porta.

Eram elas. Tinha certeza.

Passei as mãos no cabelo enquanto verificava no espelho se havia algo fora do lugar.

Havia passado o resto da tarde pensando em uma resposta boa para as perguntas que fariam.

Ou pensando em quais fariam. Mas fora tudo em vão.

Assim que ouvi as batidas, meu coração acelerou e tudo aquilo que havia planejado foi por
água abaixo.

-Sim?

-Precisamos conversar. - avisou Bruna, já entrando no quarto. Acabei por me assustar com
seu comportamento brusco. Talvez por já estar se acostumando sem ele.- Gabriele e Gaby
estão vindo também.- completou se sentando na ponta da cama.

-Ok!- respirei fundo, pensando se deixava a porta aberta para elas, ou se fechava e
aguardava sentada junto a morena.

Bruna me encarava fulminante. Tinha a sensação de que se me concentrasse, conseguiria


sentir a queimação em minha lateral.

Por sorte, não tive tempo para tais coisas. As meninas vieram caminhando logo em seguida.

-Oi. - cumprimentaram enquanto passavam por mim. Fechei a porta, afim de não chamar
atenção de curiosos que passariam pelo corredor.

Já acomodadas, as três se olharam, decidindo quem começaria a dizer. Por fim, foi Gaby
mesmo. Quem eu já imaginava.

-E então, como você está?- não pude disfarçar minha surpresa. Esperava qualquer tipo de
pergunta, menos essa. Na minha cabeça, elas ainda estavam muito bravas. Mas deixei isso
de lado. Se elas queriam paz, eu também queria.

-Bem. - suspirei.- E vocês?

-Bem também, na medida do possível. Quer dizer, ainda estamos quebrando a cabeça
naquele relatório que Sonia mandou. - sorri. Ainda éramos parecidas. - Se ser princesa
significa ter que assinar e resolver relatórios todo dia, eu estou fora. - ri. Elas ainda
pensavam como eu.

Eu estava pensando em responder, e continuar com o clima agradável que estava se


formando. Mas Bruna tossiu antes, lembrando as outras o que realmente foram fazer ali.

-Bom, nós queremos conversar. E sério. - anunciou.


-Muito bem!- respirei fundo, soltando as mãos e deixando-as cair sobre a perna. -Podem
falar.

Bruna respirou fundo. Parecia pensar nas palavras que usaria.

-Você sabe do que viemos tratar. - dessa vez quem respirou fundo foi eu.

-Na verdade, não. - respondi. - Não faço a mínima ideia do que vieram conversar.

Bruna riu.

-Ora!- sua voz estava repleta de sarcasmo. - Faça-me o favor! Você sabe muito bem do que
queremos falar.

-Não, Bruna. Não sei. - a garota me encarou, a ponto de explodir. - Vocês sumiram. Se
afastaram sem quaisquer razões. Então, não. Eu não sei sobre o que querem conversar.

-Sem razões não!-discordou.

-Sem razões sim! Para mim, se afastar por um garoto, não é uma razão plausível. - rebati.

A morena suspirou, impressionada com meu vocabulário que mudara.

-Pouco importa. A questão agora é que já estávamos conversadas. Você disse que não
queria nada com ele!- acusou.

-E continuo não querendo. O príncipe é meu amigo. Nada além disso.

-Então o que foi aquela cena hoje no Salão Principal?- perguntou. Bruna parecia furiosa só
em lembrar de mim e do príncipe de mãos dadas na porta do grande salão.

-Bom!- comecei, pensando em uma desculpa que não revelasse o segredo da casinha de
Lucas. Se ele havia sido tão sigiloso, deveria ser algo muito restrito e intimo. Como um
segredo da família. E não seria eu quem estragaria aquilo. -Nós apenas decidimos ir ao
jardim, mas no meio do passeio começou a chover. Só isso!

Bruna me encarou como se isso fosse uma piada. E até mesmo Gabriele, que nada havia
falado até agora, lançou-me seu olhar cético, se encostando na poltrona perto da janela.

-Eu estou falando serio.

-E você quer mesmo que acreditemos? Você chegou de mãos dadas com ele, e ainda o
beijou! Como isso é ser amizade?

-Oras! É uma amizade. - dei de ombros. - Na verdade, eu não sei nem porquê estou tentando
me justificar. Vocês podem acreditar no que bem entender, eu não devo satisfações a
ninguém daqui. -elas me encararam surpresas. Com certeza não esperavam por essa
resposta.

-O que foi?- perguntei, já irritada com toda aquela situação. -Vocês acham que eu não sei
que Gabriele beijou o príncipe?- perguntei. A garota arregalou os olhos, assustada diante do
segredo exposto. Enquanto as outras se viraram para encarar a amiga.
-Como...-ela parecia sem palavras.- Como você sabe disso?

-As paredes desse castelo tem ouvidos.

-Ele te contou, não foi?-perguntou irritada.

-Ele te contou?- gritou Bruna, desacreditada. -Mas que tipo de amizade é essa?- berrou. -Ele
te conta tudo?

-Olha, não necessariamente o príncipe precisa contar para descobrirem quem o beijou. -elas
me encaram assustadas. Talvez repassaram na mente todos seus segredos com Lucas, e a
possibilidade deles já não serem mais tão secretos assim.

-Não é possível!- exclamou Gabriele. - Eu não havia contado a ninguém!- reclamou,


tentando repassar na mente se havia falado disso para alguém, ou não.

-Vocês esquecem que somos em vinte e d...-me lembrei que elas ainda não sabiam do corte,
e com certeza descobrir que eu sei, as deixaria mais irritadas ainda.- Vinte e oito garotas?-
relembrei.

-Estão todas andando, passeando e se instalando pelo palácio a toda hora. Se quiserem que
seus segredos e encontros com o príncipe continuem tão íntimos assim, deveriam se
certificar melhor de que estão em um local seguro, e sem ninguém. -as três me olharam,
seus rostos incapazes de demonstrar tamanha surpresa com minhas respostas.

-O que... O que aconteceu com você?- Bruna perguntou, em choque.

-Eu?- ri. O tom recheado de sarcasmo, como ela tinha feito na primeira vez. Elas me
encaravam, esperando por uma resposta sobre meu comportamento tão brusco. -Fui deixada
pelas minhas melhores amigas. -um clima até desnecessário pairou sobre o ar. Eu podia ver
o peso caindo sobre suas costas. Não era isso que eu queria, mas se isso fizesse elas
repensarem seu ato, não me arrependeria.

-Nós não te deixamos. - dessa vez o riso veio por si só. Estava furiosa. Como elas tinham
coragem de fazer o que fizeram, e depois negar assim, na cara dura?

-Ah, não!- mais uma vez o riso veio. Dessa vez, repleto de decepção, amargura, e uma
tristeza profunda. Eu podia ver em seus olhos o arrependimento. -Vocês me abandonaram
por completo! Sabem quantos dias eu fiquei sozinha vagando pelo castelo, pois onde
entrava vocês estavam, e eu sabia que se ficasse, iria ficar um clima pesado. Sabem quantos
dias eu comi sozinha em meu quarto, pois não queria entrar no Salão, dar de cara com vocês
e lembrar que não queriam mais me ver?

Elas abaixaram a cabeça. Pareciam arrependidas, mas eu sabia que não estavam.

-Nós sabemos. -começou Gabriele.- Sempre ficávamos te observando. Quando faltava ao


café, nós ficávamos preocupadas. Nós nunca te abandonamos, Milly. Estavamos longe, mas
estávamos nos certificando que você estava bem!
-Bem? Que eu estava bem?- meu tom era cortante. -Até um guarda percebeu que bem, era a
ultima coisa que eu estava. E vocês nem se deram ao trabalho de procurar saber direito!- as
palavras eram jogadas como se fossem apenas papeis, ou objetos sem importância.

Eu sabia que estava doendo nelas ouvir tudo isso. Mas eu precisava desabafar, e fora elas
quem havia pedido.

De repente, Bruna se levantou raivosa.

-Não inverta os papeis. Você sabe que a errada aqui foi você.

-Eu?-levantei também. -Eu sou a errada?- gritei. -Eu sou errada por ser amiga de um
garoto? Por querer apenas isso? Por não querer competir, e deixar mais uma chance para
quem realmente quer? Eu sou errada por isso?

-Você sabe que não é só isso!- gritou de volta. -No fundo, até você sabe que não é apenas
amiga dele. -tudo ficou em silencio por alguns instantes. Apenas eu e Bruna se olhando.

Eu queria desmoronar, mas estava com raiva demais para isso.

Todas as feridas que a falta delas fizeram, estavam se fechando. Mas, de repente, tudo abriu
novamente. A vontade de ir embora, a certeza de que eu não deveria estar ali. Tudo voltou.
Os dias em recuperação, as tentativas de provar que eu estava fazendo o bem ficando ali.
Fora tudo em vão.

-Não. -respondi, o tom seco e áspero. -Eu não sei.- completei. -Se o príncipe acha algo
diferente do que eu penso, eu não sei. – ela me encarou, furiosa com a possibilidade de que
Lucas sentisse algo. -Mas pelo menos da minha parte, não há nada mais que isso. -engoli
em seco, guardando as palavras em meu coração, para me certificar de que não as mudaria
depois.

Ela abriu e fechou a boca, pensando em contestar. Mas, aparentemente, as palavras não
vinham.

-E mesmo que eu sentisse... - continuei.- Vocês sabem que eu não iria continuar. Ainda
mais por saber que vocês querem ele. Eu não entraria em conflito com minhas amigas,
apenas por um garoto, que eu tenho certeza que não me quer. -elas abaixaram a cabeça.
Poderia parecer que eu estava me gabando, mas não. Elas sabiam que seria assim mesmo,
caso acontecesse.

-Vocês sabem que eu deixaria tudo, daria um jeito de ir embora, e até me magoaria! Mas
não trairia vocês.

As palavras doíam. Era como se, quando repetisse elas em voz alta, elas se tornassem mais
fortes, e nos atingisse como um soco no estomago. Inesperado, doloroso.

Respirei fundo. Precisava me recompor.


-Agora, se era só sobre isso que vieram conversar, podem ir. Já falamos tudo que tínhamos
para falar. -abri a porta. Elas se levantaram, caladas. Talvez com o peso sobre seus ombros,
e por um momento eu me senti culpada por ter os colocado ali.

Gabriele foi a ultima. Direcionou um olhar triste para mim, e eu, sem perceber, retribui.

Eu sabia que ela queria largar tudo aquilo e me abraçar ali mesmo. Mas nossos orgulhos não
deixavam. Eles eram como uma barreira, que nos impedia.

Com a porta fechada, me encostei nela, abraçando minhas pernas na falha tentativa de me
proteger.

Parecia que havia levado um tiro. Meu coração ardia, juntamente com as lagrimas solitárias
que desciam minha bochecha.

-Droga. -murmurei. Não queria chorar.

Pensei em chamar minhas criadas. Ou correr para Lucas, talvez ele pudesse me entender, ou
pelo menos me consolar.

Mas desisti em seguida. Nenhuma dessas opções eram viáveis no momento.

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