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lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

MORTE,
ARTE FÚNEBRE
E PATRIMÔNIO
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem
RUBENS DE ANDRADE
GUILHERME ARAUJO DE FIGUEIREDO
MAURO DILLMANN
(ORGS.)
2
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

A669 Morte, arte fúnebre e patrimônio: lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem/Organizadores:
Rubens de Andrade, Guilherme Araujo de Figueiredo, Mauro Dillmann – Rio de Janeiro: Paisagens Hibridas:
Escola de Belas Artes: UFRJ, 2020.
317 p. : il.; 14 x 21 cm.
Inclui Bibliografia e índice
ISBN 978-65-87833-00-2

1. MORTE 2. PAISAGEM 3.PATRIMÔNIO 4. ARTE 5. PAISAGENS HIBRIDAS I. Escola de Belas Artes –


Universidade do Federal do Rio de Janeiro II. Andrade, Rubens de III. Figueiredo, Guilherme Araujo de IV.
Dillmann, Mauro.
CDD 930.1
CDU 902

Universidade Federal do Rio de Janeiro | UFRJ COMITÊ CIENTÍFICO


Centro de Letras e Artes | CLA Profa. Dra. Aline Zim (UCDF)
Escola de Belas Artes | EBA
Grupo de Pesquisas Paisagens Híbridas | GPPH-EBA/UFRJ Prof. Dr. Carlos Terra (EBA-UFRJ)
Profa. Dra. Jane Santucci (EBA-UFRJ)
Reitora
Profa. Dra. Denise Pires de Carvalho Prof. Dr. Paulo Afonso Rheingantz (PROARQ-FAU/UFRJ)
Vice-Reitor Prof. Dr. Pedro Mergulhão (EAU-UNIFAP)
Prof. Dr. Carlos Frederico Leão Rocha Profa. Dra. Vera Tângari (PROARQ-FAU/UFRJ)
Decana do Centro de Letras e Artes
Profa. Dra. Cristina Trajan
Diretora da Escola de Belas Artes
Profa. Dra. Madalena Grimaldi
Vice-Diretor
Prof. Dr. Hugo Borges Backx

PROJETO EDITORIAL GRUPO DE PESQUISA | GPPH-EBA/UFRJ


Grupo de Pesquisas Paisagens Híbridas
Todos os direitos desta edição são reservados aos Autores
(GPPH-EBA/UFRJ)
e a editora Paisagens Híbridas. Nenhuma parte desta
REVISÃO DE TEXTOS obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer
Guilherme Araujo de Figueiredo e Mauro Dillmann forma e/ou quaisquer meios (eletrônicos ou mecânicos,
incluindo fotocópias e gravação) ou arquivada em
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
qualquer sistema de banco de dados sem permissão
Rubens de Andrade escrita dos autores e do editor.
FICHA CATALOGRÁFICA
Grupo de Pesquisa Paisagens Híbridas | EBA/UFRJ
Nara Ferreira Oliveira
Escola de Belas Artes | EBA/UFRJ
REVISÃO DOS ORIGINAIS: https://paisagenshibridas.eba.ufrj.br/
Guilherme Araujo de Figueiredo e Mauro Dillmann paisagenshibridas@gmail.com

https://atelierdencadernac.wixsite.com/pheditoraeatelier
editorapaisagenshibridas@gmail.com
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lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

MORTE,
ARTE FÚNEBRE
E PATRIMÔNIO
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem
RUBENS DE ANDRADE
GUILHERME ARAUJO DE FIGUEIREDO
MAURO DILLMANN
(ORGS.)

RIO DE JANEIRO
2020
1a. EDIÇÃO
4
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

SUMÁRIO
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lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

7 Prefácio
MARIA ANTÓNIA LOPES
APRESENTAÇÃO
Lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem
16
RUBENS DE ANDRADE, GUILHERME ARAUJO DE FIGUEIREDO
MAURO DILLMANN

PROTOCOLOS DO LUTO: O SILÊNCIO, O JUGO DOS RITUAIS,O


MAL ESTAR E A MEMÓRIA

A cultura da Belém da Belle époque e a estética da morte de Carlos Gomes


24
GERALDO MÁRTIRES COELHO
Morte e diplomacia no Contestado
44 VIVIANI POYER
Uma “solenidade sem precedentes” nos funerais de Tavares Bastos, em 1876
58 CLAUDIA RODRIGUES
Disputas em torno da Batalha do Irani (1912-2017): sobre mortes,
76 enterramentos e memória.
MÁRCIA JANETE ESPIG | GABRIEL KUNRATH

PATRIMÔNIO CEMITERIAL, LITERATURA E ARQUEOLOGIA


SOB O SIGNO DA FINITUDE HUMANA
Música ao túmulo: iconografia de instrumentos musicais em cemitérios dos
104 tempos modernos (Séculos XIX – XX)
FÁBIO VERGARA CERQUEIRA
Memorias y lenguajes del más allá: el cementerio como lugar antropológico
140 JENNY GONZÁLEZ MUÑOZ

Materialidades e simbolismos fúnebres: corpos e enxovais para os mortos


154 JACKELINE DE MACEDO

Imagens da morte em Notturno de Gabriele D’Annunzio


184
FABIANO DELLA BONNA
6
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

NECROPOLÍTICA, ARTE E OS LUGARES FÚNEBRES NA


CONTEMPORANEIDADE
Poética da história e imaginário da morte: sobre os fundamentos éticos da escrita a
206 partir de Paul Ricoeur
DOUGLAS ATTILA MARCELINO
O homem sem resto e a resistência ambivalente
224
MONAH WINOGRAD
Sacropolítica: sobre a teologia da mortalidade desumana
236 ALEXANDRE MARQUES CABRAL
O nome insepulto: da paisagem pós-justiça ao transfeminismo ético
256
IVALDO GONÇALVES DE LIMA
O cadáver como documento jurídico e os lugares que o abrigam
274 GUILHERME ARAUJO DE FIGUEIREDO
Ausências e necropolíticas: narrativas sobre morte na arte contemporânea
288 ALDONES NINO

311 ÍNDICE REMISSIVO

313 AUTORES
317 AGRADECIMENTOS
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lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

PREFÁCIO
8
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO
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lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

EIS QUE NUM TEMPO DE PANDEMIA E EXTINÇÃO SÚBITA


de milhares de vidas por todo o mundo, num tempo marcado pela
perplexidade e perturbação face à impotência das mais avançadas
sociedades diante da Grande Ceifeira, surge este livro que nos interpela
sobre a “morte, arte fúnebre e patrimônio” como “lugares de memória,
simbolismo e documentos post mortem”.
As atitudes perante a morte – a própria e a dos outros – e as
manifestações materiais e mentais que produziram, há muito que
entraram no campo da Historiografia e, dentro desta, nas disciplinas
da História Social, das Mentalidades, da Cultura, da Demografia, da
Religião, da Vida Privada, da Cultura Material, etc. O tema tem sido
também explorado por outros saberes como a Arqueologia, a História
da Arte, a Arquitetura, a Urbanística, a Paisagística, a Geografia, a
Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, a Museologia, a Musicologia,
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MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

a Filmologia, a Criminologia..., já para não falar da Teologia, da


Filosofia, da Literatura, do Direito, da Medicina. É, portanto, um
objeto multidisciplinar por excelência e que por tal razão reclama
abordagens holísticas.
Esta obra é um eloquente testemunho disso mesmo. Organizada
por uma equipa multidisciplinar constituída por Rubens de Andrade,
Guilherme Araujo de Figueiredo e Mauro Dillmann – respetivamente
um paisagista, um arquiteto e urbanista e um historiador –, conseguiu
romper com os confinamentos disciplinares, reunindo textos
trabalhados nas perspetivas da História, História da Arte, Arqueologia,
Antropologia, Filosofia, Psicologia, Geografia, Musicologia,
Literatura, Filosofia, Teologia, Teoria do Poder e Crítica Feminista em
casos de estudo que percorrem cronologias que vão da Antiguidade ao
presente em espaços sul-americanos e europeus.
Nela também reencontramos as reflexões fecundas de Michel
Foucault, Pierre Bourdieu, Paul Ricoeur, Pierre Nora, Michel de
Certeau, Emmanuel Lévinas que há tantos anos nos acompanham a
todos. E como gostei de me refascinar com a pujança e a subtileza
do pensamento francês!, agora tão subalternizado em prol de um
deslumbramento (acrítico com frequência) pelo que nos chega do
espaço anglo-americano. É, portanto, um livro rico e diversificado,
que nos vai abrindo perspetivas inesperadas à medida que avançamos
na sua leitura. E outras possibilidades ficam, naturalmente, em aberto.
Os próprios organizadores e autores deste livro já pesquisaram mais
vertentes e com certeza que o farão no futuro, como esperamos.
Dentro da área da História, proponho, pela minha parte, dois campos
a explorar.
Em 2011 publiquei uma investigação sobre a intimidade, as
crenças e os ritos privados e públicos dos portugueses entre 1820 e
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lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

1950 nos atos de nascer, casar, professar e morrer (As grandes datas
da existência: momentos privados e rituais públicos). Mais tarde,
depois de ter pesquisado as mulheres portuguesas condenadas à morte
(Mulheres condenadas à morte em Portugal: de 1693 à abolição da
pena última, 2015), a abolição da pena de morte em Portugal (Pena de
morte em Portugal: impacto nas mulheres e abolição/The death penalty
in Portugal: impact on women and abolition, 2017) e usufruído das
reflexões dos historiadores italianos Adriano Prosperi (Misericordie:
conversioni sotto il patibolo tra Medioevo ed età moderna, 2007;
Delitto e perdono. La pena di morte nell’orizzonte mentale dell’Europa
cristiana, XIV-XVIII secolo, 2013) e Giuseppe Marcocci (La salvezza dei
condannati a morte. Giustizia, conversioni e sacramenti in Portogallo
e nel suo impero, 1450-1700, 2007), acrescentei às indagações de 2011
as práticas e o profundo simbolismo religioso das execuções de pena de
morte em Portugal (Agonia, morte, funeral e luto em Portugal do século
XIX, 2019).
As execuções de pena última segundo o direito português eram, na
verdade, autos religiosos (autos da fé, no significado original e correto
da expressão), porque no patíbulo se desenrolava uma encenação da
metamorfose do criminoso em pecador perdoado e a execução da pena
passava a ser, sobretudo, um ritual religioso: o rito de passagem de
uma alma que sai do corpo rumo à eternidade da salvação, um rito
de pacificação coletivo e, em última análise, a legitimação religiosa
da pena de morte. Eis um campo de investigação que creio requerer
maiores aprofundamentos.
Ouso ainda instigar os investigadores para um outro campo
de análise: a forma como os humanos viveram e vivem a morte dos
animais que lhes foram próximos. Porque essas mortes geravam e
geram lutos, cujas expressões podiam e podem ser manifestas ou
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MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

veladas, por não estarem socialmente aceites. Ora, sendo a experiência


humana o objeto de todas as ciências humanas e sociais, não há
fundamentação epistemológica para a ocultação das consequências
da morte dos bichos de estimação nas vidas das mulheres e homens
que as experienciaram no passado; e, ainda menos, nas sociedades
ocidentais do mundo de hoje, cada vez mais atentas ao bem-estar
animal e à importância da sua presença junto das pessoas e das
relações afetivas que se desenvolvem entre elas e os animais de
companhia.
“Nada do que é humano me é alheio”, diz-nos Terêncio. E
desta frase cintilante que nos chega da lonjura de dois mil anos me
sirvo sempre para explicar aos alunos que tudo o que respeita ao
passado humano pode e deve ser objeto da investigação histórica.
Que aqueles que nos precederam foram mulheres e homens, crianças,
adultos e velhos, cultos e ignorantes, heróis e vilões, poderosos
e indigentes. Por isso lhes digo também que não há História de
primeira e História de segunda quanto ao campo de análise. Porque
tudo o que é humano é importante e não há hierarquia de valor
científico entre os estudos das ideias e das técnicas, da geopolítica
e da vida privada, dos estadistas e dos pobres, das rainhas e das
escravas ou da tessitura das relações dos humanos com os vivos, os
mortos, a divindade, os espíritos malfazejos, os animais, o ambiente
natural ou humanizado.
É profundamente humano, e portanto passível de pesquisa,
este sofrimento de Paulino António Cabral (1719-1789), o abade de
Jazente, que o ousou expressar em poema publicado no século XVIII:
Pastor um tempo, e agora pegureiro,
Vivo o mais infeliz deste montado,
Sem Pátria, sem cabana, e sem mais gado,
Que as feras que me cercam neste outeiro.
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lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

Tudo o mais me roubou o derradeiro


Dia em que fui feliz: que o duro fado
Até por me deixar mais desgraçado,
A vida me arrancou do meu rafeiro.

Ele por toda a parte me assistia,


E com tanta lealdade que comigo
Se acaso eu fosse à morte, à morte iria.

A fome, a sede, a calma, o desabrigo


Só por me não deixar, fiel sofria:
Eu perdi nele o mais leal Amigo”.

Ou num outro soneto que começa com um grito de dor: “Morreu


o meu Mondego!”. E o abade que amava os seus cachorros esquece a
doutrina que ensinava, desejando ao seu pobre cão: “repousa em paz”.
Acreditaria (ou teria esperança), sem ser capaz de o confessar, na vida
além da morte do amigo bicho?
Este tipo de composição literária, tendo como tema a morte do
animal de companhia, só reaparecerá em Portugal na 2.ª metade do
século XIX. Todavia, não são em geral textos confessionais (ou, pelo
menos, não o assumem), mas sim sobre o amor entre uma personagem
e um animal. Em muitos autores aflora a inquietação do seu destino
após a morte. Na vasta obra de Camilo Castelo Branco (1825-1890),
as relações entre humanos e animais primam pela ausência. Contudo,
eis o que escreve em Coisas espantosas (1862):
Miserável orgulho do homem! [...] É assim formado
este barro, que ergue a cabeça para o céu e diz que o
seu destino é lá. Será, será: eu desisto de questionar o
destino de cada um; oferece-me, porém, cuidar que o céu
tem outros objetos, incomparavelmente mais grandiosos
que o homem, com que se adornar; por exemplo: o cão,
não só o cão que lambeu as chagas de S. Francisco, mas
todo e qualquer cão que vos segue e ama e agradece o
bocado de pão, até morrer por vós, se lambe morta a mão
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MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

que lho dava. Se o céu estivesse a concurso, o opositor


que eu mais temia era decerto o cão.

A asserção de que os animais (ou pelo menos alguns) tinham


mais coração do que muitos homens é comum a muitos autores. Como
aceitar, assim, o dogma da sua extinção com a vida terrena, contraposta
à eternidade humana tão pouco merecida? Um Deus bom que se
enternece e recompensa a generosidade iria negar-lhes a sobrevivência
do espírito? Na literatura oitocentista portuguesa encontramos outros
exemplos desta inquietação, nem sempre expressamente formulada.
Veja-se um trecho deste belíssimo poema de Guerra Junqueiro (1850-
1923):
Ó mistério sagrado da existência,
Só hoje te adivinho,
Ao ver que a alma tem a mesma essência
Pela dor, pelo amor, pela inocência,
Quer guarde um berço, quer proteja um ninho!
Só hoje sei que em toda a criatura,
Desde a mais bela até à mais impura,
Ou numa pomba ou numa fera brava
Deus habita, Deus sonha, Deus murmura!.

E termino com a evocação do conto “O enterro de um cão”, de


Francisco Teixeira de Queirós (1848-1919), sobre a dor de um pobre
coveiro, o Coruja, pela morte do seu cão, o Coisa, a quem fez o que para
ele era inquestionável: um enterro digno e ritualizado. “Dominado por
esta ideia generosa, foi dali à igreja, buscar a sua enxada de coveiro,
que costumava ter guardada por detrás do altar-mor! Era para abrir a
cova ao Coisa. Na sacristia, revestia-se, para dizer missa, o padre José
Pitança” que lhe perguntou:
– Quem diabo morreu, ó Cruja?
– O meu cão – respondeu com brevidade.
– E para que levas tu a enxada?
– Para lhe fazer um enterro.
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lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

O sacerdote teve uma gargalhada bulhenta de caçador.


O coveiro, ofendido, respondeu-lhe com orgulho:
– Olhe que nem eu nem você somos melhores que ele.
Merece-o mais que muitos fidalgos”.

Maria Antónia Lopes


Universidade de Coimbra (Portugal), junho de 2020.
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MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

APRESENTAÇÃO
Lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem
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lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

Homenzinhos miseráveis, loucos,


insensatos, não vedes que sois mortais? Não
vedes que haveis de acabar amanhã? Não
vedes que vos hão de meter debaixo de uma
sepultura, e que de tudo quanto andais afanando
e adquirindo, não haveis de lograr mais que
sete pés de terra? Que doidice, e que cegueira
é logo a nossa? (...) morremos como mortais
que somos, e vivemos como se fôramos imortais.
Padre Antônio Vieira

A OBRA MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO:


lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem reúne
catorze textos de pesquisadores brasileiros de diversas áreas do
conhecimento, sendo resultado direto de dois seminários promovidos
pelo Grupo de Pesquisa/CNPq Paisagens Híbridas (GPPH-EBA/
UFRJ) em parceria com o Laboratório de Ensino de História da
Universidade Federal de Pelotas (LEH/UFPEL) e o Grupo de Estudos
de Arquitetura Cemiterial vinculado à Escola de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (GEAC-EAU/UFF).
O primeiro, Morte, Arte Fúnebre e Patrimônio: memória,
simbolismo, imaginário, ocorrido em Pelotas na Universidade Federal
de Pelotas - UFPEL em outubro de 2018 e o segundo com título Morte,
Arte Fúnebre e Patrimônio: interlocuções, lugares e documentos post
mortem, ocorrido na Casa da Ciência da Universidade Federal do Rio
de Janeiro com o apoio da Escola de Belas Artes da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (EBA-UFRJ) em novembro de 2019.
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MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

A publicação apresenta um conjunto de reflexões em torno


da natureza e do conhecimento humano no que diz respeito à morte
e seus efeitos sociais, aos ritos, às práticas culturais dos cuidados
dados aos mortos, à certificação do cadáver como documento e às
paisagens constituídas com base nas particularidades culturais, nos
fatos do universo físico e metafísico no âmbito da finitude humana e
nas interpretações que os diferentes campos do saber científico podem
atribuir aos modos de expressar e sentir a morte em diferentes tempos,
espaços e culturas.
Nosso interesse com a organização dos dois primeiros seminários
e com a composição desta coletânea foi o de aprofundar os debates
sobre o tema e colocar em perspectiva diferentes dinâmicas histórico-
culturais que produzem sentidos sobre a morte; estes sentidos, ao
longo do tempo e em diferentes culturas, podem – ou não – fazer da
morte um fenômeno entendido e apresentado como incógnita, racional
ou espiritual, tal como a leitura dos textos dessa coletânea permite
compreender.
Os dogmas e as práticas religiosas, enquanto elementos culturais,
contribuem para a configuração de formas artísticas variadas – entre
elas, a literatura, as esculturas cemiteriais e outros tantos elementos que
podem ser nomeados entre as diferentes categorias de patrimônio – que
evocam determinados sentidos para a morte e o pós-morte. Desse modo,
a produção de visões narrativas, não necessariamente religiosas e não
apenas escritas, que pensam a morte, o morrer e as variáveis vinculadas
à finitude humana, continuam, nos dias atuais, a produzir versões e
representatividades amplamente aceitas nas paisagens urbanas e nos
imaginários sociais.
Nesse sentido, provocamos os autores a partir da consideração
de que, na contemporaneidade, o arco de processos nos quais os
dilemas da morte se insere e se mostra é amplo. Por um lado, incluem-
se os territórios do medo, a disseminação do terror e a intensidade da
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lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

dor, da perda e do sofrimento; por outro, a existência do prazer em


“ver morrer”, em compartilhar imagens da morte, em assumir, por
deleite, a condição de espectador do fim da vida. Diversas paisagens
materializadas no cotidiano urbano remetem à morte e ao morrer.
Destacam-se a atmosfera lúgubre da arquitetura cemiterial, a arte
fúnebre dos sepulcros, as lápides e os cultos in memoriam no dia de
finados, a edificação das casas funerárias e os hospitais preenchidos
de pacientes terminais. Porém, o horizonte subjetivo da morte vem à
cena também nas manifestações artísticas e culturais – artes visuais,
literatura e cinema –, impondo diferentes formas para interpretação do
fim da vida e, paradoxalmente, para celebrar a memória e existência
dos que se foram. Essa arte pode ainda projetar no imaginário coletivo
as reminiscências fúnebres advindas de tragédias, guerras, calamidades
(desastres industriais, fenômenos naturais, pandemias). Pode também
fazer reviver as perdas e dores enfrentadas por determinadas sociedades
que, acionadas no presente, elaboram novas memórias e tributos aos
mortos, recompõem narrativas de passados sensíveis, traumáticos,
promovendo novos estados de luto.
Outro elemento a perpassar a obra está nas problematizações
das diferenças entre o racional e o transcendental. O ser humano,
sabedor de sua finitude, elabora elos entre a realidade baseada
nas leis da Física e suas visões oníricas pautadas em mundos
transcendentes. Desse encontro emergem evidências materiais e
fenomenológicas que habitam o lugar do além túmulo. Em ambos os
processos contidos na esfera do sobrenatural, dos hábitos religiosos,
tradições culturais de diferentes sociedades, materialidades cunhadas
pelo virtuosismo das artes visuais e da arquitetura, sem ignorar a
potência narrativa centrada na literatura e cinematografia, revelam-
se elementos essenciais para interpretar nossas condutas diante
do fim da vida. Em relação ao corpo morto, apesar de presente,
apresenta-se na dimensão do misterioso e do sobrenatural, pois lida
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MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

com o imponderável que ocorre após sua passagem. A condição do


que possa haver após o porvir atesta, entre outras coisas, assombro,
desconforto e insegurança, não apenas relacionada ao destino do
finado como também ao nosso próprio desígnio. Diante disso, o se
desfazer da materialidade orgânica do defunto, o enfrentamento da dor
do luto e o lidar com as suas memórias apontam para uma complexa
cadeia de sentimentos a serem vividas que, necessariamente, não são
facilmente superadas pelos vivos.
A proposta da coletânea amplia o olhar sobre a morte e a arte
fúnebre com diferentes perspectivas, como a ética, a jurídica, a médica
e a psicológica, e também, obviamente, com a sociológica, a histórica,
a antropológica e a artística. Dividimos o livro em três partes. A
primeira, intitulada Protocolos do luto: o silêncio, o jugo dos rituais,
o mal-estar e a memória reúne quatro textos, todos eles escritos por
historiadoras/es, cujas reflexões remetem aos rituais, solenidades e
estéticas em torno do luto, das manifestações de pesar, das disputas de
memórias e de narrativas de outros tempos e de distintos personagens.
Tratam de como são construídas representações que buscam estimular
e garantir o não desaparecimento do sujeito morto e ainda a lembrança
da efemeridade da vida. A segunda parte, Patrimônio cemiterial,
literatura e arqueologia sob o signo da finitude humana, agrega quatro
textos com abordagens arqueológicas, antropológicas e literárias que
lidam com os efeitos culturais e simbólicos das materialidades da morte
– especialmente aquelas contidas nos cemitérios – nas experiências
subjetivas dos corpos e dos sentimentos individuais e coletivos. A
terceira parte da obra, mais heterogênea, interdisciplinar e ampla em
termos conceituais, intitula-se Necropolítica, arte e os lugares fúnebres
na contemporaneidade e reúne textos de historiador, psicanalista,
filósofo, geógrafo, arquiteto e historiador da arte em abordagens de
temas ligados à morte que incluem história, escrita e imaginários,
filosofia política, teologias da mortalidade, paisagens, morte e gênero,
21
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

concepções médicas e de arte contemporânea, pautados nas reflexões


atuais sobre necropolítica e políticas de Estado que definem quem vive
e quem morre.
Cumpre dizer que esta coletânea ganha um amplo leque de acesso
aos temas relativos à morte e ao morrer, de modo que a reunião dessas
várias perspectivas favorece diferentes necessidades teóricas e contribui
para a conjugação de diferentes saberes. Que esta publicação estimule
interesses, oriente novas questões e desperte senso crítico diante da
centralidade da complexidade que o tema morte ocupa nos dias atuais.
Importa ainda destacar o apoio da Escola de Belas Artes, EBA/
UFRJ, Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
Fluminense (EAU/UFF), o Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade Federal de Pelotas (PPGH/UFPEL), Grupo de
Pesquisa História do Paisagismo (GPHP-EBA/UFRJ), Grupo de
Pesquisa Sistema de Espaços Livres vinculado ao Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (SEL-RJ-PROARQ-FAU/
UFRJ) e Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Ciência do
Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ)
Com sinceros desejos de boa leitura,

Rubens Andrade
Guilherme Araujo de Figueiredo
Mauro Dillmann

Junho de 2020.
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lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

PATRIMÔNIO
CEMITERIAL,
LITERATURA E
ARQUEOLOGIA
SOB O SIGNO
DA FINITUDE
HUMANA
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MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

Música ao túmulo: iconografia de instrumentos


musicais em cemitérios dos tempos modernos
(Séculos XIX – XX)1
FÁBIO VERGARA CERQUEIRA

1
Agradeço a amiga, historiadora e orientanda, Elaine Bastianello, que partiu de nosso convívio mas
semeou em mim a paixão pelo patrimônio funerário, permitindo-me identificar essa temática de
pesquisa sobre a recepção da música greco-romana antiga nos cemitérios modernos. Foi através
de Elaine que tomei contato com as primeiras imagens que me revelaram a potencialidade deste
estudo. Agradeço ao CNPq, à CAPES e à Fundação Humboldt pelo suporte financeiro durante
a pesquisa.
105
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

A PRESENÇA DA MÚSICA NA ICONOGRAFIA FUNERÁRIA É UM


tema que já se faz presente na Grécia antiga, onde é um aspecto representativo
para compreensão quer de sentidos da música na Antiguidade, quer de sentidos
da morte. A frequência deste tema pode ser verificada, por exemplo, no século
V a.C., na pintura de vasos áticos de fundo branco (Il. 1), e, no século IV a.C.,
na pintura de vasos italiotas, da Magna Grécia (Il. 2), ou ainda em esculturas
funerárias de Atenas (Il. 3) ou do Sul da Itália (Il. 4), representando Sereias com
uma lyra ou uma cítara. Sabemos que uma Sereia tocando lyra foi colocada
junto à tumba de Sófocles (SUDA, s.v. Σοφοκλέους γένος καὶ βίος, σ 815.15.
HANINK, 2019, p. 239).2
Os sentidos podem oscilar entre, de um lado, uma mística funerária que
cede à música um papel positivo no imaginário da morte e, de outro, referências
2
φασὶ δὲ ὅτι καὶ τῷ μνήματι αὐτοῦ Σειρῆνα ἐπέστησαν, οἱ δὲ Κηληδόνα χαλκῆν. / “Some say that
they put a siren on his tomb, others, a bronze Cheledon”.
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MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

Il. 1: Jovem aproxima-se de tymbos (montículo


tumular) trazendo uma lyra, em gesto de oferenda
ao falecido. O instrumento, oferecido ao morto,
poderia ser o seu instrumento em vida. Lécito
ático de fundo branco. c. 440 a.C. Heidelberg,
Archäologisches Musem der Universität.
Fonte: Fotografia de Fábio Vergara Cerqueira,
2014. Acervo do autor.

Il. 2:
Jovem (morto) no interior do naiskos
(templete funerário), segurando uma cítara
retangular e uma palma. Cratera ápula em
voluta, proveniente de uma tumba em câmera
de Ururi. c. 340-320 a.C. Campobasso,
Museo sannitico di Campobasso.
Fonte: Fotografia de Claude Pouzadoux,
2015. Exposição Sono figlio della terra e del
cielo stellato. Cibo per il corpo cibo per lo
spirito presso i Sanniti”, 14 de fevereiro a 31
de outubro de 2015.

Il. 3:
Escultura funerária de sereia com lyra.
Integrava par de sereias que flanqueavam
o túmulo do cavaleiro Dexileo, morto em
394-393 a.C. Mármore pentélico. Prov.:
Necrópole do Cerâmico, Atenas. 370 a.C.
Atenas, Museu Arqueológico Nacional, inv.
774.
Fonte: Fotografia de Fábio Vergara
Cerqueira, 2019. Acervo do autor.
107
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

Il. 4:
Escultura funerária de sereia pranteadora com cítara
Terracota de Canosa. Século IV a.C.
Madri, Museo Arqueológico Nacional.
Fonte: Fotografia de Fábio Vergara Cerqueira, 2014.Acervo
do autor.

mais concretas ao lugar da música na vida do morto. Estas podem também


evocar idealizações sociais, como referências à educação, que se materializam
visualmente na vinculação entre a representação do morto e de um instrumento
musical (VERGARA CERQUEIRA, 2013; 2020b. DELATTE, 2012.
MARROU, 1964). Em alguns casos, a presença do instrumento pode referir
a algum elemento sonoro dos rituais funerários (VERGARA CERQUEIRA,
2011); em outros, pode ser considerada um indicador de que o falecido tinha a
música como ofício ou hobby (VERGARA CERQUEIRA, 2020b).
A constatação de que existe um amplo repertório iconográfico de
instrumentos musicais representados nas necrópoles modernas, em monumentos
dos séculos XIX e XX, em parte até hoje conservados, e que portanto integram
o chamado patrimônio cemiterial, despertou o interesse deste pesquisador,
estimulando a fazer um levantamento mais abrangente destas ocorrências, haja
vista que estão presentes indistintamente em cemitérios do continente europeu,
de Lisboa a São Petersburgo, e em cemitérios da América Latina, do Rio de
Janeiro a Lima.
Este levantamento, ainda em curso, efetuado em um número razoável
de cemitérios, baseia-se na aplicação de três métodos de busca: na bibliografia,
108
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

basicamente em títulos relativos à arte e/ou patrimônio cemiterial; na internet,


por exemplo em blogs de fotografias,3 em sites oficias de cemitérios4 ou sites de
viagem; na prospecção in loco, por meio de caminhamento sistemático intensivo
em cemitérios. De forma complementar, esta pesquisa se beneficia igualmente
de colaboradores, que repassam informações sobre cemitérios até o momento
não prospectados diretamente pelo pesquisador.
Em nosso levantamento, verificamos que, por vezes, representam-
se instrumentos modernos. Mas, em uma parte bastante expressiva dos
monumentos inventariados, os instrumentos representados, sobretudo no caso
dos cordófonos, consistem em releituras de formas de instrumentos antigos, que
oscilam entre a lira, a cítara e a phorminx (tipo de cítara, de origem homérica,
com base arredondada). Há túmulos em que temos, ao mesmo tempo, a presença
de representações de instrumentos modernos e de instrumentos da Antiguidade,
por vezes representados de forma icônica, como é o caso de pequenas placas
acrescentadas à lápide ou ornatos inseridos num gradil. (Il. 5)
Nossa pesquisa procura interpretar os variados usos e possíveis sentidos
de instrumentos musicais na iconografia cemiterial, seja de instrumentos
modernos ou de instrumentos antigos, com interesse especial pela reflexão
sobre a presença destes últimos. A presença dos instrumentos gregos pode
variar de um simples ícone (Ils. 6a e 6b) a indicar a dedicação do falecido às
letras, até notáveis obras de arte, algumas revelando interpretações modernas
de mitos antigos, arte de viés erudito cujo registro nos apraz valorizar. Exemplo
disso, túmulos com referências na mitologia grega clássica, com significação
relativamente à morte. (Il. 7)
Como pesquisador da música grega antiga e de sua iconografia, esta
investigação se situa no campo dos estudos de Recepção da Antiguidade,
em particular da recepção moderna da música grega antiga, sendo ao mesmo
tempo um estudo sobre o patrimônio cultural cemiterial. Essa presença dos

3
Um exemplo, o Flickr. Disponível: <https://www.flickr.com/>. Acesso: 29.FEV.2020.
4
Dois exemplos importantes são o Find a Grave. World’s largest gravesite collection (desde 1995).
Disponível: <https://www.findagrave.com/>, e o List of Burials of the Tikhvin Cemetery (São
Petersburgo, Rússia). Disponível: <https://cloudpedia.org/list-of-burials-at-tikhvin-cemetery>.
Acesso: 29.FEV.2020.
109
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

Il. 5:
Ornato em forma de lira, no gradil do túmulo de
Felipe Federico Pinglo Alva (1899 – 1936).
“El bardo inmortal”. Poeta, compositor e
violonista peruano. Destacado na música criolla.
Lima, Peru Cementerio Presbítero Maestro. Fonte:
MÁLAGA, 2008, p. 107.

Il. 6a e 6b:
Imagem icônica de cítara grega (6b), afixada
sobre o mármore do túmulo, dedicado a Alba de
Moreira, por seu marido Adherbal Moreira, que
mais tarde se juntou a ela neste sepulcro (6a).
Fonte: Fotografia de Fábio Vergara Cerqueira,
2018. Acervo do autor.
Il. 7:
Monumento à Família
Trevisioli, denominado
Lenda Grega. Orfeu e
Eurídice, 1920.
Escultor Nicola Rollo
(imigrante italiano).
São Paulo, Cemitério da
Consolação.
Fonte: Fotografia de
Elaine Bastianello,
2012. Acervo da
particular.
110
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

instrumentos pode ser observada igualmente em cemitérios da América do Sul e


da Europa (até o momento, nosso levantamento se limitou a países desses dois
continentes).
A forma mais comum e mais conhecida de inserção de instrumentos
musicais em túmulos se dá pela representação da trombeta. O maior modelo
para os anjos trombeteiros da arte funeral é o Anjo da Ressurreição, também
conhecido como Anjo de Monteverde, que ornamenta a monumental tumba da
família Oneto no cemitério de Staglieno, em Gênova, que é uma das obras mais
famosas do escultor Giulio Monteverde (1837-1917). O Anjo de Monteverde
tornou-se um clássico da arte funerária, podendo ser encontrado em diferentes
cemitérios do Brasil, Uruguai e Argentina, como no Rio de Janeiro ou em
Buenos Aires. (Il. 8)

Il. 8:
Anjo de Monteverde. Buenos Aires,
Cementerio Chacarita.
Fonte: Fotografia de Fábio Vergara
Cerqueira, 2018. Acervo do autor.
111
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

Por via de regra, nas mãos de um anjo, a trombeta está emborcada,


valendo como alegoria da morte, visto que sua música não se faz mais ouvir.
Não há aqui remissão a um sentido da música que se relacione à vida do
falecido, nem tampouco a algum sentido da música na concepção do pós-morte.
Contudo, nosso interesse maior, aqui, não está nas figuras de anjos com trombeta,
elementos mais generalizados nos cemitérios, comumente colocados no topo do
monumento. Interessa-nos a presença de instrumentos musicais – principalmente
de corda – com uma forma de associação ao morto ou ao monumento que não
caracterize uma alegoria padrão da morte (como as trombetas emborcadas), mas
que implique uma abordagem mais singular da música ao túmulo, que envolva
algum tipo de significação da música e do instrumento musical, relativamente à
morte ou ao morto.
Em nosso estudo, podemos elencar certos padrões tipológicos de
ocorrência dos instrumentos musicais nos túmulos. Essas tipologias podem ser
classificadas sob diferentes pontos de vista. Consideramos aqui os seguintes
critérios classificatórios:
1) se o instrumento representado é moderno ou antigo;
2) se o instrumento representado é apenas uma placa acrescentada à lápide, ou
se é uma escultura em mármore ou bronze, ou ainda se integra um conjunto
escultórico mais amplo (neste caso, vinculado a uma narrativa visual mais
complexa);
3) se há a combinação entre figuração de instrumento musical moderno e antigo
(e se ocorrem variações nessas combinações incluindo outras referências à
música, como partituras);
4) se o túmulo com representação de instrumento musical apresenta-o no
âmbito de uma narrativa visual mais complexa ou erudita (por exemplo
com referências mitológicas). Na combinação desses fatores, chegamos a
quatro tipologias de ocorrência dos instrumentos musicais nos túmulos, que
apresentamos a seguir.
112
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

CLASSIFICAÇÃO DAS OCORRÊNCIAS DE INSTRUMENTOS


MUSICAIS AO TÚMULO
1. Túmulos com representação de instrumento musical moderno: fazem
referência direta à ocupação musical do falecido homenageado, representando
o instrumento musical tocado por esse ou o instrumento mais associado à
performance de seu repertório musical.

a) Instrumento isolado: como placa ou escultura acrescentada ao monumento,


ou o próprio monumento é um instrumento!

TESTEMUNHO 1
Viola sobre placa de mármore disposta diagonalmente sobre o túmulo. (Il. 9a)
Monumento a Júlia Alves Graciano (1923 – 1984) e Salvador Graciano (1920 –
1996).
Curitiba, Cemitério São Francisco de Paula
“Nhô Belarmino e Nhá Gabriela” compunham uma dupla caipira
popular no Paraná, que atuou até 1980 (Il. 9b). Gravaram onze
LPs, sendo o primeiro em 1953. Seu maior sucesso foi “As
mocinhas da cidade”. A viola, já vandalizada à época da fotografia
publicada por Clarissa Grassi (2014), era símbolo do matutu e da
música caipira de raiz. Hoje, integralmente roubada, apagou-se do
túmulo a viola que simbolizava a música caipira da dupla.

Il. 9a e 9b:
Monumento a Nhô Belarmino e Nhá Gabriela (9a) e
fotografia da dupla caipira (9b)
Curitiba, Cemitério São Francisco de Paula.
Fonte: Acervo de GRASSI, 2014.
113
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

TESTEMUNHO 2
Túmulo na forma do próprio piano, instrumento em que se notabilizou o
falecido. (Il. 10)
Monumento dedicado a Willian Henry “Harry” Thornton (1883-1918).
Londres, Highgate Cemetery (East).
Pianista de concerto e cantor (barítono), tocou para as tropas na Primeira
Grande Guerra Mundial, vindo a falecer em 1918 vítima da Gripe
Espanhola. O fotógrafo John Cox5 relata que as fotografias feitas na
década de 1970 ainda incluíam o tampo do piano, que havia desaparecido
nos registros feitos a partir do final da década de 1990. Em fotos da década
de 1960,6 havia ainda uma placa (de mármore?) representando o músico,
que não aparece mais nas fotos do final da década seguinte. Cox informa
ainda que um novo tampo foi restituído ao monumento, em restauração
parcial concluída em 2013 (não foi reincluída placa representando o
músico), provavelmente em razão de o túmulo de Thornton ser listado
desde 1974 como patrimônio cultural britânico.7 O monumento, segundo
descendentes, teria sido erguido em sua homenagem logo após sua morte,
sendo à época reconhecido por sua originalidade artística. De fato, fazer
do próprio instrumento o monumento funerário é original na arte funerária
moderna, mas não desconhecido da pintura de vasos gregos antigos.8 Ao
lado do piano, foi acrescentada a inscrição Sweet thou art sleeping; cradled
on my heart; safe in god’s keeping; while I must weep apart. (tradução
aproximada de uma ária da ópera Madame Butterfly de Puccini).9

5
Em sua publicação no site Flickr, encontra-se longa discussão sobre o monumento, com diversas
informações e fotografias retiradas em diferentes épocas, inclusive cópia de matéria de jornal
sobre o monumento da época de sua construção.
6
Disponível: <https://www.flickr.com/photos/65211201@N00/3446891222>. Acesso em 10.
NOV. 2019.
7
Britain’s Statutory List of Buildings of Special Architectural or Historical Significance, grade II,
incluído em 14 de maio de 1974.
8
Podemos citar exemplos na pintura de vasos áticos e ápulos: 1) Lécito ático de fundo branco.
Pintor de Sabouroff (ARV2 845/168; Para 423; Add2 296). c. 450 a.C. Berlim, Antikenmuseum,
V.I.3262. Fonte: CVA Berlim 8 (Alemanha 62) pr. 15.1, 4-6. 2) Hydria ápula. Ginosa Group.
Painter of Bari 12061 (II Supl. RVAp p. 279, 40). 350-325 a.C. Sidney, The University of Sidney,
Nicholson Museum, NM98.57. Agradeço à curadora assistente, Candace Richards, pela atenção
nas informações e envio de imagem.
9
Fontes: COX, 2017. Memorial Find a grave, n. 3451. Disponível: <https://pt.findagrave.com/
memorial/3451/william-henry-thornton>, Acesso em 10 nov 2019.
114
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

Il. 10 a e 10b:
Londres, Highgate Cemetery.
Fonte: Fotografia (10a): Anônimo (1962), G. Frangs. Disponível: <https://www.flickr.com/
photos/69389735@N04/6309145841>. Acesso: 10. NOV. 2019.

b) Instrumento nas mãos de pessoa: representa o músico com o instrumento


TESTEMUNHO 3: Teixeirinha com violão. (Il. 11)
Monumento a Vitor Mateus Teixeirinha (1927-1985).
Escultura em bronze representa o músico popular tocando seu violão.
Escultor: Mário Arjonas, filho de André Arjonas, que trabalharam na marmoraria
Casa Aloys.
Porto Alegre, Cemitério da Santa Casa de Misericórdia.
Músico gaúcho, compositor, radialista e diretor de filmes,
conhecido como “Rei do Disco”, pelos seus recordes de venda
à época: sua marca de 190 milhões nunca foi superada. Seu
maior sucesso, “Coração de Luto”, vendeu mais de 25 milhões
de cópias. Reconhecido pela música regionalista gaúcha, um de
seus sucessos foi “Querência Amada”. Em seu túmulo, Arjonas
o representou com seu violão, simbolizando a música popular
que o tornou famoso.
115
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

TESTEMUNHO 4: Túmulo de violista. (Il. 12)


Monumento dedicado a Adolfo Passaro (1894 - 1943).
Lápide em mármore. Relevo representa músico erudito tocando sua viola.
Rio de Janeiro, Cemitério São João Batista.

Il. 12:
Túmulo do violinista Adolfo Passaro. Rio de Janeiro,
Cemitério São João Batista.
Fonte: Fotografia de Fábio Vergara Cerqueira, 2018.
Acervo do autor.
Il. 11:
Túmulo de Teixeirinha. Porto
Alegre, Cemitério da Santa Casa de
Misericórdia.
Fonte: Fotografia de Fábio Vergara
Cerqueira, 2018. Acervo do autor.

2. Túmulos com representação de instrumento musical da Antiguidade greco-


romana: presença de uma lira ou cítara, havendo a representação isolada do
instrumento ou a vinculação do instrumento a um personagem ou cena mais
complexa. Em isolado, como símbolo, pode ser uma placa ou uma escultura em
mármore ou bronze. Mas pode estar nas mãos de um personagem, por via de regra
uma representação feminina, de caráter alegórica, como uma personificação.
Pode indicar o ofício de músico do falecido, fazer uma referência mais ampla
à sua dedicação à arte e cultura (como poeta, ator ou mesmo arquiteto), ou, de
modo ainda mais abrangente, como símbolo de reconhecimento de um elevado
116
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

nível de educação e de uma grande missão social, situação mais presente em


túmulos de Buenos Aires.

a) Placa representando instrumento musical greco-romano: são comuns


plaquinhas representando uma lira estilizada, em túmulos de músicos, inclusive
de músicos populares, como símbolo de sua profissão. Em alguns casos, a lira
pode ser apropriada para alguma outra significação.
TESTEMUNHO 5: Placa sobre lápide com cítara tipo phorminx.(Il. 13)
Placa de bronze sobre lápide de túmulo em gaveta, com cítara (tipo phorminx),
envolta em ramos de louro, sobre um pergaminho da ópera “Sidéria”.
Monumento a Augusto Stresser (1871 – 1918) e Ernestina Stresser (1875 – 1930).
Artista: José Peón, argentino (1889 – 1972).
Curitiba, Cemitério São Francisco de Paula.

Filho de imigrantes alemães, músico erudito, tocava flauta,


flautim, contrabaixo e piano. Foi também poeta, jornalista
e ilustrador. Dedicou-se ainda à ourivesaria, pintura e
desenho. Sua maior realização foi quando compôs a primeira
ópera paranaense, “Sidéria”, com estreia em 1912 no Teatro
Guaíra. Criou o Grêmio Musical Carlos Gomes (GRASSI,
2014).

TESTEMUNHO 6: Placa com lira estilizada no “Túmulo do Dante”. (Il. 14)


Monumento dedicado a Genering (Recife, 1848 - Rio de Janeiro, 1828).
Escultura em bronze representando Dante Alighieri.
Placa em bronze com representação de lira estilizada.
Rio de Janeiro, Cemitério São João Batista
A placa em bronze, com a lira ao centro, contém um inscrição
circular em sua volta com o dizer positivista “AMOR POR
PRINCÍPIO E A ORDEM POR BAZE (sic.). O PROGRESSO
POR FIM”. A lira aqui simboliza os valores centrais da filosofia
e religião positivista, inspirada no pensamento de Augusto
Compte (1798-1857).
b) Instrumento musical como ícone esculpido em relevo: a representação, nestes
casos, pode inclusive fazer parte da ornamentação arquitetônica do próprio
117
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

Il. 13a e 13b:


Placa e túmulo do músico erudito Augusto Stresser.
Curitiba, Cemitério São Francisco de Paula.
Fonte: Fotografia de Cecília Grassi, 2018. Acervo
gentilmente cedido pela autora.

Il. 14a e 14b:


Túmulo do Dante (Monumento a Genering). Placa encravada na pedra, com
lema positivista e, ao centro, ícone em forma de lira estilizada.
Fonte: Fotografia de Fábio Vergara Cerqueira, 2018. Acervo do autor.
118
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

monumento, de modo a conferir ao ornamento um componente simbólico


relacionado ao lugar da música antiga neste imaginário funerário, ou como
referência ao ofício de músico do falecido.
TESTEMUNHO 7: Ornamento em relevo na forma de cítara integrada à
decoração vegetal estilizada do acrotério que encima a lápide. (Il. 15a)
Monumento a Mikhail Glinka (1804 - 1857). (Il. 15b)
São Petersburgo, Cemitério Tikhvin, Montastério Alexander Nevsky
Fonte: List of Burials of the Tikhvin Cemetery.
Precursor da música clássica russa. No corpo da lápide,
em relevo, o busto do compositor. A cítara, esculpida em
relevo, mistura-se com o ornamento vegetal que compõe o
acrotério.

b) Instrumento musical como escultura incorporada ao monumento funerário:


podendo ser em bronze ou mármore, é comum que os escultores coloquem liras
ou cítaras encimando os túmulos.
TESTEMUNHO 8: Escultura ornamental em mármore, em que uma cítara
acrescida ao monumento se impõe entre outros instrumentos musicais. (Il. 16c)
Monumento a Guilherme Cassoul.(Il. 16a e 16b)
Lisboa, Cemitério dos Prazeres.

Escultura em mármore, composta por uma cítara grega,


atravessada por um papiro aberto e com uma coroa de louros
suspensa em seu braço esquerdo. Atrás da cítara, ao fundo, à
esquerda, um pandeiro, ao centro, uma flauta, à direita, uma
syrinx (flauta de Pã).
Violoncelista, compositor e maestro. Em 1885, em sua
homenagem, 47 músicos e alunos criaram a Sociedade
Guilherme Cassoul (mais tarde Conservatório Esperança,
em funcionamento até recentemente em Lisboa). Foi
idealizador, fundador e primeiro Comandante dos
Bombeiros Voluntários de Lisboa, em 1868 (Amaro, 2009,
p. 73 e p. 164). A cítara faz referência a sua dedicação à
música, mas ao mesmo tempo funciona como símbolo do
reconhecimento do seu destaque na vida pública, em razão
de seu papel no desenvolvimento dos bombeiros. Por outro
119
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

lado, a flauta e o pandeiro são instrumentos modernos, que


nos reportam aos instrumentos praticados no Conservatório
Esperança. A flauta de Pã é ambivalente, pois ao mesmo
tempo pode se referir à syrinx grega antiga, ou a um
instrumento moderno do mesmo tipo.

Il. 15a e 15b:


Túmulo de Glinka (15a).
São Petersburgo, Cemitério Tikhvin.
Fonte: Fotografia de Tikhvin Cementery.
Creative Commons CC BY-AS 3.0.

Il. 16a, 16b e 16c:


Monumento a Guilherme
Cassoul. Ornamento escultórico
em que se destaca a forma da
cítara.
Lisboa, Cemitério dos Prazeres.
Fonte: Fotografia de Elaine
Tonini Bastianello, 2013.
120
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

TESTEMUNHO 9: monumento em forma de coluna encimada em seu topo por


uma lira estilizada (Il. 17).
Monumento a Gustav Adolph Iserhard (1848-1895) e Sophie Iserhard, nascida
Niedersberg (1851-1922).
Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul, Cemitério Municipal.
Fonte: Brazilian-German Family Trees (site).
Imigrante alemão, nascido em Düsseldorf, chegou ao Brasil
aos dez anos, com seus pais, radicando-se na Linha Bom
Jesus, Colônia de Vera Cruz, em Santa Cruz do Sul. Casou-
se com a imigrante alemã Sophie Niedersberg, nascida em
Koblenz, com quem teve sete filhos. Foi porteiro e contínuo
da Câmara Municipal. Seu pai, Karl Wilhelm Iserhard (1817-
1878), era músico e professor. Ao chegar no Rio Grande do Sul,
permaneceu em Porto Alegre, onde poderia aproveitar melhor
seus conhecimentos musicais (Centenário, 1952, p. 317-318).
Em decorrência da epidemia do cólera, transferiram-se para o
interior de Santa Cruz do Sul.
Em razão do ornamento em forma de cítara, é possível que o túmulo
tenha sido originalmente erguido para Karl Iserhard (este, apesar de
ter sido enterrado primeiro no Cemitério Evangélico da colônia de
Vera Cruz, foi depois transferido para o Cemitério Municipal na
área urbana), destacando sua profissão de músico. Isto explicaria
a lira no monumento de Gustav, por ter sido enterrado com sua
esposa no túmulo do pai, lembrando que dos filhos que migraram
para o Brasil, ele foi o primeiro a falecer. Outra possível explicação
para a lira é que os filhos tenham aprendido música com o pai, de
modo que, mesmo tendo outros ofícios, tenham em alguma fase da
vida se dedicado também à música.
d) Instrumento musical associado a uma figura humana
TESTEMUNHO 10: Figura feminina com kithara clássica
Monumento a Fiodor Stravinsky (1843-1902). (Il. 18b)
São Petersburgo, Cemitério Tikhvin, Mosteiro de Alexander Nevsky.
Fonte: List of Burials of the Tikhvin Cemetery.
Barítono russo, de origem polonesa, pai do compositor Igor
Stravinsky. A figura feminina com cítara faz pensar nas Musas
com cítara que, inspiradas em modelos antigos trazidos à tona
121
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

pelas Grandes Fouilles e pela onda antiquisante da virada de


século, circularam, na época, nas litogravuras de Gustav Klimt,
da série “Musik” (1901) (Fig. 18c). A diferença é que, enquanto
a Musa de Klimt toca a cítara, a do cemitério de São Petersburgo
parou de tocar, e tem a expressão de sofrimento e dor. Outro
detalhe interessante: enquanto na cítara de Klimt uma fita
está atada na base do braço direito do instrumento, que servia
para ajudar o músico a segurar o instrumento, na cítara de São
Petersburgo o escultor substituiu for uma faixa, que envolve
o instrumento igualmente a partir da base do braço direito, a
qual indica que a cítara está enlutada. Já na Antiguidade, em
alguns casos, o instrumento musical representado em contexto
funerário está enlutado, indicando que a música, a arte, praticada
pelo falecido, igualmente morreu, não mais soará.

Il. 17: Il. 18a, 18b e 18c:


Monumento a Gustav e Monumento a Fiodor Stravinsky.
Sophie Iserhard São Petersburgo, Cemitério Tikhvin.
Santa Cruz do Sul, Rio Fonte: Fotografia Tikhvin Cementery, Creative Commons CC
Grande do Sul, Cemitério BY-AS 3.0.
Municipal.
Fonte: Fotografia de Elaine
Tonini Bastianello, 2012.
122
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

3. Túmulos que combinam a representação de um instrumento musical moderno e de


um instrumento musical da Antiguidade: constitui-se um padrão recorrente essa
combinação entre o Antigo e o Moderno. O instrumento moderno se reporta
diretamente à atividade musical que marcou a vida do falecido, ao passo que
o instrumento musical da Antiguidade tem um papel icônico, funcionando
como um símbolo maior da dedicação à arte da música, ou genericamente às
artes e cultura. Por via de regra, o instrumento musical antigo é de cordas, tipo
lyra ou cítara. Mas podem ocorrer outras combinações, acrescentando notação
musical ou combinando diferentes instrumentos antigos. A combinação entre
instrumento antigo e moderno na iconografia tumular pode ter sido concebida na
elaboração original do túmulo ou pode ser resultado de acréscimos posteriores.
a) Túmulo com instrumento musical moderno e antigo:
TESTEMUNHO 11: Monumento principal inclui figura feminina com lira. Ao
monumento, somam-se inúmeras placas, algumas com lira, mas a maioria com
violão. (Il. 19a, 19b e 19c)
Monumento a Carlos Gardel (1890 – 1935)
Buenos Aires, Cementerio Chacarita.
Escultura: M. de Llana (rubrica).
Fundição: Rabaelli y Gemelli.

Il. 19a, 19b e 19c:


Túmulo de Carlos Gardel. Escultura do cantor, alegoria com cítara e placa com violão.
Fonte: Fotografia de Fábio Vergara Cerqueira, 2018. Acervo do autor.
123
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

Carlos Gardel, Charles Romuald Gardès de nascimento. Maior


cantor de tango da história, nascido em Toulouse, na França (ou,
segundo outra versão, em Tacuarembó, no Uruguai), aos dois
anos chega em Buenos Aires com sua mãe, que trabalhava em
uma lavanderia que prestava serviços para companhias de teatro,
o que lhe colocou em contato com a cena artística. Este ambiente
permitiu que seu talento, já manifesto na infância, alavancasse
uma surpreendente carreira de cantor. Junto com Francisco
Martino, gravou seu primeiro disco aos 22, fez turnê pelo
Uruguai e Brasil aos 25, e cantou um tango pela primeira vez em
1917, “Mi noche triste”, composição de Samuel Castriota e letra
de Pascual Contursi, que foi o primeiro tango a ser gravado.10
Neste ano, faz sua primeira turnê ao Chile, começa a gravar com
a Odeon e atua pela primeira vez no cinema. De aí em diante, faz
sucesso cantando vários tangos e vende seus discos em diversos
países, não somente na América do Sul e Central, mas também
nos Estados Unidos e na Europa. Em 1923 e 1924, apresenta-se
na Espanha, na França, Itália, Alemanha e México. Nessa época,
gravou “La Comparsita”. Em 1934 e 1935, estava no ápice de
sua carreira. Participa de filmes em Nova Iorque, como “Tango
na Broadway”, e grava seus discos nos estúdios da RCA Victor,
uma das principais gravadoras estado-unidenses da época.
Em março, quando apresentava-se na Venezuela e Colômbia,
sofre um acidente de avião em Medellin e morre, aos 45 anos,
interrompendo sua próspera carreira.
Os buenairenses o enterraram no cemitério mais popular, o
Chacarita. O monumento se compunha originalmente de duas
esculturas em bronze: a figura do cantor, em destaque, com
cigarro na mão, e, mais à direita, uma escultura alegórica, de uma
figura feminina, com cabeça abaixada e coberta por um manto,
segurando uma cítara de tipo grego estilizada. Mas a configuração
do monumento se alterou com o passar do tempo. Ao longo dos
anos, foram acrescentadas dezenas de placas em sua homenagem.
Em muitas dessas placas está representado um instrumento:
por via de regra o violão que acompanhava o tango cantado
por Gardel, mas, em algumas placas, representa-se uma lira ou
cítara, como alusão talvez ao caráter universal da sua música,
admirada em todo o mundo. Um exemplo, a placa oferecida pelos
10
Composto originalmente por Castriota para versão instrumental, chamava-se “Lita”. Contursi, ao
ouvir a composição em um café de Buenos Aires, acrescentou a ela a letra, tornando-se o primeiro
tango canção conhecido.
124
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

cantores populares argentinos ao cantor inmortal em junho de


1949, em que se representou Gardel, subindo ao pódio da glória,
empunhando seu violão, adornado com fitas.

TESTEMUNHO 12: músico falecido com seu violão; entre vários elementos,
uma cítara grega estilizada. (Il. 20)
Monumento a Diana e Wright, jazido que acolheu membros da família Diana,
como o músico Alberto Diana Lavalle (1885-1951), em cuja homenagem amigos
e admiradores ofereceram uma placa de bronze.
Buenos Aires, Cementerio Recoleta.
Lápide contém o seguinte epitáfio: Artista de la guitarra e de la amistad/LOS
MARTES BOHEMIOS/en el primer aniversario.
Escultor: O. Stagnaro (rubrica).
Em um túmulo mais antigo, dedicado à família Diana & Wright,
foram enterrados integrantes da família Diana Lavalle, como
César, educador falecido em 1928, e Alberto Diana Lavalle
(1885-1951), que foi um músico popular em Buenos Aires,
conhecido por sua música ao violão. Entre suas composições,
podemos destacar DE PREPO... Gran Milonga para Guitarrra
(Il. 21a) e a valsa La Danza de Estrellas (Il.. 21b).
Um ano após sua morte, sua memória foi reverenciada por
meio da colocação de uma placa de bronze, contendo relevo
que representa o músico, tocando violão, em um bar, em que
ocorreriam as “Terças Boêmias”. À frente dele, uma mesa, com
pratos, garrafas e copos, e, diante da mesa, vários frequentadores
do bar apreciam sua música – representam talvez os seus amigos
que teriam lhe homenageado com essa placa. A iconografia da
placa, porém, é mais complexa: uma cadeira reforça o ambiente
de bar; mas no canto superior esquerdo, uma ponte, barcos e ao
fundo prédios fazem alusão ao espaço urbano; o escultor, porém,
vinculou a memória do falecido não somente à música popular,
mas ao conjunto das artes, como simbolizam a máscara (teatro), a
imagem de um corpo (escultura), um livro aberto (literatura), uma
cítara estilizada, que pode ser uma estante para partituras (música
culta) e uma palheta (pintura). Assim, o violão, moderno, refere-se
diretamente à prática musical do falecido, ao instrumento tocado
por ele. A cítara estilizada indica sua dedicação à música como um
todo, mas, mais que isso, à cultura e às artes.
125
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

Il. 20: Il. 21a:


Placa em bronze Partitura da composição “DE
representando músico PREPO...” de Alberto Diana Lavalle
Alberto Diana Lavalle ao Disponível: <https://fdokumen.
violão. com/document/-gran-milonga-para-
Buenos Aires, Cemitério guitarra-de-alberto-diana-lavalle-21-
da Recolta. fin-dc-del-mismo.html>. Acesso:
Fonte: Fotografia de 06.NOV.2019
Fábio Vergara Cerqueira,
2018. Acervo do autor.

Il. 21b:
Disco – “Danza de Estrellas”, Valsa de Diana Lavalle, gravada
pela Disco Nacional Odeon. Disponível: <https://www.discogs.
com/Alberto-Diana-Lavalle-Una-Lagrima-Danza-De-Estrellas/
release/7213055>. Acesso: 06.NOV. 2019.

Túmulos que combinam a representação dos instrumentos à inclusão de uma partitura


musical: fazem referência à atividade de compositor, podendo a partitura representada
ser uma peça de maior notoriedade de seu repertório.
TESTEMUNHO 13: Túmulo com partitura musical (Il. 22a) e combinação entre
instrumento moderno (violão) e instrumento da Antiguidade (lira). (Il. 22b)
Monumento a Felipe Federico Pinglo Alva (1899-1936).
Lima, Peru, Cementerio Presbítero Maestro.
Escultor (relevo): Artemio Ocaña (1893-1980).
Fonte: MÁLAGA, 2008, p. 107.
126
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

Felipe Federico Pinglo Alva, conhecido como “El bardo


inmortal”, poeta, compositor e violonista, foi uma músico muito
popular do Peru, representante da chamada música criolla. Entre
suas composições mais famosas, destaca-se a valsa El Plebeyo
(1930).11 Foi homenageado, alguns anos após sua morte, no
cemitério de Lima, com um túmulo bastante elaborado, a cargo
do escultor Artemio Ocaña. Com tampa de granito ao chão,
destaca-se, atrás, a estela funerária, encimada pelo busto do
músico. Integrada à estela, um relevo em bronze, contendo: na
extremidade superior, o epitáfio, com os dizeres El Pueblo del
Peru / al compositor criollo/Felipe Pinglo Alva; ocupando 5/6 da
placa de bronze, uma figura feminina, em um ambiente agrário,
rico em vegetação (flores), ligado ao contexto da música criolla,
canta (boca aberta, cabeça voltada para o alto), acompanhando-
se no violão, instrumento ligado à performance desse repertório.
O túmulo é cercado com um gradil que tem, na frente, uma lira
grega estilizada, e, na lateral, uma partitura musical. Interessante
observar que nesta homenagem, colocou-se a canção de outro
compositor, que à época da morte de Felipe Pinglo seria uma
criança de onze anos. Trata-se de Nicomedes Santa Cruz (1925
– 1992), compositor peruano negro, evidenciando-se assim
intenção de valorização da cultura afro-peruana.

Il. 22a e 22b:


Monumento a Felipe Pinglo
Lima, Cementerio Presbítero Maestro.
Fonte: Málaga, 2008, p. 107.

11
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=y0shdSElhV0>, acesso em 07 nov 2019:
extrato do filme mexicano “El Pebleyo” (1953), de Raúl Martínez.
127
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

4. Túmulos com inserção do instrumento musical em uma monumento com


narrativa visual mais complexa: estes túmulos revelam um investimento
artístico bastante significativo, apresentando cena com bastante riqueza
iconográfica e, por vezes, narrativa erudita, com remissão à mitologia
grega antiga.
a) Narrativa mitológica: alguns túmulos inserem os instrumentos musicais
em meio a narrativas visuais mais incrementadas, com citação a mitos
gregos, nos quais a música possui uma significação mais relevante. O
Cemitério da Consolação, em São Paulo, destaca-se neste tipo de narrativa,
por exemplo, o monumento à família Trevisoli, denominado Lenda Grega.
Orfeu e Eurídice (1920), de autoria de Nicola Rollo. (Il. 23)
TESTEMUNHO 14: Referência mitológica às musas (Euterpe) e ao
simbolismo da lyra (ligada a Orfeu e Apolo).
“Euterpe” – Monumento a Maestro Luigi Chiafarelli (1923).
São Paulo, Cemitério da Consolação.
Escultor: Nicola Rollo (imigrante italiano).
O maestro Luigi Chiafarelli pertenceu a uma família napolitana
de músicos, filho de um grande professor de piano, assim como
ele mais tarde. Estudou em centros importantes, como em
Bolonha. Veio para o Brasil em 1880, fixando-se em São Paulo,
onde veio a falecer em 1923. Foi regente de bandas e orquestras,
compôs, mas foi no piano que se destacou. Entre suas alunas,
destacamos Guiomar Novaes.
Nicola Rollo foi um importante escultor ítalo-paulista, nascido em
Bari, em 1889, e falecido em São Paulo, em 1970, que se dedicou
tanto à arte monumental quanto à arte cemiterial. Entre os túmulos
de sua autoria, no Cemitério da Consolação, além de “Euterpe” e
“Orfeu e Eurídice”, destaca-se o túmulo de Luís Isola (1927), em
que a influência do modernismo paulista se faz sentir mais que nas
obras anteriores.
O túmulo de granito e esculturas de bronze é composto pela imagem
da musa Euterpe nua, apoiada sobre um pilar no qual se vê em
alto relevo uma máscara (que evoca o teatro e Dioniso). Curvada,
abaixa a cabeça, da qual pendem duas tranças, levando as mãos aos
128
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

Il. 23a e 23b:


“Euterpe” (1923). Escultor
Nicola Rollo.
Monumento ao maestro
Luigi Chiafarelli.
São Paulo, Cemitério da
Consolação.
Fonte: Fotografia de
Elaine Tonini Bastianello,
2016.

olhos, em gesto de choro. A dor se acentua na anatomia do corpo


nu. A lira de quatro cordas, no chão, não toca mais.
Euterpe era uma das nove musas, filhas de Zeus e Mnemósine,
que animavam os deuses olímpicos em seus festejos, com sua
alegre música e dança. Mesmo que a etimologia ligue todas elas
à música em geral, e de fato compunham um coro que cantava
e dançava, ao mesmo tempo presidiam o pensamento, e, como
tal, cada uma delas tinha um atributo. Euterpe, como revela
seu nome (εὖ, bom + τέρπειν, dar prazer), era a “Doadora de
Prazeres”. No final do período clássico, entre as nove musas, era
reconhecida como a musa da música e da poesia lírica. Euterpe
era considerada também, segundo algumas versões, como a
inventora do aulos, que era um instrumento de sopro composto
por dois tubos, formados por diferentes seções, com número
variado de orifícios, e tocado com o uso da palheta dupla (pela
embocadura, vê-se que é errôneo traduzir como “flauta-dupla”!).
E é com o par de auloi na mão que Euterpe é representada pelos
antigos gregos e romanos. Surge então a dúvida: por que Rollo
associa Euterpe à lyra neste monumento, posto que a figura dela
tocava na Antiguidade um instrumento de sopro? Em parte, por
ser considerada genericamente como musa da música. Mas há
mais elementos a se levar em conta aqui.
Considerando que poucos anos antes deste túmulo, Rollo elaborou
o grupo escultórico “Orfeu e Eurídice”, é de se supor que esta lira
esteja associada mais ao domínio de Orfeu que de Apolo. Ora, na
origem homérica e hesiódica, as musas ligavam-se a dois grupos
distintos, que se fundiram na tradição posterior, resultando no
129
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

número de nove musas, consagrado pela tradição clássica. O


primeiro, formado pelas musas que habitavam o monte Hélicon,
na Beócia, onde havia um santuário a elas dedicado. Conhecidas
como Heliconíades, estavam ligadas a Apolo, que regia o coro
em torno da fonte de Hipocrene. O segundo grupo era formado
por musas oriundas da Trácia, que habitavam a Piéria, próximo
ao Monte Olimpo. Chamadas Piérides, relacionavam-se ao
mito de Orfeu e ao culto de Dioniso, que ganhara importância
excepcional na Trácia. Desse modo, na Euterpe de Rollo, ressoa
a tradição trácia, em que as musas vinculam-se a Orfeu, que se
tornou famoso por cantar acompanhado da lyra, o que, de certo
modo, ajuda a explicar a ligação de Euterpe, nesta imagem, à
lira e não ao aulos (instrumento que, de resto, não é comum na
iconografia funerária moderna, apesar de sua ligação ao lamento
fúnebre na Antiguidade)
É na figura de Orfeu e em meio às crenças órficas que a música
ganha sentido funerário, como ingrediente das expectativas de
uma vida feliz na eternidade além-túmulo, livre do corpo que
aprisiona, graça alcançada pelas revelações de Orfeu sobre a
salvação por meio de Dioniso (TARZIA, 2019). Colocar uma
musa como pranteadora é uma leitura do mito proposta pelo
escultor. Vê-se como Nicola Rollo não somente dispõe de
erudição mitológica, mas sabe usá-la de modo original. De uma
lado, a musa que chora pela música que silencia com a morte do
maestro Chiafarelli. Mas a lira simboliza, ao mesmo tempo, a
esperança órfica de felicidade na vida eterna. Ecoa aqui antiga
crença, já presente na Grécia clássica, mas que se apresentou
mais bem delineada no período helenístico e imperial, como
testemunham os sarcófagos romanos do séc. II-IIII d.C.:
Aqui e ali, encontram-se testemunhos esparsos da crença de que
o serviço às Musas durante a vida, efetivado no desempenho
de atividade musical, era uma garantia de imortalidade. A
heroização do morto fica colocada sob a patronagem das
Musas. Essa imortalidade adquirida pelas Musas, pela imitação
das Musas que musicavam no Olimpo e no Hélikon, acaba
aparecendo como uma assimilação [do morto] à natureza
divina das Musas, como uma identificação a elas (MARROU,
1964, p. 239, 244 e 248) (VERGARA CERQUEIRA, 2013,
p.167).
130
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

b) Grande valor artístico expresso na complexidade e sutileza do tratamento simbólico


do instrumento. O Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, é um dos cemitérios
que se destaca nesse tipo de abordagem, com metáforas portadoras de erudição, requinte
artístico e mesmo originalidade. Um tema clássico é a morte como negação da música.
TESTEMUNHO 15: anjo com cítara enlutada. (Il. 24)
Jazigo Perpétuo Domingos José Gonçalves de Magalhães, o Visconde de Araguaya
(1811-1882), e sua Família, construído em 1883.
Rio de Janeiro, Cemitério São João Batista.
Escultor: Rodolfo Bernardelli, Roma (rubrica).

Figura 24a, 24b e 24c:


Anjo com cítara enlutada. Escultor: Rodolfo Bernardelli. Túmulo do Visconde de Araguaya
(Gonçalves de Magalhães), 1883. Rio de Janeiro, Cemitério São João Batista.
Fonte: Fotografia de Fábio Vergara Cerqueira, 2018. Acervo do autor.
131
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

Visconde de Araguaya foi uma figura destacada em vários


setores, ao longo de mais de meio século, na vida do Brasil
imperial. Modernamente, ficou seu reconhecimento como
introdutor do romantismo no Brasil, sendo conhecido na história
da literatura como Gonçalves de Magalhães, autor de “Suspiros
Poéticos e Saudades”, de 1836, cujo prefácio é tido como o
“manifesto do romantismo brasileiro”. Em 1837, quando retorna
da França, foi aclamado como o chefe da “nova escola”. Seu
nacionalismo romântico se manifesta no interesse pela questão
indígena, ao gosto do Segundo Império, quando publica o poema
“Confederação dos Tamoios”. A amplitude de seus interesse e de
sua cultura revela-se na diversidade de temas que são objeto de
sua abordagem poética, nos escritos que publica na “Niterói”,
revista literária que edita junto com Araújo Porto-Alegre. Via na
poesia um fim moralizante, para elevar o espírito humano.
Sua formação inicial era de médico, tendo se dedicado à
Fisiologia e à Psicologia, da qual foi um dos introdutores no
país, quando lecionava “Lições de Philosophie (sic.)” no Colégio
Imperial Pedro II, sendo autor das primeiras obras sobre o tema no
Brasil, nomeadamente “Os fatos do espírito humano” (1865) e “A
alma e o cérebro, estudos de Psychologia e Physiologia” (1876).
Influenciado por ideias espiritualistas da filosofia francesa, reagiu
mal à chegada evolucionismo de Charles Darwin.
Teve uma carreira política notável, atuando na representação de
diferentes províncias. Mas é na diplomacia que se destacará, em
missões na Argentina, Uruguai, Paraguai, França, Itália e por
fim no Vaticano, vindo a morrer em Roma, em 1882, quando
representava o Brasil junto à Santa Sé.
Desfrutou de sólida reputação ao seu tempo, considerado um
homem de um esclarecimento muito acima da média, como
revela a opinião de Tobias Barreto,12 em seu comentário de
1869 sobre a obra “Os fatos do espírito humano”, ao afirmar
que “todos sabem que esta obra, escrita por um homem afeito
ao movimento da política e das letras europeias, constitui, ela só
— tal é o nosso atraso —, toda a biblioteca filosófica do Brasil”
(Barreto, 1990, p. 83-93).

12
Tobias Barreto de Menezes (1839-1880), importante intelectual do Segundo Império, ligado
à Escola de Recife, movimento filosófico que acolhe o pensamento evolucionista europeu do
século XIX.
132
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

Seu reconhecimento oficial se traduziu nas inúmeras


condecorações que lhe foram concedidas (da Imperial Ordem
de Cristo, da Ordem de São Francisco de Nápoles, da Imperial
Ordem da Rosa, da Imperial Ordem do Cruzeiro), culminando
nos decretos imperiais de 1872 e 1874, conferindo-lhe
subsequentemente os títulos de Barão e Visconde de Araguaya,
tal a estima que por ele tinha o Imperador, admirando sua
inteligência e erudição.
Para receber os restos mortais do Visconde de Araguaya,
trasladados da Itália ao Brasil, foi encomendado um túmulo
à altura de sua reputação. As esculturas em bronze foram
confeccionadas em Roma, por Rodolfo Bernardelli. Escultor
nascido no México, radicado no Brasil, tornou-se um dos
maiores escultores brasileiros. Após período de estudos na Itália,
retornando ao Brasil, tornou-se professor de escultura estatuária
na Academia Imperial de Belas Artes e, depois, da Escola
Nacional de Belas Artes, onde foi diretor por 25 anos. Seu período
de estudo na Itália deu-se entre os finais dos anos 1870 e os anos
1880, período de forte interesse pela estética clássica, em razão,
entre outros motivos, da redescoberta acelerada da Antiguidade
como resultado das chamadas Grandes Escavações, promovidas
na Itália e Grécia, que trouxeram à tona um volume enorme
de imagens do Mundo Antigo, que se somaram às coleções já
existentes, e estavam acessíveis para serem vistas em grandes
museus europeus. De volta ao Brasil, trouxe consigo a influência
dessa vaga neoclássica, que se manifesta no túmulo do visconde.
Apesar da ligação de Gonçalves de Magalhães às ideias
românticas, nacionalistas e indigenistas, em seu túmulo vingou
a ordem neoclássica, sobretudo na simbologia dos elementos
em bronze. Seja a pira que encima o monumento, coberta com
um manto, seja o ramalhete que envolve seu busto, ou ainda a
figura alada que se apoia em uma cítara, todos são elementos que
revelam forte inspiração e informação clássica. Na figura alada,
vê-se mais um Eros pagão que um Anjo cristão. Interessa-nos
aqui o detalhe da cítara, envolta em um manto. A representação
da cítara enlutada em contexto funerário é um tema já conhecido
da arte antiga. Por exemplo, numa cratera ápula conservada em
Matera, na Basilicata, o pintor representou um professor, diante
de um templete funerário, pranteando a jovem falecida, sua
aluna, representada dentro deste templete (naiskos) dançando
133
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

(Il. 25a e 25b).13 O professor traz a cítara da jovem, para ofertar-


lhe em sua homenagem. Interessa-nos aqui um detalhe: um lenço
cruzado sobre a cítara mostra que o instrumento acompanha o
luto. Ele não soará mais. A música silenciada é uma simbologia
da morte presente desde a Antiguidade.
Il. 25a e 25b:
Cítara enlutada diante de
templete funrárrio. Cratera
ápula com volutas. Figuras
vermelhas.
Matera, Museo Domenico
Ridola”, ex. Bari, coll. Rizzon
A 1:24.
Fonte: Fotografia de Fábio
Vergara Cerqueira, 2015.
Acervo do autor.

Neste caso, não há ligação entre a cítara e a atividade musical.


Gonçalves de Magalhães era um literato, um professor, um
acadêmico, mas não um músico. Além disso, homem público
de importantes serviços prestados ao país, na política e na
diplomacia. A cítara aqui pode assumir diferentes significados:
símbolo da vida intelectual, mas também de um homem que
representava um elevado ideal de civilização, para o país se mirar.
Mas o simbolismo da lira enlutada vai além, revelando uma ideia
de morte já presente na Antiguidade. A morte comum, da perda da
memória, ao menos a morte dos não iniciados, era uma morte sem
música, como expressa o coro de Sófocles em Édito em Colono:

[...] ὁ δ’ ἐπίκουρος ἰσοτέλεστος,


Ἄϊδος ὅτε Μοῖρ’ ἀνυμέναιος
ἄλυρος ἄχορος ἀναπέφηνε,
θάνατος ἐς τελευτάν.

O que vem igualar a todos,


quando a Moira do Hades, sem himeneu
sem lira, nem dança,
13
Cratera ápula com volutas. The Painter of Copenhagen 4223. Follower of the Snub-nose and
the Varrese Painter. (d) The Painter of B.M. F281 (RVAp. II Suppl. 17/20-4). Matera, Museo
Archeologico Nazionale “Domenico Ridola”, ex. Bari, coll. Rizzon A 1:24. Fotografia: Fábio
Vergara Cerqueira (2015).
134
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

apresenta-se, a morte para pôr o fim


(Sófocles, Édipo em Colono, V. 1220-1223, tradução Maria
Aparecida de Oliveira Silva)
A tristeza da morte era assim uma negação da música, alyros,
sem lira, akitharis, sem cítara. Bernardelli representa a morte,
aqui como akitharis, sem cítara, sem música.

TESTEMUNHO 16: Corda arrebentada da cítara. (Il. 26)


Túmulo de Eduardo Martinho de Andrade, Dadá (?) (1903 - 1968).
Rio de Janeiro, Cemitério São João Batista.

Il. 26:
Túmulo da cítara com cordas arrebentadas. Rio de Janeiro, Cemitério São João Batista.
Fonte: Fotografia de Fábio Vergara Cerqueira, 2015. Acervo do autor.

Trata-se de um túmulo em granitto preto e esculturas em bronze.


Junto à extremidade da tampa, uma placa de bronze com Cristo
em relevo, entre guirlandas, flanqueada por dois vasos pequenos
de bronze. Mais acima, encaixada em uma estrutura semicircular
de granito, uma placa convexa de bronze, em que o escultor
representou uma figura feminina. Esta figura, com a cabeça
abaixada e protegida por véu, apoia seu braço esquerdo sobre uma
cítara que repousa no chão, diante de si. Nos dois cantos, atrás
da figura feminina e do lado da cítara, flores de papoula. A cítara
é do tipo phorminx, apropriada a musas e alegorias femininas.
Retoma-se aqui a ideia da morte como negação da música,
forma de simbolizar a morte como esquecimento. Mas o escultor
não se limita a copiar soluções recorrentes. Ele cria algo novo.
Duas cordas do instrumento arrebentaram. A vida findou, e com
ela a música. Novamente, a morte como alyros, akitharis, sem
135
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

música e sem dança. A arte deste túmulo, afora a presença da


cítara, não indica filiação a modelos neoclássicos. A inspiração
geral e a técnica revelam influência do modernismo brasileiro.
No estágio atual da pesquisa, encontramos ainda dificuldade para
identificar a quem efetivamente este túmulo foi dedicado. Sobre
a tampa do túmulo, em letras garrafais e em metal cromado, está
identificado Eduardo Martinho de Andrade, falecido em 1968.
No entanto, conservam-se ainda duas assinaturas, em bronze,
correspondentes a duas outras pessoas enterradas neste sepulcro,
identificadas pelo prenome: Nelson e Camila. É possível que
essas duas assinaturas originem-se em enterramentos anteriores
a 1968. Pelo material utilizado, é possível que o relevo em
bronze seja contemporâneo das assinaturas anteriores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A música está presente, quer nas necrópoles da Antiguidade grega, quer
nas modernas. Sua presença se dá sob várias formas, sendo a mais comum
delas, a representação de instrumentos musicais, mas não é rara a inserção de
partituras musicais, costume que já se nota na Antiguidade. Há vinte séculos,
um grego habitante da Ásia Menor, chamado Seikilos (talvez um apelido étnico,
“siciliano”), garantiu que em sua lápide funerária, após sua morte, fosse fixada
uma composição sua, em estilo arcaizante, talvez uma das mais belas melodias
já compostas, conhecida como “Epitáfio de Seikilos”.
A observação sistemática da inserção de instrumentos musicais nos
sepulcros dos cemitérios modernos, em dois continentes (Europa e América do
Sul), mostra diferentes procedimentos na concepção do monumento funerário,
que indicam, provavelmente, significados distintos da música com relação à morte
e ao morto. De modo geral, podemos dizer que essas representações oscilam entre
mostrar um instrumento moderno, como o violão, a viola ou o piano, por via de
regra aquele instrumento que se associa ao músico ou ao seu gênero musical,
ou mostrar um instrumento greco-romano antigo, sob formas mais ou menos
estilizadas. Neste caso, tem-se o predomínio absoluto da cítara e da lyra, em
detrimento de outros, como a harpa (ocorre, mas muito pouco) e instrumentos de
sopro (completamente raros). Uma vez que não se trata de um instrumento tocado
modernamente, recrudesce sua dimensão simbólica. Mas qual simbolismo?
136
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

Interessantíssimo o fenômeno da associação, no mesmo monumento, entre


um instrumento antigo e um moderno, que pode ocorrer na concepção original
do mesmo, ou como resultado de interferências posteriores, como o acréscimo de
placas. Este é o caso do túmulo de Gardel em Buenos Aires, concebido inicialmente
com a presença de uma figura feminina cabisbaixa com uma cítara, mas que, com
o passar do tempo, recebeu inúmeras placas com representação de um violão – em
alguns casos, a placa em si é um violão. O túmulo do músico popular Felipe Pinglo,
em Lima, nos ajuda a pensar esse tema, pois ali se tem a concepção integrada do
monumento contendo a lira e o violão. O jogo entre violão criollo e a lira grega
é um jogo entre os valores locais/regionais e os valores universais, mas também
uma relação entre presente e passado. Ao mesmo tempo, sua música canta a alma
do povo simples peruano, mas, através desta, sua arte, na poesia e na melodia,
como podemos conferir em El Plebeyo, alcança qualidade universal. Homenageá-
lo com a lira, mais do que reconhecê-lo como grande músico, é admirá-lo e fixar
sua memória como grande representante da nação.
Em boa parte dos casos, a análise da biografia do falecido ou falecida, que
recebe a imagem da lira ou cítara como homenagem em seu túmulo, evidencia
que a presença desse símbolo é uma referência ao reconhecimento pelos seus
méritos na arte da música. O destaque na música pode ter sido exercido de
diferentes formas, como na composição, no canto, no virtuosismo instrumental,
na regência, na docência ou mesmo na administração e comércio de partituras.
Contudo, nem sempre o homenageado com a lira era músico. O
instrumento grego também simboliza o reconhecimento como grande literato
ou intelectual, como é o caso do monumento ao conde Vittorio Amadeo Alfieri
(1749-1803), conservado na Basílica da Santa Cruz em Florença, de autoria
de Antonio Canova (1757-1822): Vittorio não foi músico, mas destacado
dramaturgo, poeta e escritor. Ocorrem túmulos em que a lira ornamenta o
túmulo de um arquiteto, como o monumento a Friedrich Rumpf (1795-1867),
no cemitério principal de Frankfurt. Entretanto, a significação da lira extrapola
o campo artístico-literário.
Por vezes, enaltece-se a contribuição do falecido para o desenvolvimento
geral da sociedade, para um ideal de civilização. Esse parece ser o caso de
Gonçalves de Magalhães, o Visconde do Araguaya, cujos méritos reconhecidos
137
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

extrapolam sua contribuição à literatura. No cemitério da Recoleta, em Buenos


Aires, o Club de Gimnasia e Esgrima, fundado em 1880, ergueu um obelisco
triangular em homenagem a três integrantes de suas primeiras diretorias. Neste
monumento, homenageia Adolfo Mitre, com seu busto, acompanhado por uma
cítara e ramalhetes. Aqui o instrumento grego está vinculado ao ideal clássico,
sintetizado na frase do poeta latino Juvenal (55/50 - 127 d.C.), mens sana in
corpore sano (Juv. Sat. X.356-64), lema adotado pelo clube desde sua fundação,
pois naquela época se considerava que a ginástica tendia a formar homens fortes,
sãos física e espiritualmente.14 A lira, de fato, pode servir a diferentes idealizações,
pelo seu potencial, desde a Antiguidade, de simbolizar a ideia de harmonia. Assim
entendemos sua presença em um túmulo positivista do Rio de Janeiro, conhecido
como “Túmulo de Dante”, no qual ela simboliza o ideal de amor, ordem e progresso
que inspirava os adeptos da religião de Auguste Compte no Brasil.
Em muitos túmulos, porém, há indícios de que o processo de recepção da
Antiguidade não se limite aos significados mais imediatos da lira e da cítara, como
símbolos da cultura musical, artística e intelectual, ou como símbolo de bons
ideais de civilização, que se buscavam na Antiguidade. A erudição demonstrada
por alguns escultores, boa parte de origem italiana, atuantes em cidades como o
Rio de Janeiro, São Paulo e Buenos Aires, mostra como eles manuseiam, com
originalidade, certas significações que a música e os instrumentos musicais
desempenham nas concepções da morte.
As duas grandes tradições de pensamento funerário grego antigo, uma
alinhada à religião hegemônica dos deuses olímpicos (centrada na religião de
Apolo), outra ao caminho alternativo da dissidência órfica (centrada na religião
de Dioniso) (TRINGALI, 1990), instauram, cada uma delas, concepções
divergentes da música em relação à morte. Na tradição predominante, a morte
é esquecimento, no Reino de Hades. Essa morte é definida pela ausência da
música, da dança, enfim, uma morte sem lira, alyros. Na tradição alternativa,
as crenças órficas, por vezes associadas ao pensamento pitagórico, atribuem
um valor especial à música para que as almas dos bem-aventurados sejam
escolhidas, para que bebam do Lago de Mnemósyne (Memória) (TARZIA,
14
Club Gimnasia y Esgrima de Buenos Aires. Disponível em: <https://www.buenosaires.gob.ar/
registrocivil/club-gimnasia-y-esgrima-de-buenos-aires-1>. Acesso: 15.NOV.2019.
138
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

2019). Assim, à música associa-se a esperança de felicidade no além-túmulo.


Sentimento semelhante se desenvolverá entre aqueles que praticavam o culto
às musas, numa crença que se fortalecerá no período romano: acreditavam que
os devotos das musas, que homenageavam as deusas em vida ao se dedicarem à
música, seriam agraciados com a proteção dessas no post mortem, desfrutando
de alegrias eternas nos Campos Elíseos (BOYANCÉ, 1937. MARROU, 1964, p.
231-57. VERGARA CERQUEIRA, 2013; 2020a, p. 428-429).
Nos túmulos modernos, encontramos a referência às duas mortes do
imaginário funerário grego antigo, a morte sem música e à morte com música. A
primeira está representada nos túmulos em que o escultor representa a lira enlutada
ou, inovando, com a corda arrebentada; a segunda, nas referências a Orfeu e às
musas, presente por exemplo nos túmulos do escultor Nicola Rollo em São Paulo.

REFERÊNCIAS
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nos corpos de bombeiros, no quadro da Protecção Civil. Dissertação. Porto, Faculdade de Letras
do Porto, 2009.
BARRETO, Tobias. Estudos de filosofia. In: Obras completas. Rio de Janeiro: Record/INL, 1990,
p. 83-93.
BOYANCÉ, Pierre. Le culte des Muses chez les philosophes grecs. Paris: Boccard, 1937.
Centenário da Colonização Alemã em Rio Pardinho. Município de Santa Cruz do Sul. 1852-1952.
Santa Cruz, Gráfica Bins & Rech, 1952.
COX, John. Highgate: Thornton, H. (1918). Flickr, 2017. Disponível: <https://www.flickr.com/
photos/johnncox/1913088962>. Acesso: 10.NOV.2019.
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p. 218-32.
GRASSI, Clarissa. Guia de Visitação do Cemitério São Francisco de Paula: arte e memória no
espaço urbano. Curitiba: Autor, 2014.
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MÁLAGA, Luis Repetto. 200 Años del Presbítero Maestro. Primer Cementerio Monumental de
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MARROU, Henri Irinée. ΜΟΥΣΙΚΟΣ ΑΝΗΡ. Études sur les scènes de la vie intelectuelle figurant
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TARZIA, Milena. 2019. O orfismo e a representação mítica de Dioniso Zagreu na Grécia
clássica: uma análise historiográfica. Tese de Doutorado em História. Universidade Estadual
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at-tikhvin-cemetery>. Acesso: 05.NOV..2019.
313
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

AUTORES
314
MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

ALDONES NINO | Doutorando em Historia y Arte pela Escuela Internacional de Posgrado


de la Universidad de Granada em cotutela com o Programa de Pós Graduação em Artes
Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre pelo
Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais (PPHPBC) pelo Centro
de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Escola
de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas. Históriador da Arte pela Escola de Belas
Artes - Universidade Federal do Rio de Janeiro - EBA/UFRJ, Bacharel e Licenciado em
Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu, USJT-São Paulo.

ALEXANDRE MARQUES CABRAL | Filósofo, Teólogo (Escola Superior de


Teologia - EST e Universidade Santa Úrsula), Mestre em Filosofia (UFRJ), Doutor em
Filosofia (UERJ). Docente do Departamento de Filosofia da UERJ.

CLAUDIA RODRIGUES | Doutora em História pela Universidade Federal


Fluminense/UFF. Professora Associada do Departamento de História e do Programa
de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/
UNIRIO. Líder do Grupo de Pesquisa do CNPq/UNIRIO “Imagens da Morte: a morte
e o morrer no mundo Iberoamericano” e editora da “Revista M. Estudos sobre a morte,
os mortos e o morrer”.

DOUGLAS ATTILA MARCELINO | Historiador. Professor de Teoria da História/


Historiografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre e Doutor em
História pelo PPGH/UFRJ. Pesquisas no campo de estudos: memória, ritos e ritualizações
da história, principalmente no que se refere à relação entre o culto dos mortos e a escrita
da história. Coordenador do grupo Ritualizações do poder e do tempo: historiografia, ritos
de recordação e práticas cívica, integrante do grupo Imagens da morte: a morte e o morrer
no mundo Ibero-Americano, coordenado pela Profa. Dra. Claudia Rodrigues (UNIRIO).

FABIANO DALLA BONA | Professor de Língua e Literatura Italiana da Faculdade


de Letras da UFRJ, atua no Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da UFRJ
e no Programa de Pós-graduação em Língua, Literatura e Cultura Italianas da USP.
Coordenador da integração de Pós-graduação do Centro de Letras e Artes da UFRJ e
Presidente da Associação Brasileira de Professores de Italiano (ABPI).
315
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

FÁBIO VERGARA CERQUEIRA | Historiador, Doutor em Antropologia Social,


Professor Titular do Departamento de História da Universidade Federal de Pelotas.
Bolsista Produtividade CNPq em Arqueologia. Pesquisador Visitante na Universidade
de Heidelberg - Instituto de Arqueologia Clássica.

GABRIEL CARVALHO KUNRATH | Historiador, UFPEL, Mestrando em História


no PPGH/UFPEL, Membro do Grupo de Investigação do Movimento do Contestado.

GERALDO MÁRTIRES COELHO | Historiador (UFPA), Doutor em História


Cultural e das Mentalidades. Universidade Nova de Lisboa. Estágio de Pós-Doutorado
na Universidade Nova de Lisboa, Mestre em História do Brasil. Universidade Federal
Fluminense.

GUILHERME ARAUJO DE FIGUEIREDO | Arquiteto e Urbanista; Professor


Adjunto do Departamento de Arquitetura da Escola de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal Fluminense; Doutor e Mestre em Ciências em Arquitetura pelo
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura - Proarq-FAU/UFRJ.

IVALDO GONÇALVES DE LIMA | Geografo e Mestre em Geografia (UFRJ), Doutor


em Geografia pela Universidade Federal Fluminense. Professor Adjunto da Universidade
Federal Fluminense. Geografia Política, atuando na investigação científica dos seguintes
temas: redes políticas, justiça territorial, globalização do mundo contemporâneo, políticas
públicas e governança territorial, geografia legal crítica, geografia política e gênero.

JACKELINE DE MACEDO | Arqueóloga pela Universidade Estácio de Sá, Mestre em


Arquitetura na área de Preservação do Patrimônio pelo PROARQ/FAU/UFRJ e Doutora
em Arqueologia pelo MAE/USP. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa de História do
Paisagismo da EBA/UFRJ. Professora colaboradora no Mestrado Profissional em
Projeto e Patrimônio - PROARQ/FAU/UFRJ.

JENNY GONZÁLEZ MUÑOZ | Licenciada em Artes pela Universidade Central


da Venezuela – com ênfase em cerimônias indígenas. Doutora em Cultura e Arte para
a América Latina e do Caribe, pela Universidade Pedagógica Experimental Libertador,
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MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

Caracas, Mestra em Memória Social e Patrimônio Cultural, pela Universidade Federal


de Pelotas, Rio Grande do Sul. Pós-doutoranda (PNPD-CAPES-UPF) em História,
Universidade de Passo Fundo.

MÁRCIA JANETE ESPIG | Historiadora, Universidade Federal do Rio Grande


do Sul. Mestre e Doutora em História UFRGS. Professora Associada da Universidade
Federal de Pelotas e vinculada ao Programa de Pós-Graduação em História- PPGH/
UFPEL.

MAURO DILLMANN | Historiador - UFPEL, Doutor em História pela Universidade do


Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS/RS, Mestre em História, UNISINOS/RS. Professor
Adjunto no Departamento de História da Universidade Federal de Pelotas – UFPEL, no
Programa de Pós-Graduação em História da UFPEL.

MONAH WINOGRAD | Psicanalista, Professora Associada do Programa de Pós-


Graduação em Psicologia Clínica da PUC-Rio, Coordenadora do Laboratório de Estudos
Avançados em Psicanálise e Subjetividade (LAPSU), Vice-decana de Pós-graduação e
Pesquisa do CTCH da PUC-Rio.

RUBENS DE ANDRADE | Paisagista (EBA-UFRJ), Professor Adjunto da Escola


de Belas Artes-EBA-UFRJ (Curso de História da Arte/Paisagismo), Doutor em
Planejamento Urbano e Regional (IPPUR-UFRJ), Mestre em Arquitetura (PROARQ-
FAU/UFRJ), Líder do Grupo de Pesquisas Paisagens Híbridas (GPPH-EBA-UFRJ)
e Pesquisador vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura (PROARQ-
FAU/UFRJ).

VIVIANI POYER | Historiadora, Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC,


Mestre e Doutora em História Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, Prof.
Adjunta do Curso de Pedagogia – Universidade do Estado de Santa Catarina/Capes.
317
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

AGRADECIMENTOS
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MORTE, ARTE FÚNEBRE E PATRIMÔNIO

Ao apoio da institucional da Universidade Federal de Pelotas - UFPEL, Escola de


Belas Artes - EBA/UFRJ e Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal
Fluminense - EAU/UFF.

Aos parceiros do Programa de Pós-Graduação em História - PPGH/Universidade


Federal de Pelotas - UFPEL através do Laboratório de Ensino de História | LAH-UFPEL
do Grupo de Estudos de Arquitetura Cemiterial da Escola de Arquitetura e Urbanismo |
EAU/UFF e grupos de pesquisas Grupo de Pesquisa Sistema de Espaços Livres - SEL-
RJ-PROARQ-FAU/UFRJ, Grupo de Pesquisa História do Paisagismo - EBA/UFRJ,
Grupo de Pesquisa Paisagens Híbridas - GPPH-EBA/UFRJ e aos Coordenadores da
Casa da Ciência da UFRJ.

As Professoras Dra. Angela Ancora Luz pelo texto da Orelha e a Dra. Maria Antónia
Lopes pelo prefácio.

Nossos agradecimentos aos docentes e pesquisadores que formaram o Comitê


Científico dos seminários realizados em Pelotas e Rio de Janeiro: Dra. Ana Pessoa
| Fundação Casa de Rui Barbosa, Prof. Dr. Antônio Lobo | Museu Paraense Emílio
Goeldi - MPEG, Prof. Dr. Fernando Ripe - FAE/UFPEL, Profa. Dra. Eliane Cristina
Deckmann Fleck | UNISINOS, Profa. Dra. Eloisa Araújo | EAU/UFF, Prof. Dr. Fábio
Vergara Cerqueira - PPGH/UFPEL, Profa. Dra. Gizele Zanotto | UPF, Profa. Dra. Helena
Lúcia Zagury Tourinho | Universidade da Amazônia - UNAMA, Prof. Dr. Jofre Silva |
EBA/UFRJ, Prof. Dr. Luciano Muniz de Abreu | FAU/UFRRJ, Profa. Dra. Márcia Espig -
PPGH/UFPEL, Profa. Dra. Mara Regina do Nascimento | UFU, Profa. Dra. Marta García
Carbonero | ETSAM/UPM, Prof. Dr. Marcus Pereira de Magalhães | Museu Paraense
Emílio Goeldi - MPEG, Profa. Dra. Rosana de Freitas Pereira | EBA/UFRJ, Profa. Dra.
Verônica Damasceno | EBA/UFRJ.

Somos gratos ao Comitê Científico da Publicação formado pelo Prof. Dr. Carlos
Terra (EBA-UFRJ), Prof. Dr. Paulo Afonso Rheingantz (PROARQ-FAU/UFRJ), Prof.
Dr. Pedro Mergulhão (EAU-UNIFAP), Profa. Dra. Aline Zim (UCDF), Profa. Dra. Jane
Santucci (EBA-UFRJ) e Profa. Dra. Vera Tângari (PROARQ-FAU/UFRJ).
319
lugares de memória, simbolismo e documentos post mortem

Ao Comitê Organizador dos Seminários em Pelotas e Rio de Janeiro agrademos o


suporte e engajamento do Prof. Aldones Nino | GPPH-EBA/UFRJ, Prof. Dr. Fábio
Vergara Cerqueira – PPGH/UFPEL, Prof. Dr. Fernando Ripe - FAE/UFPEL, Profa.
Jackeline de Macedo - GPPH-EBA/UFRJ e Profa. Dra. Márcia Espig - PPGH/UFPEL.

Somos gratos aos Bolsistas que também deram suporte nos eventos e nos trabalhos
de pesquisas dos organizadores da publicação: Aldones Nino | Curso de História da
Arte - EBA/UFRJ | PIBIC-CNPq-UFRJ, Alessandra Ramalho | Curso de História da
Arte - EBA/UFRJ | FAPERJ, Bárbara Denise Xavier da Costa - UFPEL, David Moreno
| Curso de História da Arte - EBA/UFRJ | PIBIC-CNPq-UFRJ, Gabriel Carvalho
Kunrath - UFPEL, Gilson Moura Henrique Júnior - UFPEL, Lucas Pedroso - UFPEL
Mateuhs Dal bem | Curso de História da Arte - EBA/UFRJ | PIBIC- CNPq-UFRJ, Julia
Guimarães | Curso de História da Arte - EBA/UFRJ | FAPERJ, Juliana Dias - EAU/UFF
| FAPERJ, Juliana Medeiros | EAU/UFF, Tamires Ferreira Soares - UFPEL e Thayná
Vieira Marsico - UFPEL.

GRUPO DE PESQUISAS | GPPH-EBA/UFRJ

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