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ANAIS
ELETRÔNICOS
8º SEMINÁRIO DO
GPLV e
50 anos
deTremor de Terra
18 e 19 de abril de 2017
Ituiutaba, MG – Brasil
Anais do 8º Seminário do GPLV e dos 50 anos de Tremor de Terra
© 2017 dos respectivos autores
PRODUÇÃO EDITORIAL
Coordenação Editorial
Prof.ª Dr.ª Eunice Prudenciano de Souza
Prof. Dr. Rauer Ribeiro Rodrigues
Prof. Doutorando Marcos Rogério Heck Dorneles
Doutoranda Pauliane Amaral
Mestranda Natália Tano Portela
Capa
The Artist's Wife (1883).Albert Bartholomé. Metropolitan Museum.
Imagem de domínio público.
Periodicidade
Semestral
Divulgação
Eletrônica
COMISSÃO ORGANIZADORA
Prof.Dr. Rauer Ribeiro Rodrigues (UFMS/CPAN)
Prof.ª Dr.ª Eunice Prudenciano de Souza (UFMS/CPTL)
Prof. Doutorando Marcos Rogério Heck Dorneles (UFMS/CPAQ/CPTL)
Mestranda Natália Tano Portela (UFMS/CPTL)
COMISSÃO CIENTÍFICA
Prof.Dr. Rauer Ribeiro Rodrigues (UFMS/CPAN)
Prof.ª Dr.ª Eunice Prudenciano de Souza (UFMS/CPTL)
Prof. Doutorando Marcos Rogério Dorneles (UFMS/CAQ/CPTL)
Doutoranda Pauliane Amaral (UFMS/CPTL)
Mestranda Natália Tano Portela (UFMS/CPTL)
Contato Principal
E-mail: seminariogplv@gmail.com
Site: http://anaisgplv.blogspot.com.br/
Programação ................................................................................................. 12
Artigos completos
ENTRE O NADA E O TUDO, A MORTE HUMANA
Denise Moreira Santana (UnB) e Nathália Coelho da Silva (UnB) ..................................... 37
1Introdução:
Luiz Vilela.
2.Pórtico
Neste ano, a obra Tremor de terra, de Luiz Vilela, completa cinquenta anos de
existência. Este marco temporal propicia e permite sinalizar um delineamento das
mudanças composicionais que ocorreram na sua escrita contística desde as primeiras
narrativas curtas até a última obra de contos publicada. A produção realizada nos sete
livros de contos de Vilela projeta-o como uma das referências na técnica e na argúcia da
criação contística nos séculos XX e XXI, junto a escritores da envergadura de Dalton
Trevisan, Rubem Fonseca e Guimarães Rosa.
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O rapaz relata ao padre a tentação ocorrida pela visão de parte dos “dotes” de
beleza da vizinha em duas circunstâncias diferentes. À medida que o adolescente expõe
aquilo que considerara um pecado, o sacerdote aumenta o seu conhecimento acerca das
condições em que vive a garota (hábitos e reações dela, presença e costumes dos pais
etc), transparecendo a semelhança do desejo veemente que emerge nele no momento
presente ou emergiu em situações passadas. Nesse caminho, o conto “Confissão”, o
caráter dissentâneo da ficção se dá em pelo menos dois âmbitos, o contorno cultural e o
campo de ação intertextual e metalinguístico, no entanto, para fins de comentário, nos
atemos ao primeiro âmbito mencionado. No âmbito cultural a narrativa apresenta
dissensão frente às expectativas da sociedade quanto aos papeis tradicionais
desempenhados pelas figuras do confessor (o padre), do penitente (o adolescente) e da
considerada pecante (a garota).
A maneira com que se dá a disposição dos acontecimentos no tecido narrativo e
a propositada insuficiência de informações exposta no discurso são procedimentos que
colaboram para a efetivação da dissensão. Por exemplo: a ordem de exposição dos
eventos, ao se dispor o início do conto já in media res; e as lacunas informativas,
referentes a um possível relacionamento passado entre o padre e a garota ou o desejo de
um contato futuro. Somados a esses procedimentos formais, o contraste entre a
configuração cultural e as relações de poder exercidas no conto transcende uma
homogeneidade de avaliações. Pois, a garota exerce uma forte atração em ambos sem o
artificialismo das ações do padre; o adolescente oscila entre arrefecer a culpa da sua
consciência e acentuar a dúvida existencial; e, por fim, a composição da personagem do
padre, apesar de evidenciar uma manipulação constante, expõe o modo de ser precário
do sacerdote, que também está sujeito aos influxos dos instintos. Assim, expõe-se a
possibilidade de ocorrer uma relativização de representações e doutrinas implicadas na
narrativa.
No conto “Imagem” vem à tona as atribulações do narrador-personagem frente
ao espelho, numa extensão de tempo que vai desde o final da infância até certos
momentos da idade adulta. A jornada do protagonista em busca de equacionar a relação
entre a avaliação que as pessoas têm sobre ele e a procura interna sobre uma possível
identidade individualizada expõe um conflito contínuo no conto. Para isso, o espelho
serve como uma espécie de termômetro imaginário para indicar uma aquiescência ou
um desacordo frente às avaliações feitas pelas pessoas no dia a dia dessa personagem.
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lamenta, abre as vestes, desde o alto, e esmurra o peito nu com as mãos esculturais.
Com as pancadas, o peito se tinge de vermelho (...)”.
Na tradição literária ocidental, muitas vezes, a variante do tema da
autoadmiração realizada por meio da personagem Narciso, em As metamorfoses, de
Ovídio, teve uma recepção corroborante, como em textos de John Keats e de Federico
García Lorca. No poema “Narciso”, de Lorca (1986, p.84), desdobra-se uma reflexão
metalinguística sobre o destino da personagem mitológica (“En lo hondo hay una rosa /
y en la rosa hay otro río.”), e, mais adiante, há uma espécie de aproximação da figura
do “eu-lírico” com o mau fado de Narciso (“Cuando se perdió en el água / comprendí.
Pero no explico”). Em Keats (1967), em fragmentos da composição “I stood tip-toe
upon a litle hill”, estabelece-se a possibilidade de uma conexão entre a construção do
texto do poeta londrino e as similaridades de circunstâncias de inspiração e criação que
levaram o vate a escrever a sua história. Na perspectiva de Keats, ambas estariam
hipoteticamente envoltas num ambiente campestre e silvestre de aprazibilidade poética.
Não obstante o realce dado à estima pela personagem Narciso em diferentes
gerações literárias, em Ovídio e em Vilela o tema da autoadmiração apresenta um dos
seus núcleos no caráter aflitivo da monomania despertada. O vocábulo “Narciso” tem
uma das suas origens no termo grego nárkissos, que, segundo Karl Kérenyi (1991),
procede da palavra grega nárke (estupor, torpor, entorpecimento). Nesse caminho, os
protagonistas de “Narciso, Eco” e “Imagem” estruturam-se pela irreversibilidade da
atração exercida pela imagem refletida. Assim, paradoxalmente, esses protagonistas são
retidos por uma força vetorial externa, porém, de feição interior.
Em “Narciso, Eco”, o protagonista possui ascendência divina (filho do deus-rio
Cefiso eda ninfaLiriope); realiza atividades peculiares à nobreza de sua estirpe; não
exibe pretensões iniciais em relação ao seu autoconhecimento; é direcionado a sua
autoadmiração por meio de um castigo da deusa Némesis; e, no término, seu corpo
extinto dá lugar a uma flor, narciso. Já, em “Imagem”, o narrador-protagonista procede
do cotidiano habitual de estratos médios da sociedade brasileira da segunda metade do
século XX; porta-se de maneiras diversas quanto à atração pelo espelho; é conduzido à
autoadmiração por conta do receio das opiniões alheias; e protela por anos algum tipo
de desenlace ou resolução para, ao final, receber do diretor de um circo um choque de
realidade (VILELA, 1978, p.36): “‘E você acreditou nos outros?’, ele perguntou. ‘Em
quem mais eu iria acreditar?’, eu respondi. Ele olhou para mim e disse: ‘É, você é
realmente um palhaço...’”.Destarte, no conto “Imagem”, retoma-se o tema do exagero
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3. Juízo, antilogias.
Nesse instante em que o promotor [...] esfrega [...] o lenço branco [...] já
um poço amarrotado de outras esfregadas, pois já não é a primeira vez
nem a segunda que ele o desliza pelo rosto gotejando de suor e em
seguida pelo pescoço e nuca, nesse instante há um tossir abafado e
cansado pela sala do júri [...] o juiz imóvel e numa estranha aparência
de quem de olhos abertos estivesse porém dormindo, [...] desfere um
tapa na própria cabeça [..] seguindo com o olhar alguma impertinente
mosca [...](VILELA, 1978, p.15)
4. Considerações finais:
parâmetros estéticos, o caráter dissentâneo, por sua vez, apresenta o risco de ser
conduzido pelos seus avessos, o de escrita polêmica ou o de maneirismo literário. Assim
que, para evitar a generalização e o fascínio instantâneo, a dissensão ficcional necessita
manter cautelosa a sua prática reflexiva e o seu pendor para redirecionar os caminhos da
narrativa.
Referências:
BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. Trad. Sérgio P. Rouanet. São
Paulo: Brasiliense, 1984.
KOHTE, Flávio R. “A obra literária como ruína alegórica”. Revista tempo brasileiro,
45/46. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1976. p.28-32.
KEATS, John. Complete Poetry and Selected Prose of Keats.Ed. Harold Edgar Briggs.
New York:The Modern Library, 1967.
OVIDIO. As metamorfoses. Trad. David Gomes Jardim Júnior. São Paulo: Ediouro,
1983.