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Departamento de Línguas
Projecto de Trabalho
Elementos do grupo:
Belmiro Sitoe
Derrick Dimande
Fábio Magaia
Fidel Pedro
Hélder de Arimateia
Jonas Sigauque
José Luís
Samuel Matsinhe
Março, 2023
Índice
1 Introdução ..................................................................................................................... 3
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1 Introdução
Segundo Macussete (2007), a tradição oral constitui um mecanismo fundamental de transmissão
de conhecimentos, valores, de geração em geração. Afirma ainda, que a tradição oral possui um
valor dinâmico e vital, pois não só permite a conservação e transmissão do património cultural,
como também constitui um repertório do conhecimento sobre o passado. (pág. 1)
A mesma constatação é feita por PAIVA (2004), quando afirma que a cultura é o produto das
experiências colectivas, em condições dadas, e o acúmulo das experiências de quem nos antecedeu.
Ressaltando ainda que a cultura produz o homem e ao mesmo tempo é por ele produzida. Ademais,
a cultura possui seus agentes mantedores da ordem, dos valores ético-morais, espirituais ou
religiosos. Esses agentes incluem o materno, a língua e a religião.
Neste âmbito, pode-se concluir que a língua ou linguagem possui um lugar privilegiado no
processo de humanização ou socialização do homem, na medida em que é através dela, em todas
suas manifestações – mitos, artefactos, mitos, provérbios, etc., - que serão inculcados no homem
as regras de conduta, valores culturais, e tudo o que configura a forma de viver de uma determinada
sociedade.
Por outro lado, clã refere-se a um grupo de pessoas unidas por parentesco e linhagem e que é
definido pela descendência de um ancestral comum. Mesmo se os reais padrões de
consanguinidade forem desconhecidos, ainda assim, os membros do clã reconhecem um membro
fundador ou ancestral maior. (wikipedia) Portanto, uma sociedade é constituída por várias
organizações clãnicas, que carregam um conjunto de crenças, mitos, entre outros valores culturais.
Uma das formulações que constitui a base da nossa pesquisa é: em que se baseia a literatura oral
moçambicana e que influência o clã tem para a sua formação. Isso permitiu chegar a uma
aproximação segundo a qual a literatura oral moçambicana baseia-se nos diversos géneros
nomeadamente, a canção, provérbios, adivinhas e narrativa.
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2 As bases culturais de literatura oral moçambicana e o espaço do clã
O termo literatura oral ou literatura tradicional tem levantado debates entre autores, devido à
‘’controversa semântica’’ dos termos ‘’literatura’’, que, por um lado, designa a arte expressa em
palavra escrita e ‘’oral’’ que traduz algo que se expressa com recurso a fala.
Outros autores como Okpewho (1992), optam em usar o termo ‘’oratura’’, para dar ênfase ao
carácter oral da literatura, ou ‘’literatura tradicional’’, enfatizando o facto de esta ser transmitida
ao longo do tempo, de geração em geração; usa-se ainda o termo ‘’literatura folcrore’’, para
identificar os criadores desta literatura, neste caso o povo comum e não alfabetizado sobretudo das
aldeias e das comunidades rurais.
Aguiar & Silva (1984) apud Mucassete (2007), propõe uma definição mais abrangente do termo
‘’literatura oral’’, ao considera-lo como sendo:
O sistema semiótico da literatura oral compreende signos paraverbais e
extraverbais de grande relevância na sua constituição e na sua dinâmica
que interagem com signos literários verbalmente realizados e cuja
organização semântica e sintáctica é regulada por códigos inexistentes no
sistema semiótico da literatura escrita (...)
Portanto, os códigos que governam a literatura oral são nomeadamente, o código musical (canto
ou entoação), código cinésico (regulador dos movimentos rítmicos corporais), o código proxémico
(que regula a utilização das relações topológicas entre seres e coisas como signos integrantes dos
textos da literatura oral), e o código paralinguistico, que regula factores vocais, convencionalizados
e sistematizáveis que acompanham a emissão dos signos verbais, mas que não fazem parte do
sistema linguístico (entoação, qualidade de voz, riso, etc.).
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Os valores variam de acordo com as culturas, mas estão todos ligados a elementos que
concorrem para a sobrevivência na comunidade: os sistemas de parentesco, a fecundidade, o
funcionamento do cosmos, (a alternância dos dias e das noites, as estações, as chuvas, a seca, as
cheias).
A existência múltipla explica-se pelo facto de uma mesma temática ser abordado em vários
pontos do mundo, sem que haja contacto entre seus povos.
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5 O papel do clã na literatura oral
Para começar com a nossa discussão, seria útil fazer referência à passagem textual de
Rosário (1989):
(…) As narrativas conservam, através dos tempos, a memória das crenças e rituais
primitivos, ligados à sociedade clânica de regime de recolecção e de caça, embora a sua
sistematização e difusão se tenham desenvolvido com o surgimento da fase agrícola da humanidade
(…) (p. 59).
A partir da citação acima, podemos entender que os clãs têm um papel importante na
conservação da literatura oral ao longo do tempo. As crenças e os sistemas de valores que um
corpus de literatura oral de uma comunidade carrega é originado do seu clã e embora, haja
alterações, essas crenças serão conservadas para as gerações vindouras.
Carácter imediato: o narrador está envolvido por um público participante que sobre ele
exerce uma pressão capaz de provocar uma introdução de alterações ao texto original, sendo
consumida de imediato.
Carácter móvel: explica-se pelo facto de cada narrador adicionar marcas pessoais à sua
narrativa, diferenciando-a de outras versões, por mais que se trate de mesma temática.
Carácter colectivo, anónimo e participado: não são identificáveis os autores das obras
narradas e as narrativas podem ser utilizadas por qualquer membro da comunidade ou não, em
qualquer ocasião.
Carácter funcional: a literatura oral é funcional porque por um lado funciona como um
meio de transmissão de valores da comunidade, por outro lado, as mensagens respondem às
preocupações sociais (casamentos, incestos, chuvas, etc.).
Carácter instrutivo: o esforço de reter e narrar sem alterar o fundo de um texto favorece
o desenvolvimento mental e cultiva a memória para aquisição de conhecimento.
Carácter pedagógico: a literatura oral transmite normas que regem a vida em sociedade e
o comportamento individual.
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Carácter cultural: a literatura oral oferece a possibilidade de conhecer o sistema de
valores, a visão do mundo e os modelos culturais de um povo, contribuindo para a manutenção de
certas formas sociais e a língua.
Mucassete entende que a literatura oral é funcional e está intimamente ligada ao contexto social
dos indivíduos que a criam e a realizam. É expressão da cultura de um povo, ela manipula a língua
para expressar os seus valores, as suas crenças, tradição e sobretudo a sua cosmovisão, ou seja, a
visão do mundo. Ademais, é um instrumento facilitador do dinamismo cultural.
A cancão é um dos géneros da literatura oral mais divulgados, dada a sua versatilidade e
comunicabilidade. As cancões tem o mérito de armazena o vocabulário, os conceitos e expressões
tradicionais bem como a informação cultural e os eventos históricos da sociedade africana
(Maraire, 1991 apud Mucassete, 2007).
No contexto social, as cancões desempenham um papel muito importante, pois veiculam temáticas
que se ligam de forma intrínseca com a comunidade onde elas são produzidas. Os temas abordados
nas cancões são diversos incluindo o amor, elogio, critica, guerra e morte.
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O processo de ‘’mescla’’ de géneros é decorrente da representação da tradição oral por meio da
escrita, sobretudo, nas obras literárias africanas de língua portuguesa.
Um dos exemplos desse processo, é a obra do Mia Couto Pátio das Sombras, que é uma história
fabulosa em que a avó metaforicamente passa uma mensagem de alento ao neto, que perdeu o pai
ainda muito novo. O menino relaciona a mensagem com a ideia de sonho, o que parece ser mais
plausível na sua visão.
Quando se trata da morte, muitas vezes essas histórias surgem com o objectivo de confortar
alguém, trazendo uma explicação fantástica para o fato ocorrido, mascarando, dessa forma, fatos
cruéis da realidade.
O oitavo volume da coleção, O Caçador de Ossos, de Carlos dos Santos (2018), começa seguindo
exatamente a estrutura descrita anteriormente: “Era uma vez... Uma aldeia distante, entalhada na
encosta verdejante duma montanha majestosa, no lado oposto àquele de onde o Sol nascia”
(SANTOS, 2018, p. 5). Sinaportar, personagem principal do conto, vivia nessa aldeia e era um
jovem caçador muito famoso por conta da sua sorte nas caças.
Todo o povo acreditava que ele era abençoado pelos deuses, mas, na verdade, quem caçava eram
seus cães. Ele ficava com toda glória e toda carne, dando aos animais apenas ossos e farinha, até
o dia em que eles se revoltaram e pararam de caçar em protesto ao tratamento que recebiam de seu
dono. O rapaz achou que tinha sido amaldiçoado, por isso foi visitar o curandeiro da aldeia que
lhe revelou o verdadeiro problema e fez com que o rapaz mudasse suas atitudes: “Aqueles que
trabalham, que enfrentam os riscos e fazem sacrifícios não podem ser esquecidos quando chega à
altura de usufruir dos benefícios” (SANTOS, 2018, p. 20), disse o curandeiro.
Geralmente, nos contos tradicionais, existem personagens estereotipados que carregam a palavra
da sabedoria ou possuem vozes de comando que influenciam as ações da personagem principal
por meio de seus ensinamentos, como é o caso do curandeiro neste conto. Graças a ele, Sinaportar
mudou sua postura: “com essa mudança ele perdeu a antiga fama de caçador inigualável. Mas
conquistou o estatuto de homem de grande valor, porque, a cada dia que passava, o Sinaportar se
tornava melhor do ele próprio fora no dia anterior” (SANTOS, 2018, p. 21). (Fenner, Paz, &
Sparemberger, 2022)
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Conforme afirmamos anteriormente, está presente, nos cantos analisados, o carácter funcional da
literatura oral. Neste caso, visando educar as novas gerações sobre os valores que estes devem
desenvolver e conservar, não só para o seu bem como para o bem da sociedade no geral.
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9 Considerações finais
Em linhas gerais, é possível fazer duas constatações; a primeira é que, como afirma Paiva (2004),
o homem é um ser cultural, contudo, existe dependência mútua entre cultura e homem, na medida
que em a cultura produz o homem e, ao mesmo tempo, é por ele produzida; a segunda constatação
está ligada a linguagem como agente institucionalizador, isto é, um meio através do qual são
incutidos os valores culturais entre membros de uma determinada sociedade.
Porque a linguagem não resume-se apenas a palavra escrita, os membros da sociedade recorrem a
outras formas de expressão, neste caso, o que chamaríamos de literatura oral, que está intimamente
ligada ao contexto social dos indivíduos que a criam e a realizam. É expressão da cultura de um
povo, ela manipula a língua para expressar os seus valores, as suas crenças, tradição e sobretudo a
sua cosmovisão, ou seja, a visão do mundo.
A literatura oral caracteriza-se por ser imediata, móvel e anónima, colectiva, participada,
funcional, instrutiva, pedagógica, cultural e recreativa.
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10 Referências Bibliográficas:
1. Fenner, C. K., Paz, D. A., & Sparemberger, A. (2022). Marcas da oratura em contos de
Moçambique . CADERNO SEMINAL - ESTUDOS DE LITERATURA: imagens de
infâncias em literaturas africanas e/ou das diásporas africanas .
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