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Curso: Licenciatura em Música Popular Brasileira


Componente: Laboratório de Leitura e Produção de Textos Acadêmicos
Docente: Erica Bastos da Silva
Data: 23/07/2023 Turma/Semestre: 1
Discentes: Paulo de Oliveira Fagundes, José Henrique Santos Reis,
Manuel Marcelino Sousa da Silva

ELABORAÇÃO DE SÍNTESE

Conceitos apresentados: Língua e Fala

Embora essa seja uma síntese dos conceitos de língua e fala, achamos por bem iniciá-la fazendo
uma breve diferenciação entre língua e linguagem, a partir das leituras de Marcuschi e Saussure.

A faculdade da linguagem é um fato distinto da língua, mas que não pode ser exercido sem ela. (Saussure, 1997)

Para Saussure, não se confundem os dois conceitos; embora sejam complementares, a linguagem é
uma faculdade humana que antecede a língua; esta, por sua vez, é um instrumento de expressão da
linguagem. A língua ocupa espaço social e, portanto, é de natureza coletiva, como pode ser
observado no trecho seguinte:

A língua, em suas diferentes manifestações, é o principal instrumento de comunicação entre os seres humanos,
passando, portanto, por influências das múltiplas formas de interação e vivências sociais. (Marcuschi, 2008).

Ao sintetizarmos o conceito de fala, entendemos que esta se trata de uma comunicação dinâmica e
em tempo real, sujeita a modificações.

Os humanos – e não os dinossauros – são os maiores predadores de todos os tempos


deste planeta. Esse sucesso tem muito a ver com o fato de que, embora os sapiens
sejam pequenos e de pele macia, sem garras ou força significativa, eles falam uns com
os outros. (Everett, 2017)

Para Everett (2017), a “linguagem é a interação entre significado (semântica),


condições de uso (pragmática), propriedades físicas do inventário de sons (fonética),
gramática (sintaxe ou estrutura de sentença), fonologia (estrutura do som),
morfologia (estrutura da palavra)”. O propósito fundamental da linguagem é a construção
de comunidades, culturas e sociedades, as mesmas perpassadas por meio de mitos e
histórias, de forma oral ou escrita.

Para ilustrar esses conceitos, utilizaremos informações trazidas à tona pelo Maestro Letieres Leite
no campo da Música Popular Brasileira e pelo Professor Robert W. Slenes, em seu estudo
histórico-linguístico sobre o escravismo no Brasil.

Letieres é autor de um método de ensino musical conhecido como UPB, o Universo Percussivo
Baiano. Esse método nos permite compreender as claves (pequenos padrões rítmicos) como
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elementos que interagem com a herança dos povos trazidos ao Brasil durante a escravidão. Ele
utiliza a língua "tocada" nos instrumentos do Candomblé para rastrear sua origem étnica,
reconstruindo conexões históricas entre os ritmos fundamentais da diáspora africana e a música
contemporânea, onde esses padrões são mantidos, seja de forma deliberada ou intuitiva.

Slenes identifica um “contínuo cultural” entre os povos da África Central Ocidental e o Brasil,
consequência das interações entre cativos durante o escravismo. Através dessas interações foi
criado um elo cultural que se manifestou na língua, na comunicação, nas tradições e nos costumes,
permitindo a preservação de aspectos culturais desses povos mesmo em um ambiente adverso e
distante de suas terras de origem. Essa continuidade cultural possibilitou a formação de um
patrimônio comum, apesar das diferenças de origens e dialetos entre os escravizados.

Apesar de os cativos serem de origens diferentes e falarem dialetos distintos, havia entre eles uma
unidade etnolinguística e cultural (bantu/ centro-africana ocidental). Desde sua entrada nos navios,
sua longa e tormentosa viagem para as Américas serviria ao menos para refinar uma comunicação
em torno de palavras de fonética comuns ou semelhantes. Para que a comunicação fosse efetiva, se
fez necessário que os escravizados navegassem habilmente entre línguas para encontrar sentido
comum.

Nessa matriz linguística centro-africana, a palavra Calunga é parte de uma constelação de


significados ligados ao mar e à travessia de rios e corpos d’água, mas também ao mundo espiritual.
No Cosmograma Bakongo, Calunga está representada como a linha divisória entre a vida e a morte,
entre o mundo material e o mundo dos espíritos.
Slenes infere que dadas as circunstâncias históricas, ao adentrarem os navios “tumbeiros”, os
escravizados se deparavam com a certeza de que estariam realizando dupla travessia: a travessia da
imensidão oceânica e a travessia de vida e morte.

Esse evento é retratado simbolicamente no trecho inicial da canção Massemba, de Roberto


Mendes:

Que noite mais funda calunga


No porão de um navio negreiro
Que viagem mais longa candonga
Ouvindo o batuque das ondas
Compasso de um coração de pássaro
No fundo do cativeiro

Com base na explicação sobre o significado da palavra "Calunga" na matriz linguística


centro-africana, podemos perceber como os conceitos de língua e fala se relacionam. O exemplo
ilustra como a fala, ao ser dinâmica e mutável, permite a compreensão e transmissão de
experiências compartilhadas. A experiência de "Calunga" sobreviveu ao longo do tempo,
transmitida através da fala e assimilada em seus múltiplos significados, tornando-se um elemento
importante de cultura e resistência. Da mesma forma, na música de Letieres Leite, há muito de
oralidade e transmissão, onde a língua "tocada" carrega consigo o "DNA" de um determinado povo,
preservando ritmos ancestrais que sobrevivem ao serem assimilados do Candomblé à Música
Popular Brasileira.

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