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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

MESTRADO EM HISTÓRIA

VINÍCIUS FELIPE LEAL MACHADO

UM COLÉGIO PARA CAMPINAS: EDUCAÇÃO E


MODERNIDADE NA CIDADE QUE VIROU BAIRRO (1947-1961)

GOIÂNIA - GO

2019
Vinícius Felipe Leal Machado

UM COLÉGIO PARA CAMPINAS: EDUCAÇÃO E MODERNIDADE NA


CIDADE QUE VIROU BAIRRO (1947-1961)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História da Faculdade de História da
Universidade Federal de Goiás, como parte dos
requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre
em História.
Área de concentração: Cultura, Fronteiras e
Identidades.
Linha de Pesquisa: Fronteiras, Interculturalidades e
Ensino de História
Orientador: Prof. Dr. Leandro Mendes Rocha

GOIÂNIA - GO

2019
AGRADECIMENTOS

Ao sentar-me para escrever este texto de agradecimentos, percebo, sinceramente,


que sou tomado pela sensação de catarse. Uma sensação forte no peito, que se traduz em
olhos marejados. O ímpeto de meditar sobre os acontecimentos destes últimos anos se
mistura com a alegria eufórica da resolução de um árduo trabalho, permeado por muitos
medos. Medos baseados, principalmente, na insegurança de não conseguir corresponder
às expectativas dos outros e de mim mesmo sobre minhas capacidades.

Sim, carreguei comigo as expectativas de minha família ao longo desse processo,


uma vez que, ao anunciar que estava ingressando no mestrado em História da
Universidade Federal de Goiás, passei a representar minha família, como o membro que
“foi mais longe nos estudos até hoje”. Nesse sentido, enchi de orgulho minha avó paterna,
Vanda Maria Leal, de 77 anos, que exercera com paixão a função de professora primária
na cidade de Itajá-GO, entre os anos de 1978 e 1986, e também na cidade de Aparecida
de Goiânia, entre 1987 e 1992, quando se aposentou e passou a dedicar seus saberes
pedagógicos exclusivamente aos netos, despertando nossa admiração e respeito desde
cedo. Lembro-me, também, das conversas com meu pai, que tanto preza o sucesso
escolar, como forma resguardo e fortalecimento da dignidade individual. Ele, de forma
muito acertada, sempre dizia: “se tem algo que nunca poderão tirar de você, são os estudos
e o conhecimento proveniente dele”. Levo esta máxima comigo, seja no papel de
estudante, seja quando ocupo a função de professor. Tento transmitir aos jovens o real
sentido destas palavras de meu pai através de meu trabalho. Agradeço-lhe pai, pelos
ensinamentos que, como este, moldaram meu caráter. Minha tia, Vânia Maria Leal,
também foi, ao longo de minha vida, grande incentivadora dos avanços que consegui
obter, fossem eles pequenos passos ou grandes saltos, como esse que dou agora. Presente
em muitos momentos, desde minha “Colação de Grau” na já longínqua quarta série
primária, até na formatura de minha primeira graduação, ela, com certeza, se fez muito
importante nesta trajetória. Agradeço-lhe por isso. Carinhosamente, rendo graças também
à minha mãe, Maria Lúcia Felipe, que mesmo morando longe, torceu incansavelmente
pelo meu sucesso e se preocupou comigo em todos os aspectos, sempre perguntando sobre
minha saúde física e mental. Seguramente, em nossas longas conversas pelo telefone,
ajudamo-nos mutuamente, com carinho e palavras de afeto que se mostraram tão
necessárias à superação dos momentos difíceis como também na ampliação dos
momentos de alegria partilhados. Agradeço à forte presença incentivadora, muitas vezes
disfarçada de irreverência e bom humor, do meu irmão, Gabriel Henrique Leal Machado,
com quem compartilho boas conversas que, sem dúvidas, nos levaram e continuarão nos
levando ao amadurecimento conjunto. Com ele partilhei, certamente, os melhores
momentos de minha vida: a infância, época que nos rende tão boas memórias e
gargalhadas. Que nossos laços sejam eternamente fortalecidos pela certeza de que somos
almas conectadas por laços provenientes de nossa origem comum e pelo fato de
crescermos juntos (sempre), física e emocionalmente. Dedico especial zelo em
agradecimento à memória de minha avó materna, Santana Maria de Jesus, falecida
durante o curso, em 2018. Após uma longa vida “bem vivida”, de total dedicação às filhas
e aos netos, ela me ensinou que o amor pode ser surpreendentemente simples, ao contrário
do que se costuma pensar entre as pessoas que, assim como eu, tendem a complica-lo,
“problematizando até mesmo o que que não necessita de problematizações”. Agradeço a
sempre carinhosa - e caridosa - tia Maria de Lourdes Alves de Oliveira, que cuidou de
minha avó Santana com notável esmero e amor incondicional até os últimos dias dela.
Enfim, à toda minha família, entre primos e primas, tios e tias, deixo meus sinceros
agradecimentos pela permanência em minha vida, como esteio de mais esta conquista.
Hoje estou certo de que suas expectativas representaram, não cobranças por resultados,
mas a confiança de todos no fato de que eu poderia mais ir mais longe do que eu mesmo
imaginava.

Todo o período dedicado à execução deste trabalho, iniciado em março de 2017 e


findado em 2019, foi marcado por uma sequência de oportunidades ímpares na minha
vida. Essa história, que julgo ser um divisor de águas em minha trajetória – não apenas
profissional – mas como ser humano, começou a ser escrita um pouco antes. Tudo
começou no segundo semestre de 2016, com minha aprovação no processo seletivo, o
qual, a propósito, considerei bastante difícil, pelas características de cada etapa e pela
qualidade observada nos demais candidatos com os quais tive contato, muitos deles,
colegas e amigos com quem eu tivera o prazer de trabalhar antes. Eu estava afastado dos
estudos acadêmicos em História, minha área de formação original, desde a conclusão de
minha graduação, em 2009. Em 2016, eu era mais um professor na rede pública, lotado
(e adaptado) na mesma escola, desde 2010. Apesar dos desafios cotidianos enfrentados
no ambiente de trabalho, posso afirmar que me encontrava em minha zona de conforto,
familiarizado tanto com a escola, quanto com os alunos e colegas. Lecionar era um métier
sobre o qual acreditava possuir domínio suficiente para, pelo menos, não me sentir
desconfortável. No entanto, àquela altura, pelo fato de ter me distanciado gradativamente
das densas leituras da academia, considerava-me despreparado para pleitear uma das
vagas no mestrado da UFG. Costumava dizer que “estava enferrujado” para esse
empreendimento que, a meu ver, era tão ousado. “Não consigo competir com os jovens
recém-saídos da graduação”, pensava intimamente. É lembrando especificamente daquele
momento que devo fazer meu agradecimento a uma pessoa muito especial: à professora
Dra. Heloísa Selma Fernandes Capel, da Faculdade História da UFG. Agradeço
imensamente pelo dia em que recebi de suas mãos o folder de divulgação do processo
seletivo daquele ano e pelas palavras de incentivo que, sinceramente, fizeram toda a
diferença na minha escolha de tentar. Atuando como professor em uma disciplina
chamada “Projeto de Vida”, existente no currículo dos Centros de Ensino em Período
Integral do Estado, em diversos momentos percebi um fato que senti na pele naquele dia:
são de palavras positivas e serenas, como as que dispensou a mim, que as almas cansadas,
confusas ou fragilizadas necessitam em sua eterna busca por orientação e sentido. Quando
tais palavras são provenientes de alguém que inspire verdadeira admiração em quem as
recebe – como no seu caso, professora Heloísa - acredito que seu efeito seja
potencializado. A senhora me fez crer que era possível. Além disso, tive a oportunidade
de ser seu aluno ao cursar a Disciplina “História e Estudos Culturais”, meu primeiro
desafio durante o curso. Experienciei com entusiasmo cada aula, observando sua
metodologia de ensino, suas escolhas didáticas e seu profundo conhecimento acerca dos
mais diversos temas. Busquei absorver o máximo que pude, de cada texto e de cada aula.
Por fim, agradeço-lhe, também, pelo aceite em participar da banca de avaliação deste
trabalho, em fase de qualificação. Obrigado por cada sugestão preciosa e correção
necessária, realizadas no intuito de contribuir para a melhoria do material final.

Agradeço, em mesmo sentido, ao meu orientador, professor Dr. Leandro Mendes


Rocha, que pacientemente me auxiliou e me guiou pelos meandros da pós-graduação. Seu
olhar apurado me mostrou caminhos metodológicos que minha inexperiência não me
permitia enxergar. Nossas reuniões de orientação sempre funcionaram de forma bastante
eficiente, ajustando, corrigindo o curso e renovando as energias para dar continuidade ao
trabalho. Cada orientação resultou no aprimoramento de minha conduta como
pesquisador e refletiu positivamente em minha escrita. Obrigado por ter feito tudo o que
fez por mim, demonstrando profundo respeito ao meu tema e meu objeto de pesquisa, do
início ao fim de nossa trajetória conjunta.

À professora Míriam Bianca do Amaral Ribeiro, da Faculdade de Educação da


UFG, empenho, também, meus sinceros agradecimentos. Obrigado por ter respondido tão
gentilmente ao meu convite para participar da Banca do Exame de Qualificação deste
trabalho. Suas ideias e sugestões me auxiliaram a pensar e desenvolver melhor diversos
pontos da pesquisa e da escrita, além de suscitar um forte desejo de dar continuidade ao
estudo deste tema e suas ramificações em trabalhos, pesquisas e publicações futuras, nas
quais espero fortalecer nossos vínculos colaborativos em prol do enriquecimento da
historiografia da educação goiana. Não poderia deixar de registrar, ainda, o quanto lhe
sou grato pelo “batismo” da presente pesquisa: o título final que este trabalho recebeu –
o qual me deixou muito feliz - é creditado a uma de suas excelentes sugestões.

Agradeço aos meus amigos Rodrigo Mendes Oliveira, Rodrigo Augusto Leão
Camilo, Marco Aurélio Corrêa e Enver Roger Pereira pela parceria que extrapola em
muito o universo acadêmico, apesar de ter surgido nele. Desde 2006, estudamos juntos,
sonhamos juntos e crescemos juntos, partilhando das experiências profissionais e pessoais
que nos tornaram os homens que somos hoje. Vejo vocês como os irmãos que a vida me
deu. O incentivo de vocês durante esta empreitada me fortaleceu, e espero poder retribuir
sempre que precisarem.

Registro meu profundo agradecimento aos amigos, entre colegas de equipe e


alunos, que tive o prazer de fazer no CEPI Professor Pedro Gomes ao longo dos anos em
que lá estive, em especial, à figura do diretor José Joaquim Gomes Neto e da
coordenadora Maria Alice Silva Gomes. Sempre muito solícitos e compreensivos, não
pouparam esforços para me garantir todas as condições necessárias à realização desta
pesquisa, naquilo que os concernia, principalmente no que diz respeito ao acesso aos
documentos que constituem a parte basilar do trabalho. A execução deste trabalho não
seria possível sem a generosidade e o incentivo destas pessoas.

Agradeço fortemente à SEDUCE que, com base no Artigo 116 da Lei nº


13.909/200, alterada pela Lei nº 19.070/2015, e em observância à Portaria nº 2388/2016,
concedeu parecer favorável ao meu pedido de Licença para Aprimoramento Profissional,
no dia 24 de março de 2017. Mesma gratidão concedo à FAPEG, que me proporcionou
as condições financeiras necessárias para o desenvolvimento desta pesquisa mediante a
concessão de bolsa de estudos durante o período do curso. A retribuição a ambas virá de
meu comprometimento, assumido publicamente, em retornar à sociedade todo o
investimento, em mim empenhado, na forma de trabalho qualificado como professor na
rede pública estadual. Pretendo entregar o melhor desempenho possível aos alunos, tendo
como base o aprimoramento profissional proporcionado por este curso, que me garantiu
o aprofundamento de conhecimentos acerca da Teoria da História, da História Regional,
da historiografia local, da História da Educação no Brasil e em nosso Estado, além de
inúmeros outros conhecimentos que poderão ser utilizados em sala de aula, durante as
aulas que eu vir a ministrar.

À minha esposa e companheira de todos os momentos, Fernanda Lúcia Pureza,


dispenso os mais ternos agradecimentos por todo o suporte emocional a mim concedido
ao longo desta jornada. Não foi fácil e tudo o que passei, na verdade, passamos juntos.
Peço desculpas pela ausência em muitos momentos, pelas noites mal dormidas e pelas
lamúrias angustiantes que a fiz ouvir durante os momentos em que vacilei, me cansei e
sofri. Obrigado por compartilhar sua força comigo. Te amo!

Por fim, o mais importante agradecimento: a Deus, que permitiu que tudo isso
acontecesse exatamente como foi. Entre os sabores e dissabores da vida, fica a certeza de
que Deus é bom o tempo todo.
Vocês que fazem parte dessa massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais do que receber

E ter que demonstrar sua coragem


À margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem lhe comer
[...]
Admirável Gado Novo
(Zé Ramalho, 1979)

Aos professores, professoras e


estudantes de ontem e hoje.
RESUMO

Esta pesquisa investiga o processo de criação e instalação do primeiro colégio público


estadual do bairro de Campinas, localizado em Goiânia-GO. Este trabalho foi conduzido
sob a ótica fortalecida dentro do campo da História das Instituições Escolares, que
pressupõe que as escolas inevitavelmente dialogam com a sociedade que a rodeia de
maneira permanente, construindo, em si e em torno de si, uma cultura própria, que, em
parte, reflete a realidade social circundante e, em parte, a transforma, emanando para a
comunidade sua influência através de seus elementos constitutivos. Buscamos, portanto,
compreender a situação cultural na qual se desenvolveu a instrução e a educação escolar
na região de Campinas, desde que esta localidade era um pequeno povoado, até a criação
do Ginásio Estadual de Campinas, em 1947. Instalado em 1950, o ginásio foi
posteriormente denominado Colégio Estadual de Campinas e, por fim, rebatizado, em
1961, com o nome que o tornou famoso entre estudantes e famílias goianienses a partir
daquela década: Colégio Estadual Professor Pedro Gomes. Nesse intuito, rastreamos,
através da história de Campinas, a qual fora marcada por grande precariedade material na
maior parte do tempo, os fatores condicionantes que fizeram da criação deste colégio um
importante marco modernizador para a antiga cidade que cedeu suas terras para a
edificação da nova capital do Estado. Assim, apresentamos uma visão baseada na
interpretação de que a compreensão da história da fundação deste colégio passa,
necessariamente, pela história de seu lugar, sendo os fatos ligados à construção de
Goiânia, elementos centrais nesta narrativa.

Palavras-chave: Colégio Estadual Professor Pedro Gomes. Campinas. Campininha das


Flores. Educação Escolar. Modernização.
ABSTRACT

This research investigates the process of creation and installation of the first state public
high school in the district of Campinas, located in Goiânia-GO. This work was conducted
from a perspective strengthened within the field of the History of School Institutions,
which presupposes that schools inevitably dialogue with the society that surrounds it in a
permanent way, constructing, in itself, and around itself, a culture of its own. This one,
in part, reflects the surrounding social reality and, in part, transforms it, emanating for the
community its influence through its constituent elements. Therefore, we sought to
understand the cultural situation in which schooling and school education developed in
the Campinas region, since it was a small village, until the creation of Ginásio Estadual
de Campinas, in 1947. Installed in 1950, the gymnasium was later renamed Colégio
Estadual de Campinas, and finally renamed, in 1961, with the name that made it famous
among Goiânia’s students and families from the 1960s onwards: Colégio Estadual
Professor Pedro Gomes. In this sense, we trace, through the history of Campinas, which
had been marked by great material precariousness in most of the time, the conditioning
factors that made the creation of this college an important modernizing landmark for the
ancient city that ceded its lands for the edification of the new state's capital. Therefore,
we present a view based on the interpretation that the understanding of the history of the
foundation of this college necessarily passes through the history of its place, being the
facts linked to the construction of Goiânia, central elements in this narrative.

Keywords: Colégio Estadual Professor Pedro Gomes. Campinas. Campininha das Flores.
School Education. Modernization.
LISTA DE IMAGENS

Figura 1 - Trecho da Ata de Instalação do Ginásio Estadual de Campinas.................... 60


Figura 2 - Carta de Abssay Teixeira a Pedro Ludovico ................................................. 95
Figura 3- Foto do álbum de Attílio Correa Lima............................................................ 96
Figura 4 - Capa da primeira edição do Jornal "O Popular" .......................................... 101
Figura 5 - Capa da edição nº 146 de “O Popular” ........................................................ 102
Figura 6 - Capa do jornal O Popular, edição nº 382 .................................................... 104
Figura 7 - Transporte coletivo que realizava a viagem entre Goiânia e Campinas ...... 109
Figura 8 - Edição do Jornal Folha de Goiaz de 13 de janeiro de 1950......................... 113
Figura 9 – Praça Joaquim Lúcio, Campinas, década de 1940 ...................................... 115
Figura 10 - Obras de construção do centro administrativo de Goiânia ........................ 121
Figura 11- Registro da primeira feira livre organizada em Goiânia ............................ 121
Figura 12 – Obras de construção do prédio do Liceu transferido para Goiânia .......... 127
Figura 13 - Prédio próprio do Colégio Estadual Professor Pedro Gomes em 1966 ..... 128
Figura 14 - Fachada do Grupo Escolar Henrique Silva. ............................................... 138
Figura 15 - Lei nº 2568, de 10 de setembro de 1959 .................................................... 165
Figura 16 - Capa da edição nº 26 do Jornal de Notícias, de 11 de janeiro de 1953 ..... 172
LISTA DE SIGLAS

AGECOM: Agência Goiana de Comunicação


CEPI: Centro de Ensino em Período Integral
CEPPG: Colégio Estadual Professor Pedro Gomes
FAPEG: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás
HISTEDBR: Grupo de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil"
PCB: Partido Comunista Brasileiro
PSD: Partido Social Democrático
PSP: Partido Social Progressista
PTB: Partido Trabalhista Brasileiro
SEDUCE: Secretaria do Estado de Goiás de Educação, Cultura e Esporte
UDN: União Democrática Nacional
UFG: Universidade Federal de Goiás
UGE: União Goiana de Estudantes
UNICAMP: Universidade Estadual de Campinas
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 17
CAPÍTULO I - MUITO ANTES DO COLÉGIO PEDRO GOMES: AS ORIGENS DA
CAMPININHA E O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR NA
REGIÃO ......................................................................................................................... 47
1.1 - Modernidade, modernização e progresso em Goiás: considerações iniciais...... 47
1.2 - A ação propulsora da Igreja Católica como marco da instrução formal no Estado
de Goiás e do advento da educação escolar em Campinas ......................................... 60
1.3 - O povoamento da Campininha e a epopeia dos pioneiros da educação escolar na
região .......................................................................................................................... 65
CAPÍTULO II - O LUGAR DO COLÉGIO PEDRO GOMES: A CAMPININHA DAS
FLORES E A CONSTRUÇÃO DE GOIÂNIA ............................................................. 87
2.1 – A transição entre velha e a nova Campininha: 1930 faz soprar nas campinas os
ventos da mudança que os trilhos não trouxeram ....................................................... 87
2.2 – A escolhida: apesar dos pesares, um novo começo para a velha Campininha .. 91
2.3 – A expectativa vendida pelos jornais e os auspícios de uma modernidade
anunciada .................................................................................................................... 98
2.4 - Campinas no contexto dos anos iniciais de Goiânia: dos dias difíceis de cidade
falida a centro da vida social e do lazer goianiense .................................................. 106
2.5 - A construção de uma modernidade possível: a Campininha no epicentro do
discurso de progresso ................................................................................................ 118
CAPÍTULO III - O TEMPO DO COLÉGIO PEDRO GOMES: FUNDAÇÃO E
TRANSFORMAÇÃO EM MEIO AO NOVO CONTEXTO DA POLÍTICA GOIANA
(1945-1961) .................................................................................................................. 131
3.1 – A redemocratização, entre disputas e promessas: o contexto político que
possibilitou o nascimento de um ginásio estadual em Campinas ............................. 131
3.2 - A narrativa da fundação e seus personagens: o teatro político apresenta o novo
palco campineiro da educação .................................................................................. 137
3.3 – Projetos educacionais e escolas como elementos de poder e instrumentos
eleitoreiros: a quem interessava o secundário público em Campinas? ..................... 145
3.4 – A elevação do Ginásio: enfim, um colégio para Campinas! ........................... 159
3.5 – O novo nome é a cereja do bolo: quem é a pessoa que emprestou seu nome ao
colégio de Campinas? ............................................................................................... 168
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 180
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 184
ANEXOS .................................................................................................................. 192
INTRODUÇÃO

Conhecer os caminhos que levaram ao surgimento de uma pesquisa pode


esclarecer muito sobre a forma como ela foi conduzida e os resultados que obteve,
ajudando o leitor a refletir sobre o trabalho desenvolvido pelo autor/ pesquisador, de
maneira mais apropriada. Na relação de emissão e recepção de um conhecimento
proveniente – não somente, mas especialmente - de pesquisa científica, os meandros da
trajetória na qual se deu seu desenvolvimento, quando revelados, podem indicar ao leitor
– e intérprete do trabalho - um modo de compreender as escolhas narrativas e
metodológicas que implicam tanto na forma, quanto no conteúdo do produto que se tem
em mãos.

Acredito, portanto, que seja necessário, antes de qualquer outra coisa, explicar o
que levou ao desenvolvimento deste trabalho, revelando ao leitor, a relação existente entre
o pesquisador e o objeto da pesquisa. Para uma melhor organização da estrutura narrativa,
este texto introdutório abordará os tópicos descritos a seguir. Primeiramente,
desvelaremos os fatores pessoais e profissionais que concorreram para que chegássemos
à concepção da ideia inicial desta pesquisa. Em seguida, percorreremos, também, os
caminhos tomados em seu decorrer, explicitando a construção do problema que suscitou
todo este esforço, a justificativa para tal empreendimento, os objetivos idealizados e as
hipóteses que sustentamos. Apresentamos, ainda, a caracterização das “fontes”1, ou seja,

1
A concepção de fonte histórica adotada neste trabalho não corresponde à noção historicista de que o
documento escrito resguarda a exata dimensão do passado, tampouco à equivocada ideia de que a fonte,
como pode sugerir o nome, “jorra” informações que estão à espera de um intérprete. Nosso entendimento
acerca da ideia de “fonte”, como se convencionou chamar, é influenciada por Lucien Febvre, quando, em
Combates pela História, afirmou: “A história se faz com documentos escritos, quando existem. Mas ela
pode e deve ser feita com toda a engenhosidade do historiador... Com palavras e sinais. Paisagens e telhas.
Formas de campos e ervas daninhas. Eclipses lunares e cordas de atrelagem. Análises de pedras pelos
geólogos e de espadas de metal pelos químicos. Numa palavra, com tudo aquilo que, pertencendo ao
homem, depende do homem, serve o homem, exprime o homem, significa a presença, a atividade, os gostos
e as maneiras de ser do homem”. (1989, p. 249). A fim de reforçar a construção deste argumento e justificar
o uso de tais conceitos ao longo do texto, amparo-me ainda na definição encontrada no Dicionário de
Conceitos Históricos (2009), que coloca o conceito de “fonte histórica” como correlato de “documento”,
“registro” e “vestígio”, explicando que estes termos são todos apropriados “para definir tudo aquilo
produzido pela humanidade no tempo e no espaço”. Nesse sentido, quaisquer elementos componentes da
herança material e imaterial deixada pelos antepassados servem de base para a construção do conhecimento
histórico. A explanação aprofunda-se no sentido de afirmar que “o termo mais clássico para conceituar a
fonte histórica é documento”. Alerta-se, no entanto, que esta palavra deve ser empregada de forma crítica
pelo historiador, pois devido às concepções da escola metódica, ou positivista, esteve associada a uma gama
de ideias preconcebidas, significando não somente o registro escrito, mas principalmente o registro oficial.
Na historiografia contemporânea, “vestígio é a palavra atualmente preferida pelos historiadores que
defendem que a fonte histórica é mais do que o documento oficial: que os mitos, a fala, o cinema, a
literatura, tudo isso, como produtos humanos, torna-se fonte para o conhecimento da história”. (SILVA;
SILVA, 2009, p. 158).

17
os documentos e demais referenciais apreciados no conjunto constitutivo de nossa
proposta. Ademais, situamos a pesquisa no plano teórico-metodológico, enquadrando-a,
não de forma limitante, mas elucidativa, dentro dos domínios que proporcionaram os
insumos requeridos no processo de “pensar” nosso objeto. Este texto se finaliza com a
apresentação de nosso plano de redação, constituído de necessárias apresentações das
circunscrições temáticas estabelecidas para cada parte do trabalho.

Neste périplo introdutório, tomarei a liberdade de me expressar em primeira


pessoa sempre considerar necessário, tendo em vista o caráter íntimo da motivação que
deu origem ao trabalho que aqui se apresenta.

Tenho uma relação especial de carinho com o Colégio Estadual Professor Pedro
Gomes. Trabalhei na instituição, como professor, desde que me graduei em licenciatura
em História, pela Universidade Estadual de Goiás, ao final do ano de 2009. Este ciclo
seguiu de forma contínua até março de 2017, quando ocorreu o meu afastamento, em
caráter de “licença para aprimoramento profissional”, concedida pela Secretaria de
Estado de Educação, Cultura e Esporte, a fim de que eu pudesse realizar o curso de pós-
graduação ao qual este trabalho encerra. Neste ínterim, a escola passou por uma de suas
muitas reconfigurações político-pedagógicas, sendo convertida, em 2013, em um centro
de ensino em período integral2, exigindo, deste modo, que seu corpo docente trabalhasse
em regime de dedicação exclusiva. Este fato tornou a permanência no ambiente escolar
cada vez mais intensa e intensiva - em quantidade e em qualidade - tanto nas relações
estabelecidas no interior da equipe, quanto em relação ao trabalho desenvolvido junto ao

2
No início do ano letivo de 2013, a SEDUCE, à época denominada “Secretaria de Estado da Educação”,
implantou o “Programa Novo Futuro” sob a justificativa de atender à crescente demanda social pela
ampliação do tempo escolar com qualidade a fim de “atender estudantes do ensino médio na perspectiva da
formação de um cidadão livre, solidário e qualificado”, em acordo com o art. 2 da Lei de Diretrizes e Bases
9.394/96. Assim, segundo a SEDUCE, os CEPI’s (Centros de Ensino em Período Integral), inicialmente
criados e regulamentados sob a Lei Estadual 17.920/2012, são pautados em um modelo pedagógico
diferenciado, o qual se baseia em “experiências de sucesso aplicadas em outros estados pelo país”. As
escolas pertencentes ao “Programa Novo Futuro” iniciam suas atividades, de segunda a sexta, às 7h30,
servem três refeições diárias, encerrando suas atividades às 17h, perfazendo um total de 45 aulas semanais
mescladas em um currículo até então inédito em Goiás, constituído por um Núcleo Básico Comum e um
núcleo de disciplinas exclusivas ao modelo, denominado “Núcleo Diversificado”. A SEDUCE informa que
o programa respondia às diretrizes do “Pacto pela Educação do Estado de Goiás”, “atendendo às unidades
de ensino com melhoria da infraestrutura, valorização do profissional e ensino de excelência”. As palavras
do órgão, afirmam ainda que “tais modificações geram profundas transformações que para se perenizarem
na rede necessitam de um processo de acompanhamento específico e especializado. O Programa Novo
Futuro tinha por função estruturar os CEPI’s e garantir a implantação e acompanhamento do programa”.
Atualmente, a Lei Estadual Nº 19.687, de 22 de junho de 2017, substitui as leis anteriores que
regulamentavam as escolas implantadas em 2013 e 2014 e denominação “Programa Novo Futuro” já não é
mais utilizada oficialmente pela SEDUCE.

18
corpo discente. Desde o início desta fase, muitos colegas optaram por sair e voltar a
trabalhar em escolas “de tempo regular”, que passaram a ser chamadas, por alguns, de
“escolas/ colégios de meio-período”.

A minha opção pela permanência no Pedro Gomes, sob este modelo pedagógico,
estreitou ainda mais minha relação com a escola, seus símbolos e elementos históricos
constituintes, pois, sem dúvidas, passei a desfrutar de mais tempo para observá-los e
refletir sobre eles. Isto ocorreu, em função do aumento substancial do tempo de
permanência naquele ambiente, regido desde a mudança para CEPI, pela dinâmica de
trabalho popularmente conhecida por “horas-relógio”. Esta situação difere da realidade
de composição da carga-horária à qual muitos professores estavam acostumados até
então, conhecida como “horas-aula”. Na realidade dos CEPI’s, ficara estabelecido que os
professores deveriam estar na escola diariamente, de segunda a sexta-feira, das 7:30 às
17:00. Nesse regime de trabalho, de dedicação exclusiva a uma única escola, o quadro de
atividades de cada professor deve ser preenchido com - além do quantitativo de aulas e
seus respectivos planejamentos - atividades que não necessariamente concernem ao
exercício da docência, pelo menos de forma direta. Deste modo, o envolvimento com
atividades extraclasse, como a elaboração e organização de eventos em geral, a adequação
e decoração de espaços, como as “salas-ambiente”, dedicadas a uma única disciplina, o
aconselhamento pedagógico de alunos, conhecido como “tutoria pedagógica” e outras
atividades cotidianas, passaram a integrar a nova rotina dos professores que, assim como
eu, permaneceram integrando o grupo de trabalho da instituição.

Assim, destaco como ponto importante para a narrativa de origem deste trabalho,
o fato de que, sempre que possível, eu ter desempenhado tarefas de ajudante na
organização dos espaços que seriam atingidos pela reforma pela qual o colégio passava,
desde 2010. Muitas foram as ocasiões em que, havendo necessidade de uma sala ser
desocupada para obras, e constatando-se ali a existência de “papéis antigos”, como diziam
os funcionários, eu costumava ser chamado para participar do manuseio e remoção deles.
Naqueles momentos, “descobrimos” um grande volume de arquivos empoeirados,
aparentemente intocados há anos, com décadas de registros das atividades desenvolvidas
no colégio desde sua criação.

Apesar do fascínio despertado em mim por aqueles documentos de páginas


amareladas “pelo tempo”, somado ao inebriante cheiro de pó e “coisas antigas”, e ainda
à peculiar visão dos registros manuscritos, muitas vezes em belas letras cursivas,

19
inicialmente, eu ainda não sabia como poderia interpretar tais vestígios do passado.
Apenas guardava em meu íntimo um profundo respeito e vontade de conhecer e preservar
aqueles elementos da história do chão em que pisava.

Portanto, posso afirmar que, concomitantemente ao aprimoramento do exercício


da atividade de professor, toda a experiência que vivi no CEPPG concorreu, também, para
o despertar de meu interesse para com o ofício de historiador. Naquele ambiente, que
marcou meu debut profissional, tive contato frequente com as tradições da escola, com
elementos associados ao passado, e também com ideais de modernidade aplicados à
educação, que me pareciam ser, à primeira vista, paradoxais. Conforme observei, a
“tradição e a grandeza do colégio” explicitada em tais elementos, estiveram
constantemente presentes no jargão cotidiano da equipe, sobretudo entre os colegas “mais
antigos na casa” e na fala de eventuais visitantes – estudantes e profissionais de épocas
passadas - saudosos que, vez ou outra, se revelavam testemunhas de histórias ali vividas.

Aliás, ao longo do tempo que passei naquela escola, percebi que visitas de antigos
membros dos corpos discente e docente, além de funcionários administrativos de outros
tempos e membros da comunidade vizinha, não eram fato incomum. Logo, intuí que
estava em um ambiente que fora palco muitas de vivências e que trazia à tona muitas
memórias, recuperadas nas narrativas daquelas pessoas. Para mim, isso instigava
fortemente o desejo de desenvolver as potencialidades investigativas que eu enxergava
naquele cenário. Algumas conversas informais que tive com ex-alunos e funcionários,
mesmo antes da ideia deste trabalho existir também possuem importância nesta trajetória.

Ainda do ponto de vista pessoal, acrescenta-se a tudo isso, a importância que


atribuo a momentos que, ao longo de sete anos, levaram ao meu desenvolvimento como
profissional e como ser humano, ao aprender, na prática intra e extraclasse, que o dia-a-
dia escolar requer muito mais que os conhecimentos teóricos assimilados na universidade
durante a graduação.

No Pedro Gomes, comecei a entender o que é ser professor. Percebi que a


capacidade de lidar com colegas de trabalho, com pais de estudantes e claro, com os
próprios estudantes, era parte de um processo de amadurecimento pessoal e profissional
cheio de nuances - e percalços - que nunca cessam. Percebia na prática, ali naquele espaço,
o sentido das palavras de Paulo Freire, expressas em seu último livro publicado em vida
e do qual gosto muito, “Pedagogia da Autonomia” (1996). Cada um dos três capítulos
daquela obra me inspirava de uma maneira diferente, porém de forma naturalmente
20
complementar, e juntos ganhavam, em minha mente, aplicações cada vez mais concretas
no meu dia-a-dia na escola, das quais destaco algumas: ensinar exige rigorosidade
metódica (p.14), pesquisa permanente (p.15), respeito aos saberes dos educandos (p.16);
ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição à discriminação (p.20), bom-senso
(p.36), curiosidade (p.51), apreensão da realidade (p.41) (FREIRE, 1996).

Imbuído de ideais como estes, tracei os primeiros passos de minha trajetória de


aprendizado a respeito do exercício real da profissão de professor, desenvolvendo não
somente aspectos técnico-laborais, mas, principalmente, o lado humano que é tão
importante ao processo educativo. Um processo essencialmente humano (p.56) , no qual
devemos, professores e estudantes, nos manter conscientes da nossa condição de
inacabados (p.12), de condicionados (histórico, social e culturalmente), mas não
determinados (p.31), e que ao ensinar estamos intervindo diretamente no mundo (p.61)
(FREIRE, 1996).

Em 2012, graduei-me também em Pedagogia, buscando conciliar o “olhar de


historiador” - o qual, para mim, diz respeito a uma forma de pensar o mundo e a um
modus operandi profissional muito específicos - com este meu crescente interesse pelas
competências didáticas, pelas práticas de ensino, e sobretudo, pelo papel social da
educação e da escola. Penso que, por ser professor de História, em escola da rede pública,
meu interesse nestes temas nunca foi focado apenas na assimilação das teorias e
tendências pedagógicas contemporâneas, mas nos intrincados processos históricos que
culminaram no momento atual da educação e do ensino formal, e suas implicações na
realidade social com a qual me deparava todos os dias.

Então, ainda em 2012, já era crescente meu interesse em compreender a educação,


como fenômeno social e histórico, inserido (e condicionado) no tempo e espaço em que
ocorre. Nesse sentido, a percepção da escola como um dos espaços de ocorrência deste
fenômeno e a educação escolar como vetor deste processo, que, por sua vez, está
diretamente implicado nos processos de socialização, conforme descritos por Durkheim 3,
me inquietavam bastante.

3
Em “Educação e Sociologia”, Durkheim (1978) apresentou uma visão funcionalista dos processos de
educação ao envolvê-los tão somente na “formação preparatória” dos indivíduos para a vida em sociedade.
Esta visão sobre a educação - desdobrada do conceito de socialização - posteriormente estudado e redefinido
por inúmeros teóricos, foi debatida e, de forma muito profícua, abordada criticamente pelo fato de não
considerar o poder de reprodução das estruturas sociais, como forma de dominação, a partir da dissimulação
das reais funções e objetivos dos sistemas educativos formais, como observado por Pierre Bourdieu e Jean
Claude Passeron no influente livro “A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino” (1975).

21
Deste modo, objetivava aplicar as interpretações destas leituras acerca do mundo
escolar em algo concreto: uma pesquisa, talvez. Mas como a faria? Por onde começar?
Queria decifrar aquela escola tão antiga, que permanecia, e persistia, ao longo do tempo,
em meio àquela comunidade. Sem meias palavras, o Colégio Pedro Gomes passou a me
fascinar. Inquietavam-me questões sobre a trajetória histórica da escola em que, assim
como eu fazia naquele momento, desde os anos 1950, pessoas com as mais diversas
características punham seus pés. Pessoas que estiveram ali desempenhando diferentes
funções sociais inerentes àquele espaço - o ambiente escolar - como professores,
estudantes e demais envolvidos, sem deixar de exercerem suas dimensões políticas,
econômicas e culturais, em suas múltiplas possibilidades de ação.

Como mencionado anteriormente, todo este interesse fora severamente acentuado


quando me deparei com documentos, narrativas escritas e outros registros conservados
em arquivo que, à sua maneira, testemunhavam aspectos da história do colégio. Tinha,
naquele momento, encontrado a força motriz inspiradora que faltava para transformar um
interesse que se desenvolvia, até então, de forma desorganizada e informal, em algo mais
estruturado: o desejo de historiar, de escrever algo que contribuísse para a historiografia,
quem sabe, a partir daqueles documentos. Acerca da dimensão técnica que envolve o
trabalho de “historiar”, acreditamos que a análise minuciosa dos vestígios da ação humana
em tempos que precedem o exato momento presente constitui uma das principais tarefas
do chamado “ofício de historiador”, como consagrado por Marc Bloch, um dos
fundadores da Revista Annales, na obra “Apologia da História ou O Ofício do
Historiador” (1949). O século XX marcou significativamente o incremento da produção
historiográfica ao ter - mediante o trabalho de historiadores como o próprio Marc Bloch,
Fernand Braudel, Jacques Le Goff e muitíssimos outros - consumado a ampliação das
possibilidades de estudos em todas as suas dimensões.

Os domínios da História, como dito por Ciro Flamarion Cardoso, na célebre obra
homônima organizada em conjunto com Ronaldo Vainfas, se abriram ao horizonte de
novos campos surgidos a partir de diálogos interdisciplinares entre a História e outras
ciências. Assim, novos olhares, perspectivas e recortes se lançaram sobre os mais diversos

Sobre as teorias mais modernas acerca deste problema, destaco, ainda, o entendimento de Peter Berger e
Thomas Luckmann (1973), que definiram o processo de socialização humana em dois momentos distintos
e complementares: “a socialização primária” e a “secundária”. Este segundo momento ocorre dentro dos
espaços públicos, dentre os quais a escola tem a primazia de ser, por convenção, seu local principal. Nesse
processo, se iniciam e ampliam os universos relacionais, que envolvem os professores, os colegas e a
comunidade educativa de convívio cotidiano. (BERGER & LUCKMANN, 1973).

22
gêneros daquilo que, de alguma forma, testemunhava a existência pretérita das
sociedades, grupamentos e indivíduos no transcurso do tempo. Este trabalho está situado
em um desses novos domínios surgidos a partir da complementaridade estabelecida pelas
ciências, sobretudo as que se dedicam a compreender o ser humano em seus aspectos
sociais: a História Cultural.

As bases teóricas da História Cultural, a partir das quais os campos da História da


Educação, seu subcampo História das Instituições Escolares, bem como a História Social
e a História Urbana, sob os quais este trabalho fora desenvolvido, foram, desde o início
do século passado, amplamente discutidas por autores que buscaram compreender,
organizar e ampliar o uso das ferramentas conceituais proporcionadas pelo amplo
espectro aberto pela História Cultural desde o seu surgimento, na Europa, até sua chegada
ao Brasil, na década de 1990. Entre estas ferramentas conceituais, há destacado interesse,
no escopo desta pesquisa, a respeito das proposições interpretativas de significados
simbólicos presentes na memória, no imaginário, no discurso e demais valores que
constituem o aspecto intangível da experiência cultural humana. A materialidade de uma
instituição de ensino é somada a estes aspectos gerando a “Cultura Escolar”, um conceito
de grande valia para a análise que desenvolvemos neste trabalho, sobretudo na terceira
parte. Portanto, este trabalho se baseia na premissa de que seja possível conhecer muito a
respeito de uma sociedade a partir da investigação dos contextos e circunstâncias de
inserção e desenvolvimento da educação escolar no espaço social em que se situa.

A respeito das escolhas teórico-metodológicas assumidas nesta pesquisa,


preferencialmente – mas não unicamente - referenciadas no amplo espectro que
compreende a História Cultural, remetemos à explanação de Sandra Jatahy Pesavento
(2003). A autora explica que, no cenário pós Segunda Guerra Mundial – momento em
que o Colégio Estadual Professor Pedro Gomes foi criado, a propósito - a realidade
complexa dos novos acontecimentos dos campos social e cultural resultou em uma crise
dos paradigmas consagrados na historiografia mundial aceitos até então. Segundo a
autora, a perspectiva marxista e as visões da História difundidas a partir Escola dos
Analles já não apresentavam, sozinhas, as ferramentas de análise necessárias para se
compreender uma realidade tão multifacetada e dinâmica. Nas palavras de Pesavento:
“Sistemas globais explicativos passaram a ser denunciados, pois a realidade parecia
mesmo escapar a enquadramentos redutores, tal a complexidade instaurada no mundo pós
Segunda Guerra Mundial” (PESAVENTO, 2003: p. 9).

23
Portanto, a escolha de conceitos próprios do campo da História Cultural para a
execução deste trabalho se mostra adequada, tendo em vista que nenhuma outra
perspectiva historiográfica apresenta possibilidades interpretação dos documentos, que
constituísse meios tão favoráveis à compreensão das dimensões simbólicas e subjetivas
da existência humana, postas em ação nas relações sociais e na atuação sobre o mundo
material. As instituições escolares são partes importantes na composição das teias
culturais estabelecidas em uma comunidade. Aspectos políticos e econômicos estão
implicados em sua existência e funcionamento, deste modo, a História de um lugar é
construída a partir das relações entre pessoas e instituições, entre elas, as que são voltadas
para o ensino, a educação formal das pessoas (sobretudo os jovens). Assim, investigar a
história de uma escola ou colégio, pode ser um mergulho nas características culturais4
que se estabelecem e se transformam dentro e fora da instituição.

Este trabalho analisa escritos documentais e bibliográficos. No trabalho analítico


empreendido sobre os documentos, buscamos preconizar os preceitos metodológicos
deixados por Le Goff quando, no texto “Documento/Monumento”, do livro “História e
Memória, nos reporta que o documento é “produto da sociedade que o fabricou segundo
suas relações de forças que aí detinham o poder”. (LE GOFF, 2003: p. 536)

Assim, apreender as minucias contidas em um documento histórico excede, em


muito, sua leitura literal. Nos documentos analisados neste trabalho, buscamos interpretar
as várias dimensões do discurso narrativo contido, em um esforço que levou ao incessante
cruzamento de informações de diferentes fontes e origens a fim de assegurar a
possibilidade mais escorreita de assimilação do contexto histórico da época e dos fatores
que levaram à produção dos documentos5.

4 A propósito do conceito de cultura defendido por Pesavento, que se aplica à proposta deste trabalho, a
autora afirma que cultura é: o “conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para
explicar o mundo. Expressão da realidade que se faz de forma simbólica, ou seja, admite-se que os sentidos
conferidos às palavras, às ações e aos atores sociais se apresentam de forma cifrada, portando já um
significado e uma apreciação valorativa” (PESAVENTO, 2003: p. 15).
5 Encontramos, nas palavras de Le Goff, o rigor metodológico que nos inspirou na execução deste trabalho,
especialmente quando o autor afirma: “O documento não é inócuo. É, antes de mais nada, o resultado de
uma montagem, consciente ou inconsciente, das sociedades que o produziram, mas também das épocas
sucessivas durantes as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser
manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o
ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados,
desmitificando-lhe o seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das
sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si
próprias. No limite, não existe um documento verdade. Todo documento é mentira. Cabe ao historiador não
fazer o papel de ingênuo.” (LE GOFF, 2003: p. 538)

24
Deste modo, ao analisar os documentos escritos, do ponto de vista metodológico,
observamos os apontamentos feitos por Pesavento a respeito da corrente da cultura escrita
(PESAVENTO, 2003, p. 69-71). Segundo a autora, a perspectiva da “cultura escrita”
considera os vestígios escritos e as interpretações deles advindas, de suma importância
para a construção da narrativa que se faz sobre o passado. Portanto, na pesquisa, buscamos
enfatizar os estudos na produção, função e usos sociais dos textos, bem como seus
sentidos implícitos e explícitos. Assim, ao analisar os documentos, antes de qualquer
aprofundamento específico, as questões básicas que orientaram nossa leitura preliminar
foram: “Quem fala?”; “De onde fala?”; “O que se fala?”; “Como se fala?”; “Para quem
se fala?”; “Qual o a função desse texto?”

Documentos arquivísticos, como os que compõem a base documental deste


trabalho, estão intimamente ligados à escrita da História. Em certa medida, este tipo de
fonte tornou-se símbolo do trabalho historiográfico. Os arquivos são assim destacados,
devido às possibilidades de informações, vozes e espaços ali construídos, das mais
diversas formas, resguardados através do tempo6. A compreensão da inegável dimensão
histórica inerente aos documentos encontrados nos arquivos que pesquisamos,
principalmente no próprio Colégio Pedro Gomes, onde dezenas de atas, além de livros de
registros pedagógicos e administrativos das décadas de 1950 e 1960 ainda são
conservados, nos motivou a investigar as relações entre as anotações e a história daquele
lugar que foi palco da história de um sem número de pessoas.

Deste modo, os arquivos, como o que encontramos no Colégio, podem permitir


um vislumbre através do tempo, em que seus registros alcançam, de como uma
instituição, uma comunidade ou a sociedade se organizava, revelando como suas
estruturas se alteram dentro do decurso do tempo. Assim, os documentos podem assumir
uma característica de conservação e/ ou transmissão de raízes institucionais e, de forma
ainda mais ampla, culturais, que podem conduzir a um diálogo entre passado e presente7.

6
A respeito desta ideia, nos amparamos nos escritos do professor e pesquisador francês Bruno Delmas,
quando este afirmou: “Conservar seus arquivos é um ato indispensável. Eles são o produto necessário do
funcionamento de toda sociedade organizada. Quanto mais uma sociedade se desenvolve, mais as
atividades humanas são numerosas, diversificadas e interdependentes. Quanto mais documentos são usados
para que os homens registrem seus atos assegurem a sua continuidade e estabeleçam relacionamentos
duráveis entre si, mais eles produzem e conservam arquivos. [...] O acúmulo de relações cada vez mais
densas e amplas aumenta de forma exponencial as necessidades e usos de documentos precisos para agir,
negociar e viver. Os arquivos aumentam proporcionalmente a isso.” (DELMAS, 2010. p. 19-20).
7
Neste sentido, o historiador, e teórico da arquivística estadunidense, Theodore Roosevelt Schellenberg,
elaborou um entendimento com o qual compactuamos: “Um documento pode ser útil por vários motivos.

25
Entre as fontes documentais escritas, destacamos neste trabalho, também, os
textos de leis e projetos de lei, de alguma forma, vinculados à narrativa que buscamos
compor. A utilização deste tipo de fonte se fez necessária à guisa de ilustração e extração
de informações que possibilitassem a contextualização política do desenvolvimento de
Campinas, de Goiânia e de Goiás, bem como a trajetória do ensino público nestas
localidades e, por fim, da própria trajetória do Colégio Pedro Gomes. O uso de
documentos desta tipologia, em nossa pesquisa, também nos permitiu acrescentar uma
apreciação crítica sobre o caráter oficial de tais documentos a despeito da disparidade
notória, muitas vezes observada, entre eles e a realidade, dada a inconsistência na
aplicação de algumas das leis elencadas neste trabalho.

Enfim, a pesquisa documental proporcionou a observação do processo de


maturação e/ ou evolução de processos, a ação de indivíduos, grupos, a aplicação e o uso
de conceitos e conhecimentos, a interpretação de comportamentos, mentalidades e
práticas, entre outros, favorecendo, sem dúvidas, o aprofundamento da investigação à
qual este trabalho se dedicou. Corrobora nossa experiência a afirmação da socióloga
Maria Cecília de Souza Minayo (2008: p. 22), que se posiciona acerca da pesquisa
documental afirmando que ela sustenta “a apreensão da realidade e o potencial criativo
do pesquisador”, que pode estabelecer a tessitura de uma trama construída a partir dos
elementos históricos obtidos no decurso da pesquisa documental, em busca de respostas
ao problema levantado.

Além da pesquisa documental, empreendemos, também, uma vasta pesquisa


bibliográfica para a realização da adequada compreensão do universo temático no qual
nosso objeto se insere, tanto no plano teórico, quanto no historiográfico, sempre visando
os objetivos estabelecidos para a pesquisa. Todo o trabalho de revisão e pesquisa
bibliográfica foi, deste modo, de suma importância para este trabalho, pois, em termos
gerais, buscou-se levantar o maior número e, assim, abranger a maior quantidade de
produções já realizadas e disponibilizadas ao conhecimento público, acerca dos temas
abordados neste trabalho. A opção por este tipo de pesquisa justifica-se pelo fato de que
um levantamento bibliográfico pertinente “oferece meios para definir, resolver, não

O valor que um documento contém, devido ao testemunho que oferece da organização e funcionamento da
administração, pode ocasionalmente ser o mesmo que o valor derivado de sua informação sobre pessoas,
coisas ou fenômenos.” (SCHELLENBERG, 2006. p. 182).

26
somente problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas” (MINAYO, 2008:
p.67).

Desta forma, a pesquisa bibliográfica não é mera repetição do que já foi tornado
público. Na verdade, seu uso permite o exame do tema sob diferentes enfoques e
perspectivas, o estabelecimento de diálogos de diferentes ideias para a composição de
uma nova abordagem, muitas vezes, diferente do original, permitindo chegar a conclusões
inovadoras. Foi exatamente isto que nos propusemos a fazer, sempre que necessário, para
a construção da narrativa e das análises que compõem este trabalho.

Quando a pesquisa foi iniciada, os primeiros documentos oficiais do arquivo da


escola com os quais tive contato, foram cadernos de registros denominados “Ata de
Instalação do Ginásio e Reuniões: 1950 a 1967” e “Registros das atas do Conselho dos
professores do Colégio Estadual Professor Pedro Gomes: 1964 a 1968”. Cada uma
contém 100 folhas numeradas mecanicamente, na maioria das quais há relatos
manuscritos de solenidades, reuniões pedagógicas e cerimônias diversas realizadas no
âmbito do colégio. Virgílio de Mello Feijó (1988), ao discutir especificamente os sentidos
dos arquivos escolares, apresenta a seguinte definição conceitual de documento: “[...]
todos os papéis contendo informações que ajudem a tomar decisões, comuniquem
decisões tomadas, registrem assuntos de interesse de uma organização e indivíduo”
(FEIJÓ, 1988, p. 24). De acordo com o ponto de vista do autor, esta definição se aplica
de modo pleno às especificidades da documentação escolar, ao considerarmos, no
processo de análise, os elementos aos quais ela se vincula, no que tange à sua produção,
finalidade e circulação. Deste modo, o que tínhamos em mãos era, do ponto de vista
formal, um inegável “[...] conjunto de documentos contendo informações sobre a vida
escolar tanto da organização quanto do indivíduo” (FEIJÓ, 1988, p. 25).

Atas, como as que analisamos nesta pesquisa, são documentos de caráter


normativo, ou seja, sua existência atende à obrigatoriedade de registro de situações
específicas, como reuniões, eventos ou quaisquer circunstâncias institucionais que
mereçam ter seus pormenores registrados e arquivados, seja por motivos de segurança
jurídica ou organização interna. Do ponto de vista da estrutura textual, as atas, como as
que analisamos, seguem parâmetros narrativos descritivos dos acontecimentos aos quais
se referem. O narrador segue parâmetros mínimos de objetividade, dentro de um formato
pré-estabelecido. Isso não exclui a possibilidade de existência de um “discurso implícito”,
relacionado ao estilo e às intenções de quem escreve, caracterizado, principalmente, pela

27
seleção de palavras, especialmente adjetivos e advérbios. Assim, um mesmo fato relatado
em ata por redatores distintos, tende a ter estruturas diferentes, enfatizando elementos
diferentes de acordo com a subjetividade empregada na seleção vocabular de quem redige
o texto. A construção sequencial da narrativa, por exemplo, expressa escolhas a respeito
daquilo que mereceu uma descrição mais detalhada ou apenas uma breve citação. A
seleção vocabular também deve ser considerada como elemento marcador de época, estilo
e discurso. A escolha de adjetivos e pronomes de tratamento dão indícios da forma como
o registro pode ganhar uma forma correspondente a uma visão de quem o escreve ou
coordenou sua realização. As atas de instalação do colégio, bem como as atas de reuniões
que se seguiram, tinham o objetivo de transmitir para o papel a visão que seria tomada
como “oficial” da escola, talvez a única e definitiva, sobre o acontecimento registrado.

Depois de definir a problemática norteadora da investigação, iniciou-se a busca


por mais vestígios documentais nos arquivos da escola, da SEDUCE, da AGECOM, do
Arquivo Histórico Estadual, do Instituto Histórico Geográfico de Goiás, e no acervo da
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Nesta fase, procuramos menções à escola em
publicações jurídicas, com ênfase no Diário Oficial do Estado, em publicações periódicas,
como os jornais Folha de Goyaz, Jornal de Notícias, O Popular e outros, além de discursos
políticos em que o colégio fosse citado, registrados no arquivo de notas taquigráficas da
Assembleia Legislativa do Estado de Goiás.

Todos os documentos analisados neste trabalho, foram abordados sob as seguintes


questões iniciais: “quando foi produzido?”; “Quem o produziu?”; “Sob qual contexto o
fez e com qual objetivo?” Assim, entendemos os documentos como portadores de um
discurso, no qual é importante identificarmos, para além do conteúdo, também seus
agentes e o público alvo. Nesse sentido, o trabalho de “historiar a existência de
instituições escolares”8 a partir de documentação produzida interna e externamente à

8
Acerca do trabalho de investigação empreendido pelo “historiador de instituições escolares”, o historiador
da educação português Justino Pereira de Magalhães teoriza: “A história das instituições educativas
constitui um processo epistêmico que medeia entre a(s) memória(s) e o arquivo, não se limitando a
memória, às dimensões orais, mas incluindo as crônicas e outros textos afins e não se confinando o arquivo
à documentação e informações escritas. Totalidade em organização e construção, uma organização
educativa não é estática, nem a percepção de conjunto se obtém a partir de uma única fonte ou de uma só
vez. Se a primeira aproximação à história de uma instituição educativa se obtém a partir de um olhar
externo, é, todavia à medida em que o historiador mergulha na sua interioridade a partir de informações
que lhe permitam uma análise sistemática sob um mesmo conjunto de fenômenos, que a história estabelece
hipóteses-problemas e esboça um sentido para as suas investigações. Uma compreensão, uma hermenêutica
que se processa de forma gradual e para a qual os primeiros contatos com o arquivo são fundamentais. O
arquivo, tal como se encontra organizado, quando o investigador inicia o seu trabalho, constitui uma

28
escola possui peculiaridades metodológicas que concernem à necessidade constante de
promover a intersecção dos elementos narrativos e discursivos inerentes às realidades
interior e exterior, identificando-as e alternando entre ampliação e aproximação do olhar
analítico.

Seguindo estas premissas, ao longo do processo investigativo percebi que a


história do colégio, dada sua antiguidade, se relacionava com muitas outras histórias,
tecendo uma trama, à primeira vista confusa, como a maioria das investigações parecem
ser a princípio - e, certamente, como todo vislumbre do passado tende a ser em um
primeiro momento - mas muito útil para tentar compreender aspectos da história local,
mesmo mantendo o foco em minha área de interesse: a história da educação em Campinas
e em Goiânia.

Desde o início da pesquisa, percebemos a existência de uma forte ligação entre as


narrativas que compunham a história da escola e a história do bairro de Campinas, a
história de Goiânia, e do Estado. Estas ligações se mostraram, principalmente, através da
percepção de uma “existência orgânica” da instituição CEPPG, evidenciada pela sua
inserção em tantas narrativas que dão parte das inúmeras vidas de pessoas que, de alguma
maneira, tiveram suas trajetórias relacionadas ao colégio. Compreender, de forma mais
metódica, como isso se dava, se tornou, então, meu primeiro objetivo e levou ao
questionamento básico deste trabalho: “Como as instituições escolares se relacionam com
a sociedade, transformando-a e sendo transformada?”

Logo, buscamos investigar e interpretar a dinâmica interna do colégio em seus


primeiros anos de funcionamento e, principalmente, compreender como se estabeleceu
sua relação com a sociedade circundante. Assim, o problema central da pesquisa foi
estabelecido: “Como a educação escolar e a criação do Colégio Estadual Professor Pedro
Gomes foram inseridas no discurso e nos processos de modernização regionais?” ou “O
que significa a criação do Colégio Pedro Gomes dentro destes processos?”

A partir das reflexões proporcionadas pelo problema central, colocado diante de


nossos referenciais teóricos e de outros estudos pertinentes aos nossos interesses, outras
questões relacionadas ao entendimento da questão principal, naturalmente, foram
aparecendo ao longo pesquisa, dentre as quais destacamos: “Como era o cenário

informação multidimensional e uma representação muito aproximada da evolução, das dimensões e do


sentido que a instituição empresta ao seu quotidiano e ao seu destino.” (MAGALHÃES, 1999: p.70).

29
educacional-escolar em Campinas, ao longo de sua existência, e na nova capital goiana,
no momento que antecede a criação da escola, na década de 1940?”; “Quais relações
políticas e socias permearam a criação e o funcionamento da instituição em seus primeiros
anos?”; “De que forma elementos condicionantes externos, como as políticas públicas,
questões sociais, econômicas e culturais impactaram sobre a dinâmica escolar?” Estes
foram alguns problemas secundários que tentamos responder ou refletir a respeito ao
longo do trabalho, por entender que possíveis conclusões acerca da questão central
necessariamente perpassavam por estas problemáticas.

Ao estudar sobre a história da educação em Goiás, a partir de trabalhos como


“História da Instrução Pública em Goiás”, do professor Genesco Ferreira Bretas 9 e “A
ilusão pedagógica (1930-1945): estado, sociedade e educação em Goiás” de Maria de
Araújo Nepomuceno10, várias inquietações, antes dispersas em minha mente, começaram
a se fundamentar de maneira mais específica em questões que podem ser sintetizadas
neste amplo problema: “como o Colégio Estadual Professor Pedro Gomes refletiu as
dinâmicas políticas impostas à educação pública em momentos distintos da história
regional e nacional?”11.

Deste modo, ao aprofundar as leituras no campo da História da Educação, deparei-


me com muitos trabalhos que se dedicavam ao enriquecimento temático e às discussões
teórico-metodológicas voltadas para a pesquisa no subcampo da História das Instituições
Escolares. Assim, autores como o já citado Décio Gatti Junior, além José Luiz Sanfelice
e, principalmente, Demerval Saviani, entre outros, que são citados ao longo do
desenvolvimento do texto deste trabalho, contribuíram sobremaneira para expandir nossa

9
Genesco Ferreira Bretas foi professor da Faculdade de Educação da UFG e pioneiro na implantação dos
cursos de educação na Universidade Federal de Goiás (UFG) e Universidade Católica de Goiás (UCG). Sua
obra sobre a história da instrução pública em Goiás é uma das, senão a principal referência sobre o assunto.
Este trabalho representa uma síntese detalhada da evolução do quadro educacional goiano desde o século
XVIII até o período da década de 1960. Em seu estudo, ele se aprofunda na interpretação dos papéis
desempenhados por pessoas, instituições e pelas políticas públicas adotadas para o setor, nos diversos
momentos abarcados pela obra.
10
Professora titular do Departamento de Educação da Universidade Católica de Goiás.
11
Quando estudadas, na fase inicial da pesquisa, na qual enfatizamos leituras teóricas, as palavras de Décio
Gatti Júnior reforçaram essa nossa inquietação: “De modo geral, pode-se afirmar que as escolas e o sistema
educacional, por mais heterogêneos que sejam, aparecem como localidades que não podem ser
negligenciadas como amostra significativa do que realmente acontece em termos educacionais em qualquer
país, e, especialmente no Brasil, onde as análises governamentais têm a tendência de obscurecer a
problemática real de seu sistema escolar. Nesse sentido, seja na formulação de interpretações ou análises
que deem conta do presente ou do passado, as escolas apresentam-se como locais que portam um arsenal
de fontes e de informações fundamentais para a formulação de interpretações sobre elas próprias e,
sobretudo, sobre a história da educação brasileira. (GATTI JUNIOR, 2002: p. 4)”

30
compreensão do objeto e do problema que tínhamos em mãos, bem como, ajudaram a
instrumentalizar nossas análises. Considero importante ressaltar que muitos dos autores
consultados são ligados, por suas contribuições, ao HISTEDBR (Grupo de Estudos e
Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil" da Faculdade de Educação da
Unicamp).

A respeito da História das Instituições Escolares, refletimos sobre o surgimento e


a evolução deste campo, bem como a maneira como os trabalhos nessa seara tem
contribuído para a construção da historiografia da educação. Tal exercício se faz
necessário a fim de situarmos nosso objeto no plano do conhecimento, de forma a dialogar
com a produção já existente até o momento e demonstrarmos, assim, as possibilidades de
investigação e de interpretações possíveis. Para fomentar as escolhas teórico-
metodológicas deste trabalho, portanto, mostra-se imperativo adotar, como pontapé
inicial, a conceituação de “Instituição Escolar”. “O que é uma instituição?”; “Quais
elementos a caracterizam?”; “Qual seu papel social?”. São estes, alguns dos
questionamentos surgidos que pretendemos responder a partir deste ponto.

Portanto, comecemos do geral para o particular. Saviani (2005: p. 28) explica que,
apesar de uma aparente diversidade de significados, relativos às suas origens etimológicas
e valores semânticos adquiridos em nosso idioma12, o conceito de instituição diz respeito
a “algo que não estava dado e que é criado, posto, organizado, constituído pelo homem”,
como nos habituamos a dizer: algo instituído. O autor deixa claro que, obviamente, nem
toda estrutura criada pelo homem é uma instituição13.

Nas sociedades ocidentais modernas, a instrução formal é uma necessidade social


de caráter permanente, na medida em que prepara novas gerações de pessoas para a

12
Saviani (2005: p. 28) explica que o vocábulo “instituição” deriva do latim “institutio, onis”, possuindo
quatro significados aceitos: 1) disposição, plano, arranjo; 2) instrução, ensino, educação; 3) criação,
formação; 4) método, sistema, aglutinação temática (escola, doutrina, seita). Estas acepções, por sua vez,
geraram ideias relacionadas a ações a elas correspondentes, afirmando o amplo escopo semântico da
palavra. sendo respectivamente: 1) organizar, ordenar, arrumar; 2) educar, ensinar, instruir; 3) criar,
conceber, formar (tanto no âmbito material, quanto no imaterial); 4) aglutinar, juntar de acordo com
afinidades, sob determinado critério de classificação.
13
Sobre esta situação de aplicação do conceito de instituição, Saviani afirma: “A instituição se apresenta
como uma estrutura material que é constituída para atender a determinada necessidade humana, mas não
qualquer necessidade. Trata-se de necessidade de caráter permanente. Por isso, as instituições são criadas
para permanecer. Se observarmos mais atentamente o processo de produção de instituições, notaremos que
nenhuma delas é posta em função de alguma necessidade transitória, como uma coisa passageira que,
satisfeita a necessidade que a justificou, é desfeita. [...] como todos os produtos humanos, por serem
históricos, não deixam, em última instância de ser, também elas, transitórias. Mas sua transitoriedade se
define pelo tempo histórico e não, propriamente, pelo tempo cronológico e, muito menos, pelo tempo
psicológico.” (SAVIANI, 2005: p.28).

31
convivência adequada aos parâmetros de civilização e cidadania celebrados cultural e
legalmente, e também as condiciona para o desempenho de funções sociais relacionadas
ao mundo do trabalho. Assim, as instituições educativas são - assim como as que se
prestam a qualquer outra finalidade - estruturas essencialmente sociais, tanto na origem,
já que nascem das necessidades postas pelas relações entre as pessoas, quanto no
funcionamento, uma vez que se constituem de agentes que estabelecem relações entre si
e com a sociedade na qual se insere. Sua natureza permanente lhes impõe duas outras
características: o funcionamento dinâmico e a mutabilidade organizacional em função das
alterações das demandas sociais. Deste modo “elas não se constituem como algo pronto
e acabado”. São unidade de ação, constituídas por um sistema de práticas, seus agentes e
os meios e instrumentos por eles operados, tendo em vista a finalidade perseguida pela
instituição. (SAVIANI, 2005: p. 28)

Para Bourdieu e Passeron, as instituições escolares têm como especificidade o fato


de produzir e reproduzir seus agentes internos, para, assim, se auto reproduzir enquanto
instituição essencial à sociedade e suas estruturas, como explicitado, de forma crítica, na
sua “Teoria do sistema de ensino enquanto violência simbólica”14. Assim, sua atuação é
legitimada e consolidada em um ciclo que se retroalimenta.

Embora gozem de espaço privilegiado na sociedade para exercer, com autoridade,


o “trabalho pedagógico secundário” (aquele guiado por uma pedagogia explícita e
formalizada como trabalho pedagógico institucionalizado escolar) (BOURDIEU;
PASSERON, 1975: p. 53-75), as instituições educativas não detêm o monopólio
exclusivo deste exercício. Assim, explica Saviani (2005), além da família - a qual está
implicada na educação espontânea, assistemática e informal, característica do “trabalho
pedagógico primário” (não institucionalizado) - observa-se que instituições e
organizações não diretamente ligadas à formação escolar, mas a outros campos de atuação
social, como igrejas, sindicatos, partidos políticos, entidades civis filantrópicas, grupos
comunitários, podem ser responsáveis por desenvolver “atividade educativa informal”.
Além disso podem, ao mesmo tempo, atuar no âmbito do trabalho pedagógico secundário,

14
Os sociólogos franceses afirmam que as escolas e demais instituições de ensino formal compõem um
sistema interligado que se ocupa da reprodução das dinâmicas sociais nas quais estão inseridas: “Todo
sistema de ensino institucionalizado deve as características específicas de sua estrutura e de seu
funcionamento ao fato de lhe é preciso produzir e reproduzir, pelos meios próprios da instituição, as
condições institucionais cuja existência e persistência (auto-reprodução da instituição) são necessários,
tanto ao exercício de sua função própria de inculcação quanto à realização de sua função de reprodução de
um arbitrário cultural do qual ele não é o produtor (reprodução cultural) e cuja reprodução contribui à
reprodução das relações entre os grupos ou as classes.” (BOURDIEU; PASSERON, 1975: p. 64)

32
“seja organizando e promovendo modalidades específicas de educação formal, seja
mantendo escolas próprias em caráter permanente. Nesse âmbito, as instituições que se
destacam nitidamente entre as demais, são, sem dúvida, a Igreja e o Estado.” (SAVIANI,
2005: p. 29)

Este enunciado de Saviani, que destaca a atuação da Igreja e do Estado, é


caríssimo a este trabalho, uma vez que, ao longo dos capítulos, sobretudo no primeiro e
no terceiro, abordamos, com ênfase, o papel destas duas entidades e de entes particulares
no exercício das atividades ligadas à instrução formal e, especificamente, à educação
escolar em Campinas, em Goiânia e em Goiás. Quando nos referimos a “educação
escolar”, subentende-se referência à atividade pedagógica desenvolvida no ambiente de
uma instituição dedicada a esta finalidade: a escola. A escola, enquanto conceito ligado à
formação humana, surge como uma necessidade emergente da complexificação das
estruturas sociais em decorrência do crescimento populacional e da urbanização,
geradores do aprofundamento da divisão do trabalho, por sua vez associada ao
estabelecimento de uma sociedade de classes15.

Destarte, sustentamos a utilização dos conceitos de “escola”, “instituição escolar”,


“instituição de ensino”, e “instituição educativa”, na realização das menções às
instituições citadas neste trabalho, incluindo o Colégio Pedro Gomes. Fazemos isso com
base nos referenciais apresentados, que servem amplamente às análises que
desenvolvemos, em vista dos objetivos propostos em nosso projeto de pesquisa. Como
desenvolvido ao longo do trabalho, a reflexão acerca da relação entre a escola-objeto e a
sociedade perpassa, inevitavelmente, pela reflexão sobre o papel social da escola. As
palavras de Saviani (2005) nos proporcionam insumos necessários ao desenvolvimento
inicial desta reflexão. O autor expõe, sinteticamente, os processos de transformação aos
quais a escola foi submetida, ao longo da História ocidental, em função das diferentes
configurações do contexto socioeconômico, enfatizando o fato de que, em cada momento,

15
Sobre isto, Saviani explica: “A palavra “escola”, como se sabe, deriva do grego e significa,
etimologicamente, “o lugar do ócio”. A educação dos membros da classe que dispõe do ócio, de lazer, de
tempo livre passa a se organizar na forma escolar, contrapondo-se à educação da maioria, que continua a
coincidir com o processo de trabalho. Vê-se, pois, que já na origem da instituição educativa ela recebeu o
nome de escola. Desde a Antiguidade, a escola foi se depurando, se complexificando, se alargando até
atingir, na Contemporaneidade, a condição de forma principal e dominante de educação, convertendo-se
em parâmetro e referência para se aferir todas as demais formas de educação. (SAVIANI, 2005: p. 31)

33
havia um elemento que se destacava no papel de agente promotor da educação, alterando
os modelos pedagógicos nos quais os processos educativos se dariam16.

O modelo de escola “pública, universal, gratuita, laica e obrigatória”, associada


ao desenvolvimento do sistema capitalista é o modelo no qual o Colégio Estadual
Professor Pedro Gomes se enquadra. Seu surgimento se deu justamente no decorrer do
processo de consolidação do avanço capitalista para o interior do Brasil que rendeu, entre
outros frutos, a criação de Goiânia. Todo este processo foi esmiuçado, sob nossa ótica, ao
longo dos três capítulos deste trabalho.

No decorrer da pesquisa, as leituras ligadas ao universo temático das instituições


escolares, conduziu-nos ao estudo do conceito de “Cultura Escolar”, o qual constitui uma
categoria de análise complexa, mas que, conforme observamos em vasta produção que
explora o conceito, tem sido um componente importante para a ampliação e o
aprofundamento das possibilidade de pesquisa do campo da História das Instituições
Escolares. Quando lidamos com a documentação que registra elementos do cotidiano do
Colégio Pedro Gomes, o conceito se fez necessário muitas vezes, especialmente para
analisarmos as intencionalidades implícitas e explícitas nos fatos relatados. Para Viñao
Frago, a cultura escolar se baseia no em todo o “conjunto de teorias, ideias, princípios,
normas, pautas, rituais, inércias, hábitos e práticas sedimentados ao longo do tempo em
forma de tradições [..] compartilhadas por seus atores, no seio das instituições educativas”
(VIÑAO FRAGO, 2006: p 73). Neste caso, o autor inclui, também, elementos de essência
subjetiva, como “formas de fazer e pensar, mentalidades e comportamentos”.

Dominique Julia traz sua visão acerca do tema, em uma abordagem sócio
histórica, que apresenta um ponto de vista mais ampliado acerca do escopo do conceito.
Ele afirma que a cultura escolar não pode ser abordada sem análise precisa das relações
conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período de sua história, com o conjunto

16
O autor volta à antiguidade para fazer esta associação entre as estruturais socioeconômicas e a produção
de modelos correspondentes de educação escolar: “após a radical ruptura do modo de produção comunal,
nós vamos ter o surgimento da escola, que na Grécia se desenvolverá como paidéia, enquanto educação de
homens livres, em oposição à duléia, que implicava na educação dos escravos, fora da escola, no próprio
processo de trabalho. Com a ruptura do modo de produção antigo (escravista), a ordem feudal vai gerar um
tipo de escola que em nada lembra a paidéia grega. Diferentemente da educação ateniense e espartana,
assim como da romana, em que o Estado desempenhava papel importante da organização da educação, na
Idade Média, as escolas trarão fortemente a marca da Igreja Católica. O modo de produção capitalista
provocará decisivas mudanças na própria educação confessional e colocará em posição central o
protagonismo do Estado, forjando a ideia de escola pública, universal, gratuita, leiga e obrigatória, cujas
tentativas de realização passarão pelas mais diversas vicissitudes.” (SAVIANI, 2005: p. 32).

34
das culturas que lhe são contemporâneas: cultura religiosa, cultura política ou cultura
popular. Assim, o autor define a cultura escolar como

Um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a


inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses
conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas
coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades
religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). Normas e práticas
não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos
agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar
dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os
professores primários e os demais professores. Mas, para além dos limites da
escola, pode-se buscar identificar em um sentido mais amplo, modos de pensar
e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades, modos que
não concebem a aquisição de conhecimentos e de habilidades senão por
intermédio de processos formais de escolarização. (JULIA, 2001: p. 10-11)

Enquanto Julia busca estabelecer conexões entre o interior e o exterior da escola,


Antônio Nóvoa se volta para uma visão pragmática do conceito em relação ao seu
emprego no estudo do funcionamento interno das instituições. Para o autor, a ideia de
cultura escolar proporciona condições para uma observação atenta da “internalidade” do
trabalho escolar, nomeadamente nos momentos de conflito e ruptura. Ele se preocupa,
portanto, com a cultura oriunda do funcionamento interno das escolas, em dinâmicas
cotidianas, que contemplam situações como “o desenvolvimento do currículo, a
construção do conhecimento escolar, a organização do cotidiano escolar, as vidas e as
experiências dos alunos e professores, eis instrumentos teóricos e metodológicos.”
(NÓVOA, Apud. SIMPLÍCIO NETO, 2010: p. 146)

Em seu livro “Escola e Cultura: as bases sociais e epistemológicas do


conhecimento escolar”, Jean-Claude Forquin expressa a relação entre a educação escolar
e a cultura: “a cultura é o conteúdo substancial da educação [...], a educação não é nada
fora da cultura e sem ela. Mas, reciprocamente, dir-se-á que é pela e na educação [...] que
a cultura se transmite e se perpetua” (FORQUIN, 1993: p. 14). Explicitar esta relação na
teoria deste autor é importante, pois ele desenvolve o conceito de cultura escolar sob uma
abordagem diferente, voltada para dois espectros dialéticos: a “cultura da escola” que é a
vivência da ampla cultura dentro das relações estabelecidas no interior da instituição
como: “um mundo humanamente construído, o mundo das instituições e dos signos, no
qual, desde a origem, se banha o indivíduo humano, tão somente por ser humano, e que
se constitui como que sua segunda matriz” (FORQUIN, 1993: p. 168). O segundo aspecto
é a cultura escolar, propriamente dita, que para o autor, se constitui então, da seleção
prévia dos elementos da cultura humana: científica, popular, erudita e de massas,

35
traduzindo-a para a perspectiva institucional, e construindo um conjunto de saberes que,
uma vez organizado, didatizado, compõe a base de conhecimentos sobre a qual trabalham
professores e alunos. Nas palavras do autor, a cultura escolar é o “conjunto de conteúdos
cognitivos e simbólicos que, selecionados, organizados e normalizados, sob os efeitos dos
imperativos didáticos, constituem habitualmente o objeto de uma transmissão deliberada
no contexto das escolas”. (FORQUIN, 1992: p. 47)

A propósito de toda esta discussão, aliás, convém relatar uma de nossas muitas
reflexões paradigmáticas resultantes do andamento da pesquisa. Quando este trabalho
ainda estava em sua fase embrionária, a categoria-campo da Cultura Escolar, cada vez
mais profícua na produção de pesquisas recentes em Sociologia da Educação e História
da Educação, parecia-nos ser a mais adequada para a análise que pretendíamos: conhecer
e analisar o ambiente de uma escola em determinado período, observando seus fatores
condicionantes. Ao longo do desenvolvimento do trabalho, entretanto, foi percebido que
o campo da História das Instituições Escolares permitia uma leitura da realidade escolar
sob um escopo ampliado, que poderia nos conduzir aos nossos objetivos de promover
intersecções entre a criação da escola e o desenvolvimento da cidade de Goiânia e,
especificamente, de Campinas. Enquanto nos estudos que se ocupam da Cultura Escolar,
as análises tendem a focar em elementos materiais e imateriais que atuam na construção
de uma atmosfera pedagógico-cultural própria da escola, geralmente situando-os no
espectro das práticas, representações, imaginário ou da cultura material (mobiliário,
material didático, disposição espacial), o campo das Instituições Escolares abre-nos o
leque, também, para outras abordagens investigativas não necessariamente concernentes
a questões pedagógicas, as quais, desde o início, pretendíamos extrapolar.

Percebemos, então, que estes dois subcampos da pesquisa em História da


Educação funcionam como categorias complementares, podendo proporcionar, juntos,
condições para uma rica compreensão acerca de uma instituição escolar, entendida como
elemento social gerador e disseminador de cultura, ao mesmo tempo, em que lida com as
fortíssimas influências externas, compostas por forças atuantes nas esferas políticas,
econômicas e sociais, sobretudo, no que diz respeito a aspectos oriundos da “cultura de
massas”. Todos estes elementos adentram os limites da escola junto com os agentes do
trabalho pedagógico e todos os demais indivíduos que ali de relacionam.

Outro elemento que, sem dúvidas, reforçou nossa convicção na pertinência deste
tema e objeto para a pesquisa foi a possibilidade de apresentar uma contribuição real ao

36
enriquecimento da historiografia da educação em Goiás. Do mesmo modo, também
pretendemos contribuir com a historiografia sobre Campinas e sobre Goiânia. Este
trabalho pode ser do interesse de estudiosos dos campos da História Social, da História
Urbana, da História Política de Goiás e, claro, da História da Educação e das Instituições
Escolares. Por se tratar de uma instituição responsável pela formação de muitas pessoas
ao longo de sua existência, acreditamos, também, no potencial desta obra em atingir
leitores que não atuam na área da pesquisa histórica. Ansiamos legar este trabalho
também aos antigos e atuais alunos da instituição, bem como seus professores e
funcionários de todas as épocas, assim como demais membros da rede estadual, figuras
políticas, memorialistas, escritores, jornalistas e quaisquer outros possíveis interessados.

Este trabalho goza, ainda, de expressivo ineditismo, uma vez que, no processo de
levantamento de fontes, notamos a quase total inexistência de bibliografia que possuísse
especificamente o CEPPG como objeto. O único vestígio de algo nesse sentido, ou seja,
uma obra que supostamente seria voltada, na íntegra, para o colégio, teve seu nome e
autor apenas citados pelo escritor Bariani Ortêncio em seu livro “História Documentada
e Atualizada de Campinas (1810 – 2010)”: trata-se do nominalmente mencionado “Ensaio
Monográfico do Ginásio Estadual de Campinas. Sebastião Veloso Peleja – Goiânia
(Campinas) – Goiás, 1956” (ORTÊNCIO, 2011, p. 337). Ao final de seu livro, o autor
lista a obra como um de seus referenciais bibliográficos, sem, no entanto, dar maiores
detalhes sobre seu conteúdo, nem muito menos, se aprofundar em quaisquer questões
relacionadas ao colégio. Não obstante a isso, encontramos um bom número de obras que
tratam do passado de outras instituições escolares da capital e do interior de Goiás,
merecendo nossa especial atenção, as obras que abordam a história de instituições de
importância histórica amplamente reconhecida no que se refere à história da educação
escolar no Estado, como o Liceu de Goiás e o Colégio Santa Clara17.

Nesse sentido, constatamos que especial atenção recebe dos historiadores da


Educação em Goiás o “Liceu de Goiás”, cuja lei de criação original, na Cidade de Goiás,
data de meados do século XIX (Lei nº 9 de 17 de junho de 1846), e que foi transferido
para Goiânia através do Decreto nº 4 de 27 de novembro de 1937, sendo portanto, como

17
A Irmã Áurea Cordeiro de Menezes registrou as seguintes conclusões a respeito do pioneirismo desta
instituição: “Mais de uma década antes da transferência do governo, da velha capital para Goiânia, o Santa
Clara, que fora fundado em 1922, já atendia à população escolar, não só da vasta área reservada à construção
da futura capital, mas também à das regiões vizinhas. Pioneiro em Goiás, até onde nossa pesquisa pôde
alcançar, concluímos que ele foi o segundo colégio do Estado, sendo o primeiro, o das irmãs dominicanas
da cidade Goiás, a adotar o estudo em regime de internato, para meninas.” (MENEZES, 1981, p. 45)

37
constatou o professor Bretas, a primeira instituição de ensino secundário oficial a ser
instalada na nova capital, sendo que, no ano seguinte fora a vez da Escola Normal
(BRETAS, 1991, p. 579). Enfatizando a relevância que o Liceu tivera, o professor resume
a precariedade do ensino público no início do século passado em Goiás, afirmando que,
em todo o Estado, até 1929, o Liceu era a única instituição de ensino secundário. Nesse
ano o Ginásio Anchieta, de Bonfim, foi instalado e, em 1930, o Ginásio Municipal de
Ipameri achava-se ainda em fase de organização. (BRETAS, 1991, p. 576).

Diante disso, reforçamos nossa crença de que este trabalho consiste em uma
contribuição à sociedade, sustentada pela nossa constatação de que o Colégio Pedro
Gomes possuiu, desde sua criação, ao longo da segunda metade do século XX e das
décadas iniciais do século XXI, um proeminente papel no cenário educacional goiano,
sendo o ambiente escolar responsável pela formação, em nível equivalente ao secundário,
de um grande número de jovens de diferentes origens e estratos sociais. Assim, o colégio
desenvolveu uma forte relação com a comunidade circundante, determinada, em parte,
pela demanda social de uma escola com o seu perfil para a região na qual ela fora instalada
e, por outro lado, pelo relativo reconhecimento público da qualidade dos trabalhos
pedagógicos ali desenvolvidos. Assim, levantamos a hipótese de que a influência da
instituição pudesse extrapolar, em alguma medida, o alcance pedagógico intra-
institucional e, alguns momentos, alcançava, através de seus agentes, as esferas cultural,
política e econômica da cidade. Este cenário deve ser analisado como uma “via de mão
dupla”, na qual as dinâmicas políticas e sociais externas também poderiam ter forte
impacto sobre o cotidiano escolar.

Imbuído da intenção de fundamentar e expor as respostas aos questionamentos


levantados ao longo da pesquisa, sempre tendo em mente nosso problema central,
sistematizamos este trabalho em três partes que dão indícios dos caminhos que
percorremos do início ao fim da pesquisa, caminhos estes, muitas vezes tortuosos, e
sempre marcados por muito mais dúvidas, que certezas. Em meio aos avanços, foram
muitos os retornos, reconsiderações, enfim, reformulações, para que os objetivos fossem
atingidos a contendo. Todo esse processo, ressalto, gerou muito aprendizado.

No primeiro capítulo, apresentamos uma investigação sobre o desenvolvimento


de Campinas em relação à ausência e à presença de elementos identificados como
componentes dos processos de modernização ao longo de sua existência, desde o
surgimento do povoado até a década de 1930. Investigamos esta trajetória, principalmente

38
no que diz respeito à educação escolar e à cultura material do lugar. Para isso, buscamos
apresentar os conceitos de modernidade, modernização e progresso sob o ponto de vista
de autores que promoveram análises de aspectos da sociedade goiana à luz de tais
conceitos, sobretudo no período que nos interessa. Partimos nossa investigação do
princípio de que, para que pudéssemos refletir a respeito da importância da criação do
Colégio Pedro Gomes para Campinas em 1947, era necessário conhecer todo o histórico
da educação escolar na região. Nossa tese é de que não houvera, anteriormente, instituição
escolar com inserção social equivalente à do primeiro ginásio e colégio público de
Campinas.

A investigação desenvolvida neste capítulo fez-se necessária, pois é impossível


entender a instituição escolar como uma ilha. É preciso situá-la no tempo e no espaço e
compreender os mesmos18. Conhecer e compreender a situação que antecede sua criação,
empreendendo um exercício que nos ajuda a entender como as dinâmicas externas
afetaram aquela comunidade até a chegada da escola mostrou-se muito importante para
que nossos objetivos fossem atingidos.

Assim, para desenvolver a reflexão procuramos esmiuçar a história do


desenvolvimento de Campinas a fim de levantar quais eventos e personagens marcantes
se destacam na trajetória do povoamento, especificamente no plano da educação escolar.
Em nossa pesquisa, percebemos a existência de uma linha que se baseia na tradicional
historiografia referente à transferência da capital do Estado e seu assunto correlato, a
“construção” de Goiânia. Obras basilares, que influenciaram muitas outras, como a de
Ofélia Sócrates Nascimento Monteiro, “Como nasceu Goiânia” (1938) – considerado o
primeiro livro a versar especificamente sobre Goiânia - e de Luiz Palacin “Fundação de
Goiânia e desenvolvimento de Goiás (1976) compuseram, por muito tempo, as bases
teóricas que sustentam o diálogo sobre a cidade. Esta linha de diálogo aberta pelas obras
clássicas tem como elementos centrais uma discussão em torno da ideia de modernidade
associada à edificação da capital, em meio a um panorama econômico estadual caótico e
um cenário de reconfiguração das forças políticas locais amparado pelo alinhamento do

18
Gatti Junior nos ajuda a explicitar a relevância do trabalho desenvolvido nesta parte da pesquisa:
“Historiar uma instituição educativa, tomada na sua pluridimensionalidade, não significa laudatoriamente
descrevê-la, mas explicá-la e integrá-la em uma realidade mais ampla, que é o seu próprio sistema
educativo. Nesse mesmo sentido, implicá-la no processo de evolução de sua comunidade ou região é
evidentemente sistematizar e re(escrever) seu ciclo de vida em um quadro mais amplo, no qual são inseridas
as mudanças que ocorrem em âmbito local, sem perder de vista a singularidade e as perspectivas maiores.”
(GATTI JÚNIOR, 2002, p. 74)

39
governo estadual com as diretrizes federais da “Marcha para o Oeste”, preconizada por
Vargas.

Outro elemento comum à maioria das obras que seguem esta linha é a ênfase na
interpretação do papel desempenhado pela figura do interventor Pedro Ludovico no
contexto político pós “Revolução de 1930”: seu discurso, suas escolhas, suas ações e
ideias. Nesse ponto, Goiânia e a Cidade de Goiás assumem posição de centralidade na
construção das narrativas, uma vez que as ideias públicas e ações políticas de Ludovico
priorizavam, dentro deste contexto temático, tais locais como a origem e o destino de
todos os seus esforços.

Quando elencamos as obras e trabalhos acadêmicos que compuseram nossa


avaliação sobre a historiografia acerca do tema “Construção de Goiânia”, notamos que as
abordagens são as mais variadas possíveis, em relação aos recortes temáticos, que
contemplam desde a já tradicional análise dos processos político e econômicos, até a
apreciação da estética arquitetônica, do planejamento urbano, chegando a estudos (mais
recentes) sobre o operariado, o qual, por muito tempo permaneceu anônimo na
historiografia. Neste seguimento, destacamos as pesquisas desenvolvidas pelos
professores Luiz Sérgio Duarte da Silva e Nasr Fayad Chaul. Além disso, encontramos
interessantíssimas pesquisas sobre o futebol e muitos outros aspetos culturais relativos à
sociedade goianiense em seus tempos iniciais. Em congruência a este fato, existem, ainda,
trabalhos que vem apresentando abordagens que se propõem a estudar os simbolismos
presentes nos imaginários e representações associadas à construção de Goiânia e à vida
na cidade em seus primeiros anos, propondo interpretações para a formação de uma
“identidade goianiense”. Neste sentido, destacam-se os esforços de compreensão das
dimensões ideológica e discursiva associadas à transferência da capital, revelando que, se
os trabalhos mais antigos tendiam a expressar um caráter mais descritivo, os esforços
mais recentes tendem a contribuir para o aprofundamento da temática por outros vieses.

Assim, pode-se afirmar, que estes estudos mais recentes vêm gozando, em suas
execuções, das propostas de diálogos inter e transdisciplinares e, por conseguinte,
gerando os resultados mais diversos possíveis, ampliando bastante as possibilidades de
interpretação acerca do momento histórico em questão. Muitos trabalhos situados no
campo da História Urbana, por exemplo, vêm sendo construídos em uma profícua zona
de intersecção entre a História e a Arquitetura/ Urbanismo. Estas pesquisas vêm se
encarregando de imprimir novas interpretações à construção física da cidade, se atentando

40
não somente às suas minucias arquitetônicas e estruturais, mas à compreensão do
fenômeno de ocupação e transformação do espaço como elemento simultaneamente
condicionado e condicionante das relações políticas, econômicas e sociais de seu tempo.

O fato que desejamos destacar aqui, é a constatação de que, em meio a este


universo temático no qual Campinas está compulsoriamente inserida, mesmo diante da
existência de em um amplo espectro de produções, como relatado, a maioria dos estudos
e obras não desenvolvem novos elementos historiográficos sobre a cidade/ bairro.

Na historiografia goiana, Campinas está relegada a um plano inegavelmente


secundário, em função de um inevitável eclipsamento de sua história própria em favor da
construção de narrativas sobre Goiânia. Como se a compreensão da trajetória anterior à
cessão de suas terras para a edificação da nova capital do Estado tivesse pouca ou
nenhuma relevância para a historiografia regional. De fato, os estudos revelam que,
Campinas realmente teve pouco peso no cenário goiano, no que se refere à política, e à
economia ao longo do século XIX e início do XX. Era, para muitos goianos, uma
localidade desconhecida, conforme descreve Godinho, sobre a impressão que Campinas
emanava para o imaginário dos cidadãos vilaboenses no início da década de 1930:

A 140 quilômetros dali, por uma estrada estreita, de terra e cheia de buracos,
ficava uma cidade menor e mais atrasada do que Goiás: Campinas. Poucos a
conheciam. As famílias com maior poder aquisitivo sabiam que ela podia ser
comparada, em termos de clima, a uma prima distante de Campos do Jordão,
em São Paulo: um lugar para tratar de doenças respiratórias, 700 metros acima
do nível do mar, fria e seca. Bom para abrigar tuberculosos. Uma das pioneiras
daquela que seria a nova capital. Célia Coutinho Seixo de Britto19, se curara lá,
hóspede do Novo Hotel, que depois daria lugar ao Palace Hotel. (GODINHO,
2013: p. 38)

Por outro lado, no cenário cultural, desde a consolidação da Romaria de Barro


Preto como um importante elemento da cultura religiosa popular goiana, Campinas
passou a ter status de ponto estratégico para a supervisão das atividades relacionadas ao

19
Escritora, natural da Cidade de Goiás, nascida em 07 de fevereiro de 1914. Era filha de João José
Coutinho, deputado estadual, entre 1935 e 1937, e um dos fundadores da UDN em Goiás, e de Alice
Augusta de Sant’Anna Coutinho. Foi membro-fundadora da Academia Feminina de Letras e Artes de
Goiás, empossada em 09 de novembro de 1970. Foi vice-presidente da entidade por vinte e três anos, e
presidente entre 1993 e 1994, ano de seu falecimento. Célia Coutinho Seixo de Britto publicou, no ano de
1974, a obra “A mulher, a História e Goiás”, na qual apresenta a biografia de trinta e duas personalidades
femininas goianas que, no entendimento da autora, representaram, de alguma forma, a ação proeminente
das mulheres na edificação da cultura nacional ao longo da história. Foi esposa de Hélio Seixo de Britto,
médico, que, ao longo de sua vida pública exerceu as funções de Secretário de Estado da Educação e Saúde,
no governo de Jerônimo Coimbra Bueno, (1947-1951); Deputado Estadual, pela UDN, na segunda
Legislatura pós constituição de 1946 (1951-1955); Prefeito Municipal de Goiânia, também pela UDN
(1961-1966), entre outros cargos.

41
que viria a se tornar o grandioso Santuário de Trindade. A partir da vinda dos padres
redentoristas, já no final do século XIX, Campinas passou a ser lembrada e referenciada
com mais frequência em relatos de viajantes, editoriais e matérias (como nas publicações
da revista Informação Goyana) e outros escritos. Nestes casos, passaram a receber
destaque, as benfeitorias implementadas pelos religiosos, como o Convento e seus
anexos, bem como as atividades desempenhadas pelo Colégio Santa Clara. Por muito
tempo, a imagem de Campinas, para o público “de fora”, orbitou em torno da Igreja e
destas instituições católicas. A proeminência destas construções e o valor sociocultural
da Igreja para a comunidade local ficam evidentes, já que, em 1932:

Um dos únicos locais com luz elétrica em toda a região, o convento dos padres
redentoristas, parecia um oásis naquela região atrasada. Eles, que produziam
até um vinho artesanal, fizeram uma pequena barragem no Córrego Cascavel
e montaram uma pequena usina mais à frente. A água movia uma turbina que
alimentava um gerador, o que só dava para uma luzinha errática que atendia,
por poucas horas do dia, o convento, a igreja matriz, o Colégio Santa Clara e
uma ou outra casa. As festas importantes sempre tinham ligação com os santos
católicos, as mais importantes, com direito a foguetes – os fogueteiros vinham
especialmente para estas ocasiões – e fogueiras. (GODINHO, 2013: p. 38)

Já nas obras que abordam a existência de Campinas depois da fundação de


Goiânia, constata-se também, pouca expressividade dos esforços de aprofundamento de
estudos acadêmicos acerca das mudanças e permanências relacionadas às suas
características históricas, antropológicas e sociais, observando as particularidades
idiossincráticas que tornam o bairro uma região única na capital.

Por outro lado, muitos são os escritos em linguagem poético-literária sobre a vida
em Campinas a espera de estudos interpretativos de caráter científico-acadêmico. Nesse
sentido, abunda material literário, dentre os quais estão escritos de cronistas,
memorialistas, jornalistas, poetas e escritores, em geral, que podem ser elencados como
objetos de estudos e analisados à luz dos diversos matizes metodológicos provenientes da
História Cultural. A propósito, destacar a diferença tipológica existente entre os diversos
tipos de produção é importante, pois neste trabalho incorremos na análise de autores-
personagens, como Bariani Ortêncio, que é um memorialista que muito já escreveu sobre
a história de Campinas e de Goiânia. Seus escritos não observam rigor metodológico
científico, mas podem constituir rico material de análise. Outro autor que aparece, nesta
pesquisa, como objeto de análise acerca de seus escritos sobre Campinas, é o jornalista
Oscar Leal, um viajante que registrou suas impressões ao passar pelo Estado no final do
século XIX. Mais recentemente, o jornalista Iúri Rincon Godinho desenvolveu um rico

42
trabalho literário-jornalístico que aborda a transferência da capital e os aspectos humanos
marginais à historiografia oficial, envolvendo a “construção de Goiânia”. Sua obra
também foi tomada como objeto de análise neste trabalho.

No segundo capítulo demos prosseguimento cronológico à temática iniciada no


primeiro capítulo, aprofundando a análise a respeito dos processos de modernização que
incidiram sobre Campinas a partir de 1930. Preocupamo-nos em apresentar, nesta parte,
aquilo que constatamos ser severamente escasso na historiografia goiana: todo o processo
de surgimento de Goiânia visto a partir de Campinas e de sua história particular.
Propomos, então, a inversão do olhar tradicionalmente assumido para que pudéssemos
observar os acontecimentos e mudanças dos primeiros anos de Goiânia sob o ponto de
vista (do) “campineiro”.

Campinas deve ser, de fato, considerada como parte integrante de Goiânia a partir
do momento em que esta surge: para todos os efeitos, um de seus bairros. Porém,
determinar com exatidão quando o “modo de vida campineiro” se funde por completo ao
goianiense – e em que medida um se alimenta do outro - é arriscado, para não dizer,
impossível. Não há precisão que alcance as particularidades de processos antropológicos
tão intrincados e dinâmicos. Entre rupturas e permanências, o que temos é um processo
de permanente (re)significação identitária, muitas vezes baseado em “tradições
inventadas”, marcado pela confluência de elementos de origens distintas, em razão do
progressivo crescimento populacional da cidade. Segundo o historiador britânico Eric
Hobsbawn, as tradições tendem a se reforçar na medida em que as marcas identitárias de
uma comunidade se veem eminentemente ameaçadas pelo risco da diluição em meio ao
avanço dos agentes exógenos.

Em “A invenção das tradições”, Hobsbawn (1984: p. 9-23.) trabalha o conceito


de “tradição inventada”, segundo o qual, o referencial cultural buscado em um passado
histórico passa a amparar traços de resistência à alteração de algum aspecto que se queira
legitimar, proteger ou conservar, através do estabelecimento de uma continuidade
artificial entre o presente e o elemento do passado que se elege como referência. Assim,
as “tradições inventadas” seriam, grosso modo, reações a novas situações que, ou
assumem a forma de referência a situações anteriores, ou estabelecem seu próprio passado
através da imposição simbólica da repetição. Neste entendimento, as tradições
estabelecem-se de modo dialético mediante o contraste entre as constantes mudanças e

43
inovações do mundo moderno e a tentativa de estruturar de maneira (aparentemente)
imutável e invariável aspectos da vida social.

O autor alerta que, nesse sentido, “tradição” deve ser analisada de forma distinta
do “costume”, este, vigente nas sociedades ditas “tradicionais”, mas que, em certa
medida, nos ajuda a pensar a maneira como abordamos estes elementos, enquanto
conceitos associados à definição de identidade cultural, neste trabalho. A finalidade
característica às tradições, sobretudo as inventadas, é a invariabilidade. O passado a que
se referem, impõe seus modelos, que devem ser respeitados conforme estabelecido em
práticas fixas, geralmente formalizadas, resguardadas pela repetição. Já o “costume”, nas
sociedades tradicionais, tem a dupla função: “de motor e volante”. Com isto, o autor quis
dizer que, os costumes movem a comunidade para frente e, ao mesmo tempo, guia a
direção que será tomada em meio às novidades do porvir.

Deste modo, os costumes, a priori, não impedem as inovações e pode se flexionar


até certo ponto, condicionado pela exigência de que devem parecer compatíveis ao
precedente. Sua função, portanto, é dar a qualquer mudança a sanção (ou o veto) do
precedente, buscando legitimidade na sensação de continuidade histórica. O costume é a
substância, enquanto a tradição é a forma como ele aparece para as pessoas. No senso
comum, a palavra “tradição”, é costumeiramente usada para se referir a um hábito ou
convenção repetida pragmaticamente, sem nenhuma função simbólica, mas que por
necessidade de repetição se integra à rotina. Tais “tradições”, segundo Hobsbawn, podem
até adquirir, eventualmente, valor simbólico, mas antes deste processo, não podem ser
consideradas tradições inventadas, pois suas justificativas são técnicas, não ideológicas.
Neste ponto reside a chave do uso deste conceito. A invenção de tradições é, portanto,
um processo, essencialmente, de formalização e ritualização, caracterizado por referir-se
ao passado, mesmo que apenas pela imposição da repetição.

No terceiro capítulo, situamos a criação do colégio, de forma objetiva, na


concretude dos fatos políticos de seu tempo. Assim, analisamos como a classe política se
comportava em relação às demandas da população de Campinas e como as dinâmicas
eleitorais do período democrático “populista” incidiram sobre a questão da educação
pública na região. O recorte temporal estabelecido para as análises desenvolvidas neste
capítulo foi determinado pelo início do novo contexto político caracterizado pela
redemocratização, após a saída de Pedro Ludovico do poder, em 1945. Em nossa análise,
este novo contexto de disputas partidárias foi essencial para que o Ginásio Estadual de

44
Campinas fosse criado, em 1947 e transformado no Colégio Estadual de Campinas em
1959/ 1960. Os embates político-ideológicos influenciaram até mesmo na adoção do
nome definitivo da instituição, ocorrido, em lei, em 1959, mas assumido na prática, 1961.
Aqui, sustentamos a hipótese de que a criação da escola está inserida nos processos de
modernização alardeados no discurso político a partir da década de 1930, mas que, graças
à emergência das disputas eleitorais do período democrático, finalmente avançavam de
maneira mais contundente sobre certos aspectos aguardados em Campinas, como o asfalto
e a ampliação do acesso ao prestigioso ensino secundário para os jovens do bairro. Este
aspecto, relativo à demanda social pelo ensino secundário no bairro, coloca o Ginásio,
posteriormente ampliado e elevado ao patamar de Colégio, em uma posição marcante na
história de Campinas, na qual ficou evidenciada sua importância prática (enquanto
instituição de ensino formadora de grande comunidade estudantil) e simbólica (enquanto
representante da cultura local perante o restante da cidade). Esta hipótese é sustentada
pelo fato de ter sido explorado, de forma significativa, na esfera discursiva política e
midiática, o sentimento de carência daquela população em relação às necessidades sociais
não atendidas pelo grupo rival dos criadores do colégio, no período anterior. Por isso, as
comparações com o colégio secundário trazido para Goiânia em 1937, pelo grupo de
Pedro Ludovico, o Liceu, se tornaram recorrentes, tanto no cenário do debate político,
quanto no imaginário popular. Nas décadas de 1950 e 1960, o Colégio Pedro Gomes
chegou a ficar conhecido como o “Liceu de Campinas”.

Para compreendermos este processo, buscamos, nesta parte do trabalho,


aprofundar-nos na reflexão sobre o contexto político, econômico e social do Brasil e do
Estado de Goiás sob o qual a escola fora criada. Após sua instalação, analisamos os
impactos que a alternância de governos entre PSD e UDN e a mudança de políticas
públicas voltadas ao bairro de Campinas tiveram no desenvolvimento da instituição. Uma
outra hipótese que levantamos, nesse sentido, foi que a falta de continuidade intencional
dos projetos de um governo para o outro retardou a perspectiva inicial de modernização
e expansão da primeira instituição secundária pública da História de Campinas. Por isso
seus primeiros dez anos de funcionamento (1950-1960) ocorreram sob o status de Ginásio
e em modestas condições materiais, relativas à longa situação de uso provisório de um
prédio que já era ocupado por um Grupo Escolar. Lembramos também que a criação e a
instalação do Colégio Pedro Gomes se inserem no amplo contexto político-social do
período populista da República Brasileira que, conforme descreve o sociólogo Francisco

45
Weffort, na obra “O populismo na política brasileira” (1980), abrange os anos
compreendidos entre “Revolução de 1930” e o golpe civil-militar de 1964. Portanto,
interessa-nos, profundamente, o estudo dos projetos educacionais em voga naquela época,
assim como as políticas públicas voltadas para a educação, bem como sua relação com a
dinâmica imposta pelas disputas partidárias e eleitorais do período a fim de desvelar
como, exatamente, este contexto influenciou na criação e no funcionamento da
instituição.

46
CAPÍTULO I

MUITO ANTES DO COLÉGIO PEDRO GOMES: AS ORIGENS DA


CAMPININHA E O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR NA
REGIÃO

1.1 - Modernidade, modernização e progresso em Goiás: considerações iniciais

O Colégio Estadual Professor Pedro Gomes foi fundado, através de uma lei
assinada pelo governador Jerônimo Coimbra Bueno, em 1947. Com o nome “Ginásio
Estadual de Campinas”, a instituição começou a oferecer atendimento à população no ano
de 1950, marcando o início de suas atividades letivas, que se desenvolvem até os dias
atuais, de forma ininterrupta, desde então. De lá para cá, foram muitas as transformações
sociais, políticas e econômicas que incidiram sobre a instituição, seu público, e suas
condições de funcionamento. Em mais de meio século de existência, o colégio persistiu,
tendo sua marca impressa na vida de profissionais, estudantes e famílias, atendendo à
população goiana em meio a sucessivas mudanças no sistema educacional brasileiro.
Quando o colégio foi criado, Goiânia tinha somente 14 anos e contava com um número
de habitantes estimado em um quantitativo situado entre 48.166 (1940) e 53.389 (1950)20.

Campinas, a cidade que recebera Goiânia em suas terras, era, naquele momento,
um bairro peculiar entre todos os outros da nova cidade que se expandia. Além de ser
uma região já urbanamente estabelecida desde a segunda década do século XIX – em
moldes nada planejados, em oposição à concepção original de Goiânia - possuía uma
comunidade expressiva, tanto em relação à significativa quantidade de pessoas21, quanto

20
No sítio eletrônico do IBGE não existem dados exatos sobre o ano de 1947, pois a contagem demográfica
oficial era realizada com periodicidade de dez anos em dez anos, desde que começou a ser promovida pelo
governo federal por meio de um instituto criado para este e outros fins estatísticos oficiais. A criação do
IBGE data de meados da década de 1930. Em 1934, foi criado o Instituto Nacional de Estatística - INE, que
iniciou suas atividades em 29 de maio de 1936. No ano seguinte, foi instituído o Conselho Brasileiro de
Geografia, logo em seguida incorporado ao INE, que passou, então, a se chamar, Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística. O primeiro censo organizado pelo instituto foi justamente o do ano de 1940. Antes
disso, a população do país havia sido recenseada em outras quatro oportunidades. A primeira delas foi ainda
no período imperial, em 1872, no chamado “Recenseamento da População do Império do Brasil”. Os censos
seguintes foram realizados em 1890, 1900 e 1920.
21
Assim que Goiânia foi oficializada como município, e Campinas foi submetida à condição de distrito e,
logo em seguida, bairro, no ano de 1935, a antiga cidade, figurava como o mais populoso bairro da capital.
“Em 1933, o sítio escolhido para a edificação da nova capital contava com 14.300 habitantes (absorvidos
os municípios de Hidrolândia e Campinas)” (CAMPOS, 1985, p. 53). Hidrolândia (anteriormente distrito
de Santo Antônio da Grimpas) havia sido elevada à categoria de município, desmembrado de Pouso Alto
(Piracanjuba), pelo Decreto Estadual n° 454, de 24 de novembro de 1930.

47
em relação à existência de uma identidade22 própria, marcada por elementos culturais
associados à história local, sedimentados em tradições de uma comunidade que teve sua
formação inicial datada do início do século XIX. Esta identidade peculiar pôde ser notada
logo no início dos estudos acerca do bairro, através da forma singular - certamente
carinhosa - como Campinas costuma ser chamada em textos não-oficiais que nos serviram
de fonte. Campinas era conhecida, entre seus antigos e novos moradores, como
Campininha, como mostram as inúmeras referências à região, que encontramos ao longo
de nossa pesquisa, trazendo este nome. A esse respeito, o escritor Bariani Ortêncio afirma:

Campininha das Flores e Chacrinha são nomes afetivos surgidos


posteriormente, pois não encontramos nenhum deles na documentação
pesquisada. Justifica-se Campininha ou Campininha das Flores devido à
grande quantidade de paineiras (barrigudas) de exuberantes flores lilases nos
capões-de-mato e, também, as caraíbas (ipês do cerrado) que florescem em
finais de julho, caindo as folhas e predominando as cachopas, pencas de flores
douradas, além das margaridinhas beiradeirando os muitos córregos, não
dizendo das quaresmeiras roxas, tudo formando um imenso jardim na planície
das campinas. (ORTÊNCIO, 2011: p. 8)

O escritor, em seu estilo literário característico, expõe sua versão das prováveis
origens do “apelido”, salientando que, ao reunir documentos oficiais para sua obra
“História Documentada e Atualizada de Campinas (1810 – 2010)” não foi encontrada
nenhuma menção a essa nomenclatura. Tal fato é compreensível, por se tratar de
documentos oficiais (textos de leis, resoluções, decretos, registros eclesiásticos) e nos
permite concluir que, realmente, a forma diminutiva corresponde a uma maneira informal
de denominar o lugar, que acabou se perpetuando entre as pessoas. Entretanto, em outros

22
Ao se falar em identidade, precisamos nos debruçar sobre certos referenciais a fim de compreender como
este conceito se aplica à proposta desta pesquisa. Segundo Zygmunt Bauman (2005, p. 22-23), antes do
século XX, os debates acerca do conceito de identidade eram “unicamente um objeto de meditação
filosófica”, porém a crescente necessidade de uma compreensão antropológica que desse conta da
multiplicidade dos fenômenos ligados às crises e incertezas dos paradigmas culturais tradicionais, trouxe à
tona um grandioso esforço das ciências humanas para aprofundar este debate no âmbito dos estudos
socioculturais. Existem, nesse sentido, duas vertentes principais de teóricos que discorrem a respeito dos
sentidos atribuídos à identidade. Em uma ótica que se ocupa do indivíduo, em primeira instância, autores
como Anthony Giddens (1991), a estudiosa da psicologia social contemporânea, Maria da Graça Correa
Jacques (1998) e Pierre Bourdieu (2003) definem identidade, grosso modo, como um “conceito de si”, um
“sentimento pessoal” , ou ainda uma “representação de si” em relação à sua condição social assumida no
mundo. Esta perspectiva assinala um viés de análise que enfatiza a relação existente entre a esfera pessoal
e a identidade social, em um movimento “de dentro para fora”, que destaca a importância de atributos
específicos do indivíduo que o levem ao sentimento de pertencimento a grupos ou categorias. Outros
teóricos concebem a identidade a partir da existência de sistemas culturais que seriam baseados na
confluência de diversos componentes. Nesta linha, podemos descrever identidade como “sentimento de
pertencimento de realidades” e, mais importante para nós, neste trabalho, como “conjunto de significados
compartilhados”, como explanaram Nestor Canclini (1995), Hall (2001), Douglas Kellner (2001) e o
próprio Bauman (2005). Assim sendo, a perspectiva defendida por Start Hall nos interessa especialmente,
quando este afirma que “As identidades culturais são pontos de identificação, os pontos instáveis de
identificação, ou sutura, feitos no interior dos discursos da cultura e da História” (HALL, 1996: p. 70).

48
tipos de registros escritos que encontramos, de cunho menos formal, como textos
jornalísticos e crônicas de viajantes, encontramos o nome “Campininha”, ou
“Campininhas”, desde o século XIX, como fica explícito na descrição muito menos idílica
do local, feita por um visitante de passagem pela localidade. Vindo do Rio de Janeiro em
viagem pelo interior do Brasil, o jornalista carioca Oscar Leal23, ao passar pela região em
1890, registrou a seguinte impressão a respeito do local

Às quatro horas da tarde passamos pela Arraial da Campininha, o lugar mais


insignificante que conheci em todo o sul de Goiás. É uma povoação
embrionária, todavia dizem-se ser localidade de próspero futuro pelas
magníficas terras de suas redondezas. Conquanto o Arraial da Campininha ou
Campinas seja habitado, creio que a população dormia àquelas horas ou, aliás,
é muito caseira, porque não vi ninguém na rua. (LEAL, 1980: p. 155).

Ao se falar na existência de uma “identidade campineira”, explorada por escritores


como Bariani Ortêncio, interpretamos que a identidade é compreendida como um
posicionamento acerca de si no tempo e no espaço, assumido sempre em relação ao outro.
É, em suma, a tradução simbólica do conjunto de particularidades que um indivíduo ou
grupo atribui a si com base no fato de sentir-se pertencente a uma cultura proprietária de
elementos distintivos.

Dito isto, reforçamos o fato de que este texto objetiva apresentar, ao leitor, o lugar
onde o colégio foi instalado da forma mais ampla e aprofundada possível. A partir da
investigação de elementos históricos que caracterizem os processos de formação
sociocultural de sua população ao longo tempo, buscamos interpretar como a região
recebeu a atenção do poder público em mais de um século de existência, até a instalação
da sua primeira instituição de ensino secundário mantida exclusivamente pelo Estado, o
Colégio Estadual Professor Pedro Gomes.

Assim, o trabalho desenvolvido neste capítulo, gira em torno da construção de


uma narrativa sobre a trajetória histórica de Campinas, o antigo município, surgido no
início do século XIX, que cedera suas terras para edificação da nova capital do Estado de
Goiás, na década de 1930. Colocamos, no cerne desta narrativa, o conceito de
modernidade e o processo de modernização no qual Campinas fora inserida a partir da

23
Oscar Leal foi um jornalista, prosador, romancista e teatrólogo carioca, nascido em 1862. Também
cirurgião-dentista, residiu por muito tempo na cidade do Recife, colaborando com o “Jornal do Domingo”
e “O Judarão”, ambos periódicos com circulação na capital pernambucana à época. Enviara para
publicação, em fins de 1893, a Antônio Sales, redator de “A Madrugada de Lisboa”, entre 1894 e 1896,
seus escritos aqui referidos: “Viagens às Terras Goianas”.

49
ascensão do projeto de transferência da capital encampado pelo grupo político de Pedro
Ludovico.

Explicar o conceito de modernidade, seus desdobramentos, como a modernização,


e seus correlatos, como as ideias de moderno e de progresso, para, enfim, justificar suas
aplicações nos estudos da realidade sócio-política e cultural goianas no século XX, requer
uma explanação um tanto quanto ampla, voltada à gênese e à disseminação de tais
concepções no mundo ocidental.

O ideal de modernidade está associado à ascensão do poder burguês na Europa no


século XVI. Inicialmente o termo diz respeito ao momento histórico subsequente ao
declínio do feudalismo e à consolidação das atividades econômicas mercantis-comerciais.
O emprego da ideia de modernidade em função da distinção de momentos específicos da
História europeia atinge o auge de sua intencionalidade no século XIX, quando o
cientificismo positivista enquadra a modernidade como portadora de um novo modo de
vida baseado em três pilares principais: o declínio do predomínio da visão cristã sobre a
existência humana e ascensão do racionalismo filosófico, imperativo a partir do
“Iluminismo”; as transformações nas estruturas sociais e políticas decorrentes das
revoluções burguesas e as inovações técnicas sem precedentes ocasionadas pelas
revoluções industriais, especialmente nas áreas de transporte e comunicação. A esse
respeito, Reinhart Koselleck afirmou: “o conceito de ‘modernidade’ só veio a impor-se
depois de decorridos cerca de quatro séculos do período que ele englobava. Lexicamente,
só se implantou no último quartel do século XIX”. (KOSELLECK, 2012: p. 314)

Segundo o autor alemão, o aprofundamento das alterações modernizantes


provocadas pelos fatores supracitados, ocorrido ao longo do século XIX, intensificou, no
cotidiano das pessoas, a percepção do distanciamento temporal que separava aquele
tempo de outros que o antecederam (KOSELLECK, 2012: p. 314). Isso explicaria o longo
hiato entre o período que a historiografia convencionou chamar de modernidade e a
efetiva incorporação desta noção no vocabulário e na visão de mundo das pessoas. A
compreensão de que a modernidade representava um tempo histórico diferente decorre
de um processo de alteração da consciência que se tinha em relação ao tempo: antes
natural, cíclico, e até certo ponto, previsível, agora fluído e dinâmico, e, em última
instância, imprevisível. Junto com a industrialização e a urbanização, ascendiam a
sensação de aceleração temporal e de avanço em relação ao momento anterior, pelo
menos em aspectos tecnológicos, os quais, por sua vez, incidiam diretamente sobre o

50
cotidiano, alterando-o de forma visível. Neste contexto, o processo de modernização seria
a experimentação da aceleração temporal disponível a todos que, especialmente no
ambiente urbano, tivessem contato com as inovações técnicas em sua vida prática. A
modernização seria, inicialmente, a vitória humana sobre as amarras impostas pela lenta
progressão do tempo da natureza e seus ciclos.

A ideia de modernidade é associada à consolidação de um processo voltado para


si mesmo, enquanto assunção de uma consciência de um momento vivido, que seja um
tempo histórico radicalmente diferente do passado superado. A modernização e o
progresso são processos decorrentes da comparação direta estabelecida entre estágios
evolutivos supostamente diferentes, a qual só ocorre, portanto, no estabelecimento de
parâmetros de alteridade temporal, mesmo em relação a sociedades que compartilham o
mesmo tempo histórico, sendo, portanto, contemporâneas, mas distintas sob os critérios
estabelecidos como elementos marcadores de evolução e atraso.

Assim, a ideia de progresso está associada a esta concepção linear (e, muitas
vezes, acelerada) do tempo, que (sempre) avança, deixando para trás o que fora
inexoravelmente superado. É, portanto, a força motriz do movimento de oposição que
afasta o antigo e o novo, ao passo que o antigo se torna sinônimo de arcaico, enquanto o
novo, de moderno. Tal ideia já estava presente, ainda de que modo conciliador, século
XVIII, como mostram as palavras do filósofo e religioso, abade Jean Terrasson, em texto
de 1754, trazido ao nosso conhecimento por Jacques Le Goff:

Os modernos são, em geral, superiores aos antigos: esta proposição é ousada


no seu enunciado e modesta no seu princípio. É ousada na medida em que ataca
um velho preconceito; é modesta, na medida em que faz compreender que não
devemos a nossa superioridade à medida própria do espírito, mas à experiência
adquirida com os exemplos e as reflexões que nos precederam.
(TERRASSON, Jean. La philosophie applicable à tous les objects de l’esprit
et la raison. Apud: LE GOFF, 2013: p. 171)

Esta ideia pressupõe a expectativa de que, no encadeamento do progresso, deva


haver, inevitavelmente, superação do anterior e melhoramentos perceptíveis do segundo
momento em relação ao primeiro. Esta expectativa em relação ao momento seguinte está,
por sua vez, ligada ao declínio da visão fatalista de futuro reinante no mundo cristão pré-
mercantil24. Nela, o futuro povoado pela desalentadora presença da inevitabilidade do

24
Segundo Koselleck, o sentido da modernidade ensejado pelo desejo pela modernização e o entusiasmo
com o progresso só puderam se firmar socialmente quando a cultura europeia assumiu uma postura de
expectativa por um futuro realmente “novo” e “infinito”. Nas palavras dele: “Para considerar o próprio
tempo como radicalmente novo, em oposição à história passada, e por isso antiga, precisava-se de uma

51
apocalipse e da morte (únicas certezas da vida) dá lugar a uma visão que contrapõe esta
perspectiva de finitude inexorável. As inovações técnicas abriram, no imaginário de seus
entusiastas, as possibilidades de um futuro “infinito” pelo qual valia a pena esperar,
mesmo sendo incerto (desconhecido). Assim a ideia de progresso angariou, não só na
Europa, mas em escala global, o fascínio despertado diante de uma força imparável, o
veículo que tem o poder de levar ao futuro ou trazê-lo até o presente. O filósofo polonês
Bronislaw Baczko assim descreve a proeminência da ideia de progresso em nossa cultura
(ocidental), uma vez complemente imersa e seduzida pela concepção de modernidade:

A ideia de progresso comanda a representação do tempo, da sucessão dos


séculos que culminam com tal futuro [...] A história já não é marcada por
progressos, mas pelo próprio progresso, um movimento global e irresistível
cuja finalidade assenta na atualização dos grandes valores que comandam o
aperfeiçoamento do espírito humano. (BACZKO, 1978: p. 166. Apud LE
GOFF, 2013: p. 233)

No livro “Tudo que é sólido desmancha no ar”, o filósofo marxista estadunidense


Marshall Berman apresenta sua visão crítica do que ele chama de “aventura da
modernidade”. Em seu raciocínio encontramos valiosos insumos para pensar a relação
que se estabeleceu entre a modernidade, a modernização e o progresso, com a paisagem
urbana e a emergência de novas tecnologias que suprimiram distâncias e barreiras entre
pessoas e comunidades. Ao descrever o ambiente da paisagem moderna no século XX, o
autor afirma que:

[...] a primeira coisa que observaremos será a nova paisagem, altamente


desenvolvida, diferenciada e dinâmica, na qual tem lugar a experiência
moderna. Trata-se de uma paisagem de engenhos a vapor, fábricas
automatizadas, ferrovias, amplas novas zonas industriais; prolíficas cidades
que cresceram do dia para a noite, quase sempre com aterradoras
consequências para o ser humano; jornais diários, telégrafos, telefones e outros
instrumentos de media, que se comunicam em escala cada vez maior.
(BERMAN, 1990: p. 13)

Em Goiás, a representação da modernidade ganhou força, como discurso e ideal


político, nos anos 1930. É claro que a paisagem descrita por Berman não se aproxima da
realidade goiana naquele período, mas sua descrição certamente é reveladora da utopia
perseguida, mesmo que à distância, pelos portadores do discurso de modernidade. Era em
uma visão positiva destes elementos que miravam seus apelos pela necessidade de
progresso. Segundo Chaul, este processo se consolida, em Goiás, a partir do triunfo do

atitude diferente, não apenas em relação ao passado, mas, muito mais ainda, em relação ao futuro. Enquanto
se acreditasse que nos encontrávamos na última era, o realmente novo do tempo não poderia ser senão o
Último Dia, que poria fim a todo tempo anterior. (KOSELLECK, 2012: p. 278)

52
grupo apoiador do “movimento revolucionário de 30”, que tomou o poder e instaurou um
regime que visava aparentar – antes de qualquer outra coisa - ser totalmente distinto do
conjunto anterior. O autor goiano sintetiza assim a visão dos agentes da modernização em
Goiás: “A modernidade para os arautos de 30 consistia no progresso do estado, por meio
do desenvolvimento da economia, da política, da sociedade e da cultura regionais”.
(CHAUL, 2015: p. 176)

O cenário para a implantação desta visão desenvolvimentista na política goiana


começou a ser aberto com a ascensão do poder econômico das regiões sul e sudoeste do
Estado, consolidada nos anos 1920, como escreveu Ana Lúcia da Silva no livro “A
revolução de 1930 em Goiás”, proveniente de sua tese de doutoramento, defendida em
1982. Segundo a autora, este crescimento do poder econômico da região a credenciou
para a exigência de maior preponderância no cenário político regional. É importante
ressaltar que o próprio processo pelo qual isso se deu revela que elementos identificados
com a modernização e o progresso, mesmo inseridos em uma realidade essencialmente
agrária, tiveram grande importância nesta escalada, uma vez que ela fora viabilizada
através do

aperfeiçoamento das vias de comunicação e a introdução de meios de


transporte mais eficientes, a estrada de ferro, principalmente [...] capitais e
mão-de-obra, antes aplicados nos transportes, foram liberados para a lavoura;
estabeleceu-se maior rapidez nas comunicações, aumentou-se a capacidade de
transporte e ocorreu uma baixa no preço dos fretes. Assegurada a preservação
dos produtos, estes puderam ser de melhor qualidade, obtendo assim melhores
preços no mercado. Estas transformações fizeram com que as regiões sul e
sudoeste se tornassem as áreas economicamente mais dinâmicas do Estado e o
centro da economia goiana. (SILVA, 2001: p. 117-118)

Chaul destaca que, por ser um estado agrário, com pouca inserção nas dinâmicas
capitalistas industriais, os promotores da modernização no Estado eram provenientes do
próprio meio das atividades rurais, uma vez que as classes médias urbanas ainda não eram
um corpo social consolidado em Goiás. As camadas urbanas eram, portanto, até a década
de 1930, uma parcela social incapaz de veicular seus interesses no plano político. Este
fato vai mudar de forma substancial, porém gradativa, a partir da consolidação de
Goiânia. Ocorre, sobre este propósito, o fato de que

mesmo com os pés plantados em solo rural, os novos grupos no poder não eram
iguais às oligarquias dominantes na Primeira República, pois tinham uma
mentalidade urbana. Pelas suas propostas de modernização do estado, estavam
dentro dos preceitos defendidos pelos grupos no poder em âmbito nacional.
(CHAUL, 2015: p. 209)

53
Isto significava, também em Goiás, a ascensão de uma ideia de progresso
encampada pela ação estatal, altamente vinculada ao desenvolvimento urbano e ao
incentivo à indústria. Mas como isto seria possível, em uma sociedade que vivenciava
uma realidade diametralmente oposta a estas condições? A explicação está relacionada
ao fato da derrocada da oligarquia dominante, em Goiás no período pré-1930, ter ocorrido
pelas mãos de uma parcela da sociedade que, uma vez munida de poder econômico,
obtido através do dinamismo fulguroso de sua região de origem, se achava também
pertencente a uma espécie de vanguarda da modernidade político-intelectual, a qual,
naquele momento, já era atuante no âmbito da política nacional:

Na sociedade da época, emergiu uma parcela que reunia o fazendeiro e o


profissional liberal e que tinha grande expressão na política local. Eram o
médico, o advogado, a farmacêutico, o engenheiro, o bacharel etc., quase todos
ligados à estrutura fundiária e que demonstravam, por si mesmos, ou por meio
de seus representantes, uma mudança nos quadros na política estatal. Faziam
crer que o velho, a velha ordem oligárquica, tinha cedido lugar a uma nova
ordem, de novos homens, com jalecos e leis, remédios e construções e que,
assim, dariam ao Estado uma nova mentalidade: mais progressista, mais
moderna, mais dinâmica. Era o espelho dos anos 30 refletindo em Goiás.
(CHAUL, 2015: p. 209)

O ímpeto desse grupo emergente em perseguir este modelo de desenvolvimento


sinalizaria a inédita integração do Estado de Goiás à nação, enquanto projeto varguista
em construção. Para fazer a população entender isso, e ainda, de forma simbólica, reforçar
historicamente sua distinção em relação ao modelo anterior, ao passado a ser superado,
algo grandioso deveria ser feito. Nesse sentido, o projeto de mudança do local da capital
para uma cidade inteiramente nova, há muito tempo especulado, cairia como uma luva.
Para consolidar este intento, “eles utilizaram as ideias inúmeras vezes divulgadas, ao
longo da história, da decadência e do atraso de Goiás, para caracterizar os adversários
vencidos”. (CHAUL, 2015: p. 209).

Todo o processo, arrolado após a decisão definitiva de transferência da capital


para uma nova área, desencadeou uma série de profundas transformações
socioeconômicas, políticas e culturais implicadas na execução do projeto modernizante.
Estas mudanças, certamente alcançaram, em alguma medida, quase todo o Estado, mas,
por motivos óbvios, incidiram principalmente sobre região diretamente afetada pelas
dinâmicas envolvidas na “construção” de Goiânia. Ao ser escolhida para receber as obras,
a até então, (muitíssimo) pacata Campinas, foi colocada no epicentro destes
acontecimentos. Ao observar o processo de transformação da antiga cidadezinha, o qual,

54
aparentemente lhe saltava aos olhos, o urbanista Attilio Correia Lima registrou, em
relatório dirigido a Pedro Ludovico, seu ponto de vista:

Campinas, pela sua proximidade do local escolhido, viu dentro do perímetro


urbano, em poucos meses, duplicar o número de casas! Fato extraordinário em
vista de ter sido nulo, o aumento das construções nesta cidade em período
anterior de cinquenta anos. São dignos de nota, também os serviços de obras
públicas urbanas, como sejam, meio fio, coretos, jardins, etc., dantes
inteiramente desconhecidos.
Esta cidade que vegetava com sua vida rudimentar em torno da Igreja, no
período anterior à ideia da mudança da capital, atualmente com a intensificação
do tráfego para Leopoldo de Bulhões, ponta da linha da Estrada de Ferro,
desenvolve-se vertiginosamente, criando um imenso tentáculo que busca
atingir a cidade em construção. E a distância que as separa, de apenas cinco
quilômetros, sem breve será vencida. (CORRÊA LIMA, 1935 Apud. SABINO
JUNIOR, 1960: p. 96)

Interessante a ênfase, concedida pelo urbanista, ao número de construções no


local, já que um dos pontos tocados por Pedro Ludovico em sua campanha mudancista,
inclusive como argumento para justificar tal necessidade junto ao governo federal foi a
situação de estagnação do crescimento do número de edificações na Cidade de Goiás,
como comprova um dos trechos do relatório escrito pelo interventor, endereçado ao
presidente provisório Getúlio Vargas, em 1933:

O fato que demonstra, de modo inexorável, a incapacidade do


desenvolvimento, ou antes, a decadência invencível da Cidade de Goiás, é o
seu índice de construções. De 1890 até 1914, Goiás não chegou a construir, em
média, uma casa por ano. E, de 1914 a 1932, apesar do advento do automóvel
e da lenta, mas registrável melhoria operada na situação econômica do Estado
por influência da Grande Guerra, a média de construções na Cidade de Goiás
não passou de 1 e meia casa por ano. A média das casas que, no período de
1890 a 1932 deixaram de existir, porém derruídas pelo tempo, reduziria a zero
o índice de construções, ainda que este se elevasse a três por ano. Basta
acrescentar que, até na população tem havido decréscimo sensível. Em 1890,
a população da cidade Goiás atingia 10.000 almas. Em 1932, segundo o
recenseamento realizado, a sede desse município tinha apenas 8.256
habitantes. (TEIXEIRA, 1933: p. 111-112)

Assim, com uma progressiva alteração nos perfis populacionais, acarretada pelo
significativo crescimento do afluxo de pessoas para a região da nova capital nos anos e
décadas seguintes, novas demandas foram surgindo entre a comunidade campineira,
como uma consequência natural deste processo de acelerada urbanização. O livro
“Goiânia Documentada”, editado, segundo o autor, em 1958, mas publicado em 1960,
traz as seguintes informações a respeito da progressão demográfica no período de nosso
interesse:

Goiânia, de acordo com o recenseamento de 1950, é o 145º município da


relação dos mais populosos do País, dentre os 1894 que existiam naquela data.

55
É também o mais populoso do Estado e o único que apresenta população
urbana superior à rural. O índice de incremento relativo da cidade, no decênio
1940-1950, foi o mais expressivo das capitais dos Estados brasileiros, com
exatamente 167%, seguida de Florianópolis (104%), Belo Horizonte (93%),
Fortaleza (69%), e São Paulo (63%). Deve ressaltar-se que o crescimento
populacional do município prossegue no mesmo ritmo, bastando dizer que a
população de Goiânia está estimada, atualmente, em 110 mil habitantes,
segundo observações dos serviços de estatísticas regionais. (SABINO
JUNIOR, 1960: p. 30)

A fim de complementar a informação prestada, o autor ainda lista, com precisão,


os números correspondentes aos resultados censitários no período, intercalados com as
estimativas formuladas, à época, pelos órgãos de estatísticas locais:

1933 (Estimativa) – 14.300 – [ano da] Fundação de Goiânia (registros


referentes a Campinas e Hidrolândia, municípios extintos para a formação de
Goiânia) [Nota do autor]
1940 (Recenseamento) – 48.166
1942 (Estimativa) – 51.000 – [ano do] Batismo Cultural
1950 (Recenseamento) – 53.389 (no período de 1940/50 foram desmembrados
de Goiânia os atuais municípios de Trindade e Guapó) [Nota do autor]
1958 (Estimativa) – 110.000 – [ano do] 25º aniversário. (SABINO JUNIOR,
1960: p. 30)

Uma destas novas demandas foi a exigência, por parte das camadas médias da
população, que por intermédio de seus representantes políticos, se desse atenção à
necessidade de escolarização de seus jovens em níveis que ultrapassassem a instrução
elementar, a qual já era presente na região desde a segunda metade do século XIX.
Menções a estes anseios da comunidade de Campinas são expressas nos relatos e recortes
jornalísticos arrolados pela Irmã Área Cordeiro Menezes, na obra “O Colégio Santa Clara
e sua influência educacional em Goiás” (uma das quais citaremos em trecho conveniente,
logo adiante, neste texto) e também na Ata de Instalação do Ginásio Estadual de
Campinas (a qual também detalhamos mais a frente neste trabalho).

O ensino de nível secundário ou equivalente (normal ou profissionalizante)


passaria a ser pretendido pela população da região, cada vez mais. Na medida em que as
obras de implantação do Ginásio Estadual avançavam, na região central de Goiânia,
consumando a transferência, para Goiânia, da estrutura correspondente ao antigo Liceu
de Goiás, efetivada em 1937, como narra Genesco Bretas:

Foi rápido o transporte do Liceu para a nova Capital. Caminhões vieram


lotados de bibliotecas, gabinetes, arquivos, livros e papéis em uso, e o famoso
sino da estima dos vilaboenses, o sino que batia as horas com a precisão de um
bom relógio, o símbolo da tradição liceana, que fazia alegre Vila-Boa. Foi um
reboliço, nas casas das famílias de professores e funcionários, com a
aprontação da mudança. (BRETAS, 1991: p. 579)

56
Ficou claro, também para a população de Campinas, que este não supriria - nem
no início, nem em nenhum outro momento, mesmo com expansões e superlotação - toda
a demanda crescente de estudantes que ali buscavam vagas para dar prosseguimento aos
seus estudos, de forma gratuita.

O Liceu, já em casa própria e ampla, com o rápido crescimento de Goiânia,


cresce, também, em sua população estudantil. Quando veio de Goiás, tinha
quase 200 alunos. No primeiro ano de sua presença em Goiânia, passou a
trezentos, e em cada ano subsequente foi a 400, 500 e mais, até chegar à casa
do milhar, sem parar de crescer. Fez-se, na quadra do Liceu, um auditório.
Diante das necessidades, esse auditório foi dividido em salas de aula (1950), e
mais tarde, construiu-se mais um pavilhão, ao fundo da quadra, dando para a
Rua 15, com numerosas salas de aula. As matrículas se faziam em três turnos
(matutino, vespertino e noturno), e ainda assim o espaço era insuficiente.25
(BRETAS, 1991: p. 579-581)

A fim de interpretar as proporções assumidas, em termos de possíveis significados


políticos e culturais (no âmbito da cultura escolar) da região, pela implantação do
primeiro ginásio/ colégio público local, voltamos nossa investigação para o surgimento
do povoado de Campinas, seu desenvolvimento e o surgimento das primeiras instituições
escolares na antiga cidade, em uma tentativa de revelar as idiossincrasias daquela região,
no que tange, especialmente à vida política, econômica e social daquela comunidade
culturalmente estabelecida muito anteriormente à existência de Goiânia. Para entender o
que significou a fundação do primeiro colégio público na região, é necessário conhecer a
história dela.

Utilizando de pesquisa bibliográfica e documental, defendemos a hipótese de que


os principais marcos culturais na região estiveram ligados ao poder disciplinador, que foi,
de diferentes formas traduzido pelas ações educativas diretas e indiretas empreendidas
pela Igreja e pelo Estado, as quais tiveram no ensino escolar, sua materialização mais
eficiente. Destacamos, primeiramente a chegada dos missionários europeus, da
Congregação Redentorista, a fim de disciplinar a Romaria do Divino Pai Eterno, hoje
vinculada ao Santuário de Trindade. A presença deste grupo afetaria profundamente as
dinâmicas sociais locais. Percebendo a “necessidade” de fundação de um colégio na
região, fundou-se, sob influência direta da congregação religiosa, o Colégio Santa Clara,
em 1921. Embora privada, foi a primeira instituição a oferecer mais que as primeiras

25
Segundo o professor Bretas, o Liceu chegou a ter 5.400 alunos matriculados, no ano de 1965, fato que
ele caracterizou como uma “superlotação intolerável” e à qual ele atribui a condição de causadora de uma
situação de “indisciplina e ineficiência” no colégio. (BRETAS, 1991: p. 581)

57
letras à população local, que pudesse custear o ingresso de moças e, com restrições,
rapazes, em suas classes.

Anos se passaram, com a população de Campinas assistindo à consolidação do


Colégio Santa Clara como uma das mais respeitadas instituições de ensino do Estado,
merecedora de honrosas citações de políticos e intelectuais, em importantes veículos
jornalísticos como a Revista Informação Goyana 26, editada por Henrique Silva, e
publicada no Rio de Janeiro, que assim noticiou, na edição de nº 12, de julho de 1928, o
lançamento da pedra fundamental de sua nova sede:

No dia 13 de maio do corrente ano (1928), na presença de S. Exa. D. Emanuel


Gomes de Oliveira, padres Lourenço, Sebastião e Diácono Ségio Lobo,
procedeu-se a benção da pedra fundamental do Colégio Santa Clara, dirigido
proficientemente pelas dignas irmãs, comparecendo também a esse ato solene
os cidadãos campinenses. O Colégio Santa Clara tem educado muitas moças
goianas e agora estará em breve tempo aparelhado a dar a suas internas
excelente conforto material. O ensino ali é administrado com zelo e carinho
pelas bondosas irmãs, Campinas possui um clima invejável e está ligada por
boa estrada de rodagem, adaptada ao tráfego de automóveis a todo sul e
sudoeste goianos, e o percurso até a linha férrea é de poucas horas”.
(INFORMAÇÃO GOYANA nº 12, “Lançamento da pedra fundamental do
Colégio Santa Clara, de Campinas, Estado de Goyaz” – julho de 1928)

A relevância da instituição foi consolidada, sobretudo, após a abertura do Curso


Normal, em 1927, o que gerou dividendos na cultura escolar de todo o Estado, tendo em
vista a formação de muitas educadoras atuantes no ensino básico e superior locais. A este
respeito, a Irmã Áurea Cordeiro Menezes registrou que, há décadas:

[...] Irmãs deste colégio ocupam cadeiras no Estado, como orientadoras


educacionais ou como Professoras, em vários Colégios, tais como no Instituto
de Educação Presidente Castelo Branco, no Colégio Assis Chateaubriand, no

26
A Revista Informação Goyana foi lançada no Rio de Janeiro em agosto de 1917. Teve sua circulação
veiculada na capital federal, no Estado de Goiás, em vários outros estados do país e até em países
estrangeiros, até 1935. Segundo o exposto na tese de doutoramento da professora Maria de Araújo
Nepomuceno (1998), a revista foi, na prática, um instrumento de divulgação do então exótico e
desconhecido Estado de Goiás para potenciais observadores externos. A publicação possuiu ambições de
caráter enciclopédico, em consonância com os valores cientificistas de sua época, preconizados, sobretudo,
entre os militares positivistas envolvidos em sua criação. A revista pode, também, ser considerada um
instrumento educativo – ou ainda político-pedagógico, que se ocupou da interpretação e elaboração de um
programa econômico que levasse, na visão de seus idealizadores, o “progresso e o desenvolvimento” para
Goiás. No seu editorial de lançamento, seus responsáveis afirmaram seu comprometimento com a
divulgação dos “atributos naturais e das possibilidades econômicas do Brasil Central”, região que, naquele
momento, ainda parcamente integrada ao sistema produtivo capitalista. Apesar desta premissa de,
teoricamente, representar toda esta vasta região do Brasil, o veículo acabou destacando, em suas páginas,
o Estado de Goiás. Ao longo de sua existência, seus colaboradores dedicaram especial atenção às questões
econômicas e sociais deste Estado. O núcleo original do grupo, que se articulou em torno da produção de
textos para a publicação, era constituído pelos dois mentores intelectuais do projeto: o militar de Bonfim
(atual Silvânia) Henrique José da Silva, conhecido como Henrique Silva e o também bonfinense Antônio
Americano do Brasil, médico, militar e político — e por outros intelectuais goianos formados na Escola
Militar da Praia Vermelha no fim do século XIX.

58
Colégio Pedro Gomes, no Instituto Paulo VI, no SENAI e ainda em uma escola
na prefeitura, Tentando dar o melhor de si, para o progresso da educação em
Goiás, ora atuando diretamente junto às crianças e aos adolescentes, ora junto
aos adultos e professores, o Santa Clara tem dado sua colaboração em vários
setores da educação em Goiás. (MENEZES, 1981: p 194)

Entretanto, parte da população (especialmente as camadas mais pobres) se viu,


por muito tempo, alijada das oportunidades de obtenção de ensino escolar formal. Ao
adentrar à década de 1930, a população de Campinas foi tomada por expectativas e
incertezas, alimentadas pela movimentação de pessoas e recursos na região escolhida para
sediar a implantação da nova capital do Estado. Os ares de mudança chegaram e, com
eles, a esperança de um progresso nunca assistido por aquela comunidade. O fato é que,
o projeto de modernização prometido pelo discurso mudancista-reformador de Pedro
Ludovico, foi muito mais contido que o esperado, para a maioria da população local, que
demorou a presenciar alguma melhora significativa no atendimento de suas necessidades
básicas (energia, saneamento, saúde e educação). Em um primeiro momento,
caracterizado pelo calor das obras de “inauguração” de Goiânia, a prioridade dispensada
aos aspectos de infraestrutura urbanística da implantação da nova capital, inviabilizou a
realização de alterações socio estruturais das quais Campinas carecia.

O primeiro período ludoviquista no Estado se encerrou com o afastamento do


interventor alinhado ao presidente Vargas, em 1945. Com isso, a perspectiva da
redemocratização proporcionou o redimensionamento das forças do poder político no
Estado. Novos atores ganharam projeção, com destaque para a fundação da UDN, que foi
organizada, no estado, ainda em 1945 e nas eleições que ocorreriam a seguir, rivalizaria
com o PSD de Ludovico, compondo uma frente ampla de oposição ao antigo interventor.

A possibilidade de ganho político baseado na exploração de demandas populares


não atendidas a contendo pelo grupo antecessor, além de fortes críticas a diversos
aspectos de seus 15 anos à frente do poder executivo estadual, levam à vitória – ainda que
apertada - de um elemento dissidente do antigo núcleo central do projeto modernizador
de Pedro Ludovico. O engenheiro Jerônimo Coimbra Bueno, proeminente nome da área
técnica do projeto ludoviquista encampado na nova capital, assumia, então, o exercício
do cargo mais alto do Estado, como figura política situada no espectro oposto ao se seu
antigo contratante. Eleito pela UDN, Coimbra Bueno foi o primeiro governador eleito
pelo voto direto a ocupar o Palácio das Esmeraldas, após tomar posse no dia 22 de março
de 1947. Uma de suas promessas de campanha foi justamente voltada para a área da
educação em Campinas: a fundação de uma instituição pública “oficial” do Estado, que

59
viria a se consubstanciar no Colégio Estadual Professor Pedro Gomes, cuja lei de criação
fora publicada, justamente em 1947. Na Ata de Instalação do Ginásio Estadual do Bairro
de Campinas (documento consta em Anexo 2), na qual foram relatados os acontecimentos
da solenidade de criação da escola, a menção a esta promessa foi proferida pelo então
secretário da Educação Hélio Seixo de Britto, conforme registrado:

Figura 1 - Trecho da Ata de Instalação do Ginásio Estadual de Campinas: “[...] Usou da palavra o Exmo.
Snr. Dr. Hélio Seixo de Brito, Secretário da Educação. Disse do esforço do Governo para instalar o
Ginásio. Afirmou que o Ginásio foi uma antiga promessa do então candidato ao Governo do Estado,
Engenheiro Coimbra Bueno, e é hoje realização palpável do atual Governador dos goianos.” (FONTE:
Ata de Instalação do Ginásio Estadual do Bairro de Campinas, 15 de abril de 1950)

Portanto, interpretamos, a implantação do ensino secundário público na região,


como um elemento inserido no âmbito dos processos de modernização iniciados nos anos
a 1930 e continuado nos anos 1940 e 1950. Esta continuidade, porém, se deu sob a
dinâmica das disputas eleitorais abertas no período iniciado com o afastamento de Pedro
Ludovico, em 1945. Assim, o direito de uso legítimo do discurso de modernidade assume
outra faceta: a de um instrumental discursivo político-eleitoral. A este respeito,
aprofundaremos, no terceiro capítulo, a tese de que que a instalação do colégio em
Campinas foi, também, um reflexo direto das disputas político-eleitorais existentes entre
o grupo de Pedro Ludovico (coalização PSD-PTB), que havia lançado a candidatura de
José Ludovico de Almeida em 1947, e o grupo pelo qual se elegeu o governador, Jerônimo
Coimbra Bueno, encabeçado pela UDN.

1.2 A ação propulsora da Igreja Católica como marco da instrução formal no Estado
de Goiás e do advento da educação escolar em Campinas

A pesquisa mostrou que investigar o cenário da educação em Goiás e,


especificamente, na região de Campinas, ao longo do século XX remete-nos,
inevitavelmente, à ação da Igreja Católica. A instituição religiosa subsidiou o ensino
básico e a formação de professores (normalistas) em Goiás por longa data, sendo sua
presença no âmbito escolar, muito marcante em regiões nas quais a instrução pública era

60
precária ou mesmo inexistente, como foi no povoado e depois, município e bairro em
questão, até a década de 1950.

Já no calor do momento que marca o início das ações que mudariam para sempre
a vida em Campinas, no Relatório encaminhado pelo interventor Pedro Ludovico Teixeira
ao Governo Provisório da República27, no ano de 1933, o interventor registrou uma
conclusão que resume a postura assumida, por muito tempo, pelo Estado, em relação à
instrução escolar. Ao assumir que a educação não era uma área prioritária, em face das
restritas possibilidades de investimentos públicos impostas pela situação de carência dos
cofres estaduais, Ludovico admite a delegação da atribuição de formação de novos
educadores no Estado às instituições particulares. Deste modo, se referindo à criação e
instalação de novas escolas normais no estado afirmou:

Entre creá-las às expensas dos cofres públicos, o que lhes acarretaria talvez
ônus superiores à sua apoucada capacidade, e estimular a ação da iniciativa
particular, sempre que esta pretendesse fundar estabelecimentos de ensino
normal, optamos pela segunda orientação por ser, infelizmente, a que se
coaduna, no momento, com a penosa situação financeira do Estado”
(TEIXEIRA, 1933: p.12)

Em um círculo vicioso, que se repetia desde o início da Primeira República, o


Estado penalizava a população com uma realidade escolar de escassez, tanto de
quantidade, como de qualidade, alegando constante falta de recursos. Assim, dispunha de
poucos professores, pois havia poucas instituições habilitadas para o provimento da
formação necessária para o exercício da função. Por conseguinte, poucas escolas eram
abertas pelo poder público e, quando abertas, nada garantia que funcionassem de forma a
atender uma ampla parcela da população de forma satisfatória. Este cenário da educação
pública foi a realidade no Estado até a década de 1930, quando começou a passar por
alterações substanciais.

27
Neste relatório, o tema “educação” tem bastante destaque. Pedro Ludovico trata do assunto logo no
primeiro capítulo do documento, dedicando-se à apresentação de dados e, a partir deles, tecendo
comentários e análises a respeito do quadro educacional goiano. Nesta parte do relatório, o interventor
aproveita o ensejo para fazer ponderações acerca de seus planos políticos para a área, expondo sua visão
sobre ela. Ludovico destaca, por exemplo, o fato de que, por iniciativa sua, “Goiaz passou a ser, no seio da
federação, a unidade que consigna ao ensino maior dotação orçamentária em proporção à despesa”
(TEIXEIRA, 1933: p.23) Dá a entender, deste modo, que a educação pública teria uma posição estratégica
em sua administração, pelo menos em discurso. O interventor afirmou que reconhecia um “movimento
mundial” orientado para “difundir, dignificar e prestigiar a escola”, dizendo-se comprometido em “propagar
tal movimento no ambiente social do Estado”, “voltando suas vistas” para a educação “desde a hora
inaugural” de seu exercício como governante. (TEIXEIRA, 1933: p.23)

61
No mesmo relatório, Pedro Ludovico traz informações importantíssimas sobre a
quantidade de instituições de ensino em Goiás, de todos os níveis, em 1932, revelando as
respectivas fontes de recursos: duas instituições de ensino superior (uma estadual e uma
particular); 11 escolas de formação normalista, sendo uma estadual e 10 particulares; 6
instituições de ensino secundário, das quais 5 eram estaduais e uma, particular; uma
instituição de ensino eclesiástico; uma escola de nível técnico profissionalizante, mantida
pelo governo federal; uma escola estadual descrita como nível “pré-primário”; por fim,
um total de 559 escolas primárias, sendo 276 estaduais, 132 municipais e 151 particulares.
(TEIXEIRA, 1933: p. 25). Assim, segundo os dados oficiais prestados pelo interventor
ao governo federal, às vésperas da fundação de Goiânia, o Estado contava com 581
unidades de ensino espalhadas pelo seu vasto território. Ainda no mesmo documento,
Pedro Ludovico conclui a respeito deste quadro, associando-o a outro, no qual revelara
que as verbas destinadas à instrução corresponderam, no ano de 1932, a 24,32% do total
do valor das despesas fixadas pelo Estado (TEIXEIRA, 1933: p. 23):

O Estado dá assistência escolar, pelos métodos tradicionais, à oitava parte da


população escolar, quando destina a quarta parte de sua despesa geral ao
custeio do ensino. Se concentrasse todos os seus gastos no desenvolvimento
do ensino, assistiria à metade. (TEIXEIRA, 1933: p. 25)

Chama atenção a revelação deste cenário desolador de insuficiência, sobretudo,


quando é revelada a estimativa da quantidade de indivíduos em idade escolar no Estado
naquele momento: 160.400 (TEIXEIRA, 1933: p. 25). Este contingente populacional
tinha que encontrar espaço em um total de 276 escolas primárias estaduais “mal
distribuídas e mal equipadas” e em um número ínfimo de instituições secundárias. A
respeito das instituições primárias, há que se salientar o fato de que, a despeito do modelo
de Grupos Escolares - do qual falaremos com mais detalhes adiante, em momento
pertinente à linha narrativa - estar em vigência no Estado desde do 1919, a expansão desse
tipo de unidade pelo território, foi lenta. Apesar deste modelo de organização escolar,
conforme reconhecido na época, conferir maior organização ao ensino, no início da
década de 1930, das 276 escolas, apenas 25 eram grupos escolares, enquanto as outras
251 se enquadravam no modelo conhecido como “escolas comuns”. “Estas escolas
comuns funcionavam, geralmente, em casas para este fim cedidas, e com professores, na
sua maioria, leigos, e portadores de uma instrução muito elementar. Estas se destinavam,
quase sempre, a meninos.” (MENEZES, 1981: p. 102).

62
Neste cenário de relativa ausência do poder público estatal e muita precariedade
material, merece especial menção, dentro do período estudado, o trabalho de incentivo às
atividades educacionais que fora empreendido pelo bispo D. Emanuel Gomes de Oliveira,
arcebispo de Goiás entre 1922 e 1955. Nesta seara, a historiadora Vanessa Carnielo
Ramos Gomes destaca as seguintes realizações do religioso:

Construiu e/ ou articulou, ao longo de seu bispado, a fundação de cinquenta e


sete escolas para o nível de ensino primário, sendo elas nas mais variadas
cidades de Goyaz – Itumbiara, Jaraguá, Trindade, Cumari, Goiânia, Anápolis,
Buriti Alegre, Catalão, Itauçu, Planaltina, Palmeiras, Pirenópolis, Anicuns,
Abadiânia, Corumbá, Ipameri, Morrinhos, Silvânia, Petrolina, Brasília, Pires
do Rio, Goiandira, Orizona e Itaberaí. Somente em Goiânia, foram dezenove
escolas que carregaram a influência de D. Emanuel em sua fundação.
(CARNIELO, 2015: p. 1495)

Carnielo ainda informa que, além das escolas primárias, o arcebispo se envolveu
diretamente com a instalação e funcionamento de inúmeras outras instituições de ensino
de diferentes níveis, precisamente:

Trinta e um Ginásios, cinco escolas de Ensino Médio, vinte e uma escolas de


Ensino Normal, quatro de Ensino Técnico e seis Faculdades que,
posteriormente, se unificaram como Universidade Católica de Goiás. Estas
ações proporcionaram ao bispo a alcunha de “Arcebispo da Instrução” dada
por autoridades goianas e por periódicos que circulavam em Goyaz, Minas
Gerais e Espírito Santo. (CARNIELO, 2015: p. 1488-1489)

Para podermos mensurar o grau de influência da Igreja Católica na instrução em


Goiás até a metade do século XX, consideremos um outro dado interessante destacado
pela pesquisadora, que revela que até a morte e fim do bispado de D. Emanuel, em 1955,
tínhamos a seguinte realidade:

Apenas dez escolas primárias não estavam ligadas a nenhuma Congregação


religiosa em todo o estado, sendo que todos os outros níveis se encontravam
sob a responsabilidade de religiosos, muito embora o princípio da laicidade do
Estado e da Educação ainda fossem presentes na Constituição brasileira.
(CARNIELO, 2015: p. 1495)

O reconhecimento ao trabalho do religioso nesta seara pode ser creditado ao seu


empenho em prol da instrução (de parcelas) da população em situações, muitas vezes,
consideradas desfavoráveis à promoção da educação escolar - pelos entes públicos - as
quais eram, naquele momento, mais notadamente, escassez de recursos, ausência de
políticas públicas específicas, além de interesses conflitantes com a causa educacional e,
na maioria dos casos, simplesmente, prioridades administrativas adversas à educação.
Entretanto, constata-se que, por outro lado, estas situações acabaram sendo favoráveis à

63
atuação e expansão da rede de instituições de ensino ligadas à Igreja Católica na primeira
metade do século XX, como aponta a historiadora:

A educação em Goyaz se encontrava bastante deficitária, quando da chegada


de Dom Emanuel chegou ao Estado, pois contava apenas com escolas isoladas,
alguns projetos de abertura de Grupos Escolares e somente um Liceu (na
capital). Logo após se instalar territorialmente no novo cargo Dom Emanuel
deu início a seu projeto de construir escolas para difundir, principalmente, os
princípios católicos ao povo goiano. O ambiente encontrado pelo bispo em
Goyaz parecia propício às suas ações, já que era notória a precariedade do
sistema educacional, o advento da Reforma educacional de 1918 (a qual
determinava novas regras para o funcionamento das escolas) e, por último, o
projeto político do grupo oligárquico predominante na época, os Caiado, que
assumiam a educação como “carro chefe” da modernização e progresso de
Goyaz. (CARNIELO, 2016)

Antes de Dom Emanuel, seu antecessor na função entre 1891 e 1907, D. Eduardo
Duarte e Silva também desempenhou papel de relevância para a compreensão da narrativa
que envolve o desenvolvimento da educação escolar no Estado e, particularmente, na
região de Campinas, tendo em vista que seus esforços para trazer missionários europeus
para a região renderia frutos, até então impensáveis, para a localidade, sendo o mais
marcante deles a fundação do Colégio Santa Clara, em 1921.

A historiografia especializada – tanto a respeito da História da Educação em


Goiás, quanto da própria História de Campinas - nos mostra que é impossível falar do
desenvolvimento do local, em vários aspectos, sem abordar o papel desempenhado pelos
missionários redentoristas alemães, responsáveis pela instituição de muitos avanços
culturais na região. Em outras palavras, ao abordar tanto a temática da educação escolar,
quanto a perspectiva dos processos de modernização que afetaram a localidade ao longo
de sua existência, as pesquisas nos conduziram, de alguma forma, para a ação destes
personagens.

Assim, não é exagero afirmar que a história da educação, do ensino e das


instituições escolares em Campinas, sem dúvidas, perpassa pela fundação e atividade do
Colégio Santa Clara, como demonstra ricamente a obra da Irmã Áurea Cordeiro de
Menezes - já citada anteriormente neste texto - intitulada “O Colégio Santa Clara e sua
influência educacional em Goiás” (1981). Este trabalho, o primeiro dedicado
exclusivamente à pesquisa da educação escolar no Estado adotando uma perspectiva
direcionada a partir de uma instituição escolar específica da região de Campinas, foi
apresentado inicialmente como sua dissertação de conclusão do curso de mestrado em

64
História pela Universidade Federal de Goiás, em 1977, e posteriormente publicada como
livro, através do esforço editorial da própria autora.

De tal modo, se faz necessário, ao admitirmos “o Santa Clara” como a instituição


que detém o pioneirismo em Campinas na oferta do ensino secundário, esmiuçarmos sua
ligação com os missionários redentoristas de origem europeia que ali desembarcaram no
final do século XIX. Interessa-nos, com isto, compreender como o desenrolar de suas
atividades em Campinas implicaria na vinda das irmãs franciscanas, da Congregação das
Irmãs Franciscanas da Ação Pastoral, também da Alemanha, com a incumbência de
organizar, fundar e manter uma escola, mudando, de maneira irreversível, o perfil
educacional, cultural e escolar da região.

Na medida em que o fenômeno da educação escolar é entendido como uma das


facetas de relações sociais mais amplas - nas quais está contido - a investigação de
aspectos políticos, sociais, econômicos e da cultura popular do local é condição
importante para que atinjamos nossos objetivos, tendo em vista a inserção do nosso objeto
nestas esferas e seu consequente tangenciamento permanente às mais diversas questões
inerentes a elas. Portanto, à guisa de estabelecer um entendimento de como a história de
Campinas - primeiro como “povoado”, em seguida como parte de Goiânia - se
desenvolveu, principalmente, do ponto de vista cultural (com ênfase na cultura
educacional-escolar), é que propomos a discussão que se segue.

1.3 O povoamento da Campininha e a epopeia dos pioneiros da educação escolar na


região

Pela nossa pesquisa, constatamos ser consenso historiográfico o fato de que


Campinas surgiu no início do século XIX. O que é posto em discussão são os detalhes de
sua gênese. A maioria das antigas cidades goianas desenvolveu-se, de modo geral, a partir
de núcleos urbanos plantados nas regiões de interesse para atividades de mineração a
partir da segunda metade do século XVI. Além dos núcleos que compartilham desta
origem, houve, também, aqueles que se desenvolveram a partir de sedes de fazendas, onde
se constituíam colônias de trabalhadores, e cuja a lenta e limitada expansão e contato com
o mundo exterior se deviam à existência de estradas que as atravessavam em demanda à
afluência de caminhos que tinha como destino final a Cidade de Goiás, a então capital.
Normalmente, erguia-se, nestes núcleos, uma capela, ao redor da qual se estabelecia um

65
pequeno comércio. Ali, viajantes buscavam pouso e abrigo, restaurando as energias para
retomar o restante da viagem. Campinas foi um caso típico de povoação que teve este tipo
de início. Na clássica historiografia sobre o lugar, entre muitas narrativas, encontramos
três hipóteses principais para seu surgimento.

A primeira hipótese foi relatada pelo escritor pirenopolino José Assuero de


Siqueira na obra de sua autoria “Pequena Corografia de Goiás”, que foi adotada nos
cursos primários do Estado pela Lei nº 240, de 05 de agosto de 1937, e reeditada em 1942
pela Imprensa Metodista de São Paulo, versão à qual conseguimos acesso. Nela, o autor
assegura as seguintes origens para o Arraial de Campinas:

Campinas, a 470 metros de altitude, foi fundado em 1816, por José Gomes da
Silva Gerais. Criada pela lei nº 6, de 2 de agosto de 1853, foi desmembrada de
Bonfim e elevada a Vila pela lei de nº 287, de 15 de junho de 1907 (sendo
instalada a 7 de setembro do mesmo ano) e, a cidade, pela lei nº 476, de 8 de
julho de 1914. (SIQUEIRA, 1942: p. 48)

Em “Notícias Históricas do Bairro de Campinas”, o autor, Itaney Francisco


Campos (1985: p. 15) afirma acreditar que Assuero de Siqueira possa ter cometido certa
imprecisão ao estabelecer este histórico de Campinas. Para subsidiar seu argumento, de
que a “fundação” de Campinas teria ocorrido em data anterior ao registrado por Siqueira,
Campos reúne e apresenta informações de publicações anteriores, que divergem
especificamente quanto à data da fixação inicial do povoamento local. A versão defendida
por Campos fora primeiramente relatada por Francisco Ferreira dos Santos Azevedo28 em
1910, no “Annuario Histórico Geographico e Descriptivo do Estado de Goyaz” e
posteriormente ratificada por Zoroastro Artiaga, na obra “Geografia Econômica,
Histórica e Descritiva do Estado de Goiás”, de 1951. Segundo esta narrativa, “as origens
de Campinas remontam ao ano de 1810, quando o alferes Joaquim Gomes da Silva Gerais,
natural de Meia Ponte, de passagem pela região rumo às ricas minas de Anicuns, resolveu
ali fixar-se e formar uma fazenda, atraído pela magnificência de suas terras”. (ARTIAGA,
1951, p: 125 apud CAMPOS, 1985: p. 15)

28
Francisco Ferreira dos Santos Azevedo foi professor de Geografia e de Aritmética, lecionou na Escola
Normal de Goiás a partir de 1907. Foi também diretor do Liceu de Goiás entre 1921 e 1929. No ano de
1930 assumiu a direção da Escola Normal. (BRETAS, 1991: p. 494) O “Annuario Histórico Geographico
e Descriptivo do Estado de Goyaz” é considerado uma importante obra para os primórdios da ciência
geográfica no Estado de Goiás. Como autor da referida obra, é lembrado como um relevante intelectual
goiano que “tanto sucesso fez no começo do século XX pela agudeza de seus escritos e o acerto de suas
pesquisas, inclusive geográficas, o que era incomum àquele tempo. Foi um interessado pesquisador das
possibilidades da Geografia goiana há mais de cem anos” (CURADO, 2013).

66
Um artigo assinado por Henrique Silva, datado de 1887, e publicado, anos mais
tarde, na Revista “A Informação Goyana”, na edição de julho de 1926 (p. 81), reforça
esta versão descrevendo com maiores detalhes a região do município de Bonfim, atual
Silvânia, o qual, na época, subordinava administrativamente o povoado de Campinas:

O município possui três freguesias: Campinas, Bella Vista e Santa Cruz.


Campinas, o local mais formoso de toda a província, está a 14 léguas de
Bonfim e a 165 quilômetros da capital, próxima ao valle do rio Meia Ponte,
numa vasta e pitoresca campina que lhe deu o nome e regada por um límpido
ribeiro – o Cascavel. Foi fundada em 1810 por Joaquim Gomes da Silva Gerais,
natural de Meia Ponte, que ahí passou com direção a Anicuns, onde ia em busca
de uma mina de ouro recentemente descoberta. Tão magnífico pareceu-lhe o
lugar, que ahí mesmo estabeleceu-se com os seus companheiros; em breve
muitas famílias de S. Paulo e Minas para lá transportaram seus lares. Possue
ricas minas de ferro, que foram exploradas por uma fábrica que já não existe,
e uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição. (SILVA, 1887 In: A
INFORMAÇÃO GOYANA, 1926: p.81)

Com relação a outros documentos, os registros da Igreja Católica constituem uma


importante fonte de informações no sentido de rastrear as origens e os primórdios da
cidade, como constatamos no trabalho de pesquisa do historiador Miguel Archângelo
Nogueira dos Santos sobre o início das atividades do Santuário de Trindade, no qual ele
transcreve, do Livro de Óbitos da Paróquia de Campinas, a seguinte informação:

Aos 13 de abril de 1839 Faleceu da vida presente com todos os Santos Joaquim
Gomes da Silva Gerais homem branco casado e foi sepultado no adro desta
Capella de Nossa Senhora da Conceição de Campinas no dia 14 do mês e ano
solenemente sendo este o fundador da mesma capella e para constar fiz este
termo. O Cura Bazílio Antônio de Santa Bárbara”. (SANTOS, 1976: p. 71)

Em seguida, o autor registra a interessante constatação de que encontrou, no


mesmo Livro de Óbitos, uma divergência, listada entre efemérides da paróquia, a respeito
da data da morte do homem celebrado como fundador da capela que dera origem ao
povoamento, mas que reafirma sua importância histórica, como tal: “Em 1839, dia 3 de
novembro, morre Joaquim Gomes da Silva Gerais, fundador da Capela”. (SANTOS,
1976: p. 71)

Ao longo do século XIX, na medida em que o povoamento se consolidava de


forma permanente e se expandia, as principais alterações no status jurídico de Campinas
foram as que descreveremos a seguir, com base na documentação original reunida por
Bariani Ortêncio na obra “História Documentada e Atualizada de Campinas (1810-

67
2010)29. Em 1836, por força da Resolução Provincial nº 8, assinada, em 13 de agosto,
pelo então presidente de Goyaz, José Rodrigues Jardim, Campinas foi reconhecida como
distrito subordinado ao município de Bonfim (ORTÊNCIO, 2011: p. 21). Em 10 de julho
de 1844, a Resolução nº 2 criou a Paróquia de Campinas, desmembrando a Capela da
Senhora da Conceição de Campinas da Paróquia do Senhor do Bonfim, elevando-a em
importância pela primeira vez (ORTÊNCIO, 2011: p. 26-27). Em 1853, o arraial foi
elevado à categoria de Freguesia, subordinada – juntamente com Bela Vista e Santa Cruz
- à Vila de Bonfim (atual Silvânia), à época, o mais importante centro urbano da
microrregião à qual pertencia, por concentrar considerável peso político e cultural no sul
do Estado. Em 1896, através da Lei nº 100, de 5 de junho daquele ano, Campinas passou
a integrar o recém emancipado município de Bela Vista. Somente quase um século depois
de sua “fundação” é que Campinas fora, finalmente, emancipada, sendo desmembrada de
Bela Vista e elevada à categoria de Vila, por força da Lei nº 287 de 15 de junho de 1907.
(ORTÊNCIO, 2011: p. 48-49). Oficialmente, a então Vila de Campinas adquiriu status
de cidade em 1914, através da Lei nº 476 de 8 de julho, 104 anos depois do povoado ser
estabelecido na região. (ORTÊNCIO, 2011: p. 62-63).

Neste período de mais de um século de existência, entre seu surgimento e o


momento em que o Colégio Pedro Gomes foi fundado, Campinas passou algumas
situações importantes no que diz respeito ao ensino escolar disponibilizado à população
da região. A Gazeta Official do dia 24 de março 1858 publicou o que, segundo nossas
pesquisas, foi o primeiro registro no sentido de atestar a existência de alguma ação oficial
no âmbito da instrução. A Resolução nomeava José de Souza Rocha para reger “aula de
1ªs. letras da Paróchia de Campinas, com ordenado anual de 240$rs”. (ORTÊNCIO, 2011:
p. 37). No Correio Oficial de 9 de março de 1872, encontramos a primeira menção à
palavra “escola” em Campinas. Falaremos sobre o conceito de escola mais adiante. O
texto informa que Francisco de Paula Siqueira fora nomeado como professor da “Escola
de Campinas”. (ORTÊNCIO, 2011: p. 37).

Em 24 de fevereiro de 1875 e em 24 de maio de 1876, o Correio Official publicou


os detalhes referentes à aplicação de exames avaliativos a alunos da escola pública
primária exclusiva para alunos do sexo masculino, realizados respectivamente em 12 de
dezembro de 1874 e em 13 de dezembro de 1875 (ORTÊNCIO, 2011: p. 43-44). Destaca-

29
Apesar de Ortêncio ser um autor memorialista, esta obra, especificamente, traz uma coletânea de textos
de leis transcritos a partir dos originais aos quais o cronista teve acesso.

68
se nestes registros, o fato de mencionar claramente se tratar de uma escola pública, além
do fato de o processo avaliativo ser conduzido sob a tutela e inspeção de membros da
Igreja local. No ano de 1888, a Lei nº 843 de 21 de setembro, assinada pelo Brigadeiro
Felicíssimo do Espírito Santo, vice-presidente da Província de Goyaz, determinava a
criação de duas escolas de primeiras letras que seriam providas logo que a “situação
financeira da província permitisse”. Uma seria em Campinas (segundo o documento,
previa-se que esta fosse exclusivamente masculina) e a outra seria para o sexo feminino,
na “Freguesia de São Sebastião do Alemão”. (ORTÊNCIO, 2011: p. 45)

A primeira escola mista (que recebia jovens de ambos os sexos, mas em turmas
separadas), em Campinas, tem sua existência comprovada por uma efeméride registrada
pelo Decreto nº 2196, de 14 de outubro de 1908. Publicado no dia 28 do mesmo mês, o
texto informava a exoneração, a pedido, da professora Sebastiana Tavares Morais do
cargo de “professora interior” da “Eschola Elementar Mixta da Vila de Campinas”.
(ORTÊNCIO, 2011: p. 53).

No Decreto nº 2466 de 31 de julho de 1909 (ORTÊNCIO, 2011: p. 56), o


Presidente do Estado Urbano Coelho de Gouveia, alterou a categoria desta escola
elementar mista para “de Primeira Entrância”, como previa o Regulamento de Instrução
Primária nº 611, de 27 de janeiro de 1900, por ter atendido ao requisito imposto pelo
dispositivo:

As escolas primárias serão classificadas em efetivas e elementares. As efetivas


são: de 1ª Entrância – as das vilas com frequência superior a 20 alunos; a de 2ª
Entrância – as das cidades com frequência superior a 25 alunos; de 3ª Entrância
– as da Capital com frequência não inferior a 30 alunos. São elementares as
escolas de arraiais com frequência inferior a 20 alunos. (BRETAS, 1991: p.
453)

Este regulamento era um desdobramento da polêmica Lei nº 186 de 13 de agosto


de 189830, que marcou as diretrizes estaduais na área da educação durante grande parte

30
No seu artigo 1º, a Lei nº 186 diz que “o ensino em Goiás será de cinco categorias: a) primário; b) Normal;
c) secundário; d) profissional ou técnico; e) superior. O ensino primário será dado nas escolas
subvencionadas pelo Estado, nas escolas criadas e mantidas pelas municipalidades e em escolas
particulares. O ensino Normal será dado na Escola Normal. O ensino secundário será dado no Liceu e em
estabelecimentos congêneres criados nos municípios. O ensino profissional ou técnico será dado nos
estabelecimentos que para esse fim forem criados. O ensino superior será dado em academias fundadas pelo
Estado ou em faculdades livres criadas por iniciativa particular.” (BRETAS, 1991: p. 453)
Destacamos, a partir deste trecho da lei, o limitado alcance prático das suas disposições. Mesmo sob outras
legislações subsequentes, a influência da estrutura adorada sempre se fez ver. O Liceu foi a única instituição
de ensino secundário do Estado até 1929, quando surgiu, em Bonfim, o segundo, o “Ginásio
Arquidiocesano Anchieta”. Os municípios nunca chegaram a abrir instituições congêneres; a Escola
Normal Oficial só foi existir, efetivamente, em 1904. A maioria das instituições Normais que se

69
da Primeira República, sendo superada, em importância, somente pela Lei nº 631, de 2
de agosto de 1918. A grande polêmica envolvendo a Lei nº 186 está situada no fato de
que o dispositivo retirava do Estado a obrigação de manter, de forma integral, o custeio
relativo à existência escolas primárias espalhadas pelo estado, delegando grande parte da
responsabilidade às municipalidades:

Os municípios que se julgarem capazes de manter convenientemente suas


escolas podem dispensar o concurso do Estado, declarando-o ao presidente
dentro do prazo de seis meses. Os que não fizerem esta declaração tacitamente
admitem que aceitam a manutenção pelo Estado. Municípios e Estado farão as
despesas com suas respectivas escolas. [...] Os municípios que optarem pelo
ensino mantido pelo Estado devolverão a este os prédios escolares e a
arrecadação dos impostos que a Constituição lhes faculta arrecadar para
manutenção do ensino. (BRETAS, 1991: p. 453)

Acontece que, na prática, a ajuda do Estado, reforçada em atos legislativos e


decretos posteriores, nunca foi realmente atuante, devido às alegadas dificuldades
financeiras crônicas. Diferentemente do século passado, em que a membros da Igreja
atuavam na fiscalização dos exames em escolas públicas, como autoridades
certificadoras, no início do século XX, a fiscalização ou inspeção das escolas ficava a
cargo de juízes de direito e juízes municipais, sendo praticamente nula, tanto nas escolas
mantidas pelo Estado quanto nas mantidas pelos municípios.

A Escola Pública de Campinas, por exemplo, estava neste grupo de “instituições”


municipais, juntamente com as escolas de Meia Ponte (Pirenópolis), Corumbá, Santa
Luzia, Ipameri, Rio Verde, Jataí e Catalão. Segundo relatório de 1904, do então Secretário
de Estado de Instrução, Terras e Obras Públicas, João Alves de Castro, estimava-se que
nesse grupo de escolas (mantidas pelos municípios), em todo o Estado, estudavam não
mais que 300 alunos. O futuro governador calculava que, em todo o Estado havia um total
de 2264 crianças nas escolas (incluindo as escolas exclusivas do sexo masculino, as do
sexo feminino, as escolas mistas, entre as quais estavam as mantidas pelo Estado, as
mantidas pelo município e as particulares) (BRETAS, 1991: p. 474-475). No Decreto nº
2466, o Presidente Urbano Gouveia aproveitava para, ainda no mesmo despacho em que
alterava o status da escola de Campinas, nomear uma professora para a escola, na

equipararam a esta - a única pública - eram femininas e privadas, mas subvencionadas pelo Estado desde
1906, além de serem ligadas a ordens religiosas como o Colégio Santana, em Goiás, e o Santa Clara, em
Campinas; o ensino técnico ou profissionalizante só passou a existir em 1910, com a criação da Escola de
Aprendizes Artífices, que funcionou em Goiás até 1942, quando foi transferida para Goiânia; o Ensino
Superior se resumiu à fundação da Academia de Direito de Goyaz, (1903-1909), à Faculdade Livre de
Direito (1916), a Escola de Farmácia e Odontologia (1922).

70
condição de interina: D. Ana Rosa de Oliveira. No final daquele ano, outra ordem
decretava a nomeação de um professor para a mesma escola, também em caráter interino:
o Decreto nº 2583, de 21 de dezembro de 1909 admitia para o quadro da escola de 1º
Entrância, o cidadão Abner da Cunha Soares.

No ano de 1911, o Decreto nº 2933, do dia 20 de abril, publicado no Correio


Oficial do dia 27 de abril de 1911, exonerava o professor Pedro Celestino da Silva da
função mediante a justificativa do mesmo não ter assumido o exercício de suas funções
na “escola do sexo masculino da Vila de Campinas”. Em seu lugar fora nomeado o
cidadão José Gonçalves de Almeida. (ORTÊNCIO, 2011: p. 59). Do texto deste decreto,
depreende-se que a escola pública de Campinas, apesar de denominar-se mista –
aceitando matrículas de meninos e meninas - separava as turmas por gênero, como era
comum na época. Chama atenção também as muitas trocas de professores e mesmo, a
vacância da função. Estas constatações, realizadas a partir destes documentos, ilustram a
situação que Bretas expõe ao dizer que, nas escolas primárias de Goiás do início do século
XX “de graça ou quase de graça só trabalhavam os professores, que aliás não tinham
nenhum apego ao cargo” (BRETAS, 1991: p. 504)

Além das escolas e “aulas” públicas que existiram em Campinas, as instituições


particulares completam o quadro da trajetória da educação escolar no local antes da
década de 1930. Nesse sentido, uma peça importante para a compreensão desta narrativa,
engloba o papel do poder disciplinador da Igreja sobre a sociedade campineira e suas
consequências diretas na evolução da educação escolar na região. A localidade que deu
origem ao atual município de Trindade assume a condição de elemento central nesta outra
face do cenário escolar em Campinas.

A região esteve subordinada administrativamente a Campinas desde 1907, como


“Patrimônio do Barro Preto”. Sua elevação à categoria de distrito, ainda subordinado a
Campinas, ocorreu em 1909. O centro de peregrinação religiosa só foi desmembrado de
Campinas em 16 de julho de 1920, por força da lei nº 662, (ORTÊNCIO, 2011: p. 69)
durante o governo de João Alves de Castro (1917-1921). A emancipação de Trindade teve
considerável impacto sobre as contas públicas campineiras, já que a região contava com
terras férteis, atividade agropastoril de relativa robustez pera o abastecimento local e,
principalmente, gerava arrecadação em virtude da dinâmica econômica que envolvia tais
atividades no maior centro de peregrinação religiosa do Estado (CAMPOS, 1985: p.17).
A Vila de Trindade seria, finalmente, elevada à categoria de cidade no ano de 1927, por

71
força do exposto no Artigo 2º da Lei nº 825, de 20 de julho de 1927. (ORTÊNCIO, 2011:
p. 77)

Como dito, Barro Preto, ou Trindade, possui um importante papel para a história
de Campinas e, indiretamente, para a história do ensino e instrução na região e, em certa
instância, no Estado de Goiás, quando consideramos que a vinda dos religiosos alemães
da Congregação Redentorista fora determinante para fundação de importantes escolas que
contribuíram para mudanças na realidade educacional do Estado na primeira metade do
século XX.

Foi a romaria de Barro Preto, possivelmente iniciada em meados do século XIX e


atualmente conhecida como Festa do Divino Pai Eterno de Trindade, que motivou a vinda
dos primeiros padres da congregação a Goiás, em dezembro de 1894. Ao ser nomeado
para dirigir a Diocese de Goiás, em 1891, D. Eduardo Duarte da Silva se deparou com
uma já robusta manifestação de fé popular na região, entregue ao controle de uma
comissão de leigos. Campos (1985: p. 17) aponta que a atividade teve início por volta da
década de 1840, quando o fazendeiro Constantino Xavier Maria e sua família,
provenientes de Minas Gerais, fixaram-se no local onde hoje se ergue Trindade e
construíram uma capelinha (rancho) para realizar a devoção à Santíssima Trindade. O
costume foi se firmando com a participação dos vizinhos e ampliou-se depois,
gradativamente, com a uma frequência cada vez maior de devotos de vários pontos do
Estado.

O registro documental encontrado por Miguel Archângelo Nogueira dos Santos


no periódico “Santuário da SS. Trindade”31, em “Efemérides”, corrobora esta hipótese
sobre a origem da manifestação religiosa na região, trazendo a informação de que em 5
de setembro de 1850, D. Ana Rosa, esposa de Constantino Xavier Maria, assinou a
escritura de doação das terras para o patrimônio da Igreja. A doação era de “légua e meia
de comprimento e légua de largura”, valorizada na época em 200$000. “No dia seguinte,
foi feito o registro, mediante taxa de 1$600 e que a escritura registrada fora entregue ao
Pe. João Azevedo do Nascimento, então vigário de Campinas.” (SANTOS, 1976: p. 56).

31
O Santuário da Santíssima Trindade era o principal informativo de Campinas. De publicação mais regular
e de tom mais formal, o jornal circulava em toda região a partir das igrejas, passando de mão em mão.
Havia outro jornal em Campinas até 1930, o “Bodoque”. Bariani Ortêncio assim explica: Bodoque era o
segundo jornal em Campinas. Havia do Santuário da SS. Trindade e por último o Bodoque. Uma grande
diferença existia entre os dois: o Santuário era um jornal dos mais respeitados pelos pontos de vista que
defendia, e o segundo era datilografado, atuando na faixa da brincadeira.” (ORTÊNCIO, 2011: p. 86)

72
Ocorre que, segundo os registros encontrados por Santos, a romaria se
desenvolveu sem nenhum controle da Igreja, o que, na visão de D. Eduardo Duarte da
Silva, teria gerado “desvios e abusos preocupantes”. Em 1893, o bispo viajou para a
Europa e um dos seus objetivos era obter anuência para trazer sacerdotes a quem pudesse
confiar a missão de organizar, administrar e “cristianizar” a Romaria do Divino Pai Eterno
de Barro Preto. O pároco de Campinas na época, Monsenhor Inácio de Souza já havia
sofrido hostilidades por parte de membros da festa popular ao tentar participar mais
ativamente de sua organização, portanto, considerava que somente uma Congregação
poderia disciplinar a romaria, de proporções já consideráveis.

Assim, em Roma, D. Eduardo apresentou a representantes de diversas


congregações e organizações a situação do cristianismo católico no interior do Brasil, em
especial das romarias de devoção popular, a fim de solicitar-lhes a cessão de sacerdotes
para trabalho missionário. Obteve, então, o consentimento do Pe. Matias Raus, Superior
Geral da Congregação do Santíssimo Redentor, conhecida como Congregação dos Padres
Redentoristas ou, simplesmente, Congregação Redentorista.

Um documento citado pelo historiador Robson Rodrigues Gomes Filho, estudioso


da missão redentorista no Brasil, ilustra esta situação. Trata-se do comunicado emitido
pelo Pe. Geral da Congregação ao Superior Provincial da Baviera, Pe. Anton Shöpf,
informando-lhe da sua decisão de montar uma missão bávara no Brasil, atendendo ao
pedido de D. Eduardo, bispo de Goiás. A carta, datada de 11 de junho de 1894, foi redigida
pela Conselheiro Geral, Pe. Carlos Dilgskron:

Nestes dias visitou-nos um bispo do Brasil que tem uma enorme diocese, onde
há quatro tribos de selvagens; poucos, porém, são os padres, e não são dos
melhores. Pediu ajuda, com lágrimas nos olhos, ao Pe. Geral. O Pe. Geral viu
nesse pedido, um sinal de Deus, crendo que ele vale em primeiro lugar para a
província bávara. Certo de que aí não faltam almas heroicas, que não receiam
pobreza e não desprezam pobres índios e cristãos abandonados, o Pe. Geral
aceitou o pedido do bispo. (COPRESP-A, 1º Volume – 1817-1896. Carta nº
13. Pe. Carlos Dilgkron, ao Pe. Antônio Schöpf. Roma, 11 de junho de 1894,
p. 18 Apud GOMES FILHO, 2018: p.277).

Havia a preocupação de formar um grupo de missionários pioneiros que unissem


a disposição requerida para o árduo trabalho em terras desconhecidas a uma certa
experiência na lida pastoral e/ ou missionária. Deste modo, foram selecionados e enviados
para o Brasil 14 religiosos bávaros, sendo 7 padres (5 deles com idade entre 47 e 65 anos
e apenas 2 com menos de 30). O grupo fora divido em dois, sendo um deles destinado a
Goiás e o outro com destino a Aparecida, São Paulo, onde havia outra romaria de grande

73
porte. O grupo que veio para Goiás era assim composto: Pe. Gebardo (Geraldo)
Wiggerman, de 51 anos, como Superior e Visitador (vice provincial), Pe. João da Matta
Späth, de 63 anos, como admonitor do visitador, o Pe. Miguel Siebler, de 29 anos, o Fr.
Lourenço Hubbauer, de 22 anos, e os irmãos Norberto Wagenlehener (37 anos), Gebardo
Konzet, Ulrico Karmermeir (27 anos) e Floriano Grilhisl (23 anos). A palavra “irmãos”
designa uma categoria de religiosos que não recebiam instrução superior, ao contrário dos
sacerdotes e estudantes em vias de serem ordenados, que possuíam formação em filosofia
e teologia. Os irmãos se consagravam apenas ao trabalho doméstico, ou funcional, como
sapateiros, pedreiros, cozinheiros e etc., com objetivo de suprir as necessidades práticas
da congregação. (GOMES FILHO, 2018: p. 278). Registra-se que, entre 1894 e 1920, a
Província Bávara enviou para o trabalho missionário no Brasil 72 confrades, entre padres
e irmãos.

Quando chegaram a Campinas, no dia 12 de dezembro de 1894, após


atravessarem, sobre os lombos de burros, a distância de 480 quilômetros que separava
Uberaba - então ponto final da linha férrea - de Campinas, se depararam com “um arraial
de 400 habitantes, sem comunicações, sem conforto, longe do mundo civilizado, com
apenas dois arremedos de ruas: a de baixo e a de cima; alguns casebres de adobe, a igreja
bem pequena” (CARVALHO, 1958: sem página), conforme registrou o padre João
Ribeiro de Carvalho, missionário redentorista que viveu em Campinas (Goiânia) de 1952
a 1958, em “64 anos de apostolado em Goiás”, um texto publicado em encarte na Revista
da Arquidiocese (sem numeração de páginas).

Apesar da questão da romaria de Barro Preto ser prioridade, os missionários não


se fixaram naquela localidade, estabelecendo-se em Campinas. O pároco, Monsenhor
Inácio de Souza, cedeu-lhes suas propriedades, iniciou-os na aprendizagem da língua e
serviu-lhes, inicialmente, como orientador. Muito recorrente é, nos relatos sobre
Campinas, desta época, referência a características naturais positivas, como clima
aprazível, boas terras, água abundante e belas paisagens. Nos relatos do padre João
Ribeiro, encontra-se a afirmação de que:

os redentoristas se fixaram em Campinas devido à excelência do clima e,


possivelmente, obedecendo aos conselhos do Mons. Inácio de Souza,
conhecedor dos ânimos dos habitantes do Barro Preto e vítima de duras
perseguições por parte de elementos sediciosos ali radicados. (CARVALHO,
1958: sem página)

74
Chama atenção neste excerto, também, a alusão à tensão existente entre os
representantes oficiais da Igreja e o grupo leigo organizador da romaria. Isto ocorria,
segundo os registros apresentados pelo mesmo autor, graças a disputas relativas à
administração do cofre e do patrimônio do “Santuário” do Divino. Esta situação teria
perdurado, não obstante ao afastamento do grupo mais arredio de suas funções
administrativas, até o fim do bispado de D. Eduardo que, em 1907, assumiria a recém-
criada diocese de Uberaba, deixando a diocese de Goiás a cargo do bispo D. Prudêncio
Gomes da Silva (1907-1921).

Para ilustrar que a relevância dos religiosos alemães na região não se restringiu à
mediação da questão de Barro Preto, nem a situações estritamente religiosas e
eclesiásticas, Miguel Archângelo traz em sua obra sobre o Santuário de Trindade, mais
um interessante relato do Pe. João Ribeiro de Carvalho, no qual são enumeradas as
contribuições modernizadoras e melhorias implementadas pelos redentoristas:

a casa dos padres, que era parada obrigatória a todos aqueles que demandavam
à capital ou ao sul do Estado; construíram a nova Matriz, uma das mais
majestosas do Estado em 1900 e o 2º cemitério da cidade; instalaram a primeira
usina elétrica em Campininhas, em 1921; editaram o primeiro jornal, também
em 1921; [...] introduziram a primeira motocicleta em Campinas (1922) e
possivelmente em Goiás; instalaram o primeiro o primeiro telefone do Estado,
entre Campinas e Trindade (1924) a 100 réis a telefonada; introduziram a
segunda bicicleta em Campininhas; instalaram o primeiro relógio de torre de
Igreja. (SANTOS, 1976: p. 50).

Em outro relato, também encontrado pelo pesquisador Miguel Archângelo, o


mesmo padre, mais uma vez, relatou suas impressões sobre o estado em que a cidade
progredia, desta vez expondo sua opinião sobre a situação de Campinas anterior e
posteriormente à atuação dos religiosos católicos. Em seu ponto de vista

A povoação de Campinas não tinha importância, nem recursos: uma meia


dúzia de casebres em redor de uma igrejinha, cujas paredes ruinosas davam
livre entrada aos cabritos... Hoje Campinas é uma cidade pequena, mas
florescente, que os padres dotaram de uma igreja bela e grande, de um colégio
muito bem-conceituado, de telefone, de luz elétrica. (SANTOS, op. cit. p. 50
apud. CAMPOS, 1985: p. 30)

Dentre todas as inovações promovidas no cotidiano de Campinas pelos padres


redentoristas, a que mais nos interessa, foi a promoção da vinda de um grupo de religiosas
da Congregação das Irmãs Franciscanas que, no início de 1922 dariam início às atividades
do Colégio Santa Clara. Maria Bonifácia Vordemayer, professora de trabalhos manuais,
Maria Benedita Tafelmayer, professora licenciada em pedagogia, Maria Ludimilla
Schropp, costureira, foram as religiosas destacadas para a mudança para Goiás. Foram

75
acompanhadas Maria Willibalda Mayer, responsável pelos trabalhos domésticos. As
alemãs deixaram a Europa em agosto de 1921 rumo ao Brasil. Após dezessete dias de
viagem marítima, algumas semanas em Aparecida do Norte e seis dias de viagem
terrestre, chegaram a Campinas sob aclamações da população local, na manhã do dia 16
de outubro. (MENEZES, 1977: p. 6)

Após acomodação inicial improvisada e dois meses aprendendo a língua


portuguesa sob a supervisão do padre Oscar Chagas, em 1º de janeiro de 1922 foi aberto
o curso primário para meninas, no qual foi matriculada, em 6 de janeiro a primeira aluna.
Formou-se, neste primeiro ano uma turma de setenta alunas externas e quatro internas.
“As irmãs se responsabilizaram também por uma escola mista (para meninos e meninas),
mantida pelo Estado, e com um número inicial de 134 alunos. Uma subvenção de
2.400$000 foi conseguida pelo senador José Rodrigues de Morais para a escola das
franciscanas.” (CAMPOS, 1985: p. 32), como forma de compensação. A Irmã Áurea
Cordeiro de Menezes apresenta informações complementares sobre esta escola
“estadual”:

Logo em 1922, uma Escola Primária, mista, existente em Campinas, foi


entregue à direção das Irmãs do Colégio Santa Clara.
Em 1936, sendo inaugurado o Grupo Escolar Pedro Ludovico, esta (escola) se
transferiu para lá, ficando o Colégio apenas com sua escola primária particular.
(MENEZES, 1981: p. 193).

A autora enriquece nossa impressão sobre o restrito alcance do cenário escolar da


região na época acrescentando outras constatações sobre a instituição pública conduzida
sob os cuidados das religiosas:

De 1922 a 1936, a chamada “Escola Pública de Campinas” esteve sob a direção


das irmãs do Colégio Santa Clara.
O Grupo Escolar “Dr. Pedro Ludovico”, criado em 1936, absorveu esta escola.
Nela, havia “classes” para as meninas, separadas das dos meninos.
No colégio, estudavam apenas meninas.
Por ser gratuita, a escola pública sempre registrou matrículas superiores às do
Colégio. (MENEZES, 1981: p. 104-105).

Na segunda metade da década de 1930, a instituição católica já havia se


consolidado, tanto como centro de ensino, como formador de professoras, pois atendia
alunas normalistas desde que a Lei nº 826, de 20 de julho de 1927, reconheceu o colégio
campineiro como instituição equiparada à Escola Normal Oficial do Estado.
(ORTÊNCIO, 2011: p. 79-80) A respeito da já citada relevância do seu Curso Normal,
reiteramos que o Colégio Santa Clara irradiou forte influência sobre o ensino do Estado,

76
pois recebeu, por muito tempo, alunas de todas as regiões de Goiás à procura de seu
internato, sendo responsável pela formação de muitas professoras, educadoras e outras
profissionais que atingiram os mais diversos postos na sociedade. A título de exemplo, só
no ano de 1936 o colégio recebeu matrículas de alunas oriundas de 40 cidades diferentes
espalhadas pelo Estado. (MENEZES, 1981: p. 143).

Em sua pesquisa, Menezes deixou claro que a formação feminina era uma
necessidade real para a sociedade local, sobretudo no contexto cultural tradicional -
marcado pelo patriarcalismo e pelo sexismo - do período compreendido entre os anos
1920 e 1960, porém os altos custos de manutenção das jovens em regime de internato,
fazia com que somente as famílias mais abastadas pudessem proporcionar o ensino
escolar às moças. A autora assim descreve tal panorama, em que, num cenário já restrito
de opções, outras questões interferiam no acesso e permanência de jovens em idade
escolar no colégio, especialmente no regime de internato:

Os costumes da época, procurando resguardar as meninas, ao máximo, fizeram


com que muitos pais de localidades distantes procurassem o internato, por não
confiarem a “guarda” de suas filhas a parentes ou a amigos residentes em
Campinas e, muito menos ainda, a dirigentes de uma pensão.
Este motivo, acrescido pelo “luxo” dos pais ricos, julgando fator importante na
vida da filha, a passagem pelo internato, o que lhe conferia fineza, segundo
eles, fez com que muitas alunas de Campinas estudassem como internas.
(MENEZES, 1981: p. 105)

A pesquisadora complementa este raciocínio expondo a constatação de que a


procura por vagas em regime de externato só começou a aumentar na medida em que as
obras de Goiânia fizeram a região de Campinas se firmar como um polo de atração
populacional. Segundo ela, a procura por vagas aumentou significativamente a partir de
meados da década de 1930 devido a: “a) O afluxo de novas famílias ao local onde se
ergueria a futura capital; b) Evolução da mentalidade dos habitantes de Campinas que
começavam a sentir a necessidade da instrução para a mulher”. (MENEZES, 1981: p.
105)

Deste modo, alguns elementos importantes para nosso esforço de compreensão do


cenário cultural-escolar de Campinas até a década de 1940 ficam evidentes a partir das
conclusões que pudemos obter até aqui: Campinas era um reconhecido polo estudantil,
mas somente para jovens do sexo feminino, e para famílias que podiam pagar; o ensino
básico existia na cidade e era a única opção de escolarização para ambos os sexos em
nível local; o prosseguimento dos estudos, para níveis que superassem a instrução básica

77
(ginasial e secundário) era, assim como em quase todo o Estado, uma realidade distante
para a população campineira.

Irmã Áurea ainda relata uma outra informação importantíssima para o escopo de
nossa pesquisa: o primeiro curso ginasial que atendia também ao público masculino, em
Campinas, foi uma extensão do Colégio Santa Clara. Segundo a autora, o Arcebispo D.
Emanuel Gomes de Oliveira, o “Arcebispo da Instrução”, em 1949, fez um pedido para
que a direção do colégio fizesse uma extensão de seu curso ginasial visando o
atendimento de alunos do sexo masculino, em Campinas. A autora ilustra o ocorrido
citando um recorte de jornal, sobre o qual, segundo ela, não fora possível indicar autoria
do texto, nem informações sobre o jornal, justamente por se tratar de uma parte avulsa
recortada que ela registra ter encontrado em suas pesquisas nos arquivos da Secretaria do
Colégio Santa Clara. O recorte, em um texto de tom bastante apologético, exalta a
implantação do curso, dizendo o seguinte:

Deveras auspicioso se apresenta para as famílias católicas de Campinas, é


quase a totalidade delas, o exemplo de civismo que apreciamos, o curso
ginasial masculino, de cuja falta tanto se ressentia naquele bairro, ora instalado
em turno diferente do feminino, e que estará em funcionamento no próximo
ano, vem, em hora feliz, satisfazer a uma grande aspiração da laboriosa gente
campineira.
Isso se deve, e já não é novidade proclamá-lo, à clarividência e iniciativa de S.
Excia. Revma. Dom Emanuel Gomes de Oliveira, ilustre Arcebispo
Metropolitano que, num vivo empenho conjugado a patrióticos esforços do
Revmo. Padre Superior dos Redentoristas e das Revdas. Irmãs Franciscanas,
conseguiu dotar Campinas com estabelecimento de ensino que a sua culta
população, com justiça, proclama. (CURSO GINASIAL EM CAMPINAS.
01/09/1949. Arquivo da Secretaria do Colégio Santa Clara Apud. MENEZES,
1981: p. 193)

Ainda seguindo os rastros e vestígios legados, a fim de compor o cenário da


educação escolar em Campinas no tempo de seus pioneiros – tanto pessoas, quanto
instituições - ressaltamos que é importante notar a presença de uma outra instituição de
ensino particular na região, citada por José Sêneca Lobo em artigo publicado em jornal
(José Sêneca Lobo in: O POPULAR, 02 de junho de 1994), como contemporânea à
instalação do Santa Clara. Trata-se da Escola Professor Antônio Eusébio32 de Abreu, que
segundo ele, fora transferida de Bonfim pelo proprietário que lhe emprestava o nome,
mas também era conhecido pelo apelido Nico Eusébio. Este, a propósito, era pai de

32
Há, nas diferentes fontes pesquisadas, divergência a respeito da grafia correta do nome do professor
Eusébio. Em uma mesma obra, em diferentes partes do texto, foi encontrada as duas grafias (com “s” e com
“z”). Isso acontece tanto na obra de Menezes (1981), quanto na de Bretas (1991). Já Campos (1985) adota
a grafia com “z”.

78
Antônio Americano do Brasil33. Assim como o Santa Clara, a escola de Antônio Eusébio,
também se situava no Largo da Igreja Matriz. (José Sêneca Lobo in: O POPULAR, 02 de
junho de 1994).

Em seu texto, ao se referir à escola de Nico Eusébio como “primeira escola”,


Campos reforça o fato de que esta teria sido a instituição de ensino pioneira na região,
pelo menos naquele formato (escola privada masculina e aulas secundárias avulsas). O
pesquisador detalha que:

Merece registrar-se aqui a vinda, em 1918, para Campinas do mestre34 Antônio


Euzébio de Abreu (Nico Euzébio), renomado mestre, pai do médico,
historiador, poeta e político Americano do Brasil, que dirigiu ali a primeira
escola, instalada em casa cedida pelo Coronel Joaquim Lúcio Tavares Júnior.
Este fazendeiro, apesar de dedicar-se sobretudo às lides agrícolas, era uma
espécie de patriarca na região. (CAMPOS, 1985: p. 40)

O professor Eusébio e sua escola são citados, também, pela Irmã Áurea Cordeiro
de Menezes, atestando que, mesmo antes da instalação do Santa Clara, ambos os
elementos já eram presentes, de forma relevante, na sociedade campineira. Ao falar da
precariedade estrutural encontrada em Campinas na década de 1920, ela relata: “Não
havia em dentistas, nem médicos, nem hospitais na cidade. Em casos mais simples, o
farmacêutico prático, professor Antônio Euzébio, tratava os doentes.” (MENEZES, 1981:
p. 91). Ao descrever a cerimônia de inauguração do Colégio, ocorrida no dia 9 de janeiro

33
Como já foi dito em nota anterior, Antônio Americano do Brasil foi uma figura proeminente na política
e no cenário intelectual goiano da Primeira República, contribuindo para a consolidação da Revista
Informação Goyana. Interessa-nos mostrar que ele, a exemplo de seu pai, também se relacionou diretamente
com a área da educação escolar, contribuindo para sua expansão no Estado, ao ser responsável pela
fundação e manutenção de duas escolas na cidade de Santa Luzia (atual Luziânia). Bretas descreve
brevemente sua trajetória: “Após se formar em medicina no Rio de Janeiro, voltou para Goiás,
estabelecendo sua primeira clínica em Formosa. Durante o governo de João Alves de Castro (1917-1921),
mudou-se para a capital, a Cidade Goiás, onde exerceu a função de secretário estadual, comandando a pasta
do Interior e Justiça. Ao fim do mandato de Castro, elegeu-se deputado federal, retornando para o Rio de
Janeiro a fim de exercer seu mandato. No término deste período, regressou a Goiás, onde infelizmente,
descobriu-se enfermo. Afastou-se da política e foi morar em Santa Luzia, onde fundou uma Escola Normal,
em 1928, juntamente com seu antigo colega Joaquim Machado de Araújo. Ali, dedicou-se à escrita (entre
seus trabalhos, destacam-se escritos de História de Goiás), ao exercício da medicina e à sua escola, na qual
também lecionava. Seu pai, o professor Antônio Euzébio, que já havia deixado Campinas e retornado a
Bonfim ainda na primeira metade dos anos 1920, foi então ao seu encontro. Ali, trabalharam juntos nesta
Escola Normal até que fundaram um colégio na cidade: o Ateneu. A trajetória de Americano foi
interrompida, tragicamente, em 1932, quando ele foi assassinado por um homem que, supostamente,
alimentava ciúmes de sua esposa em relação ao médico.” (BRETAS, 1991: p. 566-567).
34
Até o início do século XX, o termo “mestre”, ou “mestre-escola”, em geral, designava os professores de
primeiras letras. Estes, “comumente, aprendiam o ofício de ensinar através da prática estabelecida na rotina
de acompanhar outro mestre mais experiente” (ou um professor diplomado) em uma determinada casa-
escola ou instituição em que seu preceptor lecionava. (SHUELER, 2005, p. 334).

79
de 1922, às 10 horas, com 14 alunas reunidas em uma sala de aula para seu primeiro dia
letivo, a pesquisadora afirmou:

Às 10 horas, reunidas numa sala de aulas, deu-se a inauguração do Colégio,


contando com a presença do Redentorista, padre João Batista Kiermeier, que
fez uma preleção sobre o valor da educação sabiamente ministrada e alicerçada
em bases religiosas.
Falaram ainda o Senhor Honestino Guimarães e o professor Antônio Euzébio
de Abreu, proprietário e diretor da única escola de Campinas até então, a
“Escola Nico Euzébio”, para meninos, traduzindo a alegria dos campineiros e,
já em antecipada aurora, a de todo Goiás. (MENEZES, 1981: p. 90-91)

Além de Campinas, Antônio Eusébio contribuiu para a escolarização da


população em outros lugares espalhados pelo Estado. Na verdade, sua vida foi dedicada
à atividade docente e, por ter deixado sua marca por onde passou, abrindo escolas e
lecionando para muitos jovens, é considerado um benemérito da educação goiana
(BRETAS, 1991: p. 567). Sua trajetória se iniciou ao estudar no Seminário de Santa Cruz,
onde fez o preparatório para ingressar na carreira eclesiástica, à qual daria continuidade
em um seminário em São Paulo, ao qual não se adaptou. Abandonando a ideia da vida
religiosa, retornou a Goiás e deu início à carreira de educador. Como muitos professores
das primeiras décadas do século XX em Goiás, obteve seus conhecimentos de forma
autodidata, ao se dedicar aos estudos de línguas vivas e mortas e de filologia da língua
portuguesa. Lecionou aulas avulsas por breves períodos em Ipameri e Formosa.

Em Bonfim, Eusébio fundou o “Colégio Xavier de Almeida”, que mais tarde teve
o nome alterado para “Colégio Bonfinense”. Este foi o colégio particular de mais longa
existência no Estado durante a primeira metade do século XX, funcionando até o fim da
Primeira República, mesmo sem a presença de Eusébio. Segundo Bretas, seu colégio
“mantinha internato e externato, recebendo alunos das cidades vizinhas, e até mesmo do
Triângulo Mineiro, dada a confiança que os pais de família de toda a região depositavam
no educador e diretor”. (BRETAS, 1991: p. 566). Depois disso, atuou junto ao filho,
fundador e diretor da Escola Normal de Santa Luzia. Na mesma cidade, fundou o Colégio
Ateneu para rapazes, que acabou encerrando as atividades depois da tragédia que
acometeu seu filho.

Quando se fala que a escola de Nico Eusébio foi a primeira escola da cidade de
Campinas, é importante estabelecer a diferença conceitual do que hoje é classificado desta
forma, com uma instituição assim denominada naquele período. O professor Bretas faz
este alerta expondo a definição atual de escola:

80
Quando falamos hoje em escola, entendemo-la como uma instituição de
ensino, estabelecida em prédio próprio, com várias salas de aula, salas de
administração e serviços, numerosos alunos e vários professores e funcionários
obedecendo a uma direção interna. (BRETAS, 1991: p. 71)

Em seguida, ele elucida o que era uma escola, em Goiás, nos períodos colonial e
imperial. Não obstante às mudanças na legislação (reformas estaduais de 1893, 1898,
1911 e 1913 e 1916) ocorridas após a proclamação da república, em sucessivas tentativas
de regulamentar a situação do ensino escolar básico no Estado - conforme a descrição
apresentada por Bretas - não mudou a realidade na maioria das escolas espalhadas pelo
interior de Goiás. Deste modo, o pesquisador nos explica o que devemos ter em mente ao
encontramos menções, em documentos e fontes, às escolas no Estado até os anos 1930.
Deste modo, segundo o autor, uma escola comum em Goiás:

Era uma instituição isolada, de um só mestre, recebendo diariamente na própria


casa em que residia uma ou duas dezenas de discípulos. Dessa casa, em geral
pequena e modesta, o mestre reservava a melhor e maior sala, quase sempre a
de visitas, para aí instalar sua mesa de mestre e alguns bancos toscos para os
alunos. Era exigência das autoridades que o mestre residisse em sua própria
“Aula”, isto é, que ministrasse o ensino na sua própria morada. E quando o
mestre não tinha casa, por não poder comprá-la (a não ser que tivesse outro
bom emprego, ou herança) quase sempre residia em casa alugada, pequena e
de aluguel módico. Sucedia, às vezes, que uma casinha qualquer, disponível,
era cedida pelo proprietário abastado, para que nela o mestre “abrisse sua
Aula”, prestando, assim, generosamente um serviço à comunidade. (BRETAS,
1991: p. 71)

Nessa descrição, encontramos elementos que explicam a situação da escola de


Nico Eusébio, instalada em Campinas em 1918: o ensino era pago; atendia a um número
pequeno de alunos (devido às limitações de espaço físico e às práticas pedagógicas
vigentes); todos os estudantes eram do sexo masculino; a escola funcionava em uma casa
cedida por uma influente personalidade política local, tida como benfeitor público, no
caso o Coronel Joaquim Lúcio.

Foi somente a partir do partir das ações promovidas durante o governo do


presidente do Estado João Alves de Castro, como a reforma do ensino primário, executada
através da Lei nº 631, de 2 de agosto de 1918, é que as escolas isoladas ou comuns
passaram a ser agrupadas nos chamados Grupos Escolares no intuito de ampliar a oferta
e, principalmente, organizar o ensino de forma mais padronizada e eficiente.

Isto ocorreu depois de um longo e desgastante “jogo de empurra” entre os


presidentes de Estado anteriores e os municípios. Em 1898, a já citada Lei nº 186 de 13
de agosto havia submetido a administração e manutenção das escolas elementares aos

81
municípios, responsabilizando-os por uma demanda à qual se mostraram completamente
incapazes de administrar. Esta situação de profunda falta de recursos e também de
incompetência na gestão, acabou levando o sistema a uma situação caótica rapidamente.
As Lei nº 397 de 21 de junho de 1911, a Lei nº 436 de 19 de julho de 1913 e, por fim a
Lei nº 527 de 07 de julho de 1916 se sucederam, uma exercendo poder de revogação sobre
a outra, mas sem nada resolver, pois esbarravam na falta de recursos por parte do Estado,
para intervir diretamente no socorro das escolas públicas primárias.

Assim, a Lei nº 631 de 1918, embora não muito diferente das anteriores em suas
resoluções principais, se diferenciou por seus detalhes mais marcantes, que
determinavam, entre outras coisas, que o Estado se responsabilizaria (direta ou
indiretamente) pelo controle e funcionamento de todas as escolas, obrigando as escolas
municipais a seguirem as mesmas diretrizes das escolas estaduais, mas resguardando os
municípios da não-obrigatoriedade da manutenção de escolas primárias, facultando-a
àqueles que conseguirem manter tais unidades com recursos próprios. Mas certamente a
principal inovação do dispositivo foi a adoção do modelo de Grupo Escolar. Bretas
explica a concepção do modelo que proliferar-se-ia por Goiás ao longo das próximas
décadas:

O Grupo Escolar foi o resultado natural da evolução do ensino primário no


país. Nas capitanias e cidades mais populosas existiam várias escolas isoladas,
funcionando uma, duas ou três delas em cada freguesia, instaladas nas
residências dos próprios professores ou em casas alugadas. Começou-se, então,
a pensar em reunir todas as escolas de uma cidade, de uma freguesia ou bairro
populoso em um só edifício que possuísse quatro, cinco, seis ou mais salas,
edifício esse especialmente construído para tal fim, e em cada sala colocar uma
mesa isolada com seu professor e alunos, formando, assim, um centro de
ensino, como se fazia em outros países. Esse centro de ensino, que comportava
várias escolas, seria, então, o que se convencionou chamar “Grupo Escolar”.
(BRETAS, 1991: p. 506)

No imaginário dos políticos da época, os grupos escolares eram sinônimo de


progresso, um sinal da modernização que as regiões de Goiás tanto ansiavam. Logo
prefeitos e a população de muitas cidades passaram a desejar a instalação de tais prédios
em suas comunidades. Enquanto as coletividades escolares iam surgindo nas cidades
maiores de outros estados, as cidades mais próximas a estes grandes centros
vislumbravam a inserção de tais elementos em suas realidades. Nas regiões próximas à
estrada de ferro, as notícias chegavam ainda mais rápido. Não foi por acaso que a primeira
cidade a pleitear junto ao presidente João Alves de Castro a construção de um grupo

82
escolar foi Catalão, cidade vizinha de Araguari e Uberlândia, de onde “recebia influência
progressista”. O grupo escolar de Araguari, que existia desde 1910 era

Instalado em prédio novo, grande, bonito, e construído especialmente para


abrigar uma escola desse tipo, o Grupo Escolar de Araguari causava inveja aos
viajantes goianos (deputados, senadores, presidentes, comerciantes e outros)
que por ali passavam com destino a São Paulo e Rio de Janeiro, despertando-
lhes o desejo de dotar Goiás também de instituição semelhante. (BRETAS,
1991: p. 507)

A população de Campinas recebeu seu primeiro grupo escolar em 1936, o Grupo


Escolar Pedro Ludovico, que absorvera, em sua constituição, a Escola Pública de
Campinas, como já indicado anteriormente em citação de Menezes (1981). Esta escola
era uma escola gratuita, com classes separadas para meninos e meninas e que tinha um
alto número de matrículas total de matrículas em comparação ao Santa Clara. A instalação
de um grupo escolar em Campinas ocorreu 13 anos após a criação do primeiro, justamente
na cidade Catalão, em 1923, seguida de Bonfim e Rio Verde, naquele mesmo ano.

A propósito do ensino de nível secundário, uma informação pertinente para a


compreensão do contexto, é a de que as escolas fundadas por Antônio Eusébio são,
comumente, chamadas de “colégios” nos documentos, pois este professor também
lecionava aulas de nível superior ao elementar (primeiras letras e primário), em uma
modalidade de ensino comum desde o período colonial e muito praticada até a década de
1930, sob a regulamentação prevista no Decreto nº 1285, de 20 de junho de 1904: as aulas
avulsas de instrução secundária. Este regulamento, expedido pelo então Secretário da
Instrução, Indústria, Terras e Obras Públicas João Alves de Castro (1904-1907) previa
que, desde que houvesse pessoa habilitada, mediante aprovação em concurso perante a
“Congregação do Liceu”, esta poderia oferecer seus serviços de ensino em nível
equivalente à única instituição de ensino secundário do Estado até o momento.

As matérias, ou disciplinas, como as chamamos hoje, eram denominadas


“cadeiras”. Havia cadeiras de português e francês (as mais tradicionais), além das novas,
implementadas em 1904, a fim de simular, entre a população dos municípios do interior,
como Campinas, a sensação de estudar os mesmos conteúdos que eram estudados no
Liceu da capital. Estas novas cadeiras, às quais os mestres podiam se candidatar ao gozo
da habilitação, eram Geografia, História e Aritmética. Ao ofertar aulas avulsas da cadeira
da qual detinha permissão, o professor era submetido à fiscalização de uma “Comissão
de Fiscais”. Ele também deveria observar o calendário de provas finais do Liceu, ao qual

83
deveriam ser remetidas, para aprovação do diretor da instituição, todas as avaliações
aplicadas, bem como seus resultados.

Neste caso, mais uma vez, o professor Antônio Eusébio, pioneiro da educação
escolar em Campinas, é mencionado de forma relevante. Bretas relata que

Até 1930, ainda existiam as aulas avulsas de Bonfim (professor Antônio


Euzébio de Abreu), Rio Verde (Joaquim Pedro Ribeiro da Silva, Arraias (José
Basílio da Silva Dourado, Palma (Maurinho Fernandes Pereira), Porto
Nacional (Frei Rosário Melisan) e Catalão (João Batista de Souza Rocha).
Funcionavam com intermitência, devido às constantes dispensas de
professores. O mais constante e mais ilustre desses professores foi, sem dúvida,
Antônio Euzébio de Abreu, pai de Americano do Brasil, que mantinha sempre
uma classe de alunos matriculados, variando em torno de 20, enquanto os
demais tinham menos de 10 alunos, número mínimo exigido pelo regulamento.
(BRETAS, 1991: p. 478)

Todas as referências, encontradas em documentos e fontes, à instituição dirigida


por Antônio Eusébio em Campinas, entre 1918 e 1922, se referem a uma “escola”. Sendo
assim, aulas avulsas de nível secundário poderiam ter sido ministradas pelo professor,
que era habilitado e possuía histórico de exercer tal função em todos os lugares em que
se instalara a trabalho. Porém, devido à falta de evidências confiáveis de que isto
realmente tenha acontecido, ainda consideramos que o Colégio Santa Clara detém a
condição de instituição pioneira a oferecer à população local, um curso de nível
secundário. (Normal, a partir de 1927).

Portanto, à guisa de conclusão acerca dos assuntos tratados ao longo deste


capítulo, propomos as considerações a seguir. Em tempos nos quais a educação escolar
era disponibilizada mediante separação dos estudantes por gênero (sexo), não havia, antes
de 1921, nenhuma escola na região que atendesse exclusivamente a meninas, como seria
a preferência dos poucos pais que cogitavam proporcionar às suas filhas uma instrução
escolar formal. Havia, na Escola Pública de Campinas, a educação mista, considerada,
além de insuficiente, inadequada, para os padrões culturais da época e da sociedade local.
Este fato mudou radicalmente a partir da instalação do Colégio Santa Clara, que
transformou a cidade de Campinas em um polo de atração para meninas e moças cujas
famílias almejavam sua instrução e formação em regime de internato. A partir de 1927,
com a equiparação do Santa Clara à Escola Normal Oficial de Goiaz, houve ainda mais
destaque a esta instituição que caracterizou a vida cultural-escolar de Campinas no início
do século passado. Ali, muitas moças puderam adquirir a formação normal, considerada
avançada para a época.

84
Por outro lado, não havia, fora o este Curso Normal, nenhuma instituição que
proporcionasse a continuidade dos estudos para além do nível elementar, deixando toda
uma parcela majoritária da população em idade escolar desassistida. Naquele momento,
a região sul do Estado, da qual Campinas ocupava posição geográfica de centralidade, era
a região mais populosa do Estado. Era clara, portanto, a situação de insuficiência de
instituições de ensino para atender à população, não só de Campinas, mas das áreas
adjacentes. Além da escassa quantidade de unidades, sofria-se também com a
precariedade das poucas instalações existentes e com a baixa qualidade dos serviços
prestados. Irmã Áurea assim definiu este cenário em síntese:

O número de escolas em Goiás era muito reduzido e as poucas que existiam


ofereciam o mínimo de condições sendo, muitas delas, verdadeiramente
deficitárias quanto às instalações, equipamentos e pessoal. Em geral, eram as
chamadas “escolas comuns”, formadas de uma só classe, localizadas, em sua
maioria, nas pequenas cidades, nos povoados, nos vilarejos e nas fazendas.
Devido à carência de pessoal habilitado, quase todo o professorado do interior
era constituído de elementos leigos. (MENEZES, 1981: p. 213)

Desta forma, o número de escolas espalhadas pelo Estado antes da década de 1930
era realmente pequeno. Os poucos grupos escolares que começaram a se estabelecer se
situavam nas cidades maiores. Se o panorama não era favorável à escolarização em nível
elementar, o nível secundário parecia uma utopia distante da maior parte de população,
já que, neste mesmo período, era irrisória a quantidade de instituições secundárias, mesmo
considerando todas nesse universo, entre públicas e privadas, de ensino normal, técnico
e as regulares. O Liceu de Goiás era, até 1929, a única instituição secundária pública
regular do Estado. Além do Liceu, havia, até a década de 1930, apenas um
estabelecimento equiparado: o Ginásio Anchieta, instituição católica instalada em Bonfim
naquele ano.

Todas estas informações são caras ao nosso esforço de compreensão do cenário


no qual o ensino escolar estava inserido na cidade de Campinas anteriormente à existência
de Goiânia. Com os processos desencadeados a partir de 1930 – os quais abordaremos no
próximo capítulo – já na segunda metade da década de 1940, em decorrência do
crescimento populacional e de uma progressiva mudança da mentalidade em relação à
necessidade de obtenção de formação escolar, a população de Campinas e regiões
próximas passou a almejar uma instituição que suprisse tais carências. Tornava-se, cada
vez mais, imperativo a existência de um colégio que oferecesse o curso ginasial e o

85
secundário para os jovens e as jovens que não dispunham de condições financeiras, fosse
para estudar no Santa Clara ou para custear seus estudos em outra cidade.

86
CAPÍTULO II

O LUGAR DO COLÉGIO PEDRO GOMES: A CAMPININHA DAS FLORES E


A CONSTRUÇÃO DE GOIÂNIA

2.1 – A transição entre velha e a nova Campininha: 1930 faz soprar nas campinas
os ventos da mudança que os trilhos não trouxeram

Neste trabalho, defendemos a hipótese de que a instalação do Colégio Estadual


Professor Pedro Gomes – CEPPG - representou um marco modernizador para Campinas,
pois foi somente com sua criação que a região pôde contar com sua primeira instituição
de ensino pública estadual voltada para os estudos em níveis intermediários (ginasial e,
posteriormente, ensino secundário). Ressaltamos que isto aconteceu, em um momento em
que a existência de uma instituição com esse perfil era considerada algo que teria o poder,
evocado principalmente em termos políticos, de simbolizar o progresso para região onde
se instalava.

No presente capítulo, apresentaremos a constituição da “moderna Campinas” a


partir dos processos de escolha do local e de instalação das obras da nova capital do
Estado, em continuidade ao que fora exposto no capítulo anterior. Almejamos, com isto,
o aprofundamento da discussão em torno da modernização da cidade/ bairro em
observância às aparentes rupturas e transformações sofridas pelos antigos paradigmas
socioculturais da comunidade. Por fim, buscamos estabelecer uma ampla representação
histórica da região no momento que precede, de forma mais imediata, o anúncio da
instalação do primeiro ginásio/ colégio oficial do estado em Campinas.

Em toda a sua história, o maior marco no campo cultural-escolar pelo qual a região
já havia passado até então, fora a criação do Colégio Santa Clara, em 1921, como já
exposto. Este colégio era uma instituição privada, que não dava conta de suprir todas as
demandas educacionais da comunidade local – em parte também graças às suas
características iniciais, pensado apenas para prover educação ao público feminino.
Mesmo com a ampliação de suas atribuições35 e o rápido reconhecimento do alto nível de
seus serviços, a atuação do Santa Clara não era uma suficiente para atender às

35
Segundo afirma a Irmã Áurea Cordeiro de Menezes (1981: p. 105), o Santa Clara, ao longo de sua história,
aceitou matrículas de alunos do sexo masculino em períodos intermitentes. Por muito tempo, as únicas
vagas ofertadas a alunos eram no curso primário. Somente a partir de 1974 a instituição passou a aceitar a
matrícula de meninos em todos os cursos. Não obstante, o Santa Clara nunca formou um normalista do sexo
masculino.

87
necessidades da maior parte da população local. Esta situação, de insuficiência escolar,
se agravou quando as atenções se voltaram para Campinas a partir do momento em que a
transferência da capital fora anunciada. A década de 1930 gerou grandes incertezas do
que aconteceria com Campinas, mas sem dúvidas, também gerou grandes expectativas.
A partir de 1942, com a celebração do batismo cultural da cidade selando sua instalação
definitiva e irreversível, o crescimento populacional e as novas dinâmicas econômicas e
sociais intensificaram ainda mais este quadro de expectativas e demandas da população
campineira.

Antes de Goiânia existir, não obstante à relativa proximidade com a Cidade de


Goiás, antiga capital, Campinas era carente em praticamente todos os aspectos estruturais
relativos à atenção dos poderes públicos estaduais. O anúncio da mudança da capital
representou, para alguns, uma esperança de melhorias para a “esquecida” localidade.
Portanto, um fato que está inequivocamente ligado à germinação da ideia de instalação
do “Colégio Pedro Gomes” no bairro, foi a criação de Goiânia, na medida em que o
crescimento populacional, naturalmente impulsionado pela atração exercida pela nova
capital, pressionava ainda mais os dirigentes estaduais para que as necessidades dos
antigos e dos novos moradores fossem atendidas (tendo em vista o grande capital político-
eleitoral em potencial que estava em jogo).

Na pesquisa bibliográfica, percebemos que uma visão relativamente negativa ou


um certo pessimismo domina as visões sobre a História de Goiás até a entrada do século
XX, nos diversos prismas historiográficos, sejam em análises econômicas, políticas ou
socioculturais. Na historiografia da educação não é diferente. Predomina, de certo modo,
a ideia de que o Estado de Goiás pré-1930 era um “sertão inculto”, ainda brutalizado pela
pobreza e pelo isolamento, com uma escassa população fixada em um vasto território,
conferindo-lhe baixíssima densidade demográfica. Esta visão negativa do momento
anterior, certamente favoreceu a construção política dos projetos de modernização do pós-
1930. A baixa densidade demográfica acentuava o isolamento das populações e implicava
em um lento desenvolvimento sociocultural de seus núcleos. Somava-se a isto, o fato de
os meios de transporte e comunicação tidos como mais modernos na época ainda serem
pouco presentes, tanto em Campinas, quanto em quase todo o interior do Estado.
Analisemos, pois, os elementos associados à modernização em Goiás e sua relação com
Campinas na aurora nos anos 1930.

88
No início do século XX, a estrada de ferro era considerada condição sine qua non
para o desenvolvimento e o progresso. Sobre isto, Palacin escreveu, com base em
relatórios do governo estadual que, ao longo dos anos 1920, o automóvel e o caminhão
foram deixando de ser raridades no Brasil e em Goiás, mas ainda estavam longe de
substituir o trem, tanto no imaginário, quanto na prática, como principal meio de
integração humana e econômica. Prevalecia a ideia de que “a estrada de ferro
possibilitaria a consolidação dos dois grandes impérios continentais do século XX: o
americano e o russo. Este era o transporte rápido e barato, condição indispensável para o
desenvolvimento da economia goiana” (PALACIN, 1976: p. 31). Acontece que Campinas
não fazia parte da rota de penetração da estrada de ferro em Goiás.

Para seus críticos, entre eles estava principalmente o grupo dos antimudancistas,
mas não somente estes36, Campinas era relativamente mal situada em relação à estrada de
ferro – mas para a sorte do argumento mudancista pró-Campinas, não tanto quanto a
própria capital. Para os partidários da mudança para o local, Campinas estava sim, bem
situada em relação à linha férrea. Na década de 1930 Campinas ainda padecia de poucas
vias de acesso rodoviário em condições adequadas para os modernos automóveis, mas
ainda sim as tinha - o que era ponto positivo - principalmente se considerarmos a situação
geral compartilhada em quase todo o Estado, com 6.000 km de “sofríveis estradas de
rodagem”, dentro de um total de 747.000 km de estradas, todas localizadas no sul,
sudoeste e centro do Estado. Este era outro argumento que não poderia ser usado contra
Campinas, tendo em vista que o problema também afligia a velha capital e de forma ainda
mais custosa, dada as características do relevo local.

Outro dado ilustrativo desta situação posta em destaque na época, apresentado por
Palacin, é que, em 1932, Goiás possuía apenas 300 km de linhas férreas, quando o Estado
ainda possuía uma imensa área total, de aproximadamente 650.00 km² (PALACIN, 1976:
p. 31). Havia, no início da década de 1930, a esperança do encurtamento da distância
entre Campinas a estrada de ferro, posto que em 1931 foram iniciadas as obras de
extensão da estrada ligando Leopoldo de Bulhões a Anápolis, mas a escassez de recursos
nos cofres estaduais fez com que o trecho, de apenas 53 km demorasse muito mais que o

36
Entre as cidades que disputaram a preferência da comissão encarregada da escolha do local de edificação
da nova capital, a cidade de Bonfim, liderou os protestos contra a escolha de Campinas, pois seu prefeito à
época, estava seguro de que sua cidade possuía atributos muito mais adequados ao suporte do projeto
modernizador de Pedro Ludovico do que os demonstrados por Campinas, entre eles, a presença da linha de
ferro.

89
esperado para ganhar forma. Em 1934, o Governo Federal destinou uma verba de 2.458
contos para o prosseguimento dos trabalhos, que só seriam concluídos anos depois.
(PALACIN, 1976: p. 32).

Houve, em Goiás, duas linhas férreas que penetraram o Estado na primeira metade
do século XX, ligando-nos à região litorânea do sudeste do país. A primeira e, sem
dúvidas, mais importante, era a “Mogiana”. Vinda de São Paulo, proporcionava a
circulação de mercadorias e pessoas por onde passava desde o século XX, quando se
estendia ao atual Triângulo Mineiro. Em Goiás, a primeira cidade goiana a se beneficiar
disso foi Catalão, em 1912. A outra, a “Estrada de Ferro Oeste de Minas”, vinda do Rio
de Janeiro, só foi se estender ao Estado, passando também por Catalão, na década de
1940. Campinas colheu frutos indiretos da “marcha do progresso” trazida pelas linhas do
trem. O professor Alexandre Ribeiro Gonçalves afirma, em relação aos significados
práticos e simbólicos da expansão da linha férrea em direção ao interior de Goiás, que
“um dos efeitos mais sensíveis dessa expansão foi uma intensa urbanização dos
municípios que se localizavam ao longo da estrada de ferro e outros, próximos à ferrovia,
que se beneficiaram com o seu advento” (GONÇALVES, 2002: p. 24). Campinas
pertencia ao segundo grupo. Gonçalves, inclusive destaca de forma muito pertinente:

No início da década de 20, uma nova modernidade começou a se materializar


nas cidades de Catalão, Ipameri, Morrinhos, Corumbaíba, Nova Aurora,
Caldas Novas, Santa Cruz, Bonfim, Bela Vista, Anápolis e até mesmo em
Campinas. Pode-se concluir que era o eixo natural de entrada de novas ideias
e ideais, buscando ligar Goiás a São Paulo e ao Rio de Janeiro.
(GONÇALVES, 2002: p.24)

O fato associado a isto, que nos interessa em nossa análise, é a constatação de que,
embora “os vagões da modernidade que adentrava o Estado” (BORGES, 1990: p. 36),
através do leito da ferrovia, não chegassem à Campininha, os partidários da mudança do
local da capital do Estado para a região da modesta cidadezinha, nunca enxergaram isso
como um problema. Nos pareceres técnicos emitidos pelos responsáveis pela avaliação
das áreas que concorriam pela escolha, as menções à relativa proximidade entre Campinas
e a malha ferroviária foi exaltada como significativa qualidade, tanto pelos membros da
comissão encarregada da escolha do lugar, quanto dos engenheiros posteriormente
envolvidos. A propósito destas e outras supostas características favoráveis à instalação da
almejada modernidade necessária ao Estado, presentes em Campinas, o engenheiro
Armando de Godoi assim escreveu em seu relatório destinado ao interventor Pedro
Ludovico, “homologando sem restrições” a escolha da região pela Comissão encarregada:

90
Uma das circunstâncias que mais deveriam ter influído no espírito dos ilustres
membros da Comissão que optou por Campinas foi a de se encontrar a pequena
distância da linha férrea que penetra no Estado, distância que pode ser vencida
em pouco mais de uma hora, desde que se ligue aquela cidade à estação mais
vizinha, que é Bonfim, por uma rodovia apresentando regulares condições
técnicas. Julgo não haver necessidade de se recorrer à ligação ferroviária, pois
penso que os modernos omnibus e caminhões automotores satisfarão a todas
as necessidades de comunicação, sem que seja necessário apelar-se para aquela
solução, hoje sobremodo onerosa. Mais para o futuro poder-se-á recorrer à
estrada de ferro. Outra condição realizada por Campinas, que muito deveria ter
concorrido para a escolha feita, é a de estar o local em questão no centro da
zona mais próspera e habitada do Estado de Goiaz. O local é como que o centro
de gravidade da mencionada zona, de onde provém os recursos e elementos de
vida do Estado. Tal circunstância é de fato de grande peso e devia ter atuado
fortemente para a decisão final. É nesta parte de Goiaz que se desenvolveram
em maior escala suas forças produtivas e que se concentrou principalmente a
maior parte de sua população, ainda diminuta, comparada com a grande
superfície e as consideráveis possibilidades do mencionado Estado. A
gravitação dos interesses máximos operando-se em torno de Campinas e
achando-se nos arredores de tal região os centros de população que têm
apresentado maior vitalidade, era natural que para a referida localidade se
voltasse a preferência da comissão. (GODOI Apud. MONTEIRO, 1938: p. 60)

Além disso, outros elementos associados ao avanço do progresso, dos quais


Campinas não dispunha, devem ser considerados nas análises acerca do quão profundas
foram as mudanças que se seguiram após a escolha da cidade como sede das obras de
Goiânia. Nas três primeiras décadas do século XX, a energia elétrica era praticamente
inexistente na maioria dos municípios goianos, incluindo, obviamente, Campinas. A
eletricidade não era um elemento presente no cotidiano da esmagadora maioria das
pessoas da cidade até a década de 1930. Como já abordamos, profissionais com formação
técnica ou superior eram elementos raros no Estado. Os chamados “práticos”, como eram
conhecidos os leigos com alegada experiência prática em alguma atividade, faziam as
vezes destes especialistas. Médicos, farmacêuticos e dentistas, assim como professores
formados raramente eram encontrados pelas cidades do interior goiano. Assim, hospitais,
consultórios odontológicos e escolas de boa qualidade eram preciosidades dignas de
registro. Deste modo, o cenário da educação em Campinas, como vimos, não era diferente
da precariedade vista também nas outras áreas essenciais à população.

2.2 – A escolhida: apesar dos pesares, um novo começo para a velha Campininha

Interessa-nos, neste ponto, demonstrar o modo como o desenrolar dos fatos


ocorridos após 1930 alterou a vida e, possivelmente, as expectativas do povo da pacata
Campinas. Com a transferência da capital em marcha, Campinas se viu completamente

91
envolvida neste contexto, ocupando, em um curto espaço de tempo, o papel de epicentro
da “novidade que se irradiava para todo o Estado”.

Todo este processo se iniciou no dia 24 de outubro de 1932, uma segunda-feira,


quando teve início, na Cidade de Goiás, o Congresso de Prefeitos do Estado. Este evento
marcaria a entrada de Campinas no turbilhão de fatos políticos e eventos decisórios que
mudariam para sempre a história do pequeno município. O evento acabou servindo como
uma espécie de concurso para obter a atenção de um Pedro Ludovico já determinado a
escolher um novo local para sediar a construção da nova capital.

Naquele dia, em uma espécie de jogo para ver quem impressionava mais o
interventor, o prefeito, Coronel Licardino de Oliveira Ney37, relata em suas memórias,
descritas no livro “Um lutador” (1975), que ouvira de Ludovico palavras que considerou
encorajadoras para uma, até então, completamente improvável candidatura do recém-
criado município de Campinas: “O seu direito é igual ao dos outros prefeitos. Além do
mais, quando estudante passava por lá a cavalo e sempre achei o lugar maravilhoso para
edificar uma cidade moderna.” (NEY, 1975: p. 61).

Dos 37 prefeitos goianos presentes, 28 assinaram um documento redigido por José


do Egypto Tavares - secretário municipal, filho do Coronel Joaquim Lúcio Tavares e
cunhado de Licardino - em apoio à escolha de Campinas para sediar as obras na nova
cidade. Algo bastante inesperado. Apesar disso, o prefeito demonstrava ter autoestima
baixa em relação à cidade que administrava. Em seus escritos, deixou claro que
considerava qualquer outra cidade que pudesse concorrer com Campinas pela atenção de
Pedro, mais avançada do que a sua. Não obstante, confidenciou que fora estimulado a
acreditar na improvável escolha de sua cidade por comentários de pessoas próximas ao
interventor. O prefeito de Morrinhos, Coronel Fernando Barbosa, é citado como um dos

37
Nascido em 23 de maio de 1885, o mineiro de São Gotardo, Licardino de Oliveira Ney relata que se
estabeleceu em Campinas na primeira década do século XX. Seus antepassados, provenientes de Minas
Gerais, teriam vindo para Goiás em 1900. Casado, em primeiro matrimônio, com Maria Carolina de Morais,
teve como sogro o Coronel Joaquim Lúcio Tavares. Licardino também foi agraciado com o título (social)
de Coronel e exerceu papel político relevante na sociedade do povoado, tendo sido comerciante, fazendeiro
e político. Como figura política, esteve no centro dos momentos mais importantes vividos por Campinas
no início do século XX, ocupando a cadeira de Intendente Municipal de Campinas entre 1921 e 1923,
depois a de Prefeito de Campinas. Foi o segundo e último prefeito (título atribuído após a Revolução de
30) que o município teve, sendo nomeado em 2 de fevereiro de 1931, pelo Decreto nº 671, em substituição
a José do Egypto Tavares. Permaneceu no cargo até a extinção da comarca, em 2 de agosto de 1935. Já em
Goiânia, exerceu a função de vereador, ocupando o posto de presidente da Câmara Municipal.
Posteriormente foi eleito vice-prefeito de Goiânia pela chapa do PSD, encabeçada justamente por Jaime
Câmara, um dos fundadores do jornal O Popular, que dirigiu a cidade entre 1959 e 1961. (CAMPOS, 1985:
p. 19)

92
que não deixaram que a ideia de ter sua cidade escolhida, esmorecesse em sua cabeça.
Em um encontro das duas autoridades durante o evento de prefeitos na antiga capital,
Barbosa teria dito: “Doutor Pedro não quer a cidade, quer o local e o seu está em
condições.” (NEY, 1975: p. 61). A fagulha da esperança estava acesa. A modernidade,
enfim, chegaria a Campinas?

Naquele momento, a principal candidata, pelo menos em autoconfiança e


autopromoção, por parte de seu prefeito, Mario da Costa Ferreira, era Bonfim. Pesavam
a seu favor, uma boa infraestrutura, inclusive educacional-escolar, a proximidade da
estrada de ferro e uma provável simpatia de D. Emanuel Gomes de Oliveira, o influente
“Arcebispo da Instrução” que, desde 1926 criara laços com a cidade ao, corajosamente,
transferir o Seminário Episcopal da Cidade de Goiás para lá. O religioso, desde então,
permanecia mais tempo lá, do que na antiga capital.

Justamente, o próprio Dom Emanuel fora destacado para presidir a Comissão para
estudos da escolha do local para instalação da nova capital, nomeada pelo Decreto nº 2737
de 20 de dezembro de 1932 (CORREIO OFICIAL). Os outros integrantes do grupo de
trabalho eram: João Argenta (engenheiro), Colemar Natal e Silva (Secretário de Estado),
Antônio Pirineus de Souza (comandante do batalhão militar de Ipameri), Gumercindo
Alves Ferreira e Antônio Augusto Santana (ambos, comerciantes da Cidade de Goiás). A
comissão foi oficialmente empossada, dando início a seus trabalhos, no dia 2 de janeiro
de 1933, a primeira segunda-feira daquele ano. A Comissão formou um grupo,
denominado “Subcomissão Técnica”, com três profissionais designados para realizar
visitas às localidades de Bonfim, Campinas e às outras candidatas, Pires do Rio e Ubatan
(Orizona). Liderados pelo engenheiro João Argenta, o também engenheiro Jerônimo
Curado Fleury e o médico Laudelino Gomes de Almeida, primo de Pedro Ludovico,
foram encarregados de analisar as condições “topográficas, hidrológicas e climatéricas”
das regiões estudadas. O relatório apresentado por este grupo de estudos à Comissão
presidida por D. Emanuel, em 4 de março de 1933, assim concluía:

Considerando que Campinas se acha situada no ponto cêntrico da parte mais


povoada do Estado e sua topografia, das mais apropriadas e belas para
construção de uma cidade urbanamente moderna, entre um vasto perímetro de
terras de ótimas culturas, toda coberta de matas de superior qualidade e que
enormemente facilitarão a construção da nova cidade; a Sub-comissão é de
parecer que a nova Capital seja construída em Campinas, nas proximidades da
“Serrinha”, situada na direção azimutal de 130 (cento e trinta) graus, ou em
caso de urgência, em Bonfim. (RELATÓRIO DA SUBCOMISSÃO, 1933 In.:
MONTEIRO, 1938: p. 44)

93
As conclusões deste documento foram acatadas em definitivo pela Comissão
principal, após o parecer emitido pelo encarregado de realizar o estudo final da região
indicada, o urbanista Armando de Godoi que, em tom otimista - o qual viria a caracterizar
seus relatórios, que pareciam sempre ratificar as preferências de Pedro Ludovico -
endossava a escolha de Campinas para receber as obras de construção da nova capital.
Suprimindo aqui muitos detalhes, assim Godoi descreveu algumas das características que
julgou possuir Campinas, em seu extenso relatório sobre a região:

Venho por meio deste dar-vos conta dos resultados a que cheguei
inspecionando os arredores da cidade de Campinas e examinando os dados e
informações que recebi do prefeito e moradores do respectivo município e
colhi na leitura do relatório da culta comissão nomeada para escolher o local
em que deverá ser construída a futura capital de Goiaz. (...) Campinas está de
fato situada em uma magnífica região, indiscutivelmente, preparada pela
natureza para servir de sede a uma moderna cidade (...) Graças à suave
declividade que se nota nas formosas ondulações nos arredores de Campinas,
o problema dos esgotos será resolvido sem consideráveis dispêndios. É
outrossim necessário que se faça referência à fertilidade dos terrenos do que
ora me ocupo. Pude constatá-la visitando algumas lavouras existentes no local.
Vi alguns milharais já nas vésperas de se fazer a colheita. Os pés de milho se
elevam a grande altura e as espigas eram enormes. Examinei também alguns
feijoais, mandiocais, arrozais etc. Em suma, as plantações e o gado que pude
ver indicam que os terrenos são magníficos para a cultura de cereais, algodão,
fumo, frutas e a pecuária. Em Campinas há uma propriedade pertencente a
missionários alemães que nela cultivam várias frutas, inclusive a uva,
colhendo-se esta última em quantidade suficiente para permitir uma regular
fabricação de vinho. (GODOI Apud. MONTEIRO, 1938: p. 48-66)

Nota-se que, realmente, como fora assegurado pelo prefeito de Morrinhos a


Licardino na reunião de prefeitos, pouco importava para os pareceristas, as características
da cidade e da população estabelecida em Campinas. A maioria dos comentários
benevolentes citava caracteres naturais favoráveis. No relatório de Godoi, a referência
feita à sua localização em relação à estrada de ferro e era uma das poucas preocupações
situadas no âmbito das modificações feitas pelo homem e para o homem, caracterizando
uma alternativa para o futuro desenvolvimento e progresso urbano.

No entanto, dois documentos, de datação anterior a dezembro de 1932 (quando a


Comissão fora formada), constituem indícios de que Campinas era o local de preferência
de Pedro Ludovico, a despeito de qualquer concorrência oficialmente transcorrida e do
resultado dos trabalhos entregues pela Comissão. Estas informações estão presentes na
pesquisa empreendida por Iúri Rincon Godinho38 (2013) e as hipóteses aqui descritas
foram levantadas pelo autor, com base nos documentos aos quais ele teve acesso. Em uma

38
Jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás em 1985, membro do Instituto Histórico e
Geográfico de Goiás, além das Academias Goiana e Goianiense de Letras.

94
carta, divulgada entre as correspondências pessoais do interventor 39, o prefeito de
Goiandira – cidade próxima a Catalão, localizada a pouco mais de 280 quilômetros de
Campinas - Absay Teixeira, aliado de Ludovico, faz uma intrigante afirmação de
congratulação ao homem mais poderoso do Estado naquele momento:

Por via indiretas (sic) tenho sabido de sua patriótica atitude sobre a mudança
da capital para Campininhas. Aceite os meus francos aplausos, por essa medida
de grande utilidade para o estado e para os interesses dos goianos, pois, sinto-
me deveras satisfeito por ver que o seu nome impoluto ficará imortalizado no
estado e no coração dos goianos. (GODINHO, 2013: p. 64)

Sendo a mensagem datada de 13 de fevereiro de 1932, levantam-se questões que


nos parece naturais: Por que o prefeito afirmava, ainda em fevereiro de 1932, que já sabia
que a capital seria transferida para Campinas? De onde tal informação teria procedido?
Talvez seja impossível rastrear a origem exata da informação, mas pelo uso da expressão
“via indireta”, empreende-se que mais pessoas sabiam das intenções do interventor.

Figura 2 - Carta de Abssay Teixeira a Pedro Ludovico: Carta, assinada por Absay Teixeira, em 13 de
fevereiro de 1932 seria um forte indício de que comentários sobre a preferência de Pedro Ludovico por

39
Material publicado digitalmente (em CD) pelo professor Nasr Chaul, quando ocupava a função de
presidente da Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico Teixeira (AGEPEL), cargo que equivalia ao de
Secretário de Estado da Cultura, durante a primeira gestão Marconi Perillo (1999-2006).

95
Campinas teriam “vazado” de seu círculo de confiança antes mesmo da formação da Comissão para
estudos da escolha do local de edificação da nova capital. (FONTE: imagem extraída de GODINHO, 2013:
p. 64)

O outro indício que poderia revelar uma possível decisão antecipada de Ludovico,
não exatamente em relação a Campinas, fora exposto por Attilio Corrêa Lima. O
urbanista registrou em um álbum – entregue ao Governo do Estado em 1935 – uma foto
de uma visita de campo, na qual aparece como componente de um grupo que estudava o
local onde seria fixada a futura cidade (não se pode saber qual seria este local exatamente,
pois a informação não existe em sua anotação). O arquiteto registrou que o ocorrido se
deu em 1932, e não em 1933, quando seria contratado oficialmente.

Figura 3- Foto do álbum de Attílio Correa Lima: Foto do álbum de Attilio Correa Lima registra que o
arquiteto esteve em Goiás, em missão de “fixação do local da cidade” antes de firmar o contrato oficial
de prestação de serviços às obras de planejamento de Goiânia, em 1933. (FONTE: imagem extraída de
GODINHO, 2013: p. 64)

Tudo isso culminou com a assinatura do Decreto nº 3.359 de 18 de maio de 1933,


que oficializava a escolha da região de Campinas, citando especificamente a área às
margens do Córrego Botafogo, compreendida nas fazendas denominadas Criméia, Vaca
Brava e Botafogo, como as eleitas para a edificação da nova capital do Estado. As obras,
segundo o decreto deveriam ser efetivadas para a consumação da transferência definitiva
da capital, dentro do prazo de dois anos, prorrogável por mais um.

No dia 24 de outubro de 1933, após o preparo inicial dos terrenos, promoveu-se a


solenidade que ficara conhecida como o “lançamento da pedra fundamental” de Goiânia,
onde seria erigido o Palácio das Esmeraldas, futura sede do governo estadual. Este evento,
que oficializava o início das obras de edificação da nova cidade simbolizava, também, a
irreversibilidade da escolha de Campinas. A partir daquele momento a vida dos
campineiros mudaria para sempre. Campinas, através de seus homens de negócios que

96
enxergavam, naquele movimento, oportunidades comerciais inéditas batendo à sua porta,
passou a fornecer quase tudo para o processo de construção.

Muitos dos cidadãos de Campinas, nativos ou os muitos noviços que ali se


basearam, integraram a mão de obra suplementar às atividades desenvolvidas sob a égide
direta dos “construtores de Goiânia”. Pedreiros, serventes, carpinteiros, marceneiros,
serralheiros, eletricistas, calheiros, pintores, encanadores, técnicos em refrigeração foram,
em número cada vez maior, se estabelecendo na região. Muitos comerciantes e
trabalhadores braçais se envolviam na extração de materiais de construção básicos, como
a pedra tapiocanga, retirada do alto da Vila Coimbra, as areias e o saibro das nascentes
do Vaca Brava, no atual Setor Bueno, do Córrego Cascavel e do Vale do Ribeirão
Anicuns. Este material era comumente transportado em carroções e carroças, movidos a
tração animal, de um ponto a outro, entre regiões que futuramente seriam os bairros de
Goiânia, Campinas e os locais das construções. Serrarias, marcenarias, olarias e
cerâmicas, forjas e metalúrgicas completavam o leque de serviços essenciais,
desempenhados em Campinas, que foram de vital importância para o desenvolvimento
das obras.

Quanto às necessidades de abastecimento da população, destacavam-se as


atividades de produção e comércio de alimentos em núcleos de trabalho ligados às muitas
propriedades rurais da região, além de uma rudimentar indústria de beneficiamento de
grãos e do comércio de alimentos:

Como as chácaras produzindo hortaliças e tubérculos e frutos; as máquinas de


beneficiamento de arroz, café, milho e mandioca, produzindo grãos e
farináceas comestíveis e comercializados por atacadistas e varejistas; o
matadouro municipal, os açougues, as padarias, etc. (GOMES, 2015: p. 70)

No que se refere a outras necessidades da população, Gomes coloca a expansão


da gama de opções de serviços à disposição da população goianiense em Campinas
afirmando que, ao final da década de 1930, já havia:

Por fim, prestadores de serviços de toda natureza, inclusive, especializados,


fornecidos por hospitais, clínicas médicas e odontológicas, por escritórios de
advocacia; por engenheiros e firmas de engenharia, por estabelecimentos de
ensino, por artistas e escritores e outras mais categorias profissionais, incluindo
casas de tolerância que alimentavam a vida boêmia da Campininha. (GOMES,
2015: p. 70)

Se o lançamento da pedra fundamental marcou o início simbólico de um novo


momento para trajetória de Campinas, o Decreto nº 327 de dois de agosto de 1935

97
sinalizou, juridicamente, o fim de Campinas como município. Este documento criou
oficialmente o município de Goiânia a partir da supressão da autonomia administrativa e
fusão, em uma única comarca, da totalidade dos territórios de Campinas e Hidrolândia,
bem como determinava a anexação a Goiânia de partes dos municípios de Anápolis, Bela
Vista e Trindade. A partir de então, momentaneamente, Campinas adquiriu a condição de
distrito subordinado à recém-criada comarca da futura capital.

Ainda em 1935, no dia 07 de novembro, Pedro Ludovico nomeou, através do


Decreto nº 510, o professor Venerando de Freitas Borges como prefeito da cidade de
Goiânia, que ainda não era, oficialmente, a capital do Estado. Na mesma oportunidade foi
nomeada, em caráter interino, a primeira legislatura da Câmara Municipal de Goiânia,
composta por Germano Roriz, João Augusto Roriz, Eusébio Felipe, Pedro Arantes,
Godofredo Leopoldino de Azevedo, Arão Augusto de Souza e Milton Klopstock e Silva.
A primeira lei aprovada por esta Câmara, estabeleceu que Campinas passasse a ser
denominada de Goiânia. A Lei Municipal nº 1, de 04 de janeiro de 1936, assinada pelo
prefeito Venerando de Freitas assim instituía:

“A Câmara de Vereadores do Município de Goiânia decretou e eu sanciono a


presente lei:
Art. 1º - A cidade de Campinas, deste Município, como parte integrante que é
da Nova Capital do Estado, ora em construção, passará também a denominar-
se Goiânia.
§ Único – Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Artigo 2º - Revogam-se as disposições em contrário. O secretário da prefeitura
assim tenha entendido, faça publicar, registrar e correr.” (GOIÂNIA, 1936)

A sanção desta lei representou, do ponto de vista jurídico, o ponto final definitivo
na História da cidade de Campinas, agora oficialmente, um bairro de Goiânia.

2.3 – A expectativa vendida pelos jornais e os auspícios de uma modernidade


anunciada

Desde o começo, o processo levou à localidade uma nova dinâmica, que atuava
tanto sobre o cotidiano prático das pessoas, como sobre seu imaginário. Expectativas e
obras se misturavam entre a desconfiança a e esperança dos campineiros. Até então,
situação assim jamais fora vista no pacato povoado. Os auspícios de modernidade
realmente chegariam a Campinas nos anos seguintes. Mas o que isto significava? Quais
anseios trouxeram? Para tentar entender, é necessário lembrar como o desenvolvimento
de Campinas foi lento, nesse sentido, ao longo de sua história, conforme já narramos.

98
Pequenos acontecimentos, como a chegada de viajantes e novas tecnologias – já usuais
em outras regiões – constituíam efemérides, e às vezes, se transformavam em
acontecimentos dignos de nota em documentos e registros de memórias.

A partir da tomada do poder político, em Goiás, pelo grupo do qual fazia parte
Pedro Ludovico Teixeira - que se consolidara como sua maior liderança - a nova
oligarquia que se formava tentava se afastar dos antigos paradigmas políticos
estabelecidos no Estado durante a Primeira República. Nesse sentido, o grupo se
apropriou, no plano regional, do discurso de renovação encampado por Getúlio Vargas e
demais promotores da “Revolução de 1930”. O ideal de “novo” - por eles representado -
era, pelo menos em discurso, a antítese do que havia antes. E assim deveria ser, para a
consolidação de seu projeto de poder.

O discurso do novo trouxe consigo as noções correlatas de “moderno”,


“modernização” e “progresso” à baila dos debates políticos e midiáticos. Nunca, na
história de Goiás, tais ideias foram tão exploradas como ocorreu a partir de 1930. O
ímpeto de se mostrarem diferentes, e melhores, que seus antecessores, levava ao uso de
tais palavras com grande paixão, consubstanciando-as em verdadeiros ideais de vida,
como colocado muitas vezes por Ludovico. Nesse sentido, o tom hiperbólico e ufanista
era comum entre seus aliados e apoiadores, como podemos ver nas palavras proferidas
por Venerando de Freitas Borges em entrevista concedida à Revista Oeste, já como
primeiro prefeito de Goiânia: “Goiânia (...) põe à prova a energia de um cérebro,
consubstancia o anseio de um povo e retrata a larga visão de um estadista. É o marco que
separa dois períodos históricos: o da estagnação e o da ascensão.” (In: Oeste, 1982: Ano
II, nº 6, p. 4-6)

O uso de tal ideário se firmaria como justificativa para praticamente todas as ações
governamentais a partir de 30. O maior símbolo de tal postura foi a força discursiva com
a qual se deu a emergência (e urgência) do mudancismo da capital e a construção de
Goiânia. No período pós-1930, os discursos dos políticos alinhados ao grupo ludoviquista
falavam de um Estado de Goiás que se tornara decadente e atrasado – nas mãos dos outros
- e o Goiás que surgiria com a Revolução, numa inequívoca promessa de progresso e
crescimento econômico, como observou Chaul:

Seus discursos ressaltavam o Goiás de ontem e as possibilidades dos novos


tempos. Dessa forma foram recuperadas as representações de decadência e de
atraso como forma de identificar o velho Goiás e o novo Goiás. A ênfase no
novo tempo, de novas propostas políticas e esperanças econômicas, criava a

99
representação da modernidade, sobre a qual buscaram traçar o período da
política goiana desse período. (CHAUL, 1997: p. 236 Apud. PINHEIRO,
2003: p. 35)

O jornalismo alinhado a esta perspectiva se encarregava de propagar e intensificar


o discurso progressista do grupo governista junto às massas. Entre os jornais que
começaram a circular em Goiânia40 e, por conseguinte, nas mãos dos campineiros, na
década de 1930, estava o “O Popular”, dos irmãos Câmara. Esta publicação, certamente,
foi um dos veículos que exaltaram – e se beneficiaram - das promessas de modernização
do Estado, inauguradas pelos “baluartes de um novo tempo”. Partindo do princípio
levantado pelas historiadoras e professoras Maria Helena Capelato e Maria Lígia Coelho
Prado, propomos a análise de algumas destas publicações que viabilizaram, de forma
significativa, a propagação dos ideais ludoviquistas, nos atendo especificamente a
publicações que celebravam momentos de valor simbólico especial. Acreditamos,
portanto, que:

A escolha de um jornal como objeto de estudo justifica-se por entender-se a


imprensa fundamentalmente como instrumento de manipulação de interesses
e de intervenção na vida social; nega-se, pois, aqui, aquelas perspectivas que a
tomam como mero veículo neutro dos acontecimentos, nível isolado da
realidade político-social na qual se insere. (CAPELATO; PRADO, 1980, p.19)

No primeiro número do jornal, publicado em Goiânia, no dia 3 de abril de 1938,


ganhou destaque na capa, ações do governo no plano administrativo, indicando que
reformas seriam implementadas. Foi também, concedida ênfase ao anúncio de algumas
obras de infraestrutura. O prefeito nomeado Venerando de Freitas Borges inauguraria
naquela semana uma estrada que ligava Goiânia a Hidrolândia, anunciava. “É um
melhoramento de grande alcance econômico para Goiânia”, afirmava o texto explicativo.
Outra manchete de destaque apresentava a seguinte afirmação: “Descortinam-se grandes
perspectivas de progresso ao Sudoeste Goiano”. A notícia se referia à inauguração de uma
outra rodovia que também tinha como ponto de partida a nova capital, desta vez, ligando-
a à região de Rio Verde.

40
O jornal O Popular, que circula até os dias atuais, foi fundado em 3 de abril de 1938 pelos irmãos Câmara,
Joaquim Câmara Filho, Vicente Rebouças Câmara e Jaime Câmara.
A propósito da propagação local deste importante veículo de comunicação impressa, sobretudo até a década
de 1950, José Mendonça Teles registra que o primeiro jornal impresso em Goiânia, chamou-se, justamente,
“Goiânia”. Foi fundado no dia 20 de novembro de 1935, sob a direção de Oscar Pierucetti. Em 3 de outubro
de 1936 começou a circular o Jornal de Goiânia, fundado por Venerando de Freitas Borges, mas que deixou
de circular no mesmo ano. Em 2 de julho de 1939, Gerson de Castro Costa fundou a Folha de Goiás, que
circulou até 1984. (TELES, 2004: p. 100)

100
Figura 4 - Capa da primeira edição do Jornal "O Popular": O jornal situacionista “O Popular” entrou
em circulação em 3 de abril de 1938, contando com apenas quatro páginas e tiragem de três mil
exemplares. Percebe-se que todas as matérias de capa e suas respectivas chamadas fazem alusão a alguma
ação política do grupo que ocupava o poder. (FONTE: Arquivo Jornal O Popular/ Organização Jaime
Câmara).

Em sua edição de número 146, do dia 24 de outubro de 1939, o Jornal O Popular


trazia na capa uma estampa de iconografia alusiva à estética modernista/ futurista. À
frente da gravura, lia-se os dizeres de Pedro Ludovico “Goiânia não é ainda a guardiã das
tradições históricas deste povo, mas é a vanguardeira da Marcha para o Oeste” (O
POPULAR, 24 de outubro de 1939) ressaltavam o (pretenso) papel de destaque de seu
grupo e de sua mais emblemática realização, “Goiânia, cidade do futuro” no projeto
modernizador do país promovido pelo presidente Getúlio Vargas.

101
Figura 5 - Capa da edição nº 146 de “O Popular”: celebrava o sexto aniversário de Goiânia com
mensagem de tom auspicioso em relação ao futuro da cidade no âmbito do projeto de integração nacional
que estava em curso, a “Marcha para o Oeste”. (FONTE: Arquivo Jornal O Popular/ Organização Jaime
Câmara)

Assim, vislumbramos o “clima” propagado para a população urbana na época, no


Brasil, em Goiás, na humilde Campininha. Cada lugar e pessoa, recebia esta energia à sua
maneira, mas a mensagem oficial era inequívoca e insistente. Goiânia era a representação
mais concreta e visível de que a Marcha para o Oeste poderia trazer para Goiás: uma nova
lufada dos ares de modernidade que só haviam sido experimentados, em patamar
semelhante de expectativa e euforia, quando das notícias da chegada das linhas férreas ao
sul do Estado na segunda década do século XX. Chaul assim descreve, precisamente, a
expectativa gerada em torno de Goiânia antes mesmo dela ser construída, quando, em 18
de maio de 1933, o interventor assinava o Decreto nº 3359, que oficializava a escolha da
região de Campinas para a construção de Goiânia, a qual, naquele momento:

Era (...) a necessidade de um país em pleno avanço da frente pioneira que


respaldava a ideia da mudança como uma forma de se concretizar tal processo,
ou seja, uma nova capital viabilizaria uma frente pioneira, nos moldes
capitalistas, ao mesmo tempo em que reunia condições de penetração para
novas frentes de expansão (...).

102
A ideia da mudança não era apenas de Pedro Ludovico. Era um desejo de
Vargas, era uma necessidade do capitalismo. Era uma dinamização da
economia goiana, incorporando-se mais e mais à economia nacional. Era,
enfim, a meta política das oligarquias do Sul e do Sudoeste. (CHAUL, 2001:
p. 77)

Outro momento marcante e simbolicamente importante, para o uso do discurso de


exaltação do progresso, trazido seus pelos agentes políticos, também no jornal O Popular,
foi a cobertura da inauguração oficial de Goiânia, no evento conhecido como Batismo
Cultural. Na edição de número 382, datada de 5 de julho de 1942, a notícia “Goiânia será
inaugurada, hoje, às 14 horas” foi acompanhada de um texto de tom abertamente
bajulador da figura do interventor, além de reservar espaço às palavras do próprio Pedro
Ludovico. Merece destaque o trecho que assegura que “em poucos anos fez-se a
transferência do Governo e, num curto lapso de tempo, o Estado sentiu uma renovação
em todos os setores de seu progresso.” (O POPULAR, 5 de julho de 1942). Adiante, a
simbologia do progresso é, mais uma vez, evocada: “Goiânia aí está, como fonte geradora
de energias, irradiando progresso nesta região que os antigos dirigentes do País viam
como simples expressão geográfica” (O POPULAR, 5 de julho de 1942).

103
Figura 6 - Capa do jornal O Popular, edição nº 382: A edição, datada de 5 de julho de 1942, mais uma
vez enfatizava as realizações do grupo ludoviquista em prol do “progresso” de Goiás, bandeira que acabou
se tornando a ideologia de sustentação do poder deste grupo no jogo político local, como mostra Chaul
(2001: p. 83). (FONTE: Arquivo Jornal O Popular/ Organização Jaime Câmara)

Ajuda-nos a compreender o tom destas publicações pesquisadas, as reflexões


críticas sobre a forma como o objeto jornalístico deve ser tratado, enquanto fonte
historiográfica. Sendo o texto jornalístico (escrito no passado), considerado como fonte,
a primeira coisa a fazer é tratá-lo como “não verdade”, como nos ensinou Le Goff, mais
uma vez retomando as lições de “Documento/ Monumento. O jornal é, pois, um produto
de seu tempo, envolto em um contexto de produção particular que deve ser considerado.
Para sua análise, aplica-se “o pressuposto essencial das metodologias propostas para a
análise de textos em pesquisa histórica é o de que um documento é sempre portador de
um discurso que, assim considerado, não pode ser visto como algo transparente”
(CARDOSO; VAINFAS, 1997: p. 337).

Em um raciocínio ainda mais preciso sobre o objetivo desta exposição que


propomos, acerca da divulgação e fortalecimento midiático do tema “progresso” como
discurso político a serviço da construção de Goiânia, respaldamo-nos nas historiadoras
Tânia Regina de Luca e Ana Luiza Martins, quando afirmam que:
104
Jornais, revistas, rádios e televisões são empresas e, portanto, também buscam
lucros. De outra parte, negociam um produto muito especial, capaz de formar
opiniões, (des)estimular comportamentos, atitudes e ações políticas. Elas não
se limitam a apresentar o que aconteceu, mas selecionam, ordenam, estruturam
e narram, de uma determinada forma, aquilo que elegem como fato digno de
chagar até o público. (LUCA; MARTINS, 2006: p.11)

A propósito da característica do jornalismo produzido nesta época, em Goiás, e


seu uso como fonte histórica, Godinho, como jornalista e pesquisador, relata sua
experiência empreendida no trabalho de busca e análise documental das fontes utilizadas
para a elaboração de seu trabalho intitulado “A Construção: cimento, ciúme e caos nos
primeiros anos de Goiânia”. Assim ele avaliou o que chamou de “camada maniqueísta da
imprensa”:

O que se divulgava na imprensa dos anos 30, tirando a datação e descrição dos
fatos, era imprestável. Sob a força de um governo revolucionário, um hiato
democrático e a ditadura do Estado Novo, só se lia o lado bom e o elogio
gratuito aos governantes e tudo parecia perfeito. Jornais da época, como O
Popular e Folha de Goiás, deixaram de prestar um serviço histórico de
informação para apoiar incondicionalmente o governo – o pragmatismo da
sobrevivência. Os periódicos de oposição adotavam o caminho oposto e
trocavam a discussão pela crítica acima de tudo. (GODINHO, 2013: p. 21)

Conclui-se, portanto, que as forças que disputam a legitimidade sobre a verdade


dos fatos cotidianos se expressam através dos veículos de comunicação, os quais também
se inserem no jogo do poder, na medida em que demonstram condições de atingir as
massas de forma eficiente. Estas manchetes, que associam o progresso do Estado à
reforma das estruturas administrativas, mas principalmente ao desenvolvimento
econômico-material, simbolizado pela nova capital e obras de infraestrutura, vão ao
encontro da explicação de Itami Campos:

O progresso é para Pedro Ludovico sinônimo de desenvolvimento e assim


como a Cidade de Goiás é a expressão do atraso. Goiânia vai ser o símbolo do
progresso, expressão de um Estado que rompe com seu passado e de um povo
que se mostra capaz de construir seu futuro altivamente. (CAMPOS, 1980: p.
33-34)

Deste modo, “a modernidade, sinônimo de progresso à época, era o manto que


cobria a mudança da capital” (CHAUL, 2015: p. 242) e passou a cobrir também
Campinas. Embora esta modernidade urbana se encontrasse profundamente ligada à
estrutura fundiária (e fosse, em grande medida, subsidiada por ela), esta aparente
contradição se encarregou de estabelecer os moldes da modernidade possível na realidade
goiana. Nesse sentido, Chaul é enfático ao estabelecer seus limites:

105
Modernidade aqui está entendida dentro da visão dos grupos políticos que se
assenhoram do poder em 1930: como progresso, o culto no novo e a rejeição
do passado, como forma de introduzir Goiás no cenário nacional. Goiânia
representava, por assim dizer, a etapa do moderno em Goiás, enquanto a
modernização seria fruto da década de 1950. (CHAUL, 2015: p. 241-242)

Esta, portanto, é ideia de modernidade instalada em Goiás e assimilada pela


população de Campinas ao longo dos anos, intensificada na medida em que se
naturalizava sua absorção por um modo de vida “mais moderno”, que viria a ser chamado
de goianiense, sobretudo nas décadas seguintes.

2.4 - Campinas no contexto dos anos iniciais de Goiânia: dos dias difíceis de cidade
falida a centro da vida social e do lazer goianiense

Antes de se integrar a Goiânia, a população de Campinas enfrentou momentos


conturbados, tanto política, quanto economicamente. Estes fatos delinearam, em certa
medida, a postura de entusiasmo com a mudança, assumida por seus dirigentes,
principalmente por seu prefeito, Licardino de Oliveira Ney, e, em contrapartida, de um
certo distanciamento e cautela assumida por parte dos campineiros mais tradicionais em
relação a Goiânia, pelo menos em seus primeiros tempos.

Em março de 1921, Licardino de Oliveira Ney fora, pela primeira vez, eleito
intendente municipal, em conturbado ambiente político local, marcado pelas práticas
coronelistas comuns ao período. O Correio Official do dia 15 de fevereiro de 1921
noticiou que o Conselho Provisório de Campinas se negou a proceder com a apuração dos
votos e a ratificar o resultado das eleições sob a alegação de que a mesma ocorria sob a
pressão de jagunços. O presidente João Alves de Castro, então, determinou que os eleitos
na eleição tanto para o Conselho Municipal quanto para a Intendência, se reunissem,
apurassem a eleição e reconhecessem mutuamente seus poderes. (CAMPOS, 1985: p. 41)

Em decorrência da ascensão dos revolucionários de 1930, a Junta Governativa que


precedeu à nomeação de Pedro Ludovico para a Interventoria Estadual, em 1931, destituiu
os dirigentes municipais. Os Conselhos Municipais também foram dissolvidos. O
intendente Andrelino de Morais – irmão do senador estadual Cel. José Rodrigues de
Morais filho, ligado à oligarquia bulhonista-caiadista, estabelecida no poder desde 1909
- foi substituído por José do Egypto Tavares, filho do Cel. Joaquim Lúcio Tavares. José
do Egypto, três meses depois, passaria o cargo para seu cunhado, Licardino, que retornava

106
à função diretiva da cidade oito anos depois de sua primeira passagem pela administração
local, primeiro como Intendente, agora como Prefeito.

No ano de 1931, a autonomia administrativa de Campinas quase foi cassada e o


município esteve na eminência de voltar a ser um distrito. A municipalidade (vila desde
1914) deixaria de existir caso sua arrecadação não atingisse o patamar estabelecido em
relação à arrecadação do governo estadual. O Decreto Federal nº 20.348, de 29 de agosto
de 1931, no Artigo 13º, Parágrafo 8º, determinava que fossem suprimidos “os municípios
cuja renda efetivamente arrecadada no exercício anterior, não haja atingido os seguintes
coeficientes: 20 contos para os Estados com renda inferior a 10 mil contos”.
(ORTÊNCIO, 2011: p. 90-91). A arrecadação de Campinas não atingia a marca, sendo
registrada a quantia de 16 contos no período imediatamente anterior.

Licardino relata que houve, naquele ano, grande esforço para que um montante de
20 contos e 500 mil réis fosse arrecadado, evitando-se, assim a extinção daquela unidade
administrativa:

Nesta altura, fiquei apavorado e procurei salvar a situação. Convidei o meu


cunhado Otávio Tavares de Moraes, mais conhecido por Otávio Lúcio e disse:
“necessito de seu apoio para ajudar-me na arrecadação da dívida ativa do
município. Vou credenciá-lo na arrecadação para o fito de atingir os 20 contos
de réis”. Otávio era o meu auxiliar muito forte. Ele viajou para o interior do
município e explicava aos fazendeiros “que se não pagassem os impostos, o
município iria por água abaixo”. Ele lutou, até porco ele comprou, vendendo
depois para outras pessoas. Com muito esforço e muita luta, nós chegamos ao
fim do ano, com a arrecadação de 20 contos e 500 mil reis. (NEY, 1975: p. 59)

Campinas era, sem dúvidas, uma comunidade que havia se acostumado a ser
administrada com poucos recursos, afinal, era a única realidade que muitos ali conheciam.
A arrecadação pública era pequena em Campinas, fazendo da localidade, uma
municipalidade economicamente irrelevante no plano estadual e, em tese, sem quaisquer
condições de investir em melhorias substanciais para a coletividade. Esta realidade era
compartilhada com muitos outros municípios goianos na época, tendo em vista que, a
própria situação financeira do Estado, como um todo, não era de riqueza em
disponibilidade de recursos. Muito pelo contrário. Fazer qualquer investimento em áreas
que não fossem consideradas prioritárias, como a educação, era algo absolutamente
impensável em Goiás, nas primeiras décadas do século XX. Os gastos com as obras
públicas associadas à construção de Goiânia intensificaram esse quadro.

Conhecedor da situação financeira de Campinas, o Licardino registrou em “Um


Lutador” alguns dos diminutos números da receita municipal: em 1919, registrou-se 13

107
contos, 662 mil réis; em 1920, 14 contos, 162 mil réis e 819 réis; em 1921, 15 contos, 123
mil réis e 13 réis; em 1922, registrou-se um forte declínio para 9 contos, 697 mil réis e
272 réis; em 1925, 11 contos, 433 mil réis e 400 réis. (NEY, 1975: p. 58). Analisando o
período que vai de 1919 a 1930, o próprio Licardino concluiu que a crescimento da
arrecadação municipal, em 11 anos, se limitava a 3 contos de réis, o que resulta em uma
média de arrecadação anual baixíssima, com crescimento médio quase nulo.

Isso, entretanto, não foi empecilho para que, aos poucos, pequenos investimentos
fossem transformados em poucas, mas significativas realizações na localidade durante a
década de 1920 e no início dos anos 1930. Destaca-se a construção de um grupo escolar
público municipal, o grupo escolar Pedro Ludovico, construído entre 1931 e 1935, mas
inaugurado no ano de 1936, quando Licardino já não era mais prefeito. Este grupo escolar,
foi depois rebatizado de Grupo Escolar Henrique Silva, após 1945. (ORTÊNCIO, 2011:
p. 102). Foi no prédio desta escola que o Ginásio Estadual de Campinas fora instalado
solenemente em 1950.

Atribui-se, ainda a esta segunda administração de Licardino, a abertura da


Avenida 24 de outubro e a conclusão do prédio da Cadeia Pública de Campinas, situada
na praça Cel. Joaquim Lúcio, cuja construção também é creditada a ele, incluindo o
coreto, importante peça da vida social local, graças às apresentações musicais que
proporcionava. (ORTÊNCIO, 2011: p. 102; NEY, 1975: p. 65; CAMPOS, 1985: p. 43).
Em 1920, Licardino teria edificado a primeira casa de tijolos da cidade. Posteriormente,
ele comandou a construção dos prédios do Campinas Hotel (com dois pavimentos) e do
Edifício Oliveira Ney (com três pavimentos). Indicativos de modernidade arquitetônica
em sua época. (NEY, 1975: p. 65).

Também no âmbito dos escassos sinais de modernização material que incidiram


sobre Campinas, antes de integrar-se a Goiânia está a seguinte efeméride: o Correio
Oficial de 14 de maio de 1927 publicou a notícia de um “avanço tecnológico que chegaria
à próspera cidade sulina” e representava “uma velha aspiração do povo de Campinas”.
Tratava-se da instalação do “Telegrapho Nacional”, que ligava Campinas a Bela Vista. O
texto revela que os recursos para a realização do empreendimento foram obtidos através
de doações particulares (5:745$000), além das contribuições majoritárias proveniente dos
tesouros do município de Bela Vista (10 contos de réis) e do Estado (8 contos de réis).
(ORTÊNCIO, 2011: p. 79) É interessante notar que, ainda no governo de João Alves de
Castro (1917-1921), uma quantia para esta finalidade já havia sido liberada. A lei nº 618

108
de 27 de julho de 1918 concedia à municipalidade de Campinas um auxílio de 3000$000
para a construção desta linha telegráfica, que só fora, portanto, inaugurada, quase nove
anos depois. (Anexo 2)

Em 1947, ano da lei de criação do Ginásio Estadual de Campinas, ainda havia uma
pequena distância física - aproximadamente cinco quilômetros - que separava os núcleos
urbanos da parte central da nova capital e da antiga cidade que a recebeu. Este
“isolamento”, do ponto de vista territorial, de Campinas em relação a Goiânia foi, por
assim dizer, momentâneo, tendo em vista o acelerado ritmo com o qual novas construções
eram erguidas ao longo das avenidas 24 de outubro e da Avenida Anhanguera, ainda em
obras. A Avenida Anhanguera, que incorporava a estrada que ligava Leopoldo de Bulhões
até ao antigo núcleo de Campinas (MANSO, 2001), logo de início, ganhou rápida
importância para os habitantes, tanto de Goiânia quanto de Campinas, tanto por ser a
principal via de ligação à cidade vizinha, no sentido Leste-Oeste, quanto pela maior
concentração comercial. Attílio Corrêa Lima já vislumbrava ali uma região com maior
densidade de construções.

Figura 7 - Registro do transporte coletivo que realizava a viagem entre Goiânia e Campinas: Carro de
transporte coletivo de passageiros que fazia a rota Goiânia-Campinas através da Avenida Anhanguera
sinalizava um avanço da urbanidade moderna sobre antiga cidade. A distância entre os dois núcleos podia
ser vencida de várias formas. O transporte motorizado era uma delas, mas a tração animal ainda era
largamente utilizada. (FONTE: Acervo autorizado Hélio de Souza, 1957)

As novas construções preenchiam o vazio existente entre as duas povoações e


conectavam de maneira definitiva o destino das duas cidades. Ao mesmo tempo, eram a

109
representação mais visível da chegada de cada vez mais pessoas. Sobre o rápido
crescimento populacional da região, o escritor Hélio Rocha afirma:

Em 1933, quando iria se iniciar a construção de Goiânia, a soma dos habitantes


de Campinas e Hidrolândia acusaria cerca de 15 mil habitantes. Quando se
realizou o chamado Batismo Cultural de Goiânia, em 1942, Campinas estava
com 51 mil moradores.
No curso dos anos 1940, trecho mais habitado de Campinas estendia-se da
Avenida 24 de Outubro, a principal área comercial também, até a Avenida
Amazonas [...]. No sentido norte, a expansão se deu no sentido das Vilas Santa
Helena e Abajá. Na direção norte-nordeste, durante algum tempo, durante
algum tempo, o limite ficou sendo o Estádio Antônio Aciolly, até que
surgissem, ali, a Vila Operária e o Setor dos Funcionários. (ROCHA, 2010: p.
28)

O crescimento populacional alterou profundamente o ritmo de vida da população


original de Campinas, que passou a conviver com muitos migrantes vindos de várias
regiões do Estado e do país, além de imigrantes das mais variadas origens, com destaque
para famílias italianas e armênias, em primeiro momento. Novas tecnologias da época,
inevitavelmente, também passaram a ser elementos integrantes do cotidiano campineiro.
Em artigo publicado no Jornal O Popular, na edição do dia 02 de junho de 1994, o escritor
José Sêneca Lobo relata, a partir de seu ponto de vista de quem em estava entre os
pioneiros destes anos iniciais de Goiânia, as dificuldades e precariedades da vida em
Campinas, mesmo em meio a tantas mudanças oriundas das obras que, no imaginário da
época, sinalizavam que o progresso havia, finalmente, chegado à região:

A avenida 24 de Outubro era, então, o centro nervoso da nova Campinas:


movimento intenso de veículos, casas comerciais, bares, cinemas e hotéis. A
“poeira vermelha do nosso sertão” era insuportável, principalmente às tardes,
no tempo seco. A gente fechava portas e janelas, na hora do jantar, mas o
danado do pó invadia a sala pelas frestas e pelo telhado e o jeito era comer
feijão com poeira.
Outro grande desconforto era provocado pelos motores geradores de energia
elétrica que, na falta do fornecimento público e regular, todas a oficinas e
muitos particulares, proprietários de hotéis e bares, instalavam nas suas
dependências, os quais funcionavam noite adentro, perturbando o sono dos
vizinhos.
A Prefeitura de Goiânia instalou um gerador grandão, que diziam ser resíduo
de um submarino, máquina velha e arcaica, que fazia muito barulho e produzia
péssima luz. O bicho começava a funcionar, acendia as nossas lâmpadas de
casa, para meia hora depois se apagarem e voltar tudo às trevas e novamente,
se recorrer às velas e lampiões de querosene. (José Sêneca Lobo in: O
POPULAR, 02 de junho de 1994)

O pioneiro testemunha também que, ainda na década de 1930, Campinas crescia


não só em população, como também em problemas que, embora não estivessem entre as
prioridades do governo do interventor Pedro Ludovico, naquele momento totalmente

110
focado nas obras da construção de Goiânia, mais tarde se tornariam questões emergenciais
a serem acudidas pelo poder público e, eventualmente, exploradas politicamente.

Mas, de qualquer forma, aos trancos e barrancos, a cidade de Campinas crescia


disparadamente. Eram construções apressadas, barracos, casas regulares,
algumas boas e definitivas, todas erigidas nos terrenos no seguimento de
Campinas para Goiânia.
Não havia água encanada nem luz elétrica. Apenas as residências da antiga
Campinas, dispunham da luz gerada no Convento dos Redentoristas. Cada
novo morador construía ao lado do barraco ou da casa, uma cisterna, e logo ali
perto uma privada de buraco no chão. Sem técnica nem planejamento,
acontecia que as cisternas de uns ficavam a pequena distância das privadas de
vizinhos, com riscos de infiltrações recíprocas e infestações de espécies
parasitárias, como ocorreram, e muitas, como amebas, estrongyloides, áscaris
e outras. (José Sêneca Lobo in: O POPULAR, 02 de junho de 1994)

É interessante ressaltar tais relatos, pois são reveladores de aspectos que denotam
uma mudança que atingiu a região, alterando profundamente a relação de seus moradores
com o lugar que fora sendo modificado em uma velocidade jamais vista na região. Até o
início do século XX, tudo corria em ritmo lento. São muitos os relatos desta vagareza e
do caráter pacato de Campinas. Em “Notícias sobre Goiás”, o Padre Francisco Wand
afirmava que, em 1894 “Campinas possuía apenas umas 30 casas pobres e mal
construídas e a igreja, completamente descuidada, estava a ponto de ruir” (SANTOS,
1976: p. 48). Situada à beira da estrada, Campinas era vista por muitos, apenas como um
ponto de pouso para quem passava a caminho da Cidade de Goiás. Fora isso, até a chegada
dos missionários redentoristas, pode-se afirmar que Campinas praticamente não gozou de
importância alguma na realidade regional. Nas poucas ruas do local, os moradores de
zonas rurais circunvizinhas adquiriam parte dos suprimentos que necessitavam e,
principalmente, se reuniam para eventos religiosos. Não obstante à celebrada fertilidade
de suas terras e sua favorável localização, nenhum outro aspecto chamava muito à atenção
dos que a ela dedicaram relatos no final do século XIX.

Anos depois, podemos constatar que o dinamismo do dito progresso ainda


chegava a passos lentos à região. Licardino de Oliveira Ney atesta, em sua obra biográfica
que, já quase na segunda década do século XX, em 1909, Campinas possuía ainda apenas
duas casas de comércio, uma de propriedade de seu sogro, o fazendeiro Joaquim Lúcio
Tavares e outra do Cel. José Rodrigues de Morais Filho. Nelas “vendia-se de tudo: maná,
ruibarbo, sal de glabert, sal amargo, pílulas grãos de saúde de Reuter, ferragens chapéu,
calçados, sal, arame e ferro em barra.” (NEY, 1935: p. 21). O prefeito afirma ainda que,
em 1912, trouxe para a cidade a primeira bicicleta da região. A primeira máquina de
escrever também teria sido introduzida por ele, no ano de 1914. (NEY, 1935: p. 21).
111
Registros da paróquia Nossa Senhora da Conceição de Campinas dão conta de
que, em 1915, a população local atingia 10.000 habitantes, embora o professor Miguel
Archangelo tenha encontrado, entre a documentação dos padres redentoristas, uma nota
proveniente de “Quique Lustra, vice provincial e Bavarae in Brasília”, um registro de
1919 que informa o seguinte: “numeram-se cerca de 6.000 paroquianos, geralmente de
boa índole”. Segundo Campos (1985: p. 20), o censo de 1920 estimava entre a população,
o número de apenas 272 pessoas alfabetizadas.

Tudo isso contrasta muito com a Campinas que surgiria após 1935. Pode-se
afirmar que, em 1947-1950, Campinas já era uma região substancialmente distinta do que
se via no início dos anos 1930, tanto demograficamente, quanto econômica, social e
estruturalmente. A verdade é que, com as obras de Goiânia em curso, Campinas ganhou
uma importância que jamais teria sido imaginada por seus moradores mais antigos.

Possuindo Campinas um núcleo urbano já estabelecido, em oposição à escassez


de elementos atrativos ao lazer e a atividades econômicas diversificadas vista em Goiânia.
Os primeiros moradores da nova capital acabaram assumindo uma relação estreita com
Campinas. Até meados da década de 1940, Campinas possuía população maior que a nova
capital e, desde que as obras se iniciaram, fornecia-lhe importante apoio logístico. Um
aspecto interessante assumido por Campinas nos primeiros anos de Goiânia foi o de local
de lazer para a população goianiense, carente de opções. Tal característica, foi ao longo
das próximas décadas – sobretudo até os anos de 1960 – garantindo a Campinas o rótulo
de “Zona Boêmia” da capital. Assim, Godinho constata que, por muitos anos, Goiânia –
um verdadeiro canteiro de obras – “era para trabalhar, enquanto Campinas, em
contrapartida, era para se divertir”. Até os anos de 1950, os principais pontos de encontro
da população goianiense para passeios estavam situados em Campinas. Bares e cinemas
estabelecidos em Campinas eram procurados, principalmente nos finais de semana, assim
como a Igreja Matriz atraia fiéis de Goiânia para seus eventos. (GODINHO, 2013).

Às vezes, esta movimentação ocasionava novas dinâmicas que incomodavam


parcelas da sociedade campineira, como relatava o jornal Folha de Goiaz, na edição do
dia 13 de janeiro de 1950. Em matéria intitulada “Para localização da zona de meretrício”,
o matutino publicou o ofício, assinado pelo delegado titular da sub-delegacia de
Campinas, José Heinzelmann da Silva, e dirigido à Chefia de Polícia da capital, no qual
tratava do assunto da prostituição no bairro. O delegado sugeria a criação de uma “única
zona para localização das casas de prostituição e lupanários” a fim de “acabar com as

112
constantes queixas e reclamações trazidas à polícia, por inúmeras famílias deste bairro e
[para] consequente moralização dos costumes”. O delegado argumentava que “somente
com essa providência se conseguirá sanar, de uma vez por todas, as irregularidades,
escândalos e a falta de moralidade, que, constantemente, ‘mulheres de vida alegre’
provocam no seio de famílias respeitáveis, residentes neste bairro”. O documento
redigido pelo delegado foi acompanhado pelo texto jornalístico, sem assinatura, que
corroborava a sugestão do delegado, dizendo tratar-se de uma “medida de interesse
social” que certamente, teria “ótima repercussão”, pois “as casas de mulheres em
Campinas, encontram-se bastante espalhadas, havendo lugares em que existem em
mistura com as casas de família. O texto é finalizado com a afirmação de que a solução
de “isolamento das partes escusas do bairro” surtirá bons resultados na parte social, pois
tais medidas já [teriam sido] testadas em outras capitais, com bons resultados. (FOLHA
DE GOIAZ, 13 de janeiro de 1950)

Figura 8 - Edição do Jornal Folha de Goiaz de 13 de janeiro de 1950: No começo de 1950, o jornal Folha de
Goiaz tratou de um dos aspectos tidos como desagradáveis da “nova Campinas”. Um conflito que denota
a existência de uma mudança do perfil do bairro, em vários aspectos, aos quais uma parcela da população
resistia.

Ainda à guisa de ilustração da condição de importância assumida por Campinas,


no que se refere à vida social, cultural e para o lazer dos goianienses, observemos uma
das muitas situações interessantes relatadas no livro “Memória Cultural: ensaios da
história de um povo”, editado e publicado pela Assessoria Especial de Cultura da
113
Prefeitura Municipal de Goiânia, em 1985. Em uma época na qual muitos dos hábitos de
lazer coletivo costumavam envolver um convívio direto com outras pessoas fora de casa,
as conversas e passeios ao ar livre ocupavam lugar central na vida social da cidade. Um
dos aspectos da “modernidade simbólica” alardeada no estilo de vida proporcionado pela
nova capital era, sem dúvida, a emulação dos hábitos culturais de Paris, em uma espécie
de extensão coerente de outras influências, como os referenciais arquitetônicos e
urbanísticos. Assim, a população de Goiânia nos anos 1940 e 1950 vivenciou o modismo
da prática do footing, que nada mais era que a prática de simples caminhadas, difundida,
especialmente, entre jovens da elite local. Merece destaque o fato de que Attílio Corrêa
Lima citou objetivamente a prática no Plano Diretor que elaborara para Goiânia,
conjecturando que a Avenida Goiás fosse o principal local para a prática do footing na
cidade, provavelmente pensando na elite goianiense e revelando a importância da
atividade na época. A despeito de tais planos do urbanista, inicialmente Campinas era
fora mais atraente para os habitantes da região, concentrando pessoas na então
movimentada Praça Joaquim Lúcio. Assim, relatam dois moradores pioneiros, evocando
suas memórias: “(...) chegando a Goiânia e não tínhamos ainda uma vida social. Toda a
nossa vida social era feita do Bairro de Campinas onde a maior parte da população vivia.
Lá fazíamos o footing, frequentávamos festas e cinema.” (ÁLVARES apud. GOIÂNIA,
1985: p. 29) e,

No início aqui em Goiânia havia pouca diversão, poucos lugares para as


pessoas passarem o tempo. Aqui só se falava em trabalho (...). Toda noite havia
quem quisesse se distrair ou passear. Havia o footing em Campinas, moças e
rapazes passeando na rua. (SILVEIRA apud. GOIÂNIA, 1985: p. 110)

114
Figura 9 – Registro fotográfico da Praça Joaquim Lúcio, Campinas, década de 1940: Movimentação de
pessoas na Praça Cel. Joaquim Lúcio, um dos principais centros de convivência social do bairro. Na foto
é possível ver o coreto, também citado como espaço reservado ao entretenimento da população de Goiânia/
Campinas. (Fonte: imagem extraída de CAMPOS, Itaney Francisco. Notícias históricas do bairro de
Campinas. 1985: p. 57)

Outro caso interessante que revela o processo de formação de um hábito cultural


popular goianiense, em associação às suas raízes campineiras, é a ideia de o governo
estadual recorrer ao esporte mais popular na época da construção de Goiânia, o futebol, a
fim de proporcionar entretenimento à população. Em 1936, o governo via com bons olhos
a ideia sugerida por um grupo de jovens entusiastas do esporte, e decidiu incentivar a
criação de um clube de futebol que representaria a nova cidade, tendo contratado o
arquiteto José Neddermeyer para atuar nas obras da cidade e, ao mesmo tempo,
incentivando-o a efetivar a fundação da nova agremiação futebolística. No entanto, o
projeto somente foi levado adiante em 1938, quando o Goiânia Esporte Clube fora
fundado oficialmente, no dia 28 de julho, sob uma curiosa denominação, que rapidamente
foi alterada para o nome que realmente representava seu propósito, que era representar a
nova capital: o breve primeiro nome do time do Goiânia foi Esporte Clube Corinthians
Goiano. O arquiteto fora seu primeiro presidente, enquanto Pedro Ludovico Teixeira,
Jerônimo Coimbra Bueno e João Teixeira Alves Júnior foram agraciados com o título de
presidentes de honra, revelando as ligações políticas que deram sustentação ao projeto
em seu início.

É interessante, neste ponto de nossa pesquisa, notar que o Goiânia surgiu para
rivalizar com um time de Campinas, o Atlético Clube Goianiense. Fundado em 2 de abril

115
de 1937, o “Dragão da Campininha” é o time de futebol profissional mais antigo da capital
ainda em atividade41, e desenvolveu, ao longo do século XX, forte simbologia identitária
associada à sua região de origem. Assim, nos anos iniciais da capital, a rivalidade entre o
Goiânia e o Atlético constituía uma alegoria perfeita da relação de interdependência
existente entre Campinas e Goiânia. A respeito desta importante efeméride cultural,
Horieste Gomes, atesta:

A história de fundação do Atlético Clube Goianiense ocorreu em 2 de abril de


1937, quando Goiânia já estava em ritmo crescente de construção. Era,
justamente, o que que estava faltando para tornar Goiânia uma cidade mais
atrativa, acolhedora, capaz de propiciar espetáculos, a exemplo do futebol,
como atração coletiva aos campineiros-goianienses. No entanto, era necessário
ter o adversário (ou adversários) para que houvesse enfrentamentos. Assim foi
feito, e em 1938 houve a criação do Goiânia Esporte Clube, principal rival do
Atlético, muito embora tenha sido criado, no papel, em 1936, sendo escolhido
presidente o arquiteto José Neddermeyer, profissional contratado pelo
governo, que deixou a sua marca de contribuição positiva na fase de construção
de Goiânia. (GOMES, 2015: p. 70)

As disputas travadas em campo entre as duas equipes refletiam metaforicamente


diferenças políticas e sociais entre os habitantes dos dois núcleos urbanos. Os campineiros
logo rotularam a equipe do Goiânia pejorativamente como “time de elite” ou “time do
governo”, em referência aos recursos e benefícios que recebia do governo estadual, como,
por exemplo, a cessão do estádio público Pedro Ludovico Teixeira para acomodar a sede
do clube.

Em clara oposição, o Atlético passou a ser considerado o “time da massa”. Embora


estivesse ligado à figura de Antônio Accioly, próspero proprietário de cartório oriundo de
Piracanjuba e considerado o “grande protetor” do Clube desde sua fundação, além de ter
doado o terreno em que o time treinava, o Atlético nunca foi um clube necessariamente
“rico”. O escritor e memorialista José Mendonça Teles afirma que o “Dragão” se
mantinha a partir das colaborações de seus torcedores, que “presenteavam os jogadores

41
A primeira agremiação esportiva dedicada exclusivamente ao futebol que surgiu em Goiânia foi o “União
Americana Esporte Clube”. Antes da existência do Atlético Goianiense e do Goiânia Esporte Clube, este
foi o time que mais se aproximou de um “clube de futebol profissional” no complexo Goiânia-Campinas,
realizando as primeiras partidas intermunicipais que se tem notícia na nova capital. Fundado em 28 de abril
de 1936 por jovens oriundos da Cidade de Goiás, que se mudaram para Goiânia logo em seus primeiros
anos, o clube rapidamente perdeu o brilho inicial de “novidade”. Isso está relacionado ao estabelecimento
da hegemonia, tanto nos gramados como também em popularidade, compartilhada entre o Goiânia e o
Atlético nos anos seguintes à fundação de ambos. O nome “União Americana Esporte Clube” remete às
origens vilaboenses de seus fundadores, pois homenageia os dois times rivais da antiga capital do Estado:
a Associação Atlética União Goiana e o América Esporte Clube.

116
com coisas diversas, que iam desde o tratamento dentário gratuito, passando por terno,
até chuteira e outras coisas mais” (TELES, 1995: p. 40).

A rivalidade futebolística se somava disputas em outras searas, como a


competição dos jovens rapazes pela atenção das moças. Os torcedores do Goiânia,
frequentemente recebiam as alcunhas comumente destinadas aos jovens “de Goiânia”,
como “almofadinhas” e “alinhadinhos”. As memórias publicadas por Ivo Pinto de Melo,
cidadão oriundo de Catalão que chegou ainda criança na nova capital em 1935 para se
fixar com sua família em Campinas (MELO, 1998: p. 22), ilustram o contexto de tal
situação:

Os habitantes de Campininha eram operários, comerciantes, estudantes;


enquanto os rapazes de Goiânia eram chamados de almofadinhas, pois eram,
na maioria, filhos de políticos ou funcionários públicos (MELO, 1998: p.40)

Os passeios na Avenida Anhanguera, lá no centro urbano da Capital,


começaram a levar os rapazes da Campininha famosa, e bem assim muitas de
nossas belezas femininas começaram a dar preferência aos “alinhadinhos” de
Goiânia e gerando uma forte antipatia entre os dois aglomerados urbanos.
(MELO, 1998: p. 165)

Com o tempo, até rivalidades políticas passaram a ser exacerbadas nas contendas
futebolísticas entre campineiros e goianienses, como afirma o professor Eliézer Cardoso:

Com a redemocratização do país, a partir de 1945, a ligação futebol e política


fica mais evidente: o Goiânia passou a ser considerado um time ligado ao grupo
ludoviquista do PSD, enquanto o Atlético era considerado o time daqueles que
manifestavam oposição ao ludoviquismo, como a UDN. Portanto, interessava
muito à política ludoviquista as vitórias do time do Goiânia, que serviam, ao
mesmo tempo, para passar uma imagem positiva da cidade (vitoriosa em todos
sentidos, até no futebol) e também para denegrir a imagem de seus adversários
políticos. (OLIVEIRA, 1999: p. 44)

Ressalta-se que, apesar dos muitos relatos de lazer e de existência de agitada vida
cultural em Campinas, nem tudo eram flores na Campininha das Flores. Longe disso. A
modernidade ainda demoraria para se firmar como uma realidade ao alcance da maioria.
Às vésperas dos anos 1940, o complexo Goiânia-Campinas sofria com situações
estruturais que evidenciavam total precariedade, que divergiam das expectativas
difundidas pela imprensa governista e pelo discurso político da época.

Em 1936, por exemplo, não havia fornecimento público de energia elétrica para
as casas, ficando este restrito à iluminação dos espaços e logradouros públicos. Goiânia,
somada a Campinas e distritos, possuía 1368 casas. Havia duas pequenas unidades de
saúde em funcionamento, oito farmácias, aproximadamente cem lojas de comércio, duas

117
agências bancárias. Em relação a serviços essenciais, toda a região contava, até o início
daquele ano, com quinze escolas, com doze médicos e igual número de advogados
diplomados. “Se reinava o breu do lado de fora, imperava o silêncio da porta para dentro:
apenas dezesseis famílias possuíam rádio” (GODINHO, 2013: p. 202). A este respeito,
lembra-nos de maneira bastante pertinente Luiz Palacín, um fato um tanto irônico. Ele
conta que Monteiro Lobato visitara Goiânia na ocasião de seu “Batismo Cultural”, em
julho de 1942, e teria ficado incomodado com a cidade com a qual se deparou. Desta
passagem, o famoso escritor registrou, em tom de sarcasmo:

“Goiânia, cidade linda


que nos encanta e seduz
de dia não tem água
de noite não têm luz”.
(LOBATO, 1942. Apud: PALACIN, 1976: p. 88).

Os versos do escritor paulista denotam uma clara alusão à profunda decepção que
acometia a alguns visitantes oriundos dos solidamente urbanizados centros das regiões
litorâneas do país. Tal situação, de descontentamento com aspectos da realidade goiana,
não era novidade, como mostram os escritos de cronistas viajantes que por aqui passaram
em outros tempos. O que há de novo na fala Lobato é, sem dúvida, o fato de que a
decepção agora se baseava, de forma concreta, em uma gigantesca discrepância entre a
realidade experimentada e a ilusão criada a partir da maciça propaganda feita pelo
governo de Pedro Ludovico e pelos intelectuais goianos através dos veículos da imprensa
que circulavam pelo país a respeito da moderna capital que seria edificada no Estado.

2.5 - A construção de uma modernidade possível: a Campininha no epicentro do


discurso de progresso

“O Sol acorda no Botafogo


E, tomando nos braços a cidade adolescente,
Morde-lhe a carne morena o dia todo;
Depois, reza as ave-marias em Campinas
E vai dormir como um santo
No Convento dos Redentoristas.”
(Leo Lynce42 Apud. ROCHA, 2010: p. 28-29)

42
Cyllêneo Marques Araujo Valle, que publicou muitos de seus poemas nos primeiros jornais que
circularam na nova capital, como “O Goiânia”, nasceu em 1884, no município de Pouso Alto, atual
Piracanjuba, no estado de Goiás. Filho de uma família tradicional em sua região, usava o pseudônimo Leo
Lynce em suas publicações literárias e poesias. É considerado o primeiro poeta modernista goiano, sendo
seu livro “Ontem”, publicado em 1928, o marco introdutório do Modernismo no Estado (TELES, 2004: p.

118
Os versos acima, escritos nos anos 1940 remetem, romanticamente, à ideia de uma
indissolúvel relação simbiótica constituída entre a “modernidade” preconizada pela ideia
do “novo”, associado à nova capital – que experimentava, naquele momento, um rápido
crescimento, simbolizado no poema pela sua condição de “cidade adolescente” - e a
“tradição”, vinculada, no texto, à “presença dos tradicionais costumes católicos e das
antigas instituições de Campinas no cotidiano”. Os elementos da tradição associados a
Campinas, são alusões do poeta, ao povoado que cresceu em torno do que, por muito
tempo, foi o principal prédio da antiga cidade, a Igreja Matriz. O outro elemento citado,
de forma mais direta, é o icônico convento fundado pelos religiosos alemães que
chegaram na antiga cidade ainda no século XIX, trazendo consigo, muitos elementos que
marcariam sutis transformações na vida no povoado.

Na Goiânia dos anos 1940 e 1950, tradição e modernidade conviviam lado a lado
todos os dias, constituindo um modo de vida híbrido, caracterizado pela mescla do antigo
e do novo. O processo de crescimento da “nova” Goiânia, ao lado da “velha” Campinas,
insere a apreciação que fazemos acerca do lugar-espaço de nosso objeto de estudo

[...] no contexto brasileiro de criação de novos núcleos urbanos, cujos traçados


planificados e geométricos eram envoltos numa simbologia de modernidade e
avanço43. Percebe-se [então] Goiânia como um exemplo do paradoxo presente

35). Também exerceu as profissões de jornalista e magistrado entre os anos de 1900 a 1954, ano de seu
falecimento. No poema, extraído do texto do livro “Campininha das Flores e sua história”, segundo explica
ROCHA (2010), o termo “Botafogo”, se referia ao antigo bairro, que atualmente, corresponde a parte do
Setor Leste Universitário. Até a década de 1950, a região representava os limites de Goiânia na direção
oeste. Para o Hélio Rocha, estes versos ilustram romanticamente a relação de complementaridade
estabelecida entre Goiânia e Campinas, destacando que o Sol de cada dia nascia na nova cidade e se punha
na velha.
43
Guimarães (2016) enumera como marcos significativos, no contexto da criação de novos centros urbanos,
pensados sob o pretexto de modernização dos centros de poder, o surgimento das capitais dos Estados do
Piauí (Teresina, em 1852), de Sergipe (Aracajú, em 1855) e de Minas Gerais (Belo Horizonte, em 1897),
ainda no século XIX. Goiânia foi, portanto, a primeira cidade planejada, no século XX, com intuito de
assumir a posição de centro de poder, em substituição a um antigo centro urbano. É importante ressaltar o
fato de que Goiânia, assim como estas cidades, pensadas para serem as capitais de seus Estados, já “nasce”
sob o signo do poder simbólico do qual seus idealizadores as investiram desde o projeto. Assim, a criação
de uma cidade-capital possui todos os elementos associados ao surgimento de uma nova cidade, mesmo
quando desprovida de tal função específica, mas todos eles ganham dimensões acentuadas, ampliadas e
instrumentalizadas simbolicamente, pela importância atribuída ao lugar.
Interessa-nos salientar também que, do ponto de vista conceitual, uma “cidade nova” é definida, enquanto
elemento intencionalmente concebido, por Trevisan (2009), pela possibilidade de detecção dos seguintes
aspectos: desejo (vontade de agentes, públicos ou não, para concretizar ações específicas voltadas para o
planejamento e edificação), necessidade (atendimento de uma ou mais funções alegadas), lugar (escolha
prévia de sítio), execução profissional (existência de agente na elaboração física), projeto urbanístico e
tempo (construção significativa numa parcela temporal, envolvendo um momento de fundação
razoavelmente preciso).
Conclui-se, portanto, que no surgimento de uma nova cidade, concebida como centro de poder “estes
aspectos foram potencializados pela forte ligação ao conceito da cidade-capital, onde o centro do poder se

119
nestes momentos de gênese: se, por um lado, uma nova ocupação provoca a
impressão de espaço ahistórico (conforme descrito por Lévi-Strauss ao visitar
a cidade), observa-se como contraponto o espaço urbano na condição de
materialização dinâmica das conexões sociais dos indivíduos que ali
permeiam; desta maneira, torna-se compreensível que a paisagem é fruto do
homem, assim como o homem também é fruto de sua paisagem, visto a forma
que o espaço interfere nas impressões humanas, desde sua localização no
mundo quanto associações emocionais e organização das atividades.
(GUIMARÃES, 2016: p.520)

Esta definição é cara à análise que fazemos neste trabalho, pois a criação de
Goiânia, como novo espaço de vida, ocorreu em concomitância à continuidade da
existência de um espaço urbano anterior, Campinas, que não só presenciou, como
participou ativamente deste processo de criação, afetando-o e sendo, por ele afetado.

Assim, estabeleceu-se um modo de vida marcado pela assimilação de novos


elementos de cultura material, que a todo momento chegavam como a “representação do
novo”. A estes somavam-se as tradições originárias (do núcleo populacional original de
Campinas e, também dos habitantes pioneiros da capital em construção, entre os quais
muitos migrantes de outras regiões do Estado e do país). Segundo dados fornecidos pelo
IBGE em seu site, em 1920, a população de Goiás era de 511.919 habitantes. Em 1940
atingiu o contingente de 826.414 pessoas. Destas, 19% vinha de outros Estados, o que
correspondia a 155.480 emigrantes. Ao longo da década de 1940, registrou-se um surto
de crescimento populacional. Goiás passou a contabilizar 1.214.921 habitantes em 1950,
dos quais 281.364, ou seja, 23% da população goiana, eram de outras unidades da
federação44. Isto foi impresso no dia-a-dia da cidade, que em suas primeiras décadas,
expressava as aparentes contradições de uma sociedade que ainda mantinha fortes
vínculos com a ruralidade, mas que passava por um momento inédito de acelerada
urbanização e dinamização econômica, encarados como modernização, como podemos
ver nas duas imagens a seguir.

estabelecia como um monumento simbólico, superior às outras pela perfeição de seu plano. (LAUGIER,
1979 apud MANSO, 2001).
44
Apresentamos, também, dados demográficos referentes à evolução da população de Goiânia/ Campinas
no Capítulo I deste trabalho.

120
Figura 10 - Registro fotográfico do andamento das obras de construção do centro administrativo de
Goiânia: Nota-se inusitada a fusão entre o rolo “compressor”, usado para pavimentação, e uma forma de
tração animal, os tradicionais carros de boi. Artifício empregado nas obras de construção das principais
vias da jovem da capital, como esta, que fornecia acesso aos prédios administrativos do Estado. (FONTE:
Acervo MIS-GO. Alois Feichtenberger, 1937).

Figura 11- Registro da primeira feira livre organizada em Goiânia: A primeira feira de Goiânia, em foto
registrada na década de 1930, recebia produtos rurais das regiões circundantes ao perímetro central de
Goiânia, (região onde se concentravam as obras) e colaborava com o abastecimento de víveres para
população operária que se estabelecia na cidade. (FONTE: imagem extraída de MONTEIRO, 1938: p. 99.
Sem registro de autor).

O professor Alexandre Ribeiro Gonçalves afirma que Goiânia, em suas primeiras


décadas, viveu a realidade de construção de uma “modernidade possível”, isto é, um
processo de modernização condicionado pelas suas próprias limitações espaciais,
culturais, ideológicas e materiais. Assim, a transmutação para um modelo de sociedade

121
coerente com o ideal de modernidade originalmente pensado, para a nova capital do
Estado, a partir dos anos 1930, “caracterizou-se por padrões de planejamento e expansão
condicionados tanto por propostas de adesão à modernidade, quanto pelas condições de
sua execução” (GONÇALVES, 2003: p. 19)

Nesse sentido, a sociedade campineira constituiu um exemplo icônico de uma


população com marcantes características tradicionais, que se viu afetada, de forma
avassaladora, por este processo de aceleração do habitual ritmo das coisas, caracterizado
como progresso, na medida em que novos fatos, ocorridos ao largo dos dias que se
sucediam desde o início das obras, marcavam o ingresso de elementos modernizantes na
vida local. De todos os fatos que abordaremos neste texto, sem dúvidas, aquele que
marcou de maneira mais profunda a transformação de Campinas foi também o mais
grandioso de toda a sua história: a fundação de Goiânia.

Até o início da década de 1930, o que havia de “mais moderno” em Campinas,


eram o gerador de energia do convento redentorista, o telefone, o telégrafo e um
automóvel pertencente aos religiosos, um Ford. Ironicamente, o grande símbolo das
promessas de “progresso galopante” na época, em todo o Estado, estava a alguns
quilômetros de Campinas: a estrada de ferro que ligava a região sul do estado ao sudeste
do país, através de Minas Gerais. Assim, se celebrava a proximidade da cidade com a
ferrovia, em 1932:

O único automóvel que os moradores conheciam, um velho Ford, pertencia aos


padres redentoristas. Com o motor acionado a manivela, ficava mais estragado
do que rodando. Mesmo assim servia para levar os moradores amigos dos
padres até o melhor lugar de Campinas: a vizinha cidade de Leopoldo de
Bulhões, onde podiam tomar o “trem de ferro” para Minas Gerais e São Paulo.
(GODINHO, 2013: p. 38)

Desta forma, a fundação de Goiânia foi, sem dúvidas, o maior marco político,
econômico e cultural na recente história de Goiás. Acabou, no entanto, revelando, de
forma curiosa, as contradições de nossa sociedade no desenrolar do século XX. A
presença de novos elementos urbanos na vida prática das pessoas, vez ou outra, se
chocava com costumes não alinhados os com ares de modernidade, demonstrando que a
dita modernização do discurso não é assimilada pelas pessoas em seu cotidiano, caso
esteja desconectada das realidades culturais existentes. Tornou-se marca da
“modernização” em Goiás, a convivência entre o novo e o antigo: como exemplo, a
moderna urbanização de ruas e avenidas coexistindo com veículos de tração animal e

122
outros elementos próprios da ruralidade45. Este cenário pitoresco, aos olhos da alguns
observadores, internos e, sobretudo externos, como o próprio Lévi Strauss46, fazia com
que a sensação de modernização saltasse do discurso político e da produção intelectual,
para o imaginário popular, inspirando poetas, cronistas, jornalistas e plantando na
sociedade goianiense e campineira uma semente de expectativa.

O uso instrumentalizado do discurso da modernidade no campo das disputas


políticas, inseridas no contexto populista goiano, é um curioso artifício, aparentemente
paradoxal à primeira vista. A política goiana pós-1930 assistiu, com Pedro Ludovico, à
consolidação de um modus operandi discursivo no qual o apelo à liderança emocional,
comum ao discurso populista, encontrava na argumentação, que para todos os efeitos, era
sempre fundamentada em conhecimento técnico, respostas aparentemente racionais, aos
anseios populares. Estas soluções apresentadas teriam como produto, um conjunto de
avanços denominado “progresso”. O progresso, tal como concebido pelas figuras
políticas que o utilizam como ideologia, seria o salto evolutivo de um estado-situação
para outro, caracterizado como necessariamente melhor que o anterior. A respeito do uso
do discurso político como instrumento de poder no interior de uma sociedade, Michael
Foucault, no livro “A ordem do discurso”, afirma que

[...] em toda sociedade, a produção do discurso é controlada, selecionada,


organizada e redistribuída por um certo número de procedimentos que tem por
função conjurar seus poderes e perigos, dominar seus acontecimentos
aleatórios, esquivar sua terrível e pesada materialidade. (FOUCAULT, 1996:
p. 9)

O discurso político ludoviquista, tentava, desta maneira, criar uma sensação de


urgência em prol da necessidade de uma mudança de rumos, a qual conduziria a sociedade
a uma experiência de desenvolvimento voltada para o futuro. O futuro aparece, então,
como um tempo do qual não se pode, não se deve, nem se deseja fugir, portanto, a
expectativa gerada por sua inevitabilidade poderia ser canalizada em esforços para sua
construção a partir do momento presente. Isto perpassaria pelo esforço de (avaliar e)
abandonar erros do passado e, ao mesmo tempo, antever problemas e situações que
poderão surgir. Nesta diligência de antecipação de necessidades vindouras, é que o

45
Sobre este assunto, ver: “OLIVEIRA, Eliezer Cardoso de. Imagens e mudança cultural em Goiânia. 1999.
254f. Dissertação de Mestrado - Universidade Federal de Goiás, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia,
1999., Goiânia.”. Nos três primeiros capítulos deste trabalho, o autor aborda este processo de maneira
extremamente aprofundada.
46
O antropólogo Claude Lévi-Strauss visitou Goiânia em 1937. Suas impressões a respeito desta
experiência foram relatadas na obra Tristes Trópicos (2000).

123
pensamento modernizante do início do século XX se apegou substancialmente ao
tecnicismo-cientificismo.

A experiência política modernizante, muitas vezes é propagandeada como uma


situação inédita. As ações de agentes políticos que personificam a modernidade são, no
campo favorável, caracterizadas como ousadas, arrojadas, corajosas. No campo oposto
da disputa política, podem ser chamadas de inconsequentes, irresponsáveis e até
perigosas. Para reforçar a associação às ideias que positivam as mudanças, é interessante
que tais ações sejam vistas como algo sem par no momento precedente, e que os perigos
residem, justamente na estagnação e no apego àquilo que precisa ser superado.

O médico Pedro Ludovico procurou ter sua imagem fortemente associada a estes
elementos positivos, ao longo do período em que esteve à frente do poder executivo
estadual. Como colocou Chaul (2015: p. 214), ele exerceu “o saber médico a serviço do
poder”. Habilmente utilizado, em uma época em que ser médico, em Goiás, imbuia o
portador daquele título de uma aura especial, que poderia, facilmente, ser manejada
politicamente. Além de detentor de um nível de sabedoria acima da média, tendo em vista
a raridade de pessoas com formação superior no interior do Brasil, o médico era visto
como alguém capaz de salvar vidas e, portanto, de uma relevância social sem par. Desta
forma, um médico poderia, facilmente, construir uma imagem pública de alguém
generoso e altruísta, ao mesmo tempo preocupado e capacitado para conduzir a população
sob sua direção ao progresso. Nas palavras de Chaul, a confiança inspirada por um médico
carismático que se lançava à vida política, em Goiás, pode ser assim explicada:

Ser médico em Goiás, da década de 1930, tinha um significado especial.


Símbolo de singularidade entre os comuns mortais e de libertador da morte, o
médico era visto como alguém capaz de salvar muitos seres, em uma época de
endemias e epidemias. Nele era depositada a confiança da cura, a ele eram
entregues as vidas na esperança de recuperação dos males. O caminho para a
medicina em Goiás era, porém, tarefa hercúlea, que exigia a superação de
barreiras de toda a ordem, sendo, por isso, reservada a poucos homens.
Obtendo sucesso, os médicos tornavam-se semideuses do povo, adorados e
respeitados homens da ciência, salvadores de um sem-fim de moléstias que
ameaçavam a população de Goiás, principalmente, no meio rural. (CHAUL,
2015: p. 215)

Isso conferia, além de popularidade, autoridade para sustentar decisões.


Valorizava-se, no populismo ludoviquista, o argumento da competência associada a um
rigor decisório baseado no pragmatismo administrativo: a lógica do “fazer aquilo que
precisa ser feito”. Em nome de tal postura, seus aliados divulgavam que seus feitos e
realizações eram atos de coragem única, de um líder que não temia assumir os riscos e o

124
peso de suas escolhas. Riscos sim, pois o progresso, só poderia chegar com a implosão
das estruturas carcomidas pelas antigas relações estabelecidas em nome de interesses de
pessoas e grupos que não condiziam com as necessidades da maioria da sociedade. A
modernização implicaria muitos custos materiais e imateriais, em nome dos quais,
certamente, alguns elementos tradicionais deveriam ser sacrificados.

Assim, a autoridade simbólica adquirida pelo exercício da medicina catapultava


também as ações políticas de Pedro Ludovico, sobretudo suas escolhas, entre as quais
figurava a escolha de Campinas para ser, entre outras possibilidades, o local escolhido
para sediar a edificação da moderna capital. O filósofo Roberto Machado contribuiu,
sobremaneira, para a interpretação deste fenômeno de extrapolação da autoridade dos
saberes médicos para outras áreas, incluindo a gestão pública. Sua visão foucaultiana
expressa a interessante trajetória do médico rumo à condição de autoridade discursiva.
Um processo que se iniciou no final do século XIX na Europa, e chegou ao Brasil nas
primeiras décadas do século XX. Está associado à disciplinarização e remodelação do
ambiente urbano, a fim de acompanhar o processo civilizatório imprimido pela burguesia.
A visão sanitarista ganha força neste processo, e com ela, os saberes médicos também
tem seu prestígio elevado. Machado coloca esta questão da seguinte forma:

O médico torna-se cientista social, integrando em sua lógica, a Estatística, a


Geografia, a Topografia, a História; torna-se planejador urbano: as grandes
transformações da cidade estiveram, a partir de então, ligadas à questão da
saúde. Torna-se, enfim, um analista de instituições: transforma o hospital –
antes órgão de assistência aos pobres – em máquina de curar, cria o hospício
como enclausuramento disciplinar do louco, tornado doente mental; inaugura
o espaço da clínica, condenando formas alternativas de cura, oferece um
modelo de transformação à prisão e de formação à escola. (MACHADO, 1978:
p. 155-156)

Por meio de seus agentes promotores, a quem Chaul (2015, p. 176) chama de
“arautos de 30”, a modernização prometida, deveria abrir as portas do Estado a dias
melhores. Esses dias melhores foram anunciados, inicialmente, propondo uma
problemática tratada dentro dos domínios de Pedro Ludovico, o progresso pelas vias da
higiene pública. Criticava-se a urbanidade decrépita da velha capital, associada à
insalubridade e elogiava-se todo o esforço de sair desta condição. Esta temática foi,
portanto, incorporada no discurso mudancista com muito entusiasmo e perpetuada,
durante toda sua gestão, em diferentes momentos, nas suas falas públicas e relatórios
administrativos. A este respeito, Machado salienta que o discurso higienista foi “o
instrumento privilegiado pelos médicos na tática utilizada para dar à medicina estatuto

125
político próprio, o que significa seu aparecimento como um poder capaz de tomar parte
efetiva nas medidas de organização, controle e regularização da vida social”
(MACHADO, 1978: p. 258).

Tal situação favorecia a construção de uma imagem de que estava em curso, no


“novo Goiás”, uma condução técnica dos trabalhos de renovação e reorganização do bem
público, modernizado a partir de um novo conjunto de escolhas, ideias e práticas
administrativas, que deveriam ser - conforme defendiam seus partidários - superiores a
tudo que já fora posto em prática. Assim, o grupo de Pedro Ludovico, alinhado ao ideário
varguista aplicado no plano federal e acentuado no período do Estado Novo, inaugurou,
no meio político do Estado de Goiás, a prática de associar sua administração à
modernização e à técnica, em um movimento de ruptura com o que viera antes. Goiânia
era o símbolo máximo disto, e visceralmente, Campinas estava contida neste contexto,
que acabaria a absorvendo por completo.

Na propalada visão pragmática de modernização defendida pelo médico Pedro


Ludovico, materializada pela construção de Goiânia, como o símbolo de seu “novo
Goiás”, a função de cada edificação poderia se sobrepor à sua forma - quando necessário
- uma vez que as contingências financeiras não deveriam ser empecilhos para o
desempenho satisfatório das funções que, em ampla medida, extrapolariam as funções
práticas específicas reservadas a cada construção, atingindo as dimensões educativas e
civilizatórias da sociedade. Mais uma vez, as palavras contidas no relatório apresentado
pelo engenheiro Armando de Godoi, em 1933, ao interventor, é um endosso teórico desta
visão de modernidade defendida sob a regência de Pedro Ludovico:

A cidade moderna, quando lhe proporcionam todos os elementos de vida, e ao


seu estabelecimento e à sua expansão se prende um plano racional, isto é, que
obedece às determinações do urbanismo, é um centro de cultura, de ordem, de
trabalho e de atividades bem coordenadas. Ela educa as massas populares,
compõe-lhes e orienta-lhes as forças e os movimentos coletivos e desperta
energias extraordinárias entre os que aí vivem e ficam sob sua influência
civilizadora. (GODOI, 1933. Apud. MONTEIRO, 1938: p. 49-50).

A carência de recursos exigia soluções austeras, tanto nas decisões políticas,


quanto nas opções arquitetônicas. A escolha de Campinas para sediar a nova cidade fora
cercada de justificativas pragmáticas ancoradas em laudos técnicos que apregoavam
qualidades uteis às futuras necessidades da população de Goiânia, como abundância de
recursos hídricos e a proximidade com a estrada de ferro, que poderia ser estendida até
seu perímetro sem grandes esforços. Da mesma forma, a modernidade arquitetônica

126
fundamental à ideia da nova cidade também obedeceria a esta visão utilitarista. Sem
deixar de lado a intenção de provocar a sensação impactante da chegada do progresso,
evitava-se a suntuosidade luxuriosa, com a adoção de conceitos estéticos relativamente
econômicos em adereços que se mostrassem mais dispendiosos.

O estilo Art Deco foi adotado para as principais construções, sob a aprovação de
Pedro Ludovico e seguiu, mesmo nas décadas seguintes, influenciando, como referência
ou inspiração direta os novos prédios públicos e até construções privadas, remetendo à
necessidade de união entre modernidade e eficiência a um custo satisfatório, se
comparado a estilos arquitetônicos mais ricos em ornamentos. Os prédios escolares das
décadas de 1930, 1940 e 1950 certamente tiveram estas ideias incorporadas às suas
concepções, embora apresentando estilo muito simplificado em relação ao acabamento
das fachadas, se comparado a outros prédios de repartições oficiais situados no centro
administrativo da nova capital. O prédio do Liceu, construído na década de 1930 é um
exemplo disso:

Figura 12 – Registro de 1937 das obras de construção do prédio do Liceu transferido para Goiânia: a
obra havia sido iniciada em setembro de 1936. (FONTE: O Popular, Projeto Álbum)

Em comparação com o prédio definitivo do Colégio Pedro Gomes, temos o


mesmo caráter austero, associado a linhas retas, sólidas e robustas, em composição com
uma fachada que visava transmitir imponência e segurança, mas priorizando a
funcionalidade, obtida com grandes janelas que proporcionavam ventilação e favoreciam
à iluminação diurna.

127
Figura 13 - Prédio próprio do Colégio Estadual Professor Pedro Gomes em foto de 1966: Em nossa
pesquisa, este é o registro fotográfico mais antigo da fachada do prédio, encontrado no acervo do colégio.
Em 1959, o colégio foi transferido para esta nova construção, iniciando o ano letivo neste prédio
construído na Avenida Sergipe com a rua Benjamin Constant. Ainda em 1959, um novo pavilhão de dois
andares foi inaugurado. Em 1960, a instituição passou a oferecer os ciclos I e II, sob o novo nome de
Colégio Estadual de Campinas, abandonando o nome Ginásio Estadual de Campinas. Somente em 1976 o
prédio receberia os procedimentos iniciais de sua primeira reforma. (FONTE: Arquivo do Colégio
Estadual Professor Pedro Gomes)

No período inicial da construção de Goiânia e posteriormente, o discurso da


modernidade não foi, necessariamente, um apelo ao “simbolismo da beleza” a priori, mas
à eficiência e à necessidade prática, de forma que unisse estes elementos à intenção de
“educar a população a partir da imponência estética das construções. O engenheiro
Armando de Godoi teorizou sobre a função educativa e civilizadora da cidade moderna,
planejada sob os auspícios do racionalismo:

Hoje, graças à evolução social e à circunstância de ter a Humanidade entrado


francamente na fase industrial, a cidade moderna é um centro de trabalho, uma
grande escola em que se podem educar, desenvolver e apurar os principais
elementos do espírito e do físico do homem e uma fonte de poderosas energias
sem as quais os povos não progridem e não prosperam. É das cidades modernas
que partem os vigorosos impulsos coletivos e é nelas que se faz a coordenação
dos movimentos e das atividades de uma nação. (GODOI, 1933. Apud.
MONTEIRO, 1938: p. 49)

Entretanto, é notável o poder que o novo tem de tornar-se belo, na medida em que
consegue gerar expectativa, e um consequente certo fascínio, aos olhos de quem espera
pelo novo como algo minimamente diferente dos referenciais conhecidos. Tal fascínio,
originado da expectativa reveste o moderno de uma aura que só a novidade pode estar
imbuída: a possibilidade de superação daquilo que fica marcado como (ultra)passado a
128
partir do momento em um novo paradigma toma-lhe o lugar. Ao se deparar com o
prometido “novo” consubstanciado em matéria, ou seja, com o elemento modernizante
alardeado em discurso, pode-se ter a sensação de que o progresso - como uma marcha
para frente - está realmente acontecendo diante de si. O novo, apresentado enquanto
elemento da modernidade que será integrada ao cotidiano, traz em torno de si a sensação
da possiblidade real de inserção dos sujeitos em uma realidade que promete ser senão
melhor, pelo menos diferente da anterior.

Nesse sentido, evidenciar as diferenças, apontando as falhas do modelo pré-


existente se torna demasiado importante, quando o objetivo é perpetuar a ideia de
supremacia do novo sobre o velho. Mostrou-se recorrente, e eficiente, na política do
período - a partir de Vargas - a condução do discurso de renovação e modernidade em
paralelo ao de depreciação do antigo. Na política local, na qual, as antigas oligarquias
controladoras do poder político durante a Primeira República eram nomeadamente
conhecidas, associar as pessoas, grupos e até mesmo a antiga capital à suposta decrepitude
do velho foi ainda mais simples. Portanto, apresentar-se como “o novo” não bastava, pois
somente o efeito comparativo com um momento anterior tinha o poder de,
simultaneamente, aumentar o potencial de fascínio sobre a modernização e diminuir o
apego ao que fora deixado para trás, trazendo as soluções (em forma de promessas) de
um lado e apontando os problemas do outro. Atingir uma superioridade relativa,
estabelecendo uma comparação com um modelo antagonista debilitado é, certamente,
mais fácil que apresentar um projeto que seja superior em termos absolutos, pelo menos
em termos de consolidação de capital político.

Prática tão comum na política republicana brasileira, a crítica ao trabalho


conduzido por antecessores adversários possui, por si só, uma forte característica
simbólica, pois tudo aquilo que pode ser associado ao paradigma combatido pode vir a
ter sua existência questionada. Seus símbolos passam por um processo de desconstrução
ideológica nas mãos dos adversários que desejam construir sobre suas ruínas, suas novas
estruturas de poder. Cornelius Castoriadis afirma que “todo simbolismo se edifica sobre
as ruínas dos edifícios simbólicos precedentes” (CASTORIADIS, 1982: p. 147), ou seja,
entende-se, portanto, que nenhum simbolismo criado é neutro, existindo por si só, como
uma forma isolada de apreensão do real. Para se legitimar, fincando suas raízes no
imaginário coletivo, um simbolismo necessita apoiar-se na função simbólica de outro pré-
existente, mesmo que seja para desconstruí-la, em um processo de visa a criação de uma

129
representação social do mundo a partir de si em um contexto ressignificado.
Extremamente pertinente a esta exposição é a visão apresentada por Chartier quando
afirma que:

as representações do mundo social são construídas, embora aspirem a


universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas
pelo interesse de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário
relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza.
(CHARTIER, 2002: p. 17)

A visão do historiador francês é um alerta que, certamente, cabe ao trabalho de


análise da construção e do uso do discurso de modernidade na política brasileira e goiana
no período sobre o qual nos debruçamos. Retomaremos esta discussão sobre o valor do
imaginário no terceiro capítulo, quando desenvolveremos uma reflexão acerca do
imaginário instituinte relacionado ao Colégio a partir de seus símbolos mais consolidados.

Enfim, o discurso de modernidade fora utilizado para legitimar a alteração do


status quo político pelo qual passou o Brasil e Goiás a partir da década de 1930 e efetivado
nas décadas seguintes, levando a profundas transformações sociais e econômicas que
alteraram as relações dentro da sociedade goiana, bem como a relação da sociedade com
a escolarização dos jovens em no novo cenário que se formava. A partir de Vargas e
Ludovico, a tradicional postura crítica dos políticos aos adversários e suas ações no poder
assumiria uma conotação temporal, nas quais as noções de antes e depois (de determinado
marco administrativo) assentavam em si perspectivas aparentemente opostas de
existência para a sociedade sob seu comando. As disputas pelo poder continuavam sendo
travadas no hoje e para o hoje, porém, o discurso cada vez mais, deslocava, de acordo
com a conveniência, o foco para a promessa de uma auspiciosa realidade vindoura que se
desprendia do atraso ancorado na realidade passada.

130
CAPÍTULO III

O TEMPO DO COLÉGIO PEDRO GOMES: FUNDAÇÃO E


TRANSFORMAÇÃO EM MEIO AO NOVO CONTEXTO DA POLÍTICA
GOIANA (1945-1961)

“Significar é estabelecer relações.”


Claude Lévi-Strauss

3.1 – A redemocratização, entre disputas e promessas: o contexto político que


possibilitou o nascimento de um ginásio estadual em Campinas

Com o fim da ditadura do Estado Novo, a política estadual também passaria por
mudanças. A abertura partidária possibilitada pela Quarta República Brasileira,
conhecida como “República Populista”, teve reflexos profundos no equilíbrio do poder
no Estado de Goiás. A saída de Pedro Ludovico do poder executivo estadual, em 1945,
abriu espaço para um novo contexto político no qual os partidos teriam que disputar a
preferência do eleitorado, entre eles o PSD, de Pedro Ludovico e seu principal
oposicionista a nível local, a UDN, de seu antigo aliado, Jerônimo Coimbra Bueno. Além
destas, outras agremiações menores em apelo eleitoral na política goiana, como o PTB e
o PSP, acabaram orbitando em torno destes dois grupos nos pleitos daquele período, que
viria a se findar em 1964, com o golpe militar que afastou o último governador eleito pelo
voto popular, Mauro Borges Teixeira, do PSD.

Primeiro governador eleito pelo voto popular nesta fase, Jerônimo Coimbra
Bueno, surgiu como figura pública associada ao meio político goiano quando foi
nomeado para a Superintendência Geral de Obras de Goiânia, em 1934. Junto com seu
irmão, Abelardo Coimbra Bueno, criou a empresa “Coimbra Bueno e Cia.”, sediada no
Rio de Janeiro, que ficou responsável pelos trabalhos de planejamento e execução das
principais obras de construção da nova capital do Estado de Goiás.

Com o fim do Estado Novo, Coimbra Bueno vislumbrou a possibilidade de


concorrer ao governo do Estado, seduzido pela recém-criada, porém desde o início
“barulhenta” agremiação de oposição, a UDN. Nesse intuito, fez uso de sua presença no
imaginário do eleitor goiano, como o “Construtor de Goiânia”, epíteto adquirido enquanto
esteve à frente das obras empreendidas por sua empresa. Abelardo e Jerônimo Coimbra
Bueno passaram a utilizar da credibilidade transmitida pela pomposa alcunha de
“Construtores de Goiânia” tanto na esfera empresarial, em negócios privados - ao

131
anunciarem terrenos de sua propriedade para venda na nova capital - quanto na vida
política (Anexos 4 e 5). Ao sagrar-se vitorioso, o engenheiro governou o Estado de 1947
a 1950. Depois disso, elegeu-se senador por Goiás em outubro de 1954, concorrendo pela
coligação UDN-PSP.

Em dissertação de mestrado defendida em 2000, o pesquisador Cleumar de


Oliveira Moreira afirma que a eleição de Jerônimo Coimbra Bueno para o governo fora
possibilitada por dois fatores que enfraqueceram o apelo da campanha do escolhido de
Pedro Ludovico para sucedê-lo, José Ludovico (MOREIRA, 2000: p. 110). O primeiro
fator foi uma dissidência interna ocorrida em seu próprio partido, o PSD, a partir de um
forte descontentamento do grupo liderado por pessedistas de Anápolis, um dos mais
importantes colégios eleitorais do Estado já naquela época. Entre estes, estavam Aquiles
de Pina e Câmara Filho, representantes do diretório de Anápolis, os deputados João de
Abreu (João D’Abreu) e Albatênio de Godoy e o senador Nero (de) Macedo, além de
importantes “caciques” regionais, como Diógenes Sampaio, de Catalão, e Carlos Cunha,
do sudoeste goiano. (MOREIRA, 2000: p. 105-107). O segundo elemento que teria
influenciado o desfecho das eleições foi a ascensão do poderio eleitoral da UDN ao
angariar o apoio declarado da Igreja Católica naquele pleito (MOREIRA, 2000: p. 109).

A respeito da ruptura interna do PSD, José Hercílio Fleury Curado, à época


Secretário Geral do partido e portador da Ata da Reunião em que havia surgido a
dissidência, relatou que Pedro Ludovico preteriu a candidatura sugerida por maioria, em
convenção do partido, de Hosanah Guimarães, em favor de seu primo, de maneira
arbitrária. Isso deu origem ao surgimento, dentro dos quadros do PSD, de um grupo que
apoiou a candidatura do candidato da UDN, que já contava com o apoio oficial do PSP.

Já no caso relativo à decisão da Igreja Católica de se posicionar abertamente em


favor da candidatura da UDN na disputa de 1947, temos o apoio do PCB ao PSD, como
elemento potencializador do desgaste entre ludoviquistas, grupos católicos e a própria
Arquidiocese:

O apoio comunista, acatado por José Ludovico, gerou revoltas. Uma delas
centralizou-se na Liga Eleitoral Católica (LEC), associação que não aceitou o
posicionamento do candidato Juca Ludovico em apoiar o partido.
O arcebispo de Goiás D. Emanoel Gomes de Oliveira e o Bispo auxiliar D.
Abel Ribeiro, condenaram a atitude de Juca Ludovico, os quais passaram a
pedir apoio à população para o candidato udenista. (MOREIRA, 2000: p. 110)

132
Com a eleição de um governador da UDN, Pedro Ludovico e seus aliados
passaram à condição de oposicionistas, uma posição inédita para eles até aquele
momento. Neste novo contexto de inversão dos polos do poder, esses grupos – as novas
situação e oposição - passaram a disputar, no discurso, a legitimidade sobre o domínio do
legado associado aos virtuais pontos positivos ligados aos processos de modernização
pelo qual o Estado havia passado nos últimos anos. Nesse sentido, ambos detinham a
possibilidade de explorar politicamente suas respectivas contribuições para a construção
de Goiânia. O engenheiro Coimbra Bueno buscou se amparar fortemente nisso. Além de
associar-se ao lado positivo da mudança, buscou alimentar possíveis ressentimentos entre
a população e seus adversários. Tornou-se comum o hábito de apontar, junto ao
eleitorado, as falhas de seu antecessor para com as demandas populares. É precisamente
neste contexto que nasce e se consolida a ideia de um colégio público estadual em
Campinas.

Com o aumento populacional local evidenciando uma demanda crescente por


escolas na década de 1940, este teria sido um dos pontos em que Pedro Ludovico teria
sido negligente aos olhos de eleitores campineiros insatisfeitos, especialmente aqueles
que insistiam em pensar Campinas dissociada do conjunto constituinte de Goiânia em
seus primeiros anos. A instalação, em Campinas, de um colégio que poderia estabelecer
algum paralelo com o histórico Liceu, que havia sido importado da Cidade Goiás para o
Centro de Goiânia, se tornaria, do ponto de vista eleitoral, uma oportunidade para os rivais
de Pedro Ludovico se firmarem como forças políticas capazes de evocar o discurso do
arrojo administrativo e da modernização, em favor de si. Após a redemocratização, o
discurso de incentivo à cultura por meio da ampliação do acesso à escolarização se
mostraria um poderoso instrumento nas mãos de políticos e, ao mesmo tempo, alvo de
caloroso debate acerca de sua natureza e condução.

Do ponto de vista eleitoral, apoiar a instrução escolar das massas era, no discurso
populista, visto como um inequívoco empreendimento modernizador, necessário ao
“progresso da nação”, ao qual agentes políticos de diferentes visões procuravam estar
associados. Se, nas décadas de 1940 e 1950, a democracia ainda nascia, a urbanização e
a abertura econômica que possibilitava o incremento da industrialização faziam emergir
a figura do político que tinha, entre suas pautas, a suposta promoção do progresso social
através da educação pública, preparando as novas gerações para assumirem postos de
trabalho adequados à sociedade urbana e integrada ao capitalismo global, que eram

133
anunciados como “a modernidade”. Jerônimo Coimbra Bueno e seu secretário da
educação, Hélio Seixo de Brito, souberam explorar muito bem esta oportunidade em seu
favor. Se havia alguma demanda por um colégio público na região, eles prometeram
supri-la. O hábil manejo eleitoreiro das “vontades populares” era ponto recorrente nas
dinâmicas políticas do populismo instalado naquele período.

Embora o período pós-1945 seja consagrado na historiografia política brasileira


clássica como o “Período Populista” da república, para o sociólogo Francisco Weffort,
este momento representou, na verdade, o prolongamento do período populista inaugurado
em 1930, por Vargas. Em Goiás, isto foi traduzido para o contexto local pelo
correspondente de Vargas na política goiana, Pedro Ludovico. O populismo, enquanto
discurso e práticas, foi incorporado, em alguma medida, por todos os sucessores de
Ludovico até 1964. No período democrático que antecedeu o golpe militar, apenas
Jerônimo Coimbra Bueno não fazia parte da agremiação política capitaneada por Pedro
Ludovico, sendo efetivamente da oposição. Este fato não significava que seu “modus
operandi eleitoral” fosse muito diferente do demonstrado pelos adversários.

O populismo, no senso comum, acaba sendo, muitas vezes, reduzido a uma


simplificação baseada em práticas políticas demagógicas ligadas à manipulação da
população, para atender aos interesses das elites, por meio de um personagem-líder
carismático e habilidoso do trato com as massas trabalhadoras. Por mais que esta
explicação nos sirva bem para finalidades didáticas, o populismo é um conceito
profundamente desenvolvido no âmbito da Sociologia e da Ciência Política, tendo sua
concepção associada a contextos de industrialização e urbanização no qual as massas
adquirem certa relevância, proveniente da capacidade de constituição de força política
paralela às elites, mediante processos de mobilização popular. Neste ponto do nosso
trabalho, será essencial a compreensão deste conceito, para a correta interpretação do
ambiente político em que ocorreu a criação do Colégio Pedro Gomes. Assim entendemos,
por se tratar, especificamente, da criação de uma instituição pública, situada em uma área
da administração que se tornaria cada vez mais sensível para a política eleitoral e para as
novas dinâmicas socioeconômicas urbanas às quais o país e o Estado seriam submetidos:
a área da educação. Assim, Francisco Weffort define o populismo na política brasileira:

O Populismo, como estilo de governo, sempre sensível às pressões populares,


ou como política das massas, que buscava conduzir, manipulando suas
aspirações, só pode ser compreendido no contexto do processo de crise política
e de desenvolvimento econômico que se abre com a Revolução de 1930. Foi a

134
expressão do período de crise da oligarquia e do liberalismo, sempre muito
afins na história brasileira, e do processo de democratização do Estado, que
por sua vez, teve que apoiar-se sempre em algum tipo de autoritarismo, seja o
autoritarismo institucional da ditadura Vargas (1937-45), seja o autoritarismo
paternalista ou carismático dos líderes de massas da democracia do após-
guerra (1945-64). Foi também uma das manifestações das debilidades políticas
dos grupos dominantes urbanos quando tentaram substituir-se à oligarquia nas
funções de domínio político de um país tradicionalmente agrário, numa etapa
em que pareciam existir as possibilidades de um desenvolvimento capitalista
nacional. E foi sobretudo a expressão mais completa da emergência das classes
populares no bojo do desenvolvimento urbano e industrial verificado nestes
decênios e da necessidade, sentida por alguns dos novos grupos dominantes,
de incorporação das massas ao jogo político. (WEFFORT, 1980: p. 61-62)

Com este raciocínio, assim, o autor conclui que:


Em realidade, o populismo é algo mais complicado que a mera manipulação e
sua complexidade política mão faz mais que ressaltar a complexidade das
condições históricas em que se forma. O populismo foi um modo determinado
e concreto de manipulação das classes populares, mas também foi um modo
de expressão de suas insatisfações. Foi, ao mesmo tempo, uma forma de
estruturação do poder para os grupos dominantes e a principal forma de
expressão política da emergência popular no processo de desenvolvimento
industrial e urbano. Esse estilo de governo e de comportamento político é
essencialmente ambíguo e, por certo, deve muito à ambiguidade pessoal desses
políticos divididos entre o amor ao povo e o amor ao poder. Mas o populismo
tem raízes sociais mais profundas e a recuperação de sua unidade como
fenômeno social e político é um problema proposto a quem estude a formação
histórica do país nestes últimos decênios. (WEFFORT, 1980: p. 63)

A explicação de Weffort se aplica à realidade goiana anterior a 1945,


especialmente em relação ao comportamento político de Pedro Ludovico enquanto
liderança. Esta conceituação se aplica, também, à realidade do momento pós-1945, sobre
o qual nos debruçamos neste capítulo. A emergência das classes populares urbanas em
Goiás, como força política detentora de demandas sociais com peso nas escolhas
eleitorais, se deu a partir dos processos de modernização e o consequente crescimento
populacional pelo qual o Estado passava. Goiânia era, naquele momento, o palco principal
deste movimento. Campinas, como núcleo urbano já consolidado, concentrou as
atividades econômicas que sustentavam a gênese goianiense. O significativo
adensamento das atividades econômicas de comércio (majoritariamente) e indústria (em
menor medida) na região de Campinas insere a volumosa população do bairro na situação
descrita por Weffort.
À frente do executivo estadual, Coimbra Bueno esforçou-se para erigir uma
imagem de político vitorioso, arrojado e dinâmico, obtendo relativo sucesso neste intento,
pois além consolidar o título de “construtor” da nova capital goiana, acabou colhendo
também os louros de ter participação efetiva nos processos relacionados à construção de
Brasília, a tão sonhada e lucrativa, eleitoral e empresarialmente, capital federal no interior

135
do país. A esse respeito, uma importante fonte interpretativa de tais processos é a pesquisa
desenvolvida pelo professor Luíz Sérgio Duarte da Silva. Seu trabalho corrobora a
imagem construída em torno de Coimbra Bueno como importante partícipe do processo
modernizador pelo qual passou Goiás ao ser inserido no contexto da edificação da nova
capital federal. Ter a nova capital do país no interior de seu território foi mais um
elemento explorado como um símbolo de progresso para os goianos.
Ao governar o Estado, Jerônimo Coimbra Bueno empenhou-se em fazer a
propaganda mudancista da capital nacional para as terras de nosso Estado. Foi
responsável pela organização de “comitivas” para sensibilizar a “Comissão de
Localização”, visitando com elas municípios do interior goiano, entre eles, Formosa,
Luziânia e Planaltina e apoiou a criação das caravanas de deputados goianos que
percorreram cidades pelo país para promover a pauta da mudança da capital federal
(SILVA, 1998: p.41).
O professor Luiz Sérgio aponta que, apesar da forte oposição que enfrentou nas
questões domésticas durante todo o seu mandato, Coimbra Bueno articulou junto ao
legislativo estadual projetos de infraestrutura necessários para a construção da nova
capital, entre eles: pistas de pouso, construção e melhoria de estradas, obras de rede
elétrica e de telecomunicações, além de prometer condições favoráveis para a aquisição
de lotes na nova cidade por parte de servidores públicos do Estado de Goiás. (SILVA,
1998: p. 46).
Ao deixar o governo estadual, exerceu suas competências técnicas, participando
das Comissões de Localização (1953-1956) e de Planejamento da Construção e de
Mudança da Nova Capital (1956-1957). No campo político, como senador pela UDN
(eleito em 1954), atuou de forma bastante próxima ao presidente Juscelino Kubitschek,
representando seus interesses mudancistas no Congresso. Liderou a bancada udenista nas
questões que envolviam a transferência e acabou sendo consagrado como “o homem que
construiu politicamente Brasília”.
Figura um tanto quanto singular em meio às disputas partidárias de seu tempo,
Coimbra Bueno, às vezes manteve-se alheio à participação direta nos jogos de poder
impostos pelo legislativo estadual, no qual sofreu, ao longo de todo seu mandato, forte
oposição dos deputados do PSD, cuja bancada dificultava ao máximo a aprovação de sua
plataforma, sempre visando seu desgaste e consolidando condições para o retorno do
partido ludoviquista ao executivo estadual no próximo pleito.

136
Jerônimo Coimbra Bueno chegou a ser considerado “traidor, inepto de
compreensão política, com ação perniciosa e desagregadora das organizações partidárias”
por parte de alguns importantes correligionários, como o deputado udenista José Fleury,
autor destas palavras dirigidas ao então governador (MOREIRA, 2000: p. 114). Ainda
assim, Bueno não conseguiu desvencilhar-se das tramas politiqueiras articuladas pelas
oligarquias e das práticas tradicionais de clientelismo envolvendo aliados de ocasião nas
diversas regiões do Estado. Estes motivos podem ser associados à queda udenista nas
eleições sucessórias, sendo que no pleito subsequente (1950), Altamiro de Moura
Pacheco, candidato da UDN, seria derrotado na disputa para governador por Pedro
Ludovico, enquanto Coimbra Bueno concorreria pelo PSP ao Senado, amargando derrota
junto com o candidato da UDN, Alfredo Nasser.

3.2 - A narrativa da fundação e seus personagens: o teatro político apresenta o novo


palco campineiro da educação

Em meio às peculiaridades da realidade político-social instalada após 1945 -


conforme expusemos no tópico anterior - o Ginásio Estadual de Campinas, que viria se
tornar o Colégio Pedro Gomes, foi criado em 29 de outubro de 1947, através da Lei
Estadual nº 18, assinada pelo governador Coimbra Bueno. O projeto de lei que propunha
a criação de um colégio estadual em Campinas é, segundo o ex-deputado federal Luiz
Bittencourt (2004), originalmente atribuído ao deputado estadual pela UDN, deputado
constituinte e membro da 1ª Legislatura pós-1945 (1947-1951), José Camilo de Oliveira.

A lei sancionada previa, em seu Artigo 1º, que a instalação da nova instituição
deveria ocorrer no ano letivo de 1948, o que não aconteceu. A despeito da data de
concepção do texto original, a lei de criação do Ginásio de Campinas só foi publicada no
Diário Oficial do Estado de Goyaz, no dia 23 de junho de 1949, na edição nº 5929 - Ano
112 (Anexo 1). Todavia, sua efetiva instalação e funcionamento no bairro tardaria ainda
mais para acontecer, sendo celebrada em cerimônia solene ocorrida no dia 15 de abril de
1950 (Anexo 2).

Esta cerimônia foi o primeiro o primeiro registro produzido internamente, no


âmbito institucional da secretaria do colégio e se encontra anotado no Livro “Ata de
Instalação do Ginásio Estadual de Campinas” (1950), que, por sua vez, é o mais antigo
documento produzido no interior da instituição. A narrativa ali exposta, compõe, em um
enredo descritivo, mas rico em adjetivos, uma sequência de atos orquestrados com o

137
objetivo de enaltecer a criação do colégio como algo esperado, desejado e necessário.
Nesse sentido, o redator utiliza o recurso de registrar a gratidão dirigida aos agentes
políticos responsáveis por tal ação, por meio de recortes selecionados entre os discursos
proferidos durante a festividade. Outro artifício, que confere peso ao tom elogioso destes
discursos emitidos em nome da comunidade beneficiada, é a atribuição de características
positivas aos atores citados e à população do bairro de Campinas, em geral, através do
uso de adjetivos de conotação positiva, relacionados a qualidades morais e intelectuais
valorizadas na época. Este registro, portanto, proporciona insumos para a análise do jogo
político no qual a criação do colégio ocorreu, sendo a cerimônia - quando analisada sob
a perspectiva de uma narrativa criada - uma encenação (política), um espetáculo de
enaltecimento de personagens políticos no qual a “mise-en-scène” descrita é tão
importante quanto o colégio nascituro em si. Nesta perspectiva, acreditamos que “não há
sistema político que abra mão do aparato cênico, que se conforma tal qual um teatro; uma
grande representação.” (SCHWARCZ, 2000)

A cerimônia foi iniciada às nove horas da manhã, no pátio do Grupo Escolar


Henrique Silva 47.

Figura 14 - Fachada do Grupo Escolar Henrique Silva, onde funcionou o Ginásio Estadual de Campinas:
o Grupo Escolar Henrique Silva era o antigo Grupo Escolar Pedro Ludovico, o primeiro de Campinas. Na
inscrição do frontispício é possível ler “Ginásio Estadual de Campinas” logo abaixo do nome do grupo

47
O Grupo Escolar Henrique Silva foi inaugurado em 1936 sob o nome de Grupo Escolar Pedro Ludovico.
Inicialmente, era um grupo escolar municipal, concebido ainda em 1935 pelo então prefeito de Campinas
Licardino de Oliveira Ney. Durante o governo de Jerônimo Coimbra Bueno teve seu nome alterado. Este
prédio, que aparece na imagem, era situado na Avenida Minas Gerais, em Campinas. Neste mesmo
endereço, atualmente (2019, ano de publicação deste trabalho) está localizado o Colégio Estadual
Presidente Castelo Branco.

138
escolar. (FONTE: Arquivo do CEPI Professor Pedro Gomes. A imagem é uma reprodução fotocopiada,
sem referência de autoria e data).

Estavam presentes, entre personalidades políticas em geral, membros do futuro


corpo de funcionários, do corpo discente e demais convidados, o governador do Estado,
Jerônimo Coimbra Bueno. A Ata de Instalação também destaca a presença do Secretário
de Estado da Educação, Hélio Seixo de Brito e do diretor da sessão estadual de Ensino
Médio (Divisão de Segundo Grau da Secretaria Estadual de Educação), José Gonzaga
Zuza.

Durante a cerimônia, foram empossados o primeiro diretor do colégio, Louvercy


Olival, e a primeira diretoria do recém-formado Grêmio Literário Estudantil “Professor
Setúbal”. Este grupo era composto pelos estudantes Ivo Sasse, ocupando a função de
presidente do Grêmio, Breno Guimarães, como vice-presidente, Jehovah Morais, como
secretário, Belarmino de Goiás Pinheiro, na função de tesoureiro e Sebastião de Abreu,
empossado como orador. A celebração de uma missa votiva, conduzida pelo
Reverendíssimo Arthur Bonot, deu início à sequência cerimonial descrita. A presença de
uma autoridade eclesiástica executando um rito cristão – neste caso, especificamente
católico - é um elemento importante no contexto cênico daquele tipo de cerimônia, na
qual os poderes políticos instituídos, através de seus agentes, se colocaram diante da
comunidade local em aparente harmonia com os valores morais e religiosos preconizados
por uma população tradicionalmente influenciada pela presença da Igreja.

Já no salão de eventos do grupo escolar, chamado de “salão nobre” no documento,


o diretor Louvercy Olival, que atuou também como professor de Matemática no Liceu
nas décadas de 1940 e 1950, foi o primeiro a proferir discurso naquela noite. Seu discurso
foi classificado no registro como “breves e corretas palavras”, as quais foram proferidas
com “entusiasmo”. Em sua fala, enfatizou a “boa vontade” do governador Jerônimo
Coimbra Bueno, pela ação de fundar, naquela localidade, um ginásio estadual. O diretor
avaliou a instalação da instituição como um “melhoramento”, que o “povo de Campinas”
acabara de conseguir graças ao “patriotismo” (aliado à boa vontade), não só do
governador, mas de seu Secretário, Hélio Seixo de Brito. A escolha de tais palavras por
parte do diretor, logo no início da cerimônia pode revelar mais que a gratidão da
comunidade de Campinas pela criação do ginásio. Tendo em vista que a indicação política
era a forma como os diretores eram conduzidos à função nas instituições escolares,
sobretudo as recém-criadas, o discurso inicial deixa claro a intenção de personalizar a

139
“ação benevolente” de atenção à educação da população do bairro, creditando louros à
figura do governador e seu grupo político.

Ao receber a palavra, cumprindo a função de presidente da sessão, o governador,


intencionalmente chamado de “Engenheiro” 48, deu sequência à cerimônia, convocando
ao púlpito, o professor Geraldo da Paixão, que falou em nome do corpo docente do
ginásio, dando voz aos “portadores dos saberes que seriam transmitidos aos jovens que
ali estudariam”. Naquele contexto, a fala de um professor poderia servir como uma
espécie de vitrine, uma amostra do que estaria à disposição da sociedade. Além disso, o
professor, como representante de seus pares, ratificava “cientificamente” todo o discurso
favorável à criação da escola e de exaltação de seus promotores. Cumprindo, portanto, o
papel do “sábio”, ele garantiria o aporte teórico que justificava toda aquela situação. Não
por acaso, sua fala foi descrita como um estudo filosófico a respeito da situação da
educação, apontada pelo orador como “problemática”. Descrever um problema para em
seguida apontar ações efetivamente contrárias a ele é recurso argumentativo que
pressupõe que se há problema, existe a possibilidade de solução. Nesse sentido, a
relevância da instalação do ginásio foi, então, mais uma vez foi exaltada, ao mencionar
que a instituição resultaria em benefícios à “distinta e laboriosa” população de Campinas.
Segundo o documento, o professor “interpretou o sentimento dos preceptores do ginásio”
em um “brilhante discurso” que “pôs em evidência o esforço e a boa vontade” do
governador do Estado e de seu Secretário da Educação que, nas palavras atribuídas ao
professor “tudo têm feito em benefício da instrução em todo o território goiano, que têm
experimentado, no fecundo governo Coimbra Bueno, inúmeros melhoramentos,
crescendo, qualitativa e quantitativamente de maneira extraordinária”.

É interessante refletir sobre a escolha de palavras que denotam qualidades


positivas atribuídas aos envolvidos naquele acontecimento. A adjetivação presente no
texto revela suas intenções em sugerir a existência de forte vínculo entre a gestão de
Coimbra Bueno, o desenvolvimento da área da educação e cultura e os anseios da
população de Campinas.

48
O registro da Ata, ao enfatizar a formação do governador como engenheiro, incluindo o epíteto junto ao
nome - fato comum na época, como verificado em muitos outros documentos - conferia a Jerônimo Coimbra
Bueno distinção intelectual e remetia à sua estratégia político-eleitoral de se associar, sempre que possível,
às supostas capacidades modernizantes comumente relacionadas à profissão de engenheiro e a sua atuação,
sobretudo enquanto esteve à frente das obras de Goiânia.

140
Como dito, a fala do professor Geraldo da Paixão foi elevada à condição de
“estudo filosófico” a fim de destacar a qualidade do grupo de professores por ele
representado e, consequentemente, valorizar as ideias por ele apresentadas. Para o público
espectador, os professores que compunham aquele corpo não poderiam ser, senão,
portadores de amplo e profundo saber, genericamente classificado como “filosófico”. A
escolha deste adjetivo alude à capacidade crítico-reflexiva que deu origem a todas as
ciências que se enfileiravam, diante dos espectadores, por meio do corpo docente que
estava sendo apresentado à comunidade. A palavra confere profundidade ao discurso do
professor, afastando-o do senso comum. Naquele momento, sua fala se fez especialmente
pertinente pois, segundo o documento, o professor astutamente apontou a educação como
uma esfera “problemática”. Intui-se que, ao apontar a existência de problemas, o efeito
esperado fosse o de destacar ainda mais a importância da criação da escola através da
comparação de realidades distintas daquela que a população local passaria a gozar. Ao se
referir à população de Campinas, como beneficiária direta pela instalação do ginásio, o
uso dos adjetivos “distinta e laboriosa” implicam, primeiramente, em uma valorização
daquele grupo social, de forma a lhe garantir proeminência em relação ao restante da
população da capital. A escolha da palavra “laboriosa”, certamente evoca o trabalho como
virtude, apontando para a valorização da população de Campinas em função de sua
suposta aptidão e disposição para o trabalho. A população descrita por este perfil,
especificamente os jovens sob seus cuidados, usufruiria daquela nova instituição de
ensino.

Outro grupo que teve espaço para se pronunciar, dentro dos “atos cênicos” que
compuseram a cerimônia de implantação do Ginásio de Campinas, foi o dos estudantes
do Ginásio. Para isso, Ivo Sasse, descrito como um “inteligente aluno”, foi empossado
como o primeiro presidente do Grêmio Estudantil juntamente com o corpo diretivo da
agremiação discente. Na ocasião, Sasse teve a oportunidade de proferir “breves” palavras.
A criação e apresentação do Grêmio Estudantil na mesma cerimônia em que se
inaugurava a escola pode ser vista como um significativo sintoma dos novos valores
políticos associados ao contexto de redemocratização pós-1945.

Seguiu-se a isto uma sequência de apresentações de outros estudantes, abrindo


espaço para a apreciação, por parte do público, de pequenas amostras de seus dotes
artísticos e intelectuais: números musicais de solo de gaita e declamação de poesia foram

141
destacados, além de um discurso - que não teve seu conteúdo descrito – proferido pelo
recém-empossado orador do Grêmio Estudantil.

Quebrando a sequência de apresentações dos estudantes, mais uma autoridade


política foi convocada pelo governador para proferir sua fala. O diretor da Divisão do
Ensino do 2º Grau, professor José Gonçalves Zuza, apresentado como “inteligente e
esforçado”, seguiu a mesma linha das alocuções proferidas anteriormente pelos seus
colegas. A fala de Zuza foi descrita como um “substancioso discurso” no qual a situação
da educação foi mais uma vez analisada, desta vez à luz da “filosofia educacional”. O
orador refletiu sobre a influência que os “novos rumos” da ciência vinham imprimindo
sobre a área. Destaca-se, também, a articulação de sua fala em torno de seu esforço em
“historiar” a criação do Ginásio, colocando-o como uma “justa aspiração do laborioso
povo de Campinas”. Mais uma vez ocorreu, dentro da narrativa, a união de elementos de
valorização dos saberes técnicos do orador em favor da conferência de credibilidade ao
discurso de atribuição de sentido especial à criação da escola em decorrência da existência
de demanda por parte da comunidade – demanda apontada como justa, uma vez que fosse
proveniente de uma população que foi novamente classificada como “trabalhadora”. A
Ata destaca que esta fala do professor Zuza, ao final, foi “muito aplaudida” pelos
presentes, o que não havia sido dito a respeito das falas de autoridades anteriores,
subentendendo aprovação acima da média por parte dos espectadores.

Antes da penúltima fala da cerimônia, que seria proferida pelo Secretário da


Educação Hélio Seixo de Brito, abriu-se, novamente, espaço para outra sequência de
apresentações de estudantes. Desta vez, com a provável intenção de dar mostras do amplo
impacto das ações promovidas pelo governo junto à comunidade estudantil não só na
região de Campinas, mas em todo o Estado. A cessão de espaço, durante a cerimônia,
para a participação de estudantes de diferentes instituições, possivelmente visava sinalizar
a união dos interesses do governo e dos estudantes (enquanto grupo social ou “classe”)
que, ao prestigiar a celebração da criação do ginásio, reconhecia os méritos dos
governantes envolvidos na execução deste projeto voltado para a juventude. Uma
estudante do Colégio Santa Clara subiu ao púlpito a fim de representar a comunidade
escolar daquela instituição. Em nome do Grêmio das estudantes, a “inteligente aluna”
declamou uma “bela poesia”. A presença de uma caravana de Catalão no evento foi
registrada através da fala de um estudante que os representou. Neste momento da
narrativa, a presença dos estudantes de Catalão foi utilizada para remeter ao contexto de

142
progresso associado ao momento vivido durante a cerimônia. Ao se fazer presente no
evento, a cidade de Catalão foi reverenciada como um “progressista município do sul-
goiano”.

A União Goiana de Estudantes (UGE) foi representada pela fala de um estudante,


cujo nome não foi registrado, que discursou em nome da associação supra institucional.
Por fim, uma aluna escolhida entre o futuro corpo discente do ginásio falou em nome de
seus colegas. Segundo o documento, a estudante Goianita Batista Segurado agradeceu às
autoridades do governo do Estado e ao diretor do Ginásio pelos seus “esforços e grande
realização levada a efeito em benefício da mocidade estudantil de Campinas”. Por fim,
ela teria, em nome de todo o corpo de alunos da nova instituição, prometido diante das
autoridades e do público, cumprir com “seus deveres de discentes”. Estes foram outros
importantes elementos de conotação política que demonstram o esforço em alinhar todos
as partes envolvidas no processo de criação do Ginásio Estadual de Campinas em um
discurso uníssono de esforço e cooperação.

O último ato do evento foi a subida ao “palanque” das duas maiores autoridades
políticas presentes: o Secretário da Educação e o governador do Estado. O Secretário
Hélio Seixo de Brito falou a respeito do processo de criação e implantação do Ginásio,
enfatizando seu esforço e do governador nesse sentido. Descreveu, também, outras
realizações que creditou ao governo do qual fazia parte, entre elas a Universidade do
Brasil Central, tratando-a como uma “conquista objetiva do governo para o povo”. O
secretário aproveitou o momento para lembrar que a criação do Ginásio fora uma
promessa de campanha, que Jerônimo Coimbra Bueno cumpria naquele momento. Esse
foi o ensejo para a realização de mais duas importantes promessas para a comunidade
campineira, especialmente para a comunidade escolar do Ginásio: a instalação, no
próximo ano (1951), do segundo ciclo no Ginásio de Campinas e a disponibilização de
recursos para a edificação de um prédio próprio para a instituição. Disse ter incluído, para
este fim, um milhão de cruzeiros na proposta orçamentária do corrente ano (1950),
condicionada à aprovação do legislativo. Tanto a primeira, quanto a segunda promessas
demorariam mais que o anunciado para se concretizar. A transferência para o prédio
próprio seria efetivada apenas em 1959. Já a instalação do segundo ciclo só seria
consumada em 1960, uma década após esta promessa. Apesar disso, é importante destacar
que o Ginásio já nascia, portanto, com a promessa de ser transformado em colégio. O
Ginásio Estadual de Campinas nascia, em 1950, predestinado a ser o Colégio Estadual de

143
Campinas. Ao finalizar sua fala, Brito prometeu, ainda em tom auspicioso, “que o
governo tudo faria para dotar Campinas de outros melhoramentos no setor educacional”,
sem especificá-los, contudo.

Com o tom otimista de seu discurso permeado por promessas e alegadas


realizações, o secretário preparou o espírito da plateia para a fala do governador, que se
pronunciaria logo em seguida, encerrando a cerimônia. De acordo com os registros,
Coimbra Bueno falou brevemente. Diplomaticamente, cumprimentou todos os estudantes
goianos, incluindo especial menção aos alunos do Ginásio e à União Goiana de
Estudantes. Fez questão de enfatizar seu suposto comprometimento com a pauta da
escolarização da população do Estado ao solicitar dos presentes que fizessem pressão
sobre os deputados, para que eles aprovassem a lei “que aumenta de 1000 para 2000 o
número de escolas rurais no Estado”. Além disso, argumentou que fora graças a seu
empenho em obter o compromisso do presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, que
a Universidade do Brasil Central seria federalizada e expandida, com a futura criação das
escolas de Veterinária e de Agronomia. A cerimônia se encerrou como havia se iniciado:
com a presença do elemento religioso tradicional. O governador encerrou “pedindo a
Deus para abençoar o Ginásio de Campinas”.

As falas do governador e de seu secretário vão ao encontro da perspectiva de


condução da política levada a cabo pelos grupos políticos do país naquele período. A
UDN, partido do governador e de Hélio Seixo de Brito, buscava, aparentemente, se
associar às demandas populares, desde que estas “respeitassem” a ordem econômica e
social estabelecida. O discurso do progresso estava acompanhado pelo apelo à harmonia
e ao esforço conjunto. População (povo), Igreja e Estado deveriam estar alinhados em
prol dos “melhoramentos” que traduziam a modernização em ações concretas, como as
que o governador e o secretário citaram em seus discursos. Outro ponto que deve ser
salientado é a tendência personalista da política populista em transformar em
benevolência pessoal cada ato político próprio da gestão governamental.

Fica claro, ao longo de todo o registro, feito no “calor do momento”, a intenção


de construir aparente consenso acerca do fato de que a instalação do colégio traria
progresso para a população da região, inserindo-a em um ciclo de aprimoramento cultural
jamais visto pelas pessoas de Campinas. Este “círculo virtuoso” que se iniciava seria
vivenciado pelos os jovens que ali ingressassem, pois a partir do acesso ao Ginásio,
poderiam ter acesso aos níveis de ensino superior estavam sendo anunciados. Ao

144
prometer a instalação do segundo ciclo (equivalente ao atual Ensino Médio, nível
consideravelmente valorizado pelas parcelas médias da população naquela época) e ao
mencionar a Universidade, de forma recorrente ao longo da cerimônia, naquele contexto,
os artífices do governo reforçavam seu papel na formação de uma geração futura mais
escolarizada. Este discurso era significativo aos olhos de muitos habitantes do tradicional
bairro, uma vez que ter este cenário como perspectiva para sua mocidade era,
definitivamente, algo inédito em Campinas.

3.3 – Projetos educacionais e escolas como elementos de poder e instrumentos


eleitoreiros: a quem interessava o secundário público em Campinas?

No dia 18 de setembro de 1946 foi promulgada a Constituição Federal dos Estados


Unidos do Brasil, que previa, no âmbito da educação, a elaboração de uma Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a qual deveria substituir a legislação
estabelecida pelo Ministro da Educação e Saúde entre os anos de 1934 e 1945, Gustavo
Capanema. Assim como aconteceu no início da década de 1930, quando a mudança no
cenário político do país permitiu que intelectuais se posicionassem em favor de um novo
projeto de educação para o país, através do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova
- A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo” (1932), no período após
1945 o sistema educacional brasileiro passou a receber, novamente, muita atenção de
intelectuais e políticos.

Portanto, muitos grupos se digladiavam acerca da concepção e adoção de visões


distintas sobre a escola e o ensino, que ensejavam seus projetos de país. As chamadas
“políticas educacionais” se tornaram assunto acalorado, em face das novas dinâmicas
sociais, econômicas e políticas que se apresentaram no período, refletindo o intenso
debate estendido a outras áreas contempladas no embate político-partidário e ideológico
característico daqueles anos.

Em face de um cenário no qual a polarização política convivia com precariedades


materiais nos primeiros anos de Goiânia, levantaremos algumas questões motivadoras
para as reflexões que serão desenvolvidas neste segmento do capítulo: “por que surge,
então, a ideia de instalar um Ginásio Oficial do Estado, projetado para ser um futuro
colégio, na localidade do bairro de Campinas, na década de 1940, sendo que o ensino
público na região da antiga cidade não tinha sido uma prioridade até então?”

145
Nossa hipótese é de que seria justamente este histórico de ausência, associado a
uma nova realidade marcada pelo crescimento populacional e pela alteração do perfil
econômico da região que tornava a demanda pelo colégio legítima.

Outra questão associada a esta reflexão que nos instiga, ao pensar naquela
realidade é: “a educação pública secundária, que sempre fora insipiente na região de
Campinas (e naquela altura ainda era em praticamente em todo o Estado), não poderia
esperar um pouco mais em favor da atenção a outras demandas necessárias à consolidação
da infraestrutura de Goiânia?” Para a oposição a Pedro Ludovico, a resposta era “não”.
Se o clamor popular existia, havia também a clara oportunidade de convertê-lo em votos.
A corrida eleitoral de 1947 tornou a demanda pelo colégio não apenas legítima, mas
urgente. A população de Campinas, composta de uma classe média associada às
atividades comerciais e à prestação de serviços queria ser valorizada. Um dos caminhos
apontados pelas dinâmicas políticas daquele momento seria a promessa de oportunizar
aos da comunidade as mesmas condições, ou pelo menos similares, de ascender a níveis
de escolarização mais elevados, como os alunos do Liceu.

É importante lembrar que, em 1947, o assunto da educação secundária ainda era


uma “ferida aberta” do ludoviquismo, pelo menos entre oposicionistas e a população da
antiga capital. A opção pela transferência do Liceu de Goiás para Goiânia e a posterior
criação de uma sucursal do colégio na antiga capital, à revelia da vontade de sua
população era assunto delicado mesmo entre correligionários de Pedro Ludovico, que
havia deixado muitos ressentimentos vivos na antiga capital. Apesar de estar dento de
Goiânia, Campinas, a velha cidade que tinha se tornado bairro, tinha elementos culturais
mais próximos da Cidade de Goiás do que de Goiânia em suas primeiras décadas. O
“bairrismo” era um deles. Os “melhoramentos” realizados em Goiânia eram colocados
em perspectiva comparativa pela população campineira, que aguardava sempre
tratamento equivalente.

Como defendemos nos capítulos anteriores, por muito tempo, promover a


alfabetização e, mais ainda, o prosseguimento dos estudos a níveis mais avançados,
mesmo que no escopo da educação básica, em Goiás parecia ser uma barreira
intransponível. Isto ocorria, pois Goiás era um dos Estados mais pobres da federação e,
na virada para o século XX, a realidade educacional da população era sofrível não só aqui,
mas em todo o Brasil, mesmo em estados mais pujantes economicamente. Esta situação
de parco acesso ao prosseguimento da vida escolar ainda se arrastaria por mais meio

146
século, implicando na persistência de uma mentalidade de elitização e em uma visão
instrumentalizada do ensino secundário. Se para as famílias trabalhadoras o trabalho era
mais importante, para as classes médias e para as elites era um meio de se diferenciar das
camadas pobres. Até a década de 1950, o nível secundário era, em Goiás, encarado como
etapa de preparação das elites para a formação superior, obtida quase sempre no Rio de
Janeiro, ou em outros centros, enquanto que para as camadas médias da sociedade, era
visto como elemento condicionante para a ocupação das funções operacionais na
iniciativa privada e dos cargos da baixa burocracia estatal.

Para pensar a respeito do valor social que a obtenção da escolarização em nível


secundário tinha na época da fundação do Ginásio Estadual de Campinas, é interessante
analisar a perspectiva global na qual a realidade goiana se encontrava. Nesse sentido, os
dados e considerações apresentados, em 1957, por Anísio Teixeira na obra “Educação
não é privilégio” nos ajuda a refletir sobre a situação na qual a população goiana estava
inserida na primeira metade do século XX.

Um dos dados apresentados, que nos permite observar uma trajetória do acesso
aos níveis mais básicos de escolarização, informa que, no Brasil “tínhamos, em 1900,
9.750.000 habitantes de mais de 15 anos, dos quais 3.380.000 eram alfabetizados e
6.370.000 analfabetos. Em 1950, 14.900.000 eram alfabetizados e 15.350.000,
analfabetos” (TEIXEIRA, 1957: p. 28-29). Conclui-se que, no transcorrer de cinco
décadas houve a permanência de um sistema seletivo, que excluía grande parte da
população já que, embora tenha diminuído o percentual de analfabetos em face à
totalidade da população, aumentou além do dobro o número absoluto de iletrados. Em
1950, o ano que marcou o início do efetivo funcionamento do Ginásio Estadual de
Campinas - uma localidade que já desfrutava de acesso à educação básica – estabeleceu-
se um novo patamar para a formação escolar na região.

Considerando dados do IBGE, no início do século XX, de acordo com o Censo de


1900, 78,24% da população de Goiás era analfabeta. Em 1920, no entanto, registrou-se
uma queda para 35,56% de analfabetos entre a população geral. Entretanto, se for
considerada somente a parcela populacional composta por adultos e jovens a partir de 15
anos de idade, o percentual de analfabetos ainda continuava alto, atingindo 77%. Percebe-
se, portanto, um princípio de mudança no perfil educacional no Estado, que atingiria
sobretudo a população mais jovem, mas ainda excluía as possiblidades de acesso e, por
conseguinte, avanço nos estudos para a maioria da população.

147
Este significativo princípio de mudança indicado pela redução dos índices de
analfabetismo no Estado de Goiás se deveu, em parte às ainda tímidas reformas
promovidas no orçamento destinado à educação pública estadual, incrementado
discretamente, ano após ano, após o governo de João Alves de Castro. Na terceira década
do século XX ocorreu o surgimento de novas escolas e “grupos escolares” espalhados
pelo território goiano, em grande medida, graças à ação educacional empreendida pela
Igreja Católica que, com certo ímpeto preenchia demandas e vazios não ocupados pelas
instituições oficiais. Desta forma, constituiu especial papel neste contexto, a ação de
congregações de missionários católicos de origem europeia que foram responsáveis pela
fundação de escolas e o bispado de D. Emanuel Gomes de Oliveira, como afirmamos no
capítulo inicial. Portanto, todo este contexto teve forte implicação na vida cultural e na
instrução formal proporcionada à população de Campinas na primeira metade do século
XX.

Embora, no plano das estatísticas, os números mostrassem certos avanços ao


longo da primeira metade do século XX, mesmo que tímidos, na década de 1940, a
educação secundária continuava se mostrando excessivamente intelectualista e
acadêmica, distante da realidade da maioria das famílias, por possuir um caráter
propedêutico ao nível superior, constituindo, portanto, uma etapa destinada às elites e
excludente para as camadas populares.

No âmbito das políticas públicas, várias foram as tentativas de governos


estabelecerem novos parâmetros para o funcionamento e popularização do ensino
secundário. Através de mudanças nas leis, reformas foram implementadas, tanto no
âmbito federal, quanto estadual, alterando a estrutura do ensino escolar no Brasil, por
sucessivas oportunidades, ao longo do tempo. Na década de 1950, mesmo as iniciativas
de criação de cursos técnicos profissionalizantes, associados às etapas intermediárias da
vida escolar, o nível secundário foi, por muito tempo, detentor de um caráter que também
pode ser considerado economicamente discriminatório, já que proliferavam as
instituições privadas que detinham autorização para oferecer este nível, incluindo aí, mais
uma vez, instituições religiosas. Enquanto isso, as instituições públicas funcionavam com
um secundário que não dava chances aos egressos de instituições primárias de qualidade
inferior, tão comuns nos interiores, primeiro pelos exames de seleção49 de alunos que

49
Em nível nacional, os exames de admissão foram introduzidos para o ingresso no Colégio Pedro II através
do Decreto nº 4.468 de 1º de fevereiro de 1870 e regulamentados pelo Decreto nº 981 de 8 de novembro de

148
eram praticados, segundo, pela grade curricular complexa e, para os padrões culturais da
maioria da população, demasiada erudita, sobretudo após a Reforma Capanema, de 1942,
que dividia o ensino secundário nas modalidades, clássica e científica.

Na visão de Anísio Teixeira (1957), o ensino secundário foi, até meados do século
XX, mais procurado e desejado que o ensino primário50, pois inspirava uma certa
admiração proveniente do status social a ele associado, já que qualificava seus egressos
para um tipo de específico de prestígio intelectual, ou nas palavras do autor “classificava”
o aluno, e o lançava entre os “privilegiados e semi-privilegiados da nação”. Deste modo,
Teixeira, mais uma vez, nos auxilia em nosso esforço de reflexão acerca do sentido
simbólico e do peso político da inauguração de um colégio público na década de 1950, a
primeira década de funcionamento do Ginásio Estadual de Campinas.

Destarte, o ensino médio, assim como o superior, no contexto dos anos 1940 e
1950, seletivo, mas começava a se popularizar com a abertura de novas unidades nos
principais centros urbanos. A população de Goiânia, incluída a de Campinas, necessitava
de perspectivas que divergiam dos anseios mais modestos ainda reservados às populações
espalhadas pelo interior do Estado. A população campineira buscava se integrar às

1890. Posteriormente, durante o Governo Provisório de Getúlio Vagas, por meio do Decreto nº 19.890 de
18 de abril de 1931, como parte da reestruturação, em nível nacional, do sistema educacional, conhecida
como “Reforma Francisco Campos” estes exames tornaram-se obrigatórios nas escolas públicas de todo o
Brasil. Esta determinação vigorou até o ano de 1971, quando houve uma nova “reforma”. Como
constatamos, muitos estudiosos da educação brasileira concordam que os exames de seleção foram peça
fundamental em um período histórico caracterizado pela restrição no acesso ao ginásio. A “Reforma
Francisco Campos” estava inserida em um contexto de profundas mudanças pelas quais o país passaria a
partir de 1930, principalmente em função do incentivo ao desenvolvimento industrial e urbano por parte
das políticas do governo de Getúlio Vargas. Uma das implicações de tais políticas foi a intensificação da
demanda por mão de obra minimamente qualificada, o que intensificou a procura por serviços educacionais.
Os exames de admissão ao ginásio funcionaram, portanto, como uma barreira de acesso ao ensino
secundário, visto naquele momento como preparatório para a formação superior.

50
Anísio Teixeira apresentou os seguintes dados a respeito da composição e do acesso à rede de instituições
escolares de nível médio no Brasil, na década de 1950, que incluía o ginásio (primeiro ciclo), e o secundário
(segundo ciclo), associado a diferentes modalidades (secundário regular, Normal, comercial, industrial e
agrícola): em 1957 existiam “2.363 escolas de nível médio no Brasil, sendo que 1.887 mantêm o curso
secundário, 628, o comercial, 873, o normal, 86, os cursos industriais e 17, o curso agrícola.
A matrícula geral é de 780.639, sendo 579.781 no secundário, 114.000 no comercial, 67.000 no normal,
19.000 no industrial e 1.200 no agrícola. Na primeira série encontram-se 180.000 no secundário, 24.000 no
comercial, 24.000 no normal e 6.200 no industrial, ao todo 234.000, número equivalente aos dos que
terminam o curso primário.” (TEIXEIRA, 1957: p. 33)
De acordo com a visão do autor, isto revelava o grau de exacerbação a que chegava a busca por prestígio
social em detrimento de processos educacionais voltados para a prática profissional, já que os cursos
profissionalizantes industriais figuravam com menos de 3% da matrícula geral, o agrícola com 1,1% e o
comercial com pouco mais de 14%. Conclui-se, portanto, que apesar da expansão da rede, ocorrida até
aquele momento, o que a maioria das famílias ainda procurava era o curso secundário acadêmico,
preparatório para o ensino superior.

149
dinâmicas de trabalho e consumo da nova capital, almejando condições para obtenção
dos postos de trabalho mais ligados à intelectualidade que surgiam naquele momento,
dentro do contexto eminentemente urbano e supostamente moderno da capital.

Atentos a este movimento que permeava toda a sociedade, os partidos políticos,


cada vez mais, naturalizavam a inclusão do discurso de progresso social por meio da
educação em suas plataformas e campanhas eleitorais. Grupos da sociedade civil,
identificados como “apartidários”, também se mobilizavam e apresentavam projetos e
campanhas nesse sentido, como a Campanha Nacional dos Ginásios Gratuitos,
encabeçada por Felipe Tiago Gomes51. Em 1948, o então Ministro da Educação, Clemente
Mariani, apresentou um projeto de lei ao Congresso, que atendia à demanda
constitucional por uma Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O debate em
torno da pauta ficaria “travado” por mais de uma década, graças ao ambiente polarizado
e, em especial, pelo ardil oposicionista de Gustavo Capanema, segundo a socióloga
Helena Bomeny, autora de “Os intelectuais da educação” (2000). Capanema estava
presente no legislativo federal naquele momento, como deputado.

Pensando neste contexto amplo, no qual a criação do ensino secundário em


Campinas se insere, acreditamos que os estudos em história da educação não devem se
restringir à simples coleção e ao relato de números, estatísticas, aspectos legislativos, nem
abordar de forma isolada elementos constituintes da estrutura institucional e do
funcionamento escolar. Todos estes elementos fazem parte de um panorama maior que,
se analisado sob crítica histórico-sociológica, pode revelar as tensões que permeiam
movimentos de transformação da sociedade. Da mesma forma, o conceito de política
educacional não deve se limitar ao entendimento das diretrizes e normas emanadas do

51
Felipe Tiago Gomes foi um advogado paraibano que se destacou como ativista pela expansão do acesso
ao ensino secundário na década de 1950. Foi o principal idealizador da Campanha Nacional de
Educandários Gratuitos – CNEG (1948), difundida durante a primeira metade dos anos de 1950. Este
movimento foi gestado em meio ao movimento estudantil do Recife, do qual Felipe Tiago Gomes
participava. Em 1943, surgia o movimento embrionário que seria a essência da CNEG, denominado de
Campanha do Ginasiano Pobre (CGP). Ao longo da década de 1950, Gomes se empenhou pela difusão da
campanha em vários Estados da Federação, o que tornou a Campanha conhecida em todo o território
brasileiro e a fez gerar frutos concretos, com a efetiva fundação de escolas (em Goiás foram sete
“estabelecimentos cenegistas” fundados até 1953, com subvenção do Estado). Quando esteve em Goiânia
pela primeira vez, ele relata ter enfrentado “o boato de que a CNEG se tratava de um movimento
comunista”, algo comum no cenário de polarização do período. No entanto, Venerando de Freitas Borges,
o professor convidado para presidir a Seção Estadual da CNEG, apoiou o movimento. Segundo Gomes, o
ex-prefeito teria dito: “Se cuidar da educação do povo é comunismo, eu também sou comunista!” Assim,
Venerando tomou posse e presidiu a CNEG em Goiás à época de sua instalação. O primeiro estabelecimento
criado sob o escopo da campanha em Goiás foi o Ginásio Professor Ferreira. (GOMES, 1965, p. 98). (Ver
Anexos 6 e 7)

150
aparelho de Estado como uma questão meramente técnica, burocrática e formal. Seu
escopo enquanto ordenamento de coisas, pessoas, recursos, processos e direcionamento
de ações é o que costuma se chamar de “ponta do iceberg”. Interessa, portanto, a esta
pesquisa, tratar todos estes aspectos de forma interconectada, buscando entendê-los nos
contextos políticos e econômicos dos quais se originam, a fim de compreender seus
objetivos e consequências sociais no momento delimitado. A motivação para este
entendimento provém das ideias expressas pelo pesquisador em educação, professor e
pedagogo Nicanor Palhares Sá:

A história da educação traduz o modo pelo qual a sociedade produz e reproduz


sua vida espiritual, como expressão do resultado da luta entre as diversas forças
sociais, relacionando-se ao movimento de produção e reprodução material.
A educação e o poder entrelaçam-se no concreto figurado, no dado, e na
totalidade do real, tendo na política, sua forma mais acabada de expressão. A
função histórica da educação tem sido a de expressar, transmitir e reproduzir a
vida espiritual dos vários agrupamentos sociais, assumindo a forma e o
conteúdo peculiares ao seu grau de desenvolvimento. (SÁ, 1982: p. 11)

O autor, portanto, entende política educacional como um campo de confronto


entre forças sociais, cujo resultado será a emergência de concepções de mundo
diferenciadas (SÁ, 1982: p. 12). No período populista da república brasileira, através de
sucessivas reformas estruturais e (re)estruturantes do sistema de ensino - relacionadas ao
intenso debate e diferentes visões acerca da educação e do papel do Estado sobre ela –
constituiu-se a mais ampla, audaciosa e bem acabada tentativa da fração burguesa urbano-
industrial de elaborar um sistema hegemônico, atento aos seus interesses, mas baseado na
mobilização popular, tendo efeitos, inclusive, no modelo que se implantou no pós-
populismo (período militar).

Existe uma intrínseca relação entre educação formal e política, enquadrada


primordialmente no âmbito ideológico e, por consequência, nos desdobramentos técnicos,
procedimentais e estruturais. Ou seja, do campo das ideias, aos reflexos práticos, temos a
educação como um elemento da superestrutura social que produz e reproduz seus
condicionantes históricos. O conceito que engloba esse conjunto de relações é o que Sá
(1982: p. 15) denomina de política educacional.

Quando se trata da abertura e manutenção de sistemas de ensino por parte do


Estado, o elemento ideológico precisa ser considerado. No pós-guerra este elemento
ganhou contornos específicos que precisam ser estudados. Comecemos, então, a partir de
uma discussão acerca do conceito de ideologia. Uma definição clássica, porém, limitada
para os dias atuais, é a definição presente no dicionário alemão Philosophisches

151
Worterbuch, compartilhada por Sá (1982): Ideologia é um “Sistema de ideias sociais
(políticas, filosóficas, religiosas, artísticas e etc.) que são determinadas pela respectiva
base material da sociedade que e refletem esta base”. Certamente, trata-se de um conceito
de viés marxista-leninista, que reduz e não explicita as diferenças entre a base material
(infraestrutura) e a superestrutura social, que, geralmente, coexistem em conflito.

Outra visão a respeito, um pouco mais completa, aparece na teoria de Antônio


Gramsci, para quem a ideologia é “uma concepção de mundo que se manifesta
implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações da
vida intelectual e coletiva”. Desta forma, a ideologia dominante, que em um primeiro
momento está limitada ao nível econômico, exerce, através da ação dos seus agentes
intelectuais, influência em todos os meios da vida social. Como concepção de mundo, a
ideologia só se torna essencial a partir do momento em que ela é orgânica, ou seja,
genuinamente fundamentada na visão da classe da qual se origina. Os intelectuais atuam
nesse sentido, ampliando o alcance e a naturalização da visão de mundo preconizada.

Fortalece tal argumento, dentro da visão gramsciana, a classificação que autores


como Sá fazem das concepções de mundo sobre as quais a ideologia pode atuar nos
indivíduos e grupos, de acordo, com seu nível crítico, coerência, sistematicidade e
possibilidades de suporte para a ação. Na tese do educador, as categorias são: filosofia,
senso comum, religião e folclore. É interessante notar, que, entre elas, somente a filosofia
constitui uma ordem intelectual, pois as outras não possuem unidade nem coerência,
devido à sua natureza espontânea no interior das classes. Assim, a filosofia, como
concepção de mundo própria do exercício intelectual de um grupo, tende a rejeitar as
visões que lhe são opostas. Nesse sentido, a ideologia aparece como como critério
diferenciador de classes, e os intelectuais, como seus agentes organizadores. Sobre isso,
Sá conclui:

Em uma formação social qualquer, várias ideologias estão presentes aos vários
segmentos da população. Aos intelectuais compete delas em função da classe
fundamental. Mas só autoritariamente se atinge a coerência completa. (1982,
p.18)

O autor nos explica que, entende-se por intelectuais, aqueles que desenvolvem,
organizam e divulgam uma concepção de mundo. Sendo assim, os papéis assumidos pelo
intelectual podem ser de criador, organizador e/ ou educador, incluindo profissionais da
iniciativa privada (burocratas da mídia de massa) e agentes públicos (do Estado), como
cientistas, professores universitários, juristas, e professores do nível básico. Neste ponto,

152
chegamos a uma conclusão caríssima ao nosso trabalho: a educação é, portanto, veículo
de propagação da ideologia. Assim, nas palavras do próprio Gramsci:

O enorme desenvolvimento alcançado pela atividade e pela organização


escolar (em sentido amplo), nas sociedades que surgiram do mundo medieval,
mostra a importância que tem alcançado no mundo moderno, as categorias e
as funções intelectuais: na medida em que se tem tratado de aprofundar e
ampliar a “intelectualidade” de cada indivíduo, também se tendeu a
multiplicar as especializações e aperfeiçoa-las . Isto foi possível, graças às
instituições escolares, dos diversos níveis, até os organismos responsáveis por
promover a chamada “alta cultura”, em cada campo da ciência e da técnica.
(GRAMSCI, 1972, p. 14)

Se a educação é veículo, a escola, é seu locus de produção, reprodução e


organização, por excelência. A ideologia não teria, por si só, o poder de produzir ou
reproduzir, de forma efetiva, uma visão de mundo atuante sobre as relações sociais, se
não fosse por suas ligações concretas com a realidade. A estas ligações atribui-se seu
necessário aspecto orgânico, através da ação dos “aparelhos ideológicos”, como apontado
por Louis Althusser (1985 p. 58, 59). Utilizando-se da realidade da França como exemplo,
o autor nos explica sua visão sobre o alcance ideológico do Estado a partir das instituições
escolares, na vida das pessoas. Para ele

Se encarrega das crianças de todas as classes sociais desde o Maternal, e desde


o Maternal ela lhes inculca, durante anos, precisamente durante aqueles em
que a criança é mais “vulnerável”, espremida entre o aparelho de Estado
familiar e o aparelho de Estado escolar, os saberes contidos na ideologia
dominante (o francês, o cálculo, a história natural, as ciências, a literatura) ou
simplesmente a ideologia dominante em estado puro (moral, educação cívica,
filosofia). Por volta do 16º ano, uma enorme massa de crianças entra na
“produção”, são operários ou pequenos camponeses. Uma outra parte da
juventude escolarizável prossegue: e, seja como for, caminha para os cargos
dos pequenos e médios quadros, empregados, funcionários pequenos e médios,
pequenos burgueses de todo o tipo. Uma última parcela chega ao final do
percurso, seja para cair num semi desemprego intelectual, seja para fornecer
além dos “intelectuais do trabalhador coletivo”, os agentes da exploração
(capitalistas, gerentes) os agentes de repressão (militares, policiais, políticos,
administradores) e os profissionais da ideologia. (ALTHUSSER, 1985, p. 79).

Sob este ponto de vista, a escola pode ser considerada o meio de difusão ideológica
mais eficiente, pois, de todos os aparelhos, é o que, certamente, dispõe de mais tempo,
sistematicamente organizado, ao longo da vida do indivíduo, para atuar sobre sua
formação. O célebre Henri Lefebvre também discorre sobre o assunto, assumindo um
olhar semelhante, porém de aplicação mais geral:

A escola prepara proletários e a universidade, dirigentes, tecnocratas e gestores


da produção capitalista. Sucedem-se as gerações assim formadas, substituindo-
se umas pelas outras, na sociedade dividida em classes e hierarquizada. Uma
instituição revela-se polifuncional, não sem disfunções e fracassos). A escola

153
e a universidade propagam o conhecimento e formam as gerações jovens
segundo “padrões” (patterns), que convêm tanto ao patronato, quanto à
paternidade e ao patrimônio. Há disfunção quando o saber crítico inerente a
todo o conhecimento dá origem a revoltados. Às funções maciças da escola e
do liceu, sobrepõe-se a função “elítica” da universidade, que filtra os
candidatos, desencoraja ou afasta “os que se desviam”, permite o
establishment. Assim, os três graus de ensino (primário, secundário e superior)
não entram apenas como efeitos ou produtos da divisão social do trabalho,
doutrina já exposta, por vezes em nome da crítica liberal e moderada. Eles
fazem parte dela como causas e razões, como funções e estruturas e
subordinam-se aos diversos mercados capitalistas. (LEFEBVRE, 1973, p. 59)

A partir de toda a reflexão que nos foi proporcionada a partir destas leituras,
entendemos que o sistema educacional-escolar carrega em si, uma contradição quanto à
sua finalidade: é necessário elevar o nível de conhecimento da população a fim de
prepará-la para atender à permanente demanda por mão de obra qualificada que se
incrementa a cada avanço do sistema produtivo. Ao mesmo tempo, é necessário impedir
ou dificultar mudanças profundas de consciência que possam perturbar o status quo. As
escolas públicas secundárias, como o Ginásio Estadual de Campinas/ Colégio Professor
Pedro Gomes, estavam, nos anos 1940, 1950 e 1960, no centro desta questão.

Esta concepção acerca do papel do Estado no sistema escolar nos ajuda a


compreender o que estava em jogo, durante o período que estudamos neste trabalho. Isto
nos leva a compreender as causas do acalorado debate em torno do tema desde os anos
1930, quando o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi publicado. Tal debate,
teve momentos de arrefecimento, dadas as circunstâncias políticas e sociais que se
alteravam profunda e sucessivamente nos anos 1940, 1950 e 1960. Mas, na medida em
que a política populista alimentava a polarização entre grupos que defendiam ideais,
muitas vezes, opostos, o acirramento das disputas em torno de diferentes projetos
educacionais voltava à tona, tanto no cenário político, quanto intelectual brasileiro.

Para além do espectro marxista, nos deparamos com outras possibilidades de


interpretações acerca o fenômeno da educação e do papel social das instituições
educativas no plano político-ideológico. Interessando pelos processos sociais de
construção do conhecimento, Karl Mannhein, por exemplo, acreditava na existência de
uma visão total de mundo (weltanschauung), uma espécie de verdade total, ou em suas
próprias palavras, “uma função da situação social geral prevalente” que seria a síntese das
“verdades particulares” (MANNHEIM, 1968, pp. 90-96) às quais o geral se sobrepõe.
Entende-se, portanto, que, cada grupo ou classe carrega uma ideologia própria, mas os
intelectuais, munidos de isenção, seriam capazes de produzir a síntese totalizante destas

154
múltiplas visões. Nesse sentido, concluímos, a partir de seu pensamento, que as
instituições de ensino, especialmente, de nível superior e especificamente as
universidades, podem abrigar um corpo de intelectuais-cientistas capazes de promover a
integração entre diferentes visões de mundo, as quais poderiam ser acomodadas de modo
a se complementarem, gerando um produto mais verdadeiro, um conhecimento que,
hipoteticamente, ultrapassa as barreiras de classe. Esta tese se ancora na crença de que as
instituições e seus intelectuais hábeis para tal tarefa seriam munidos de neutralidade no
que diz respeito à produção do conhecimento.

Weber, por outro lado, não crê nesta neutralidade, e chega a admitir a interferência
do pesquisador, munido de seus valores, na escolha do objeto e na formulação do
problema de pesquisa nas ciências sociais. Entretanto, curiosamente, acredita que, se as
regras do método científico forem respeitadas, a investigação, o trabalho empírico e suas
resultantes são desprovidos de valoração pessoal, tendo valor universal. O autor clássico,
portanto, desconsidera qualquer determinismo ideológico sobre o conhecimento
científico final, aquele que chega às pessoas.

Jacques Rancière (1971: p.25), por sua vez, afirma que a ideologia dominante é
um poder organizado em um conjunto de instituições que concentram a legitimidade em
torno de saberes, informações etc. A ciência é uma só, mas os saberes são de classe. O
controle sobre sistemas de saberes constitui o instrumento de dominação de classe (a
partir da ciência), pois é onde ocorre a articulação do processo de apropriação do
conhecimento - a saber: aquisição, transmissão, controle e utilização – e a ideologia do
grupo. Assim, o conceito de ideologia, para Rancière, emanada, a priori, partir destes
sistemas de controle, não corresponde somente a um conjunto de discursos ou um sistema
de representações abstratas, mas também a ações dirigidas e legitimadas por este controle.
A este respeito, concordamos com Palhares Sá (1982), quando este arremata a questão
afirmando que a

Educação, tomada como um processo de formação da personalidade, de


conhecimento, enfim de conscientização, seja em sua atividade de trabalho,
seja na relação com outros homens, na escola, ou simplesmente imposta pelo
meio ambiente – constitui um processo de ideologização, pois o produto de
qualquer e de todos esses elementos estará sempre dentro dos marcos da
estrutura social em que vive. Educação, assim, é condição necessária à
existência das ideologias, estas quando necessárias igualmente ao conjunto da
sociedade civil. (p. 23)

155
Interessa-nos, com essa exposição, mostrar que, para vários estudiosos do tema
em assuntos correlatos à educação, política e poder, a ideologia dominante é transmitida
através das ciências, e o ensino da ciência é a forma pela qual o grupo ou classe dominante
se apropria do saber científico. Este ponto é basilar para a sustentação de uma das ideias
que defendemos neste trabalho, de que o controle do sistema educacional-escolar,
expresso nas políticas educacionais dos agentes políticos (intelectuais, partidos,
governantes e gestores) possuía, no período populista, um marcante caráter ideológico.
Isso ocorria desde os anos 1930, quando Vargas percebeu a eficiência do uso
instrumentalizado da educação a favor de seu regime. Podemos afirmar que esta fórmula
ainda se expressava fortemente em Goiás à época da fundação do Ginásio Estadual de
Campinas.

A mudança da capital deu início ao um novo momento socioeconômico na região,


mas somente o avanço da integração do Estado nas dinâmicas capitalistas nacionais, de
forma mais consistente, ocorrido nos anos seguintes, foi responsável pela aceleração do
crescimento da população urbana de Goiás, com concentração significativa na região de
Goiânia, sobretudo dos anos 1950 em diante. A construção de Brasília, a expansão da
malha rodoviária do Estado além da intensificação do tráfego de pessoas, mercadorias e
notícias, trouxe consigo uma nova dimensão ao discurso de modernidade, que era já tão
utilizado na política goiana.

Com a saída de Ludovico do poder, em 1945, sua maior arma até então, o discurso
de agente da modernização, acabou sendo usado pelos oposicionistas, em favor próprio e
contra o escolhido do grupo ludoviquista para disputar as eleições de 1947, José Ludovico
de Almeida. Desta vez, foi sua política que fora apontada pelos adversários como
envelhecida e carente de renovação. Com Goiânia já consolidada, os adversários tiverem
que apontar as falhas existentes no projeto modernizador desenvolvido ao longo dos
últimos anos, se voltando, oportunamente, para as regiões geográficas e áreas
administrativas que não teriam ainda vislumbrado, em seu cotidiano, os avanços
proporcionados pelo progresso. Dentro da própria capital, certamente não foi difícil
encontrar aceitação, entre o eleitorado, para tal discurso, tendo em vista que o crescimento
populacional se acelerava em ritmo mais veloz que as estruturas originalmente pensadas
por Pedro, levando a um descompasso da administração pública com as novas demandas
sociais. A educação pública foi uma das áreas exploradas nesse sentido. Assim, Campinas
era um “prato cheio” para o discurso oposicionista, uma vez que, entre as demandas das

156
novas camadas médias e populares da capital estava o provimento de formação escolar
em níveis que possibilitassem o acesso dos jovens às funções que, em tese, lhes
garantiriam um posicionamento social confortável.

Este cenário configura a eclosão, em nível local, das novas disputas políticas que
ocorriam no âmbito federal, tendo a União Democrática Nacional (UDN), como um dos
polos ideológicos mais fortes em relação ao rompimento com o momento anterior. Este
panorama, deflagrado no Estado após o afastamento do presidente Getúlio Vargas, e
consumado nos momentos que antecedem às eleições ocorridas em 19 de janeiro de 1947,
levou à emergência de um novo discurso desenvolvimentista regional na qual a criação
do Ginásio Estadual de Campinas estava inserida. Nesse ponto, os ataques que ensejavam
as disputas políticas direcionavam-se para as promessas de atendimento de demandas até
então ignoradas pelos agentes públicos, e a criação de uma escola com perfil avançado,
caracterizado, na época, pelo ginasial e secundário, para a região de Campinas, era uma
delas. Era uma oportunidade para o fortalecimento o novo viés do discurso populista em
nível local. Ao mesmo tempo, sendo o colégio, uma instituição de ensino secundário, algo
raro (e necessário) naquele momento, a reinvindicação de sua criação e de manutenção
era um instrumento de valor político.

Assim, argumentamos que a fundação e o funcionamento de uma escola,


sobretudo do nível e porte do Colégio Pedro Gomes, que chegou a ser conhecido como o
“Liceu de Campinas”, na Goiânia dos anos 1950 e 60, desde a concepção inicial da ideia,
passando pelos trâmites legais e financeiros que levaram ao seu funcionamento - e a
maneira como este fora conduzido - está profundamente relacionada com o momento
político pelo qual passava o Estado de Goiás.

No livro “Cidadão e homem público – Obrigado, doutor Hélio Seixo de Britto52”,


o próprio Dr. Hélio, como era conhecido, relembra o ambiente em que fora fundado o
Ginásio Estadual de Campinas. Na época da criação do colégio, o médico e político
ocupava o cargo de secretário estadual da educação e cultura, sendo que, durante o
mandato udenista de Jerônimo Coimbra Bueno (1947-1950), também passou brevemente
pela pasta da saúde. Em suas palavras

52
Seu sobrenome “Brito” é encontrado com as duas grafias (“Brito” e “Britto”), nas diversas fontes que
pesquisamos. Não conseguimos encontrar, de fonte segura, o motivo pelo qual isto ocorre. Neste trabalho,
optamos por usar a grafia “Brito”, pelo fato de ser a encontrada nos documentos oficiais mais antigos aos
quais tivemos acesso. Somente utilizamos a grafia com duas letras “t” quando necessário, como por
exemplo em transcrições de originais, nos quais o nome consta desta forma.

157
A instalação do Colégio Estadual de Campinas, hoje Colégio Estadual Pedro
Gomes, foi outra festa das mais gratificantes, pois era a nossa resposta aos
apaixonados adversários políticos que não desejavam o meu sucesso na
Secretaria importante da Educação. Para eles – demagogicamente – Campinas
não comportava um estabelecimento de ensino daquele porte. A resposta está
aí no tamanho do Colégio Pedro Gomes e no benefício enorme que vem
fazendo. É a prova de que estávamos certos e, por isso, o meu silêncio às
críticas desonestas e insinceras é o que mereciam. (KELPS, 1999, p. 72).

Hélio Seixo de Brito também relata como a cadeira de Secretário da Educação e


Saúde (inicialmente juntas, assim como o ministério correspondente, na esfera federal,
mas depois desmembradas em duas pastas, inicialmente no Estado, posteriormente, no
âmbito da administração federal) era disputada por vários grupos políticos e ambicionada
por muitos, mesmo dentro da heterogênea base governista de Coimbra Bueno:

Mas tão logo cheguei, com o plano de fazer uma especialidade médica no Rio
de Janeiro, surpreendentemente, fui convidado pelo governador udenista,
engenheiro Jerônimo Coimbra Bueno, que acabara de tomar posse no alto
cargo, depois de acirrada luta eleitoral, para ocupar a Secretaria de Educação
e Saúde. Ele estava em dificuldade para preenchê-la: várias correntes das
forças políticas que o elegeram, sem transigirem, ambicionavam o lugar (o
único!) para os seus candidatos próprios.
Assim, só uma atitude conciliatória e firme do governador acabaria com o
problema. Apresentou meu nome como homem de sua inteira confiança, e,
também, responsável pela sua eleição, para a importante Secretaria, o que foi
aplaudido por todos. Daí a origem do convite e minha dificuldade em não
aceitar. (KELPS, 1999, p. 66)

Este testemunho, dá indícios de que tal secretaria fosse vista como uma pasta
especial do ponto de vista político, talvez por proporcionar visibilidade ao seu ocupante,
talvez pelo poder que dela emanasse, sobretudo no que diz respeito à administração de
verbas, como o próprio Dr. Hélio menciona, se referindo aos recursos federais destinados
à construção do que viria a ser o Hospital Psiquiátrico Adauto Botelho, quando as pastas
ainda eram unidas administrativamente:

Havia, no Ministério da Educação e Saúde, já quase perdida, uma verba


substancial para construção, em Goiânia, de um hospital de alienados, e
embora fosse uma obra de grande importância para a nova capital, nunca
trataram de recebê-la. [...]. Com nosso trabalho-relâmpago, indiferente aos que
preocupavam atrapalhar, e mediante a apresentação da escritura de propriedade
do terreno – conseguimos alcançar ainda o prazo para salvar o dinheiro federal,
quase vencendo. (KELPS, 1999, p. 67)

De forma interessante, Britto descreve como o governo estadual justificou a


decisão de separar as pastas da Educação e Saúde em duas secretarias distintas e explica,
porque, mesmo sendo médico, continuou seu trabalho no governo Coimbra Bueno, na
pasta da Educação:

158
Desmembrada a Secretaria de Educação e Saúde, o governador convidou-me
para ficar, apesar de médico, na da Educação, que era mais volumosa e não
podia perder o ritmo do desenvolvimento em que estava com o nosso trabalho,
dizia ele. Juntas, a Saúde foi sempre prejudicada, embora as duas fossem
igualmente importantes e fundamentais para o Estado. Separadas, cada qual
seguiria seu rumo desembaraçadamente, com cada secretário cuidando
especificamente da sua, sem o atropelo da simultaneidade dos dois assuntos
complexos e essenciais, com proveito para ambas as secretarias. (KELPS,
1999, p. 68)

Assim, ele sintetizou sua opinião a respeito da importância de seu trabalho como
secretário da Educação do Estado, dispensando atenção à menção da criação do Colégio
Estadual de Campinas como uma grande realização:
Na Educação, com técnicos de ensino de alto mérito e outros excelentes
auxiliares da mesma área, transformamos, ampliamos e renovamos a instrução
pública no Estado, com apoio total do governador e do Ministério da Educação.
(KELPS, 1999: p. 68)
Em 1948, quando era Secretário de Educação e Saúde, no governo Coimbra
Bueno, dando uma reestruturação no ensino estadual, que estava desordenado,
criamos três colégios: Colégio Estadual de Goiânia, Colégio Estadual de Goiás
e Colégio Estadual de Campinas, no já populoso bairro da capital. (KELPS,
1999: p. 71)

Nessas memórias, encontramos o ponto de vista de uma figura pública, com


atuação política direta sobre a história inicial do CEPPG. Cientes, das questões
metodológicas envolvidas na análise de relatos desta categoria, ocorre-nos o fato de que,
no discurso político, a região de Campinas, não só comportava (do ponto de vista da
demanda populacional), uma instituição de ensino pública de nível ginasial, como havia
um debate político em torno deste assunto. Percebe-se, também, na fala do Dr. Hélio
Seixo de Britto, o peso político da fundação do colégio (do ponto de vista de seu grupo
político) e o prestígio que significava equipará-lo aos outros dois colégios fundados em
sua gestão à frente da pasta: Colégio Estadual de Goiás, na antiga capital, até então
ressentida pela transferência do histórico Liceu para Goiânia, e o Colégio Estadual de
Goiânia.

3.4 – A elevação do Ginásio: enfim, um colégio para Campinas!

Em Goiás, assim como em outras partes do país, um dos maiores obstáculos para
a para a instalação de novas unidades escolares era, desde o século XIX, a escassez de
recursos para a construção, expansão ou reforma de instalações próprias por parte do
poder público. Em meados do século XX a situação em Goiás ainda era de precariedade
nesse aspecto. Até a década de 1960, muitas escolas e colégios funcionavam em espaços
inadequados ou improvisados, cedidos ou alugados por proprietários particulares ou pelas

159
prefeituras. Uma das alternativas mais exploradas pelo Estado, até então, era a subvenção
de atividades educativas em instituições particulares em situação de convênio. O Estado
concedia benefícios fiscais, recursos, ou algum outro tipo de vantagem em troca da oferta
de vagas públicas a estudantes. Outro recurso, muito utilizado desde os tempos da Cidade
de Goiás como capital, era a instalação de escolas, grupos escolares (a partir da década
de 1920), ginásios, cursos normais e outros, em condições físicas que estavam longe do
ideal, fosse adaptando casas que não foram originalmente construídas para tal finalidade
ou promovendo seu funcionamento em anexos feitos em prédios de instituições já
existentes.

Bretas descreve como essa prática foi usada à exaustão pelos governantes de Goiás
como “solução” para as novas demandas, como no caso do Liceu de Goiás original, que
surgiu tendo como sede uma casa doada ao Estado na forma de herança pelo Dr. Corumbá,
conhecido como “benfeitor da Geometria em Goiás”. (BRETAS, 1991: p. 227-228)

Ao longo de sua história, o próprio Liceu abrigou outros cursos que se tornariam
instituições independentes, como a Escola Normal Oficial, além da Academia de Direito
(BRETAS, 1991: p. 470-471). A própria Escola Normal do Estado, depois de obter sua
autonomia em relação ao Liceu e, em 1929, ser instalada em prédio próprio sob o
pomposo nome de Palácio da Instrução, teve o Grupo Escolar Estadual de Goiás e o
Jardim de Infância aglutinados no mesmo prédio. A logística empregada para o
funcionamento de mais de uma instituição educativa em compartilhamento de um mesmo
espaço físico é exemplificada pela descrição fornecida por Bretas de como se dava o
funcionamento dos três níveis no Palácio:

O prédio não era tão grande que comportasse os três estabelecimentos


funcionando ao mesmo tempo. Teria apenas cinco ou seis salas de aula.
Estabeleceu-se, então, que o Grupo Escolar funcionaria na parte da manhã e o
curso normal à tarde. O Jardim de Infância funcionaria em um pequeno
pavilhão à parte. (BRETAS, 1991: p. 517)

Em Goiânia, todo o esforço de construção de um prédio próprio inteiramente novo


para o Liceu, alinhado aos padrões estéticos das demais obras do núcleo planejado de
Goiânia foi transformado “eleitoreiramente” em um símbolo da atenção dispensada pelo
governo de Pedro Ludovico à instrução pública. Inaugurado em 1937, o amplo e moderno
prédio localizado na região central da nova capital foi utilizado em sua máxima
capacidade desde o início, tendo que passar por inúmeras adaptações estruturais para
acomodar mais alunos - como a transformação do auditório em salas de aula e da quadra

160
em auditório - até sua primeira expansão, com a construção de um novo pavilhão na
década de 1950. (BRETAS, 1991: p. 579) Contudo, a limitação de recursos e a alocação
deles em outras prioridades fez com que outras unidades educacionais não recebessem a
mesma atenção dispensada inicialmente ao Liceu, a vitrine da moderna educação pública
estadual sob a gestão de Pedro Ludovico. A construção de outras unidades, mesmo para
as outras instituições trazidas da antiga capital, como a Escola de Aprendizes Artífices e
a Escola Normal Oficial, tiveram que esperar mais um pouco. A Escola de Aprendizes e
Artífices foi instalado em 1942 em um prédio próprio construído pelo Governo Federal.
Já a Escola Normal, primeiramente foi alojada em um sobrado residencial pertencente ao
professor Pardal dos Reis Gonçalves. Em 1945, foi realocada no prédio da Faculdade de
Direito. Esta situação durou apenas um ano. Em 1946 voltou a funcionar em outros
sobrados residenciais alugados, sempre em alegado “caráter provisório”. Seguiu-se a isto
uma arrastada jornada pela construção do prédio que viria a abrigar em definitivo a Escola
Normal, que seria convertida no Instituto de Educação do Estado de Goiás (IEG) no final
dos anos 1950. (BRETAS, 1991: p. 586)

No caso do Colégio Pedro Gomes, a situação não foi diferente. A promessa de um


prédio próprio novo, amplo e com todos os espaços apropriados ao funcionamento de
uma instituição de nível secundário demorou a ser cumprida. O funcionamento do
Ginásio Estadual de Campinas ocorreu, pelos primeiros dez anos de sua existência, no
prédio de uma outra escola já existente: o Grupo Escolar Henrique Silva. O caráter
provisório de tal situação, explicitado durante a cerimônia de instalação da instituição,
acabou se tornando, na prática, um frustrante fator limitador para qualquer expansão da
população estudantil e da comunidade escolar. Foi, principalmente, um fator que retardou
a prometida obtenção do grau de colégio oficial do Estado, equiparado ao Liceu. Para
isso, era necessário um prédio próprio, com instalações adequadas ao que se pleiteava:
ofertar o segundo ciclo, elemento que caracterizava o ensino secundário.

A população de Campinas teria que esperar, entre outras coisas, o desenrolar de


um grande imbróglio envolvendo a negociação e aquisição de terreno para a pretendida
finalidade de edificação da nova sede. Sobre a questão da dificuldade para encontrar
terrenos apropriados para a construção de novos prédios públicos na região da capital a
partir da década de 1950, Bretas fez uma importante constatação, observando que por
mais “estranho que pareça, o Estado, que teve toda a terra de Goiânia em suas mãos, agora
não tinha lotes nem áreas maiores para localizar seus próprios serviços.” (BRETAS, 1991:

161
p. 584). Entre os documentos pesquisados neste trabalho, os textos de leis revogadas,
revelam que foram consideráveis as movimentações a respeito de negociações entre
proprietários particulares e o governo do Estado. Em 1952, por exemplo, houve a primeira
menção registrada em lei de uma tentativa de aquisição do terreno. (Anexo 8) Em 1957,
dois textos trataram do mesmo assunto (Anexos 9 e 10). A lei nº 1502 de 17 de julho
dispunha os termos nos quais se daria a permuta de terrenos entre o poder público e o Sr.
Eduardo Bilenjiam, citado como proprietário dos terrenos estabelecidos na quadra
localizada no “Loteamento Vila Abajá”, bairro residencial anexo a Campinas, entre as
ruas Santa Luzia, Rua 1, Benjamin Constant e Avenida Perimetral, compondo um total
de 5583 m². Em troca desta área, o Estado ofertava um conjunto de lotes em Campinas,
com metragem total de 2977, 26 m², acrescido do pagamento de indenização no valor de
260.574,00 Cruzeiros (100 Cruzeiros por metro quadrado excedente dos terrenos do Sr.
Bilenjiam em relação à área pública ofertada).

Com a lei 1502 revogada, em 16 de outubro daquele mesmo ano, a Assembleia


Legislativa do Estado tramitava a lei nº 1626. Esta lei trazia parâmetros muito
semelhantes aos estabelecidos pela negociação descrita na lei anterior, contudo, sem
especificar uma transação em andamento, como constava no dispositivo vetado meses
antes. Depois desta lei, a negociação com o Sr. Eduardo Bilenjiam foi concretizada. A
localização do prédio ficou estabelecida neste endereço. A nomenclatura das ruas
circundantes ao colégio foi alterada posteriormente. Ocupando toda a quadra, apenas a
rua Benjamin Constant permaneceu com o nome inalterado até os dias atuais (2019).

Depois de algumas frustações, foi somente durante o governo de José Feliciano


Ferreira53 que a transformação do Ginásio em Colégio se consumou, por força da Lei nº

53
O advogado José Feliciano Ferreira era um político jataiense proveniente de família ligada ao
agronegócio. Desde que ocupara seu primeiro cargo eletivo, como vereador na Câmara Municipal de Jataí,
mostrou-se possuidor de útil espírito de liderança. Este fato, aliado aos laços políticas que mantinha com
as oligarquias do sudoeste do Estado favoreceram uma rápida ascensão em sua carreira política dentro do
partido de Pedro Ludovico. Em 1950 elegeu-se deputado estadual pelo PSD. Foi secretário de Educação de
Goiás durante o mandato de seu antecessor, José Ludovico de Almeida (1955-1959), também do PDS.
Ocupou o cargo entre 1955 e 1958. Nas eleições de outubro de 1958, foi eleito governador, ao derrotar
César da Cunha Bastos, da UDN, assumindo em fevereiro de 1959. Não fugindo à regra política da época,
na qual era tão trivial encampar um discurso desenvolvimentista, naquele momento fortemente
contaminado pela construção de Brasília dentro de nosso Estado, Feliciano conduziu “um governo baseado
em três pilares que remetem à ideia de modernização: estradas, energia, escolas”. Neste trinômio, chama-
nos a atenção a ênfase concedida aos investimentos na área da educação, principalmente sob o ponto de
vista estrutural, com a expansão da rede. Ferreira também priorizou o suporte ao governo federal nas
medidas necessárias à construção de Brasília, tendo importante papel na desapropriação da área do novo
Distrito Federal e na instalação da rede de transmissão elétrica para a nova sede administrativa do país.

162
2568, de 10 de setembro de 1959, gerando assim, a situação que possibilitou a
transferência do ginásio para seu prédio definitivo, que ainda viria a ser construído e
inaugurado pouco tempo depois.

Toda esta situação envolvendo a aquisição do terreno e a construção do novo


prédio foi utilizada por políticos que desejavam construir uma imagem eleitoral calcada
sobre supostas lutas que teriam travado em prol das necessidades e expectativas da
população de Campinas. A morosidade dos situacionistas em relação ao assunto era um
“prato cheio” para a oposição. Um conteúdo que estampou a edição nº 318, de 12 de
agosto de 1958, do Jornal de Notícias, (Anexos 20 e 21) chama atenção nesse sentido.
Este jornal abriu espaço para o candidato apoiado pelo veículo, Olegário Moreira Borges,
à época vereador pelo PTB, divulgar o conteúdo de um discurso proferido em comício
direcionado à população de Campinas. Na ocasião, o candidato do PTB concorria ao
cargo de vice-prefeito pela chapa UDN-PSP-PTB. Naquele pleito, o candidato do PSD,
Jaime Câmara, acabaria sendo eleito junto com o candidato a vice de sua coligação, o
conhecido campineiro Licardino de Oliveira Ney. Eles governariam Goiânia no período
compreendido entre 1959 e 1961. Na disputa travada em 1958, na política municipal
goianiense, Olegário Moreira Borges representava a situação, uma vez que o prefeito em
1958 era de seu partido, João de Paula Teixeira Filho.

Este discurso constitui um objeto de análise muito relevante para as hipóteses


sustentadas neste trabalho a respeito do contexto populista, uma vez que é rico em
elementos discursivos nos quais embasamos nossas colocações: Borges se coloca como
homem de origem trabalhadora, “sério” e “do povo”, que sempre lutou pelos
“melhoramentos” que chegaram até Campinas, caracterizando seu discurso como
progressista, do ponto de vista material. Muitos elementos associados à modernização do
bairro são citados em sua fala, como realizações políticas de aliados, como o prefeito
Teixeira Filho, ou fruto de seu empenho como articulador político. Entre estes elementos
estão a pavimentação asfáltica e os sistemas de distribuição de água e canalização de
esgoto, além do incentivo à instrução da juventude do bairro. Neste aspecto, o candidato
enfatizou seu suposto papel no desfecho do episódio de aquisição do terreno para a
construção do Colégio Estadual de Campinas. Sendo ele um candidato da oposição ao

Permaneceu no cargo até fevereiro de 1961, quando foi substituído por Mauro Borges Teixeira, filho de
Pedro Ludovico.

163
governo, ele afirma que o prédio quase foi construído fora dos limites do bairro de
Campinas:

Aí está, também, o Colégio Estadual de Campinas. Se aquele estabelecimento


foi localizado no perímetro urbano do nosso bairro, isto se deve à tenacidade
de minha luta junto aos poderes públicos, muito especialmente junto ao
governador José Ludovico de Almeida e ao secretário da Educação, Sr, José
Feliciano, hoje candidato situacionista à sucessão estadual. Tudo indicava que
essa casa de ensino secundário seria construída no setor do IPASE, mas
interferi para que não fosse, visto que em Campinas seria atendida com mais
equidade e com mais justiça uma legião enorme de moços desafortunados,
filhos de famílias pobres, desejosos de se formarem culturalmente para a luta
pela vida. (JORNAL DE NOTÍCIAS, Edição nº 318, 12 de agosto de 1958: p.
8)

Esta fala deve ser analisada à luz das intrincadas relações de disputas entre
situação e oposição, especialmente entre PSD, UDN e seus respectivos grupos coligados.
A alegação de que o governo do Estado cogitou a possibilidade de não construir o Colégio
Estadual de Campinas no bairro pode ser compreendida em função da tática eleitoral de
despertar e alimentar ressentimentos da população em relação a oposicionistas. Podemos
conjecturar que, caso seja verdade, este fato ajuda a explicar a demora da instalação do
colégio, tendo em vista a sequência de governos do PSD, que, conforme queriam
denunciar seus oposicionistas, aparentemente nutria certa antipatia pela região do antigo
município ou, especificamente, pela ideia da existência de um colégio daquele porte em
Campinas, como alegou Hélio Seixo de Brito.

Chama atenção, também, a descrição que o candidato fez do público alvo que
seria beneficiado pela instalação do colégio em Campinas. Ao citar como beneficiários
“uma legião de moços desafortunados, filhos de famílias pobres”, o vereador deixa claro
um dos elementos discursivos do populismo do período: o apelo às necessidades das
massas. Percebe-se aí um certo paternalismo, que expressa uma suposta preocupação com
as condições de “justiça e equidade” em que esta população iria adquirir insumos culturais
para “lutar pela vida”.

Não obstante às disputas travadas no plano político-eleitoral, o prédio foi


finalizado em 1960. No plano interno da instituição, a empreitada de transformação do
ainda modesto Ginásio Estadual de Campinas no, enfim, grandioso Colégio Estadual de
Campinas, teve como principal artífice, a quinta diretora da instituição, desde sua
fundação, e a primeira a dirigi-la como colégio, Lígia Maria Coelho Rebelo. Dona Lígia,
como era conhecida publicamente, foi a diretora que mais tempo esteve à frente da escola,
permanecendo entre 1956 e 1966 (Ver anexo 3). Foi durante sua gestão que eventos

164
decisivos para a construção da imagem que se perpetuaria ao longo das décadas seguintes
acerca do primeiro colégio de Campinas, ocorreram, entre as quais destacamos: condução
da instituição durante a edificação do novo prédio, a transferência para da estrutura
existente para o novo prédio, realização de obras de expansões prediais posteriores, como
o auditório, e um segundo pavilhão, além do aparelhamento de laboratórios, conforme
relatado nos arquivos da escola. Por tudo isso, esta diretora é associada à elevação do
ginásio ao status de colégio, o colégio que Campinas tanto esperava. Outro aspecto que
influenciou na construção simbólica da imagem que o colégio veio a consolidar entre a
coletividade goianiense nos anos seguintes, foi trazida no mesmo ato em que ocorreu a
elevação, como que coroando aquele momento: a adoção de um novo nome, “Professor
Pedro Gomes”.

Figura 15 - Fac-símile do texto original da Lei nº 2568, de 10 de setembro de 1959: Texto assinado pelo
governador José Feliciano Ferreira, pelo Secretário de Educação e Cultura José Pereira Pinto e pelo
Secretário da Fazenda, Fellipe Santa Cruz Serradourada. A lei determinava a criação do 2º Ciclo
Secundário, elevando à categoria de colégios os ginásios estaduais das cidades de Morrinhos, Rio Verde,
Jataí e do bairro de Campinas, em Goiânia (Art. 1º). O texto também oficializava o batismo dos novos
colégios com denominações completamente diferentes das que possuíam enquanto ginásios. Em seu artigo

165
2º, a lei institui o ano letivo de 1960 como prazo para que as providências necessárias ao funcionamento
destes cursos secundários fossem tomadas pela Secretaria de Educação e Cultura. Chama atenção,
também, a criação de dezenas de cargos de professores que deveriam assumir os postos demandados pelas
novas instituições. (FONTE: Casa Civil do Governo do Estado de Goiás. Disponível em
http://www.gabinetecivil.goias.gov.br/leis_ordinarias/1959/lei_2568.pdf )

Na esteira de todos estes acontecimentos, o asfaltamento das ruas, outro esperado


elemento de modernização da infraestrutura do bairro também passou a ser objeto de
promessas que seriam oficializadas em uma lei orçamentária, a Lei nº 2791 (Anexo 12).
Ainda no final de 1959 (11 de novembro), esta lei foi aprovada e publicada pela
Assembleia Legislativa do Estado, estabelecendo o empenho de uma quantidade razoável
de recursos do orçamento previsto para o ano seguinte para a finalidade de “asfaltar o
Bairro de Campinas”. Lei nº 2791, publicada no Diário Oficial de 18 de dezembro daquele
ano, gerando a expectativa, entre políticos relacionados à comunidade campineira, de que
as obras se iniciariam em 1960, ano de eleições.

Dona Lígia Rebelo teve sua gestão marcada por eventos políticos e sociais de
relevância local e nacional, que acabaram, naturalmente, influenciando as dinâmicas
internas do colégio. Sem dúvidas, o mais marcante deles, foi o golpe militar de 1º de a
abril de 1964. Este fato reverberou em tensões internas entre estudantes, o Grêmio e a
direção da escola, em situações que, muitas vezes, extrapolavam os muros do colégio,
muito em parte devido ao alcance da atuação de entidades estudantis como a UGES e
partidos políticos, como o PCB, que vinha estabelecendo conexões com a associação
representativa dos estudantes do Colégio Pedro Gomes, o Grêmio. Relatos que
representam o discurso das autoridades gestoras e do corpo docente frente a situações
relacionadas ao conturbado período foram registrados no documento “Atas do Conselho
dos Professores do Colégio Estadual Prof. Pedro Gomes”. Pretendemos tratar deste
assunto, em específico, em um projeto futuro, possivelmente em uma pesquisa de
doutoramento na qual buscaremos dar prosseguimento aos estudos acerca da relação desta
instituição com a sociedade em momentos posteriores aos abordados neste trabalho.

Foi também durante sua gestão de Lígia Rebelo, que outro marco simbólico
associado ao Colégio Pedro Gomes e à comunidade campineira ganhou novo status e
dimensões: a fanfara foi elevada à categoria de banda marcial. Desde sua criação, em 15
de abril de 1950, a inicialmente denominada Fanfarra do Ginásio de Campinas se
destacou pela sua marcante participação nos grandes eventos cívicos e datas
comemorativas celebradas em Goiânia. Com seus elementos musicais, coreográficos e
alegóricos, como carros temáticos, a banda rapidamente se consolidou como um emblema

166
da instituição presente no imaginário das pessoas que presenciavam os desfiles. Em 7 de
setembro de 1960 a fanfarra foi transformada em Banda Marcial e rebatizada como
“Banda Marcial Lígia Rebelo”, em homenagem à diretora em exercício.

Em 1979 a Banda começou a participar de concursos e campeonatos nacionais de


estaduais de bandas e fanfarras, sendo a primeira banda colegial de Goiás a participar
deste tipo de evento em outro estado da Federação. (COLÉGIO PEDRO GOMES, 1989).
O documento, datado de 12 de outubro de 1989, registra os valores impressos na cultura
escolar oriunda das práticas estabelecidas pelo estatuto da banda, alegando que, desde sua
criação, a “corporação musical realiza um trabalho sério e único no âmbito das escolas
públicas do Estado de Goiás, investindo não apenas na formação da banda, mas também
na formação pessoal, cultural e moral do aluno” (COLÉGIO PEDRO GOMES, 1989). O
apelo pela importância de um “desenvolvimento moral” é algo marcante na educação
escolar do período estudado neste trabalho, sendo-o também (sic), ainda presente, na
época em que o documento em questão foi redigido.

Outro elemento marcante, remanescente das influências militares e populistas


emanadas pelos distintos ambientes políticos que permearam a existência da banda ao
longo das décadas que separam sua criação da elaboração deste documento é o civismo,
eventualmente mencionado como patriotismo nos registros da escola. As bandas marciais,
em sua natureza original, já carregam valores e elementos estéticos associados ao
militarismo, onde o conceito deste tipo de organização surgiu. Os agentes educadores
envolvidos na condução dos trabalhos da banda, segundo o documento, sempre
procuraram “despertar o interesse pela música nos alunos do Colégio Estadual Prof. Pedro
Gomes e na comunidade, através do desenvolvimento e aprimoramento das técnicas
musicais, além de incentivar o civismo e desenvolver nos alunos o espírito de grupo”.
(COLÉGIO PEDRO GOMES, 1989). O fato de o documento mencionar a comunidade
como público alvo dos trabalhos educativos promovidos pela banda é mais um dos fatores
que merecem ser destacados, tendo em vista a potencial disseminação de valores e
ideologias preconizadas pelas pessoas e grupos que integram as instituições escolares,
compondo um importante elemento da cultura escolar emanada a partir do colégio por
meio de seus símbolos.

167
3.5 – O novo nome é a cereja do bolo: quem é a pessoa que emprestou seu nome ao
colégio de Campinas?

Pedro Adalberto Gomes de Oliveira nasceu no dia 23 de abril de 1882, na Cidade


de Goiás e faleceu, aos 73 anos, em Goiânia, no dia 13 de novembro de 1955. Nesta data
o CEPPG ainda se chamava “Ginásio Estadual de Campinas”. Havia se passado oito anos
desde a sua criação em lei. Quando o professor Pedro Gomes faleceu, completava-se
apenas o quinto ano letivo da instituição, situada ainda no prédio do Grupo Escolar
Henrique Silva.

Nesta sessão da pesquisa, propusemo-nos a interpretar, a partir das fontes,


prováveis motivações e implicações - simbólicas e objetivas (sobretudo no campo
político) - existentes na escolha do personagem Professor Pedro Gomes para dar nome à
escola quando esta foi elevada à condição de colégio, em 1959. Parte-se da hipótese de
que a associação entre dois atos políticos de significativa magnitude para aquela
comunidade escolar, a saber, a aguardada mudança para o prédio próprio e a abertura do
ensino secundário, marcou um fortalecimento da imagem da instituição, o qual ainda não
havia sido experimentado. Este momento acabou gerando a oportunidade para que
agentes políticos, mais uma vez, fizessem a educação pública de “palanque” para seus
discursos, fossem utilizando o “personagem professor Pedro Gomes” ou o colégio ao qual
ele passou a nomear. Ambos foram transformados em instrumentos para atacar
adversários ou exaltar aliados ou a si mesmos. Homenagear a memória do “velho
professor de muitas gerações” era colocar-se em oposição, ideologicamente, ao “descaso”
pelo qual ele e sua esposa passaram nos seus últimos anos de vida, graças às condições
materiais às quais o educador fora submetido pelo Estado em sua aposentadoria. Genesco
Bretas narra este aspecto revelado na convivência que teve com ele nos seus últimos anos
de vida, apresentando as causas da incômoda situação que presenciara no Mercado
Central de Goiânia, onde o professor “mendigava” por restos dos produtos não
comercializados pelas bancas:

Pedro Gomes aposentou-se com os honorários fixos de Cr$ 1.500,00 mensais,


quando os colegas na ativa já recebiam, pouco tempo depois, 4,5,6 ou 7 mil
cruzeiros, e mais algum tempo um professor do Liceu já recebia 10.000
cruzeiros mensais e Pedro Gomes ainda recebia os magros 1.500. [...]
Muita gente via isto, inclusive o autor destas linhas, só o governo não via. Com
seus honorários corroídos pela inflação e seu corpo mirrado pela subnutrição,
Pedro Gomes viveu os últimos anos de sua vida. (BRETAS, 1991: p. 563-564)

168
Portanto, se solidarizar com o professor Pedro Gomes, mesmo após seu
falecimento, mostrando-se politicamente favorável ao colégio que passaria a ostentar seu
nome, poderia ser entendido como um ato de sensibilidade e patriotismo, já que o nome
do professor passaria por uma construção simbólica que o associaria à educação e à
cultura literária regionalista. O escritor goiano Bernardo Éllis contribuiu para sua
valorização nesse sentido ao afirmar que fora influenciado pela prosa do professor e
opinar em artigo:

O autor de “Na cidade e na roça” tem lugar marcado na literatura goiana, onde
definiu uma linha de arte literária profundamente ligada à terra e focalizando
os aspectos engraçados ou grotescos dos viventes do sertão, linha que vinha se
opor à inaugurada por Hugo de Carvalho Ramos, mais cerebrina, que aproveita
com maior profundidade os recursos literários ou artísticos tanto da fala como
dos temas. (COLÉGIO PEDRO GOMES, Recorte de Jornal sem data e sem
referência)

Assim, o colégio também deveria ter sua imagem associada aos mesmos “elevados
propósitos” culturais atribuídos ao professor que lhe emprestava o nome, justificando
coerentemente a escolha do nome, efetivada com o novo batismo. A mudança de nome
funcionou como um marcador simbólico da assunção a um novo status jurídico enquanto
instituição educativa e, consequentemente, a um patamar de importância mais elevado
diante da sociedade campineira e goianiense.

A investigação das intencionalidades presentes na escolha do personagem-nome


parte da reconstrução histórica de um perfil social do professor. A justificativa oficial
presente nos documentos arquivados na escola, desde os mais antigos aos mais recentes,
geralmente coloca o fato de o professor ter sido um “laborioso” agente disseminador da
cultura e da educação escolar no Estado de Goiás.

Na década de 1950, embora Pedro Gomes não tivesse ligações políticas, que
tenham se tornado públicas, com os grupos que disputavam o poder naquele momento54,
o educador, através de seu nome e relativo reconhecimento público, foi envolvido em
uma disputa de caráter político-ideológico travada entre agentes que representavam os
partidos divergentes. No dia 11 de janeiro de 1953 a edição nº 26 do diário Jornal de

54
Embora tenha se afastado de quaisquer atividades políticas durante sua velhice, o ex-professor esteve
bem perto do poder em outros tempos. Em 1918, já com 36 anos se casou com Dona Lydia Xavier de
Almeida, irmã do ex-presidente do Estado José Xavier de Almeida, governante entre 1901 e 1905. Durante
a Primeira República, Pedro Gomes de Oliveira teve uma vida ativa na esfera político-administrativa na
antiga capital do Estado, ocupando algumas funções no poder executivo estadual. Em 1912, ele foi nomeado
“chefe da 1ª Secção da Secretaria de Instrucção, Indústrias e Obras Públicas”. (Anexo nº 13). Em 1917, foi
nomeado delegado de polícia. (Anexo nº 14).

169
Notícias (Imagem nº 16), trouxe, destacada em sua capa uma matéria, concluída na página
7 daquela edição (Anexos 17 e 18), com o seguinte título: “Vetada lei que beneficiava o
educador goiano Pedro Gomes”. O subtítulo afirmava: “Clamorosa injustiça do
governador do Estado – Uma lei de favores pessoais onde não cabe um nome ilustre,
encanecido ao serviço da cultura – Cargos com idêntica denominação, idênticas
atribuições e vencimentos diferentes.”

Vários são os elementos a serem considerados na análise deste documento.


Primeiramente é necessário caracterizar o veículo. O Jornal de Notícias foi fundado em
1952, em Goiânia, pelo advogado, jornalista e professor Alfredo Nasser55. Nasser foi uma
figura muito ativa nas dinâmicas políticas regionais e nacionais desde a “Revolução de
1930”, ocupando várias funções públicas até seu falecimento, em novembro de 1965,
durante exercício de mais um mandato como deputado federal. O editorial de estreia do
Jornal de Notícias afirmava que o veículo era um “órgão de imprensa independente”
“composto e impresso em oficinas próprias, instaladas em Campinas, à praça Joaquim
Lúcio, nº 85.” (JORNAL DE NOTÍCIAS nº 8, p. 3, 11 de março de 1953). A publicação
desta “auto-definição” do jornal se repetiu nas edições seguintes, sempre acompanhando
o número telefônico pelo qual os leitores e anunciantes poderiam entrar em contato com
a redação. Enquanto circulou, o Jornal de Notícias foi, de fato, um veículo de imprensa
identificado com a região de Campinas, sempre trazendo fatos de interesse aos habitantes,
empresários e trabalhadores da localidade (até os efeitos de quedas de energia eram
noticiados). Quando da fundação do Jornal de Notícias, parte do maquinário gráfico fora
financiado com recursos provenientes do PSP paulista, por meio de seu presidente,
Adhemar de Barros. Em sua pesquisa de doutoramento, o pesquisador Darlos Fernandes
do Nascimento, ao catalogar 128 periódicos que circularam em Goiás entre 1930 e 1960
(por diferentes períodos), apurou o seguinte, a respeito da relação de interdependência
estabelecida entre periódicos impressos e os partidos e personalidades políticas no Estado
após 1945:

Com o processo de redemocratização iniciado em 1945, os diretórios regionais


político-partidários goianos criaram seus respectivos periódicos – O Social, do
Partido Social Democrático (PSD), Jornal do Povo, da União Democrática
Nacional (UDN), O Debate, do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e Jornal de
Notícias, do Partido Social Progressista (PSP) – e investiram de tal forma que
os mesmos ficaram atrás somente de O Popular e Folha de Goiaz.

55
Alfredo Nasser foi um advogado, político e professor natural de Caiapônia – GO. Atuou como jornalista
na Folha de São Paulo na década de 1920.

170
Durante a primeira década do regime democrático, os periódicos que eram
órgãos oficiais de partidos políticos foram sendo extintos e, ao final da década
de 1950, surgiram três periódicos “independentes” que ameaçaram mais
severamente as posições de O Popular e Folha de Goiaz: Diário da Tarde,
fundado por pessedistas, Diário do Oeste, comprado por udenistas, e Cinco de
Março, fundado por pessepistas. Ou seja, o grupo político que dirigia O Social
passou a dirigir o Jornal da Tarde, o grupo político que dirigia o Jornal do Povo
passou a dirigir o Diário do Oeste e o grupo político que dirigia o Jornal de
Notícias passou a dirigir o Cinco de Março. Entretanto, os novos jornais, assim
como O Popular e Folha de Goiaz, não evidenciavam em suas edições suas
relações político-partidárias. (NASCIMENTO, 2018, p: 82-83 in Revista
Espaço Acadêmico nº 202, março de 2018)

Estas páginas do Jornal de Notícias noticiaram, portanto, que dois anos antes de
seu falecimento, Pedro Gomes de Oliveira teve a oportunidade de ver reajustado o
defasado valor de seus vencimentos como aposentado. A matéria jornalística, porém,
afirma em tom de denúncia, que ele fora vítima de descaso por parte do governador do
Estado, que vetou os artigos da lei aprovada pela Assembleia Estadual, cujo texto
beneficiaria o educador. O governador, naquele momento, era o próprio Pedro Ludovico
Teixeira, que exercia desde 31 de janeiro de 1951 seu mandato obtido através de eleições
democráticas vencidas contra o udenista Altamiro de Moura Pacheco. A matéria fazia
referência à aprovação do texto da Lei nº 723, sancionada pelo governador mediante a
exclusão de apenas um artigo, de um total de cinco. A lei em questão tratava da criação
de cargos na Secretaria de Educação, “com vencimentos superiores ao do nível atual de
proventos da maioria dos servidores públicos de Goiás”. O artigo vetado propunha,
especificamente, a “elevação dos proventos atribuídos ao velho educador”. De acordo
com o veículo, o governador justificou seu veto alegando que tal favorecimento
individual acarretaria desequilíbrio nos valores dos proventos em relação aos outros
servidores na mesma condição que Pedro Gomes, caracterizando um favorecimento
injusto, caso o reajuste individual proposto se somasse a um futuro reajuste geral que o
governador afirmava ter como plano futuro.

171
Figura 16 - Capa da edição número 26 do Jornal de Notícias, publicada no dia 11 de janeiro de 1953: o
Jornal de Notícias foi um veículo associado à oposição ao grupo ludoviquista no Estado de Goiás.
Veiculava pautas ligadas ao programa udenista tanto na esfera federal quanto regional e dedicava sua
linha editorial à crítica aos adversários, apesar de não explicitar suas conexões partidárias. Apresentava,
também, conteúdos que faziam alusão à exaltação de valores cristãos, familiares e anticomunistas. Na
capa desta edição podemos notar um elemento significativo: o grande destaque dado às manchetes que
traziam, em tom de denúncia, notícias de caráter negativo em relação ao governo do Estado. Da mesma
forma, mereceu destaque a transcrição de uma mensagem do ex-governador Jerônimo Coimbra Bueno
(UDN) que havia sido veiculada pela Rádio Brasil Central no dia 06 de janeiro daquele ano. Além disso,
a única foto jornalística da capa é um registro da visita a Goiânia do deputado federal goiano pelo PSP,
João D’Abreu56, que assim como Coimbra Bueno vinha atuando no Congresso Federal em prol da

56
João D’Abreu foi um político, odontólogo, advogado e professor goiano. Nasceu em 4 de junho de 1888,
na Vila de Santa Maria de Taguatinga (GO), atual município de Taguatinga (TO). Na juventude, teve a
oportunidade de estudar na capital do Estado, cursando o ensino secundário no Liceu de Goiás. Graduou-
se em odontologia em 1911, pela Faculdade de Odontologia do Rio de Janeiro. Em 1925 bacharelou-se em
direito pela Faculdade de Direito de Goiás. Sua trajetória na política foi efetivamente iniciada como
vereador na cidade de Arraias, entre 1923 e 1926. Entre 1926 e 1930 assumiu como intendente (equivalente
a prefeito) da mesma cidade. Em 1934 foi eleito deputado estadual, chegando a ocupar a presidência da
Assembleia Legislativa, entre setembro de 1936 e novembro de 1937. Em 1937 ocupou, também, a função
de Diretor Geral da Fazenda. Em 1945, elegeu-se deputado federal pelo PSD para participar da Assembleia
Constituinte Nacional. Com a promulgação da nova Constituição, em 1946, a Constituinte foi convertida
em Congresso ordinário e João D’Abreu exerceu seu mandato de deputado até 1950. As eleições de 1950
marcaram seu estratégico afastamento de Pedro Ludovico, quando foi reeleito para novo mandato como

172
campanha de transferência da capital federal para o Planalto Central. Com relação à organização estética
da capa, nota-se que a diagramação da página valoriza tais elementos políticos em sua composição,
enfatizando-os tanto ou mais que a própria logomarca do jornal, presente de forma discreta no canto
direito.

Em 06 de agosto de 1958, o mesmo Jornal de Notícias, na sua edição nº 313,


trouxe um texto intitulado “Ameaçada de colapso a Cultura Goiana”, constituído de uma
entrevista cedida por Bernardo Éllis. O escritor abordou a difícil situação pela qual passou
o professor Pedro Gomes para ver sua obra editada e publicada no final da vida:

“Pedro Gomes, que tirou da boca da família os magros dois contos com que
editou ‘Na cidade e na roça’, esse mesmo Pedro que às vésperas de morrer,
entre irônico e melancólico, dizia que a publicação do terceiro volume de seus
contos dependia de dinheiro.” (JORNAL DE NOTÍCIAS nº 313, p. 1; p.8:
1958).

Ao final da década de 1950, aparentemente apropriado pelo grupo PSP-UDN


como um símbolo da falta de atenção dos governantes do PSD à intelectualidade e à
produção cultural, o nome e a obra do professor Pedro Gomes estavam em evidência no
meio cultural goiano. Uma série de menções ao falecido professor vinham sendo feitas
em várias edições do jornal desde 1956. Havia certa expectativa a respeito da publicação
póstuma de suas obras (cinco volumes), que seriam editadas pela Prefeitura de Goiânia,
e organizadas pelo filho do professor, Irorê Gomes. Na edição do dia 26 de abril de 1956,
na sessão “Mosaico Literário”, o articulista Elísio de Assis Costa afirmou que “um dos
mais animadores acontecimentos para a vida literária de Goiás, nos últimos dias, foi sem
dúvida, a aprovação, pela Câmara Municipal de Goiânia, de um projeto de lei [de autoria
do então vereador e futuro secretário municipal de educação na administração Hélio Seixo
de Britto, José Luiz Bittencourt] objetivando a edição das obras completas do escritor
Pedro Gomes” (JORNAL DE NOTÍCIAS nº 19, p. 3: 1953)

Se seu falecimento recente havia contribuído para o resgate de sua obra como
escritor, colocando sua memória em voga, como educador ainda faltava igual
comprometimento em reconhecer sua trajetória. Durante sua vida, o professor Pedro

deputado federal pelo seu novo partido, o PSP, em coligação com o PTN. Nas eleições de 1954, seu partido
se aliou à UDN, quando foi eleito para um novo mandato no Congresso Nacional (1954-1958), pela
coligação PSP-UDN. Encerrou o mandato como líder do PSP na Câmara. Em reaproximação com o PSD,
seu partido compôs chapa vitoriosa nas eleições para o governo do Estado em 1958, elegendo José Feliciano
Ferreira (PSD) como governador e João D’Abreu como vice (pelas regras eleitorais vigentes desde 1946,
os candidatos a vice disputavam eleições independentes dos candidatos a titular). Assim, de 1959 a 1963
foi vice-governador de Goiás. Seu último cargo eletivo foi o de prefeito da cidade Arraias, pela ARENA,
no período de 1968 a 1972.

173
Gomes não teve nenhuma relação direta com a escola de Campinas à qual veio emprestar
seu nome. Tal fato, entretanto, não foi empecilho para que o ex-professor, naquele
momento falecido há poucos anos, e que fizera carreira no Liceu, fosse “homenageado
para a posteridade” emprestando seu nome para uma instituição de ensino que começava
a ser cada vez mais importante para a região de Campinas. De maneira geral, desde a
instituição da República, possuir histórico de relação direta com a instituição de ensino à
qual se nomeia nunca foi pré-requisito para ter o nome escolhido para batizar instituições
de ensino públicas no Brasil. Em Goiás, a situação não era diferente. Políticos e pessoas
públicas, com algum destaque a nível regional, já eram os preferidos para emprestar seus
nomes aos grupos escolares criados pelo Estado, desde a segunda década do século XX.

Como exemplo disso, o professor Genesco Bretas (1991: p. 512) cita que, até
1930, havia 16 grupos escolares espalhados pelo Estado funcionando por conta do
governo estadual e mais dois grupos municipais, um em Morrinhos e outro na Cidade de
Goiás (estes eram mantidos pelas suas respectivas intendências, sendo que, na Cidade de
Goiás havia, também, um grupo mantido pelo Estado).

Esses grupos escolares, em geral, levavam o nome do governo que os criava, ou de


pessoas a cujo os esforços se devia sua criação. O de Santa Luzia, por exemplo, levou
o nome de “Rocha Lima”. Com o nome de “Brasil Caiado” (presidente do Estado),
criaram-se dois ou três, e com o nome de “Antônio Ramos Caiado”, três ou quatro. O
Grupo Escolar Municipal da Capital tinha o nome de “Mestra Nhola”. (BRETAS,
1991: p. 512-513)
Assim, percebemos que a escolha de nomes que representam figuras com certa
relevância em prol da causa da instrução era algo praticado, porém, a alusão a figuras
políticas pertencentes a grupos que estavam no poder era algo mais recorrente.
Analisando especificamente os casos citados por Bretas no excerto acima, avaliamos que,
em uma época em que os maiores feitos do poder público na área da educação se
resumiam à criação de centros de educação primária, os grupos escolares, que se
espalharam pelo Estado a partir do fim da segunda década do século XX, a adoção de um
nome que relembrasse à população permanentemente quem foram seus agentes
promotores, era algo comum. Nestes casos apontados por Bretas, por exemplo, o médico
Brasil Ramos Caiado fora presidente do Estado entre 1925 e 1929, além de senador. O
advogado Antônio Ramos Caiado, um dos mais célebres membros da mesma oligarquia,
conhecido como “Totó Caiado”, foi deputado federal por Goiás entre 1909 e 1920, além
de senador entre 1921 e 1930. Enquanto o Grupo Escolar de Santa Luzia prestava
reverência a um membro do grupo “rival” ao da família Caiado, o fazendeiro Miguel

174
Rocha Lima, que exercera a função de presidente do Estado de 1905 a 1909 e entre 1923
e 1925. Rocha Lima ainda foi também senador federal entre 1926 e 1930.

Curiosamente, apenas o Grupo Escolar Mestra Nhola, o primeiro instalado pela


iniciativa pública na capital - inicialmente funcionando no mesmo prédio do Liceu -
“prestava homenagem” a uma figura que não fosse diretamente ligada a grupos de poder
político. Neste caso, o nome aludia a uma pessoa que estava efetivamente ligada à
educação. “Mestra Nhola” era a alcunha pela qual ficou conhecida a professora,
educadora e dona de escola particular na Cidade Goiás, Pacífica Josefina de Castro. Seu
pai, José de Castro, também fora professor, chegando a ocupar os cargos de diretor do
Liceu, além de Inspetor Geral da Instrução e Secretário de Governo. Mas não foi pelos
feitos de seu progenitor que Mestra Nhola ganhou fama. Atuando na educação primária,
foi, em seu tempo, responsável pela instrução inicial de muitas crianças e jovens na
reduzida população da Cidade de Goiás.

A escolha do nome de Mestra Nhola para batizar o primeiro grupo escolar da


capital da província, em 1918 é uma pista para pensarmos nas possíveis motivações e
implicações associadas à escolha do novo nome do Ginásio Estadual de Campinas, devido
à possibilidade de estabelecermos um paralelo entre os dois processos, mas observadas
as devidas proporções e especificidades, sobretudo no que diz respeito ao distanciamento
temporal e à consequente mudança dos contextos político, social e cultural no qual
ocorreram. Observa-se, como similaridade, que ambos os casos tratam da escolha de
nomes de pessoas falecidas, ligados à vida escolar de gerações de pessoas, ou seja,
personagens não atuantes na esfera político-partidária, mas atuantes na área educacional,
embora não diretamente nas instituições às quais vieram emprestar seus nomes. Para este
exercício analítico, consideremos os seguintes elementos básicos: primeiramente, refletir
sobre o que significava a instituição nomeada no momento de seu batismo, sua
importância para a comunidade e, por consequência o peso político de sua existência; em
segundo lugar, investigar quem foi a pessoa escolhida e qual imagem pública ela detinha
naquele momento; por último, quais elementos políticos e culturais podem ter
influenciado tal escolha no contexto em que ocorreu.

No caso de Mestra Nhola, quando a educadora teve seu nome escolhido para um
grupo escolar, este modelo de instituição escolar representava o que havia de mais
moderno e significativo, no que diz respeito às políticas públicas voltadas para o Ensino

175
Primário no Brasil. Uma novidade anunciada como um “grande melhoramento” trazido
para a realidade educacional de Goiás.

Por mais que seja um ato essencialmente político, percebemos que não se nomeia
uma escola pública com um nome que não possua respaldo de algum grupo que o sustente.
O emprego de um nome oficial para um espaço público - sobretudo aqueles que, como
escolas, envolvem expectativas sociais voltadas para o desenvolvimento humano - com
potencial de enraizamento memorialístico relacionado a afetividades vinculadas à
vivência de uma relação pessoa-lugar, tem que se justificar de modo minimamente
coerente com sua função e/ ou expectativas sociais. Se um lugar possui esse potencial,
principalmente quando nos atentamos ao ambiente escolar, que é pedagogicamente
pensado para finalidades educativas que podem desencadear tais processos, o nome
também pode ser encarado como “elemento educativo”, inserido na cultura escolar
através da sua naturalização no cotidiano, obtida por meio de sua inserção no currículo
oculto ou através da simples repetição de seu uso.

Isso se estende a quaisquer estruturas públicas, nas quais seus nomes podem ser
instrumentos de perpetuação do poder, apresentando, portanto, alto potencial educativo
por meio da inculcação e permanecia simbólica junto à população. Certamente, nomear
um viaduto pode ser tão importante para seus agentes promotores quanto atribuir nome a
uma escola, porém de maneiras muito diferentes, pois a sociedade desenvolverá relações
diferentes com ambos. Um não possui maior importância que o outro de maneira absoluta
e imutável. Sua importância é construída e alterada dinamicamente em função das
demandas e necessidades mais valorizadas pelo(s) grupo(s) atingido(s) por sua existência
em cada momento.

É justamente por possuir esse caráter político-ideológico, que a ação de nomear


ambientes públicos está relacionada de forma direta com a popularidade de seus agentes
executores. Não existe aleatoriedade, ao contrário, ocorre intencionalidade(s) no ato da
escolha. A justificativa precisa ser coerente com as expectativas de quem nomeia e aceita
pela comunidade com a qual o objeto nomeado estabelecerá relação de uso. No caso de
uma renomeação, como ocorreu com o Ginásio Estadual de Campinas, ao ser rebatizado
com o nome do Professor Pedro Gomes, em 1959, temos todos estes aspectos envolvidos,
com um peso ainda maior: o já estabelecido Ginásio, que crescia em popularidade, agora
seria um colégio, uma instituição secundária oficial.

176
O nome “Colégio Estadual de Campinas”, que chegou a ser utilizado brevemente
nos documentos e em uniformes nos anos de 1959 e 1960 parecia suficientemente altivo,
principalmente pelo fato de remeter diretamente à desejável singularidade da instituição
naquela época, caracterizada pelo sentimento de “bairrismo”. Este nome soava como “o
colégio estadual do bairro de Campinas”, ou seja, o único da região. Era o colégio de
Campinas e, consequentemente, do povo de Campinas, em simbólica oposição ao Colégio
Estadual de Goiânia. Este, por sua vez, diz respeito ao “rival” Liceu. Trata-se de outra
renomeação ocorrida nos anos iniciais da nova capital, mas que, ao contrário do caso do
nome de Pedro Gomes, não logrou sucesso na substituição do nome anterior. O
oficialmente chamado Colégio Estadual de Goiânia era grande referencial para a
educação secundária do Estado, mas praticamente ninguém o chamava por este nome. O
Liceu, que, pelo menos oficialmente (como pode ser visto em documentos da instituição
e da Secretaria de Educação) havia adotado o nome “Colégio Estadual de Goiânia” desde
a década de 1940, continuava sendo amplamente conhecido como Liceu de Goiânia entre
a população. A popularidade e força simbólica do nome Liceu, que remetia às suas
origens se mostrou mais forte que qualquer tentativa de alteração proposta na esfera
política. Ao ser transferido para Goiânia, o primeiro nome adotado fora Liceu de Goiânia,
em ode à nova capital. Depois esse nome passou a fazer ainda mais sentido quando a
sucursal do Liceu na cidade de Goiás adquiriu independência, retomando seu nome
original de Liceu de Goiás (Lyceu de Goyaz).

Tendo em vista a visibilidade que o Colégio Estadual de Campinas possuía junto


à comunidade campineira, sustentamos que esta as questões relativas a ele tinham poder
de envolver elementos relativos a dinâmicas de popularidade e impopularidade político-
eleitoral. Tais dinâmicas, por sua vez, estavam inseridas (e condicionadas) no contexto
de enfrentamento ideológico daquele momento. Assim, Secretaria Estadual de Educação
aceitou a sugestão de mudança, ocorrida dentro de seus próprios quadros, atribuída ao
diretor da Divisão de Segundo Grau, professor José Sizenando Jaime.

Naquele contexto, no qual a principal escola pública de Campinas expandia suas


atribuições e serviços, mediante elevação na qualificação da unidade, era politicamente
pertinente aproveitar para celebrar o momento com um novo marco simbólico. Deste
modo, a substituição de um nome genérico (topônimo genérico), descritivo da função do
lugar (colégio) acrescido da localidade onde se encontra (Campinas), pelo nome de
alguém (antroponômio) que tinha um envolvimento positivo com a educação e a cultura

177
do Estado, parecia ser uma atitude coerente aos olhos das pessoas mais atentas ao cenário
cultural goiano.

Nesse sentido, referenciamo-nos, para construção destas interpretações, nas


conclusões apresentadas pela professora e pesquisadora de onomástica e toponímia Maria
Vicentina de Paula do Amaral Dick. Na teoria expressa pela autora (1990), apreende-se
que a atribuição de nome a algo, em termos gerais, é um fenômeno complexo que
ultrapassa em muito a questão linguística. É, por essência, um processo norteado por
diversos fatores, às vezes de difícil rastreio, no que se refere à gênese de seu sentido,
sobretudo no que tange ao amplo escopo dos substantivos enquanto signos linguísticos
genéricos, mas quando se trata de lugares, há sempre uma relação de significação
simbólica relacionada a condicionantes específicos.

Embora seja inequívoca a possibilidade de existência de funções referenciais e


descritivas nos nomes de lugares (topônimos), eles, de modo algum, se resumem a isto.
Um topônimo está invariavelmente ligado a marcadores culturais inerentes a uma época
e contexto cultural específico, assim, a funcionalidade de seu emprego tende a adquirir
uma dimensão ampliada, que o marca duplamente: o que era arbitrário em termos de
necessidade objetiva voltada à vida prática (nomear), transforma-se, no ato do batismo de
um lugar, em um ato essencialmente motivado, podendo estar intrinsecamente
relacionado a elementos de subjetividade. (DICK, 1990: p. 38). Nesse sentido, a autora
afirma:

Muito embora seja o topônimo, em sua estrutura, como já se acentuou, uma forma de
língua, ou um significante animado por uma substância de conteúdo, da mesma
maneira que todo e qualquer outro elemento do código em questão, a funcionalidade
de seu emprego adquire uma dimensão maior, marcando-o duplamente: o que era
arbitrário, em termos de língua, transforma-se, no ato do batismo de um lugar, em
essencialmente motivado, não sendo exagero afirmar ser essa uma das principais
características do topônimo. (DICK, 1990: p. 38).
Deste modo, entendemos que a atribuição de nomes a lugares é um processo com
motivações específicas ao contexto social e temporal em que ocorre, sendo, portanto, uma
representação da realidade histórica e cultural de uma sociedade. Ainda sobre o elemento
motivacional intrínseco ao ato de nomear um lugar, a pesquisadora nos explica que a
motivação para a escolha de um nome para local de uso coletivo reside na
intencionalidade do grupo ou agente denominador, a qual é acionada por circunstâncias
que tem o poder de gerar um “processo seletivo”, no qual possibilidades de nomes são
cogitadas e excluídas:

178
[a] intencionalidade que anima o denominador, acionado em seu agir por
circunstâncias várias, de ordem subjetiva ou objetiva, que o levam a eleger,
num verdadeiro processo seletivo, um determinado nome para este ou aquele
acidente geográfico. (DICK, 1990: p. 39).

Quando a autora fala em “acidente geográfico”, se refere a quaisquer lugares cuja


existência é assimilada pelo conhecimento humano, sejam aqueles construídos pela ação
humana ou não, modificado por ela ou não. Os prédios escolares modernos servem ao
propósito de abrigar as estruturas materiais básicas ao exercício pedagógico, são
instituições construídas pelo homem e localizadas dentro de um espaço definido, ou seja,
são lugares. Dentro deste conceito, são, portanto, “acidentes geográficos humanos”. Suas
denominações são fenômenos antropológicos que, normalmente, não se justificam apenas
por referenciação espacial, podendo ser motivadas por razões objetivas e subjetivas, as
quais podem ser analisadas como fontes reveladoras de aspectos culturais (históricos,
religiosos, políticos e sociais) de uma comunidade ao longo do tempo.

O nome “Colégio Estadual Professor Pedro Gomes”, utilizado a partir do início


da década de 1960 foi acolhido pela comunidade escolar, sendo efetivamente aclamado
pela população em decorrência da presença do constante dos representantes do colégio
nos eventos cívicos promovidos pelo poder público na cidade de Goiânia. Nas décadas
seguintes, o nome “Pedro Gomes” se tornou sinônimo do maior colégio público da região
de Campinas, mesmo depois da chegada de outras instituições secundária nos anos
seguintes. O nome e a pessoa do professor Pedro Gomes permanecem, ainda hoje, como
elementos simbólicos marcantes na cultura escolar irradiada a partir da instituição (Anexo
19).

179
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho cumpre o papel de contribuir para o enriquecimento da historiografia


da região que deu suporte à origem da cidade de Goiânia. Ao longo do século XX, a
produção historiográfica acadêmica se ocupou proficuamente do estudo de muitos
aspectos da história de Goiânia. Concorrente a este fato, Campinas, o antigo povoado com
mais de um século de existência à época da fundação da nova capital recebeu menos
atenção dos interessados na produção de conhecimento científico. A história da pequena
e velha Campininha foi “eclipsada” pelas grandes possibilidades investigativas contidas
nas intrincadas dinâmicas políticas e nos numerosos fenômenos sociais inerentes ao
ampliado universo urbano representado por Goiânia. Muitos campos de pesquisa em
História se beneficiaram e ainda se beneficiam disso. A historiografia de Goiânia é
riquíssima, enquanto isso, a de sua predecessora coadjuvante, nem tanto.

Pelo ponto de vista adotado nesta pesquisa, concluímos que trajetória do


povoamento de Campinas se entrelaça com a de suas instituições, principalmente a Igreja
Católica, que estendeu sua influência à educação, atuando no âmbito das instituições
escolares da antiga cidade e ostentando o pioneirismo na oferta de ensino em nível
equivalente ao secundário. Apesar das restrições ao seu alcance, relativas à oferta de
ensino pago para jovens do sexo feminino, o Colégio Santa Clara, fundado em 1921
estabeleceu um novo patamar na educação local, levando, às famílias que podiam pagar,
formação compatível com instituições renomadas da antiga capital, como o Colégio
Santana, de Goiás, também restrito a moças.

Constatamos, ainda, que antes da criação do Colégio Santa Clara, a maior parte
da população da região de Campinas esteve à margem de qualquer possibilidade de
aquisição de instrução escolar para além dos níveis mais básicos nas chamadas “aulas de
primeiras letras”. Este conhecimento também estava restrito a quem podia pagar pelas
aulas dos “mestres-escola”, como o professor Nico Eusébio. Esta foi a realidade da cultura
escolar desenvolvida na Campinas do século XIX: muitos relatos de uma população que
vivia à margem dos conhecimentos formais consagrados nos currículos de instituições
como o Liceu de Goiás. Neste cenário, poucos eram os cidadãos campineiros que
conseguiam “se formar” em instituições localizadas em outras regiões do país. Estes
agraciados geralmente, quando retornavam para a pequena e pacata cidade,
desempenhavam destacadas funções políticas, com elevado prestígio social, como todo o
clã que orbitou politicamente em torno da família Tavares, do patriarca Joaquim Lúcio.
180
Apenas na década de 1930, a realidade começa a mudar na região. A ideia de
modernidade, antes associada à proximidade de uma cidade aos trilhos do trem, agora
passa a ser enxergada ao longe no horizonte campineiro. O triunfo da “Revolução de
1930” conduz ao poder um grupo favorável à transferência da capital do Estado para uma
cidade mais moderna. O discurso sanitarista do médico Pedro Ludovico é, então, usado
para dar nova utilidade política às ideias de modernização e progresso.

Quando Campinas foi escolhida para sediar as obras da cidade que substituiria
Goiás como sede administrativa do Estado, justificou-se que sua natureza atendia aos
requisitos exigidos pelos autores do projeto. Nos relatórios produzidos acerca desta
escolha técnica, nunca foram mencionadas qualidades humanas, relativas às
características socioculturais da população local, como se isso não importasse. E
realmente, para Pedro Ludovico e seu grupo, não importava. Como Pedro Ludovico
chegou a afirmar, “a ele, só importava o lugar”. Apesar disso, a chegada das autoridades
e das obras à tranquila cidade mudou profunda e irreversivelmente a vida daquela
comunidade. Junto com as máquinas, vieram muitas expectativas. A palavra “moderno”
e suas derivações se tornaram cada vez mais presentes na propaganda oficial. A cidade
que estava sendo construída seria a “capital mais jovem e moderna do país”, afirmam os
jornais de apoiadores do mudancismo.

Nos anos 1930, um misto de esperança e incômodo pairou pela cidade, que
crescera espontaneamente em torno de uma igrejinha há mais de 110 anos, sem grandes
mudanças ao longo deste período. A esperança focava na possibilidade de obtenção dos
efeitos positivos anunciados como consequências da modernidade: energia elétrica nas
casas, novos meios de comunicação e transporte, infraestrutura de estradas, oportunidades
econômicas e, principalmente, a toda a atenção que poder público estadual - agora tão
perto - poderia, enfim, dispensar a melhorias nas condições de serviços públicos voltados
para a saúde e para a “elevação cultural” dos jovens da cidade.

O tal incômodo pôde ser constatado nas narrativas que expunham as


inconveniências sociais e problemas de saúde pública trazidos pelas obras e pelo aumento
populacional. Em decorrência das obras, a poeira era incessante. Em função do aumento
no número de construções, a abertura indiscriminada de fossas e cisternas provocava
surtos de doenças ocasionadas pela contaminação da água disponível para consumo, visto
que não havia água encanada. Ao longo da década de 1940, até mesmo a questão da
presença de uma “zona de meretrício” no bairro passou a incomodar e ser colocada como

181
um problema cuja população local se mostrava desejosa de que uma intervenção do poder
público pudesse apartar sua existência das residências familiares. A redenção de
Campinas pela alardeada modernização demorava a chegar. Enquanto isso, Goiânia
crescia e recebia o Liceu, transferido da antiga capital em 1937. A procura por vagas no
Liceu em Goiânia era muito grande, e a demanda superava, em muito, sua capacidade, já
no início da década de 1950.

Os anseios por um colégio de perfil semelhante em Campinas se tornaram algo


real. Pedro Ludovico, aparentemente não os ouvia. Sua prioridade eram as obras de
infraestrutura e a conclusão dos prédios contidos no plano do núcleo original de Goiânia.
Durante seu primeiro governo, na década de 1930, a região de Campinas recebeu suas
primeiras instituições escolares públicas com características físicas e pedagógicas
“modernas”: os grupos escolares. O Grupo Escolar Pedro Ludovico, inaugurado em 1936,
garantiu acesso “gratuito” à população de meninos e meninas da cidade em um modelo
organizacional inédito na cidade. Apesar de serem instituições primárias, os grupos
escolares representavam o que havia de mais moderno no que diz respeito à instrução
básica desde o início da década 1920 no Estado. Porém, os avanços na área da educação,
bem como muitos outros elementos de progresso associados ao projeto modernizador não
chegaram da forma como a população de Campinas esperava ao longo dos quinze anos
que Pedro Ludovico ocupou a chefia do executivo estadual.

A saída de Pedro Ludovico, e abertura democrática em 1945, abriu a possibilidade


de que disputas travadas nas urnas pudessem brindar a população de eleitores com
embates que confrontavam, em discurso, diferentes projetos de modernização, muitas
vezes traduzidos em promessas e duras críticas aos adversários. Neste cenário, no qual as
dinâmicas eleitorais estabelecidas em um pluripartidarismo polarizado, expresso em
Goiás, pelo antagonismo PSD X UDN, surgem as condições ideais para a criação de um
elemento inédito na região de Campinas: uma grande instituição pública de ensino em
nível secundário. O candidato Jerônimo Coimbra Bueno prometeu a criação de tal
melhoria no bairro caso fosse eleito. Quando a promessa foi virtualmente cumprida, em
1947, com a Lei de Criação e efetivada com pompa, em 1950, com a cerimônia de
instalação do Ginásio Estadual de Campinas, ficou clara a influência direta da trama
política na situação que legou à população de Campinas o Colégio Pedro Gomes.

No contexto da década de 1950, a euforia ocasionada pela construção de Brasília,


inseriu Goiânia, novamente, em uma situação de ansiedade em relação ao incremento das

182
atividades econômicas capitalistas no Estado. Goiânia experimentou, então, uma contínua
onda de crescimento populacional naquele momento. As camadas médias urbanas
passaram a valorizar o ensino secundário como seu “passaporte” para a ascensão social e
como uma possibilidade de preparação adequada ao concorrido ingresso no ensino
superior, cada vez mais presente na nova capital a partir da criação da Universidade
Católica e da Universidade do Brasil Central.

A população de Campinas, naturalmente, participou das eleições que se


sucederam, sem jamais assistir ao retorno de um candidato da UDN ao Palácio das
Esmeraldas. O Ginásio Estadual de Campinas, então, demorou 10 anos para cumprir seu
ideal, ou seja, ser o prometido colégio de Campinas. A aquisição de um terreno, a
construção do primeiro pavilhão do prédio próprio e a transferência da unidade escolar
para sua sede definitiva seriam os gatilhos para a expansão da oferta do ensino secundário
à população, com a adoção do segundo ciclo. Assim, o governador do PSD, José Feliciano
Ferreira assinou, em 1959, a aguardada elevação do ginásio à condição de colégio.

À guisa de conclusão, afirmamos, com base em toda a pesquisa aqui apresentada,


que a criação do primeiro colégio público de Campinas esteve relacionada ao conjunto
dos processos de modernização que foram desenvolvidos em Goiânia. Especialmente em
Campinas, estes processos foram marcados por profundas contradições entre o discurso
e a prática modernizadora manifestada pelos diferentes grupos políticos que os
conduziram ao longo da primeira metade do século XX. Nos primeiros anos de Goiânia,
Campinas vivenciou um embate simbólico, travado principalmente no plano político,
entre o “velho” e o “novo”, que, no cotidiano da população, se traduzia nas significativas
e velozes mudanças que eram impressas no perfil daquela comunidade, revelando as
consequências demográficas e socioeconômicas da “modernização” na região que
recebera a nova capital. Obra de grande magnitude material e importante significado
simbólico, o colégio esteve ligado à modernização do bairro, juntamente com outros
elementos urbanos associados ao “progresso” na sua época. Nesse sentido, o Colégio
Estadual Professor Pedro Gomes trouxe consigo o asfaltamento das ruas do bairro,
destacadamente em suas adjacências e, fazendo-se presente nos importantes desfiles
cívicos do período populista da república brasileira foi, seguramente, associado à
elevação da autoestima da comunidade do bairro de Campinas.

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dia 14/12/2004 às 15:20. Brasília, 2004. (Disponível em
https://www.camara.leg.br/internet/sitaqweb/TextoHTML.asp?etapa=3&nuSessao=283.
2.52.O&nuQuarto=41&nuOrador=1&nuInsercao=31&dtHorarioQuarto=15:20&sgFase
Sessao=PE%20%20%20%20%20%20%20%20&Data=14/12/2004&txApelido=LUIZ%
20BITTENCOURT&txFaseSessao=Pequeno%20Expediente%20%20%20%20%20%20
%20%20%20%20%20%20&dtHoraQuarto=15:20&txEtapa=Com%20reda%C3%A7%
C3%A3o%20final)
COLÉGIO ESTADUAL PROFESSOR PEDRO GOMES. Almanaque “O Pedrão – 48
Anos”. Secretaria do Colégio Estadual Professor Pedro Gomes. Goiânia, 1995.
COLÉGIO ESTADUAL PROFESSOR PEDRO GOMES. Atas do Conselho dos
Professores do Colégio Estadual Professor Pedro Gomes. Arquivo do Colégio. 1964-
1968.
COLÉGIO ESTADUAL PROFESSOR PEDRO GOMES. Atas de Instalação do
Ginásio, das Reuniões da Congregação dos Funcionário Administrativos e das Sessões

190
Solenes de Entrega de Certificados dos Concluintes do Ginásio Estadual de Campinas.
Arquivo do Colégio Estadual Professor Pedro Gomes, 1950-1967.
COLÉGIO ESTADUAL PROFESSOR PEDRO GOMES. Histórico da Banda Marcial
Lígia Rebelo. Secretaria do Colégio Estadual Professor Pedro Gomes, 1989.
COLÉGIO ESTADUAL PROFESSOR PEDRO GOMES. Manuscrito “CEPPG”.
Secretaria do Colégio Estadual Professor Pedro Gomes. Goiânia, s/d.
CORRÊA LIMA, Atílio. Relatório do urbanista Corrêa Lima ao Exmo. Snr. Dr. Pedro
Ludovico Teixeira; M. D. Interventor no Estado de Goiás. Campinas (GO), 1935.
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE GOIAZ, nº 5.929. Goiânia, 23 de junho de 1949.
JORNAL DE NOTÍCIAS, 11 de janeiro de 1953.
JORNAL DE NOTÍCIAS, 11 de março de 1953.
JORNAL DE NOTÍCIAS, 26 de abril de 1956.
JORNAL DE NOTÍCIAS, 06 de agosto de 1958.
JORNAL DE NOTÍCIAS, 12 de agosto de 1958.
FOLHA DE GOIAZ, 13 de janeiro de 1950.
GODOI, Armando Augusto de. Relatório apresentado ao Sr. Dr. Interventor Federal, em
Goiaz, pelo engenheiro urbanista Dr. Armando de Godoi, relativo à construção da nova
capital do Estado de Goiaz nas proximidades da cidade de Campinas. Rio de Janeiro,
1933.
O POPULAR, 03 de abril de 1938.
O POPULAR, 24 de outubro de 1939.
O POPULAR, 5 de julho de 1942.
O POPULAR. Projeto Álbum (Fascículos).
O POPULAR, 02 de junho de 1994.
REVISTA OESTE. Goiânia na Opinião Nacional. Ano II, nº 6 (Reedição) Goiânia:
UCG, 1982.
TEIXEIRA, Pedro Ludovico. Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas,
D.D. Chefe do Governo Provisório, e ao povo goiano, pelo Dr. Pedro Ludovico
Teixeira, Interventor Federal neste Estado (1930-1933). Goiânia, Imprensa Oficial,
1933.

191
ANEXOS

Anexo 1 – Lei nº 18, de 29 de outubro de 1947, estabelece a criação do Ginásio Estadual


de Campinas (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE GOIÁZ nº 5929 – 23 de junho de
1949: p. 1 – Fonte: Secretaria do CEPI Professor Pedro Gomes).

192
Anexo 2 – Ata da instalação do Ginásio Estadual de Campinas. (Fonte: Arquivo do CEPI
Professor Pedro Gomes)

193
194
195
196
Anexo 3 – Lei nº 618, de 27 de julho de 1918, concedia condições financeiras para que a
linha de comunicação telegráfica chegasse a Campinas.
(Fonte: Casa Civil do Estado de Goiás. Disponível em
http://www.casacivil.go.gov.br/legisla%C3%A7%C3%B5es-e-atos-oficiais/leis-
ordin%C3%A1rias.html. Acesso em 22 de maio de 2019)

197
Anexo 4 – Lista de diretores do Ginásio Estadual de Campinas/ Ginásio Estadual de
Campinas/ Colégio Estadual Professor Pedro Gomes e seus respectivos períodos à frente
da direção. (Fonte: Secretaria do CEPI Professor Pedro Gomes)

DIRETORES(AS) DO GINÁSIO ESTADUAL DE CAMPINAS/ COLÉGIO


ESTADUAL DE CAMPINAS/ COLÉGIO ESTADUAL PROFESSOR PEDRO
GOMES
NOME PERÍODO
LOUVERCY OLIVAL 1950 a 1951
JOAQUIM GOMES FILHO 1951 a 1952
NEWTON PARANHOS 1952 a 1953
SEBASTIÃO VELOSO PELEJA 1953 a 1956
LÍGIA MARIA COELHO REBELO 1956 a 1966
MARIA CONCEIÇÃO DA PAIXÃO 1966 a 1967
DJALMA SILVA 1967 a 1968
PAULO MARCELINO 1968 a 1970
JOSÉ BARBOSA MEDEIROS 1970 a 1972
ADAIR NERI DOS SANTOS 1972 a 1975
ANA MARIA CAMILO NERI 1975 a 1976
GERALDO DIVINO MENDES 1976 a 1979
VALDIVINO VICENTE DA SILVA 1979 a 1980
GERALDO LIMA DOS REIS 1981 a 1983
THEREZINHA ARANTES DE FARIA 1984 a 1986
NIVALDO DA SILVA 1986 a 1987
ROSA MARIA DE JESUS 1987 a 1989
LUIZA VAZ DE CAMPOS 1989 a 1991
NAIR VIEIRA DE CARVALHO 1991 a 1994
LUZIA ZANINE DOS REIS 1994 a 1995
MARIA DAS GRAÇAS PEREIRA GUIMARÃES 1995 a 1999
MARTA SOUSA CASTRO 1999 a 2000
MARIA DE FÁTIMA GUIMARÃES NAVES 2000 a 2003
ODETE DE OLIVEIRA LÚCIO MEDEIROS SANTOS 2003 a 2005
AMÉLIA RODRIGUES DE SOUZA 2005 a 2009
ZILÁ CONCEIÇÃO DE CARVALHO SOUZA 2009 a 2015
JOSÉ JOAQUIM GOMES NETO 2015 até o presente

FONTE: “Almanaque Comemorativo ‘O Pedrão’: Colégio Estadual Professor Pedro Gomes – 48 anos
(1947-1995)”. Arquivo da Escola. Goiânia: 1995. Obs.: Como a tabela original encontrada no documento
“Almanaque” alcançava apenas as gestões ocorridas até o ano de 1995 - ano em que fora elaborado - a
atualização da lista de diretores (as) com dados a partir daquele ano foi feita pela Secretária Geral do
colégio, D. Tânia Cerocino, atingindo, assim, o momento atual, no qual este trabalho foi finalizado.

198
Anexo 5 - Recorte da primeira página do jornal Correio Oficial, apresentando vista aérea
de Goiânia com texto que faz menção aos Coimbra Bueno, bem como decreto concedendo
o título de “Construtores da Cidade de Goiânia” aos irmãos proprietários da firma
Coimbra Bueno e Cia. (CORREIO OFICIAL Nº 3654 – 24 de abril de 1938 – Fonte:
CPDOC-FGV. Disponível em: http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/arquivo-
pessoal/GV/audiovisual/fac-simile-da-primeira-pagina-do-jornal-correio-oficial-
apresentando-vista-aerea-de-goiania-bem-como-decreto-concedendo-o-titulo-de-
construtores-d Acesso em 22 de maio de 2019)

199
Anexo 6 – Publicidade na capa do Jornal O Estado de São Paulo anunciando a futura
venda de terrenos pela empresa dos irmãos Coimbra Bueno. (Fonte: O ESTADO DE SÃO
PAULO, 11 de março de 1937)

200
Anexo 7 – Lei Estadual nº 614, de 5 de agosto de 1952, assinada pelo governador em
exercício Jonas Duarte (PSD), vice de Pedro Ludovico. A lei autorizava a doação de um
terreno para a construção do Ginásio Professor Ferreira, fundado sob o escopo da
Campanha Nacional dos Educandários Gratuítos (CNEG). (Fonte: Casa Civil do Estado
de Goiás. Disponível em http://www.casacivil.go.gov.br/legisla%C3%A7%C3%B5es-e-
atos-oficiais/leis-ordin%C3%A1rias.html. Acesso em 22 de maio de 2019)

201
Anexo 8 – Lei Estadual nº 1564, de 13 de setembro de 1957. O documento assegurava
legalmente a subvenção estatal das instituições de ensino criadas a partir da atuação da
Campanha Nacional dos Educandários Gratuitos - CNEG). (Fonte: Casa Civil do Estado
de Goiás. Disponível em http://www.casacivil.go.gov.br/legisla%C3%A7%C3%B5es-e-
atos-oficiais/leis-ordin%C3%A1rias.html. Acesso em 22 de maio de 2019)

202
Anexo 9 – Lei nº 705 de 14 de novembro de 1952, assinada pelo governador Pedro
Ludovico Teixeira autorizava a permuta de terrenos entre a Igreja Católica o e Estado. Os
terrenos obtidos em Campinas seriam destinados à construção da sede do Ginásio
Estadual de Campinas. Esta negociação não foi consumada e a lei foi revogada por um
dispositivo de 1956. (Fonte: Casa Civil do Estado de Goiás. Disponível em
http://www.casacivil.go.gov.br/legisla%C3%A7%C3%B5es-e-atos-oficiais/leis-
ordin%C3%A1rias.html. Acesso em 22 de maio de 2019)

203
Anexo 10 – Lei nº 1502, de 17 de julho de 1957, estabecia em detalhes os termos para a
aquisição de um outro terreno destinado à construção do Ginásio Estadual de Campinas.
Também foi vetada. (Fonte: Casa Civil do Estado de Goiás. Disponível em
http://www.casacivil.go.gov.br/legisla%C3%A7%C3%B5es-e-atos-oficiais/leis-
ordin%C3%A1rias.html. Acesso em 22 de maio de 2019)

204
Anexo 11 – Lei nº 1626, de 16 de outubro de 1957. Neste dispositivo, eram finalmente
promulgados os critérios para a aquisição do terreno e início das obras para a instalação
da sede própria do Ginásio Estadual de Campinas. (Fonte: Casa Civil do Estado de Goiás.
Disponível em http://www.casacivil.go.gov.br/legisla%C3%A7%C3%B5es-e-atos-
oficiais/leis-ordin%C3%A1rias.html. Acesso em 22 de maio de 2019)

205
Anexo 12 – A Lei nº 2417, de 17 de dezembro de 1958, assinada pelo presidente da
Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, dispunha sobre a elevação do Ginásio
Estadual de Campinas à condição de Colégio, autorizando a abertura, no primeiro ano de
funcionamento como tal, apenas da primeira série do ensino secundário científico. Àquela
época, vivia-se o período final do governo de José Ludovico de Almeida, cujo secretário
da Educação, José Feliciano Ferreira, viria a suceder. (Fonte: Casa Civil do Estado de
Goiás. Disponível em http://www.casacivil.go.gov.br/legisla%C3%A7%C3%B5es-e-
atos-oficiais/leis-ordin%C3%A1rias.html. Acesso em 22 de maio de 2019)

206
Anexo 13 – Lei nº 2791, de 11 de novembro de 1959 estabelecia o valor a ser consignado
para as obras de asfaltamento das ruas do bairro de Campinas e determinava que a
execução das obras deveria ter seu início promovido no ano seguinte. (Fonte: Casa Civil
do Estado de Goiás. Disponível em
http://www.casacivil.go.gov.br/legisla%C3%A7%C3%B5es-e-atos-oficiais/leis-
ordin%C3%A1rias.html. Acesso em 22 de maio de 2019)

207
Anexo 14 – Nomeação de Pedro Adalberto Gomes de Oliveira como chefe da 1ª Secção
da Secretaria de Instrucção, Indústrias e Obras Públicas. (Fonte: CORREIO OFFICIAL
Nº 76 – 26 de setembro de 1912, pág. 4)

208
Anexo 15 – Nomeação de Pedro Gomes ao posto de delegado de polícia. (Fonte:
CORREIO OFFICIAL Nº 144 – 22 de novembro de 1917, pág. 3)

209
Anexo 16 – Nomeação de Pedro Gomes como Secretário do Lyceu de Goyaz (Fonte:
CORREIO OFFICIAL Nº 140 – 24 de outubro de 1917, pág. 3)

210
Anexo 17 – Deferencia do pedido de exoneração de Pedro Gomes da função de delegado
de polícia da Cidade de Goiás. (Fonte: CORREIO OFFICIAL Nº 185 – 31 de agosto de
1918, pág. 4)

211
Anexo 18 – Recorte do Jornal de Notícias Edição nº 26, publicado no dia 11 de janeiro
de 1953 (Chamada de capa).

Anexo 19 – Recorte do Jornal de Notícias Edição nº 26, publicado no dia 11 de janeiro


de 1953 traz a conclusão da matéria de capa intitulada “Vetada a lei que beneficiava o
educador goiano Pedro Gomes (Página 7).

212
Anexo 20 – Retrato do professor Pedro Adalberto Gomes de Oliveira, de autoria do artista
campineiro Thiers, exposta no hall de entrada do CEPI Professor Pedro Gomes. O artista,
que é morador de Campinas desde 1964, segundo relatou, se ofereceu voluntariamente
para pintar a tela, que foi cedida gratuitamente à instituição em 2017.

213
Anexo 21 – Discurso do candidato a vice-prefeito de Goiânia, Olegário Moreira Borges
(PTB), concorrente nas eleições de 1958 pela chapa UDN-PSP-PTB. (Jornal de Notícias,
edição nº 318, de 12 de agosto de 1958).

214
Anexo 22 – Detalhe ampliado do discurso do candidato a vice-prefeito de Goiânia,
Olegário Moreira Borges (PTB), concorrente nas eleições de 1958 pela chapa UDN-PSP-
PTB. (Jornal de Notícias, edição nº 318, de 12 de agosto de 1958).

215

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