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DEFORMAÇÕES ARQUITETÔNICAS

A vida de arquitetos e arquitetas1 não é fácil. São 4210 horas de ensino e treino,
com um período chamado de “integral”. A proposta é de formar profissionais
capazes de resolver problemas de ordem espacial.

“O curso de Arquitetura e Urbanismo objetiva a formação de profissionais


generalistas, capazes de compreender e traduzir as necessidades de
indivíduos, grupos sociais e comunidades, com relação à concepção,
organização e a construção do espaço interior e exterior, abrangendo o
urbanismo, a edificação e o paisagismo, bem como a conservação e a
valorização do patrimônio construído, a proteção do equilíbrio do ambiente
natural e a utilização racional dos recursos disponíveis.” 2

Intenções nem sempre se tornam realizações.


Os cursos de arquitetura, os quais eu tive algum acesso (já fui desconvidado,
pelo caráter alarmante e pessimista de minhas aulas sobre a profissão) tem
formado raros e poucos bons profissionais3. A maioria não tem condições, ao
sair, de enfrentar um projeto real. É, em certa medida, que isso seja um pouco
natural, pois na verdade na escola os projetos são irreais, sem vínculo efetivo
com as condições encontradas na realidade.
Não aprendemos a negociar, não aprendemos como estabelecer nosso
relacionamento com o mercado e os clientes. Não sabemos e nem sempre
fazemos contratos. Temos aversão ao negócio.
Nos Estados Unidos crianças vendem laranjada na frente de casa, é o preparo
para a vida de negócios, no futuro. Aqui é exploração infantil!
Eu costumava dar exemplo de dentistas, que ao se formarem, tinham todo
equipamento comprado e aptos a abrir seus consultórios. Nós viramos
estagiários.
Estagiário, aqui sem nenhum viés denotativo, é uma parte importante do
aprendizado, mas são transformados em apenas em um desenhista mais
qualificado (?).
1
Em 1986, ou seja, a 33 anos atrás, o cartão de visita de qualquer arquiteta, ostentava a denominação
“arquiteto” Fulana de Tal. A arquiteta Heloisa Moretzsohn foi a primeira em Campinas a ter a
denominação arquiteta, em um cartão.

2
Definição dos objetivos do curso, veja mais aqui:
https://www.puc-campinas.edu.br/graduacao/arquitetura-e-urbanismo/

3
Será motivo de outro post esses profissionais que dão esperança a profissão.
São as malditas 4210 horas e mais um apartamento o custo4 (põe mais um
pouquinho aí) para formar um arquiteto.
Vale?
Considero a última das grandes profissões humanistas que há, cujas
preocupações com o outro ainda tem lugar no rol das preocupações dos seus
profissionais.
Entretanto é desprezada e desvalorizado por todos, inclusive, por nós mesmos.
Considero uma estupidez, uma construtora, ou um empreendedor, que paga
menos de 1% do valor dos custos de obra como remuneração por um projeto.
Não é só mesquinharia, muquiranice e pão-durismo, é sobretudo burrice. Um
projeto representa economia, eficiência e melhores condições para um produto
habitacional.
Um vendedor ou corretor, recebe até 6% do valor do imóvel em suas
negociações, nada contra, mas o arquiteto que possibilitou a existência do objeto
que ele comercializa, receber uma quantia ínfima, soa ofensivo.
Não é à toa que o que se vê no mercado, é um aglomerado de porcarias,
repetições e variações sobre o mesmo assunto. Se recebe pelo que se paga!
Arquitetos e arquitetas tem, em sua maioria, projetado para famílias que não
existem mais, projetos para condições inexistentes, sem visualizar as tremendas
alterações que a vida contemporânea tem imposto a todos nos.
Os impactos da modernidade são maltratados por empresários que também são
malformados, isto significa que eles não compreendem como um bom projeto
pode mudar não só a vida daqueles que moram, mas da cidade como um todo.
Nossas cidades têm se transformado num entulho de entulhos arquitetônicos.
Nos enquanto arquitetos deveríamos receber, ao fim dos 5 anos, um certificado
de “inconclusão”, uma garantia de que não havíamos nos formados, de que
nossa incompletude arquitetônica deveria ser motivo de continuado
aprendizado.
Quantos de nós continuam a estudar? Quantos de nós buscam informações a
respeito de novas técnicas e tecnologias? quantos de nós estudam as interações
de novas mídias e a arquitetura? Quantos de nós buscam novas relações dentro
da casa, para propor modificações e avanços?5
É isso que chamo de “deformação”, deixamos de nos formar continuadamente
para enfrentar os desafios de um mundo em constante transformação.
4
Durante as palestras que eu dava sobre a profissão, costumava exibir uma nota de 100 R$(falsa
evidentemente!) e em um certo momento eu rasgava. Dizia aos alunos que era exatamente isto que eles
faziam ao ficar jogando conversa fora na cantina. É o custo/dia para uma família que paga as despesas
do aluno (sem contar o custo mensal da faculdade).

5
Temos evidentemente raros e poucos que continuadamente fazem isso, não CITO para não melindrar a
“crasse”
ESTAMOS CORRENDO MUITO PARA PERMANECERMOS NO MESMO
LUGAR!

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