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Saúde pública e saúde coletiva:

DEBATE DEBATE
campo e núcleo de saberes e práticas

Public health and collective health:


field and core area for knowledge and practice

Gastão Wagner de Sousa Campos 1

Abstract This paper discusses collective health Resumo O artigo discute o campo e o núcleo
knowledge and practices field and its core based de saberes e de práticas da saúde coletiva a par-
on a dialectics method, beyond positivism and tir de um metodologia dialética, pensando-a
structuralism, to carry out a critical view to- para além do positivismo e do estruturalismo e
wards their trends in assuming a transcendent fazendo uma crítica à sua tendência de assumir
position about the health field. From this posição de transcendência sobre o campo da
analysis on, suggestions for debating are elabo- saúde. A partir dessa análise são elaboradas su-
rated, taking the historical and social elements gestões para debate, relacionadas centralmente
of concrete subjects, in their main relation to com saúde coletiva entendida como construção
what is termed collective health. sociohistórica de sujeitos concretos.
Key words Public Health; Collective Health; Palavras-chave Saúde Pública; Saúde Coleti-
Constructivism va; Construtivismo

1 Departamento de
Medicina Preventiva e
Social – FCM/UNICAMP
gastao@mpc.com.br
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Campos, G. W. S.

Sinais de glória e sintomas de crise: ciplinas. O mesmo ocorrendo com os campos


algumas questões sobre a saúde coletiva de prática. Nesses termos, quase todo campo
científico ou de práticas seria interdisciplinar e
Repensar a saúde coletiva, aproveitando-se da multiprofissional. Guattari e Deleuze (1976) na
história e da tradição da saúde pública. Enten- filosofia, na política e na clínica, McNeill e Frei-
dê-la tanto como um campo científico quanto berger (1993) na matemática, assim como vá-
como um movimento ideológico em aberto, rios outros autores “pós-modernos” têm criti-
conforme sugeriram Almeida Filho e Paim cado o sentido absoluto com que se tomam al-
(1999). Um movimento que, sem dúvida, no gumas noções, como a de dentro e fora, identi-
Brasil, contribuiu decisivamente para a cons- dade e diferença, coletivo e individual, macro e
trução do Sistema Único de Saúde (SUS) e pa- micro. Mesmo concordando com esses pensa-
ra enriquecer a compreensão sobre os determi- dores, parece que este borramento de limites
nantes do processo saúde e doença. Mas tam- indicaria mais uma impossibilidade de fechar-
bém reconhecer que o modo como vem ocor- se em copas do que a extinção, com a conse-
rendo sua institucionalização tem bloqueado a qüente fusão, de todas as disciplinas, profissões
reconstrução crítica de seus próprios saberes e e especialidades.
práticas, provocando uma crise de identidade Para escapar a este paradoxo – o do isola-
manifesta em sua fragmentação e diluição co- mento paranóico ou o da fusão esquizofrênica –,
mo campo científico. São estas as questões aqui um grupo de pesquisadores sugeriu alterações
tratadas. nos conceitos de núcleo e de campo (Campos,
As questões enunciadas têm como sintomas et al., 1997). A institucionalização dos saberes e
uma série de dilemas que vêm sendo analisa- sua organização em práticas se daria mediante
dos pelos especialistas: a saúde coletiva teria a conformação de núcleos e de campos. Núcleo
criado um novo paradigma, negando e supe- como uma aglutinação de conhecimentos e co-
rando o da medicina e o da antiga saúde públi- mo a conformação de um determinado padrão
ca? Saúde coletiva corresponderia a todo o cam- concreto de compromisso com a produção de
po da saúde, ou apenas a uma parte? A expan- valores de uso. O núcleo demarcaria a identi-
são do SUS provocaria um crescimento auto- dade de uma área de saber e de prática profis-
mático das práticas de saúde coletiva? Saúde sional; e o campo, um espaço de limites impre-
pública abarcaria todo o sistema estatal de saú- cisos onde cada disciplina e profissão busca-
de, indicando ser ela o lado contrário de práti- riam em outras apoio para cumprir suas tare-
cas privadas? Ou nomearia também uma pro- fas teóricas e práticas (Campos, 2000).
fissão e um campo de práticas? A noção de pro- Esses conceitos diferem da elaboração de
dução social da saúde, central à saúde coletiva, Bourdieu (1983, 1992) sobre campo e corpus já
seria oposta ou complementar à de história na- que os autores modificaram o sentido polar e
tural do processo saúde e doença, adotada pela antagônico atribuído aos dois termos. Para
clínica como modelo explicativo? Bourdieu campo intelectual se conformaria co-
Mais do que buscar definições formais, im- mo espaço aberto, ainda quando submetido a
porta reconhecer que uma teoria e seus con- conflitos de origem externa e interna. Entre-
ceitos têm implicações, ainda que não absolu- tanto, nos corpus verificar-se-ia o seu subse-
tas, sobre as práticas sociais (Donnangelo, 1983; qüente fechamento em disciplinas, quando
Bourdieu, 1983; Testa, 1993). ocorreria a monopolização do saber e da ges-
Busca-se, portanto, um método de reflexão tão das práticas por agrupamentos de especia-
para analisar a saúde coletiva não somente ba- listas. A formação de disciplinas (corpus) no
seado em a priori teórico, mas também em com- campo religioso, político ou científico, ocorre-
promisso concreto com a produção de saúde, ria com o fechamento ou institucionalização
já que a produção de saúde é função e finalida- de parte do campo, com a conseqüente criação
de essencial sem a qual não se está autorizado a de aparelhos de controle sobre as práticas so-
falar em trabalho em saúde. Nesse sentido, a ciais a ele referentes.
ambigüidade e a ubiqüidade do conceito de Um núcleo, ao contrário, indicaria uma
saúde coletiva têm também contribuído para a aglutinação, uma determinada concentração de
fragmentação e para o enfraquecimento do seu saberes e de práticas, sem, contudo, indicar um
campo de saber e de práticas. rompimento radical com a dinâmica do cam-
Admite-se hoje a inevitável existência de po. Igual à noção de corpus, a de núcleo tam-
uma certa sobreposição de limites entre as dis- bém parte da necessidade, e da inevitabilidade
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de se construírem identidades sociais para as o conceito tradicional da saúde pública e inves-
profissões e para os campos de saber. Mas, ao tiram na construção da teoria e das práticas da
contrário, sugere a possibilidade de que essa saúde coletiva. Apesar do que já se escreveu so-
institucionalização poderia acontecer de modo bre esta mudança e inclusive sobre as ambigüi-
mais flexível e aberto (Onocko, 1999). Enfim, dades (Donnangelo, 1983; Nunes, 1986; Mina-
não haveria como escapar-se à institucionaliza- yo, 1991; Paim, 1992) valeria ainda insistir na
ção do saber e à administração organizada das pergunta: o que aquela troca de nomes revelou
práticas sociais. Porém, elas poderiam ser orga- de novo? Que rupturas, de fato, aconteceram?
nizadas de forma democrática, sendo estrutu- O que existe de continuidade? Talvez seja o mo-
radas de forma a permanecerem abertas a dis- mento de analisar algumas experiências cons-
tintos campos de influência. O conceito de cor- truídas pela velha saúde pública que o radicalis-
pus (disciplina) enfatiza a concentração de po- mo inerente ao momento de fundação de uma
der e a tendência de fechamento das institui- nova proposta impediu examinar com mais
ções. A noção de núcleo valoriza a democrati- cuidado. Inclusive, é importante aprofundar os
zação das instituições, ou seja, ressalta sua di- motivos pelos quais, depois de tanto desenvol-
mensão socialmente construída, sugerindo vimento teórico e da incorporação de uma so-
que a escolha de seus caminhos funcione co- fisticada trama de categorias sociológicas, a
mo uma possibilidade e não como uma ocor- saúde coletiva brasileira, ao propor modos de
rência automática. De outra forma, aos sujei- intervenção, continua tributária, não da teoria
tos não restaria outra opção que a de perma- crítica que construiu, mas de um pensamento
necerem em desestruturação à espera dos au- sistêmico bastante pragmático e instrumental,
tomatismos dos campos em fase instituinte; muito à moda e gosto dos anglo-saxões.
ou, ao contrário a de se prenderem a discipli-
nas fechadas.
Tanto o núcleo quanto o campo seriam, A saúde coletiva para além
pois, mutantes e se interinfluenciariam, não do positivismo, do estruturalismo
sendo possível detectar-se limites precisos en- e de uma posição de transcendência
tre um e outro. Contudo, no núcleo, haveria sobre o campo da saúde
uma aglutinação de saberes e práticas, com-
pondo uma certa identidade profissional e dis- Com certeza, não caberia abandonar a trilha
ciplinar. Metaforicamente, os núcleos funcio- dos fundadores, mas seguir-lhes as pegadas,
nariam em semelhança aos círculos concêntri- afinal foram pioneiros na crítica ao positivis-
cos que se formam quando se atira um objeto mo, constitutivo básico das práticas sanitárias
em água parada. O campo seria a água e o seu tradicionais. Para Antônio Ivo de Carvalho
contexto. (1996) a saúde coletiva nasceu da crítica ao po-
Partindo do marco conceitual exposto, se- sitivismo e... à saúde pública tradicional, consti-
ria pertinente perguntar qual a identidade da tuída à imagem e semelhança da tecno-ciência e
saúde coletiva? Ou seja, qual o seu núcleo de do modelo biomédico. Pois bem, apesar dessa
saberes e de práticas? E mais, em que campo de origem, nota-se o recrudescer de um certo neo-
interinfluência ela estaria mergulhada? Em de- positivismo, advogando-se como método de
corrência, acrescem-se outros dilemas aos já ci- trabalho, versões mais ou menos sofisticadas da
tados: quem é o agente que faz saúde coletiva? teoria de sistemas (OPAS, 1992; Barata, R &
Haveria um agente especializado? Sem dúvida, Barreto, M, 1996).
médicos, a equipe de saúde, o governo, a comu- Quer pela insuficiência do pensamento so-
nidade, muitos, potencialmente, produzem cial incorporado à saúde coletiva para impul-
saúde. Todos que produzem saúde seriam agen- sionar práticas e projetos sanitários concretos,
tes da saúde coletiva ou da saúde pública? Ha- quer pela pressão exercida pelas agências finan-
veria um núcleo de saber especializado e um ciadoras e pela própria instituição universitária
agente específico, nuclearmente encarregado no sentido de que a saúde coletiva adote, em
de produzir ações de saúde pública? Haveria sua construção teórica, normas e procedimen-
necessidade social de formá-lo? Haveria possi- tos padrões bastante assemelhados aos da me-
bilidade histórica concreta de que seu trabalho dicina em particular ou aos da tecnociência em
fosse requisitado? geral, observa-se um crescimento de prestígio
A necessidade reflexiva autoriza a prosse- do objetivismo na produção científica da área.
guir no esforço crítico dos que romperam com Rever as relações entre sujeito e objeto (Carva-
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lho, 1996) continua sendo ainda uma tarefa crí- se vinculado a um novo paradigma, o da pro-
tica contemporânea, portanto. moção à saúde, imaginando que a incorporação
Nunes (1996) descreveu que o termo Saúde do social à análise dos processos saúde e doen-
Coletiva passou a ser utilizado, no Brasil, em ça criaria práticas distintas, senão antagônicas,
1979, quando um grupo de profissionais, àquelas baseadas na história natural. Um novo
oriundos da saúde pública e da medicina pre- modo de se produzir saúde, que negaria o mo-
ventiva e social procuraram fundar um campo delo clínico e não um modo entre outros não
científico com uma orientação teórica, meto- necessariamente equivalentes, porém úteis, ca-
dológica e política que privilegiava o social co- da uma dentro de seus limites e especificidade.
mo categoria analítica. Agudelo e Nunes (1991), Outro não tem sido o procedimento domi-
ainda que reconhecendo o papel decisivo do nante na medicina, que desautoriza, em princí-
movimento da saúde coletiva no Brasil e em pio, todo o saber e toda a prática sobre saúde,
outros países da América do Sul, na incorpora- produzidos fora de sua própria racionalidade.
ção do social à temática da saúde, não deixa- Ao criticá-lo, com pertinência, a saúde coletiva
ram de apontar que tampouco esta expressão tende a adotar a mesma postura totalitária e
tem podido resolver totalmente a insuficiência disciplinar. Para diversos autores, a epidemiolo-
das denominações em questão. gia e as ciências sociais explicariam o processo
Para Carvalho (1996) a saúde coletiva, ao saúde/doença e fundariam um novo paradig-
incorporar o social ao pensamento sanitário, ma, com um modo de intervenção sobre a rea-
tendeu a fazê-lo segundo cânones objetivistas lidade que superaria – sempre em princípio! –
preconizados pela escola estruturalista e pela todos os outros existentes. De acordo com essa
tradição marxista: a subjetividade aqui admiti- perspectiva a saúde coletiva não seria um saber,
da é aquela que brota da necessidade coletiva e entre outros, sobre os modos como se produz
que se organiza em sujeitos coletivos – no Esta- saúde e doença; mas, o saber. Quase um novo
do, no partido, nas organizações classistas e co- paradigma. Alguns autores e mesmo documen-
munitárias... tos de organismos internacionais chegaram a
De fato, apesar de autores tão influentes co- anunciar o surgimento de um novo paradigma
mo Testa (1993) e Donnangelo (1976) haverem de promoção da saúde que superaria a influên-
divulgado análises em que a saúde pública apa- cia do modelo clínico na organização dos servi-
recia como construção histórica e o exercício ços e práticas (Mendes, 1993; WHO, 1991).
profissional como prática social, não há como Nesse trabalho não se sugere a possibilida-
não concordar com Carvalho quando aponta de de completa superação das tendências des-
que o saber dominante em saúde coletiva ten- critas, o que significaria cair na mesma arma-
deu a subestimar a importância dos sujeitos na dilha metodológica criticada. Tampouco pre-
construção do cotidiano e da vida institucional. tende-se demonizá-las. Não há como se operar
Finalmente, caberia reconhecer a tendência sem objetividade. As estruturas existem e in-
da saúde coletiva em confundir-se com todo o fluenciam a produção do campo da saúde: nor-
campo da saúde. Tal tendência indicaria uma mas, saberes, culturas, sistemas, instituições.
visão de mundo fundada em categorias absolu- Além do mais, não há como desconhecer a im-
tas e transcendentais. Para alguns, a saúde cole- portância (não a transcendência, apenas a im-
tiva se constitui numa espécie de metadiscurso portância) que saberes e práticas advindos da
supostamente capaz de criticar e reconstruir saúde coletiva tiveram e têm para a reformula-
saberes e processos concretos de produção de ção da clínica, da reabilitação e dos sistemas de
saúde. Nesse sentido, ela forneceria metaexpli- saúde em geral. Donnangelo (1983) já havia
cações auto-suficientes sobre a tríade saúde, demarcado que a saúde coletiva influenciava e
doença e intervenção. Por outro lado, seu dis- apoiava práticas de distintas categorias e atores
curso constitutivo tenderia a hipervalorizar a sociais, quer em temas ligados à organização da
determinação social dos processos saúde/doen- assistência, quer na compreensão dos próprios
ça, desqualificando os fatores de ordem subje- meandros da produção de saúde.
tiva e biológica. Neste caso, a saúde coletiva Busca-se, ao contrário, recuperar a velha
não é vista como um modo de intervenção so- dialética, verificando em que medida posições
bre o real mas como um novo paradigma ou e pólos operam em regime de contradição ou
um modelo alternativo aos demais. de complementaridade. Assim, à promessa de
O modelo denominado de vigilância em objetivação asséptica do positivismo é preciso
saúde (Mendes, 1993), por exemplo, proclama- contrapor a subjetividade dos agentes sociais
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em todas as fases do processo saúde/doença/in- Outro estudioso que muito contribuiu para
tervenção, inclusive quando da elaboração de o desenvolvimento do pensamento dialético foi
conhecimentos e tecnologias. Jamais, contudo, Henri Lefebvre. Este trabalho inclusive, vale-se
deve-se abrir mão dessas linhas de análise. Ao do seu conceito de ser humano (sujeito) assim
peso das estruturas contrapõe-se a história que sintetizado por ele: A palavra Ser aparece... em
as produz, pela ação social de indivíduos, gru- dois sentidos a um tempo contraditórios e inse-
pos e movimentos. Além do reconhecimento paráveis: o ser abstrato, vazio, indeterminado; e
de que a saúde coletiva é um saber constitutivo o ser rico em determinações, desenvolvido (Le-
e essencial a todas as práticas em saúde, é fun- febvre, 1995).
damental admitir que também se produzem O termo ser humano indicaria, portanto,
conhecimentos, políticas e valores relevantes uma ambigüidade insanável: ser, pensado co-
para saúde a partir de outros campos, como o mo uma identidade abstrata, substantiva, rela-
da clínica ou o da reabilitação. tiva à condição humana em geral ou a um in-
divíduo específico. Mas também indicando vir-
a-ser, o verbo ser no sentido de devir; ou seja, o
Algumas palavras sobre a dialética esforço existencial e a práxis social para se
constituir como sujeito. Talvez, o gerúndio do
A proposta que aqui se apresenta é de repensar verbo, uma pessoa ou um grupo sendo. Ser, sen-
a saúde coletiva filiando-se àquelas escolas filo- do. Ser em transformação perene.
sóficas que sustentam a existência de relação Alguns historiadores atribuem à intenção de
dialética entre o pensar e o agir, entre o homem driblar a censura fascista o hábito de Gramsci
e o mundo, e entre os próprios homens, entre utilizar o termo filosofia da práxis para desig-
ser e não ser, ao mesmo tempo. Pensar criador nar o marxismo. Ainda que movido por esse
e criatura embolados, todo o tempo, um ente constrangimento, a escolha das palavras, pare-
produzindo por ele e por outros. Precisando ce-me, indicaria um compromisso espistemo-
melhor, é importante assumir que toda produ- lógico distinto da tradição marxista criticada
ção é uma co-produção em que o produtor é por Carvalho (1996). Ou seja, Gramsci ressalta
também modificado pelo produto. e propõe a adoção de um método de pensar
O ser humano é parte inseparável do mun- que não anula as relações e influências mútuas
do, ainda que desfrutando de uma propriedade entre abstrato e concreto; individual e coletivo;
especial de se afastar dele. Ou seja conserva o pensar e agir; ou tampouco, entre economia,
poder da imanência assim como detém o poder política e psicologia; ou ciência e senso comum.
de reflexão do sujeito para estranhar o mundo Lefebvre (1995) defendia que um bom mé-
e modificá-lo, assim como para modificar a si e todo para pensar a vida deveria sempre obede-
aos outros. Jamais seres humanos poderiam cer a, pelo menos, quatro exigências. Primeira,
destacar-se da condição material de pertencer a o pensamento deveria sempre lidar com ambos
este mesmo mundo assim como não podem os termos que a metafísica ou o objetivismo
declinar do papel histórico de transformá-lo. têm procurado separar. Assim, haveria que se
Marx pretendeu superar a dicotomia entre descobrir relações entre o ser e o mundo, o so-
o materialismo mecanicista e o idealismo reli- cial e o individual, entre essência e aparência,
gioso ou voluntarista (Marx & Engels, 1996); entre tudo e nada. Portanto, estaria vedado op-
no entanto, poucos entre seus seguidores sus- tar e não optar, de modo transcendente, por
tentaram essa tensão dialética entre objetivida- um dos extremos dessas polaridades.
de e subjetividade, talvez, de fato, pouco traba- Em segundo lugar, o pensamento somente
lhada pelo velho revolucionário. se afirmaria como movimento, sendo, portanto,
Possivelmente Gramsci tenha sido o discí- sempre incompleto. Se nem isso fosse esvaziado
pulo que mais longe levou os desdobramentos de qualquer verdade, jamais também portaria
decorrentes desta visão de mundo. Para este toda a verdade sobre as coisas. Terceiro, seria
pensador, a vontade humana e a objetividade do importante considerar o caráter contraditório
mundo exterior seriam qualidades inseparáveis, inerente ao pensar e ao agir, exatamente por-
uma a constituir e a influenciar a outra, duran- que a partir de deslocamentos sucessivos entre
te todo o tempo. Por isso, ele valorizou a idéia os termos dessa polaridade seria possível esta-
de devenir: o homem devém, transforma-se con- belecer-se alguma crítica ao modo como um
tinuamente com as transformações das relações dado processo se desenvolveu. Desde a prática
sociais (Gramsci, 1978). se critica o saber; desde o conhecimento se cri-
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tica a práxis. Lefebvre argumentava ainda que do desejo da filosofia de dominar e controlar to-
contradição não significa absurdo, já que tam- talmente a consciência ou a realidade exterior
pouco seria possível eliminar seus dois pólos. (Chaui, 1989).
Sugeria ainda usar-se o contraditório para en- Passando ao campo das práticas sociais, pa-
riquecer o saber, na medida que isso significa- rece que foram as escolas de psicologia e da pe-
ria descobrir um complemento de determinação. dagogia que mais amplamente aplicaram pers-
Por último, ele negava transcendência tan- pectivas análogas em sua prática cotidiana. Em
to à consciência do sujeito quanto ao mundo Freud é possível identificar uma recusa em op-
objetivo, lembrando que conhecimento e mun- tar por qualquer dos pólos responsáveis pela
do são ao mesmo tempo interiores e exteriores fragmentação contraditória dos sujeitos. Entre
aos sujeitos (Lefebvre, 1995). consciente e inconsciente ele nunca deixou de
Inúmeros pensadores vêm desenvolvendo trabalhar em perspectiva dinâmica, em que ló-
esforços para escapar à rigidez quer do objeti- gicas distintas estariam todo o tempo impondo
vismo, quer do subjetivismo. Hegel referia-se à conflitos mais ou menos dilacerantes às pes-
consciência infeliz daqueles que colocam sua vi- soas (Freud, 1969). E o que seria a psicanálise
da nas mãos dos outros. Considerava-os seres senão um método consciente (racional e deli-
presos à determinação do meio natural ou so- berado) para se lidar com o inconsciente e a in-
cial e, portanto, impotentes para reagir contra coerência constitutivos de todo e qualquer su-
o estabelecido criando algo novo (Hegel, 1974). jeito? Entre princípio de realidade e desejo sem-
Foge ao objetivo deste trabalho reconstruir pre haveria espaço para algum grau de deter-
de maneira sistemática a história da dialética; minação e de influência sujeito, aprisionado
mas, sem dúvida, dentro desta trajetória valeria entre essas linhas de força. Sem dúvida, a psi-
destacar Sartre, Merleau-Ponty e o já comenta- canálise e sua aplicação a grupos e instituições
do Bourdieu. O primeiro sugeriu conceitos pa- têm uma importante contribuição à uma teo-
ra articular as estruturas de determinação dos ria que pensasse a saúde coletiva como uma
sujeitos à sua própria capacidade de interven- construção sociohistórica de sujeitos.
ção sobre esses determinantes. Particularmen- Diferentes autores enfatizaram o tema da
te, as categorias de grupo serial, projeto e gru- intersubjetividade e o papel da inter-relação na
po sujeito (Sartre, 1963) seriam fundamentais constituição dos Sujeitos. Para Winnicott, por
para repensar a saúde coletiva. Merleau-Ponty exemplo, somente haveria um sujeito intersub-
buscou articular psicologia e sociologia, modi- jetivo, ao mesmo tempo autoproduzido e pro-
ficando e reconstruindo uma série de conceitos duto das relações humanas (Ogden, 1996). Ou-
originários da antropologia, do marxismo ou tra corrente que trabalhou a inseparabilidade
da ciência política, para aplicá-los em proble- do sujeito e do objeto, do coletivo e do indivíduo,
mas antes tomados exclusivamente pela psica- foi a que se convencionou denominar constru-
nálise, psicodrama, psicologia, e vice-versa tivismo social. Trata-se de um movimento am-
(Merleau-Ponty, 1990). plo, com limites imprecisos e importantes dife-
A saúde coletiva, em analogia ao trabalho renças entre seus aderentes, mas que, em linhas
de Merleau-Ponty e dos mal denominados gerais, sugere que o conhecimento é resultado
freud-marxistas, poderia escapar aos limites do da relação dialética entre o que Vygostsky de-
positivismo e do estruturalismo, articulando nominou de atividades interpessoais (relações
teorias e práticas do campo da política e da ges- sociais as mais variadas) e atividades interpes-
tão com saberes e experiências originários da soais (capacidade de ação reflexiva do próprio
psicanálise, pedagogia e análise institucional. sujeito). De Vygostsky, no começo do século
Combinar política, gestão e epidemiologia (dis- XX, a Paulo Freire, inúmeros autores elabora-
ciplinas que fazem parte da tradição da saúde ram o denominado construtivismo sociohistó-
coletiva) com clínica, psicanálise, pedagogia e rico, com concepções perfeitamente aplicáveis
análise institucional. à saúde coletiva, conforme o vem demonstran-
Marilena Chaui ressalta a crítica elaborada do cientistas e profissionais ligados à denomi-
por Ponty ao pensamento ocidental, que seria nada educação em saúde (Valla, 1999; Vascon-
um pensamento de sobrevôo, e que imporia uma celos, 1999).
separação entre o mundo e a consciência ao re- O construcionismo trabalha com a hipótese
duzir o real a um dos pólos da dicotomia sujei- de uma eterna reconstrução das pessoas, a qual
to-objeto. Neste sentido, ele discordaria tanto ocorreria em virtude da interação dos sujeitos
da pretensão transcendental do cientificismo, com o mundo e dos sujeitos entre si. Porém, es-
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ta capacidade se desenvolveria, fundamental- tração nuclear de saberes e práticas. Um núcleo
mente, pela elaboração reflexiva de experiên- co-produzido por miríades de inter-relações
cias, por meio do que o ser humano escaparia com o campo e, ao mesmo tempo, um núcleo
ao ciclo vicioso da determinação puramente co-produtor desse mesmo campo.
biológica ou estrutural (Matui, 1995; Van der Qual seria o núcleo da saúde coletiva? O
Veer & Valsiner, 1996). apoio aos sistemas de saúde, à elaboração de
Então, caberia (seria possível?) inventar políticas e à construção de modelos; a produ-
mundos, organizações e instituições (uma saú- ção de explicações para os processos saúde/en-
de pública, por exemplo) que produzissem não fermidade/intervenção; e, talvez seu traço mais
objetos/sujeitados, mas seres com potencial pa- específico, a produção de práticas de promo-
ra pensar refletir ou analisar e agir com algum ção e prevenção de doenças. Qual o semblante
grau de autonomia em relação aos seus deter- do núcleo de saberes e práticas da saúde cole-
minantes, fossem eles externos ou internos, tiva, então? Repito, semblante, sinal de identi-
conjunturais ou estruturais. ficação, e não um diferencial absoluto! Talvez
Os saberes e práticas apoiados no positivis- a sua concentração em problemas de saúde
mo ou no estruturalismo reforçam a polarida- com repercussão coletiva? Quem sabe um cer-
de objeto das pessoas, por intervirem sobre os to modo predominante de operar, um modo de
seres reduzidos à condição de receptores. Ain- intervenção centrado na promoção e na pre-
da que, na prática, um máximo de coisificação venção?
seja impossível, distintas estratégias políticas, De qualquer modo, não o todo, mas uma
sanitárias e terapêuticas fundadas sobre essas parte. Uma parte dinâmica e com inserção e in-
duas correntes filosóficas buscam a progressiva terferência no campo da saúde em pelo menos
redução dos coeficientes de liberdade e de au- dois planos. Em um plano horizontal, em que
tonomia dos sujeitos. A práxis social daí advin- saberes e práticas comporiam parte dos saberes
da reafirma, embora não como fatalidade, a e práticas de outras categorias e atores sociais.
tendência histórica das instituições oprimirem Assim, todas as profissões de saúde, as nuclea-
a dimensão singular de cada sujeito ou os inte- das na clínica ou na reabilitação ou no cuida-
resses e necessidades dos grupos dominados. do, todas, em alguma medida, deveriam incor-
As práticas sociais, todas elas – a clínica, a porar em sua formação e em sua prática ele-
saúde pública, a pedagogia, a gestão e a políti- mentos da saúde coletiva. Um movimento cul-
ca, poderiam produzir a infinidade de matizes tural conforme o sugerido por Donnangelo
entre controle social (seres dominados) ou au- (1976) há quase vinte anos e conforme veio
tonomia (cidadãos com liberdade relativa). Es- ocorrendo dentro do chamado movimento de
sas práticas operam, em potencial, tanto em reforma sanitária. Assim, a saúde mental, a neu-
prol de reduzir pessoas à condição de objetos rologia, a saúde da criança, dentre outras áreas,
sujeitados a algum poder, quanto no sentido de iriam se transformando também em conse-
multiplicar as possibilidades de sujeitos vive- qüência de aportes oriundos da saúde pública.
rem mais livremente. Essa liberdade significa- Nessa perspectiva, a missão da saúde coletiva
ria que, embora condicionados ao contexto e a seria a de influenciar a transformação de sabe-
compromissos, estariam aptos a lidar com au- res e práticas de outros agentes, contribuindo
tonomia relativa diante da objetividade das para mudanças do modelo de atenção e da ló-
coisas e das relações sociais. gica com que funcionam os serviços de saúde
em geral.
A outra inserção na matriz seria vertical: a
O campo da saúde como uma matriz saúde coletiva (ou saúde pública) como uma
área específica de intervenção. Uma área espe-
Dentro de um pensamento dialético a saúde cializada e com valor de uso próprio, diferente
coletiva seria um pedaço do campo da saúde. da clínica ou de outras áreas de intervenção.
Valendo-se de imagens, talvez poder-se-ia pro- Um espaço que para se institucionalizar neces-
jetar o campo da saúde como uma matriz em sitaria de definições formais: curso básico de
que a saúde coletiva fosse uma parte, em dis- formação, postos de trabalho no setor público
tintos planos de inserção. Desses, pelo menos e privado, associações de representação corpo-
dois são comentados neste artigo: a saúde cole- rativa, todo o acervo instituinte de uma área
tiva, como movimento intelectual e moral; e a parafernália bastante mais pesada do que o re-
saúde coletiva como um núcleo, uma concen- querido por um movimento ideológico.
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O seu agente, quem seria e como operaria? cialistas capazes de produzir saberes mais sofis-
Na saúde pública tradicional o sanitarista foi ticados sobre saúde pública e de intervir em si-
um especialista isolado, que trabalhava em pro- tuações mais complexas.
gramas verticais com forte grau de imposição
autoritária. Para a Organização Pan-America-
na de Saúde (OPAS, 1994) a principal caracte- Considerações a respeito de uma teoria
rística do sanitarista seria sua capacidade de li- sobre a produção de saúde
derança, devendo os cursos de formação pro-
duzir líderes para o setor saúde. Trata-se de Uma teoria sobre a produção de saúde deveria
mais um exemplo concreto da postura arro- apoiar todos as práticas sanitárias. Essa teoria,
gante e transcendente com que tem se posicio- portanto, seria construída para todo o campo
nado a saúde pública diante dos outros setores da saúde. Não para ser somente utilizada, mas
que compõem o campo. Alguns adeptos do também desenvolvida com a contribuição dia-
agir comunicativo, ao criticar tal perspectiva, lógica de toda a área e transbordando a fron-
chegam a caracterizar o trabalho do sanitarista teira do sistema sanitário propriamente. Mais
como de advocacy, uma espécie de habilidoso que isso, tal teoria deveria incorporar, em sua
defensor da saúde pública. Na prática, cumpri- racionalidade, todos os mecanismos sociais pe-
ria o papel de um assessor de luxo, inerte e im- los quais se geram saúde e enfermidade.
potente frente à dureza do estabelecido. Muitos Pois bem, nesse sentido, a construção de
colocam em pauta, inclusive, a extinção da pro- uma teoria sobre a produção de saúde ou sobre
fissão e da especialidade, já que o estado, a so- o processo saúde/enfermidade/intervenção não
ciedade e as equipes de saúde cumpririam to- deveria ser monopólio nem ferramenta exclu-
das as tarefas da saúde coletiva. siva da saúde coletiva, mas de todo o campo.
Talvez valesse a pena pensar o sanitarista Não há como pensar a superação do paradig-
como um agente de saúde pública, profissional ma biomédico sem a contribuição da própria
com liderança ocasional, conforme os proble- clínica só com aportes da epidemiologia e das
mas e programas em questão, que trabalhasse ciências sociais. Nem somente com o biológico
em equipes interprofissionais mas com papel e o subjetivo se podem pensar modelos e polí-
específico. Atuando tanto em projetos verticais, ticas de atenção integral à saúde. A clínica tem
voltados para promoção e prevenção e coorde- muito a ser criticada, mas tem também muito
nados por eles; quanto em outros de inserção a dizer. O mesmo poder-se-ia comentar sobre a
matricial, intra-sistemas de saúde ou interseto- saúde coletiva. Não há como repensar suas prá-
riais, em que o sanitarista seria um entre outros ticas desconhecendo o acervo da biologia, da
agentes. psicologia e da clínica. Como pensar a AIDS ig-
No Brasil, nota-se um importante enfra- norando ou a cultura ou o funcionamento
quecimento da vertente da saúde pública pen- concreto dos serviços de saúde, ou o compor-
sada como especialidade. O aparelho formador tamento do vírus, ou a potência dos imunobio-
em saúde coletiva tem privilegiado o mestrado lógicos ou dos tratamentos medicamentosos?
e o doutorado, ou cursos de extensão voltados Portanto, uma teoria do processo saúde/
para a equipe de saúde em geral (Nunes, 1996), doença/intervenção deveria constituir o acervo
em detrimento da formação de especialistas e básico e fundamental de todos os campos cien-
de residentes. Há, até mesmo, indefinição de tíficos e de todas as práticas que compõem o
critérios para os diferentes níveis e controvér- campo mais amplo da saúde. Este entendimen-
sia sobre conteúdos e, portanto, descontrole to atenua a pretensão de transcendência e de
sobre a qualidade dos profissionais autorizados auto-suficiência da saúde coletiva. Uma teoria
exercerem as atividades de saúde coletiva. No sobre a produção de saúde funcionaria como
caso de se adotar a primeira acepção, para saú- patrimônio orientador de todas as práticas sa-
de coletiva, considerando-se sua inserção hori- nitárias e não seria construída somente com
zontal, tão contrário a especialização seria fato base em uma perspectiva centrada no social ou
sem importância, já que seu exercício seria ta- na epidemiologia, mas no uso diversificado de
refa de todos os profissionais de saúde e mes- distintos saberes. Ao mesmo tempo, a com-
mo de toda a população. preensão dessa articulação de conhecimentos
Na realidade, seria importante combinar as nega, portanto, a existência automática, e em
duas perspectivas: tanto socializar saberes e princípio, de uma dominância da determina-
práticas, quanto assegurar a existência de espe- ção social no processo saúde/doença. Com cer-
227

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teza, há hierarquia ao se produzir um dado fe- predominam práticas de promoção e de pre-
nômeno sanitário. No entanto, esta hierarquia venção. Parte importante das ações de promo-
será, necessariamente, situacional e variável e ção escapam ao próprio campo da saúde e ao
jamais predeterminada. núcleo da saúde pública. Limites borrados, co-
Tampouco a análise e a investigação de pro- mo foi assinalado anteriormente, estão tam-
cessos saúde/doença/intervenção são monopó- bém entre as práticas incorporadas por estes
lios da saúde coletiva. Como também não o são diferentes modos de produzir saúde.
os métodos de investigação fundados na epide- A saúde seria, pois, o resultado de um pro-
miologia, na antropologia, na sociologia ou na cesso de produção. Um efeito algumas vezes
biologia. Cada modo de produção de saúde é desejado e buscado, com o sentido dado por
composto por uma dada combinação – quali- Sartre (1963) ao termo, um vir-a-ser, um devir,
tativa e quantitativa – de práticas. A combina- um bem a ser conquistado conforme bem o
ção destes modos criaria modelos distintos, precisou Cecília Minayo (1991). Indicando um
ainda quando alguns autores utilizem essas ex- processo sobre o qual intervêm práticas sociais,
pressões em sentido equivalente. A saúde cole- está relacionado tanto a necessidades sociais
tiva ou a saúde pública, como núcleo, ou a vi- quanto a práticas de intervenção e controle. A
gilância à saúde seu principal modelo de inter- clínica e a saúde coletiva produzem sempre
venção, ou a clínica seriam um entre outros saúde e controle. E o objeto sobre o qual se in-
modos de se produzir saúde. As políticas de tervém indica o compromisso assumido pelas
saúde e modelos de atenção resultariam de di- práticas sanitárias. No caso dos sistemas de
ferentes combinações destes modos e destas saúde este objeto é representado pela doença
práticas. ou por situações que a potencializem, quer di-
Os distintos modos de se produzir saúde gam respeito ao indivíduo ou ao meio. O obje-
apresentam-se com antagonismos; mas tam- tivo, o fim, ou a finalidade desses serviços é a
bém têm aspectos complementares já que se produção de saúde.
fundamentam em teoria e práticas não neces- Tais idéias acima desenvolvidas se contra-
sariamente excludentes. põem às de alguns autores que sugerem refor-
Identificam-se quatro modos básicos para mular o paradigma biomédico mediante um
se produzir saúde: a) transformações econômi- deslocamento do objeto de intervenção dos sis-
cas, sociais e políticas resultando em padrões temas de saúde. Deixar-se-ia de trabalhar com
saudáveis de existência, dificultando o surgi- a doença para se operar com a saúde. Ora, tal
mento de enfermidades. Cidades saudáveis tem propósito aparece como um contra-senso den-
denominado este modo de produção referente tro da perspectiva teórica deste artigo já que a
à promoção à saúde (WHO,1991); b) vigilância saúde é vista como um produto, um fim, um re-
à saúde voltada para a promoção e prevenção de sultado almejado, um objetivo. O objeto sobre
enfermidades e morte; c) clínica e reabilitação o qual intervém toda ou qualquer prática de
em que se realizam práticas de assistência e de saúde é a doença ou a potencialidade de se adoe-
cuidados individuais de saúde e d) atendimen- cer ou de morrer. Almeida Filho e Paim (1999)
to de urgência e de emergência, em que práti- sugerem una salud coletiva previsional o, si nos
cas de intervenção imediatas, em situações li- permiten, pre-visionaria, es decir, una salud co-
mites, evitam morte e sofrimento. letiva capaz de proponer visiones, formas, figuras
Não há limites precisos ou rígidos entre os y escenarios.
diferentes modos de produção. Todos utilizam O que se está ressaltando, contudo, é que o
práticas de promoção e de prevenção, ações clí- objetivo de se produzir saúde seria comum a
nicas de reabilitação e de cuidados. O que varia todas as práticas em saúde e não somente àque-
é a ênfase com que são utilizados. Assim, a clí- las vinculadas à saúde pública. Toda prática sa-
nica vale-se predominante de práticas de aten- nitária, em alguma medida, seria levada a ofe-
ção ao indivíduo, ainda quando a clínica, para recer algum valor de uso, no caso, algum coefi-
ganhar em eficácia, necessite incorporar o so- ciente de bem-estar, ainda que junto se produ-
cial e o subjetivo e operar com algumas práticas zam também iatrogenia e controle social. Ne-
de prevenção e de promoção à saúde. Do mes- nhum bem ou serviço pode desvincular-se
mo modo, é impossível praticar saúde pública completamente da obrigação de atender a ne-
sem o auxílio da clínica, pela atenção indivi- cessidades sociais. O que varia é o grau e a qua-
dual em programas coletivos ou vice-versa. No lidade com que são oferecidas. Voltar-se-ia, por-
entanto, na vigilância à saúde (saúde pública) tanto, à pergunta sobre o objeto da saúde cole-
228
Campos, G. W. S.

tiva. Para responder a esta questão haveria que utilidade que bens ou serviços têm para pes-
se investigar sua história concreta. Afinal o re- soas concretas vivendo em situações específi-
corte do objeto da saúde coletiva é bastante in- cas. Ninguém conseguiria fazer circular uma
fluenciado pela dinâmica política (Donnange- mercadoria sem valor de uso. A saúde, mesmo
lo, 1983) e varia conforme a correlação dessas quando entendida como um bem público, ou
forças, a ação do Estado e dos distintos atores seja, quando lhe é socialmente retirada o cará-
sociais, que atuam no setor. ter de mercadoria, como acontece no Sistema
Único de Saúde, já que é produzida como um
direito universal e não em função de seu valor
Para reconstruir o núcleo de de troca, mesmo nestes casos, ela conserva o
saberes e práticas da saúde coletiva: caráter de valor de uso.
algumas sugestões para debate A utilidade de um bem ou serviço não é um
dado intrínseco a ele, mas é socialmente cons-
A saúde coletiva e a defesa da vida (Campos truída. Resultando, portanto, da ação de distin-
GWS,1991). Em primeiro lugar é preciso assu- tos atores sociais em sentido nem sempre con-
mir explicitamente que a saúde pública é uma vergente, marcando cada produto com um cer-
construção social e histórica e que, portanto, to valor de uso. Assim, o valor da vida varia
depende de valores, ou seja, é resultante da as- conforme a época, a classe e o contexto social:
sunção e da luta de alguns valores contra ou- expressa-se sob a forma de necessidades so-
tros. Nesse sentido, sugere-se que os sanitaris- ciais. Necessidades sociais são significadas em
tas e demais profissionais de saúde assumam bens ou serviços a que tal ou qual segmento so-
explicitamente uma visão de mundo fundada cial atribui alguma utilidade.
na radical defesa da vida das pessoas com as Foucault (1995) afirmava que uma das ma-
quais trabalhem. Isso implica a busca da cons- nifestações do poder era a capacidade de pro-
trução de condições sociais que possibilitem duzir verdades. Em analogia, poder-se-ia afir-
aos especialistas em saúde coletiva trabalhar mar que a capacidade de produzir necessidades
com autonomia relativa tanto em relação ao sociais é uma manifestação concreta do poder
Estado, quanto a partidos políticos, ideologias dos distintos grupos e segmentos sociais (Cam-
e outras racionalidades técnicas. Assim, caberia pos, 2000). Nesse sentido, tanto as equipes de
ao sanitarista posicionar-se sobre a existência saúde quanto a sociedade deveriam explicita-
ou não de saberes e de modos concretos para mente cuidar da produção de valores de uso e
se enfrentar tal ou qual problema de saúde; ar- de sua expressão pública sob a forma de neces-
güindo contra os economistas e políticos em sidades sociais. Enganam-se aqueles que atri-
defesa da vida de grupos expostos a riscos. Não buem ao poder dominante a capacidade exclu-
deixar aos economistas a argumentação sobre siva de sempre produzir necessidades sociais.
inviabilidade econômica, e aos políticos, des- Por mais poderoso que sejam o Estado e mer-
culpas fundadas no pragmatismo dos que lu- cado, jamais essas instâncias conseguiram des-
tam pelo poder, mas exercita uma ética assen- conhecer a dinâmica social que resulta na cons-
tada no compromisso explícito com a vida. trução de necessidades. Ainda quando relegam
Não que a perspectiva acima venha a ter desejos e interesses dos usuários, ou o discurso
sempre a última palavra, mas é preciso reco- da saúde coletiva, esses elementos acabam por
nhecer que a sociedade ganharia com promo- mostrar sua lógica. Em alguma medida, os de
tores públicos, em princípio, comprometidos baixo metem sua colher de pau no cozido das
com a defesa da vida. Ou seja, com intelectuais necessidades sociais.
orgânicos (Gramsci, 1978) coerentes, em seus O que se argumenta é que caberia aos tra-
discursos e em suas práticas, com uma teoria balhadores e aos usuários, a partir de seus pró-
de produção da saúde. É óbvio que a resultante prios desejos e interesses, apoiando-se em uma
desses processos nunca será o projetado pelo teoria sobre a produção de saúde, tratar de
discurso sanitário puro, mas uma síntese de construir projetos e de levá-los à prática; obje-
distintas racionalidades. tivariam então a concretização de determina-
Há um segundo aspecto a ser reforçado: re- dos valores de uso, expressos sob a forma de
conhecer que a saúde é um valor de uso. Valor necessidades, bem como dos meios necessários
de uso com o sentido que originalmente Marx para atendê-las. Uma luta sem resultados pré-
(1985) atribuiu ao conceito, no volume primei- vios assegurados. É contrária à razão dialética a
ro de O capital. Valor de uso entendido como a análise que atribui exclusividade de efeitos à
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racionalidade ou ao poder hegemônico. O po- ta sobre a existência concreta de sujeitos e so-
der hegemônico é o dominante e não o único. bre a possibilidade de se inventar saúde para es-
Os dominados também interferem na dinâmi- ses enfermos, no caso da clínica; e para grupos
ca social, particularmente quando se trata da expostos a possibilidade de enfermar-se, para a
alteração de valores. Ora, valores são os alicer- saúde pública.
ces das estruturas e as estruturas são produto- Inventar saúde para Basaglia (1985) impli-
ras e garantidoras de valores. A alteração de va- caria mais do que uma invenção técnica, já que
lores ressalta a inadequação social e histórica ele ligava essa noção à de reprodução social do
de estruturas ultrapassadas, aumentando as paciente. Reprodução social entendida como
possibilidades de mudança. exercício de cidadania e de participação social.
Para finalizar, valeria um esforço concen- Em saúde pública poder-se-ia trabalhar com a
trado da saúde coletiva objetivando tornar mais idéia de mudança tanto das estruturas, sua de-
democrática e participativa a definição de va- mocratização, e da normas de direito, quanto
lores de uso e de necessidades sociais. da capacidade reflexiva e da iniciativa dos su-
A saúde coletiva e o fortalecimento dos sujei- jeitos individuais e coletivos. A reconstrução da
tos. Co-participar da produção de necessidades saúde coletiva passaria por um deslocamento
sociais exige iniciativa política e capacidade de de ênfase: antes fora a doença, depois as estru-
reflexão crítica. Como a saúde coletiva poderia turas, agora se trataria também de valorizar o
contribuir para diminuir o coeficiente de alie- fortalecimento dos sujeitos individuais e cole-
nação das pessoas? tivos. No entanto, o deslocamento de ênfase
Sartre (1963) falava em serialidade, referin- não poderia significar abandono das outras di-
do-se a grupos que repetiam comportamentos mensões. Como produzir sujeitos saudáveis
condicionados por estruturas ou valores hege- sem considerar as doenças ou a possibilidade
mônicos. Entretanto apontava para a possibili- de enfermar-se? Ou sem avaliar criticamente
dade da construção de grupos sujeitos, agrupa- aspectos estruturais (ambiente, leis, normas )?
mentos aptos a lidar com essas determinações A perspectiva de fortalecimento dos sujei-
e condicionamentos de forma mais livre. E as- tos foge à antidialética positivista de medicina
sim, considerando as limitações do contexto, que fica com a doença descartando a responsa-
criar-se-iam situações mais justas e democráti- bilidade com a história dos sujeitos concretos;
cas. Mas e a saúde coletiva teria algo a ver com e supera o estruturalismo da saúde pública tra-
isso? dicional que delega ao Estado e ao aparato téc-
Basaglia aproveitou-se desta linha de refle- nico quase toda a responsabilidade pela produ-
xão aqui tecida para repensar políticas e práti- ção de saúde.
cas em saúde mental. Poder-se-ia adaptar algo Concluindo, é preciso investir não somente
de suas conclusões para a saúde pública? Ama- dimensão corporal dos sujeitos conforme tra-
rante (1996) sintetizou bem a perspectiva me- dição da saúde pública (vacinação, por exem-
todológica com que Basaglia trabalhou: Se a plo), mas também pensá-los como cidadãos de
doença é colocada entre parênteses, o olhar deixa direito e donos de uma capacidade crítica de
de ser exclusivamente técnico, exclusivamente reflexão e de eleição mais autônoma de modos
clínico. Então, é o doente, é a pessoa o objetivo do de levar a vida.
trabalho, e não a doença. Desta forma a ênfase Nesse sentido, a atual ênfase da saúde pú-
não é mais colocada no processo de cura, mas no blica em combater determinados estilos de vi-
processo de invenção da saúde e de reprodução da (WHO, 1991), ainda que aparentemente re-
social do paciente. conhecendo a existência de pessoas concretas,
A perspectiva é de saída do objeto ontolo- não deixa de ser uma forma moralista e nor-
gizado da medicina – a doença – e entrada, em mativa de abordagem, já que os grupos a quem
seu lugar, de um sujeito. No caso da clínica, o se destinam essas intervenções não são incor-
doente; no caso da saúde coletiva, uma coleti- porados na construção ativa de modos de vi-
vidade específica. Vale enfatizar, que Basaglia da. Por exemplo, escolher entre longevidade e
não se referia a um enfermo em geral, mas a prazer é um direito inalienável da pessoa hu-
um sujeito concreto, social e subjetivamente mana. A participação na administração das re-
constituído. O mesmo se aplicaria a uma saúde lações entre desejos, interesses e necessidades
coletiva que se pretendesse construtiva: deveria sociais é condição sine qua non para a demo-
trabalhar com grupos concretos, social e cultu- cracia e para a construção de sujeitos saudáveis
ralmente constituídos. Toda a ênfase seria pos- (Campos, 2000).
230
Campos, G. W. S.

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