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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE ARTES CIÊNCIAS E HUMANIDADES

ANDRÉ FRANÇA
ELIZEU CHIODI
ELISANGELA MANUEL
HENRIQUE MARAVALLI
LETHICIA EGUCHI
WILIAN CONCENZZA

PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NAS POLÍTICAS DE


TRANSPORTE PÚBLICO DA CIDADE DE SÃO PAULO

São Paulo
2016
ANDRÉ FRANÇA
DALIAN WIL CONCENZZA
ELIZEU CHIODI
ELISANGELA MANUEL
HENRIQUE MARAVALLI
LETHICIA EGUCHI

PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NAS POLÍTICAS DE


TRANSPORTE PÚBLICO DA CIDADE DE SÃO PAULO

Projeto de pesquisa apresentado como requisito para


aprovação na disciplina de Resolução de Problemas
I na Escola de Artes Ciências e Humanidades da
Universidade de São Paulo.

Orientador: Prof. Dr. Fabio Campos

São Paulo
2

2016
RESUMO

Este trabalho investiga dois eixos principais: as políticas públicas e participação social, e
o desenvolvimento do transporte público coletivo, para entender o processo de surgimentos
destes agentes, identificar e descrever os agentes que participam do planejamento urbano de
São Paulo e o nível de participação da sociedade, de lideranças comunitárias e grupos
específicos nas políticas públicas e sua interação com o agente do Estado.
Observar a mobilidade urbana na cidade de São Paulo possibilita a disseminação de
informações públicas relevantes à sociedade por meio de um encadeamento de dados
organizados para compreender as relações dos diversos agentes nas tomadas de decisões de
políticas públicas, além de favorecer o “empoderamento” de cidadãos para o exercício de uma
participação ativa no contexto social de redemocratização do espaço urbano.

Os agentes que participam do planejamento urbano e políticas de transporte


público da cidade de São Paulo, surgem separadamente no de correr da história do transporte
paulista, partindo do setor privado como um investimento lucrativo, passa pelo Estado
surgindo como regulador do setor e não como defensor civil e pouco-a-pouco se tornando um
direito civil, mediante agentes da sociedade, de lideranças comunitárias e grupos específicos
nas políticas públicas e suas interações com o agente do Estado.

Palavras-chave: Mobilidade urbana. Transporte público coletivo. Planejamento urbano.


Políticas públicas. Movimentos sociais.
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ABSTRACT

His work investigates two main areas: public policies and social participation, and the
development of public transportation, to understand the arisings process of these agents,
identify and describe the agents that participate in the urban planning of São Paulo, and the
level of participation society, community leaders and specific groups in public policy and its
interaction with the state agent.
Observe urban mobility in the city of São Paulo enables the dissemination of public
information relevant to society through a data chaining organized to understand the
relationships of the various agents in making public policy decisions, and promote the
"empowerment" of citizens for the exercise of an active participation in the social context of
democratization of urban space.
The agencies involved in the urban planning and public transport policies in São Paulo,
appear separately in the course of the history of São Paulo transport, leaving the private sector
as a profitable investment, through the State emerging as industry regulator and not as an
advocate civil and little by little becoming a civil rights by agents of society, community
leaders and specific groups in public policies and their interactions with the state agent.
Key words: Urban mobility. public transportation. Urban planning. Public policy. Social
movements.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 - Representação da CMTC no Mercado de transporte coletivo entre 1950 e

1980 16

Figura 02 - Representação das empresas privadas no Mercado de transporte coletivo

entre 1950 e 1980 16


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LISTA DE SIGLAS

CMTC Companhia Municipal de Transporte Coletivo

SNTU Sistema Nacional de Transporte Urbano

EBTU Empresa Brasileira de Transporte Urbano

CIP Conselho Interministerial de Preços

CMTT Conselho Municipal do Transporte e Transito

MPL Movimento Passe Livre

ERIP Exército Revolucionário de Palhaços

LISTA DE ABREVIATURAS

SciELO Scientific Electronic Library Online

SPTrans São Paulo Transporte S.A.


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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 7
2 PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NAS POLÍTICAS DE TRANSPORTE
PÚBLICO DA CIDADE DE SÃO PAULO 8

2.1 CONSOLIDAÇÃO DO TRANSPORTE COLETIVO EM SÃO PAULO 8

2.2 O MONÓPOLIO DA EMPRESA LIGHT NO SETOR DE TRANSPORTE 10

2.3 O FORTALECIMENTO DO ÔNIBUS 12

2.4 SISTEMA DE TRANSPORTE SOB O CONTROLE DO ESTADO - A CMTC 13

2.5 METROPOLIZAÇÃO DE SÃO PAULO 14

2.6 GOVERNO MILITAR 16

2.7 DA REDEMOCRATIZAÇÃO AOS DIAS DE HOJE 18

2.8 A NOVA POLÍTICA DE MOBILIDADE URBANA 18

2.9 MOVIMENTOS SOCIAIS DA ATUALIDADE 19

3 CONCLUSÃO 23
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 24
8

1 INTRODUÇÃO

Observar a mobilidade urbana na cidade de São Paulo possibilita a disseminação de


informações públicas relevantes à sociedade por meio de um encadeamento de dados
organizados para compreender as relações dos diversos agentes nas tomadas de decisões de
políticas públicas, além de favorecer o “empoderamento” de cidadãos para o exercício de uma
participação ativa no contexto social de redemocratização do espaço urbano.
Para tal, este trabalho identifica e descreve os agentes que participam do planejamento
urbano e políticas de transporte público da cidade de São Paulo e compreender o nível de
participação da sociedade, de lideranças comunitárias e grupos específicos nas políticas
públicas e sua interação com o agente do Estado.
O trabalho investiga dois eixos principais: as políticas públicas e participação social, e o
desenvolvimento do transporte público coletivo, que permite entender o processo de
surgimentos destes agentes utilizando uma abordagem qualitativa mediante uma revisão
bibliográfica e uma revisão documental, em que a coleta de dados de banco de dados
específicos e gerais como o SciELO e SCOPUS, com um corte temporal do século XIX até a
atualidade e revisão documental mediante material provenientes da SPTrans, Prefeitura de
São Paulo e das publicações de revistas e jornais.
Os capítulos dividem a história do transporte em períodos característicos, partindo de
um resumo do surgimento do transporte coletivo no primeiro capítulo, o monopólio da
empresa Light e os bondes elétricos no segundo, o ônibus como foco no transporte no
terceiro, o controle estatal no sistema de transporte no quarto, a metropolização de São Paulo
no quinto, a centralização federal do governo militar no sexto, a redemocratização e
descentralização no sétimo, até as atuais políticas de mobilidade urbana no oitavo e os
movimentos sociais atuais no nono.
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2 PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NAS POLÍTICAS DE TRANSPORTE

PÚBLICO DA CIDADE DE SÃO PAULO

2.1 CONSOLIDAÇÃO DO TRANSPORTE COLETIVO EM SÃO PAULO

O transporte coletivo da cidade de São Paulo surgiu em meados de 1870 como uma
resposta a nova configuração geográfica e social. A área central do município comportara o
novo fixo geográfico, e o aumento do fluxo de pessoas nessa região demandava a criação do
transporte coletivo para atender as suas necessidades de deslocamento. (HIGA, 2012, p. 13).
Nesse período, o processo social era bem crítico, não existia o reconhecimento da
condição humana do escravo. Apenas 16% da população era alfabetizada e somente a
população masculina de 25 anos ou mais, de renda mínima de 100 mil réis gozava do direito
político regulamentado pela constituição de 1824 e, somado a isso, a grande propriedade rural
exercia domínio sobre seus trabalhadores e havia também o Estado que estava comprometido
com o poder privado. (CARVALHO, 2002, p. 23).
Com o nascimento de novos bairros fora do núcleo central como o Brás, Santo Amaro
e Penha, a locação de carro de boi nascia como solução para chegar ao centro nos meados dos
anos de 1865 e regulamentados em 1865 (SPTRANS, 2007, p. 02), inicialmente sem preço
tabelado as rotas que se formavam logo seriam tabeladas por uma publicação de jornal
estabelecendo valor por hora ou para locais conhecidos.
Logo, a iniciativa privada, representada por uma pequena parcela de empresários, deu
início à criação de empresas de transporte coletivo respaldada pelo Decreto Imperial de 1871,
quando o Estado, representado na figura do Governo da Província de São Paulo, concedeu
“privilégio exclusivo por 50 anos ao engenheiro Nicolau dos Santos França Leite ou quem
melhores vantagens oferecesse para estabelecer uma linha de diligências tiradas por animais
sobre trilhos de ferro”. (STIEL, 1978, p.34).
Figueroa (1987) estudou a evolução do transporte em cidades latino americanas
percebendo que, neste ponto histórico, as empresas propunham o empreendimento (as linhas
de bondes animal ou não) e cabia a prefeitura a licença para a operação, já que os trilhos
seriam instalados nas vias públicas e ao Estado caberia a prerrogativa de aprovar as tarifas
propostas, quanto ao empreendimento essas concessões assemelhavam-se a um contrato de
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conta e risco, o qual o Estado nada garantia e deixava o serviço sob liberdade da iniciativa
privada
O cenário não favorecia a participação dos agentes da sociedade, classes trabalhadoras
e lideranças comunitárias. Todavia, setores privados tinham total acesso ao Estado.
Embora houvesse esse aspecto negativo em São Paulo, cabe ressaltar o caso particular
de uma manifestação popular ocorrida na Capital do Império, Rio de Janeiro, em 1880 onde
cinco mil pessoas protestavam contra o aumento de um vintém (20 réis) no preço das
passagens em praça pública da cidade, como destacam Carvalho (2002, p. 72) e Nunes (1982
apud MOISÉS, 1982).
Fato este que aponta a participação indireta dos agentes da sociedade na dimensão
politica e sua insatisfação com a má qualidade do serviço público de transporte. Porém, isso
ocorreu de forma não pacífica por causa do confronto com a polícia.
A mídia teve forte influência nesse contexto, visto que apoiaram a classe trabalhadora
e se opuseram ao governo. Papel decisivo desempenhou o jornal Gazeta da Noite,
republicano, que tinha interesse no desgaste do poder da monarquia. Ou seja, cada agente que
participou direta ou indiretamente do desenvolvimento da política pública defendeu de formas
diferentes seus interesses e necessidades. Em São Paulo, a insatisfação com a baixa qualidade
dos serviços, especialmente da companhia de Carros de Ferro de São Paulo, “parceria da rede
de bondes puxados a burro” (SILVA, 2011, p. 34), permaneceu latente até a materialização da
intenção estatal com a criação da Lei Nº 400 de 1889. Com isso, unifica-se todas as empresas
em que apenas uma, a Companhia Viação Paulista. No entanto, a falta de concorrência,
monopólio, deteriorou o serviço de transporte coletivo. Nesse interim, aconteceu o lobby do
Comendador Antônio Augusto de Souza, ex-gerente da Cia de Carris de Ferro de São Paulo,
para a aprovação da Lei Nº 304 de 1887, que versava sobre a autorização de concessão para
lançamento de bondes elétricos e, por 40 anos, concedia o uso das linhas de bondes por tração
elétrica ao próprio comendador e o sócio dele, Francisco Gualco. Essa conquista favoreceu
um novo monopólio, nesta vez, nas mãos da The São Paulo Tramway Ligth and Power
Company, “Ligth” (HIGA, 2012, p. 14). Até o presente momento, foram apresentados os
seguintes agentes: Estado, composto pelo poder Executivo; sociedade, subdividida em setores
privados, grupos dominantes, classes trabalhadoras, lideranças comunitárias e mídia, de
acordo com Vasconcellos (2001). A partir da década de 1910, entra em cena a recém-instalada
incorporadora City of São Paulo Improvements and Freehold Company Limited, “City”, que
celebrou parceria com a Ligth. Em decorrência, “tanto a Ligth, quanto a Cia City,
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influenciavam de modo marcante o desenvolvimento urbano de São Paulo em que o critério


de melhor atender a população nem sempre foi levado em conta nos investimentos feitos pela
empresa canadense” (MELLO, 1999, p.120).

2.2 O MONÓPOLIO DA EMPRESA LIGHT NO SETOR DE TRANSPORTE

Oficializado em 1899, o monopólio da empresa Light no setor de transporte, nasceu de


um interesse misto de empreendedorismo com facilidade, visto que, segundo Cheibub (1985),
a empresa já operava os serviços de iluminação e eletricidade na cidade, e fato do setor,
altamente rentável, requer investimento para modernização: o bonde elétrico, que, nessa
época, já trafegava pelo centro passando pelo Largo São Bento, Rua Líbero Badaró, Rua São
João em direção à Barra Funda, implantado em 1890 pela Carris de Ferro de São Paulo, e
posteriormente incorporado a Light junto a Carris de Ferro de São Paulo e Viação Paulista
(SPTRANS, 2007, p. 03).
Quanto à instalação do monopólio, é ponto ressaltar que a natureza de serviço mais
pesado e de maior composição de capital dos bondes tornava sua implantação e gestão mais
formal com as autoridades, dificultando, de toda forma, a implantação de concorrência
informal no mesmo serviço, o bonde (FIGUEROA, 1987), outro fator a ser considerado é que
a indústria de transporte e de energia exigir grande investimento em capital do qual as
companhias atuantes não tinham condições de concorrer com capital estrangeiro (VITTE E
IMAEDA, 2007, p. 70).
A Light foi determinante para o traçado da cidade, suas linhas impulsionaram e
regionalizaram a demografia (ELETROPAULO, 1986), pautada em “estudos precisos de suas
potencialidades de frequência de uso, uma vez que o alto custo de instalação da rede impunha
a necessidade de alto índice de utilização das ditas linhas” ( VITTE E IMAEDA, 2007, p. 71),
apoiado, também, nos elos entre a incorporadora City e a canadense que usaram do serviço de
transporte como método de valorização de áreas que detinham empreendimentos imobiliários,
levando linhas para estas áreas, muitas vezes afastadas, de forma a viabilizar a moradia local.
Sobre estas afirmações, podemos perceber o papel segregatício desempenhado pela empresa.

A própria atuação do Estado no espaço urbano, por meio das políticas públicas, pode
contribuir para criar, reforçar ou reduzir mecanismos de segregação. O Estado tem
forte influência na produção desses espaços segregados, pois sua atuação no
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ambiente construído, por meio de investimentos em infraestrutura e em outros


equipamentos públicos, gera valorizações de certas áreas e desvalorização de outras.
Isso faz com que a população mais pobre muitas vezes não possa arcar com os
custos das benfeitorias – devido a mecanismos de renda da terra – e seja deslocada
para outras áreas, distantes e desprovidas de infra-estrutura básica e equipamentos
públicos, aumentando, desse modo, seus gastos com transporte e sua exposição a
variados tipos de risco. (BICHIR, 2009, p. 79).

O projeto técnico do sistema de bonde elétrico a se instalar ficou a responsabilidade de


uma equipe americana a contrato da Light por meio de investimentos ingleses, que permitiram
a aquisição da Companhia de Viação Paulista, da qual a família do prefeito Antônio da Silva
Prado do Partido Republicano Paulista era acionista e critico contrário ao projeto assim como
a imprensa, que “julgava a unificação inescrupulosa, visto que a Light pagava um valor
baixíssimo de imposto, o que era algo que ia contra os interesses da população de São Paulo”
(VITTE E IMAEDA, 2007, p.70). Quanto o sucesso da implantação: “sem dúvida, o suporte
de segmentos da elite paulista, principalmente da família Campos, foi fundamental para o
sucesso da instalação da Light em São Paulo”. (ELETROPAULO, 1986)
Sobre o sistema tarifário, foi herdado das empresas de tração animal que estabelecia
preços diferenciados para trajetos de diferentes distâncias, uma vez que, em razão de proposta
de venda de energia excedente da Companhia Docas de Santos da família Guinle para a
prefeitura de São Paulo, em 1909, a Light, para manter o monopólio, criou serviços de bondes
para operários a 100 reis e unificou as tarifas dos bondes para 200 Reis de forma alegar o
fazia para beneficiar a população da cidade, em troca do monopólio no setor elétrico,
permanecendo assim até 1947, de acordo com Eletropaulo (1986) e Vitte e Imaeda (2007,
p.70).
Este é o marco para o início da degradação do serviço de bonde elétrico:

[...]a redução de tarifas foi um recurso extremo utilizado pela Companhia para
manter o monopólio do setor de energia, mas originou a decadência do sistema de
transportes. Impedida de aumentar o preço das passagens, a Light desinteressou-se
de investir no setor. Os lucros eram recuperados com o setor de energia, mas o
serviço tornou-se insatisfatório.(ELETROPAULO, 1986).

Se no decorrer entre 1900 e meados de 1910 o crescimento da população pela chegada


de imigrantes subsidiados (BASSANEZI, 2008, p. 22) ou pelo crescimento natural, a área
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central sofria com congestionamento e transporte lotado que necessitava de modernização, as


quais a Light propõem em 1926:

A Light propôs à Prefeitura a renovação do contrato de viação de modo a lhe


permitir uma remodelação do serviço. Essa renovação se daria na forma de um plano
- o Plano Integrado de Transportes – no qual ressaltem-se as seguintes propostas: 1.
Aumento do número de bondes; 2. Ampliação da rede; 3. Administração do serviço
de ônibus em coordenação com os bondes; 4. Implantação de um sistema de bondes
expressos com linhas troncos e pontos terminais subterrâneos; 5. Implantação de
uma rede de metrô para, no futuro, substituir as linhas de bondes. (VITTE E
IMAEDA, 2007, p. 71).

2.3 O FORTALECIMENTO DO ÔNIBUS

O marco do avanço tecnológico do nodal de transporte coletivo, implementado pela


Ligth, foi abalado em 1927, quando a prefeitura de São Paulo rejeitou o novo plano de
modernização proposto, visto que, no início da década, um grave período de estiagem que
levou ao racionamento de energia no serviço de bondes em 12% para priorizar ao setor
residencial (ELETROPAULO, 1986), fazendo o serviço passar por uma rápida deterioração (
VITTE E IMAEDA, 2007), logo a prefeitura opta pelo plano de Prestes Maia que “propunha
a implantação de um sistema viário articulado por amplas avenidas, radiais experimentais, que
abririam caminho para o avanço de carros particulares e ônibus rumo às novas zonas de
expansão urbana da cidade” (SILVA, 2011, p. 36).
Da estiagem e a superlotação nasceu a oportunidade para outras formas de transportes
alternativos, como foi o caso do ônibus, durante o período surgiram empresas de ônibus e a
pressão social sobre a Light, forçou a empresa em uma ação de emergência implantar uma
pequena malha de 50 modernos ônibus importados a gasolina do tipo Yellow Coach operando
deficitariamente até 1932.
Enquanto isso, a classe trabalhadora ocupava-se do movimento operário, que lutava
pelos direitos civis:
[...] como o de organizar-se, de manifestar-se, de escolher o trabalho, de fazer greve.
Os operários lutaram também por uma legislação trabalhista que regulasse o horário
de trabalho, o descanso semanal, as férias, e por direitos sociais, como o seguro de
acidentes de trabalho e aposentadoria. No que se refere aos direitos políticos, deu-se
algo contraditório. Os setores operários menos agressivos, mais próximos do
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governo, chamados na época de – amarelos-, eram os que mais votavam, embora o


fizessem dentro de um espirito clientelista. Os setores mais radicais, os anarquistas,
seguindo a orientação clássica dessa corrente de pensamento, rejeitavam qualquer
relação com o Estado e com a política, rejeitavam os partidos, o Congresso, e até
mesmo a ideia de pátria. O Estado, para eles, não passava de um servidor da classe
capitalista, o mesmo se dando com os partidos, as eleições e a própria pátria.
(CARVALHO, 2002).

2.4 SISTEMA DE TRANSPORTE SOB O CONTROLE DO ESTADO - A CMTC

A ausência de um povo organizado politicamente impedia avanços na participação de


políticas públicas de transporte na cidade de São Paulo. O Estado, então resolve em 1946 criar
a Companhia Municipal de Transportes Coletivo, “CMTC”. A CMTC incorporou a empresa
Ligth ao seu capital e operou os serviços de bondes até 1968 (STIEL, 1978). Esta foi a última
importância dada aos bondes, uma vez que desde 1927 o governo já havia optado pelo
transporte sobre rodas. São Paulo, atriz principal nas estratégias de modernização do
capitalismo, industrialização e centro financeiro do Brasil, tornava-se cada vez mais frequente
o apoio do Governo Federal. Primeiro, com o investimento de construção de várias rodovias
municipais que consolidaram o começo da metropolização de São Paulo, segundo, com a
facilitação de instalações de indústrias automobilísticas e de pneus (Balbim, 2003). Terceiro, e
último, a expansão de rodovias foi muito favorável para as indústrias de construção civil, e a
indústria imobiliária aproveitou o momento para estabelecer o seu poder.
Após um mês de operação dos bondes pela CMTC, extremamente degradados pelo
processo histórico a cima descrito houve um aumento de 200 para 500 réis, o que provocou
manifestações pontuais que resultaram em “quebra-quebra” de bondes e ônibus, além de
confronto na sede da prefeitura, (ELETROPAULO, 1986) o que tornou a opinião popular da
empresa pejorativa logo nos primeiros anos.
Em 1949, a CMTC inicia a introdução o Sistema Trólebus, tecnologia de ônibus
elétricos de rotas fixadas pelo seu sistema de cabos de eletrificação suspensa, substituindo
diversas linhas de bondes até serem totalmente substituídas por linhas do novo sistema ou por
linhas de ônibus.
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2.5 METROPOLIZAÇÃO DE SÃO PAULO

Balbim (2003) destaca que entre 1920 e 1945 o governo de Washington Luis investiu
na construção de inúmeras rodovias municipais, consolidando o início da metropolização de
São Paulo. Esse fenômeno evidenciado por Balbim e outros autores (SOUZA, 1998;
LANGENBUNCH, 1968) apresenta a revelação de “cumplicidade” entre os diversos setores
empresariais do período, cimentando cada vez mais o modelo de uma cidade coorporativa
(SANTOS [1990] 2009), em que as obras de infraestrutura são realizadas com a intenção de
ampliar as facilidades de atuação de determinados grupos econômicos. Os investimentos
estatais deram prioridade aos setores mais vitais à acumulação, como empresas de transporte e
energia (BONDUKI & ROLNIK, 1992, p.125). “O funcionamento do mercado imobiliário faz
com que a ocupação dessas áreas seja privilégio das camadas de renda mais elevadas, capaz
de pagar um preço alto pelo direito de morar.” (SINGER, 1982, p.27). Um exemplo disso é o
fato de que “loteamentos surgiam entre a zona central e os bairros já consolidados, mas ainda
afastados, como forma de compactar a área central” (BALBIM, 2003, p.57), fazendo com que
o velho centro da cidade passasse “ a ser circundado então por um cinturão de classe média”
(ROLNIK, 1994, p.106) evidenciando uma intensa especulação imobiliária.
Autores como Bonduk e Rolnik ([1979] 1982), (Santos[1990] 2009; [1994] 2009),
Vasconcellos (1996 [1996] 2009; [1999] 2009), Balbim (2003), Cruz (2010) e Rolnik (2011)
nos mostram como o poder público deixou a questão do transporte público totalmente de lado,
ao passo que, a partir da década de 1960, a indução da cidade ganhou características cada vez
mais subordinadas aos interesses das indústrias automobilística e de empresas ligadas ao setor
da construção civil.
Estados contemporâneos apresentam inclinações de utilizar de critérios racionais na
sua condução e como consequência ampliar a utilização da tecnocracia e burocracia (VILA
NOVA, 1985). O cientista social Vila Nova (1985) contribui ao mencionar que:

É de se entender, portanto, que, nas sociedades industriais avançadas, a classe média


seja politicamente influente, o que não decorre apenas da sai extensão, mas,
sobretudo, do seu nível de informação e da proximidade da sua localização em
relação à elite política e econômica. Deste modo, a classe média vislumbrou na
tecnocracia e na burocracia um meio para a defesa de seus interesses. (VILA

NOVA, 1985).
16

Uma abordagem mais teórica sobre, novamente em Vila Nova (1985) ao se referir que
a estratificação social em classes pode ser verificada em Marx e Engels:

Na concepção materialista dialética da estratificação, as relações de classe


abrigariam, de forma manifesta ou latente, o inevitável conflito de interesses entre as
classes e, dessa maneira, o equilíbrio do sistema de estratificação e, logicamente, da
própria sociedade servia necessariamente precário. A ordem social, nesse quadro de
interesses inconciliáveis de classes, resultaria, em última instância, da dominação
das classes detentoras dos meios de produção sobre o restante da sociedade, sendo o
próprio Estado um instrumento de dominação da elite econômica. (VILA NOVA,
1985).

A partir de 1930, a classe média ascendeu no cenário econômico e social e o exercício


de seu poder politico começava a refletir no movimento indireto na burocracia. Além disso, o
enfoque que Vasconcellos (2001) adota, baseado em Wright (1976) é de suma importância
para compreendermos as consequências disso. Este enfoque sobre a “localização
contraditória” da classe média é adotado tanto por marxistas quanto por weberianos, embora
de formas diferentes, como as características mais importantes das classes médias
contemporâneas: elas são tanto produtivas, quando improdutivas, supervisionam e são
supervisionadas, controlam e são controladas. Todas essas referências teóricas, quando
confrontadas com a realidade da cidade de São Paulo, encontram correspondência fiel. O
papel do agente da sociedade, classe média, tem sido tão presente que suas funções são
essenciais na produção de difusão de conhecimento ao sistema capitalista. Outra contribuição
de Vasconcellos (2001) ao citar Gould (1981) reforça o que foi dito:

Os benefícios obtidos pela classe média [...] são tão grandes [...] que nós deveríamos
considerar a possibilidade de que ela constitui uma classe independente, capaz de
perseguir e realizar seus próprios interesses em competição ou em colaboração com
capital e trabalho [...]. Eu proponho ainda que nem o capital, nem o trabalho, nem a
própria classe media assalariada têm percebido a importância do poder crescente da
classe média assalariada com o resultado de que esta tem sido capaz de manipular as
outras duas. (GOULD, 1981, apud VASCONCELLOS, 2001).
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2.6 GOVERNO MILITAR

No período entre 1960 e 1980, nota-se a ausência de movimentos sociais urbanos de


trânsito, sem também a intervenção do Estado. Segundo Abranches (1977, 1995), pensar em
política pressupõe pensar em dupla articulação, da dinâmica interna do Estado e suas relações
com a sociedade, como movimentos simultâneos e organicamente relacionados. Assim, se por
um lado não se pode identificar movimentos organizados, em relação aos problemas de
trânsito, isto não significa que os interesses de classe, de frações ou de grupos estão ausentes
da determinação da ação do Estado. Eles, de alguma forma, estiveram presentes e
influenciaram esta ação, mas com características políticas e sociológicas diversas daquelas
verificadas nos “movimentos sociais urbanos” tradicionalmente analisados.
Até os anos 70 a políticas de transporte urbano caracterizava-se por uma participação
esporádicas do governo federal, ao qual tomadas atitudes pontuais focadas em diminuir
tensões mais imediatas ou exercia o controle direto sobre modalidades especificas, a exemplo,
os trens de subúrbio (CHEIBUB, 1985).
Até que em 1975 o governo militar passou a a intervir nas políticas de transporte
urbano através da criação de um aparato institucional especifico: o Sistema Nacional de
Transporte Urbano e seu órgão central, a Empresa Brasileira de Transporte Urbano (EBTU)
pelo decreto número 77406 de abril de 1976, cabendo a esta promover a implantação da
política nacional de transporte urbano e exercer a coordenação técnicas de planos projetos e
programas que incluíssem a realização de investimentos em transporte urbano e que
necessitassem de apoio técnico ou financeiro de área federal.
Focada em infraestrutura e projetos de trens e metros, a EBTU foi órgão que
centralizou as políticas de mobilidade urbana, sendo a centralização, característica do
Governo Militar.
Segundo CHEIBUB (1985), se por um lado o governo militar foi responsável pela
viabilização do metro paulista, por outro centralizou a gestão de liberação e instalação de
linhas de ônibus mediante um sistema que recorda aos contratos concebidos pelo estado em
que o mesmo não se responsabilizava pela viabilidade ou lucro da empresa que propunha o
investimento através do Conselho Interministerial de Preços (CIP), limitando a atuação
municipal na gestão.
Para empreender uma linha, bastava que a empresa interessada fizesse seu próprio
estudo de viabilidade, propondo um valor para passagem que cobrisse seus encargos e
18

entregasse a prefeitura para que a mesma apenas encaminhasse a proposta a CIP, tornado o
mercado de linhas mais desorganizado e caro, além de que “[...] os serviços públicos
passavam a se pautar pela lógica empresarial de buscas do equilíbrio financeiro, viabilizava-se
a continuidade e expansão da participação de empresas privadas na prestação deste serviço de
ônibus urbano” (CHEIBUB, 1985). Processo descrito nos gráficos a seguir:

FIGURA 01 - REPRESENTAÇÃO DA CMTC NO MERCADO DE TRANSPORTE

COLETIVO ENTRE 1950 E 1980.

FONTE: CHEBUB (1985).

FIGURA 02 - REPRESENTAÇÃO DAS EMPRESAS PRIVADAS NO MERCADO


DE TRANSPORTE COLETIVO ENTRE 1950 E 1980.
19

FONTE: CHEBUB (1985).

Neste cenário, a concorrência desleal com a CMTC, houve ainda uma tentativa de
resgatar o serviço quando a prefeitura limitou a atuação das empresas privadas através do
zoneamento da cidade s e categorização das linhas em: radiais, ligando bairros ao centro;
diametrais, ligando duas áreas, porém passando pelo centro; setoriais, operando em apenas
uma área, intersetoriais, passando por um ou mais setores sem passar pelo centro;
alimentadoras, ligando pontos de atividades com estações de metrô e ferrovias e por fim,
especiais, com tarifas mais altas, serviço de maior qualidade criado para cativar o público do
automóvel. (CHEIBUB, 1985).

2.7 DA REDEMOCRATIZAÇÃO AOS DIAS DE HOJE

Entre os anos 70 e 80, período caracterizado pela redemocratização, ocorreram uma


série de transformações no cenário político, em que, segundo Gohn (2006), os direitos sociais
passaram a ter lugar. Surgiram “novos” movimentos sociais que direcionaram sua luta,
principalmente, às causas de mobilidade urbana, saúde, moradia, melhores condições de
trabalho, acesso ao lazer, entre outras. Nesta temática podemos destacar o estudo de Doimo
20

(1995) sobre os movimentos populares desse período, em que é destacado a organização de


grupos formados por cidadãos autônomos e independentes, na luta pela participação e
construção de políticas relacionadas a direitos humanos e sociais.
A população que, antes subordinada econômica e culturalmente pela enxuta elite,
sempre precisou de um mediador, seja ele um partido, o líder de uma ou associação ou um
veículo de comunicação, com o surgimento desses movimentos passaram a exigir por bens e
serviços necessários à sobrevivência e, também, direitos sociais voltados a igualdade e
liberdade. Todavia a necessidade de um mediador vem sendo suprimida em razão de evolução
dos veículos de comunicação e com o advento da internet e das redes sociais. Com isso,
adquiriu-se não somente facilidade, velocidade e alcance, mas também poder de organização
e dinamismo, em que um indivíduo pode se conectar diretamente ao outro, difundir ideias e
acompanhar em tempo real diversos outros acontecimentos.

2.8 A NOVA POLÍTICA DE MOBILIDADE URBANA

O recente processo de “empoderamento” civil na participação direta nas


decisões da gestão da cidade é efetivada pelos conselhos participativos da cidade, em que são
ouvidos e recepcionados sugestões por meio de de reuniões regionais abertas focadas em
diversas áreas de atuação, como o Conselho Municipal do Transporte e Transito (CMTT).
Outro nova plataforma que é capaz de introduzir a participação civil, porém focada na
tecnologia, é a São Paulo Aberta criada pelo Decreto nº 54.794 de 28 de Janeiro de 2014,
“uma iniciativa do governo municipal que visa articular, integrar e fomentar ações de governo
aberto na Prefeitura Municipal de São Paulo.” Mediante um “conjunto de iniciativas
articuladas de transparência, participação, inovação e integridade nas políticas públicas”.

O Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade de São Paulo repensou as


políticas de mobilidade urbana e seu congestionado serviço, focado não somente na ampliação
da frota e a desestimularão do uso do transporte individual motorizado, mas na reconfiguração
da cidade e suas dinâmicas, em favor da melhoria da mobilidade urbana.

Reconfigurando não somente as vias para a implantação de faixas de uso


exclusivo para pedestres, ônibus e bicicletas, mas reconfigurando o trafego com um todo:
“Reconhecimento de novos componentes do Sistema de Mobilidade, tais como logísticas e
cargas, hidroviário (para passageiros e cargas) e de compartilhamento de automóveis, para
21

estruturação de uma matriz de deslocamentos articulada e eficiente” (SECRETÁRIA


MUNICIPAL DE DESENVOLVIMENTO URBANO, 2015), além de prever ações efetivas
de longo prazo, como a reurbanização de áreas centrais e reduzir a distância entre o trabalho e
o trabalhador orientando o crescimento da cidade nas proximidades do transporte público, seja
por incentivo aos edifícios de uso misto ou por meio de ampliação da oferta de habitação de
interesse social e equipamentos urbanos e sociais nessas áreas, como norteia a Lei nº 16.050,
de 31 de julho de 2014 que aprova a Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor
Estratégico do Município de São Paulo.

2.9 MOVIMENTOS

SOCIAIS DA

ATUALIDADE

O aumento do Estado e da interferência do governo nas nossas vidas tem


consequências político-econômicas e culturais. Uma vez criada, a cultura estatista influencia a
mentalidade social, orienta os políticos pelo mesmo caminho do mais Estado é melhor e nos
condiciona a ver sempre o governo como a instituição certa para resolver os problemas.
GARSCHAGEN (2015), este pensamento permite entender porque diversos movimentos
anteriores não demostraram a representatividade real ao longo das últimas décadas.

Em diversas cidades do Brasil, a difusão de movimentos sociais formados em


sua maioria por jovens e, a maneira como atuam, vem tomando a atenção dos meios de
comunicação a de toda sociedade. Um desses movimentos é o Movimento Passe Livre –
MPL, que desde seu início atuou de forma contundente a favor de mudanças nas políticas de
transporte público, na luta contra os aumentos das passagens em muitas cidades e, até mesmo,
criticando as condições de transporte. Toda essa movimentação chamou a atenção das
autoridades governamentais e partidos políticos.

A formação desse movimento inspirou-se nas manifestações ocorridas em


Salvador, no ano de 2003 - episódio que ficou conhecido como como ‘Revolta do Buzú’,
onde, após o anúncio do aumento das tarifas dos ônibus, estudantes foram às ruas e
impedirem que os coletivos circulassem por diversos dias. Infelizmente o objetivo não foi
alcançado, após um acordo da prefeitura com a União da Juventudo Socialista – UJS, que
22

resultou na desmobilização do movimento. Mendes (2007:18) ressalta que existem registros


sobre temas semelhantes na história do país como o ‘quebra-quebra de ônibus e bondes’,
ocorridos no Rio de Janeiro em 1980, em São Paulo em 1947 e em Salvador em 1930 e 1981.
Segundo um manifestante:

O pessoal que fechou o acordo com o governo pelo fim dos protestos, caiu de
"para-quedas" no meio do movimento e queria assumir sua liderança, já que são os
representantes das entidades estudantis oficiais e geralmente ligados a partidos
políticos. Então eles simplesmente tomaram a frente nas negociações e assinaram
um acordo que satisfazia já antigas e importantes (diga-se de passagem)
reinvidicações deles, o que os fortaleceria politicamente e facilitaria para o governo
em não ceder em relação as tarifas. Só que essa comissão não tinha
representatividade nenhuma dos estudantes, o movimento surpreendentemente
cresceu com uma espontaneidade que chega a provocar admiração e espanto a quem
está acostumado com isso e está acompanhando de perto, uma vez que não dá pra
ver a dimensão disso só pelos jornais e pela janela dos ônibus presos nos
engarrafamentos. O movimento não tem líder e está havendo uma total aversão ao
oportunismo dos partidos políticos, não estão permitindo bandeiras e não estão
ouvindo quem quer discursar com broches ou camisas de partidos[...] (depoimento
de um participante da Revolta do Buzú, no Centro de Mídia Independente - CMI,
em 07/09/2003).

Outro ponto importante na formação do Movimento Passe Livre foi a


‘Campanha pelo Passe Livre estudantil’, no estado de Florianópolis, a partir do ano 2000. De
fato que campanhas pelo passe livre já estava na pauta de alguns comitês e campanhas, por
exemplo, no estado de São Paulo, todavia esta é uma luta com viés histórico, representada à
época por partidos estudantis e políticos. Entre 2004 e 2005, as manifestações de ruas,
seguidas como de costume, pelas fortes repressões policiais caracterizaram o movimento, que
ganhou notória visibilidade. Seus esforços resultaram na aprovação de um projeto de Lei pela
Câmara dos Vereadores – que mais tarde foi considerado anticonstitucional pelo Tribunal de
Justiça local – e, também, na criação de núcleos em outras cidades como São Paulo, Salvador,
Fortaleza, Recife e Brasília, entre outras. Mas foi em 2005, durante seu Primeiro Encontro
Nacional, no Quinto Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, que o MPL passou a se definir
como um movimento social e, também, quando a luta contra o aumento da tarifa se saiu
vitoriosa, fazendo com que o governo de Brasília retrocedesse.

O MPL surgiu sob “pacto” de princípios, dentre eles a horizontalidade, a


autonomia, a independência e o apartidarismo, seguido de uma série peculiares estratégias
23

como ocupação de vias e instituições públicas, paralisações do trânsito, atos públicos em


rodovias, marchas sem autorizações dos órgãos governamentais, além das performances do
Exército Revolucionário de Palhaços – ERIP, que enfrentavam os policiais de modo
descontraído para diminuir as tensões dos conflitos.

Os princípios pautados podem ser organizados em grupos (ou núcleos): i)


apartidarismo, independência, federalismo e autonomia, ligados ao relacionamento do MPL
com os atores e coletivos externos; ii) horizontalidade e não liderança, que configura a
maneira como se relacionam os ativistas do movimento; iii) anti-capitalismo, lutas não
hierarquizadas e prefigurativismo, ou seja, as características gerais do movimento.

O primeiro grupo, sobre a autonomia, diz respeito a responsabilidade pessoal


no método de ação, já que os princípios do movimento, mesmo que inalteráveis, são passíveis
de interpretação. Segundo um ativista do movimento,

As pessoas têm práticas diferentes porque a história local dos movimentos é


diferente. Acho que podemos afirmar que estamos constantemente reafirmando e
construindo nossos princípios, esta prática é cotidiana e difícil, porque a sociedade
nos impõe um modelo personalista, hierárquico, hétero-gestor. Acredito que dentro
do MPL resistimos cotidianamente a esse modelo. (ativista do MPL, apud Mendes,
op.cit: 34).

Já o federalismo, trata sobre o modo como se dá o relacionamento entre os


coletivos locais em nível nacional, para preservar a sua autonomia.

O segundo grupo configura às relações internas do movimento, orientando a


maneira como agem os ativistas e reforçando-os a praticarem a descentralização do poder –
em que corre-se o risco de estar concentrado num indivíduo com aptidões específicas -,
todavia provê a possibilidade destes participarem das tomadas de decisão das assembleias

O último grupo configura essencialmente a ideia de desmarcantilização


(princípio do anti-captalismo) do transporte, tratando-o como direito público, não devendo ser
tratado como uma mercadoria; o prefigurativismo, que trata a revolução como algo contínuo e
cotidiano; e a não hierarquização das lutas, que iguala outras lutas sociais como a raça, de
classe social, de gênero, entre outras, num mesmo grau de importância. Nas palavras de um
ativista:

Isso tem um pouco relação com a forma como nós fizemos nossa construção
política, em especial no MPL. Sempre falávamos que não partiríamos da ideologia
24

pro movimento, mas sim do movimento pra ideologia. Ou seja, não seríamos
marxistas-leninistas-trotskistas-posadistas antes de sermos contra os transportes. Era
a partir de nossa crítica à precariedade dos transportes que partiríamos a uma análise
de porque eles eram assim, e depois de porque a sociedade queria eles assim e
depois de por quais caminhos mudaríamos essa sociedade, aí chegando a
formulações políticas amplas. (ativista do MPL).

Todas essas características que fundamentam o Movimento Passe Livre vêm


sendo cada vez mais difundida e tomando proporções cada vez mais amplas, o que faz com
que o movimento continue mantendo sua identidade de movimento social autônomo.

3 CONCLUSÃO

Os agentes que participam do planejamento urbano e políticas de transporte


público da cidade de São Paulo, surgem separadamente no de correr da história do transporte
paulista, partindo do setor privado e pouco-a-pouco se tornando um direito civil, a medida que
os níveis de participação da sociedade cresciam, mediante agentes da sociedade, de lideranças
25

comunitárias e grupos específicos nas políticas públicas e suas interações com o agente do
Estado.

O transporte coletivo em São Paulo nasceu como solução privada para as


dinâmicas de uma cidade em crescimento como um investimento lucrativo com a participação
do Estado surgindo como regulador do setor e não como defensor civil, tornando a
participação civil nas tomadas de decisão pouco acessível e, em resposta, a indignação
popular, muitas vezes agressiva, trará os movimentos civis desorganizados como agente de
participação.

O interesse particular de poucos neste setor de investimento, focou a


implantação do sistema em áreas lucrativas por meio de um processo altamente clientelista
durante a maior parte da história do transporte que não só prejudicou a classe trabalhista ao
aplicar seu sistema tarifário desunificado, como colaborou com a densidade demográfica
regionalizada hoje na cidade.

O aumento do Estado e da interferência do governo nas nossas vidas tem


consequências político-econômicas e culturais. Os movimentos massivos orientam os
políticos, portanto a pressão popular unida dos avanços tecnológicos e da globalização,
agrupou os movimentos civis organizando-os, o que fortaleceu seu poder de pressão garantido
a representação popular e guiando um novo pensamento de Política de Mobilidade Urbana por
parte do Estado.

As esferas de participação civil nas políticas atuais: comissões participativas e


a atuação de movimentos civis organizados trazem o público ao contato com a política, que
combinado com um plano diretor estratégico devidamente estudado que entendam as
dinâmicas do público e suas previsões a longo prazo, podem trazer o equilíbrio entre a
participação, ação e funcionalidade de uma política de mobilidade urbana.

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