Você está na página 1de 6

SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE

Tipo do
PROTOCOLO PRO.MED-OBS.001 – Página 1/6
Documento
Emissão: Próxima
Título do
ABORTAMENTO 27/07/2022 revisão:
Documento
Versão: 6 26/07/2024

1. AUTORES
• Carolina de Alencar Ohi Garcia
• Jordana Parente Paiva
• Cinara Gomes Eufrasio Machado
• Francisco Edson de Lucena Feitosa

2. INTRODUÇÃO
O abortamento representa grave problema de saúde pública nos países em desenvolvimento,
inclusive no Brasil, envolvendo complexo conjunto de aspectos legais, morais, religiosos, sociais e
culturais. É definido como a perda do produto conceptual, antes de atingida a viabilidade fetal,
ocorrendo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), antes de 22 semanas de idade
gestacional ou com peso fetal inferior a 500g. É dito precoce quando ocorre até a 12ª semana e
tardio entre 13 e 22 semanas de gestação.
É a mais frequente complicação obstétrica e sua incidência diminui à medida que avança a
idade gestacional. Entre 8% e 20% das gestações clinicamente reconhecidas serão perdidas, sendo
que 80% das perdas ocorrem até 12 semanas de gravidez. Se considerados abortos subclínicos, a
incidência se eleva, podendo chegar a 30%.

3. DIAGNÓSTICO E CONDUTA
A anamnese e o exame físico (colo do útero aberto ou fechado) associados aos dados da
ultrassonografia (US), definirão a forma clínica e orientarão o manejo a ser seguido. A tabela 1
apresenta os critérios ultrassonográficos para definição de gestação interrompida.

CRITÉRIOS ULTRASSONOGRÁFICOS DE GESTAÇÃO INTERROMPIDA


Saco gestacional com diâmetro médio ≥ 25mm sem embrião
Embrião com comprimento cabeça-nádega ≥ 7mm sem batimento cardíaco
Ausência de embrião 14 dias ou mais após US que evidenciou saco gestacional com vesícula
vitelínica
Ausência de embrião 11 dias ou mais após US que evidenciou saco gestacional sem vesícula
vitelínica
Tabela 1 - Critérios ultrassonográficos para diagnóstico de gestação interrompida

3.2 Formas clínicas:


A) Ameaça de abortamento
• Sangramento de pequena intensidade, com ou sem cólicas.
• Colo uterino impérvio e útero compatível com idade gestacional.
• 50% dos casos evoluem para abortamento.
• US: sem critérios para definir abortamento. Atividade cardíaca embrionária/fetal presente.
SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE
Tipo do
PROTOCOLO PRO.MED-OBS.001 – Página 2/6
Documento
Emissão: Próxima
Título do
ABORTAMENTO 27/07/2022 revisão:
Documento
Versão: 6 26/07/2024
• β-hCG: dosagens seriadas com intervalos mínimos de 48 h (monitorizar evolução).
Conduta:
• Repouso relativo, abstinência sexual, apoio psicológico, analgésicos, antiespasmódicos, uso
de progesterona.
• Importante salientar da inexistência de evidência científica de terapêutica eficaz.

B) Abortamento inevitável
• Sangramento mais intenso com coágulos e cólicas mais fortes que na ameaça de aborto.
• Colo uterino pérvio (frequentemente material pode ser identificado no canal cervical) e
útero compatível com a idade gestacional.
• Diagnóstico essencialmente clínico (US e dosagens hormonais são desnecessários).
Conduta:
• < 12 semanas: Aspiração manual intrauterina (AMIU), na impossibilidade curetagem uterina
convencional.
• ≥ 12 semanas: Antes da expulsão fetal: ocitocina em esquema de macroinfusão: 20UI em
500 ml de solução glicosada 5%, 20gts/ min (ou 60ml/h em bomba de infusão), adicionando-
se 10UI de ocitocina para cada 100 ml infundidos. Após expulsão fetal: curetagem uterina.

C) Abortamento incompleto
• Sangramento e cólicas com intensidade variável.
• Colo uterino entreaberto e útero menor que o esperado para a idade gestacional.
• US: presença de restos ovulares.
Conduta:
• < 12 semanas: AMIU, na impossibilidade curetagem uterina convencional.
• ≥ 12 semanas: curetagem uterina convencional.
• Conduta opcional: misoprostol 800mcg, via vaginal, dose única. Pode ser utilizado em
qualquer idade gestacional. Confirmar esvaziamento uterino, por US, em até sete dias.

D) Abortamento retido
• Sangramento discreto ou ausente. Frequentemente assintomático.
• Colo impérvio e útero menor que o esperado para a idade gestacional.
• Regressão dos sinais/sintomas de gestação.
• β-hCG: níveis decrescentes
• US: embrião/feto sem vitalidade ou ausência de embrião (anembrionado).
Conduta:
• < 12 semanas: misoprostol 600 mcg por via vaginal. Após 4 a 6h proceder AMIU ou
curetagem uterina convencional.
SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE
Tipo do
PROTOCOLO PRO.MED-OBS.001 – Página 3/6
Documento
Emissão: Próxima
Título do
ABORTAMENTO 27/07/2022 revisão:
Documento
Versão: 6 26/07/2024
• De 12 a 22 semanas: misoprostol 200 mcg, 2 comprimidos via vaginal, a cada 6h até
expulsão do feto. Após expulsão fetal, curetagem uterina cruenta.

DOSAGEM DE MISOPROSTOL EM PACIENTES COM CICATRIZ UTERINA PRÉVIA


• ≤ 20 semanas: usar a mesma dose como se não houvesse cicatriz;
• > 22 semanas: com uma cesárea prévia, utilizar 100mcg, com vigilância efetiva da
contratilidade uterina. Na presença de duas ou mais cesáreas prévias; incisões corporais ou
fúndicas: dar preferência ao Cateter de Foley.
Tabela 2 - Dosagem de misoprostol em pacientes com cicatriz uterina prévia

E)Abortamento infectado

Geralmente após manipulação uterina com instrumentos.

Mais frequente após abortamento incompleto.

Pode ter a seguinte evolução, se não tratado adequadamente:

Endometrite → parametrite → peritonite → sepse e choque séptico.

Possibilidade de perfuração uterina e comprometimento de alças intestinais.

Quadro clínico variável a depender da evolução: febre (geralmente > 38ºC), calafrios,
taquicardia, taquipneia, sudorese, hipotensão, sangramento com odor fétido, dor
abdominal, dor à manipulação do colo uterino, colo pérvio, útero amolecido, coleção líquida
em fundo de saco de Douglas, irritação peritoneal.
Conduta:
• Solicitar: hemograma completo, provas de função renal, US pélvica/transvaginal. Nos casos
com resposta inadequada, solicitar também hemocultura.
• Suporte clínico (vide capítulo de Sepse em obstetrícia).
• Iniciar antibioticoterapia o mais precocemente possível (tabela 3).
• Esvaziamento uterino após início da antibioticoterapia.
• Útero propenso à perfuração: fazer ocitocina durante a curetagem uterina.
• O tratamento deverá ser continuado por pelo menos 48h até que a paciente esteja
clinicamente melhor (afebril, redução do sangramento e da dor, melhora laboratorial). Não é
necessária a manutenção da antibioticoterapia, por via oral, exceto em infecções
estafilocócicas ou se hemocultura positiva. Neste caso, completar 7 dias de tratamento.
• Na manutenção ou piora do quadro clínico, deve-se investigar:
▪ Persistência de restos ovulares;
▪ Abscesso pélvico;
▪ Outro sítio infeccioso;
▪ Tromboflebite séptica/Choque séptico: lembrar da etiologia por E. coli, bacteróides,
Clostridium (este pode levar a quadro de anemia hemolítica fulminante e insuficiência
renal).
SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE
Tipo do
PROTOCOLO PRO.MED-OBS.001 – Página 4/6
Documento
Emissão: Próxima
Título do
ABORTAMENTO 27/07/2022 revisão:
Documento
Versão: 6 26/07/2024
• Na falência do tratamento com antibioticoterapia e esvaziamento uterino: considerar
laparotomia e histerectomia, se afastada outras causas.
ANTIBIÓTICOS PARA ABORTAMENTO INFECTADO
1ª escolha: Clindamicina 900mg, EV, 8/8h + Gentamicina 1,5mg/Kg, EV, 24/24h
(não ultrapassar 240mg). Se não houver resposta adequada, associar Ampicilina 2g, EV, 6/6h.
2ª escolha: Ampicilina 2g, EV, 6/6h + Gentamicina 1,5mg/Kg, EV, 24/24h (não
ultrapassar 240mg) + Metronidazol 500mg, EV, 8/8h.
Tabela 3 - Antibioticoterapia para abortamento infectado

4. INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO PREVISTA EM LEI


4.1 Abortamento legal por risco materno:
• Laudo de dois obstetras e um especialista na patologia que motiva a interrupção.
• Consentimento informado da gestante e familiares.
• Não é necessário comunicar ao Conselho Regional de Medicina.
• É necessária a notificação à comissão de ética do hospital.

4.2 Abortamento legal após estupro:


Assim que a paciente identifica como violência sexual o motivo da procura ao serviço de
saúde, já são acionadas pelo profissional de enfermagem na triagem, as equipes de psicologia e
assistência social. No acolhimento deve ser realizada uma escuta qualificada em um ambiente
reservado, as informações divulgadas pela paciente registradas em prontuário e o sigilo
assegurado à vítima. Uma vez atendida por violência sexual, a paciente deverá, se for o seu desejo,
ser acompanhada no Programa Superando Barreiras disponível na Maternidade Escola Assis
Chateaubriand, onde deverá ser acolhida por equipe multidisciplinar (sexóloga, enfermeira,
psicóloga, assistente social, entre outras) por um período de, em média, 06 meses e continuado
em atenção terciária.
À paciente, depois de acolhida no Programa Superando Barreiras, é ofertado o direito de
permanecer com a criança, sendo trabalhado a construção do vínculo com o bebê durante toda a
gestação, manter a gestação e encaminhar a criança para adoção após o nascimento (em ambos
esses casos, a paciente poderá realizar o pré-natal na Maternidade Escola), ou interrupção da
gravidez conforme prevista em Lei (artigo 128 do Decreto Lei n° 2.848 de 07 de Dezembro de
1940).
A interrupção da gestação após estupro é um direito da paciente vítima de violência sexual.
Não é necessária a realização de boletim de ocorrência ou qualquer notificação à autoridade
policial. A paciente deve ser acolhida de forma multidisciplinar e orientada em relação aos
procedimentos de interrupção.
Nas gestações abaixo de 12 semanas, administrar 600mcg de misoprostol via vaginal e realizar
esvaziamento uterino após 4 a 6h, preferencialmente por AMIU.
SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE
Tipo do
PROTOCOLO PRO.MED-OBS.001 – Página 5/6
Documento
Emissão: Próxima
Título do
ABORTAMENTO 27/07/2022 revisão:
Documento
Versão: 6 26/07/2024
Em todas as gestações acima de 13 semanas, realizar a assistolia fetal e iniciar misoprostol via
vaginal conforme a idade gestacional, de acordo com o protocolo de óbito fetal (PRO.MED-OBS.021)
e realizar curetagem após a expulsão do feto. Em todos os demais casos de interrupções de
gestação previstos em lei, quando a gestação estiver acima de 13 semanas, a técnica de
interrupção será discutida com a equipe médica e a paciente e familiares.

4.3 Abortamento legal com malformação incompatível com a vida:


Interrupções realizadas com autorização judicial (Ministério Público). Após confirmação
diagnóstica, deve-se entrar com processo junto ao Ministério Público, com laudo médico
ultrassonográfico assinado por três profissionais do serviço de Medicina Fetal e com autorização
familiar para realizar a interrupção da gestação. Aguardar parecer da Justiça. Interrupção somente
diante de parecer favorável.

4.4 Abortamento legal por anencefalia fetal:


Na ocorrência do diagnóstico inequívoco de anencefalia o médico pode, a pedido da gestante,
independente de autorização do Estado, interromper a gravidez.
Concluído o diagnóstico de anencefalia, o médico deve prestar à gestante todos os
esclarecimentos que lhe forem solicitados, garantindo a ela o direito de decidir livremente sobre a
conduta a ser adotada, sem impor sua autoridade para induzi-la a tomar qualquer decisão ou para
limitá-la naquilo que decidir.
Procedimentos para interrupção da gestação:
• Preparar documento de consentimento informado, assinado pela gestante ou seu
representante legal, que conste risco de recorrência da anencefalia, encaminhamento para
programa de planejamento familiar e recomendação de uso de ácido fólico com o objetivo
de reduzir a recorrência da anencefalia.
• Anexar laudo do ultrassom assinado por dois médicos e que contenha duas fotografias,
identificadas e datadas. Uma com a face do feto em posição sagital e a outra, com a
visualização do polo cefálico no corte transversal, demonstrando a ausência da calota
craniana e de parênquima cerebral identificável. O consentimento informado e o laudo
ultrassonográfico devem ser anexados ao prontuário.
• Forma de interrupção – indicação obstétrica.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
• Não realizar antibioticoprofilaxia antes do esvaziamento uterino;
• Encaminhar o material retirado para análise histopatológica;
• Solicitar: ABO/Rh, VDRL e anti–HIV;
• Administrar 300 µg de imunoglobulina anti–D se Rh (-), parceiro Rh (+) ou desconhecido.
SISTEMA DE GESTÃO DA QUALIDADE
Tipo do
PROTOCOLO PRO.MED-OBS.001 – Página 6/6
Documento
Emissão: Próxima
Título do
ABORTAMENTO 27/07/2022 revisão:
Documento
Versão: 6 26/07/2024
• Orientar anticoncepção.
• Ofertar apoio psicológico.

6. REFERÊNCIAS
1. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas. Atenção Humaniza- da ao Abortamento: norma técnica. 2. ed.
2011.
2. COOMARASAMY, A. et al. A Randomized Trial of Progesterone in Women with Bleeding in
Early Pregnancy. N Engl J Med. 2019.
3. DOUBILET, P. M. et al. Society of Radiologists in Ultrasound Multispecialty Panel on Early
First Trimester Diagnosis of Miscarriage and Exclusion of a Viable Intrauterine Pregnancy.
Diagnostic criteria for nonviable pregnancy early in the first trimester. N Engl J Med. 2013.
4. SAPRA, K. J. et al. Signs and symptoms of early pregnancy loss: a systematic review. Reprod
Sci. 2017.
5. STEINAUER, J. Overview of pregnancy termination. Disponível em:
<http://www.uptodate.com/contents/over-view-of-pregnancy-
termination?source=search_result&search=abortamento&selectedTitle=1%7E150>.
Acesso em: 13/04/2019.
6. STEINAUER, J. Surgical termination of pregnancy: first trimester. Disponível em:
<http://www.uptodate.com/contents/surgical-termination-of-pregnancy-first
trimester?source=see_link>. Acesso em: 13/04/2019.
7. WORLD HEALTH ORGANIZATION. Clinical practice handbook for safe abortion. Geneva:
WHO; 2014.

7. HISTÓRICO DE REVISÃO
VERSÃO DATA DESCRIÇÃO DA ALTERAÇÃO

6 27/07/2022 Alterado item 3.2 e 4.2

ELABORAÇÃO/REVISÃO
Carolina de Alencar Ohi Garcia
Jordana Parente Paiva
Cinara Gomes Eufrasio Machado
Francisco Edson de Lucena Feitosa

Você também pode gostar