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Imitação na República de Platão

Tem se tornado comum reprovar o tratamento que Platão dá a poesia na


República, ele esquece ou contradiz no livro dez o que disse no terceiro.
Conforme estabelecido na primeira discussão, a poesia é requerida para
desempenhar importantes funções no Estado ideal; seu assunto tornará o jovem familiar
às doutrinas verdadeiras (376 et seq.); seu estilo refletirá as qualidades que são próprias
ao caráter dos guardiões, e, portanto – por meio do princípio da imitação – se induz e
confirma tais qualidades nas almas dos jovens e dos velhos (392c et seq.). A poesia,
como todas as outras formas de arte, deve treinar o jovem para amar e reconhecer a
beleza da verdade (, 401d), de modo que, quando a razão se desenvolver, eles a
reconhecerão como uma velha amiga (402).
Agora o décimo livro ataca toda a poesia imitativa (grego 595a) como distanciada
da verdade e a exclui do Estado devido a sua influência perniciosa. Os comentadores
dizem que toda a poesia é imitativa para Platão, de modo que no livro dez ele contradiz o
que foi dito no terceiro; Platão esqueceu das valiosas funções que a poesia pode
desempenhar. Mas o livro dez, expressamente, isenta da condenação os hinos para os
deuses e os panegíricos sobre os bons homens. (607a). Mesmo estes, no entanto, são
imitativos; pois eles imitam ou representam os temperamentos e as ações dos deuses e
dos homens. O estranho resultado é que o décimo livro não somente contradiz o terceiro;
ele também contradiz a si próprio.
É evidente que na primeira discussão Platão considera como “imitação” (grego) a
poesia que ele admite como boa, tanto quanto aquela que ele condena. Por exemplo, em
398b ele sustenta que o poeta imitará (grego) o estilo do homem virtuoso. Em 399a a
harmonia nas canções imitam (Grego) os tons e ação do homem bravo; em 401a graça,
ritmo, e harmonia em todo tipo de produção são aliados (e, portanto, imitações) para o
caráter bom e temperante.
Mas talvez aja um sentido no qual a poesia que ele admite não é imitativa. De outra
forma é difícil de compreender como ele pode ter sustentado em 607a o tipo de coisas
que ele justamente excluiu. Alguns interpretes, de fato, consideram que uma vez que ele
mantém alguma poesia, considerando que todas são imitativas, ele faz uma distinção
inconsciente entre o verdadeiro e o falso tipo de imitação, levando a parecer que o
verdadeiro tipo de imitação é, em algum sentido, não imitativa. Pois no início do livro dez
ele diz que a sua decisão anterior era excluir tudo da poesia que fosse imitativa (Grego).
Isto, certamente, faz parecer que nem toda poesia é imitativa no sentido que a palavra é
usada aqui.
Mas, os comentadores dizem que essa declaração sobre a sua conclusão anterior
é um erro. O terceiro livro, eles dizem, não excluiu a poesia que imita o bom modelo. Mas,
essa acusação é certamente posta muito vagamente; a bondade do modelo não satisfaria
as primeiras exigências postas por Platão anteriormente. Homero, por exemplo, foi
censurado por uma passagem em que ele imitou o melhor modelo possível, o próprio
Zeus (388c grego). É verdade que a imitação era diferente (grego). Mas, isso não é
suporte para os interpretes que nada dizem a respeito da semelhança ou da
dessemelhança, mas apenas exigem que bom modelo seja bom. Parece então, que não é
Platão, mas os comentadores quem tem esquecido a discussão anterior. Fortalecido por
esta consideração e também pela observação ao fim de 595c (grego), vamos recordar a
discussão no livro III.
A questão do estilo poético que pode ser admitido inicia em 392c. Três estilos são
primeiramente distinguidos:
(I) Narrativa simples, onde o poeta fala na própria pessoa, como na poesia
ditirâmbica.
(2) Narrativa por meio da imitação, onde o poeta fala como se fosse o personagem,
como no drama.
(3) Um estilo composto de (I) e (2), como na épica.
Passar-se por um outro, ou em voz ou aparência, é imitação; se o poeta em lugar
algum escondeu sua própria personalidade, não haveria imitação em sua obra (393c).
Antes de decidir sobre o estilo a ser admitido, uma questão importante deve ser
considerada; os guardiões são imitadores (394e)? Aqui os dois sentidos do termo imitativo
aparecem claramente. Pois a resposta é tanto “não” quanto “sim”. Imitação em um sentido
é proibido; pois é nocivo ter gosto em identificar a si próprio com outra pessoa. (Seja um
poeta, ator ou público). Em primeiro lugar, tal imitação destruiria a obstinação que deveria
caracterizar o guardião (394e, 395a). E, em segundo lugar, como a imitação é
perigosamente apta para se tornar realidade, um inapropriado caráter poderia ser
construído imitando qualidades inapropriadas no corpo, voz ou pensamento (3950 "sqq.).
A imitação em um segundo sentido é permitida; de fato, ela é recomendada. Se os
guardiões imitam, eles devem imitar desde a infância as qualidades próprias para sua
ocupação, tal como coragem, pureza e temperança (395c). Formalmente este é o mesmo
gênero de imitação que o primeiro, pois isto envolve que se fale no caráter dos homens
que são corajosos, etc. Mas, na realidade, isto é muito diferente; pois os guardiões que a
praticam poderão estar imitando o seu próprio caráter ideal e não características
completamente estranhas as suas próprias. Isso envolve não a supressão, mas o
desenvolvimento da personalidade.
Devido a estas considerações os três estilos descritos acima são modificados tal
como aparece na forma como se segue:
(I) O estilo não imitativo, que é o estilo do homem virtuoso, o homem moderado
(396bcd). Tal homem recusará, como uma regra, imitar um (i.e., assumir o caráter de...)
homem mais baixo; ele nunca será inclinado a imitar um homem virtuoso que foi retirado
do seu equilíbrio por algum infortúnio. Ele contará a sua história na maior parte em sua
própria pessoa; isto é, o seu estilo principal consistirá na narrativa simples. Mas, ele
imitará: (a) bons homens como ele próprio (com a exceção já mencionada); (b)
ocasionalmente, homens mais vis por causa de diversão; (c) homens vis quando eles, por
acaso, realizarem uma ação virtuosa. Consequentemente, esse estilo assemelhar-se-á ao
épico ao conter tanto narrativa simples quanto elementos dramáticos e imitativos. Mas –
em contraste com Homero – terá muito pouca imitação (396e) e a imitação que ela
contém será eticamente boa. Sua característica é a restrição do elemento imitativo;
portanto, ainda é considerado um estilo não imitativo.
(2) O estilo imitativo, que é natural para o homem de caráter oposto. Quanto mais
inútil o poeta, mais ele estará inclinado a imitar cada tipo de discurso e ação, e, de fato,
cada tipo de barulho, do trovão ao balido das ovelhas (397a). Seu estilo ou será
completamente imitativo ou conterá apenas uma pequena porção de narrativa direta
(397b). Como o elemento não imitativo é reduzido para o mínimo, este é o estilo imitativo.
(3) Um estilo composto de (I) e (2).
Qual destes três estilos deve ser admitido? A resposta é que devemos admitir
apenas o estilo sem mistura que imita o homem virtuoso. (grego, 397d); em outras
palavras, (I) o estilo não imitativo, que, embora, contenha um determinado tipo de
imitação nas mãos do poeta virtuoso, não conduzirá a prática imitativa ao desdém (which
nevertheless contains such kinds of imitation as the virtuous poet will not disdain to
practise). Platão, dificilmente, poderia ter deixado mais claro que o estilo que não é
imitativo no primeiro sentido é ainda imitativo no segundo sentido, o sentido em que os
guardiões devem ser imitativos.
Agora é possível corrigir o erro dos comentadores que dizem que, no terceiro livro,
Platão teria admitido poesia imitativa onde o modelo imitativo fosse bom. Não somente o
modelo deve ser, como uma regra, bom; o ponto importante é que o poeta deve ser ele
mesmo bom, e compreender os princípios da bondade (396b grego; 396c grego; 4oode o
artista deve ter grego; 402bc o verdadeiro mousikos percebe as ideias e suas imagens).
A poesia que Platão admite como não imitativa pode então ser imitativa ou
dramática em algumas passagens, como quando o poeta fala no caráter de um homem
bom como ele próprio. Mas a partir de 401-402 parece que também será imitativo em um
sentido ligeiramente estendido; em sua beleza, ritmo, e harmonia – ele é uma imitação ou
expressão do caráter bom e temperante próprio do poeta e daqueles para quem ele
escreve (401a grego); ou, pondo as coisas em termos mais gerais, é imitativo porque
imita o mundo ideal que o filósofo esforça-se para imitar e assemelhar-se em sua própria
pessoa (401bc, grego).
Conclui-se então que Platão está com a razão em afirmar, no início do décimo livro,
que ele havia anteriormente decidido excluir o ramo imitativo da poesia; “imitativo”,
claramente, deve ser entendido como o estilo do poeta antifilosófico, poeta não virtuoso,
como explicado em 3g7abc.

II
Esse resultado significa que a primeira metade do décimo livro deve ser lida como
complementar e à luz do terceiro. Existem, pelo menos, duas razões pela qual esta
maneira de considerar o décimo livro é a mais fácil e natural. Em primeiro lugar, o próprio
Platão em 595a refere-se a sua conclusão anterior (a qual, apesar de desprezada pelos
comentadores, ele postulou corretamente) como alguma coisa que ele vai elucidar
posteriormente. Em segundo lugar, hinos para os deuses e panegíricos sobre bons
homens são mantidos em 607a sem qualquer explicação; se nós exigimos de Platão uma
explicação, isso prova a necessidade de buscá-la na discussão anterior.
Basta agora mostrar que o décimo livro realmente revela alguma coisa implícita na
doutrina anterior. O estilo imitativo condenado no terceiro livro é aquele do poeta indigno
que está sempre simulando um caráter alheio ao seu próprio. Na medida em que ele
assume o caráter de outro – seja um sapateiro ou um homem de virtude ou sábio – ele é
imitativo no sentido condenatório. Não tendo conhecimento ele não vê, e, portanto, não
pode representar, as formas ideais que são de algum modo imanentes ao caráter
humano. Seu trabalho consistirá apenas em palavras e ações que são uma imitação (I);
de um homem virtuoso ou de um sapateiro (2); que é ela própria [isto é, a imitação], em
algum sentido, uma imitação da realidade – as ideias (3). Isto é, ele produz alguma coisa
que está três vezes (inclusivamente) afastada da verdade. Isto é, exatamente o motivo do
ataque de Platão à poesia imitativa no décimo livro. Ele deixa implícito que o poeta que é
imitativo, no sentido em que é permitido aos guardiões ser imitativos, produzirá uma cópia
direta da realidade; ele será como o pintor que usa o “paradigma divino” (cf. 500 -501 em
relação ao qual eu me referirei abaixo); não como o pintor que se contenta em reter o
reflexo da natureza.
Em 596 et seq. Platão usa esta analogia entre poesia imitativa e pintura imitativa
(ou realista). Se tal pintor faz uma cópia realista do trabalho de (digamos) um sapateiro,
não se segue que ele conheça os princípios do ofício do sapateiro. (598bc, 6ooe, 601a).
Similarmente, se um tal poeta representa – para a satisfação daqueles tão ignorantes
como ele mesmo – um homem virtuoso ou um dotado com algumas qualidades ou arte,
disso não se segue (it must not be thought) (como pensam a maioria dos homens, 598e)
que ele próprio sabe a verdade sobre as virtudes, seja qual for a arte que ele por acaso
representa. O mero imitador, seja poeta ou pintor, produz aquilo que está três vezes
afastado da verdade – uma imitação (pintura ou poema) de uma imitação (o objeto como
percebido pelos sentidos, não como percebido pela parte racional da alma) da realidade
(a ideia). O objeto, seja uma cama ou um homem, não é perfeitamente real (597a); por
um lado é real, na medida em que participa (ou imita) do real; por outro lado, isto pertence
ao mundo da multiplicidade e da mudança e, portanto, participa do não ser. É
precisamente o último lado que a arte da imitação representa; ela retém um aspecto
parcial e não substancial do objeto (598b); a copia é, então, a mais distante distorção
daquilo que já é uma distorção da realidade. Tudo isso sendo verdade para o pintor
realista (que deseja apenas espelhar a natureza) é igualmente verdadeiro para o poeta
imitativo; por isso já está claro no terceiro livro que, não tendo conhecimento da realidade,
ele é um imitador no mesmo sentido. O ponto é que o tragediografo, assumindo um
caráter alheio ao seu próprio, não está meramente aberto as críticas éticas do livro III; ele
esta necessariamente afastado da verdade, porque ele pode copiar somente aparências,
as palavras e ações de tais personagens (603c); ele não expressa, pois ele não
compreende, os princípios que subjazem essas aparências e que constituem a realidade.
Tanto o pintor imitativo, quanto o poeta imitador representam somente o exterior, não o
significado interno do que eles imitam.
Essa interpretação pressupõe que a analogia da poesia com a pintura não é um
argumento, mas simplesmente uma ilustração. Os comentadores que se recusam a
considerar que o décimo livro deva ser lido à luz do terceiro pensam que a passagem
representa uma prova e tentam desacreditá-la alegando discrepâncias na analogia.
Adam, por exemplo (em 598b II), diz que a inferência da pintura para toda arte imitativa
dificilmente pode ser justificada. Mas, não há inferência; e não há discrepâncias. A partir
do exemplo do pintor imitador fica claro que o afastamento da verdade é uma
característica da imitação. Agora a tragédia sendo uma imitadora no mesmo sentido
(como explicado no livro III) esta similarmente afastada da verdade. Esta transição da
pintura para a poesia dá origem a uma importante dificuldade (597e). Como nós sabemos,
se deixarmos o terceiro livro fora de questão, que a tragédia é uma imitação nesse
sentido? Assim, Greene (op. cit. p. 53) reclama que a questão é requerida na suposição”
de que a mera definição da imitação em geral cobrirá o objetivo da poesia”. Claramente,
ela cobre apenas o objetivo da poesia imitativa como descrito na primeira discussão, a
partir da qual, como eu mostrei, a hipótese é completamente justificada.
A conclusão deve ser que o livro dez é inteiramente consistente em relação ao
terceiro no que tange a imitação, e apenas ilustra a relação da poesia imitativa com a
verdade, a qual está implícita na primeira discussão.

III
A distinção entre o bom e o mal sentido da imitação é, de modo geral, uma
distinção entre dois tipos de artistas, o ignorante por um lado e o esclarecido por outro.
Aqui nós temos a chave para compreender a atitude de Platão para com a poesia e a arte
em geral.
Nós temos visto Platão usando (na Rep. 596 et seq.) uma analogia entre a poesia
imitativa e a pintura imitativa, a fim de ilustrar o afastamento da arte imitativa da verdade.
Mas há uma arte que não é imitativa nesse sentido, embora imitativa em outro sentido;
uma arte que não se limita a copiar características externas de objetos particulares, mas
tem alguma consideração com o mundo da realidade. O relato mais claro deste tipo
genuíno de imitação está (na Rep. 500-501), onde Platão comparara a pintura genuína
com a verdadeira arte de governar.
Os filósofos que desejam introduzir a verdade do mundo ideal na vida pública e
privada dos homens, não serão considerados artífices de toda virtude (500d et seq.) Eles
serão, por assim dizer, “pintores usando um paradigma divino”. Primeiro eles delinearão a
estrutura da constituição sobre uma tela limpa; então, na medida em que preencherem os
detalhes, eles voltarão seu olhar para as formas ideais da justiça, beleza e coisas
semelhantes, agora para a personificação destas formas no caráter humano. Na última
etapa de sua obra, eles serão conduzidos por instâncias entre homens daquela qualidade
de alma que até Homero chamou de piedosa e divina.
Esta metáfora sustentada pode ser usada para lançar uma luz sobre os
procedimentos do artista genuíno em cada tipo de produção. Nós estamos autorizados
em usá-la assim, porque em 401-402 pintura, poesia e todos as artes e ofícios são
igualmente necessárias para expressar a essência da beleza em todas as suas obras.
Segue-se que há dois possíveis tipos de artistas e dois correspondentes tipos de
imitação e arte em geral. Um tipo consiste nos amantes da beleza e da sabedoria, que
tem algum conhecimento sobre o mundo ideal. Sua obra é realmente bela e harmoniosa,
de modo que, pelo princípio da imitação, contagia outras com a harmonia do caráter.
(Rep. 522a). Embora seu trabalho não transmita conhecimento científico (ibid.), ele é
realizado à luz de tais conhecimentos (402bc). Assim, a poesia será tão verdadeira quanto
bela, de modo a tornar o jovem familiarizado com opiniões corretas. (376e et seq.). Tal
arte será a imitação ou expressão da realidade, da verdade e da beleza. Mas, poderia
parecer que na opinião de Platão, não existe poesia pertencente a esta classe. O Estado
ideal deve, em seu próprio interesse, requerer uma nova raça de poetas para viver dentro
dele.
O outro tipo consiste na imitação no sentido condenatório. Ele inclui, por exemplo,
os poetas que copiam apenas as características externas dos homens, etc., os poetas
que não sabem, mas fingem que sabem. Isto inclui o pintor que apenas representa a
aparência dos objetos particulares advindos do sentido. Homero e os trágicos pertencem
a esta classe. Eles estão entre a multidão dos ignorantes (601a) e expressam não a
verdade sobre as virtudes, etc., mas as noções vagas que prevalecem entre os muitos
ignorantes (600e, 602b). Se tivessem conhecimento, eles não seriam imitativos nesse
sentido. Mas, eles nem sequer tem uma opinião correta (534a, 602a). Esta segunda
classe será completamente excluída do Estado. Numerosas passagens em outros
diálogos são explicadas e, por sua vez, confirmam esta interpretação da atitude de Platão
para com a arte. De acordo com o Banquete (210-212), por exemplo, é somente pela
comunhão com a beleza essencial – a ideia vista apenas pelo olho da mente – que um
homem será capaz de produzir coisas realmente belas, e não meras imitações de belos
objetos particulares; porque ele tem como apoio não em uma imagem, mas na realidade
(212a). No Górgias (502-503) oradores são divididos em duas classes, como acima. O
orador genuíno, preocupado em instruir seu público, ainda está para nascer – como o
poeta genuíno na República. O Fedro faz a mesma distinção a respeito dos poetas e
oradores. Os genuínos poetas ou os oradores basearão suas composições sobre um
conhecimento da verdade (277-8). Se por poeta queremos dizer um mero traficante
imitador em palavras – alguém que não tem conhecimento – então o poeta genuíno será
maior do que o poeta; ele será um filósofo (278cd). Similarmente, no mito que distingue
entre as diferentes classes de homens a partir do grau em que suas almas contemplaram
a verdade antes de baixarem para a terra, o poeta genuíno está seguramente na primeira
classe, a qual consiste de amantes da beleza e da sabedoria, homens cheios de cultura
(música) e amor (248d). Poetas e outros artistas imitativos aparecem na sexta classe
(248e). Sua inspiração é de valor muito baixo comparado com o amor criativo dos
filósofos. Mais uma vez, de acordo com as leis (667d-669b) existem evidentemente dois
tipos de poesia: uma que pode ser julgada por “prazer e falsa opinião”, e outra que pode
suportar o teste de comparação com a verdade.
Está claro, então, a partir destas e outras passagens, que há um maior grau de
consistência nas declarações de Platão a respeito da poesia e da arte do que os
comentadores têm, até agora, admitido. Resumindo, existem duas formas de imitação de
acordo com Platão. A primeira é meramente imitativa, que imita apenas a natureza
aparente das coisas que aparecem aos sentidos. (Rep.598b). O poeta trágico que
assume o personagem estranho ao seu próprio está fazendo o mesmo tipo de coisa que o
pintor que representa a aparência dos objetos sem considerar a sua natureza ou
significado. Ambos estão imitando aquilo que eles não entendem. A segunda forma de
imitação é aquela que imita o mundo ideal. Esta forma pode ser alcançada somente pelo
o homem de conhecimento, o qual pode reconhecer tanto as ideias em si mesmas quanto
as suas imagens no mundo sensível, assim como alguém aprende a ler tanto as letras
quanto as imagens das letras distorcidas em um espelho ou na água (Rep. 402bc, 500d et
seq). Assim os poetas devem, como os reis (499bc), tornarem-se filósofos; ou senão os
filósofos devem se tornar poetas. Um acordo é claramente possível, se os poetas que não
são filósofos se submeterem a censura dos filósofos (Leis 719, 816-7, etc.).
O primeiro tipo de imitação é imitação no sentido literal – a mera copia dos objetos
sensíveis. A poesia que não é também a filosofia é imitativa neste sentido; quando
descreve um Asclépio, por exemplo, copia meramente as palavras de um Asclépio, sem
conhecimento da verdade que as palavras expressam. Essa mera poesia é sempre e
necessariamente falsa e prejudicial.
O segundo tipo de imitação não é imitativa no sentido literal, mas em um sentido
analógico. Consequentemente é fácil compreender porque Platão considerava a poesia
deste tipo como não imitativa (na Republica) em contraposição à mera poesia. Pois “a
imitação”, quando aplicada à expressão das ideias na forma sensível é somente uma
metáfora insatisfatória, assim como todas as outras palavras que Platão usou para
denotar a mesma relação.

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