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Pró-Reitoria de Pesquisa

Coordenadoria de Iniciação Científica e Tecnológica


Relatório Parcial de atividades do PIBIC sem remuneração

Poesia e mímesis na República

São Carlos
2017

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1) Resumo das atividades desenvolvidas e os resultados obtidos no período

a) Disciplinas na graduação
b) Pesquisa bibliográfica
c) Resultado parcial da pesquisa

Introdução

Nosso projeto de pesquisa parte da seguinte problemática: embora os diálogos


platônicos sejam claros exemplos de discursos imitativos, na República o que determina
a expulsão da poesia da polis idealizada é a natureza mimética dos logoi poéticos. Há
uma aparente contradição na obra, uma vez que a censura proposta parece recair sobre
os próprios diálogos platônicos. Para tentarmos esclarecer a questão definimos a
seguinte trajetória de pesquisa:

1. República livro III – primeira crítica à mímesis: crítica à poesia como forma
discursiva;

2. República livro VI – a filosofia como atividade mimética;

3. República livro X – segunda crítica à mímesis: crítica epistemológica à poesia;

4. Sofista 235a – cópia e simulacro como fundamentação aos usos da mímesis na


República.

Ao iniciarmos o projeto segundo o que foi definido em nossa trajetória, notamos


a necessidade de estudar a crítica à poesia no livro II a fim de melhor compreendermos
a censura à poesia mimética no livro III. Portanto, nesse relatório parcial das atividades
desenvolvidas no PIBIC voluntário constam as conclusões tiradas dessa primeira leitura
do livro II. O presente texto tentará explorar o movimento da discussão do livro II

2
evidenciando os principais aspectos sobre a construção da polis ideal e sua relação com
a mímesis, a fim de melhor compreender a passagem 595a-b1 do livro X da República.

Para construir a imagem da cidade ideal Platão expõe duas imagens anteriores: o
modelo da cidade real e o modelo rústico. Na constituição do modelo ideal os
interlocutores consideram os limites do modelo rústico e os erros da cidade real,
evidenciando nesse processo a relação que os tipos de cidade estabelecem com os logoi
poéticos e com a mímesis.

As imagens das cidades e a mímesis

A discussão do primeiro livro da República já havia sido encerrada com a vitória


da tese de Sócrates sobre a de Trasímaco. Não haveria motivos para continuar a
discussão sobre a definição de justiça não fosse o descontentamento das personagens
Glauco e Adimanto com o debate que presenciaram. Os jovens cobram de Sócrates uma
defesa da justiça em si mesma e, com a intenção de fazer Sócrates defendê-la, Glauco
propõe rejuvenescer a tese de Trasímaco. É através do elogio da injustiça feito por
Glauco que Platão pinta um retrato empírico da cidade real e demonstra como o jogo de
valores funciona na polis efetiva. Ao provocar Sócrates com o elogio antilógico da
injustiça, Glauco assume o ponto de vista da doxa hegemônica da polis. O discurso de
Glauco, fiel à opinião da cidade contemporânea a Platão, apresenta a polis tal como ela
realmente é. Trata-se, como Marques evidencia em seu artigo (MARQUES, 2010), de
um modelo empírico, um retrato fiel da Atenas de sua época.

Essa cena dramática montada para que a personagem Sócrates se veja obrigada a
socorrer a justiça do aparente ataque de Glauco, implicará a criação de uma imagem do
surgimento da cidade. Espera-se que, ao observar a imagem tal como se observa uma
maquete, os interlocutores possam encontrar a gênese da justiça e da injustiça no
surgimento das relações entre os cidadãos. A cidade surge da incapacidade dos homens
de satisfazerem todas as suas necessidades. Eles se unem para dividirem as tarefas e os
frutos do trabalho coletivo. A cidade não só é convencional como também é necessária,
ela facilita e aumenta a probabilidade de que os homens sobrevivam. Sócrates propõe,
com base na máxima que guia a formação dessa polis, segundo a qual cada trabalhador
deve se dedicar à tarefa para qual sua natureza está predisposta, um modelo de cidade
1
Passagem em que a personagem Sócrates defende que a poesia mimética não deve ser aceita na polis
idealizada.

3
que não se distancia das necessidades naturais dos homens. Trata-se de uma cidade
rústica e que não abriga as artes miméticas.

Ao ouvir a imagem desse modelo, Glauco logo intervém no diálogo para


questioná-lo. Segundo o jovem, esse modelo de cidade está muito distante da cidade
real (372d-e), pois Sócrates, aparentemente, não teria considerado o fato de que os
homens já ultrapassaram a fase que tornaria possível essa constituição. O homem
contemporâneo a Platão tem outras necessidades além de vestuário, comida e habitação.
Ele precisa das artes miméticas, das inúmeras espécies de imitação, coisa que esse
modelo não pôde contemplar. É por conta da interferência de Glauco que os
interlocutores iniciarão a constituição do terceiro modelo de cidade presente na
República, que popularmente conhecemos como polis ideal platônica.

Cada um desses três modelos possui uma relação específica com as artes
miméticas, especialmente com a poesia. A cidade empírica foi educada pelos grandes
poetas. A cidade rústica, que Sócrates defende como sendo a constituição ideal (372e),
não abriga as artes miméticas, os hinos aos deuses são o único resquício mimético que
permanece nesse modelo. A terceira cidade, que podemos considerar como
intermediária entre a cidade real e a rústica, não mantém a mesma relação com a poesia
que os modelos anteriores mantêm. Platão não bane a poesia mimética, como faz na
cidade rústica, mas também não a coloca em um posto de referência ético/moral e
autoridade pedagógica, tal como a cidade real o faz. Os logoi poéticos permanecem na
cidade ideal, conquanto que sejam submetidos à censura filosófica.

Em contraste com o que é dito no livro II, a passagem 595a-b faria mais sentido
se o modelo ideal tivesse preservado a relação que a cidade rústica mantém com a
poesia. Todavia, Platão defende uma constituição intermediária como sendo a ideal. O
exame dos três modelos de cidade pode colocar luz sobre esse problema. Entender a
relação que os modelos empírico e rústico mantêm com a poesia pode ajudar a
esclarecer a ambígua relação que a cidade ideal mantém com os logoi poéticos.

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I – O “elogio à injustiça” e a imagem empírica da cidade.

Alguns aspectos devem ser destacados no elogio antilógico de Glauco. Em


primeiro lugar, o jovem faz o elogio à injustiça a fim de desafiar Sócrates a defender a
justiça em si mesma. Em segundo, ao retomar a posição de Trasímaco2 Glauco adverte
seus interlocutores que fala segundo a opinião hegemônica da polis. Ao propor o elogio
à injustiça o jovem apresenta a estrutura de seu discurso, que será dividido em três
momentos, como vemos em 358 c:

1 dizer “o que se afirma ser a justiça e qual sua origem”;


2 mostrar “que todos os que a praticam, o fazem contra a vontade, como
coisa necessária, mas não como boa”;
3 sustentar que “é natural que procedam assim”, uma vez que “a vida do
injusto é muito melhor que a do justo”, segundo se diz.

Essa divisão e as considerações que Marques faz em seu importante artigo


(MARQUES, 2010) servirão de fio condutor no exame do modelo empírico da cidade
apresentado por Glauco.

1) A origem da justiça.

Em 357b-d, Glauco diz existirem três tipos de bem: os que gostaríamos de


possuir não por desejarmos suas consequências, mas por si mesmos; os que gostaríamos
de possuir por si mesmos e por suas consequências; e o terceiro tipo, aqueles que são
penosos, mas úteis, que não possuímos por amor a eles, mas pelas consequências que
deles derivam. Questionado sobre a qual desses tipos pertence a justiça, Sócrates

2
O que marca a diferença na postura de Glauco e Adimanto em relação ao sofista é o fato dos irmãos não
acreditarem na tese que defendem. Eles não só consideram que a justiça é algo em si mesma, como
cobram de Sócrates uma defesa da justiça no que ela é em si, sem se ater aos benefícios advindos de sua
aparência. O discurso de Glauco, fiel à doxa hegemônica da polis, demonstra como se dá a relação dos
cidadãos com os valores morais, mas não explora a causa dessa relação.

5
responde que ela pertence ao segundo: deve ser estimada por si mesma e por suas
consequências3. A partir da resposta de Sócrates, Glauco expõe a doxa da massa e seus
fundamentos. Para a multidão, a justiça pertence ao terceiro tipo de bem, ela é penosa e
não tem valor em si mesma, os que a praticam visam suas consequências (358a-b).

Para o senso comum, cometer injustiça é um bem e sofrê-la um mal. Apesar


dessa visão da injustiça como algo bom, a massa entende que ser vítima de injustiça é
um mal maior do que o bem que há em cometê-la (358e-359a). Assim, a justiça teria
surgido com a intenção de diminuir os prejuízos advindos da prática da injustiça.
Segundo a doxa hegemônica da polis, essa é a gênese e a natureza da justiça (359a-b).
Por isso ela não pode ser valorizada em si, uma vez que não passa de um acordo que
visa a minimização dos prejuízos. A justiça só pode vigorar entre os homens enquanto
um acordo.

2) A justiça é convenção.

Glauco defende artificialmente a tese de que a justiça é convencional e sua


efetividade enquanto convenção depende de uma disposição que a natureza humana
possui em cometer injustiças, aliada a impossibilidade de ocultá-las.

Dêmos o poder de fazer o que quiser a ambos, ao homem justo e ao injusto;


depois, vamos atrás deles, para vermos onde é que a paixão leva cada um.
Pois bem, apanhá-lo-emos, ao justo, a caminhar para a mesma meta que o
injusto, devido à ambição, coisa que toda criatura está por natureza disposta a
procurar alcançar como um bem; mas, por convenção, é forçada a respeitar a
igualdade. (359c)

A tese de Glauco parece pressupor certa concepção de natureza humana. O


natural, segundo a tese proposta, é que os homens tentem através da prática da injustiça
aliada à aparência da justiça, concretizar suas ambições. É por isso que mesmo aqueles
que honram e elogiam a justiça só o fazem na medida em que possam tirar algum

3
Marques (2010, p. 07) chama a atenção para a curiosa posição de Sócrates, que não recusa totalmente os
bens exteriores, optando pelos bens mistos e atribuindo importância aos bens aparentes. Se Sócrates for
representante da posição platônica, teremos que Platão reconheceque os valores exteriores não podem ser
suprimidos.

6
proveito da aparência de praticá-la. Ora, se a injustiça é o melhor caminho para
concretizar as ambições individuais e, portanto, seguir o caminho ditado pela natureza
humana, nada mais natural que os homens escolham esse caminho. Glauco conclui
assim que aqueles que conservam a justiça o fazem somente pela impossibilidade de
cometer injustiças. Com o poder de cometê-las sem serem pegos, tanto o justo quanto o
injusto, ao fim, estarão no mesmo lugar, guiados pela ambição.

A narrativa de Giges é proposta por Glauco como uma prova de que ninguém é
justo por vontade, mas apenas por convenção e por coação (360c). Podendo se tornar
invisível com o poder que um anel encontrado ao acaso lhe confere, Giges se sente
favorecido pelas circunstâncias que a invisibilidade lhe proporciona e usa o poder do
anel para se tornar rei (360b-c). A narrativa apresenta a justiça não como um bem
individualmente, para o agente que a pratica, mas como boa ao convívio pacífico entre
os homens devido ao seu poder de minimizar os resultados negativos da prática da
injustiça (359c-d). Segundo Marques (2010, p. 06), a doxa dos injustos é apresentada
aqui como uma racionalidade da eficácia cooperativa e se mostra como efetivação
radical da adoção exclusiva dos bens exteriores, aqueles que são busca dos e valorizados
visivelmente.

3) A vida do injusto é melhor que a do justo.

Depois de mostrar a origem e a natureza da justiça, Glauco pretende finalizar seu


elogio concluindo que o melhor modo de se viver tendo em vista a própria felicidade, é
o modo injusto. Para se compreender qual é o melhor modo de vida é necessário antes
compreender a diferença entre os dois modos: o viver injustamente e o viver justamente.
Glauco expõe dois modelos paradigmáticos a fim de examiná-los e mostrar que o
injusto terá mais sorte que o justo, no que diz respeito à própria felicidade.

O injusto age como um artesão e distingue o que é possível realizar com sua
técnica do que não é possível, sendo capaz de corrigir-se quando necessário (360e –
361a). Através da analogia com o artesão, Glauco mostra em que sentido o termo
perfeito é posto na discussão. Trata-se, como salienta Marques (2010, p. 08-09), de uma
perfeita eficácia técnica. Caso cometa um erro ele é capaz de corrigi-lo, seja falando

7
para persuadir, seja através da violência, dos amigos ou das riquezas advindas de seus
empreendimentos injustos (361a). Faz parte de sua eficácia técnica não aparecer como
injusto. É necessário que além de não aparentar ser injusto, esse homem saiba articular
essa não visibilidade de suas injustiças à aparência da justiça, já que a extrema injustiça
é o parecer ser justo sem realmente ser (MARQUES, 2010, p. 09).

No caso do homem justo o procedimento deve ser contrário. Marques (2010,


p.10) salienta que é necessário suspender o aparecer para que se possa colocar a justiça
à prova e ver se ela não enfraquece com a má reputação. A proposta de Platão, segundo
o autor, é que se passe o parecer ser justo para o plano invisível, a fim de que se possa
discernir o que mobiliza a ação do homem justo. Assim, desnudado da aparência da
justiça, visto pelos demais cidadãos como injusto apesar de manter intacta sua justiça,
esse homem sofrerá até admitir que não se deve querer ser justo, mas parecer ser justo
(361e-362a). Essa é a opinião hegemônica da polis. É a partir dessa constatação que
Glauco conclui a inversão do dito de Ésquilo, que, segundo a tese exposta, se aplica
muito melhor ao injusto, pois, “/.../ dirão que o injusto, <preocupando-se com alcançar
uma coisa real>4, e não vivendo para a aparência, não quer parecer injusto, mas sê-lo”
(362a).

Por parecer ser justo nos conflitos públicos e privados o injusto leva vantagem,
pois não se priva de cometer injustiças e é capaz de manter intacta a aparência de justo.
Essas vantagens o farão enriquecer e fazer bem aos amigos e mal aos inimigos 5, além
de, com isso, poder fazer numerosos sacrifícios e prestar honras aos deuses e aos
homens. É natural, portanto, que ele seja mais favorecido pelos deuses e pelos homens
do que o homem justo6.

A conclusão do “elogio à injustiça” operado por Glauco é que tanto os deuses


quanto os homens proporcionam ao injusto uma vida melhor que a do justo. O discurso
de Glauco inverte o valor entre ser e aparentar ser. Da injustiça é melhor o ser
efetivamente que o aparentar ser. Para Marques (2010, p.11), Glauco demonstra que, do
ponto de vista da cidade, os valores só têm vigência no jogo entre o aparecer e o não

4
Grifo nosso. Há uma inversão de valor aqui: a injustiça é vista como a coisa real, a justiça como
artificial.
5
Essa é a definição de justiça apresentada porCéfalo.
6
É assim que se afirma, ó Sócrates, junto dos deuses e dos homens o homem injusto granjeia melhor
sorte do que o justo (362b-c). Segundo Marques (2010, p. 17), Glauco apresenta uma inversão do que
será exposto por Sócrates nos livros posteriores, aqui o perfeito injusto acede ao governo da cidade.

8
aparecer, e ainda,

/.../ para um valor que só se efetiva na visibilidade ou no aparecer, a não-


visibilidade é uma ameaça, uma oportunidade para a sua negação;
poderíamos dizer, uma ocasião para o anti-valor, ou seja, no caso da
exposição de Glauco, para a injustiça, a ambição e o crime. (Marques, 2010,
p. 11)

Segundo Marques (2010, p. 03), Platão reúne no discurso antilógico de Glauco


as vozes da grande cultura da polis grega, sintetizando o que mais de relevante se
pensou sobre a vida política até então. A fala de Glauco revela uma polis corrompida,
que cultiva os valores de forma aparente: os homens pensam nas vantagens que as
aparências podem lhe proporcionar sem considerar o valor em si mesmo.

Através do discurso de Glauco Platão mostrou o tipo de relação que a polis real
mantém com os valores morais e descreveu o cidadão perfeitamente integrado às
práticas sociais existentes. As ações dos cidadãos na cidade estão integradas a essa
lógica. O que se vê na cena política convencional é a representação dos valores. Os
cidadãos fingem ser o que não são para tirar vantagens particulares7. Glauco mostrou
que ser perfeitamente injusto é saber articular a prática da injustiça à aparência de
justiça; não basta ser injusto, deve-se imitar o valor em sua exterioridade, mesmo que
aquele que imite não conheça o que imita. Trata-se de uma imitação da aparência. O
injusto pode apenas imitar aquilo que imagina ser o justo, sem saber efetivamente se sua
opinião sobre a justiça é verdadeira ou falsa8.

Marques (2010, p. 11-12) destaca ainda que Glauco opera uma inversão no
sentido da reflexão inteligente: agir injustamente é agir com inteligência e agir
justamente é agir sem inteligência. Na polis os valores morais são vistos como pactos,
construções coletivas que visam diminuir os malefícios causados pela natureza humana,
que é essencialmente ambiciosa e egoísta. O discurso de Glauco naturaliza o agir
injustamente. Sua fala parece repousar em uma “concepção hobbesiana” de natureza
humana, segundo a qual o homem é essencialmente propenso à injustiça. Nesse
contexto a justiça é vista como um pacto, uma construção histórica e cultural que só tem

7
Trata-se de um tipo de imitação que se atém ao que parece ser o valor.
8
O cidadão integrado às práticas sociais da polis não tem condições de saber o que é a justiça em si
mesma porque não crê que a justiça seja algo em si, uma vez que acredita que ela é uma convenção
estabelecida quando os homens perceberam que podiam ser vítimas uns dos outros.

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vigência graças aos seus resultados externos.

O problema ético moral da polis efetiva e sua relação com a educação tradicional

Dada a concepção de natureza humana defendida no elogio de Glauco,


poderíamos deduzir que para Platão essa relação que a polis mantém com os valores
morais é natural. Todavia, Adimanto interfere na discussão indicando o caminho dos
próximos livros no que diz respeito ao problema: os homens privilegiam a aparência
pois foram educados dessa maneira. Trata-se de um problema pedagógico

Ao tomar a palavra para auxiliar seu irmão na tese defendida, a jovem


personagem assume na trama do diálogo uma posição diferente da assumida por
Glauco. Adimanto pretende examinar a doxa dos que elogiam a justiça a fim de mostrar
que esses homens a honram apenas por poderem tirar algum proveito de seu nome, de
sua aparência e de seus lucros (362e). Na tarefa da qual se encarrega, o interlocutor
socrático opta por um caminho diferente do sugerido pelo discurso de Glauco. Para
Adimanto não é natural esse comportamento que privilegia a injustiça e o aparentar ser
justo. Os homens agem como agem porque foram educados dessa maneira. O problema
que até então parecia ser apenas moral e político, pois repousava em uma concepção
“pessimista” de natureza humana, agora se torna pedagógico. É quando a discussão se
detém sobre a formação ética dos cidadãos que Platão traz à baila o tema da poesia.

Adimanto examina a educação nos lares em paralelo à grande cultura da polis.


Ao educarem seus filhos em suas casas, os homens não fazem o elogio da justiça em si
mesma, mas elogiam apenas o nome que dela advém. Eles ensinam às crianças que
aquele que parece ser justo recebe as vantagens proporcionais a essa aparência. Para
compreender a educação da grande cultura da polis, Adimanto propõe o exame dos
logoi poéticos (362e-363e). Através do exame dos logoi poéticos proposto pela
personagem, Platão explora a relação intrínseca que a opinião da massa tem com a doxa
dos poetas. Embora elogiem os valores morais, os poetas os apresentam como difíceis e
trabalhosos, enquanto os vícios são vistos como coisas fáceis e suaves, odiosas apenas à

10
fama e à lei (364a). Os poetas formam e moldam a opinião da massa9. Leigos e artistas
do verso partilham a opinião de que a injustiça é em geral mais vantajosa que a justiça, e
que são felizes os maus, caso sejam ricos ou possuidores de alguma forma de poder.
Ambos são capazes de honrar esses homens em público e em particular e desprezar os
pobres e fracos, embora digam que estes são melhores que os primeiros (364a-b).

A partir da introdução do tema da formação ética, Platão passa a descrever o


funcionamento da polis de sua época. Assim como Glauco, a personagem Adimanto
também expõe um discurso empírico que se atém aos problemas reais da cidade. Os
problemas éticos da cidade causados pela poesia são, a saber, os seguintes:

 o logos poético responsabiliza o divino pelo destino dos homens, dizendo


que os deuses atribuem desgraças aos homens de bem, e aos maus, o
contrário (364b);
 mendigos e adivinhos oferecem a cura para os crimes cometidos através
de sacrifícios e purificações (364b-c);
 a cidade vende uma imagem dos deuses como corruptíveis mediante
preces e sacrifícios (364d).

Nesse contexto da cidade real, uma pessoa que queira fazer mal a um inimigo, por
exemplo, quer justo, quer injusto, mediante pequena quantia, pode persuadir os deuses a
serem seus servidores (364e-365a). Sendo essas as afirmações sobre as virtudes e os
vícios e o valor que homens e deuses lhe atribuem, disseminadas por leigos e artistas do
verso na cidade, cabe a seguinte questão:

Ao ouvi-las, que pensamos que fazem as almas dos jovens que forem bem
dotados e capazes de, andando como que a volitar em torno de todas, extrair
delas uma noção de comportamento que uma pessoa deve ter e da espécie de
caminho por que deve seguir, a fim de passar a existência o melhor possível?
(365a-c)

Dado o fato da polis favorecer o modo de vida injusto, como foi mostrado até
aqui, Adimando questiona sobre como um jovem que ainda não firmou suas bases éticas

9
Nos livros V e VI Platão mostrará que é uma relação dupla: os formadores de opinião da massa dizem o
que a multidão quer ouvir.

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poderá escolher o caminho da virtude, uma vez que esse é o caminho mais dificultoso e
o menos sugerido? A personagem coloca luz sobre as implicações éticas dessa
compreensão do agir injustamente como agir com inteligência e do aparentar ser justo
prevalecer sobre o ser efetivamente justo. No cenário descrito pelos irmãos, somente
alguém sem inteligência permaneceria no caminho da justiça. Um jovem, mesmo
advertido pelo “coro” da massa e dos poetas que se for justo e não aparentar, não tirará
proveito algum, apenas castigos, escolherá ser justo? Acrescenta-se a isso o fato de
saber que ao homem injusto que saiba articular suas injustiças com a aparência de
justiça, caberá uma vida plenamente boa. Ora, adverte Adimanto, rapidamente esse
jovem chegará a seguinte conclusão:

/.../ uma vez que a aparência, como demonstram os sábios10, subjuga a


verdade e é senhora da felicidade, é para esse lado que devemos voltar-nos
por completo. Tenho de traçar em círculo à minha volta, como uma fachada e
frontaria, uma imagem da virtude, e arrastar atrás de mim a raposa matreira e
astuciosa do muito sapiente Arquíloco (365c).

Adimanto retoma a analogia do perfeito injusto com o bom artesão. A perfeita


injustiça é reapresentada como uma máxima eficácia técnica. O perfeito injusto é capaz
de, além de maximizar os ganhos através da constatação dos limites próprios de sua
arte, sincronizar seus atos à aparência de justiça. Saber corrigir os erros é necessário ao
injusto, já que não é possível passar despercebido em tudo. Como em qualquer outra
arte a injustiça requer técnica. Uma vez que a felicidade se encontra na direção dos
argumentos expostos, o jovem irá procurar modos para passar despercebido11.
Chegando à conclusão de que o caminho da injustiça é o mais vantajoso, ele saberá
facilmente dos melhores meios para ocultar suas injustiças no contexto da cidade que é
exposto. Basta que ele saiba tirar vantagem dessa dinâmica da polis apresentada. Assim,
o jovem

a) pode ocultar suas injustiças da cidade recorrendo a “cabalas e clubes”.


(365d). Ou seja, os mestres de persuasão poderão lhe ensinar a técnica, a
fim de que se aprenda ora a persuadir, ora exercer violência12.

10
Possível referência aos poetas.
11
Adimanto expõe o paradigma de um jovem para pensar como os jovens se comportam na cidade.
12
Persuasão e violência são pensadas como ações que visam um mesmo fim. Essa relação será melhor
explorada no livro V.

12
b) Como não é possível enganar, passar despercebido ou exercer violência
sobre os deuses, o jovem pode procurar auxílio no seguinte argumento:

Ora, se eles não existem ou não se preocupam com as coisas dos homens,
para que havemos de importar-nos com o passar despercebido? Se, porém,
existem, e se preocupam, nós não sabemos nem ouvimos falar deles a mais
ninguém, senão através das leis e dos poetas que trataram de sua genealogia,
e são esses mesmos que dizem que eles são de molde a deixarem-se flectir
por meio de sacrifícios, preces brandas e oferendas. (365d-e)

Se se acredita nos deuses, acredita-se também que são persuasíveis. É


uma necessidade lógica. A conclusão que vem a seguir é que se se
acredita nos deuses, deve-se ser injusto e realizar preces com os lucros da
injustiça.

c) Os ritos e iniciações podem livrar o jovem das penas que pagaria depois
da morte. Apesar de em vida o injusto ser favorecido por todas as
circunstâncias possíveis, na morte ele pagará a pena de suas injustiças,
cometidas por ele e por seus descendentes. Nesse caso, continuará o
jovem em seu raciocínio, basta procurar as iniciações, que garantirão que
ele e seus descendentes gozem de uma boa vida no Hades (366a-b).

Conclusão: ser justo é carecer de qualidades

Adimanto conclui sua exposição com a seguinte questão: como uma pessoa com
força de ânimo, capacidade econômica ou física, ou de bom nascimento, irá se dedicar
ao caminho da justiça? (366d). A tese de Glauco é forçada aos limites: ninguém é justo
voluntariamente, mas sim coagido pela covardia, pela velhice, ou pela fraqueza. Quem
censura a injustiça sofre da carência das qualidades que o permitiria se dedicar ao
caminho da injustiça. A justiça não é só falta de inteligência como também é falta de
coragem, juventude e de força. Marques (2010, p.11) destaca que no livro II da
República vemos uma perfeita inversão da filosofia platônica operada pelo próprio
13
Platão.

A partir da exposição de Glauco e Adimanto, são postulados no diálogo os


critérios que deverão guiar a defesa da justiça da qual Sócrates se ocupará. Ele deverá
mostrar quais os efeitos na alma daquele que possui a justiça e a injustiça, graças a qual
uma é considerada um mau e a outra um bem, quer passe despercebida a deuses e
homens, quer não, ou seja, a justiça deve ser defendida pelo que ela é em si mesma
(367b).

II – A formação da cidade e a imagem da polis rústica

Para defender a justiça do ataque dos irmãos Sócrates propõe investigar qual a
natureza da justiça e da injustiça e qual a verdade acerca das respectivas vantagens de
possuí-las (369c).

Disse-lhes então qual era o meu parecer, que a pesquisa que íamos
empreender não era coisa fácil, mas exigia, a meu ver, acuidade de visão.
Ora, uma vez que nós não somos especialistas, entendo – prossegui – que
devemos conduzir a investigação da mesma forma que o faríamos, se alguém
mandasse ler de longe letras pequenas a pessoas de vista fraca, e então
alguma delas desse conta de que existiam as mesmas letras em qualquer outra
parte, em tamanho maior e em escala mais ampla. (368e).

A metáfora das letras pequenas e grandes serve para mostrar em que sentido a
investigação irá prosseguir. Uma vez que a justiça existe no indivíduo e na cidade, a
investigação empreendida por Sócrates se deterá primeiro na escala mais ampla, isto é,
na justiça da cidade, para depois procurá-la em escala micro, ou seja, no indivíduo
(368e-369a). O que se espera com a investigação empreitada é que ao se deter sobre o
início da cidade e do surgimento das relações entre os homens, possa-se encontrar
também a gênese da justiça e da injustiça. Para tal, Sócrates propõe a seus interlocutores
a criação de uma cidade em logos (369c).

A cidade surge devido ao fato do homem ter muitas necessidades e não ser capaz

14
de suprir todas individualmente. Por necessitarem de muitas coisas, os homens se
associam voluntariamente com vistas ao bem comum: a cooperação mútua através da
divisão do trabalho. A primeira das necessidades a serem supridas é a obtenção de
alimentos, a segunda, a habitação e a terceira é o vestuário. A solução apresentada para
que a cidade possa fornecer essas coisas aos cidadãos é a divisão do trabalho. A
negociação é feita mediante troca e não há moeda, cada trabalhador deverá produzir
para si e para a troca (369d-370a). A divisão do trabalho deve respeitar a máxima
segundo a qual cada pessoa possui uma natureza diferente, portanto, aptidões distintas.
Conclui-se disso que cada trabalhador deverá executar uma única tarefa, que esteja em
harmonia com sua natureza.

Com o aumento da exportação torna-se necessário o aumento da produção, e


com isso aumenta o número de trabalhadores, o que determina o crescimento da cidade.
Surgem então diversas profissões, entre elas os comerciantes, os trabalhadores
assalariados e afins. Nesse ponto da investigação já é possível vislumbrar o germe da
justiça e da injustiça, ambas devem ter se formado nesse cenário das transações
comerciais (370b-372a).

As pessoas assim organizadas viverão para produzir vinho, vestuário e calçados.


Suas preocupações serão habitação, comida e vestuário. Eles não se darão aos excessos
e serão saudáveis. Farão banquetes e coroados de flores cantarão hinos aos deuses
(372b-c). Esse é o modelo de cidade perfeito segundo a concepção de Sócrates, que será
defendida pelo filósofo em 372e: “/.../ a verdadeira cidade parece ser aquela que
descrevemos como uma coisa sã /.../”. A cidade formada é perfeita segundo a concepção
de Sócrates, pois, em primeiro lugar, é uma cidade temperante: as necessidades
individuais são as necessidades naturais. Por não haver excessos, todos os homens
podem seguir saudáveis em suas vidas. Até mesmo a medicina parece não ser
necessária. Platão também não deixa claro se o governo e a guarda são coisas
necessárias nesse modelo de cidade. No entanto, temos razões pra crer em uma espécie
de auto gestão cooperativa como constituição dessa cidade. A doutrina sobre a poesia
não é menos exclusiva nesse modelo. O único resquício de poesia imitativa, se ainda
podemos usar o termo imitação para o tipo de poesia presente nessa polis, são os hinos
dedicados aos deuses.

15
É nesse ponto da discussão que Glauco faz uma intervenção precisa. Diz a
personagem: “se estivesses a organizar, ó Sócrates, uma cidade de porcos, não
precisaria de outra forragem para eles.” (372d). Sócrates retribui a intervenção
perguntando-lhe sobre como haveria de ser a cidade formada em logos, o que Glauco
responde: o de costume. Desse ponto em diante a discussão terá como objeto uma
cidade requintada, mais próxima à cidade real, a qual Glauco expôs em seu discurso.
Nesse modelo as necessidades se multiplicam e tornam-se necessárias uma gama de
outras profissões que não existiam na primeira polis13.

III – A imagem da cidade requintada e sua relação com a poesia mimética.

Ao se tornar maior a cidade passará a abrigar os “caçadores de toda a espécie e


imitadores, muitos dos quais se ocupam de desenho e cores, muitos outros da arte das
Musas, ou seja, os poetas e seus servidores” (373b). Nota-se que, o tipo imitativo de
poesia surge com o crescimento da polis. Na primeira cidade imaginada Platão
menciona a poesia enquanto hinos direcionados aos deuses, mas não toca na questão da
natureza desse tipo de logos. Assim, nos deparamos com uma importante questão: para
Platão, a poesia religiosa é de uma natureza diferente da poesia imitativa?

Além do surgimento da imitação, o crescimento da cidade desencadeará uma


série de outros fatores. Com uma alimentação desregrada os cidadãos necessitarão de
mais médicos. Devido ao aumento da população, a cidade necessitará de mais território
e, uma vez que a ampliação do território dependerá das guerras travadas com os
vizinhos, é necessário que a polis cultive a arte da guerra14. Como foi aceita
anteriormente na discussão a premissa segundo a qual uma pessoa deve se ocupar de
uma única profissão para que seu desempenho seja o melhor possível, os profissionais
comuns não se ocuparão dessa arte, mas sim, aqueles que possuem uma natureza
predisposta à guerra. Resta então, esclarecer que tipo de natureza é essa.

13
Se a personagem Sócrates representar a posição de Platão, teremos que a cidade ideal platônica não é a
teorizada desse ponto em diante da discussão (a cidade luxuosa), mas sim que, para Platão, a cidade
perfeita, sã e temperante, é a primeira. “A verdadeira cidade parece-me ser aquela que descrevemos como
uma coisa sã, mas, se quiserdes, observaremos também a que está inchada de humores” (372e).
14
Os interlocutores encontram a gênese da guerra.

16
 A natureza do guardião

A natureza do guardião é pensada em analogia com a natureza do cachorro. As


qualidades necessárias aos guardiões são aquelas que os cães possuem: tal como o cão,
ele deverá ser corajoso, saber sentir a presença do inimigo e se manter forte ao ser
apanhado (375a-b). Mas essas qualidades físicas dos guardiões rapidamente podem os
levar a ser selvagens entre si e com os cidadãos. É nesse sentido que os guardiões
deverão ser, assim como os cães, brandos e temperantes entre si e com os cidadãos, e
enérgicos e impetuosos com seus inimigos. Isso é o que o torna filosofo e amigo do
saber em certa medida: assim como os cães os guardiões distinguem amigo e inimigo
apenas pelo fato de os conhecerem ou não (375a-376a).

 A educação dos guardiões e a censura aos logoi poéticos

“Ora vamos lá! Eduquemos esses homens em imaginação, como se estivéssemos


a inventar uma história e como se nos encontrássemos desocupados” (376d).

Platão não recusa completamente a educação tradicional e assume como


educação ideal para os guardiões a ginástica para o corpo e a música para a alma. Antes
de ter contato com a ginástica, os guardiões deverão aprender a música, que abrange a
literatura e, por sua vez, é dividida entre verdadeiras e falsas15.

Os guardiões devem ser educados primeiro pelas fábulas, que se enquadram no


gênero de literatura falsa. As fábulas são capazes de moldar a alma dos jovens e são
importantes para a educação, pois é nos primeiros anos de vida que se enterra a matriz
na alma das crianças (377a-b). Sendo assim, para que não tenham contato com fábulas
criadas ao acaso que possam vir a imprimir em suas almas opiniões contrárias àquelas
que deverão possuir quando crescerem é necessário a censura (377b-c).

15
O tema da poesia vem novamente à baila quando os interlocutores se detêm sobre a educação. Platão
defende o ensino através dos logoi poéticos, mas o fato de preservar na educação dos guardiões ambos os
gêneros, tanto a falsa quanto a verdadeira, deu margem para grandes discussões entre estudiosos.

17
Hesíodo e Homero são os maiores criadores de fábulas falsas16 e são os
primeiros alvos da censura proposta. Eles devem ser censurados pelo primeiro critério
de censura apresentado por Platão:

 a mentira sem nobreza não deve ser aceita na polis. Trata-se de desenhar
erradamente, “numa obra literária, a maneira de ser de deuses e heróis, tal como
um pintor que faz um desenho que nada se parece com as coisas que quer
retratar” (377e). 17

Ao ouvir histórias que retratam os deuses se comportando tal como os homens,


cometendo faltas e vícios, os jovens podem imaginar que ao cometer um crime, por
exemplo, não fazem nada que os deuses não fariam (378a-b). As histórias que retratam
guerras e intrigas entre as divindades, também devem ser censuradas. A personagem
Sócrates reconhece que essas histórias podem possuir um significado profundo, no
entanto, os jovens ouvintes não são capazes de distinguir a história alegórica da não
alegórica e as interpretam como literais. Assim sendo, as primeiras histórias com as
quais os jovens deverão ter contado devem ser criadas no sentido da virtude (378c-e).

A partir daqui, a discussão se detém sobre os moldes da composição poética.


(379a). Platão determina dois moldes a serem seguidos pelos poetas:

 o primeiro molde postula que os deuses devem ser retratados tal como realmente
são: essencialmente bons. Os poetas não poderão mais apresentar os deuses
como fonte de males, uma vez que o que é bom só pode ser causa do bom. Esse
primeiro molde determina assim que o divino deverá ser retratado como causa
apenas dos bens (379b-380d).
 o segundo molde determina que os poetas não devem retratar os deuses como
seres que vivem a mudar de forma e iludem em palavras e atos, eles são simples
e verdadeiros18 (383a). O divino deve ser retratado como simples, causa apenas

16
O critério de censura proposto aqui não é a falsidade da obra, mas a dessemelhança. Esse tema será
explorado no decorrer do texto.
17
A poesia já é apresentada aqui em analogia com a pintura. Essa analogia será retomada em outras
passagens.
18
A mentira verdadeira é detestada pelos homens e pelos deuses. Mas a mentira por palavras é útil em
relação aos amigos e aos inimigos e é útil ainda “/.../ na composição de fábulas que ainda há pouco
referíamos, por não sabermos onde está a verdade relativamente ao passado, ao acomodar o mais possível
a mentira à verdade, não estamos a tornar útil a mentira?” (382b-d). Mas a divindade não está sujeita a
nenhuma dessas contingências: ela não precisa mentir tal como o poeta, pois não desconhece o passado;
também não necessita da mentira por temer o inimigo, ou para prevenir os amigos de seus atos. Em suma,
tudo o que diz respeito à divindade é alheio à mentira. “Por conseguinte, Deus é absolutamente simples e

18
dos bens e verdadeiro em atos e em ações.

IV – O problema do livro X da República

O discurso de Glauco é uma constatação empírica de como os homens pensam e


agem na polis. A justiça é vista como um bem que não tem valor em si mesmo, mas é
aceito graças aos resultados externos de sua pratica, a justiça é uma convenção social.
Os homens agem visando a realização de suas ambições e para efetivá-las recorrem ao
auxilio da injustiça, que é apresentada por Glauco como uma técnica. Ser injusto de
modo perfeito é saber articular suas praticas à aparência de justiça, o que pode ser
conseguido recorrendo ao auxilio dos mestres de persuasão19. Glauco conclui que a
cidade cultiva a injustiça, pois o injusto desenhado por ele será beneficiado pelos
homens e pelos deuses. No contexto da cidade a justiça é vista como falta de
inteligência.

Adimanto leva ao extremo o discurso de Glauco e responsabiliza os poetas por


esse modo de pensar da massa. Seu discurso mostra que há uma ligação intrínseca entre
o discurso do poeta e a doxa hegemônica da polis. No que diz respeito à justiça, por
exemplo, ambos a veem como trabalhosa e dificultosa, ao passo que a injustiça é vista
como fácil, odiosa apenas à fama e a lei. Os jovens mostraram que a justiça não é
cultivada na polis, pois existe um modus operandi que facilita a ação injusta:

 o logos poético responsabiliza o divino pelo destino dos homens, dizendo


que os deuses atribuem desgraças aos homens de bem, e aos maus, o
contrário (364b);
 mendigos e adivinhos oferecem a cura para os crimes cometidos através
de sacrifícios e purificações (364b-c);
 a cidade vende uma imagem dos deuses como corruptíveis mediante
preces e sacrifícios (364d).

verdadeiro em palavras e em actos, e nem ele se altera nem ilude os outros, por meio de aparições, falas
ou envio de sinais, quando se está acordado ou em sonhos” (382e).
19
Provavelmente Platão se refere aos sofistas.

19
No contexto da cidade os jovens são facilmente corrompidos ao caminho da
injustiça. Adimanto mostrou que na polis a justiça é vista como carência de inteligência,
coragem, juventude e força: o justo só é justo porque não tem coragem, é velho ou é
fraco demais para se dedicar a essa arte.

Através das falas das jovens personagens Platão responsabiliza os poetas pela
crise ética que a Atenas de sua época vivia. A velha divergência entre poesia e filosofia,
citada no livro X serve para mostrar que essa acusação não é nova. Segundo Villela
Petit (2003, p. 54), os estudos recentes sobre Xenófanes apontaram semelhanças entre
as preocupações do filósofo com a crise ético-religiosa e as que se manifestarão mais
tarde em Platão. Segundo a autora,

Para apreciarmos a posição de Platão, é bom nos tornarmos mais atentos,


graças à experiência dos antropólogos, ao que representa a palavra dos poetas
dentro de uma sociedade onde prevalece a tradição oral. Não se constitui ela
como a referência imprescindível enquanto depositária dos valores e
ensinamentos éticos? A palavra dos poetas tinha então tudo a ver com a
paideia, isto é, com a educação em sentido lato e, portanto, com a formação
do ethos. Os poetas eram verdadeiramente os mestres, os educadores da
Grécia, como se dizia sobretudo de Homero. E foi disso que souberam se
servir os sofistas20. (2003, p. 55)

Devido ao fato do logos ser capaz de levar ao caminho da injustiça e dos vícios,
como Glauco e Adimanto tão bem mostraram ao examinar a opinião hegemônica da
polis, cabe a censura à poesia. Na passagem 387b, Platão diz através da personagem
Sócrates que quanto mais poético é o logos, menos ele deve ser ouvido por crianças e
homens que queiram ser livres. Soma-se a isso a passagem do livro X 595a-b:

20
O paradigma da atuação sofística é o caso do Elogio de Helena feito por Górgias (Ribeiro, 2008, p. 88-
89). Em determinado dia Górgias profere em Atenas um discurso já comum aos ouvidos da platéia,
acusando Helena de adultério e de levar sua familia e conterrâneos à carnificina. Terminado o discurso ele
pede que os ouvintes voltem ao mesmo local no dia seguinte para ouvirem o célebre Elogio de Helena.
Em seu segundo discurso aparecem elementos característicos da sofística: Górgias tira toda a culpa da
espartana, diz que Helena ou foi levada a força, ou caiu sob o domínio de Eros, ou então somente cumpriu
seu destino, que é desígnio dos deuses. Essa é uma das acusações que Platão faz à poesia no livro II, a
saber, que o logos poético responsabiliza os deuses e o destino pelas ações dos homens. O que merece
destaque é a hipótese central da posição de Górgias, segundo a qual Helena não é culpada, pois foi
arrastastada pelas palavras sedutoras de Páris. Ribeiro (2008), nos mostra essa possível posição de
Górgias com as palavras do sofista: “‘o discurso é um grande senhor’, pois, continua ele, ‘através do
menor dos corpos e do mais inaparente’, o simples som que entra pelos ouvidos, ‘leva a cabo as obras
mais divinas: é capaz de cessar o medo, diminuir a dor, realizar a alegria, despertar a piedade’”(2008, p.
89).

20
- Ora, a verdade é que – prossegui eu – entre muitas razões que tenho para
provar que estivemos a fundar uma cidade mais perfeita do que tudo, não é
das menores a nossa doutrina sobre a poesia.
- Que doutrina?
- A de não aceitar a parte da poesia de carácter mimético. A necessidade de
recusar em absoluto é agora, segundo me parece, ainda mais claramente
evidente, desde que definimos em separado cada uma das partes da alma.
- Que queres dizer?
- Aqui entre nós (porquanto não ireis contá-lo aos poetas trágicos e a todos os
outros que praticam a mimese), todas as obras dessa espécie se me afiguram
ser a destruição da inteligência dos ouvintes, de quantos não tiverem como
antídoto o conhecimento da sua verdadeira natureza (X, 595a-b).

Mais adiante no livro X, depois de justificar os motivos pelos quais a poesia


mimética não deve ser aceita na polis, Platão diz quais poesias deverão ser aceitas: “/.../
quanto a poesia, somente se devem receber na cidade hinos aos deuses e encômios aos
varões honestos e nada mais” (607a)21. O livro X parece censurar toda a poesia
mimética e preservar somente os hinos aos deuses e os encômios aos homens honestos
como logoi poéticos permitidos na cidade. Platão teria assim recusado o importante
papel dado à poesia mimética de formar os jovens guardiões, estabelecido no livro II
República?

J. Tate (2007) se deteve sobre essa questão e se posicionou contra os


comentadores que defendem que no livro X Platão contradiz a si mesmo, uma vez que
considera como poesia imitativa tanto a que é aceita na polis ideal quanto a que é
censurada. O autor (J.TATE, 2007, p. 144) destaca o fato de tanto no livro II quanto no
livro X Platão isentar de censura os hinos aos deuses e os panegíricos sobre os bons
homens. No entanto, como já foi mostrado aqui, o único modelo de cidade que não
preserva a poesia mimética é o modelo rústico, aquele criado por Sócrates na tentativa
de encontrar a gênese da justiça e da injustiça. Quando a cidade começa se tornar
requintada surge uma gama de artes miméticas. O surgimento da mímesis parece ser
uma consequência natural do processo de crescimento da polis e mais, a imitação torna-
se uma das necessidades do homem inserido nessa cidade.

Souza Netto (1990) examinou a transição do modelo rústico de cidade


apresentado por Sócrates ao modelo requintado. Segundo o autor, o que torna necessária

21
605b 606 – 607a - b c d

21
a emergência do filósofo como governante não é a perfeição máxima da polis, mas é a
imperfeição por excesso e requinte que leva o filósofo ao governo (SOUZA NETTO,
1990, p.132). O filósofo deverá atuar como um remédio a esse mal. Segundo o autor
(SOUZA NETTO, 1990, p. 132), “não é pois a polis a mais perfeita, precisamente
porque mais perfeita, que tem a necessidade de ser governada pelo filósofo, mas aquela
que, com a sua simplicidade natural, perdeu também a sua verdade”.

A doutrina sobre a poesia também deve ser examinada sob essa perspectiva. Se a
posição de Sócrates refletir a de Platão, o ideal seria que a cidade preservasse somente
os hinos aos deuses e os discursos sobre os bons homens. No entanto, como a
personagem Glauco demonstra, essa doutrina depende de uma constituição diferente e
até mais primitiva que a vigente, em que os homens têm poucas necessidades a suprir.
Com o crescimento da polis as artes miméticas tornam-se uma necessidade. A censura
filosófica e a doutrina sobre a poesia que são expostas no livro II não parecem ser
necessárias porque a polis é perfeita, mas sim porque a intervenção do filósofo é
necessária para que ela não regrida ao primeiro modelo de cidade exposto. Platão
permite a poesia mimética na polis ideal e chega a atribuir aos logoi poéticos um papel
muito importante na educação dos guardiões. Para tal, os logoi miméticos deverão se
submeter à censura filosófica e a alguns critérios que definirão a boa imitação.

Segundo J. Tate (2007, p. 145), muitos comentadores defendem que os livros II


e III apresentam como critério para a composição mimética a bondade do modelo, pois
Platão parece não excluir a poesia imitativa que imita um bom modelo. No entanto, para
o autor, a bondade do modelo não pode satisfazer as exigências de Platão. Homero, por
exemplo, é censurado em uma passagem que imita o melhor modelo possível: Zeus. O
que é censurado nesse caso é a imitação dessemelhante. A censura parece se dar no jogo
entre semelhança e dessemelhança, não propriamente na exigência de que o modelo seja
bom 22.

Ao apresentar o primeiro critério de censura ao logos mimético em 376e, Platão


recorre à arte da pintura em analogia à poesia. A poesia que deve ser censurada é aquela
que retrata a maneira de ser de deuses e heróis tal como um pintor que faz um desenho
que nada se aparenta à coisa retratada. O primeiro critério de censura determina que o
produto da arte imitativa deve considerar o modelo que imita. Orlandi (2011) chama a

22
Esse tema da semelhança será mais bem estudado na sequência deste trabalho.

22
atenção para o fato desse critério não ser aplicável à poesia. Como já foi dito em 382b-d
sobre a composição poética, uma vez que o tema da poesia é o passado e sobre ele não
se sabe o que é verdadeiro e o que é falso, o poeta é livre para compor e transformar a
mentira em verdade. Soma-se a isso a passagem 365e, segundo a qual se os deuses
existem e se preocupam com os assuntos humanos, só se ouviu falar deles através das
leis e dos poetas que trabalharam sua genealogia, os mesmos que dizem que os deuses
são influenciados por meio de sacrifícios, preces brandas e oferendas. Temos assim,
dois problemas importantes: 1) os poetas transmitem uma ideia errada dos deuses; 2) o
logos poético não é falseável, uma vez que seu tema é o passado.

Orlandi (2011, p. 19-20) examina a censura à poesia com base na questão sobre
a permeabilidade dos objetos ao logos exposta no Sofista. No Sofista, quando o
Estrangeiro enuncia a proposição: “Teeteto está sentado”, ele deve buscar no real o
critério de verdade da enunciação. O que dá verdade à proposição é a constatação
sensível das relações dos objetos no real, se elas forem tais quais o logos apresenta, a
proposição é verdadeira, caso contrário, é falsa. No caso do Estrangeiro, ver Teeteto
sentado é o que dá verdade à proposição enunciada.

Segundo Orlandi (2011, p. 20), no caso do poeta ele não pode contrastar o seu
logos com o sensível a fim de determinar a verdade ou falsidade de seus discursos. Os
poetas não podem ver os objetos dos quais falam: fatos antigos, heróis, deuses e
gigantes. Sendo incapazes de ter acesso a esses/seus objetos, recorrem ao poder divino
para validar sua fala, no caso dos poemas tradicionais, começa-se recorrendo ao auxilio
das musas filhas de Zeus e Mnémonis (deusa da memória). Para Platão esses discursos
não são falseáveis, pois nem o leitor e nem o poeta têm acesso a esses objetos para
confrontá-los com o poema. Sendo assim, é necessária uma medida a esses logos. A
partir dessa constatação são estabelecidos dois moldes teológicos para a composição
poética:

1) o divino é essencialmente bom e não é causa do mal (379b).


2) o divino é essencialmente simples, verdadeiro em atos e palavras (383a).

Esses são os moldes que deverão guiar o poeta em sua atividade criadora na polis ideal.
Uma vez que seu logos não é falseável, a verdade de seu discurso deve ser procurada
através da comparação com os critérios expostos. Caso o logos poético contrarie os
critérios, o discurso é inverossímil, portanto deve ser censurado, caso não contrarie é

23
verossímil e deve ser aceito na polis.

A tese que defende que há contradição entre os livros II e X não pode ser
sustentada sem que se examinem atentamente os critérios de censura à mimesis. Platão
estabelece como critério de censura o imitar dessemelhante, isto é, aquele tipo de
imitação que não leva em conta as propriedades do modelo. Esse critério não é estranho
ao livro X, em sua atividade imitativa o poeta é comparado ao pintor que foge à
imitação semelhante em ambos os livros. Ademais, os critérios para a censura proposta
são teológicos. A atividade criadora do poeta deve se ater à forma da divindade,
determinada através dos moldes expostos em 379b e 383a.

Platão concede à poesia um papel importante na educação dos guardiões. No


entanto, os logoi que farão parte da educação do guardião deverão ser submetidos à
censura do filósofo, determinando assim o surgimento de um novo tipo de poesia. No
livro X Platão expõe novamente o problema da dessemelhança da poesia imitativa.
Toda a poesia imitativa que fuja aos critérios propostos deve ser censurada. Mais
adiante no mesmo livro a poesia objeto da censura do filósofo será apresentada como
aquela que se dedica aos prazeres da alma. O que o livro X traz de novidade é o olhar
sobre o tema da poesia sob a perspectiva do que foi discutido nos livros anteriores.
Agora o tema da imitação será analisado segundo as considerações epistemológicas,
psicológicas e metafísicas discutidas anteriormente.

Considerações finais

Os resultados de nossa leitura do livro II foram importantes para a pesquisa, uma


vez que possibilitaram um olhar mais atento aos critérios da censura à poesia
estabelecidos na obra. Nossa leitura indicou que a imitação deve ser compreendida em
sua relação com o modelo, uma vez que Platão estabelece que a imitação que deve ser
censurada é a imitação dessemelhante. O critério estabelecido para a boa imitação é o
ser semelhante: imitar levando em conta as propriedades do modelo. O exame do livro
II reforçou a perspectiva que deveremos adotar para ler o livro III.

Nossa pesquisa continuará fiel à trejetória estabelecida no projeto. A próxima


etapa constará de uma leitura atenta ao movimento argumentativo do livro III no que diz

24
respeito aos critérios da censura proposta. No terceiro livro da República as personagens
platônicas examinarão a forma do discurso poético, o que os levará às primeiras
considerações sobre a imitação. Terminada a leitura desses primeiros livros da
República nos deteremos no livro VI, em que a filosofia é caracterizada como atividade
mimética. Os últimos passos do trabalho constarão de uma leitura do livro X a fim de
melhor compreendermos o problema da censura à poesia mimética. Por fim,
buscaremos no Sofista compreender a distinção entre cópia e simulacro (235a) como
fundamentação aos usos da mímesis na República.

Referências Bibliográficas

PLATÃO. A República, trad. Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Fundação


Calouste Gulbenkian, 1972.

MARQUES, Marcelo P. Aparecer e vida política: sobre República II. In: Politeía II.
Belo Horizonte: Ed. Tessitura, NO PRELO.

ORLANDI, Juliano. Mito, mentira e feiúra no livro II da República de Platão.


Kínesis, Vol. III, n° 06, Dezembro 2011, p. 15-30

RIBEIRO, Luis Felipe Bellintani. História da filosofia I. Filosofia/EaD/UFSC,


Florianópolis, 2008.

SOUZA NETTO, Francisco Benjamin. O problema da censura no pensamento de


Platão. 1990. Tese (Doutorado) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Departamento de Filosofia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1990.

TATE, J. “Imitação” na República de Platão. Trad. Bruno Drumond Mello Silva.


KLÉOS N. 11/12: 143-154, 2007/8

VILELLA-PETIT, Maria da Penha. Platão e a poesia na República. Kriterion, Belo


Horizonte, n°107, Jun/2003, p. 51-71

25
2) Houve alteração no projeto de pesquisa?
Não houve alteração no projeto de pesquisa.

3) Houve produção técnica ou científica com os resultados obtidos no período?


Sim. Os resultados obtidos foram redigidos nesse Relatório Parcial de atividades do
PIBIC sem remuneração.

4) Auto avaliação do bolsista sobre o desempenho técnico e científico no período


Realizei uma leitura do livro II da República a fim de melhor compreender o
tema da imitação nessa obra. Nessa etapa do projeto contei com o auxilio dos seguintes
comentadores: Marcelo Marques, J. Tate, Juliano Orlandi, Souza Netto, Villela Petit e
Bellintani Ribeiro. Através dessa leitura atenta ao movimento argumentativo da obra
somado à leitura dos comentários sobre o tema pesquisado, constatei a existência de
alguns critérios de censura à poesia proposta no livro II, importantes para a
compreensão do tema mímesis na República. Os resultados dessa primeira etapa do
projeto foram satisfatórios.

5) Comprovação da inclusão do aluno no Diretório de Grupo de Pesquisa do qual o


orientador faz parte.
http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/9283690326094919#recursosHumanos

Orientador:

5) Avaliação do desempenho técnico e científico do bolsista no período.


O bolsista desenvolveu o trabalho de pesquisa de modo exemplar, cumprindo os
prazos determinados pela orientadora e realizando as atividades programadas. Os
resultados apresentados superam o esperado, considerando a dificuldade do tema.

6) Houve alteração de bolsista? Em caso afirmativo, justifique.


Não.

26
7) Outras informações relevantes que julgar necessário. Assinaturas do aluno e
orientador.

Mateus Lima dos Santos

Eliane Christina de Souza

São Carlos, 29 de janeiro de 2017.

27

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