1. Que concepção aparece tanto nos fragmentos do pré-socrático Xenófanes quanto em
Platão e em Aristóteles? R:
Os primeiros filósofos pré-socráticos manifestaram-se já no século VI a.C. – portanto,
quase 200 anos antes de Sócrates e de Platão. Entre eles, destaca-se Xenófanes, oriundo da cidade de Colofão, que apresentou de modo bastante radical sua visão tanto de Homero quanto de Hesíodo, igualmente autor de obras de cunho épico, como indicam os fragmentos a seguir: Homero e Hesíodo atribuíram aos Deuses tudo quanto entre os homens é vergonhoso e censurável, roubos, adultérios e mentiras recíprocas. (fr. 11) Mas os mortais imaginam que os deuses foram gerados e que têm vestuário e fala e corpos iguais aos seus. (fr. 14) Os etíopes dizem que os seus deuses são negros e de nariz achatado, os trácios, que os seus têm os olhos azuis e o cabelo ruivo. (fr. 16) Mas se os bois e os cavalos e os leões tivessem mãos ou fossem capazes de, com elas, desenhar e produzir obras, como os homens, os cavalos desenhariam as formas dos deuses semelhantes à dos cavalos, e os bois à dos bois, e fariam os seus corpos tal como cada um deles o tem. (fr. 15) (KIRK; RAVEN, 1982, p. 169) Como se vê, os fragmentos apontam para uma teoria da criação artística segundo a qual as figuras encontradas em uma obra poética correspondem à imitação do modo como os produtores veem-se e entendem-se. Afinal, se os bois, cavalos e leões pudessem “desenhar e produzir obras”, as figuras reproduzidas seriam semelhantes respectivamente a bois, cavalos ou leões, formando as imagens à imitação do próprio corpo. Tanto Xenófanes, quanto Platão e Aristóteles entendem que a poesia imita a ação dos homens.
2. Como Platão entende a poesia no Livro X de A República?
R: Em A República, um de seus diálogos mais extensos, ele examina a poesia mais detalhadamente, procurando descrever algumas de suas características, mas não evitando proferir juízos – como sempre, pouco tolerantes. A República é formada por dez livros e protagonizada, como acontece em outros diálogos, pelo filósofo Sócrates, que, aqui, discute sobretudo política e formula sua concepção de cidade ideal. A poesia deveria fazer parte desse universo utópico, razão pela qual é chamada às falas pelas personagens, constituindo a matéria dos livros II, III e X. No Livro II, Platão expõe seu ideal de educação, do qual participa a poesia enquanto modeladora do bom comportamento. Observa ele que, desde a infância, o ser humano deve ser introduzido a fábulas que possam ensinar-lhe o que é a virtude (PLATÃO, 1965, p. 138), qualidade que cabe conhecer e praticar. Acreditando no valor pedagógico das narrativas destinadas às crianças, Platão condena Homero por dizer coisas enganosas sobre os deuses, e Hesíodo, cuja Teogonia também apresenta uma visão negativa dos seres divinos. Platão censura a obra de Homero também no Livro III, reforçando sua concepção de que a arte deva ter intuito educativo, entendido o termo aqui como aceitação do interesse público e coletivo dos dirigentes da cidade ideal. No mesmo Livro III, Platão adota igualmente perspectiva descritiva, indicando os tipos de relato (ou de diegese, para se empregar o vocábulo grego que no século XX da Era Cristã foi incorporado pela Teoria da Literatura) de que o poeta se vale. Anota então que o poeta pode falar “em seu nome”, o que Platão chama de relato simples; outra alternativa é o poeta falar “em nome de outrem”, o que corresponde ao relato imitativo – ou mimético. E há uma terceira opção: a de o poeta usar as duas formas a um só tempo. Entre o Livro II e o Livro III, constata-se que Platão incorpora algumas ideias já utilizadas por Xenófanes: a primeira é a de que a poesia nem sempre apresenta uma visão muito respeitosa dos deuses, o que motiva a desaprovação por parte desses filósofos. A segunda é a de que a poesia imita a forma e o comportamento dos homens. Como se observou antes, a palavra utilizada para dar conta do procedimento imitativo é mímesis, termo que, em A República, aparece no Livro III. No último livro de A República, Platão entende que a poesia é imitação de segundo grau porque copia os objetos existentes que já são, eles mesmos, cópias das formas imater iais que pertencem ao mundo das ideias.
3. Que critérios permitem a Aristóteles estabelecer a distinção entre as espécies de
poesia? R: A Poética de Aristóteles é uma obra bem mais curta que A República de Platão. Em vez de dez livros, tem 26 capítulos, alguns bem breves; por outro lado, em vez de tratar de muitos assuntos – poesia, educação, família, Estado –, como faz Platão, Aristóteles (1981, p. 19) limita-se a examinar a poesia, definindo seu propósito já no primeiro parágrafo de seu livro: Falemos da natureza e espécies da poesia, do condão de cada uma, de como se hão de compor as fábulas para o bom êxito do poema; depois, do número e natureza das partes e bem assim das demais matérias dessa pesquisa, começando, como manda a natureza, pelas noções mais elementares Aristóteles é um bom professor, pois seu parágrafo de abertura corresponde a uma aula, que começa com as “noções mais elementares” para chegar à compreensão da “natureza” da poesia, termo que, para os gregos, dava conta de todas as criações verbais com a palavra. Já nesse parágrafo inicial, Aristóteles, explicitando o objeto de suas considerações, relativas à natureza da poesia, examinará: • as espécies de poesia; • a capacidade, ou condão, de cada uma dessas espécies; • como se devem compor as fábulas, isto é, as narrativas, para se chegar a um resultado favorável; • quantas e quais partes compõem as espécies de poesia. Pode-se perceber, pois, que Aristóteles não faz o percurso de Platão. Este, como se disse, primeiramente se preocupou com o caráter pedagógico das fábulas, ou histórias, a serem narradas às crianças, para encaminhá-las na direção de uma educação sadia e virtuosa. Aristóteles recusa a óptica pragmática de Platão e volta-se para a natureza da poesia, querendo entender o que a caracteriza, quais são seus gêneros ou espécies, como se pode compor boas fábulas (independentemente de se mostrarem educativas ou não) e qual é a estrutura dessas obras construídas, segundo ele, de modo correto. Todas as espécies de poesia são imitação ou mímesis, mas elas variam con-forme os meios, as maneiras e os objetos de imitação.
4. Como Roselyne Dupont-Roc e Jean Lallot, no trecho reproduzido, entendem o
conceito de mímesis que Aristóteles apresenta na Poética? R: Aristóteles considera, na Poética, a mímesis das ações humanas porque a poesia sempre trata dos seres humanos. O que efetivamente a define é a imitação e, como o poeta imita “ações humanas”, seu objeto são indivíduos que praticam alguma ação. Por isso Aristóteles dedica o segundo capítulo a explicitar o segundo critério de distinção entre as espécies – os objetos.