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A sensação de segurança.

(por Robson Oliveira Alves Jr.)

Há centenas de anos atrás, numa pequena cidade de interior dentro de um pequeno estado,
viviam felizes os moradores de um antigo povoado com pessoas distintas uma das outras, seja

Em relação às cores de pele, à religião e até em relação ao país em que nasceram. Levando
uma vida morna, mas de muito esforço, ambição e principalmente de devoção à sua
determinada religião, aquela pequena cidade havia sido construída do zero pelas famílias

Ferreira, Nascimento, Fernandes e Miranda, famílias com um grande número de ancestrais de


mais algumas décadas passadas. Negros recentemente forros, judeus fugindo de ladrões,
cristãos fugindo da tentação; comerciantes em busca de um novo mercado, ex-prostitutas em
busca de uma vida nova, jovens procurando uma terra para criar seus filhos. Mas, também,
assaltantes atrás de dinheiro rápido, fácil e, obviamente, que não pertencia a eles.

Nos últimos meses, no meio daqueles velhos “pais fundadores”, os fortes trabalhadores de
campo, as velhinhas beatas, os honestos comerciantes e as brincalhonas crianças que
preferiam correr na rua a estagnar dentro de casa, houve uma onda de criminalidade na
região. Levando metade da poupança dos moradores, matando um terço do gado, assaltando
senhorinhas, gritando com crianças e ofendendo as senhoras que passavam, assim era
atemorizada aquela histórica e aconchegante cidade do interior.

Decididos a acabar com essa onda de violência que se apoderava da pequena cidade, um
grupo dos mais influentes moradores, juntamente com os líderes da cidade vizinha, que
também estava sofrendo com o mesmos malfeitores, contrataram um Órgão de segurança
para protegê-los dos marginais que ameaçavam destruir tudo o que as famílias fundadoras
conquistaram. A pequena biblioteca municipal, a igrejinha no centro da cidade, os diversos

Comércios e suas casas e fazendas particulares. Tudo isso agora estava sob ameaça.

Convictos de que os moradores não precisavam sujar suas mãos para acabar com aquele mau
que tanto os afligia, logo foi colocado em prática os novos sistemas sugeridos pelo Órgão de
segurança para a cidade. Apesar de rotineiramente os cultos, os mercados, a biblioteca e
outros comércios ficarem abertos até às 21h, o Órgão decidiu que, a partir daquele dia, estaria
proibido para qualquer cidadão – que não fizesse parte do Órgão, é claro – estar na rua após ás
nove horas da noite; a pena para quem fosse pego foi definida para dois anos. E quando foi
anunciado que o preço

Cobrado pela segurança da cidade aumentaria, os cidadãos não podiam pagar; a maior parte
de suas poupanças já haviam sumido. Então o Órgão decidiu aplicar um imposto em todos os

Comércios. Outras medidas também não foram muito populares, como, por exemplo, a
restrição imposta às compras de armas de fogo que, segundo o Órgão, uma pessoa qualquer
portando uma arma de fogo é um grande risco para a segurança da cidade, pois ele poderia se
estressar no caminho para casa e atirar no carro da frente, atirar na esposa se ela não o
obedece, o filho poderia achar que é brinquedo e etc., etc. e etc.

Não se sabia mais dos malfeitores que tanto os aterrorizavam. Os donos de bares, mercados e
fazendas estavam tranquilos em relação aos assaltos que cessara, assim que o Órgão começou

A agir na cidade. Quando questionados a respeitos dos assaltos que já não aconteciam mais, o
Órgão alegou, por meio do jornal da cidade, e se infiltrando em conversas públicas, que agora

O risco estava maior do que nunca; que os bandidos estavam planejando um ataque maior e
mais violento, e que a cidade, para se manter segura, precisava da segurança tão bem
prestada

Pelo Órgão – palavras deles. Porém, ironicamente, o que mais crescia não era a força dos
bandidos, mas, sim, do próprio Órgão.

Mais forte do que nunca, a cada dia as redes, os funcionários ficavam mais potentes, mais
ameaçadores. O que acanhava a maior parte da população. Houveram manifestações, mas,
infelizmente, sempre em pequenos números de pessoas que, poucos meses depois sumiam da
cidade, deixando esposa e filhos para trás. Não eram encontrados nas cidades vizinhas, nas
prisões e nem jogados nos lagos. Quando se completava um ano de desaparecimento era
convocado o enterro, sem o corpo, é claro.

Os pais fundadores morreram. Seus filhos também. Poucos netos fugiam. E a cidade ia se
dissipando rapidamente.

Poucos anos depois, a repressão ia acabando, pois ninguém reclamava mais. A ideia de uma
sociedade sem o Órgão para proteger-lhes já era considerada uma utopia. Um mundo
diferente daquele era inimaginável! E se tornou impossível. Pois a liberdade foi trocada pela
segurança. E as pessoas ficaram sem um, e nem outro.

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