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Eleições, integridade
eleitoral e populismo
Uma análise dos pontos críticos
Carla Luís
INTRODUÇÃO
As eleições têm assumido um papel central no conceito RESUMO
veio nos últimos anos incorporar e consolidar estes con- Elections, electoral
ceitos e fontes de normatividade. integrity and populism:
an analysis of the
Desenvolvimentos recentes vieram, no entanto, colocar critical points
em risco este paradigma. Ironicamente a ameaça parece
ter começado nas chamadas democracias consolidadas
do Ocidente, com grave risco de contaminação a nível
I n this article we highlight the impor-
tance of the electoral cycle and its
components, including all electoral
stakeholders. With elections ever more
global. O consenso acerca da integridade eleitoral foi cri- present in the populist rhetoric, we
ticamente posto em causa, de forma mais ou menos assu- analyse how violations of electoral
>
IÇÃO
ELE
PÓS- Reforço
O Constituição
OD institucional
ERÍ e desenvol. Legislação
P profissional
Auditorias Sistemas eleitorais
e avaliações Reformas e delimitação de círculos
legais
Atualiz. Órgãos eleitorais
lista de Arquivo e
eleitores investigação Códigos de conduta
Orçamentação
Quadro e financiamento
Resultados oficiais Pós-eleição
legal Calendário eleitoral
Reclamações
e recursos Recrutamento
e contratação
Apuramento final Verificação
ELEITORAL
Contagem e educação
ODO
Campanha Recensea-
Votações Informação
R
eleitoral mento
no estrangeiro
É
aos eleitores
-EL
EIÇ
Coordenação
Recenseamento
ÃO
da campanha Acesso
de eleitores
Infrações aos
média Acreditação de observadores
e penas
Observadores nacionais
Financiamento
Partidos
Códigos
e candidaturas
de conduta
Fonte: Aceproject.org.
A I M P O R TÂ N C I A D O S E L E C T O R A L S TA K E H O L D E R S
E A NECESSIDADE DE INCLUSÃO
Uma eleição não existe no vácuo, e o cruzamento da abordagem do ciclo eleitoral com
a matriz dos intervenientes no processo eleitoral (electoral stakeholders) fornece uma
síntese do que uma eleição deve ser. No
OS INTERVENIENTES NO PROCESSO ELEITORAL entanto, estes dois aspetos nem sempre são
SÃO INÚMEROS, COM DIVERSOS PAPÉIS, tomados em conta, mais uma vez deixando
PODERES E DEVERES, E O SEU ENVOLVIMENTO em aberto elementos importantes em
É IGUALMENTE IMPORTANTE. ambos os campos. Os intervenientes no
processo eleitoral são inúmeros, com diver-
sos papéis, poderes e deveres, e o seu envolvimento é igualmente importante.
Existem intervenientes com um interesse direto na eleição, como os partidos políticos,
candidatos e integrantes de candidaturas. A administração eleitoral desempenha tam-
bém um papel importante, nela se incluindo toda uma multiplicidade de agentes que
levam a cabo estas complexas tarefas. Instituições como o parlamento e o governo têm
um papel importante na determinação do quadro legal, por exemplo. O sistema judicial,
incluindo os órgãos de adjudicação de queixas, asseguram uma tutela jurisdicional
efetiva. Os observadores, nacionais e internacionais, têm um papel amplo de contribuir
para uma maior transparência do processo. A comunicação social contribui, desejavel-
mente, para este objetivo, informando a sociedade civil e criando ferramentas de aná-
lise crítica. Por último, o público em geral, incluindo o eleitorado, e jovens e futuros
eleitores, são os destinatários do processo, mas também os principais intervenientes,
por ser a vontade popular, expressa em votos, a fonte de legitimidade dos poderes
públicos. Cada um destes grupos de electoral stakeholders pode posteriormente ser sub-
dividido em grupos mais pequenos, com necessidades eventualmente mais específicas.
Por exemplo, dentro da sociedade civil podemos encontrar eleitores com deficiência,
minorias, ou grupos específicos de população. O ponto importante é que uma eleição
deve ser inclusiva, em todas as suas fases, e abranger todos os intervenientes no pro-
cesso eleitoral, tendo em conta o seu papel e necessidades particulares.
A componente de informação, particularmente através da educação cívica e da educação
de votantes, tem sido amplamente descurada ao longo dos processos eleitorais, em
especial nas democracias ditas consolidadas. Largas fatias do eleitorado têm sido dei-
xadas de fora, sem que haja um cuidado em disseminar informação específica sobre o
processo eleitoral ou o sistema democrático, de forma ampla. O descurar de largas
camadas do eleitorado cruza-se na prática com uma das teses que mais explica os
populismos: a tese do cultural backlash – inversa à tese de que o apoio a movimentos
E L E I Ç Õ E S E PA N D E M I A : N E C E S S I D A D E S E S P E C I A I S D E C O N F I A N Ç A ,
INFORMAÇÃO E INCLUSÃO
A situação de pandemia de 2020 veio colocar as democracias e as eleições sob forte pres-
são, a diversos níveis. Uma eleição é um fenómeno iminentemente político, mas deve
observar um apertado número de parâmetros técnicos, no que diz respeito à sua integri-
dade, como acima analisado. A situação de pandemia veio colocar sérios desafios à rea-
lização dos processos eleitorais e em muitos países existiram alterações legislativas com
vista a acomodar a nova realidade, algumas em contexto de estado de emergência. Em
alguns casos estas limitaram-se às alterações necessárias face à situação sanitária; houve
no entanto desenvolvimentos preocupantes quanto a aspetos centrais da democracia, sob
o pretexto da situação atual (idea, 2020). Analisamos seguidamente os desenvolvimentos
em torno dos mecanismos especiais de votação, acentuados um pouco por todo o mundo
face à situação atual, e como a sua implementação ou utilização pode ser suscetível de
ter impacto na integridade eleitoral. Em contextos com elevados índices de integridade
CONCLUSÕES
Uma eleição é um fenómeno complexo e duradouro no tempo, envolvendo uma mul-
tiplicidade de intervenientes. A integridade eleitoral agrupa os standards internacionais
que uma eleição deve observar, estabelecidos numa base sólida. Recentemente, o popu-
lismo veio trazer novas ameaças à integridade eleitoral, explorando com vantagem as
suas debilidades ao longo do ciclo eleitoral. O financiamento político e a cobertura
mediática são algumas destas áreas, exacerbadas pela ausência de regulação, em par-
ticular quanto às redes sociais, ou ineficácia na aplicação da mesma. As redes sociais,
em especial o Facebook, permitem um cruzamento destas áreas problemáticas também
a nível eleitoral, colocando seriamente em causa a integridade eleitoral. No atual
Carla Luís Coordenadora do projeto votedhr – Nacional de Eleições desde 2009. Doutorada pela
Eleições, Democracia e Direitos Humanos, no Universidade de Coimbra, com uma tese sobre a
Centro de Estudos Sociais da Universidade de onu e impacto dos sistemas eleitorais. Foi
Coimbra. Leciona nas áreas de observação investigadora no The Electoral Integrity Project
eleitoral, justiça eleitoral, entre outras. Formadora (Univs. Sydney/Harvard) e trabalhou com o pnud
certificada bridge. Tem realizado trabalho na como assessora jurídica eleitoral, entre outros.
área das eleições e democracia, com instituições > ces - uc | Praça Dom Dinis 77, 3000-104
internacionais e nacionais. Membro da Comissão Coimbra | carlaluis@ces.uc.pt
N OTA S
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