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Classes de Palavras Uma Analise Comparat
Classes de Palavras Uma Analise Comparat
– URI ERECHIM -
DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA, LETRAS E ARTES
CURSO DE LETRAS
THOMAS ROCHA
ERECHIM
2012
THOMAS ROCHA
ERECHIM
2012
DEDICATÓRIA
O presente trabalho constitui uma análise diacrônica comparativa das definições de classes de
palavras nos Compêndios de Gramática Normativa. Parte da explicitação dos conceitos de
gramática, concentrando-se na gramática normativa e na sua inserção como constituinte
fundamental dos compêndios de gramática. Percorre brevemente a história das classes de
palavras no âmbito gramatical, ressaltando a importância da classificação para facilitar o
trabalho de descrição da língua, e apresenta como o ensino das classes de palavras tem
repercutido nas escolas. Tendo como fundamentação metodológica os critérios mórfico,
sintático e semântico, utilizados por linguistas e gramáticos para classificar os vocábulos de
uma língua, analisa e compara as definições apresentadas nos compêndios de gramática
estudados, buscando identificar a regularidade, diversidade e pertinência dos critérios
empregados no momento da conceituação das classes de palavras. Os compêndios de
gramática analisados foram selecionados com base em características específicas que os
enquadram como obras de caráter predominantemente normativo e prescritivo. Considerando
que se trata de uma análise diacrônica, o presente trabalho tem como marco de referência a
implantação da Nomenclatura Gramatical Brasileira – NGB em maio de 1959. A comparação
entre as definições revelou que não há diferenças significativas entre os conceitos formulados
pelos gramáticos ao longo do tempo especificado e que muitas gramáticas atuais adotam os
mesmos critérios daquelas publicadas a décadas atrás e, não raramente, desconsideram
aspectos relevantes que poderiam facilitar a compreensão dos conceitos, tanto por parte dos
alunos como dos próprios professores. A análise também revela que, apesar dos avanços
científicos advindos da Linguística Textual, da Linguística Aplicada, da Sociolinguística, etc.,
as propriedades textuais das classes de palavras são totalmente ignoradas, desconsiderando
também as orientações propostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
Portuguesa - PCNs que dão ênfase ao uso da linguagem e à valorização da língua falada.
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 6
2 A GRAMÁTICA .................................................................................................................. 8
2.1 O QUE É GRAMÁTICA? .................................................................................................. 8
2.2 A GRAMÁTICA NORMATIVA ..................................................................................... 11
2.3 O COMPÊNDIO DE GRAMÁTICA ............................................................................... 12
1 INTRODUÇÃO
[...] se são tortos os olhos com que se vê a língua, em geral, muitos mais tortos são eles
quando se vê a gramática, em particular.
Irandé Antunes
2 A GRAMÁTICA
De acordo com Neves (2010), a delimitação do que deve ser ensinado ou exercitado
pelo(a) professor(a) de português em sala de aula decorre do entendimento que ele tem do que
seja a gramática da língua. Em outras palavras, a concepção de língua e de gramática está
intimamente relacionada à práxis do(a) professor(a), de modo que o conteúdo, a abordagem, a
explicação, os exercícios propostos, enfim, todo o arcabouço de recursos de que o
professor(a) se utiliza para ministrar suas aulas está, em grande parte, associado à
compreensão teórica da disciplina.
Por isso, considerando a complexidade do processo pedagógico, cabe ao professor(a) o
cuidado de estar constantemente refletindo e avaliando conceitos fundamentais (O que é a
gramática de uma língua?), objetivos, procedimentos e resultados, de forma a direcionar todas
as ações à grande meta de ampliar as competências linguísticas dos alunos.
Assim, quando falamos em gramática, ou mais especificamente, no ensino de
gramática, a polêmica se instala, os ânimos se acirram e as opiniões se multiplicam. A
polêmica, a discussão, a falta de unanimidade são, obviamente, bem-vindas e imprescindíveis
para o desenvolvimento científico em qualquer área do conhecimento humano. No entanto,
visões equivocadas, distorcidas e incoerentes são extremamente nocivas e improdutivas para
que ocorra um ensino-aprendizagem significativo.
Neste sentido, acreditamos ser essencial que o(a) professor(a) de português tenha uma
compreensão mais precisa do que seja gramática, ou do que vem sendo definido como
gramática pelos estudiosos da língua e da linguagem. Evidentemente, trata-se de um conceito
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amplo, que permite depreender uma série de acepções e que, conforme a teoria que o
comporta, pode apresentar diferenças significativas.
O termo gramática provêm do grego grammatikê e significa “arte de ler e escrever”.
Portanto, a história da gramática nasceu na Grécia de Platão e Aristóteles, na Grécia dos
sofistas, em um período histórico de embates filosóficos e políticos em torno da manutenção
do status quo da aristocracia grega. De modo que as discussões sobre língua e gramática
estavam subordinadas a um contexto de permanente legitimação dos padrões de uso próprios
de uma classe dominante (SILVA, 2010, p. 13).
A questão da tradição gramatical advinda da Gramática Tradicional, e presente ainda
hoje nos compêndios de gramática escolar, é brilhantemente apresentada por Marcos Bagno
em sua obra Dramática da língua portuguesa, publicada no ano 2000, e é retomada neste
trabalho na subseção referente à gramática normativa.
De acordo com Neveu (2008), o termo gramática designa ao mesmo tempo “o
conjunto de particularidades estruturais de uma língua, que permitem identificar as
regularidades fonológicas, morfológicas e sintáticas, e a representação destas
particularidades” (p. 154). Conceito, como observa o autor, naturalmente ambíguo, visto que
define, ao mesmo tempo, o campo da descrição gramatical e o objeto (a língua) sobre o qual
assenta a descrição.
Vejamos, então, como se apresentam algumas concepções de gramática, conforme o
ponto de vista adotado. Ao se partir de uma visão normativa da língua, Franchi (2006)
apresenta a seguinte definição de gramática:
Mesmo diferindo umas das outras, as gramáticas normativas carregam consigo esse
“espírito” da Gramática Tradicional e ignoram as inovações dos estudos linguísticos que
veem apontando suas falhas e incoerências. Afinal, não existem usos linguísticos melhores ou
mais corretos que outros, mas existem usos de maior aceitação, que ganharam mais prestígio
que outros, por razões históricas, sociais, políticas e econômicas.
Evidentemente, e aqui não dizemos o contrário, todos os usos da língua, de qualquer
variedade, estão sujeitos à aplicação de regras. Para que sejam atingidos determinados efeitos
de sentido são necessárias regras específicas para que as pessoas se entendam mutuamente.
No entanto, conforme Antunes (2007), como essas regras são destinadas a regular os usos que
as pessoas fazem, nos mais diferentes contextos e com as mais diferentes finalidades, elas não
podem ser absolutamente rígidas. “Elas têm que ser funcionais, no sentido de que assumem
variações, por conta do que pretendem aqueles que as usam.” (p. 72).
De acordo com Castilho (2010), a reação dos linguistas a essa situação atingiu seu
ápice em 1985, com a publicação simultânea de Língua e Liberdade, de Celso Luft, Para uma
nova gramática do português, de Mário Perini, e A linguística e o ensino da língua
portuguesa, de Rodolfo Ilari. Contudo, pesquisas como a realizada por Neves (2010), têm
demonstrado que a fase da gramatiquice ainda não acabou, e os indicadores sobre o
desempenho dos alunos, na leitura e na escrita, revelam a ineficácia desse tipo de ensino
(PISA, ENEM, Prova Brasil, Ideb, entre outros). De fato, os alunos estão saindo do ensino
fundamental, e até mesmo do ensino médio, com grandes dificuldades para ler, compreender e
produzir textos, sejam eles orais ou escritos.
Perini (1991) resume as falhas da gramática tradicional em três grandes pontos: “sua
inconsistência teórica e falta de coerência interna; seu caráter predominantemente normativo;
e o enfoque centrado em uma variedade da língua, o dialeto padrão (escrito), com a exclusão
de todas as outras variantes” (p. 6).
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3 AS CLASSES DE PALAVRAS
O estudo das palavras e sua classificação remontam à Grécia Antiga. Platão deteve-se
ao exame do discurso – de natureza declarativa – identificando em sua constituição nomes e
verbos os quais denotam a relação entre agente e ação. Seguindo os passos do mestre,
Aristóteles acrescentou às categorias acima citadas a das conjunções – que abrangiam a
conjunção, o artigo e o pronome e, provavelmente, a preposição –, a de caso e a de tempo,
manifestada através do verbo. Vale mencionar, também, a contribuição dos estoicos que
identificaram, inicialmente, quatro partes do discurso: nome, verbo, conjunção e artigo.
Contudo, segundo Duarte e Lima (2003), o estudo gramatical das palavras ganhou
relativa autonomia em relação à filosofia a partir da Téchné Grammatiké, de Dionísio da
Trácia, a primeira gramática do Ocidente. Dionísio identificava oito partes do discurso: nome
(ónoma), verbo (rhema), particípio (metoché), artigo (árthon), pronome (antonymia),
preposição (próthesis), advérbio (epírrhema) e conjunção (sýndesmos).
Com relação aos gramáticos latinos, fortemente influenciados pelos gregos, destacam-
se Prisciano e Varrão. Prisciano descreveu oito classes de palavras com seus acidentes
(gênero, número, caso, etc.): nome (nomen), verbo (verbum), particípio (participium),
pronome (pronomen), advérbio (adverbium), preposição (praepositio), interjeição (interiectio)
e conjunção (coniunctio). “Ele adaptou as categorias da língua grega, inerentes a cada classe,
ao latim”. (DUARTE e LIMA, 2003, p. 17). Varrão, o primeiro gramático latino, concentrou-
se basicamente em questões etimológicas e em problemas ligados aos aspectos regulares e
irregulares da linguagem.
A partir do Renascimento, os estudos se voltam para as línguas nacionais que então se
consolidavam. Surgem as primeiras gramáticas de língua portuguesa: as de Fernão de Oliveira
(Gramática da Linguagem Portuguesa) de 1536 e João de Barros (Gramática da Língua
Portuguesa) de 1540. João de Barros identificou o nome e o verbo como as partes principais
da oração. De menor importância são as demais: o pronome e o advérbio, além do particípio,
do artigo, da conjunção e da interjeição.
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Reconhecemos que cada ciência, cada área do conhecimento, tem seu próprio conjunto
de termos para se referir aos objetos de seu campo. Assim, a atividade de nomear, de dar um
nome às coisas, é “uma atividade constitutiva da relação entre o homem e o mundo, e,
simbolicamente, esteve presente desde a inauguração dessas relações, quando ‘o homem foi
chamado a dar nomes às coisas’”. (ANTUNES, 2007, p. 77).
De acordo com Ilari e Basso (2011), “o estudo das classes de palavras nasce da
constatação de que há em toda a língua conjuntos numerosos de palavras que possuem as
mesmas propriedades morfológicas e sintáticas e, portanto, podem ser descritas da mesma
maneira” (p. 108). E ainda, conforme Perini (1991), “o objetivo da separação das palavras em
classes é permitir a descrição econômica e coerente de seu comportamento gramatical” (p.
74), ou seja, facilitar o trabalho de descrição da língua pelo gramático.
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Uma classe se caracteriza pelo potencial funcional das palavras que a formam, ou
seja, pelo que as palavras podem ser – as funções que elas podem ocupar nas
estruturas da língua. Uma palavra que esteja, em determinado contexto, ocupando
uma dessas funções continua podendo ocupar outras (o que pode acontecer em
outros contextos). (PERINI, 2010, p. 290).
Por exemplo, dependendo do contexto, a palavra gato pode ser sujeito ou objeto. Na
frase “gato dá muito trabalho”1, essa palavra é sujeito. Mas na frase “a menina levou o gato
para passear” a função de gato passa a ser a de objeto. Contudo, segundo o autor, sua classe é
sempre a mesma, pois a classe se define por potencialidades e não por realidades presentes do
1
Exemplo retirado de Perini (2010, p. 290).
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contexto. Gato é “substantivo”2 porque tem como potencial funcional a possibilidade de ser
núcleo de um sintagma nominal, aceitar a precedência de artigo, etc. “Uma classe é o
conjunto das formas que têm o mesmo potencial funcional.” (PERINI, 2010, p.291).
Pinilla (2011) observa que, mesmo havendo distinção entre os conceitos de classe e
função, é imprescindível utilizar critérios funcionais para definir uma classe de palavras, visto
que é preciso definir qual o papel do vocábulo na unidade sintagmática em que ele ocorre. A
autora afirma que, entre os gramáticos e autores de livros didáticos, há, atualmente, um
consenso quanto à importância de considerar os aspectos morfológico, funcional e semântico
para a definição das palavras.
No entanto, na maior parte dos casos, as definições de cada classe são incompletas,
não levam em conta os mesmos critérios, e se apoiam predominantemente no critério
semântico. O quadro a seguir, apresenta as definições encontradas em gramáticas e livros
didáticos usados em muitas escolas, embora não apresente quais foram as obras analisadas.
2
Perini (2010, p. 290) classifica a palavra gato como um nominal.
20
Pode-se observar que o quadro apresenta, além das definições propriamente ditas, o
critério ou os critérios que foram utilizados para a classificação. Por exemplo, o substantivo e
o numeral são definidos apenas com base no critério semântico, já o advérbio e o artigo
apresentam os três critérios: morfológico (formal ou mórfico), funcional (ou sintático) e
semântico.
Entre outras questões, essa falta de critérios claros para a definição das classes de
palavras levou Perini (1991) a reconhecer que há uma necessidade de se elaborar uma nova
gramática do português, uma gramática que seja sistemática, teoricamente consistente e livre
de contradições. Para Perini, uma “boa” gramática deveria desempenhar a contento duas
funções: “(a) descrever as formas da língua (isto é, sua fonologia, sua morfologia e sua
sintaxe); e (b) explicitar o relacionamento dessas formas com o significado que veiculam.” (p.
21).
O autor utiliza a definição de verbo, retirada de uma gramática tradicional, que se
baseia nos critérios semântico e morfológico, para alertar que:
Da mesma maneira, Ilari e Basso (2011) apontam que, mesmo sendo útil, o estudo das
classes de palavras tem encontrado problemas, porque a situação idealizada pelos gramáticos,
na qual para cada classe de palavras correspondem formas e funções próprias, “realiza-se
apenas em parte: por exemplo, gostaríamos de poder definir o advérbio como a classe das
palavras que se aplicam ao verbo, mas há muitos advérbios que não o fazem” (p. 108-109).
21
Segundo Pinilla (2011), o estudo das classes de palavras está presente desde as
primeiras séries da vida escolar e continua sendo o assunto principal e dos mais estudados nas
aulas de português, tanto no ensino fundamental quanto no ensino médio. “A partir de
consultas a programas escolares e a livros didáticos, nota-se que, muitas vezes, o estudo das
classes se restringe a um conhecimento da nomenclatura apenas” (p. 169).
É exatamente o quadro apresentado por Maria Helena de Moura Neves em sua obra
Gramática na Escola, publicada em 1990. As lacunas consideráveis deixadas pelo ensino de
Língua Portuguesa levaram a autora a realizar uma pesquisa com seis grupos de professores
de língua portuguesa de 1º e 2º graus (fundamental e médio) da rede oficial de quatro cidades
do estado de São Paulo, num total de 170 indivíduos, para verificar a natureza da gramática
ensinada nas escolas.
A pesquisa revela que todos os professores entrevistados privilegiam o ensino de
gramática em suas aulas e que, em 80% dos casos, fazem isso visando a um melhor
desempenho linguístico e uma maior correção da linguagem. Sobre a natureza da gramática
ensinada pelos professores pesquisados, Neves (2010) demonstra ser ela predominantemente
normativa e/ou descritiva, com supervalorização dos aspectos morfológicos e sintáticos,
relegando a um absoluto segundo plano todas as demais atividades que deveriam ser
desenvolvidas nas aulas de língua materna.
Ainda segundo a pesquisa, metade dos professores considera que é necessário que as
definições sejam ensinadas, legitimando o lugar das definições no ensino da gramática em 1º
e 2º graus. Da outra metade, 60% julgam que as definições não são necessárias e os restantes
40% (20% do total) julgam que elas não devem ser ensinadas, mas alcançadas pelos próprios
alunos. Entre as razões apontadas para a necessidade do ensino das definições estão: a
possibilidade de reconhecimento das classes gramaticais e dos termos da oração; o
desenvolvimento da capacidade de síntese e de análise do processo linguístico; o domínio da
terminologia.
Em relação à questão das classes de palavras, Neves (2010) afirma que se o objetivo
principal do ensino da gramática é o uso adequado da língua, não tem sentido a dedicação
quase exclusiva ao próprio reconhecimento e catalogação das classes de palavras. Não há
razão para o ensino da gramática desligado do desenvolvimento das habilidades e
competências de leitura, da escrita e da oralidade, sobretudo no ensino fundamental. Talvez
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no nível médio fosse mais adequado aprofundar a reflexão sobre a língua, visto que os alunos
já teriam um domínio maior do sistema linguístico.
As classes de palavras são vistas como elementos que, isolados em uma forma
visível (palavras), devem também ser analisados enquanto elementos isolados,
desvinculados da própria linguagem; o fato de se destacarem de textos as palavras
(como os professores insistem em destacar que fazem) em nada muda a questão, já
que, destacadas do texto, as palavras assumem uma autonomia que as torna como
peças avulsas, não pertencentes a um sistema amarrado, que provê para elas funções
complementares entre si, embora com zonas de intersecção. (NEVES, 2010, p. 66).
4.2 O SUBSTANTIVO
Existem palavras que sempre designam coisa, ser, substância. Toda a palavra que
encerra essa idéia denomina-se substantivo. Substantivo é, pois, como o próprio
nome está a indicar, toda a palavra que especifica substância, ou seja, coisa que
possua existência, ou animada (homem, cachorro, laranjeira) ou inanimada (casa,
lápis, pedra), quer real (sol, automóvel), quer imaginária (Júpiter, sereia), quer
concreta (casa), quer abstrata (pureza). (ALMEIDA, 1999, p. 80, grifo do autor).
Substantivo são palavras que designam os seres. (CEGALLA, 2000, p. 128, grifo
nosso).
Podemos notar que as definições empregadas por Luft em sua Moderna Gramática
Brasileira, e por Cunha, em sua Gramática do Português Contemporâneo, utilizam-se do
critério semântico e do critério sintático (funcional). Em Cunha e Cintra (2008), encontramos
a seguinte observação “toda palavra de outra classe que desempenhe uma dessas funções
equivalerá forçosamente a um substantivo (pronome substantivo, numeral ou qualquer palavra
substantivada” (p. 191). Deste modo, passa-se a considerar a função que o substantivo
desempenha, no sintagma ou na oração, como elemento essencial para a sua definição.
Como bem nos explica Bagno (2011), em sua Gramática Pedagógica do Português
Brasileiro, a palavra grega hypokeimenon costuma ser traduzida ora por substância, ora por
sujeito, dupla possibilidade de tradução que evidencia uma íntima relação entre o substantivo
e o sujeito. Assim, as gramáticas não podem ignorar esta relação quando da conceituação do
substantivo. Aliás, segundo alguns linguistas e gramáticos, como o próprio Bagno, é um
contrassenso estudar os substantivos separadamente do estudo do sujeito.
Podemos dizer que o critério sintático, ao contrário do semântico, analisa a palavra a
partir de sua relação com outra(s) palavra(s), constituindo uma unidade linguística superior
chamada de sintagma. No caso do substantivo, estaremos diante de um sintagma nominal,
construção sintática que tem por núcleo um nome (substantivo ou palavra funcionando como
tal) e que poderá vir acompanhado de especificadores (determinantes) e complementadores.
Segundo Ferrarezi Jr. e Teles (2008), os substantivos “são os núcleos dos sintagmas nominais
por excelência” (p. 125).
Uma definição possível, portanto, para o substantivo, do ponto de vista sintático, pode
ser a de que só é substantivo, em português, a palavra que se deixar anteceder por
28
3
Banho (2011, p. 680) observa que os advérbios também aceitam gradação.
29
Por fim, podemos afirmar que a definição semântica, apresentada isoladamente, não é
suficiente para uma compreensão adequada do conceito de substantivo. É preciso considerar
outros aspectos (mórfico, sintático e textual) no momento da apresentação, e,
preferencialmente, permitir que o aluno reflita sobre os aspectos gramaticais da língua (no
momento oportuno) e explore toda a potencialidade de utilização e exploração dos sentidos no
contexto da interação linguística.
4.3 O ADJETIVO
Macambira (1999), por sua vez, critica a definição semântica que afirma pertencer à
classe do adjetivo toda palavra que exprime qualidade, lembrando que a “bondade é sem
dúvida uma qualidade, e no entanto não se pode considerá-la como adjetivo”. (p. 38). Da
mesma forma que alguns advérbios, como bem ou mal.
Também questionando a definição clássica encontrada nas gramáticas: “adjetivo é a
palavra que expressa qualidade”, Monteiro (2002) argumenta que:
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[...] nem todos os adjetivos expressam qualidade. Em homem solteiro, água quente e
corpo morto, os adjetivos não traduzirão qualidade, a não ser que antes se determine
este conceito, o que já não será assunto gramatical. Por isso, alguns autores
discriminam outras noções, tais como a de estado, defeito, condição etc. Todavia, é
inútil acrescentar essas noções, porque o adjetivo não se caracteriza pelo significado,
sendo na realidade uma função. (MONTEIRO, 2002, p. 227).
Como vemos, são definições que abarcam o critério semântico, que pode ser
apreendido pelas expressões “modifica a compreensão”, “restringe a significação”, mas, que
também ressaltam a característica sintática do adjetivo em relação ao substantivo. Ainda,
conforme Cunha (2010), “é muito estreita a relação entre o substantivo (termo determinado)
e o adjetivo (termo determinante). Não raro, há uma única forma para as duas classes de
palavras e, nesse caso, a distinção só poderá ser feita na frase” (p. 139, grifo do autor).
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Por outro lado, cabe ressaltar que as relações sintáticas do adjetivo não se restringem
ao substantivo. Primeiro, porque o adjetivo não é o único termo que pode modificar ou
restringir a compreensão do substantivo. Artigos, numerais, pronomes e, em alguns casos, até
advérbios podem se relacionar com o substantivo, alterando ou restringindo sua significação.
Em segundo lugar, porque o adjetivo não se relaciona exclusivamente com o substantivo. Os
advérbios intensificadores tão, quão, bem, muito, por exemplo, têm uma íntima relação com
os adjetivos e devem, por isso mesmo, ser considerados numa definição mais abrangente e
apropriada.
Sautchuk (2010) resume a definição do adjetivo da seguinte forma: “é adjetivo toda
palavra variável em gênero e/ou número que se deixa anteceder por “tão” (ou qualquer
intensificador, como bem ou muito, dependendo do contexto)” (p. 23). Segundo a autora, a
eficiência desse mecanismo é tanta que funciona até em contextos em que ocorre a
adjetivação de substantivo: Ele não é homem para isso. (= Ele não é tão homem para isso.)
Há, na definição de Sautchuk, um aspecto muito importante na abordagem dos
adjetivos: o aspecto mórfico. Quando a autora se refere ao adjetivo como uma palavra
variável em gênero e/ou número temos presente a propriedade de flexão, necessária para a
concordância com o substantivo. Vejamos algumas definições que incluem, de alguma
maneira, o aspecto formal na definição:
Nas definições acima, fica claro a menção aos aspectos morfológicos dos adjetivos. Na
primeira, os autores restringem-se à propriedade de flexão genérico-numérica, porém,
32
4
Ver observações em Bagno (2011, p. 681-682) sobre o uso do termo “flexão de grau”.
5
As gramáticas antigas falam de “nomes substantivos” e “nomes adjetivos”.
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chama de “nomes”. Segundo o autor, “uma das características dos nomes como grupo é
muitos deles terem potencial referencial, e muitos potencial qualificativo” (p. 301) 6.
Bagno (2011) reconhece as características comuns entre substantivos e adjetivos,
filiando-se às ideias de Perini, e inclui os adjetivos na classe dos “nomes”, com os
substantivos. Contudo, reconhece as distinções nítidas entre essas duas categorias, conforme
podemos verificar na tabela a seguir:
4.4 O ARTIGO
Artigo é uma palavra que antepomos aos substantivos para dar aos seres um sentido
determinado ou indeterminado. O artigo indica, ao mesmo tempo, o gênero e o
número dos substantivos. (CEGALLA, 2000, p. 153).
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transforma outras classes de palavras em substantivo. Além dessa definição, que inclui uma
interessante observação fonológica, os autores demonstram as diferenças entre os artigos
definidos e os indefinidos, concluindo que o artigo indefinido é um pronome, ou mais
propriamente um quantificador indefinido.
4.5 O NUMERAL
Mais uma vez, a definição tradicional encontrada nos compêndios privilegia o aspecto
semântico. Felizmente, a ideia de número, posição ou sequência, parece não trazer maiores
dificuldades para a compreensão do aluno. O problema do numeral é, segundo Duarte e Lima
(2003), “saber se, de fato, deve-se destinar uma classe à parte a ele ou se, na verdade, deveria
constituir parte de outras classes. E mais, decidido que formam uma classe à parte, decidir que
elementos formam esta classe” (p. 72).
Vejamos outras definições semelhantes:
inovação. Sabemos que o enquadramento dos numerais em uma classe à parte é questionado
por linguistas e gramáticos. Para Monteiro (2002), por exemplo, a divisão feita pela NGB em
cardinais, ordinais, multiplicativos e fracionários, gera apenas confusões, e argumenta que “se
há uma classe para os nomes que se referem a número, deveria haver outras para os
designativos de cor, de sentimento, de nacionalidade, de forma geométrica etc.” (p. 233).
De acordo com Macambira (1999), que sempre considera outros aspectos além do
semântico, somente o cardinal é que apresenta características mórficas próprias do numeral.
Formalmente, o numeral assemelha-se ao pronome, pois rejeita os sufixos de aumentativo e
diminutivo (próprios dos substantivos), como também o superlativo e o adverbial –mente
(próprios dos adjetivos). Esse entendimento se faz presente, em certa medida, na conceituação
abaixo:
É a palavra de função quantificadora que denota valor definido: “a vida tem uma só
entrada: a saída é por cem portas” (MM). Os numerais propriamente ditos são os
cardinais: um, dois, três, quatro, etc., e respondem às perguntas quantos? Quantas?
(BECHARA, 2009, p. 203).
Analisado do ponto de vista sintático, o numeral atua ora como núcleo de um sintagma
nominal (substantivo), ora como determinante (quantificador, adjunto adnominal, etc.),
combinando-se imediatamente com o substantivo, à semelhança do artigo, do adjetivo e
também do pronome. Essa dupla possibilidade funcional permite definições do tipo:
Numerais são palavras que designam os números, ou a ordem de sua sucessão: três,
dezessete, terceiro, vigésimo. Podem-se usar individualmente, com o valor de
substantivos (três e dois são cinco), ou como adjetivos, isto é, junto de um
substantivo, ao qual acrescentam uma indicação de quantidade, ou de ordem (três
livros, dois álbuns; quinto aluno da classe). (ROCHA LIMA, 2008, p. 106).
Palavra que denota a quantidade, ordenação ou proporção dos seres: três, terceiro,
terço, triplo, etc. [...] Refere-se a um substantivo (numeral adjetivo) ou substitui-o
(numeral substantivado): comprei dois livros\ comprei dois; encontrei ambos os
colegas\encontrei ambos. (LUFT, 2002, p. 148).
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Monteiro (2002) conclui que os numerais pertencem à classe dos nomes, exercendo
funções de substantivo ou de adjetivo. Exemplifica assim: “em dois é par, o nome que traduz
a ideia de número é substantivo. Em dois pares, já se torna adjetivo” (p. 232).
Ferrarezi Jr. e Teles (2008) colocam os numerais na categoria dos “quantificadores -
QT”, subcategoria dos chamados “nomes de adjunção - NA”, que são aqueles que entram em
relação direta (sem a interligação de conectivo) de concordância (em gênero e número) com o
“nome nuclear” de um determinado sintagma. Entre as subcategorias dos “nomes de
adjunção” estão: o artigo, o adjetivo, os quantificadores e o pronome.
Assim, os quantificadores são os “NA” que “indicam quantidade, ordem (...) e mesmo
quantidades indefinidas” em “concordância explícita ou implícita7 com o nome nuclear ao
qual se referem” (FERRAREZI JR e TELES, 2008, p. 145). Porém, os autores ressalvam que
os “fracionários” e “multiplicativos” não se enquadram nessa categoria, atuando como nomes
nucleares e exigindo, muitas vezes, complementação nominal.
Para Perini (2010), a subclasse dos “nominais”, chamada de “quantificadores”, inclui
os numerais cardinais, pois “ocorrem tipicamente antes do núcleo, aceitam artigo o e podem
vir antes ou depois dos demais quantificadores” (p. 304). Segundo o autor, podem ocorrer
também depois do núcleo (ex.: o capítulo quarenta e nove), designando a ordem em uma
sequência e funcionando como ordinais para “contornar a complicação extrema do sistema de
ordinais do português padrão” (p. 304). Os ordinais, por sua vez, funcionam como nomes e
ocorrem depois dos quantificadores (mas sempre antes do núcleo).
Finalmente, Azeredo (2011), resume a questão afirmando que o numeral é uma
propriedade semântica de uma classe dos nomes, não havendo nenhuma razão, do ponto de
vista gramatical, para conferir uma classe à parte a essas palavras que expressam quantidade
exata. Na definição proposta, os numerais são substantivos ou adjetivos, segundo a posição
que ocupam no sintagma. “Com efeito, o numeral é sempre constituinte de um sintagma
nominal, ora ocupando a posição de núcleo – numerais fracionários e multiplicativos -, ora
ocupando a posição de termo adjacente – numerais cardinais e ordinais” (p. 173-74).
7
Não são todas as palavras dessa subcategoria que apresentam possibilidade de flexão em gênero, como é o caso
de alguns adjetivos (FERRAREZI JR; TELES, 2008, p. 145).
39
4.6 O PRONOME
A quinta classe compreende os pronomes (lat. pro = em lugar de), ou seja, palavras
que ou substituem ou podem substituir um nome, um substantivo: ele, que, quem.
(ALMEIDA, 1999, p. 81, grifo nosso).
É a palavra que denota o ente ou a ele se refere, considerando-o apenas como pessoa
do discurso. (ROCHA LIMA, 2008, p. 110, grifo nosso).
Castilho e Elias (2012) resumem as propriedades dos pronomes observando que eles
podem retomar outra palavra, sendo, portanto, anafóricos; ou localizar no espaço (e no tempo)
os participantes do discurso, sendo dêiticos.
Como observamos, as definições do pronome abrangem aspectos funcionais,
morfológicos e semânticos, mas não os exploram satisfatoriamente, ignorando observações e
análises de estudiosos como Macambira (1999), Castilho e Elias (2012), entre outros, que
apontam para outras abordagens, especialmente as referentes às propriedades textuais, de
caráter anafórico e dêitico, dos pronomes.
4.7 O ADVÉRBIO
Sautchuk (2010) define o advérbio como “toda palavra invariável em gênero e/ou
número que se deixa anteceder por “tão” (ou bem ou muito, dependendo do contexto)” (p.
28). Estratégia morfossintática é, sem dúvida, mais eficiente do que a da terminação sufixal
em –mente, pois abrange também a maior parte dos advérbios que não são derivados dos
adjetivos.
44
Com relação ao aspecto semântico, Ilari e Basso (2011) fazem uma observação
interessante: “os advérbios de inclusão e exclusão, como só, exemplificam de maneira
particularmente feliz um fenômeno que diz respeito a todos os advérbios, e que decorre de sua
natureza de modificadores: a sentença muda de sentido conforme mudam as expressões a
que o advérbio é aplicado” (p. 118, grifo nosso). Ainda, segundo os autores, os advérbios
também possuem propriedades textuais, visto que muitos advérbios são usados para ligar
segmentos textuais; localizar esses segmentos no tempo e no espaço do discurso; e estabelecer
relações de causa e consequência.
Vejamos o exemplo dado pelos autores:
[Contexto: ele não falou com o diretor], só falou com o secretário pelo telefone.
[Contexto: ele não mandou o pedido de demissão], só falou com o secretário pelo
telefone. [Contexto: ele não falou com o secretário pessoalmente], só falou com o
secretário pelo telefone. (ILARI e BASSO, 2011, p. 118).
morfológico, sintático e semântico; mas, deixa de lado uma série de observações que, como
vimos, seria de extrema relevância no momento da conceituação e explicação do tema.
4.8 O VERBO
[...] tais são as palavras que encerram idéia de ação (escrever, cortar, andar,
ferir) ou estado (Pedro é bom). (ALMEIDA, 1999, p. 81, grifo nosso).
Verbo é uma palavra que exprime ação, estado, fato ou fenômeno. (CEGALLA,
2000, p. 182, grifo nosso).
Os verbos são a classe gramatical mais complexa da língua portuguesa. O verbo tem a
morfologia mais rica dentre as classes de palavras, desempenhando um papel fundamental na
organização da sentença e do texto. De acordo com Macambira (1999), a definição tradicional
de verbo, que explora apenas o aspecto semântico, só tem valor se for encarada na perspectiva
do tempo, uma vez que outras palavras também podem encerrar a ideia de ação, e os verbos
também podem expressar outras coisas, inclusive qualidade:
É impossível negar que inundação e tiroteio expressem ação; que chuva e trovão
não sejam fenômenos; que sono e morte não se admitam como estado; impossível
porém afirmar que são verbos. O que vale, portanto, é a perspectiva do tempo, e o
mais que se acrescente há de, por certo, atrapalhar. (MACAMBIRA, 1999, p. 40-
41).
Para entendermos o que é o verbo, portanto, é preciso lançar mão de outras abordagens
que nos permitam identificar suas propriedades gramaticais, semânticas e discursivas. “O
estudo dessas propriedades explicará como criamos e como usamos os verbos, distinguindo-
os das demais classes de palavras de nossa língua” (Castilho e Elias, 2012, p. 129).
Do ponto de vista morfológico, Azeredo (2011) afirma que os verbos são palavras que
ocorrem nos enunciados sob distintas formas e expressam as categorias de tempo, aspecto,
modo, número e pessoa. Segundo o autor, a categoria de tempo é a que melhor caracteriza o
46
verbo. Quanto às noções de número e pessoa, apesar de não serem inerentes ao verbo, são
necessariamente especificadas quando este se flexiona no tempo.
Assim, vemos que os verbos podem facilmente ser identificados por características
formais, uma vez que só eles admitem as desinências de próprias de número, pessoa, tempo e
modo. Contudo, segundo Sautchuk (2010), “somente os verbos se articulam com os pronomes
pessoais do caso reto” (p. 24-25), sendo facilmente reconhecido do ponto de vista sintático.
Verbo: é a palavra que pode sofrer as flexões de número, pessoa, tempo e modo. [...]
Verbo é, assim, a palavra que pode ser conjugada; indica essencialmente um
desenvolvimento, um processo (ação, estado ou fenômeno). (SACCONI, 1994, p.
187, grifo nosso).
Segundo Castilho e Elias (2012) a concordância é a relação sintática entre dois termos,
“o ativador” e “o receptor”. No caso da sentença, o ativador é o verbo e o receptor é o sujeito.
Na prática, os autores propõem uma inversão de raciocínio: “no português brasileiro padrão, o
sujeito concorda em pessoa e número com o verbo”. Trata-se de uma perspectiva
morfossintática. Além disso, apontam para uma caracterização sintático-semântica muito
interessante de ser explorada, mas que ultrapassa as intenções deste estudo8.
O VERBO não tem, sintaticamente, uma função que lhe seja privativa, pois também
o SUBSTANTIVO e o ADJETIVO podem ser núcleos do predicado. Individualiza-
se, no entanto, pela função obrigatória de predicado, a única que desempenha na
estrutura oracional. (CUNHA e CINTRA, 2008, p. 392).
Verbo é a palavra que se flexiona em número, pessoa, modo, tempo e voz. Pode
indicar [...] ação; estado ou mudança de estado; fenômeno natural; ocorrência;
desejo. Nas orações, o verbo sempre faz parte do predicado. (INFANTE, 2001, p.
201).
4.9 A PREPOSIÇÃO
Preposição é, pois, uma palavra invariável que tem por função ligar o complemento
à palavra completada. Tais palavras se denominam preposições (do lat. prae =
diante de, mais positionem = posição) pelo fato de porem na frente de uma palavra
outra que a completa. (ALMEIDA, 1999, p. 334, grifo nosso).
8
Ver Castilho e Elias (2012, p. 157-160).
48
a) Cheguei de Recife.
b) Cheguei em Recife.
c) Você está rindo pra mim ou está rindo de mim?9
Os autores afirmam que, exemplos como os acima, “mostram que o sentido básico das
preposições é o de localizar no ESPAÇO ou no TEMPO os termos que elas ligam. É verdade
que alterações de sentido tornam às vezes difícil localizar esse sentido de base” (p.280). E
apontam a principal diferença entre preposições e conjunções: “as preposições ligam palavras
e as sentenças apenas por subordinação, enquanto as conjunções ligam palavras e sentenças
por coordenação, subordinação ou correlação” (Castilho e Elias, 2012, p. 292).
9
Exemplos retirados de Castilho e Elias (2012, p. 279).
49
Segundo Ilari e Basso (2011), a função das preposições é um pouco mais complexa do
que isso e depende do tipo de construção sintática em que elas intervêm:
4.10 A CONJUNÇÃO
É toda a palavra que serve para ligar, não palavras, como a preposição, mas orações.
Exs.: Fomos cedo e voltamos tarde. Desejo que venhas. (ALMEIDA, 1999, p. 81).
Evidencia-se uma definição sintática, que destaca a palavra a partir de sua função na
oração (“que serve para”), ou melhor, “nas orações”, uma vez que o autor enfatiza muito bem
que a conjunção não liga palavras simplesmente, mas orações. Entre os exemplos dados pelo
gramático encontramos o seguinte: “O rústico, porque é ignorante, vê que o céu é azul; mas o
filósofo, porque é sábio e distingue o verdadeiro do aparente, vê que aquilo que parece céu
azul, nem é azul, nem é céu” (p. 345). Um exemplo interessante, porém, infelizmente
carregado de preconceito, que relaciona o termo rústico (campestre, rural,) com a ignorância,
desvalorizando a pessoa que vem do campo.
Conjunção é a palavra que tem por função básica ligar duas orações. (FERREIRA,
1992, p. 175).
A língua possui unidades que têm por missão reunir orações num mesmo enunciado.
Estas unidades são tradicionalmente chamadas conjunções, que se repartem em dois
tipos: coordenadas e subordinadas. (BECHARA, 2009, p. 319).
51
Conjunções são palavras que relacionam entre si: a) dois elementos da mesma
natureza (substantivo + substantivo, adjetivo + adjetivo, advérbio + advérbio,
oração + oração, etc.). b) duas orações de natureza diversa, das quais a que começa
pela conjunção completa a outra ou lhe junta uma determinação. (ROCHA LIMA,
2008, p. 184, grifo nosso).
Conjunções são palavras invariáveis que unem termos de uma oração ou unem
orações. As conjunções podem relacionar termos de mesmo valor sintático ou
orações sintaticamente equivalentes – as chamadas orações coordenadas – ou
podem relacionar uma oração com outra que nela desempenha função sintática –
respectivamente, uma oração principal e uma oração subordinada. (CIPRO NETO
e INFANTE, 1998, p. 325).
Por ser invariável, segundo Macambira (1999), a conjunção não pode ser identificada
pelo critério mórfico. Para o autor, o critério semântico também não ensina a descobrir por
meios linguísticos a divisão das conjunções, sendo assim, é com base na sintaxe que devem
10
Ver Ilari e Basso (2011, p. 118-122).
52
ser definidas, “ainda que o emprego das palavras seja muito variado e se torne às vezes difícil
determinar em que se basear” (p. 76).
4.11 A INTERJEIÇÃO
Interjeição é toda palavra ou expressão usada para exprimir, de forma intensa, viva e
instantânea, nossos estados emocionais. (FERREIRA, 1992, p. 175).
Interjeição é uma espécie de grito com que traduzimos de modo vivo as nossas
emoções. [...] Não incluímos a interjeição entre as classes de palavras por
equivaler a um vocábulo-frase. Com efeito, traduzindo sentimentos súbitos e
espontâneos, são as interjeições gritos instintivos, equivalendo a frases emocionais.
Na escrita, as interjeições vêm, de regra, acompanhadas do ponto de exclamação (!).
(CUNHA, 2010, p. 340-341, grifo nosso).
.
Para Duarte e Lima (2003), o problema básico da interjeição é, justamente, “saber se
ela constitui um vocábulo ou uma frase” (p. 70). Segundo Bagno (2011), “uma interjeição
constitui, de fato, um fenômeno de entoação, prosódico, e não uma categoria lexical plena
como as demais” (p. 425). Mostrando que palavras de qualquer classe, ou mesmo uma
sentença inteira pode constituir uma interjeição: “Fogo!”, “Chega!”, “Demais!”, “Gostosa!”,
“Valei-me, minha Nossa Senhora da Abadia!”. Concordando, portanto, com a definição de
Cunha. A ideia de que a interjeição se constitui em uma palavra-frase, um grupo de palavras
ou mesmo uma oração se faz presente nas seguintes definições:
53
Interjeição é a palavra que expressa estados emotivos. Como tem sentido completo,
trata-se de uma palavra-frase. (FARACO & MOURA, 1999, p. 423, grifo nosso).
É a expressão com que traduzimos os nossos estados emotivos. Têm elas existência
autônoma e, a rigor, constituem por si verdadeiras orações. (BECHARA, 2009, p.
330, grifo nosso).
Segundo Macambira (1999), por se tratar de uma palavra invariável, a interjeição não
devia ser definida pelo critério mórfico. Contudo, reconhece que algumas podem sê-lo, por
contrariarem o sistema fonológico, exibindo fonemas, combinação ou distribuição de fonemas
estranhos à estrutura do idioma: ah, ha, eh, He, ih, hi, oh, ho, uh, hu; psit, pitsiu, hum-hum,
chit, fu. Segundo o autor, existe outra manifestação formal, de ordem prosódica ou supra-
segmental, que geralmente marca a presença da interjeição: é a entoação. “A mesma
interjeição pode exprimir alegria, tristeza, espanto, aborrecimento ou desprezo, além de outros
sentimentos, conforme o tom especial de que se acompanha” (p. 81).
qualquer posição sintática: [...] O porcaria! Leite quente derramou. O leite porcaria! quente
derramou. O leite quente porcaria! derramou.” (p. 187/188). Esses exemplos demonstrariam
que há certas restrições sintáticas em relação ao uso de interjeições, mas “não porque as
expleções gerem as restrições, mas porque os outros termos geram essas restrições a
intercalações de expleções” (p. 188).
Concluindo, de acordo com Sautchuk (2010), são muitas as situações em que se pode
empregar a interjeição, que, em qualquer caso, é palavra ou expressão que segue à risca seu
sentido etimológico de palavra interjecta, isto é, lançada entre os outros elementos oracionais.
“Como tal, não contrai relação sintática com nenhum outro termo, apesar de poder, sozinha,
constituir uma frase/oração: Oh! = estou admirado (Oh! Você chegou?)” (p. 31).
56
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise que aqui empreendemos nos permite afirmar que, de fato, as definições
utilizadas pelos gramáticos carecem, muitas vezes, de aprofundamento e de uma abordagem
mais conectada com os estudos científicos sobre o tema. A comparação entre as definições
revela que não há diferenças significativas entre os conceitos formulados pelos gramáticos ao
longo do tempo. Pelo contrário, muitas gramáticas atuais adotam os mesmos critérios
daquelas publicadas a décadas atrás e, não raramente, desconsideram aspectos relevantes que
poderiam facilitar a compreensão dos conceitos, tanto por parte dos alunos como dos próprios
professores.
Mesmo havendo um consenso entre os gramáticos quanto à importância de considerar
os aspectos morfológicos, funcional e semântico para a definição, na prática o que
encontramos são definições de caráter predominantemente semântico, sobretudo em relação
às classes lexicais (abertas), conferindo-as um caráter muito mais filosófico do que
linguístico. A significação para a qual a palavra remete é, naturalmente, fundamental, mas não
deve ser empregada isoladamente quando da conceituação, pois, como observamos na análise,
muitas classes diferentes podem apontar para sentidos comuns.
Além disso, sabemos da importância que o aspecto formal tem para a identificação das
palavras, tendo em vista ser a forma da palavra com que, primeiramente, o aprendiz se depara.
No entanto, o aspecto mórfico não é explorado adequadamente e, de maneira geral, quando
considerado, restringe-se à indicação de variabilidade ou invariabilidade das classes.
Quanto ao aspecto funcional, verificamos que foi sendo incorporado pelos gramáticos
ao longo dos últimos anos. As gramáticas funcionalista e gerativista são, sem dúvida,
responsáveis por isso. As palavras, como sabemos, não ocorrem isoladas de um contexto, mas
sempre em relação com outras e, na realidade, não podemos desconsiderar que as
propriedades sintáticas, muitas vezes, alteram a forma e o sentido das palavras.
A análise também revela que, apesar dos avanços científicos advindos da Linguística
Textual, da Linguística Aplicada, da Sociolinguística, etc., as propriedades textuais das
classes de palavras são totalmente ignoradas, desconsiderando também as orientações
57
propostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa - PCNs que dão
ênfase ao uso da linguagem e à valorização da língua falada.
A incoerência e inconsistência teórica se revelam no uso de determinados termos,
como substantivo e adjetivo, ora como classe de palavras ora como função (pronome
substantivo e pronome adjetivo) gerando confusão e prejudicando o entendimento. Soma-se a
isto o fato de que os compêndios de gramática normativa privilegiam o enfoque do
enunciado, ou seja, da palavra desprendida de suas condições de produção, isolada do
contexto.
Dessa maneira, acreditamos que a análise comparativa das definições de classes de
palavras, encontradas nos compêndios de gramática normativa, demonstra que, por trás dos
conceitos existem, obviamente, percepções teóricas e ideológicas que insistem em manter
inalteradas as bases em que se fundamenta o sistema de ensino público brasileiro. Trata-se de
uma postura de manutenção de uma política que ignora a diversidade linguística e insiste em
ditar regras como se fossem leis divinas e, portanto, inquestionáveis.
Assim, compreendemos que o compêndio de gramática não deve ser analisado
desconsiderando-se a realidade na qual está inserido. O descompasso teórico que se configura
está intimamente ligado à crise social e, como muito bem nos ensina Magda Soares, a
linguagem é um fenômeno social, de modo que existem relações de força, materiais e
simbólicas, em constante conflito. O compêndio de gramática deve ser o instrumento de
trabalho do professor(a) por excelência, não o único certamente, mas aquele que ofereça
subsídios teóricos (e muitas vezes práticos, na forma de exercícios) ao professor(a).
Não consideramos, porém, que o professor(a) seja um mero repetidor de manuais,
simplesmente repassando as informações ali contidas sem nenhuma reflexão. Mas,
considerando o cenário de desvalorização, de despreparo, de deficiência na formação dos
professores, de ausência de uma formação continuada realmente eficiente, de falta de tempo
para leitura e atualização, muitas vezes é o que ocorre. O pior é que, geralmente, a referência
em sala de aula restringe-se ao uso de manuais ou livros didáticos, que reproduzem fielmente
os compêndios mais conservadores, e repetem os mesmos erros.
Felizmente, o surgimento de trabalhos inovadores nos últimos anos - como os de
Maria Helena de Moura Neves, de José Carlos Azeredo, de Mário Perini, de Ataliba Castilho,
Marcos Bagno, entre outros -, traz perspectivas de novos rumos, de novas possibilidades de
abordagem, de novas concepções teóricas que permitam àqueles que, como nós, acreditam
58
que o ensino de gramática, quando adequadamente empregado, pode ser um meio efetivo para
o desenvolvimento das habilidades linguísticas e da competência comunicativa dos alunos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo: Saraiva, 1999.
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