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GINECOLOGIA

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Ginecologia. São Paulo: SJT Editora, 2016.
ISBN 978-85-8444-084-9

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Sumário
1 Embriologia e anatomia ............................................................................................................................ 27
2 Roteiro propedêutico básico em ginecologia.......................................................................... 37
3 Fisiologia do ciclo menstrual ................................................................................................................ 42
4 Sangramento uterino disfuncional ...................................................................................................48
5 Amenorreia .........................................................................................................................................................54
6 Síndrome dos ovários policísticos.....................................................................................................63
7 Síndrome pré-menstrual..........................................................................................................................72
8 Dismenorreia .....................................................................................................................................................77
9 Endometriose ................................................................................................................................................... 81
10 Vulvovaginite .................................................................................................................................................... 89
11 DST.........................................................................................................................................................................100
12 Doença in昀氀amatória pélvica aguda ............................................................................................... 113
13 Atendimento à vítima de violência sexual................................................................................. 119
14 Distopias genitais .........................................................................................................................................124
15 Dor pélvica crônica .....................................................................................................................................132
16 Papilomavírus Humano (HPV) .............................................................................................................................136
17 Doenças benignas do útero .................................................................................................................................142
18 Lesões precursoras do câncer do colo do útero .................................................................................152
19 Câncer do colo uterino .............................................................................................................................................159
20 Neoplasias malignas do corpo uterino ....................................................................................................... 168
21 Neoplasias benignas do ovário ..........................................................................................................................178
22 Neoplasias malignas do ovário ..........................................................................................................................182
23 Doenças da vagina ......................................................................................................................................................195
24 Tumores de vulva ........................................................................................................................................................200
25 Uroginecologia ..............................................................................................................................................................207
26 Infertilidade conjugal ................................................................................................................................................220
27 Climatério........................................................................................................................................................................... 228
28 Colposcopia ......................................................................................................................................................................241
29 Fisiologia mamária ...................................................................................................................................................... 249
30 Propedêutica mamária ............................................................................................................................................ 255
31 Afecções benignas da mama ............................................................................................................................ 263
32 Câncer de mama.......................................................................................................................................................... 277
33 Anticoncepção – planejamento familiar ....................................................................................................295
34 Fertilização assistida ...................................................................................................................................................311
Caderno de imagens

Figura 6.3 Pacientes portadoras da síndrome dos ovários policísticos e Acantose nigricans.

A B C

Figura 9.2 Endometriose ovariana (A e B) e peritoneal (C).


10
Ginecologia

Figura 10.2 Flora vaginal normal. Presença de lacto-


Figura 10.5 Tricomoníase: corrimento amarelo-es-
bacilos.
verdeado, profuso, com bolhas, não aderente às pare-
des vaginais.

Figura 10.6 Citologia oncótica demonstrando a presen-


ça de Tricomonas e abundância de polimorfonucleares.

Figura 10.3 Vaginose bacteriana: corrimento branco-


acinzentado, bolhoso, aderente às paredes vaginais.

Figura 10.7 Exame a fresco demonstrando a presen-


ça de pseudo-hifas em um quadro de CVV.

Figura 10.4 Citologia oncótica demonstrando a pre-


sença de clue cells em torno de uma célula epitelial em
um quadro de vaginose bacteriana. Figura 11.8 Infecção gonocócica cervical.

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Caderno de imagens

Figura 11.12 Roséola sifilítica.

Figura 11.9 Bartolinite gonocócica.

Figura 11.13 Cancro mole.

Figura 11.10 Bartolinite gonocócica.

Figura 11.11 Cancro duro. Figura 11.14 Donovanose.

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12
Ginecologia

Figura 12.7 Aderências peri-hepáticas. Síndrome de


Figura 11.15 Linfogranuloma venéreo. Fitz-Hugh-Curtis.

Figura 12.6 Aderências tubária e uterina.


Figuras 14.2 Musculatura do assoalho pélvico.

Figura 14.6 Útero retrovertido.

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Caderno de imagens

Leiomiomas

Figura 17.2 Útero com incisão na região corporal evi-


denciando múltiplos leiomiomas.

Mioma

Figura 16.1 HPV vulvar.

Útero

Figura 17.3 Mioma subseroso. Visão por laparoscopia.

Figura 16.3 Coilócitos: seta (note halo claro e células de


grande tamanho).

Figura 17.4 Mioma submucoso.


Leiomiomas

Figura 17.1 Peça cirúrgica de histerectomia com salpin-


go-oforectomia bilateral evidenciando os leiomiomas. Figura 17.5 Mioma intramural.

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14
Ginecologia

Submucoso Intramural Subseroso

tuba
miométrio
endométrio

colo
vagina

Figura 17.6 Localizações do mioma uterino.


Figura 18.2 Colo uterino sem ectopia.
Útero

Mioma
Partículas

Artéria uterina

Cateter

Figura 17.9 Esquema de embolização com a introdução


de um cateter e liberação de partículas para ocluir os vasos
principais que irrigam o mioma.

Figura 18.3 Colo uterino com ectopia.

Figura 17.12 Útero seccionado e, na sua porção


fúndica, identifica-se a presença de um pólipo (seta).

Epitélio
mais
maduro
Epitélio JEC original
menos Orifício
maduro cervical
JEC atual Figura 18.4 Lesão pré-neoplásica em colo de útero.

Epitélio colunar Zona de


transformação
}

Epitélio escamoso maduro

Figura 18.1 Descrição esquemática dos limites relevantes


do colo uterino. A junção escamocolunar (JEC) assinala o local
de término de migração superior do epitélio escamoso a partir
do seio urogenital durante o desenvolvimento embrionário. A
localização da JEC se altera com idade e estado hormonal. Nos
estados com maior concentração de estrogênio, a JEC tende a
sofrer eversão. Nos estados hipoestrogênicos e nos casos com
metaplasia escamosa, o JEC se aproxima do orifício cervical. A
zona de transformação é formada por uma faixa de metaplasia
escamosa entre a JEC original e a nova (atual) JEC. À medida que
o epitélio metaplásico amadurece, ele se move mais para fora
em relação às áreas de metaplasia mais recentes e imaturas, po-
dendo se tornar indistinguível do epitélio escamoso original. Figura 18.5 Câncer de cérvice.

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Caderno de imagens

Figura 18.7 Mucosa ectocervical normal. O epitélio


ectocervical é um epitélio escamoso, extratificado, não
queratinisado, que sofre maturação e resposta à estimu-
lação estrogênica. As mitoses normalmente estão limi-
tadas às camadas mais profundas, ou seja, as camadas
basal e parabasal.

Figura 18.10 NIC III (grave + Ca in situ): o epitélio está


alterado em toda sua espessura, com mitoses típicas e
atípicas e perda da polaridade.

Figura 18.8 NIC I (displasia leve): epitélio de superfície


plana e espessura pouco aumentada e arquitetura e po-
laridade semelhantes ao normal. Discreta discariose nas
camadas basais, com figuras de mitose frequentes.

Cérvix
Vagina

Colo uterino

Área a ser
removida

Vagina

Figura 18.9 NIC II (displasia moderada): além das Fragmento retirado


alterações já citadas, há maior densidade celular, es- na CAF
pessura total do epitélio aumentada e estratificação
e polaridade inalteradas. Além disso, metade ou três Figura 18.12 Ilustra a realização da conização por alta
quartos das camadas profundas do epitélio apresentam frequência, procedimento passível de ser realizado ambu-
células indiferenciadas latorialmente com anestesia local.

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16
Ginecologia

IB1 IB2

> 4 cm

≤ 4 cm

IIB

IIIB

Figura 19.8 Carcinoma cervical. IVB

IA

IA1 IA2 Figura 19.9 Ilustrações do estadiamento FIGO para


câncer do colo do útero (veja a tabela 4.4) para cor-
relação.

IIA

Útero

Endometrio
ΙΙΙA A

IVA

Figura 20.3 Exame ultrassonográfico mostrando en-


dométrio espessado e heterogêneo (A), com áreas cís-
ticas no interior, além de perda dos contornos devido a
infiltração da camada interna do miométrio. O estudo
com Doppler demonstra vasos com baixo índice de
resistência (B). O exame antomapatológico confirmou
carcinoma endometrioide.

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Caderno de imagens

IA IB II

IIIC2
IIIC1

IIIA IIIB IIIC

IVA
IVB

Figura 20.4 Estadiamento do câncer de endométrio


segundo a FIGO (Federação Internacional de Ginecolo-
gia e Obsterícia).
Figura 22.4 A: teratoma ovariano. B: disgerminoma.

Figura 22.5 Tumor de Krukenberg.

Figura 22.2 Cistoadenocarcinoma. A: USTV eviden-


ciando imagem tipicamente suspeita de malignidade –
massa heterogênea em região de fossa ilíaca esquerda
(setas), de contorno irregulares, conteúdo ecogênico
heterogêneo, com Doppler evidenciando visualização
no componente sólido da massa. B: USTV mostrando,
também, massa ecogênica complexa, com Doppler col- Figura 22.6 Estadiamento da FIGO para câncer de
orido evidenciando vascularização no componente só-
lido da massa (asterisco). ovário.

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18
Ginecologia

Figura 23.1 Imagem de hímen imperfurado.

Figura 24.3 Paciente com câncer vulvar depois de 4 se-


manas (A) e depois de 6 semanas (B) de quimioirradiação.

Classificação histológica

Células escamosas 86%

Melanoma 6%

Adenocarcinoma (Gl Bartholin) 3,5

Carcinoma de células basais 2%


Figura 24.1 Carcinoma espinocelular invasivo na vulva. Sarcoma 2%

Figura 24.4 Classificação histológica.

Figura 24.2 Carcinoma de vulva com doença avançada. Figura 24.4 Melanoma vulvar.

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Caderno de imagens

Fatores
Femininos
Fatores
Masculinos
Desconhecido

Fatores
Associados
Figura 26.1 Porcentagem de causas de infertilidade.

1a semana 2a semana 3a semana 4a semana


37,3
Figura 24.5 Imagem de cisto de Bartholin à direita (seta). 37,2
37,1
37,0
36,9
36,8
36,7
36,6 Aumento da
36,5
36,4
temperatura
36,3
Ovulação
Figura 26.5 Aumento da temperatura na segunda
fase do ciclo sugestivo de ovulação.

Figura 28.1 Colo uterino após aplicação de Lugol:


ausência de lesões: teste de Schiller negativo.

Figura 24.6 Marsupialização da glândula de Bartho-


lin. A parede do cisto é evertida e suturada na mucosa.

Figura 25.4 Imagens da uretra. A: uretra normal; B:


uretra incontinente; C: uretra com a alça de suporte
(sling) na correção da incontinência urinária.

Figura 28.2 Colposcópio.

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Ginecologia

Figura 28.6 A e B: zona de transformação; observa-se


uma imagem característica de mosaico.

Figura 28.3 Representação esquemática da colpo-


scopia digital.

Figura 28.7 Zona de transformação com imagens as-


sociadas; o anatomopatológico revelou carcinoma in situ.

Figura 28.4 A e B: epitélio acetobranco denso.


Figura 28.8 Mesma paciente com teste de Schilller.

Figura 28.5 Zona de transformação anormal com epitélio Figura 28.9 Zona de transformação anormal com
branco e mosaico. epitélio branco de relevo acentuado.

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Caderno de imagens

Local do mamilo deprimido


Fosseta mamária Aréola
Epiderme

Ducto
Broto primário lactífero
(primórdio da Brotos
glândula secundários
mamária)
A B C D
Mesênquima Derme

Figura 29.1 Representação do desenvolvimento das


glândulas mamárias.
Figura 28.10 Direita: zona de transformação anor-
mal com imagens associadas de mosaico grosseiro,
pontilhado, atipia vascular e orifícios glandulares espes-
sados. Esquerda: ectopia papilar, múltiplas papilas com
aspecto em “cacho de uva”.

Figura 28.11 Lesão vegetante com sangramento


fácil, superfície irregular, reação acetobranca densa, ob-
servar pontilhado grosseiro e atipia vascular, sugestivo Figura 29.2 Mamilos supranumerários e tecidos po-
de adenocarcinoma invasivo. dem surgir ao longo da “linha do leite”, uma linha em-
brionária.

Clavícula
Músculo
intercostal
Músculo
peitoral maior
Alvéolos
Dúctulo
Ducto
Ducto
lactífero

Seio
lactífero

Poro
mamilar
Figura 28.12 Aspecto colposcópico do colo uteri- Ligamentos
suspensores
no normal com orifício uterino ovalado e padrão de de Cooper

epitélio escamoso trófico. Figura 29.3 Anatomia da mama demonstrando


posição e estruturas principais.

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Ginecologia

Papilas
supranumerárias
Figura 29.4 Imagem de mamilos acessórios (ou su-
pranumerários).

Linfonodos Linfonodos supraclaviculares


interpeitorais
(de Rotter)
Linfonodos
axilares
médios

Linfonodos
axilares
laterais
(braquiais)
Linfonodos
Linfonodos subclaviculares
subescapulares Linfonodos
mamários internos
Linfonodos axilares
anteriores (peitorais) Vias através da
mama para a
Vias para linfonodos contralateral
subdiafragmáticos
e fígado

Figura 29.5 Drenagem linfática da mama.

Cauda de Spence
Superior Superior
inferior externo

Inferior Inferior
externo interno

Figura 29.6 Quadrantes da mama esquerda e cauda


axilar de Spence.
Figura 30.1 Inspecione as mamas nas seguintes
posições. A: braços estendidos sobre a cabeça; B: mãos
pressionadas contra os quadris; C: pressionando as mãos
juntas (uma forma alternativa de contrair os músculos
peitorais); D: inclinando-se para frente a partir da cintura.

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Caderno de imagens

Figura 30.2 Vários métodos para a palpação da


mama. A: palpe desde o ápice até abaixo da mama em
faixas verticais; B: palpe em círculos concêntricos; C:
palpe de forma centrífuga em seções em cunha. Figura 30.6 Palpação da axila para linfonodos.

Figura 30.3 Varredura da parede torácica. Arraste a Figura 30.7 Tipos de fluxo mamilar. A: descarga lei-
palma da sua mão desde a clavícula até o mamilo, co- tosa; B: descarga multicolorida pegajosa; C: descarga
brindo a área desde o esterno até a linha axilar média. purulenta; D: descarga aquosa; E: descarga serosa; F:
descarga sanguinolenta.

Figura 30.4 Palpação digital bimanual. Arraste seus dedos


Figura 30.8 Mulher sendo posicionada no mamógrafo.
pelo tecido mamário, comprimindo-o entre seus dedos e a
superfície palmar de sua outra mão.

Figura 30.19 Pistola 1.2 (Promag-Manan) para reali-


zação de core biopsy.

Figura 30.5 Palpação da cauda de Spence.

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Ginecologia

Figura 32.4 Mulher mastectomizada à direita, sem


reconstrução.

Figura 31.5 Ginecomastia: presença de glândulas


mamárias femininas em homem.

Mastalgia cíclica

Primeiro passo

Orientação verbal - Melhora em 80% dos casos

Segundo passo Figura 32.5 Paciente com câncer de mama local-


mente avançado, acometendo pele.

Ácido linoleico (efeito placebo)

Terceiro passo

Tamoxifeno

Figura 31.6 Tratamento para a mastalgia cíclica.

cadeia
linfonodos mamária Figura 33.2 Contraceptivos hormonais orais.
axilares interna

Figura 32.2 Estadiamento linfonodal no câncer de


mama – observar as vias de drenagem linfática da mama. Figura 33.3 Contraceptivo parenteral.

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Caderno de imagens

Figura 33.8 Camisinha feminina.


Figura 33.4 Anel vaginal.

Figura 33.9 Inserção da camisinha feminina.

Figura 33.5 Dispositivos intrauterinos.

Figura 33.6 Condom.


Figura 33.10 Posicionamento adequado do diafragma.

Figura 33.13 Anticoncepcional transdérmico.


Figura 33.7 Diafragma.

SJT Residência Médica – 2016


26
Ginecologia

Figura 33.14 Anel vaginal. Método para inserir e o


anel da vagina.
injeção intrauterina
dos espermatozoides

Figura 34.2 Injeção intrauterina por meio de cateter


acoplado à seringa com sêmen.

Estimulação
ovariana

2
Óvulos
captados 3
Espema- 5
tozoides Transfe-
rência de
embriões
4
óvulos + espermatozoides

Figura 33.15 Imagem dos fios do DIU (seta) se exteriori-


Embriões 2-5 dias
zando pelo orifício do colo uterino ao exame especular.
Figura 34.8 Representação da fertilização in vitro.

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

1
Embriologia e anatomia

ção mülleriano. Outro gene importante é o DMRT1


Introdução (9p24.3), que tem sua expressão aumentada quando a
gônada se diferencia em testículo e diminuída quando
Na mulher, o desenvolvimento dos órgãos geni- há formação do ovário. Alterações no cromossomo 9,
tais internos e externos provêm de tecidos com poten- tanto no gene DMRT1 quanto no DMRT2 (9p24.3),
cial embriogênico para ambos os sexos, em uma série têm potencial de manter a gônada no estágio indife-
de processos que se iniciam com uma combinação renciado. Já o gene DAX1 (Xp21) é responsável
genética na fecundação e prosseguem com a diferen- pela diferenciação do ovário e pela inibição da
ciação sexual. Esta, por sua vez, é complexa e envolve formação do testículo. O gene ATRX também está
muitos genes, entre os quais alguns autossômicos. envolvido na formação da gônada. Convém ressaltar,
O cariótipo 46,XY ou 46,XX do embrião (sexo ainda, que fatores esteroidogênicos podem interferir
genético) é responsável pela diferenciação da gônada na formação das gônadas.
primordial , respectivamente, em testículo ou ovário A produção hormonal das gônadas é necessária
(diferenciação gonadal). A presença do gene SRY, lo- para a diferenciação dos órgãos genitais internos e
calizado no cromossomo Y (Yp11.3), é que deter- externos durante a vida fetal, assim como para o ade-
mina a formação da gônada masculina. Sua au- quado desenvolvimento das características sexuais se-
sência leva à diferenciação feminina. cundárias durante a puberdade.
Assim sendo, na presença do gene SRY, dá-se o
desenvolvimento do testículo. Este se inicia com a
transformação dos precursores das células de suporte
em células de Sertoli, que direcionam o desenvolvimen- Formação do útero,
to das demais células da gônada. Assim, os precursores
das células esteroidicas se desenvolvem em células de das trompas e do terço
Leydig e das células germinativas em espermatogônias.
superior da vagina
Deve-se ainda ressaltar que há uma complexa
cascata de outros genes que, em momentos distintos A genitália interna origina-se de ductos meso-
do processo de formação gonadal, podem interagir néfricos (de Wolff ) ou paramesonéfricos (de Muller),
com o gene SRY. Por exemplo, o gene WT1 promove sendo os segundos os maiores responsáveis pela for-
a ativação do SRY e participa na diferenciação celular. mação dos órgãos femininos. Em homens o desenvol-
Já o aumento da expressão do gene SOX9 deter- vimento dos ductos paramesonéfricos é bloqueado
mina a diferenciação das células de Sertoli, que por fator anti-Mulleriano produzido pelos testículos,
são responsáveis pela secreção do fator de inibi- sendo os hormônios masculinos propulsores dos duc-
28
Ginecologia

tos de Wolff. A ausência do referido fator, como em


cariótipos XX ou gônadas não funcionantes, produz a Anatomia uterina
genitália interna feminina.
O útero é o órgão sede para o desenvolvimento do
Os ductos paramesonéfricos se desenvolvem produto da concepção e essa função lhe propicia ser o
lateralmente às gônadas, e os ductos mesonéfricos órgão humano de maior propriedade de expansão. Sua
passam caudalmente a estes e alcançam a futura re- espessura, tamanho, forma, localização e estrutura va-
riam de acordo com a idade e paridade (apesar dessas
gião pélvica do embrião. Neste ponto, juntam-se no
variações, possui, na mulher adulta, medidas aproxi-
plano mediano e formam o primórdio uterovaginal madas de 8 cm de comprimento, 2 cm de espessura
em forma de Y. e 4 cm de largura na parte superior). Seu formato é
Das partes mais craniais e não fundidas dos semelhante ao de uma pêra invertida. É um órgão oco
e apresenta três camadas. A camada interna é a mucosa
ductos paramesonéfricos originam-se as tubas
endometrial (ou endométrio), a externa é a serosa (ou
uterinas, enquanto o e os dois terços superiores perimétrio), e a intermediária, mais espessa, é a túni-
da vagina derivam da fusão destes ductos, que ca muscular (ou miométrio). O eixo uterino forma um
ocorre por volta da 10ª semana de gestação. ângulo de 90º com a vagina (anteversão), porém a am-
pliação desse ângulo não é incomum, levando a graus va-
Progressivamente, ocorre a canalização da área
riáveis de retroversão. Sua posição varia de acordo com
fundida no sentido cranial, formando a cavidade ute- o grau de enchimento da bexiga e do reto e sua posição
rina, o canal cervical e a vagina. Esse processo se tende a desviar-se do plano mediano, mais comumente
completa em torno da 22ª semana de gestação. para a direita. Pode ainda se apresentar com leve torção,
geralmente à direita do seu eixo.
O endométrio se origina do mesênquima
dos ductos de Müller e se encontra completa- O útero é dividido em corpo e colo uterino. Sua por-
ção superior é o corpo e este se encontra, em condições
mente diferenciado na 20ª semana de gestação.
fisiológicas, no interior da cavidade pélvica. Sua super-
A fusão dos ductos paramesonéfricos também fície anterior se relaciona com a bexiga e, mais inferior-
aproxima as duas pregas peritoneais, que formarão os mente, separa-se desta pela escavação uterovesical. A
ligamentos largos e os recessos vesicouterino e retou- superfície posterior se relaciona com o cólon sigmoide e,
posteroinferiormente, com o fundo de saco de Douglas.
terino. Ao longo das porções laterais do útero primor-
As tubas uterinas se abrem superiormente no corpo ute-
dial, o mesênquima diferencia-se no paramétrio. rino, em ângulos denominados porções intersticiais. A
parte do corpo acima das aberturas dos óstios das tubas
é denominada fundo uterino. O colo uterino (ou cérvice)
é a porção mais inferior do útero e se projeta no terço
superior da vagina. A porção do corpo uterino que se
liga ao colo é denominada istmo e possui cerca de
1 cm de extensão. O istmo possui a propriedade de se
expandir durante a gravidez, formando o segmento ute-
rino. Acima do istmo, o útero se encontra comumente
inclinado para a frente, produzindo uma anteflexão.
A parede muscular do útero é denominada miomé-
trio. O miométrio possui fibras musculares lisas,
dispostas em espiral. Essa disposição propicia as alte-
rações cervicais que ocorrem durante o trabalho de parto.
As fibras se prolongam superiormente com as das
tubas uterinas e inferiormente com as da vagina.
A camada mucosa é chamada endométrio. O en-
dométrio varia ciclicamente de acordo com a pro-
dução hormonal ovariana e durante a gestação. Na
primeira fase do ciclo menstrual, a mucosa se en-
contra proliferada, e secretante, na segunda fase.
Não ocorrendo a fecundação do oócito, a produção
hormonal lútea cessa e o endométrio se descarna e
dá origem ao fluxo menstrual.
Figura 1.1 Esquema mostrando embrião de cinco A serosa peritoneal reveste o útero externamente
semanas e um detalhe de corte transversal, onde se e origina diversas reflexões. O espaço entre os folhetos
nota a prega paramesonéfrica, o ducto mesonéfrico e peritoneais que revestem a bexiga e o útero é denomi-
as gônadas. nado escavação uterovesical. O espaço existente entre

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29
1 Embriologia e anatomia

os folhetos que revestem o reto e o útero é denominado hormonal. No entanto, diversas situações, algumas delas
escavação retouterina (fundo de saco de Douglas). A fi- fisiológicas (nascimento, puberdade, gravidez, parto),
xação do útero é realizada diretamente pela sua inserção propiciam a saída do epitélio simples colunar do canal
na vagina, entretanto diversos ligamentos oriundos do endocervical para a superfície externa do colo uterino.
seu revestimento contribuem nessa função. A partir das O epitélio simples colunar presente no ambiente vaginal
margens direita e esquerda do corpo uterino, as duas lâ- é frequentemente substituído (processo de metaplasia)
minas de revestimento peritoneal (anterior e posterior) por um epitélio escamoso (metaplásico), mais resistente
se projetam lateralmente e formam os ligamentos lar- e que pode conter, de entremeio, os cistos ou folículos de
gos. Estes se estendem até as paredes da pelve. Inferior- Naboth. Estes, quando maiores, podem ser identificados,
mente, suas lâminas peritoneais se afastam e, superior- à visão desarmada, durante o exame especular.
mente, aproximam-se e envolvem a tuba uterina. Ainda
A irrigação sanguínea do útero é realizada pelas
na região superior, o ligamento largo possui uma dobra
artérias uterinas. Elas são ramos das artérias ilíacas
posterior denominada mesovário. O mesovário contém
internas, ocupam as faces superiores dos ligamentos
ramos dos vasos ováricos e uterinos. A região do liga-
cardinais e enviam ramos para o colo uterino, o corpo
mento largo entre o mesovário e a tuba uterina é
uterino e a parte superior da vagina. A drenagem veno-
denominada mesossalpinge. Nela, situam-se rema-
sa é realizada por um plexo venoso que acompanha a artéria
nescentes dos ductos mesonéfricos (paroóforo ou órgão
uterina. A linfa da parte superior do corpo uterino e
de Rosenmüller e epoóforo) que, ocasionalmente, podem
do fundo é drenada para os linfonodos lombares. A do
originar cistos. Abaixo do mesovário e da mesossalpinge,
restante do corpo drena para os linfonodos ilíacos ex-
o ligamento largo é também denominado mesométrio.
ternos e a do colo para os linfonodos ilíacos internos,
O paramétrio é o tecido conjuntivo frouxo e muscular
externos e sacrais. Fibras autônomas e sensitivas são en-
contido entre as lâminas do ligamento largo. Os liga-
mentos redondos são projeções de tecido fibroso que viadas ao útero pelos plexos uterovaginais, que se situam ao
contêm também musculatura lisa. Eles se prendem an- longo das artérias uterinas.
teriormente ao útero, na região próxima à implantação
das tubas uterinas. Projetam-se anterior, lateral e infe-
riormente, expandem-se em direção à parede pélvica,
atravessam o canal inguinal e se inserem na tela subcu- Anatomia das tubas
tânea dos grandes lábios. No feto, um prolongamento
peritoneal acompanha o ligamento redondo no canal in- uterinas
guinal. Ocasionalmente, esse prolongamento permanece
na mulher adulta e pode formar o cisto do canal de Nuck. As tubas uterinas (em língua grega: salpinx) são ór-
Dois outros ligamentos fazem parte da fixação uterina gãos pares e ocos que ligam o útero aos ovários. Outrora
e se projetam inferiormente em torno da porção supra- denominadas trompas de Falópio e possuem as funções
vaginal do colo uterino. Os ligamentos cardinais (cer- de captar o oócito, conduzir os espermatozoides, propi-
vical lateral, transverso, paracervical ou de Mackenrodt) ciar a fertilização e transportar o embrião em desenvolvi-
projetam-se lateralmente e contêm os vasos uterinos. Os mento até a cavidade uterina. Assim como o útero, são
ligamentos uterossacros projetam-se posteriormente estruturas derivadas dos ductos paramesonéfricos
e se inserem no sacro. (müllerianos). Na mulher adulta, possuem cerca de
O colo uterino é a porção inferior e de menor mobi- 10 cm de comprimento. Localizam-se entre as duas lâ-
lidade do útero. Ele se estende inferiormente a partir do minas do ligamento largo. A sua região mais proximal ao
istmo, penetra na cavidade vaginal e é dividido por esta útero, denominada intersticial (intramural ou uterina),
em porções supravaginal e vaginal. A porção supravagi- localiza-se no interior da parede uterina e abre-se na ca-
nal se relaciona anteriormente com um tecido conjuntivo vidade endometrial através do óstio uterino da tuba. Par-
frouxo e posteriormente com a escavação retouterina. A tindo da região intersticial, as tubas se direcionam para a
parte interna do colo uterino é denominada canal endo- parede pélvica, em um trajeto posterior e lateral, indo até
cervical (ou endocérvice), sendo mais estreito nas extre- as proximidades dos ovários. Descrevem um arco sobre
midades que no centro. Superiormente, o canal endocer- os ovários e terminam em contato direto com sua super-
vical é contínuo com o corpo uterino, limitando-se com fície medial e borda livre. As outras regiões tubárias são
este através do óstio interno do colo uterino. Inferior- o istmo, a ampola e a porção infundibular (ou fimbriada).
mente, o canal endocervical se abre na vagina por meio O istmo se situa entre a região intersticial e a ampola e,
do óstio externo do colo uterino. Na nulípara, o óstio apesar de ser a região de menor calibre, possui as paredes
externo possui, comumente, aspecto circular deprimido mais espessas. A ampola é a região de maior extensão,
e, na multípara, com partos vaginais, seu contorno pode calibre e tortuosidade. Possui paredes finas e antecede a
ser irregular. Em condições fisiológicas, a superfície ex- região infundibular; possui formato de funil e é consti-
terna da porção vaginal do colo uterino é revestida por tuída por numerosos processos digitiformes, denomina-
epitélio estratificado pavimentoso e o canal endocervical dos fímbrias, que possuem a propriedade de captação do
por epitélio simples colunar. Este último reveste proje- oócito. A fímbria ovárica é a de maior extensão e fixa-
ções do estroma em forma de criptas e possui ativida- -se à superfície ovariana. A região infundibular se abre
de mucossecretora que varia de acordo com a produção na cavidade pélvica através do óstio abdominal da tuba

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30
Ginecologia

uterina, propiciando a comunicação da cavidade perito- um tubo cuja porção anterior (fórnice) é extensa (9 cm) e
neal com o meio externo. Em conexão com as fímbrias as porções laterais apresentam maior rigidez. A parede
ou, às vezes, com o ligamento largo das proximidades, anterior relaciona-se, da porção superior para a inferior,
ocasionalmente observam-se pequenas vesículas pedun- com o colo uterino, o ureter, a bexiga e a uretra. A pare-
culadas, denominadas hidátides de Morgagni. de posterior relaciona-se com a escavação retouterina
A parede tubária é constituída por três camadas. A (fundo de saco de Douglas), reto e centro tendíneo do pe-
mais externa é a camada serosa, formada pelo peritônio ríneo. A porção superior da parede lateral encontra sus-
do ligamento largo. A túnica muscular é intermediária, tentação no paramétrio, relacionando-se com o ureter
exerce movimentos peristálticos e é constituída por duas e com a artéria uterina. Mais inferiormente, relaciona-
camadas de fibras musculares lisas, uma interna circular -se com a porção pubococcígea do músculo elevador do
e outra externa longitudinal. A mucosa tubária é forma- ânus, glândulas vestibulares maiores, bulbo do vestíbulo
da por estroma em forma de criptas. Estas aumentam de e músculo bulbocavernoso.
tamanho nas regiões tubárias mais próximas do útero As paredes vaginais são formadas por três ca-
e são revestidas por epitélio simples colunar ciliado. Os madas: uma mucosa, uma muscular e outra fibrosa. A
movimentos ciliares ocorrem em direção ao útero e, em camada mucosa possui pregas transversais, mais proemi-
ação simultânea aos movimentos peristálticos da cama- nentes no terço inferior, nas mulheres na menacme e nas
da muscular, facilitam a condução da mórula até a cavi- paucíparas. Esta camada é revestida por epitélio estrati-
dade endometrial. ficado pavimentoso. A túnica muscular é intermediária
A irrigação tubária é realizada pelo ramo às demais e formada por músculo liso. A túnica fibrosa
tubário da artéria uterina e por pequenos ramos contém um proeminente plexo venoso que, além de rea-
da artéria ovárica. Estes vasos se anastomosam na lizar a drenagem sanguínea, produz um transudato lubri-
mesossalpinge. As veias das tubas uterinas apre- ficante no momento do coito.
sentam um trajeto semelhante ao das artérias. A A vagina é também dividida longitudinalmente em
linfa é drenada para os linfonodos lombares (aórticos), três terços (superior, inferior e médio). O terço superior
e a inervação é proveniente dos plexos ovárico e hipo- possui expansão em recesso que dá projeção à parte va-
gástrico inferior. ginal do colo uterino, formando os fórnice (ou fórnix) la-
terais, anterior e posterior. O fórnice posterior é o mais
extenso e se relaciona com a escavação retouterina (fun-
do de saco de Douglas).
Formação da vagina A irrigação vaginal é distinta em cada terço.
No terço superior é realizada por ramos da artéria
A genitália externa tem origem distinta da interna, uterina; no terço médio, pelas artérias vaginais (ra-
derivando de uma região chamada de seio urogenital, mos da artéria ilíaca interna) e, no inferior, por pequenos
que formará inclusive o terço superior da vagina e de ramos da artéria do bulbo do vestíbulo. A drenagem ve-
onde migrarão células para compor o epitélio vaginal em nosa é realizada pelo plexo venoso que envolve a túnica
toda sua extensão. fibrosa. Os linfáticos do terço superior drenam para os
O contato entre o primórdio uterovaginal (deriva- linfonodos ilíacos externo e interno, os da porção média
do da junção dos ductos paramesonéfricos) e o seio uro- para os ilíacos internos, e os do terço inferior para os sa-
genital forma o tubérculo do seio (ou de Müller), o qual crais, ilíacos comuns e inguinais superficiais. A inervação
induz a formação de evaginações denominadas bulbos mais inferior é realizada pelo nervo pudendo e o restante
sinovaginais. Estes se fundem para formar a placa vagi- pelo plexo uterovaginal.
nal. Posteriormente, ocorre a desintegração das células
centrais da placa vaginal, originando a luz da vagina. Na
região de divisão entre as partes vaginais originárias do
seio urogenital e do primórdio uterovaginal permanece
delgada membrana, geralmente perfurada, conhecida
como hímen.

Anatomia vaginal
Uma vez completada sua formação, a vagina é o ór-
gão feminino da cópula, de formato tubular e que serve Figura 1.2 Esquema de cortes longitudinais de feto
também como conduto excretor do fluxo menstrual. Sua mostrando o desenvolvimento gradual do útero e da
cavidade comunica-se superiormente com a cavidade vagina. A: formação da porção mais inferior da vagina
uterina e inferiormente com o vestíbulo. Em condições a partir da parede posterior do seio urogenital. B: sep-
de repouso, seu eixo forma, habitualmente, um ângulo tação da membrana cloacal. C: separação da vagina e
de aproximadamente 90° com o eixo uterino. A vagina é da uretra.

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31
1 Embriologia e anatomia

Após a 20ª semana de gestação, a popula-


Formação dos ovários ção folicular sofre processo de atresia intensa,
de modo que, ao nascimento, os ovários contêm
Os ovários são as gônadas femininas homólogas cerca de 1 a 2 milhões de oócitos primordiais.
aos testículos do homem. Derivam-se de três fontes Mesmo após o nascimento, o processo de atresia foli-
embriogênicas distintas: do mesotélio que reveste a cular continua atuando no ovário, e à puberdade per-
parede abdominal posterior, do mesênquima subja- namem, nos ovários, em torno de 300 mil follículos.
cente e das células germinativas primordiais.
Na 5ª semana do período embrionário, uma
área espessa de epitélio mesodérmico surge ao lado
medial do mesonefro, e a proliferação de suas células
origina a crista gonadal (ou saliência genital), que a
Anatomia ovariana
seguir é invadida por células germinativas primor- Após formados, os ovários são órgãos pares e
diais para formar os cordões sexuais. O resultado é apresentam as funções de amadurecimento das células
uma gônada composta, em sua superfície, de células germinativas e produção hormonal. Na mulher adulta,
germinativas primordiais interligadas a células epi- estão localizados na parede lateral da pelve, à altura
teliais que passa a se chamar córtex da gônada. Há da espinha ilíaca anterossuperior, podendo ser palpa-
ainda, internamente, tecido mesenquimal medular, dos durante o exame bimanual. São formados por três
que é a medula da gônada. Além das células germi- principais porções: o córtex externo, a medula interna
nativas, ocorre aqui a presença de células somá- e o hilo (que o conecta ao mesovário). Na sua posição
ticas derivadas de três fontes: epitélio celômico, usual, o ovário é vertical, no entanto essa apresenta-
mesênquima e tecido mesonéfrico. ção pode ser alterada por outros órgãos pélvicos. Os
As células terminativas advêm da crista neutral, ovários têm forma de amêndoas e seu volume nor-
de onde migram às gônadas pelo mesentério dorsal do mal é de 3 cm³ a 9 cm³. Suas dimensões são menores
intestino posterior. Durante a migração, elas iniciam na infância e na menopausa. Possuem superfícies me-
um processo de proliferação mitótica (6ª sema- dial e lateral, extremidades tubal e uterina, e bordas
na) e, ao completarem o estágio de diferencia- mesovárica e livre. A borda mesovárica contém o hilo
ção, encontram-se em número aproximado de 6 do ovário por onde penetram os vasos sanguíneos,
a 7 milhões (16 a 20 semanas de gestação). O cro- linfáticos e nervos. São fixados à superfície posterior
mossomo X carrega os genes para o desenvolvimento do ligamento largo pelo mesovário e se ligam ao úte-
dos ovários. ro pelo ligamento útero-ovariano. Este último possui
fibras musculares lisas e seu trajeto é imediatamente
Histologicamente, o ovário só é identificável
inferior e posterior à tuba uterina. São suspensos
a partir da 10ª semana, quando se inicia a forma-
pelo ligamento suspensor do ovário, também de-
ção do córtex característico. Antes do nascimento
nominado infundíbulo pélvico. Possuem coloração
e após sofrerem inúmeras mitoses e degenerações, as
branco-acinzentada e são divididos em córtex e me-
células germinativas transformam-se em oogônias e
dula. O córtex, mais externo, é revestido por epitélio
estas aumentam de tamanho. A sua transformação em
cuboide (germinativo) e sua superfície é irregular de-
oócitos ocorre quando entram em meiose, parando na
vido à presença de cicatrizes de processos ovulatórios
prófase da primeira divisão (prótase I). Esse processo
parece ocorrer em resposta a fatores produzidos pela e de cistos (foliculares e tecaluteínicos).
rede ovariana. A progressão da meiose ocorrerá em Sua irrigação é realizada pela artéria ova-
duas etapas, durante a ovulação e à fecundação. riana (ramo da aorta) e pelo ramo ovariano da
Por volta da 16ª semana, os cordões corticais artéria uterina. A artéria ovárica passa no liga-
começam a se separar e originam os folículos pri- mento suspensor, atinge o mesovário e penetra
mordiais. Cada folículo primordial se constitui de um na borda mesovárica pelo hilo. A drenagem venosa
oócito (derivado das células germinativas primordiais é realizada pelas veias ovarianas. Estas se originam
e parado em prófase da primeira divisão meiótica), em um plexo e se fundem, ou não, ao atingir o abdo-
rodeado por uma camada de células foliculares oriun- me. Quando a fusão não ocorre, a veia ovariana direi-
das dos cordões corticais. Células mesenquimais não ta drena diretamente para a veia cava, em um ângulo
utilizadas na formação folicular permanecem entre os agudo. A veia ovariana esquerda drena para a veia
folículos e formam o estroma ovariano primitivo. As renal esquerda, em um ângulo reto. Seus linfáti-
células da granulosa parecem se diferenciar do epitélio cos drenam para os linfonodos lombares (ou aórticos)
celômico ou dos precursores mesenquimais. Esse pro- e sua inervação é proveniente dos plexos ovariano e
cesso de formação folicular continua até que todos os uterovaginal.
oócitos sejam envolvidos por células foliculares, o que A embriologia, anatomia e fisiologia da mama se-
ocorre à época do nascimento. rão abordadas em capítulo específico.

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32
Ginecologia

As anomalias vaginais mais frequentes são os


septos transversos ou completos. Os septos resultam
de um defeito na conexão entre os ductos de Müller e
o seio urogenital ou da falha na canalização da vagina.
A agenesia vaginal é rara e resulta da ausência
completa da canalização. A ausência congênita
da vagina é geralmente acompanhada da ausên-
cia do útero e das tubas uterinas, caracterizando
a síndrome de Rokitansky-Mayer-Kuster-Hau-
ser. Em alguns casos, essa síndrome pode ser acompa-
nhada de anomalias no sistema urinário.
As anomalias uterinas podem ser associadas a
graus variados de obstrução do trato genital, o que
pode causar dor, infertilidade e complicações obstétri-
cas; outras são apenas achados incidentais.

Anomalias müllerianas:
tipos e frequência de aparecimento
Anomalias uterinas %
Útero bicorno 37
Útero arqueado 15
Septo incompleto 13
Útero didelfo 11
Septo completo 9
Figura 1.3 Esquema mostrando os ductos genitais
antes da descida do ovário. Útero unicorno 4
Tabela 1.1

Figura 1.4 Esquema mostrando os ductos genitais


após a descida do ovário.

Malformações Mullerianas
As anomalias dos ductos de Müller são rela-
tivamente comuns (5% das mulheres em geral).
Tais anomalias podem se originar da ausência da fu- Figura 1.5 Tipos de malformações müllerianas. A:
são, da fusão incompleta, de distúrbios na conexão útero duplo (útero didelfo) e vagina dupla. B: útero
com o seio urogenital. Também, a incapacidade de se duplo com vagina única. C: útero bicorno. D: útero bi-
criar um lúmen na porção superior da vagina e/ou ca- corno com uma trompa esquerda rudimentar. E: útero
vidade uterina. septado. F: útero unicorno.

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33
1 Embriologia e anatomia

Formação da genitália externa


Até a 7ª semana de gestação, a genitália é indiferenciada para ambos os sexos. As características
distintas começam a aparecer ao redor da 9ª semana gestacional, completando-se a diferenciação por
volta da 12ª semana.

No estágio indiferenciado (entre a 4ª e a 7ª semanas de gestação), células mesenquimais prolife-


ram e formam o tubérculo genital, que se situa na extremidade cefálica da membrana cloacal. Em se-
guida, saliências labioescrotais e pregas urogenitais desenvolvem-se lateralmente à membrana cloacal. Paralela-
mente, o tubérculo se alonga e forma um falo. No final da 6ª semana, o septo urorretal se funde com a membrana
cloacal e a divide em uma membrana anal (dorsal) e outra urogenital (ventral). A membrana urogenital situa-se
no assoalho de uma fenda mediana, denominada sulco urogenital. Posteriormente, essas membranas se rompem
dando origem, respectivamente, ao ânus e ao orifício urogenital.

A feminilização da genitália externa e a formação dos órgãos reprodutores ocorrem sem a pre-
sença de hormônio sexual. Sem a ação da testosterona as saliências lábioescrotais darão origem aos grandes
lábios, e ainda se juntam na parte posterior formando a comissura labial posterior. O falo originário do tubér-
culo genital não se alonga e origina o clitóris. As porções posteriores deste se fundem e formam o freio dos
pequenos lábios.

Anatomia da vulva
A genitália externa ou vulva é a área losangular situada abaixo do diafragma da pelve. Contém
o monte de Vênus, as formações labiais (pequenos e grandes lábios), o vestíbulo com suas glândulas acessórias
(parauretrais e vestibulares maiores) e os órgãos eréteis (clitóris e bulbos do vestíbulo).

O monte de Vênus é a porção externa e superior da vulva, de formato triangular na mulher adulta, e que
se limita superiormente com o abdome inferior. É rico em gordura e pelos e exerce uma proteção natural à
genitália externa.

As formações labiais são compostas pelos grandes e pequenos lábios. Os grandes lábios são duas pregas fi-
broaDIPAosas que se projetam do monte de Vênus em direção inferoposterior. Posteriormente, unem-se na linha
média situada adiante do ânus, formando a comissura posterior. São ricos em glândulas sebáceas e apresentam
pelos na superfície externa. Internamente, são sedes das terminações do ligamento redondo. Os pequenos lábios
são duas pregas menores, situadas internamente aos grandes lábios, de coloração rósea, desprovidas de gordura e
pelos e que, no repouso, cobrem e protegem o vestíbulo. Posteriormente, fundem-se às porções distais dos gran-
des lábios. Anteriormente, dividem-se e as porções resultantes se unem com as homólogas contralaterais para
formar, anteriormente, o prepúcio do clitóris e, posteriormente, o frênulo do clitóris.

O vestíbulo consiste no espaço interlabial. Nele se projetam os óstios vaginal, uretral e das glândulas
acessórias. A uretra tem o seu orifício externo entre o orifício vaginal e o clitóris. As glândulas parau-
retrais (de Skene) podem ou não desembocar no vestíbulo. No vestíbulo, elas se abrem de ambos
os lados do óstio uretral. Quando não se apresentam externamente, desembocam na uretra distal. As
glândulas vestibulares maiores (de Bartholin) se localizam atrás do bulbo do vestíbulo e secretam muco
lubrificante durante o coito. Seus ductos se abrem no vestíbulo, em posição posterolateral ao óstio vagi-
nal. Nas virgens, o orifício vaginal é recoberto pela membrana himenal e esta, após sua ruptura, é subs-
tituída pelas carúnculas himenais. O hímen varia de tamanho e forma. As formas mais comuns são
as anulares e crescentes. Mais raramente, pode ter uma feição cribiforme ou até mesmo se apresentar
imperfurado. Após sua ruptura, formam-se pequenos fragmentos nas bordas de sua inserção denomina-
dos carúnculas himenais.

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34
Ginecologia

Figura 1.6 Tipos de hímen.

O clitóris e o bulbo do vestíbulo são os órgãos eréteis, situados na genitália externa. O clitóris é
órgão homólogo do pênis e, assim como este, aumenta de tamanho pelo engurgitamento sanguíneo pro-
duzido pela excitação sexual. Possui 2 cm a 3 cm de comprimento e se localiza posteriormente à junção
anterior dos lábios maiores. É formado por dois ramos provenientes dos ossos isquiáticos da pelve que
são recobertos pelo músculo isquiocavernoso. Em seu trajeto em direção à vulva, passa rente ao osso pú-
bico. Do espaço perineal superficial em diante, os ramos são denominados corpos cavernosos do clitóris.
A união dos corpos cavernosos forma o corpo do clitóris. O clitóris possui um ligamento suspensor que o
conecta à sínfise púbica. Possui também uma glande formada por tecido erétil e que recobre a extremidade
do corpo. É envolvido anteriormente pelo prepúcio e posteriormente pelo frênulo, ambas as formações
provenientes dos pequenos lábios.
O bulbo do vestíbulo corresponde ao corpo esponjoso masculino. É formado por massas pares de tecido
erétil, altamente vascularizadas e que circundam o vestíbulo. São localizadas internamente, em posição lateral ao
óstio vaginal e recobertas pelos músculos bulbocavernosos.
O períneo é constituído por conjunto de músculos, ligamentos e fáscias de forma losângica, que localiza-se
na abertura inferior da pelve e tem como limites ósseos a sínfise púbica anteriormente, o cóccix posteriormente e
as tuberosidades ciáticas lateralmente. Uma linha imaginária partindo das tuberosidades ciáticas passa anterior-
mente ao ânus e divide o períneo anatômico nos triângulos urogenital (anterior) e anal (posterior).
O triângulo urogenital é atravessado pela vagina e uretra e contém as estruturas vulvares descritas
anteriormente. Essas estruturas externas cobrem os espaços denominados compartimentos superficial e
profundo do períneo, que são formados, principalmente, por músculos. O compartimento superficial
situa-se entre a fáscia perineal superficial e a fáscia inferior do diafragma urogenital. Contém os bulbos
do vestíbulo, as glândulas vestibulares maiores e os músculos isquiocavernoso, bulbocavernoso
e transverso superficial do períneo. O compartimento profundo do períneo ou diafragma uroge-
nital é formado pelos músculos transverso profundo do períneo e esfíncter da uretra. É limitado
inferiormente pela fáscia inferior do diafragma urogenital. Sua fáscia superior é indistinta. O suprimento
sanguíneo do triângulo urogenital é realizado pelas artérias pudenda interna e dorsal do clitóris.
Sua drenagem venosa é realizada pelas veias pudendas internas; a linfática, pela cadeia ilíaca interna, e sua
inervação provém do nervo perineal.

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35
1 Embriologia e anatomia

O triângulo anal é atravessado pela extremidade inferior do canal anal e possui o músculo esfíncter externo
do ânus e, de cada lado, a fossa isquiorretal. Sua vascularização é realizada pelas artérias e veias retais inferiores
(hemorroidárias) e a inervação é proveniente do ramo perineal do quarto nervo sacral e do nervo retal inferior.
O corpo perineal ou centro tendíneo do períneo é uma formação fibromuscular situada entre o ca-
nal anal e o diafragma urogenital. Nele se inserem os músculos transverso superficial e profundo do períneo,
bulbocavernoso, elevador do ânus, esfíncter externo do ânus, o músculo liso da túnica longitudinal do reto e as
fáscias superficial e profunda do períneo e inferior e superior do diafragma urogenital. Daí sua extrema impor-
tância na estática pélvica feminina devido à possibilidade de sua ruptura no momento do parto.
O canal pudendo (de Alcock) é um túnel que passa desde as espinhas ciáticas até a borda posterior do
diafragma urogenital. É um importante ponto de referência para a anestesia locorregional devido ao fato de ser
local de trajeto da artéria, da veia e do nervo pudendo.
O diafragma da pelve situa-se imediatamente acima da região perineal e exerce importante papel na sus-
tentação dos órgãos pélvicos e na resistência às elevações da pressão intra-abdominal. É formado pelos músculos
elevador do ânus, coccígeo e suas respectivas fáscias. O músculo elevador do ânus é composto pelos ramos
pubococcígeo, iliococcígeo e puborretal. O diafragma da pelve é inervado por ramos dos terceiro e quarto
nervos sacrais e pelo ramo perineal do nervo pudendo.

Figura 1.7 A: musculatura superficial do períneo. B: musculatura profunda do períneo.

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36
Ginecologia

Estruturas urogenitais embrionárias e sua homólogas em adultos


Estrutura indiferenciada Sexo feminino Sexo masculino
Crista genital Ovários Testículos
Células germinativas primordiais Óvulos Espermatozoides
Cordões sexuais células da granulosa Túbulos seminíferos, células de
Sertoli
Gubernáculo Ligamentos útero-ovárico e redondo Gubernáculo
testicular
Túbulos mesonéfricos Epoóforo, paroóforo Canais eferentes, paradídimo
Ductos Ducto de Gartner Epidídimo, canal deferente,
mesonéfricos vesícula seminal, e ducto
ejaculatório
Ductos paramesonéfricos Útero Utrículo prostático
Tubas uterinas Apêndice testicular
Vagina superior
Seio urogenital Bexiga Bexiga
Uretra Uretra
Vagina Utrículo prostático
Glândulas uretrais e parauretrais Glândulas prostáticas
Glândulas vestibulares grandes Glândulas bulbouretrais
(Bartholin) e pequenas
Tubérculo genital Clitóris Glande peniana
Pregas urogenitais Lábios menores Soalho da uretra peniana
Pregas labioescrotais Grandes lábios Saco escrotal
Tabela 1.2

História: prinatal,
pregressa, familiar

Exame físico:
incluindo avaliação de gônadas palpáveis
e presença ou ausência de útero

Cariótipo Todos os pacientes:


Gonadotrofinas (LH, FSH)
Androgênios (testosterona,
Cariótipo Cariótipo
SDHEA, androstenediona)
XX 46 XY
Imagem do trato
(FISH DX1) (FISH SRY)
genital (ultrassonografia,
genitografia)

Excluir HSRC (17-OH progesterona) Outras investigações:


11-desoxicortisol AMH
ACTH Teste de estimulação com hCG
Renina Teste de estimulação com ACTH
Aldosterona Teste de estimulação com GnRH
Aletrólitos séricos e urinários Biópsia de gônadas
Teste de estimulação com ACTH Análise de mutações no DNA

Outras investigações
Análise de mutações no DNA

Figura 1.8 Algoritmo para investigações no desenvolvimento sexual. A genitografia é um exame radiológico no
qual injeta-se contraste no orifício do seio urogenital por via retrógrada para acentuar uretra, bexiga e vagina. ACTH:
hormônio adrenocorticotrófico; AMH: hormônio antimülleriano; HSRC: hiperplasia suprarrenal congênita; SDHEA:
sulfato de desidroepiandrosterona; FISH: hibridização in situ por fluorescência; FSH: hormônio folículo-estimulante;
GcRH: hormônio liberador de gonadotrofina; hCG: gonadotrofina coriônica humana; LH: hormônio luteinizante.

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CAPÍTULO

2
Roteiro propedêutico básico
em ginecologia

ainda questionar a quantidade de sangue perdido por


Introdução ciclo menstrual (essa investigação pode ser realizada
perguntando do número de absorventes utilizados
Em ginecologia, como em toda especialidade mé- durante cada fluxo menstrual).
dica, o roteiro propedêutico diagnóstico começa pela
Ainda nos antecedentes ginecológicos deve-se
história e pelo exame físico. A anamnese ginecológica
perguntar sobre a vida sexual, sendo registrados: a
segue o mesmo padrão da clínica médica, iniciando-se
frequência das relações, a utilização de métodos con-
pela queixa e duração (QD), partindo para a história traceptivos e o tempo de uso, se há dor (dispareunia)
pregressa da moléstia atual (HPMA), na qual se carac- ou sangramento (sinusiorragia) ao coito.
teriza a queixa da paciente, seguida da investigação
sobre os diferentes aparelhos (ISDA). Nos AO questiona-se à paciente sobre o núme-
ro de gestações, caracterizando-se o tipo de parto e o
Independentemente da queixa da paciente ou número de abortamentos, como, por exemplo: uma
mesmo que ela não tenha nenhuma alteração, tendo paciente com dois partos, sendo um, normal e ou-
vindo apenas para exame ginecológico de rotina, na tro fórcipe, e um abortamento seriam representados
ginecologia temos sempre que fazer algumas pergun- como: IIIG IIP (1 normal, 1 fórcipe) IAb. É anotada a
tas para caracterizar o padrão menstrual e as histó- data do primeiro e do último parto, a fim de identifi-
rias, ginecológica e obstétrica, por meio do chamado car se os órgãos genitais já retornaram à sua fisiologia.
Antecedentes Ginecológico (AG) e Obstétrico (AO). Questiona-se sobre aleitamento e por quanto tempo
No AG, devemos colher informações quanto à ele foi realizado.
idade da menarca (primeira menstruação), para saber Nos antecedentes pessoais (AP), feitos nos mes-
se o eixo hipotalâmico-hipofisário-ovariano está ma- mos moldes da clínica médica, não podemos nos es-
duro; e a idade da primeira relação sexual. Atenção: quecer de perguntar sobre cirurgias realizadas nas
apesar de ser muito utilizado nas faculdades de me- mamas e na pelve, além de cirurgias ginecológicas.
dicina, não existe os termos coitarca e sexarca!. Ca- Muito importante é o questionamento sobre doenças
racterizamos o ciclo menstrual perguntando à de base, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes
paciente a data da última menstruação (DUM), melito, tabagismo, cardiopatias e antecedentes trom-
que representa o 1º dia da última menstruação (o pe- bóticos, pois tais doenças têm influência no método
ríodo em que a paciente ficou menstruada pela última contraceptivo a ser usado pela paciente. Quanto ao
vez). Registramos o intervalo entre as menstruações, uso de medicamentos, não podemos deixar de ques-
que é dito ciclo menstrual. Já o fluxo é caracterizado tionar a realização de terapêutica hormonal (TH), com
pela duração, em dias, da menstruação. É importante sua constituição e o tempo de uso.
38
Ginecologia

E, por fim, nos antecedentes familiares (AF), milar (CAM). Existem duas técnicas de palpação ma-
é importante verificar histórico familiar de câncer mária: a de Valpeau (apertando a mama) ou, a mais
de mama e ovário, além de outras doenças crônico- utilizada, do dedilhamento da mama (como tocar
-degenerativas. Em relação ao câncer de mama, dois piano; ver capítulo de Mama, da apostila volume 2).
genes já foram isolados, o BRCA1, que se encontra no A expressão mamilar, apesar de ser considerada
cromossomo 17, e o BRCA2, que está no cromossomo o último tempo do exame clínico mamário, não é
13. O BRCA1 associa câncer de mama com câncer mais obrigatória, devendo ser realizada apenas
de ovário, sendo considerado risco aumentado o nos casos em que a paciente referir saída de se-
parentesco de primeiro grau (mãe, irmã e filha). creção pelos mamilos (fluxo papilar).
No exame ginecológico, faz-se necessário o es-
vaziamento vesical prévio, para reduzir o desconfor-
to durante o exame e facilitar a palpação do fundo e
O exame físico da parede anterior do útero. Exceção se faz aos casos
em que a paciente apresentar queixa de perda de
O exame físico de uma paciente ginecológica
urina aos esforços pois, segundo a Sociedade Inter-
deve-se iniciar exame físico geral, com maior ênfase
nacional de Continência Urinária, devemos demons-
para a região abdominal. Apesar de os órgãos genitais
trar clinicamente essa perda de urina, por meio da ma-
internos se encontrarem na pelve, quando eles estão
nobra de Valsalva, para afirmar sua existência.
comprometidos por um processo neoplásico, princi-
palmente os ovários, podem atingir até o andar supe- Imposta ressaltar que no exame ginecológi-
rior do abdome. co apenas ficará descoberta a parte da paciente a
ser examinada. O exame da genitália tem início pela
Muito embora as mamas não sejam consi-
inspeção estática da vulva. Com a paciente em posição
deradas órgãos genitais, o exame ginecológico
ginecológico o examinador avalia o monte pubiano,
específico começa por elas. A análise mamária tem
a região clitoridiana, os pequenos e grandes lábios, a
início pela inspeção estática, com a paciente sentada,
fúrcula vaginal (principal sítio de encontro das lesões
o tórax desnudo e os braços ao longo do corpo. A pa-
iniciais das DSTs, exceto do gonococo, que tem trofis-
ciente deve posicionar-se de frente para o examinador,
mo pela endocérvice) e regiões perineal e perianal.
que vai simplesmente olhar as mamas, seu formato,
simetria, contornos e a presença de algum abaula- Feita a inspeção estática, partimos para a
mento, retração ou lesões de pele das mamas, aréolas dinâmica, na qual a paciente faz a manobra de
e mamilos. Valsalva (aumenta a pressão abdominal) e veri-
ficamos a presença de procedência de estruturas
Segue-se a inspeção dinâmica, quando a pa-
genitais e a perda de urina.
ciente, ainda sentada de frente para o examinador,
com o tórax descoberto, faz movimentos para con- O examinador calça luvas e procede à palpação
trair e relaxar o músculo peitoral maior. A mama vulvar (tempo muito esquecido nas faculdades pelo
repousa sobre esse músculo e na presença de lesões constrangimento), palpando-se o monte pubiano
mamárias profundas, aderidas ao músculo peitoral (sítio comum de foliculites), região periclitoridiana
maior, há acentuação de abaulamentos e retrações (nunca o clitóris, para não estimulá-lo), palpa-se e
nas contrações musculares. afastam-se os pequenos dos grandes lábios, região de
fúrcula vaginal, perineal e perianal.
Após a inspeção estática e dinâmica, inicia-se a
palpação, que se divide na palpação da glândula ma- Na sequência, realiza-se o exame especular, dan-
mária e dos linfonodos. Com a paciente ainda senta- do sempre preferência para o de plástico ou transpa-
da, o tórax descoberto e de frente para o examinador, rente, por permitir a visualização das paredes vagi-
começamos a palpação dos linfonodos, iniciando pelas nais. O uso de lubrificante está indicado apenas
cadeias cervicais, supra e infraclaviculares, interpei- nos casos em que não será necessária a coleta de
torais e, por fim, axilares. Agora, a paciente deita-se secreção vaginal e/ou cervical. Durante o exame
em decúbito dorsal horizontal para a realização da especular, avaliam-se as rugosidades vaginais, o con-
palpação das mamas, preferencialmente com um co- teúdo vaginal e as características do colo uterino.
xim abaixo da mama a ser examinada. Não importa E, por fim, realiza-se o toque vaginal bimanual.
por qual mama começar, nem se a palpação é do centro Introduz-se o indicador e o dedo médio, lubrificados,
para a periferia ou da periferia para o centro. O im- na vagina da paciente e avalia-se a elasticidade vagi-
portante é que os quatro quadrantes das duas mamas nal, a consistência, o formato e a mobilidade do colo
sejam palpados. A mama apresenta dois quadrantes uterino. A outra mão é colocada no abdome da pacien-
superiores (o medial e o lateral), dois quadrantes in- te e empurra-se o colo uterino para cima, acentuando
feriores (o medial e o lateral) e o complexo areoloma- a anteversoflexão uterina e avalia-se a parede anterior

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39
2 Roteiro propedêutico básico em ginecologia

e o fundo do útero quanto à sua superfície, tamanho


e à sua consistência. Em alguns casos, dependendo do
biótipo da paciente, é possível a palpação dos ovários.
Após, com o colo uterino ainda empurrado para cima,
deve-se avaliar os anexos, direito e esquerdo, quanto
aos seus tamanhos e regularidades. Além disso, devem
ser avaliados os fórnices posterior, anterior e laterais,
no intuito de identificar abaulamentos, retrações e
presença de massas pélvicas.
O toque retal tem apenas duas indicações
na ginecologia: avaliar útero e anexos na paciente
virgem (sensibilidade infinitamente menor do que o
toque vaginal) e, principalmente, avaliar paramétrios
laterais (que faz parte do estadiamento do câncer de
colo uterino, que é clínico). Figura 2.3 Técnica para inspeção dos lábios.
Os métodos propedêuticos mais específicos se-
rão abordados de acordo com cada capítulo.

Figura 2.1 Exame das mamas: palpação axilar.

Figura 2.4 Técnica para palpação da glândula de


Bartholin.

Figura 2.5 Técnica para a realização do exame de


Figura 2.2 Exame das mamas: palpação mamária. toque vaginal bidigital.

SJT Residência Médica – 2016


40
Ginecologia

Figura 2.6 Técnica para o exame bimanual.

Figura 2.10 Técnica para inserção do espéculo vagi-


nal. Note os dedos do examinador pressionando o perí-
neo posteriomente.

Figura 2.7 Posições do examinador, da assistente e


da paciente para o exame bimanual.

Figura 2.11 Exame da genitália: especular com coleta


de material cervical.

Figura 2.8 Técnica para palpação do anexo esquerdo.


Posição das mãos do examinador.

Figura 2.12 Técnica para inserção do espéculo vagi-


nal. Note que o espéculo se move sobre os dedos do
examinador, evitando contato com o meato uretral e
Figura 2.9 Exame da genitália: toque vaginal bimanual. o clitóris.

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41
2 Roteiro propedêutico básico em ginecologia

Figura 2.13 Técnica para a inspeção da cérvice. A: abertura do espéculo após ter sido completamente inserido e
rodado para a posição transversa. B: vista interna da cérvice quando o espéculo é corretamente inserido.

Você precisa saber o que quer conseguir, mas quando souber, deixe-se conduzir. E se parecer que está sendo
desviado de sua trilha, não se detenha, porque talvez seja ali que instintivamente você queira estar.
E se frear e insistir em permanecer onde estava antes, você perderá o vigor.
Gertrude Stein

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CAPÍTULO

3
Fisiologia do ciclo menstrual

Introdução
Por volta da 6ª a 8ª semanas de vida intrauterina, a superfície externa do ovário é recoberta pelo epitélio
germinativo. À medida que o feto se desenvolve, os ovócitos diferenciam-se deste epitélio e migram para o
córtex ovariano.
Cada ovócito é circundado por uma camada de células fusiformes do próprio estroma ovariano
e que constituem as células da granulosa. O conjunto ovócito mais granulosa, assim constituído, é
denominado folículo primordial, que, aos poucos, aumenta seu volume. Neste folículo, o ovócito que o
constitui está estacionado na primeira divisão meiótica graças a produção de substâncias inibidores de meiose
pela granulosa.
Todos os ovócitos vão se diferenciar do epitélio germinativo em folículos primordiais, e grande parte apre-
sentará degeneração ainda na vida fetal e que continuará até a menopausa. O ovário de um feto de 20 semanas
apresenta em torno de seis milhões de folículos primordiais. Ao nascimento, restam apenas um milhão desses
folículos e calcula-se um total de 300 a 400 mil na puberdade.
A degeneração folicular indepente da regulação hormonal e está relacionada à primeira divisão
meiótica, sendo que os óvulos que passaram por tal processo não degeneram. Durante os anos repro-
dutivos da mulher, cerca de 400 desses folículos desenvolvem-se o suficiente para expelir seus ovó-
citos, um a cada mês, e os restantes degeneram. Na menopausa (final da fase reprodutiva), apenas poucos
folículos permanecem nos ovários e acabam se degenerando.

O funcionamento ovariano
Os anos reprodutivos caracterizam-se por alterações rítmicas mensais na velocidade da secreção dos hor-
mônios femininos e por mudanças correspondentes nos ovários e nos órgãos sexuais. Esse padrão rítmico é cha-
mado ciclo menstrual ou ciclo sexual feminino. Consagrou-se como padrão o ciclo menstrual com intervalo
em torno de 28 dias, com duração de dois a seis dias e com uma quantidade de sangue, perdido por
menstruação, entre 20 a 80 mL. Geralmente, logo após a menarca (primeira menstruação), o ciclo é
irregular e tende a se tornar cada vez mais rítmico. Cerca de cinco anos após a menarca o ciclo torna-se
próximo do padrão convencional. De dois a sete anos que antecedem a menopausa, a menstruação em geral,
torna-se gradativamente mais irregular.
43
3 Fisiologia do ciclo menstrual

7,0 Durante os primeiros dias após o início da


menstruação, verifica-se aumento leve a mode-
rado nas concentrações de FSH e LH, sendo que
o do FSH precede o do LH em alguns dias. Esses
5,0 hormônios, principalmente o FSH, são os responsá-
Número de veis pelo crescimento acelerado de 6 a 12 folículos a
células
germinativas
cada mês. Há rápida proliferação de células da granu-
(milhões) losa e a formação, externamente e adjacente a esta, de
3,0 conjunto celulares derivados do interstício ovariano
Nascimento que recebem o nome de teca.

Fatores Fatores
1,0
intrínsecos extrínsecos
0,6
0,3
3 6 9 5 10 30 50
idade idade
Sistema nervoso Central / Hipotálamo
(meses do útero) (anos)
GnRH Retroação
Figura 3.1 Número de oócitos presentes em ambos Retroação alça
os ovários em diferentes idades. alça longa ultracurta
Hipófise
Retroação
alça curta
FSH, LH
Ovário

Regulação
intraovariana
Figura 3.3 O feedback no sistema hipotálamo-
hipófise-ovário.

Na granulosa há formação de líquido folicu-


lar, por estímulo do FSH, que possui altas con-
Figura 3.2 Fases do crescimento folicular. G: camada centrações de estrogênio. O acúmulo desse líqui-
granulosa; T: camada da teca; Oc: oócito; r: receptores. do gera um antro e o folículo passa a ser chamado de
antral (Figura 3.4). Esses folículos crescem e formam
Entre os nove e dez anos de idade, o núcleo arque- suas variantes vesiculares. Isto porque o estrogênio
ado do hipotálamo secreta pulsos de GnRH (hormônio secretado no folículo induz a formação de mais recep-
liberador de gonadotrofinas) que atuam na adeno-hipó- tores de FSH pelas células da granulosa.
fise, e esta, por sua vez, inicia secreção progressiva de
FSH (hormônio folículo estimulante) e LH (hormônio
luteinizante), culminando com a presença dos ciclos
menstruais mensais entre 11 e 16 anos. A pulsatilida-
de do GnRH pode ser modulada por neurotransmis-
sores cerebrais como a noradrenalina (que aumenta
a produção de GnRH), a dopamina e a endorfina (que
deprimem a liberação de GnRH). Nesse processo de ci-
clicidade ovariana ocorre evolução de alguns folículos
recrutados em fases, como explicitado a seguir.
A secreção de FSH e LH pela hipófise levam
à produção hormonal ovariana, de modo que os
folículos, e órgão como um todo, apresentam
crescimento.
A princípio o ovócito aumenta três vezes seu di-
âmetro, aumentam as células da granulosa e o folículo
passa de primordial a primário. É o início da fase fo-
licular, ainda pouco dependente de gonadotrofinas. Figura 3.4 Folículo antral.

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44
Ginecologia

Na teca há colesterol que, na presença de


LH, se transforma em testosterona e androste-
nediona. Esses androgênios atingem as células da
granulosa, e na presença de FSH, sofrem ação da en-
zima aromatase, originando estrona e estradiol. Esta
é a teoria das duas células.

Célula da teca

Colesterol
LH

Androstenediona Testosterona

Figura 3.6 Folículo dominante, pré-ovulatório, ma-


duro ou folículo de Graaf.

Célula da granulosa O pico de LH ocorre, aproximadamente,


12 horas antes da ovulação e leva ao cresci-
Androstenediona Testosterona mento muito rápido do folículo, à diminuição
da secreção de estrogênio e ao início da secre-
ção de progesterona.
FSH

Aromatização
Dentro de poucas horas, a teca começa a libe-
rar enzimas proteolíticas dos lisossomas que tornam
a parede folicular enfraquecida, com degeneração do
Estrona Estradiol estigma (área mais delgada do folículo dominante,
próxima a periferia do ovário) e ruptura do folículo
nesta região, para liberação do ovócito. Auxilia nesta
Figura 3.5 Sistema das duas células. ruptura o intumescimento folicular provocado por
transmudação local de plasma causada por elevação
de prostaglandinas. Assim, a ovulação ocorre 24 a
Após uma semana ou mais de crescimento, 48 horas após o pico de estradiol e 12 a 24 horas
um dos folículos começa a se destacar dos demais, após o pico de LH (início do pico de LH ocorre 32
pois secreta maior quantidade de estrogênio e au- a 36 horas antes da ovulação).
menta o número de seus receptores para FSH. Com Em seguida, as células da granulosa re-
isso ele continua a crescer mesmo com baixos ní- manescentes, sob ação do LH, transformam-
veis deste hormônio cuja secreção passa a ser redu- -se em células luteínicas (duas ou mais vezes
zida por feeedbck negativo de estrogênio e inibida maiores que as células da granulosa e com inclu-
em ascensão. sões lipídicas), formando o corpo lúteo produtor
O folículo de maior tamanho cresce enquanto os principalmente de progesterona e de pequena
quantidade de estrogênio. Após 12 a 14 dias, o
demais entram em atresia. Estamos frente ao folículo
corpo lúteo perde sua função secretora e co-
dominante, pré-ovulatório, maduro ou de Graaf,
meça a involuir, sendo substituído por tecido
quando já houve grande desenvolvimento da granu-
conjuntivo, transformando-se no corpo al-
losa e produção de estradiol que, com o FSH, produz bicans ou corpo branco, que não tem nenhuma
proteína receptora para LH nas células da granulosa, função hormonal. No final da fase lútea, aparecem
tornando-a capaz de se luteinizar, ou seja, produzir nas células da teca-granulosa luteinizadas recep-
progesterona. O estradiol vai sendo produzido cada tores sensíveis ao hCG (hormônio gonadotrófico
vez em maior quantidade até atingir seu pico. Esse coriônico humano), fazendo com que o corpo lúteo
pico de estradiol, após 12 a 24 horas, desenca- persista na presença de tal hormônio, que tem sua
deia o pico do LH. produção iniciada após a fecundação.

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45
3 Fisiologia do ciclo menstrual

O pouco estrogênio liberado pelo corpo lúteo O componente estromal evolui a partir de sua
inibe a secreção de FSH e LH, assim como a pro- condição menstrual celular densa, através de um
gesterona inibe a secreção de LH. Além disso, as breve período de edema, para um estado final se-
células luteínicas secretam inibina que, por sua melhante a um sincício frouxo. As arteríolas espi-
vez, diminui a secreção de FSH. O resultado é que- raladas tornam-se finas. Todos os componentes te-
da de FSH e LH, responsável pela degeneração do corpo ciduais (glândulas, células estromais e endoteliais)
lúteo. Após 12 a 14 dias de vida do mesmo, a falta de se- demonstram proliferação, com pico nos dias 8 a 10
creção de estrogênio, de progesterona e de inibina esti- do ciclo. Essa proliferação é marcada por aumento
mula a secreção de FSH e LH, que iniciam o crescimento da atividade mitótica e da síntese nuclear de DNA e
de novos folículos para outro ciclo ovariano. citoplasmática de RNA. Durante a proliferação, o en-
dométrio cresce de aproximadamente 0,5 mm para
3,5 mm a 5 mm de altura. Essa proliferação ocorre
principalmente na camada funcional do endométrio,
pelo espessamento do estroma.
Uma característica importante dessa fase de
crescimento endometrial é o aumento de células ci-
liadas e microvilosas, responsáveis pela mobilização
e distribuição de secreções endometriais durante a
fase secretória.
No início da fase lútea, a taxa de cresci-
mento endometrial diminui significativamente,
no entanto o endométrio atinge uma espessura
máxima em torno de 8 mm a 10 mm. O número
Figura 3.7 Esquema da anatomia microscópica do
ovário. Indicam-se, em sentido horário, as alterações de receptores estrogênicos cai, mas os receptores de
nos componentes do complexo folicular que ocorrem progesterona permanecem abundantes, principal-
durante a atresia e a ovulação de um folículo primordial mente no estroma. Sabemos, de larga data, que o en-
(em cima, à esquerda) até a formação de um corpo albi- dométrio é relativamente insensível à progesterona,
cans (embaixo, à esquerda). a menos que previamente exposto a estímulo estro-
gênico. Dessa forma, no endométrio proliferado, a
progesterona é capaz de provocar intensas modifica-
ções, produzindo uma resposta secretora. A ação pré-
As fases do ciclo via dos estrogênios estimula a síntese dos receptores
de progesterona, dando ao endométrio a capacidade
menstrual de responder a este esteroide.
Assim, as glândulas endometriais tornam-se
Em um ciclo menstrual ovulatório ocorrem altera- mais tortuosas e sofrem um aumento em seu lúmen,
ções anatômicas e funcionais específicas nos componen- passando a secretar grande quantidade de glicogênio,
tes glandulares, vasculares e estromais do endométrio. preparando-se para a implantação do blastocisto. Na
O endométrio pode ser dividido, do ponto fase lútea tardia, o estroma desenvolve características
de vista morfológico, na camada funcional, que de reação decidual pré-menstrual, com grande infiltra-
compreende os dois terços superiores, e na cama- do de linfócitos e aspecto edematoso.
da basal, que compreende o terço inferior. A fina- De um modo geral, a atividade mais impor-
lidade da camada funcional é preparar-se para a tante durante a fase folicular do ciclo menstrual é a
implantação do embrião em fase de blastocisto.
secreção de gonadotrofinas, que controla a foliculo-
Na fase folicular ou proliferativa do ciclo mens- gênese e influencia a proliferação endometrial. Os
trual, o esteroide sexual ovariano que predomina é o eventos dominantes da fase periovulatória são
estrogênio, que age proliferando as células endome- o pico de LH e a ovulação. A alteração significa-
triais, daí o nome dessa fase: proliferativa. tiva que ocorre na fase lútea é a produção de glico-
As glândulas representam a porção mais respon- gênio pelas glândulas endometriais, em preparação
siva do endométrio à ação estrogênica. A princípio, para um blastocisto embrionário. Esses eventos (e
elas são estreitas e tubulares, revestidas por células os processos metabólicos que os regulam) têm um
de epitélio colunar baixo. Graças à ação do estrogênio, amplo efeito sobre todo o organismo. A influência
mitoses tornam-se proeminentes e se observa a pseu- do ciclo menstrual ilustra a extensão da importân-
doestratificação endometrial, sendo que as glândulas cia do processo reprodutivo sobre todo o corpo hu-
tornam-se alongadas e um pouco tortuosas. mano (Figura 3.9).

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46
Ginecologia

Valores de referência do FSH e LH sanguíneos


Período FSH LH
Pré-puberal < 2 mUI/mL < 1 mUI/mL
Fase folicular 5 a 20 mUI/mL 10 a 30 mUI/mL
Fase ovulatória 12 a 50 mUI/mL 30 a 150 mUI/mL
Fase luteínica 5 a 20 mUI/mL 10 a 30 mUI/mL
Menopausa 30 a 150 mUI/mL 40 a 150 mUI/mL
Tabela 3.1

Usos clínicos da dosagem basal de gonadotrofinas


Condição clínica FSH LH
Mulher adulta normal 5-30 mUI/mL 5-20 mUI/mL
Estado hipogonadotrófico < 5 mUI/mL < 5 mUI/mL
€ Pré-puberal
€ Disfunção hipotalâmica-hipofisária
Estado hipergonadotrófico > 30 mUI/mL > 40 mUI/mL
€ Pós-menopausa
€ Falência ovariana prematura
Tabela 3.2

Temperatura Figura 3.9 Alterações cíclicas idealizadas observadas


corporal basal
39.6
nas gonadotrofinas: Estradiol (E2), progesterona (P) e
ºC

endométrio uterino durante o ciclo menstrual normal.


IU
Os dados são centralizados em torno do dia do surto de
40 LH LH (dia 0). Os dias do sangramento menstrual estão in-
30 200
FSH dicados por M.
IU

20
100
10

5 Largura do
orifício cervical
4 Mecanismos da remodelação
mm

3
2 endometrial
Quantidade de
800 muco cervical
600 Com a queda dos níveis de progesterona ao final
mm³

400
do ciclo menstrual, dada a falta de estímulo decorren-
200
te da inibição de LH, o endométrio não se sustenta e
Viscosidade descama provocando o fluxo menstrual e caracteriza
15
10
início de um novo ciclo. No entanto, mecanismos he-
cm

5
mostáticos são criados pela própria progesterona.

Transparência
O fluxo menstrual depende do controle hemos-
1 2 3 4 4 3 2 2 1 1 1 tático, da descamação endometrial e do processo de
Arborização remodelação ou reparação endometrial. O sistema
0 1 2 3 4 3 2 2 1 1 1
hemostático é importante para o controle do fluxo
Penetração do
0 1 2 3 4 2 1 0 0 0 0 espermatozoide menstrual e dependente dos seguintes fatores: contra-
tilidade vascular local; adesão plaquetária; e formação
2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28
do coágulo com o reforço da fibrina e do sistema fibri-
Dia do ciclo
nolítico (estabilidade do trombo nas artérias espirala-
Figura 3.8 Alterações fisiológicas associadas ao ciclo das). As prostaglandinas e os hormônios sexuais
menstrual. Os números de 0-4 indicam uma caracterís-
atuam na regulação desse sistema.
tica crescente do muco cervical. Note que o padrão ar-
boriforme, a transparência e a penetração do esperma- Ha várias substâncias que controlam a contra-
tozoide são máximos no meio do ciclo. FSH: hormônio tilidade vascular no endométrio, regulando o fluxo
folículo-estimulante; LH: hormônio luteinizante. menstrual. Assim, a endotelina, a prostaglandina

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47
3 Fisiologia do ciclo menstrual

F2-alfa (PGF2-alfa), o tromboxano, a vasopres- aumentar a ativação do fibrinogênio em fibrina e a


sina e citocinas, principalmente a interleucina 8 degradação do trombo nas artérias espiraladas e, por-
(IL-8), são responsáveis pela vasoconstrição das tanto, o fluxo menstrual.
artérias espiraladas. Essas substâncias são influen- O processo de descamação endometrial é im-
ciadas pela ação da progesterona. O óxido nítrico, a portante para a quantidade do fluxo menstrual.
prostaciclina e a prostaglandina E2 (PGE2) agem na Nesse sistema, participam as metaloproteinases ma-
vasodilação e sua regulação está relacionada aos níveis triciais, os lisossomos (hidrolases), os macrófagos,
de estrogênios circulantes. os mastócitos e as moléculas de adesão intercelular
Mulheres com ciclos menstruais normais (ICAM-1 e PECAM). A autofagocitose endometrial é
têm aumento tanto da PGF2-alfa quanto da realizada pelos lisossomos que destroem o citoplas-
PGE2 no endométrio durante o período final da ma. A heterofagocitose é feita pelos macrófagos, que
fase secretora, e a menstruação apresenta pre- digerem as fibras reticulares do estroma, fragmen-
dominância da PGF2-alfa. Esse fato sugeriria que tando o tecido de conexão estromal. A redução dos
a progesterona seria necessária para a elevação aos níveis de progesterona no final da fase lútea permite
precursores da PGF2-alfa. Como provoca contração de o aumento da produção de IL-8 nas células endome-
musculatura lisa, seja de parede de vasos ou do mio- triais, acarretando aumento da migração de leucóci-
métrio, destaca-se que seu excesso é uma das causas tos e da degranulação aos mastócitos.
de dismenorreia.
A progesterona também mantém a estabilida-
O tromboxano promove a agregação plaque- de aos lisossomos, que contêm enzimas que atuam
tária, enquanto as prostaciclinas a inibem. Há evi- na destruição de mucopolissacarídeos, colágeno e
dências do aumento de prostaciclinas e diminuição de outras proteínas que dão suporte ao crescimento
tromboxano em biópsia endometrial de mulheres com endometrial. As metaloproteinases da matriz são co-
sangramento uterino anormal. Isso sugere que a defici- lagenases que atuam nos elementos da matriz extra-
ência de tromboxano seria, em parte, responsável pelo celular e na membrana basal, aumentando a desca-
aumento do fluxo menstrual. Além disso, as prostacicli- mação endometrial; também estariam relacionadas
nas têm ação vasodilatadora e impedem a aglutinação aos níveis de progesterona. Por outro lado, o incre-
de plaquetas; portanto, bloqueiam a formação de trom- mento desse leucócito no endométrio é dependente
bos na superfície endometrial em descamação. do estrogênio.
O sistema fibrinolítico é importante para o con- Além da ação do sistema hemostático e do
trole hemostático. A degradação do coágulo é de- processo de descamação no sangramento genital, a
pendente da plasmina, que é formada a partir de reparação ou remodelação endometrial é essencial
seu precursor, o plasminogênio. Este pode ser ati- para o controle do fluxo menstrual. Esse processo
vado pelo ativador do plasminogênio tecidual (t-PA) é dependente do estrogênio, que promove prolife-
ou ser dependente da uroquinase (u-PA). Sua inibição ração endometrial. A ação estrínica é mediada por
está relacionada aos inibidores do tipo I e 2 (PAI-1 e fatores de crescimento, principalmente fator de
PAI-2), bem como pela alfa2-antiplasmina. A proges- crescimento vasculoendotelial (VEGF), fator fibro-
terona suprime a produção de u-PA e aumenta a pro- blástico básico (b-FCF), fator epidermal de cres-
dução de PAI-1 tanto nas células epiteliais quanto nas cimento (ECF), fatores insulinoides e, ainda, as
estromais. Esses dados sugerem que a progesterona citocinas. Caso haja retardo ou deficiência na repa-
teria ação antifibrinolítica no endométrio, diminuin- ração, o fluxo menstrual pode se prolongar. Os san-
do o fluxo menstrual. gramentos de pequena quantidade e de coloração
Outro fator desencadeante de maior fluxo san- escura, que ocorrem imediatamente após o fluxo,
guíneo seria o aumento local de mastócitos, produ- estão também vinculados ao retardo na remodela-
tores de grande quantidade de heparina, podendo ção endometrial por deficiência estrogênica.

Há coisas suficientes no mundo para todos se tivermos os olhos para enxergá-las,


o coração para amá-las e a mão para buscá-las.
Lucy Maud Montgomery

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CAPÍTULO

4
Sangramento uterino disfuncional

mento disfuncional corrige-se com hormônios. Se


Introdução não corrigir, não é disfuncional, é orgânico”. É, pois,
um diagnóstico de exclusão.
O sangramento uterino ou endometrial, quando
não decorre de lesão orgânica, mas sim atribuído a um É responsável por cerca de 10% dos casos
descontrole neuroendócrino, é chamado de Sangra- de sangramento uterino, sendo mais comum
mento Uterino Disfuncional (SUD). Refere-se a um na adolescência e climatério, pelo fato de haver
maiores conflitos com alteração no eixo hipotálamo-
sangramento uterino disfuncional (ou anormal),
-hipófise-ovariano. O hipotálamo pode sofrer algum
cuja origem se deve, exclusivamente, a um estí-
estímulo anômalo, principalmente pelo fato de estar
mulo hormonal inadequado sobre o endométrio,
em conexão com o sistema límbico. Assim, pode ocor-
ou seja, uma irregularidade menstrual sem cau-
rer maior ou menor liberação de GnRH, aumentando
sa orgânica. A Federação Internacional de Ginecolo-
ou diminuindo a secreção de FSH e LH, que altera a
gia e Obstetricia (FIGO) classificou os sangramento
produção de estrogênio e progesterona, ocorrendo
na mulher através da regra mnemônica PALM-COEN,
descamação endometrial irregular.
na qual o termo PALM é constituído pelas seguintes
doenças: pólipo endometrial, adenomiose, leiomioma, Para conceituar um sangramento uterino anor-
malignidade, que apresentam as causas orgânicas de mal é necessário, primeiro, estabelecer o que se con-
sangramento, já o termo COEN, representa as causas sidera um sangramento menstrual normal. O fluxo
disfuncionais, sendo que além das causas hormonais menstrual médio dura de dois a seis dias, com
estão inclusas outras, como coagulopatias, Endome- uma perda sanguínea de 20 a 80 mL. O interva-
triais ( alterações de fatores relacionados a mecanis- lo médio varia entre 21 e 35 dias (alguns autores
mos reguladores da homeostase endometrial ) e Não podem referir um ou dois dias a mais ou a menos, o
classificadas ( causas idiopáticas ). que constitui questão puramente semântica, sem ne-
nhuma importância clínica). Portanto, sangramento
A base patofisiológica dessa doença seria a alte-
uterino anormal é aquele que apresenta uma altera-
ração dos mecanismos centrais de regulação da mens- ção em um ou mais destes três parâmetros, ou seja,
truação. Antigamente era chamado de hemorragia um sangramento excessivo em duração, frequência ou
uterina disfuncional, mas este termo está em desuso, quantidade. Com relação a este último parâmetro, não
uma vez que sugere um sangramento excessivo, o que existe uma maneira prática e objetiva capaz de medir
nem sempre acontece na realidade. a quantidade de sangue eliminada, porém, se o sangue
Quando se fala em sangramento disfuncional, pres- menstrual forma coágulos, provavelmente a perda é
supõe-se que todas as outras causas já foram excluídas e maior que o normal e, quanto mais coágulos, maior a
que o tratamento será realizado com o uso de hormônios. perda. A dosagem da hemoglobina confirmará o exces-
Este é o primeiro e fundamental axioma: “Sangra- so, se estiver baixa.
49
4 Sangramento uterino disfuncional

As alterações do sangramento normal Causas orgânicas de sangramento uterino


podem ser descritas como: Sangramentos da 1ª metade da gravidez
€ Opsomenorreia: intervalo menstrual entre 35 e 45 dias. Abortamento
€ Espaniomenorreia: intervalo menstrual entre 45 Doença trofoblástica gestacional
dias a três meses. Gravidez ectópica
€ Amenorreia: intervalo menstrual a cada três meses ou mais. Processos expansivos benignos
€ Proiomenorreia: intervalo menstrual entre 18 a 21 dias. Miomas submucosos
Pólipos endometriais
€ Polimenorreia: caracteriza um ciclo cujo intervalo
Pólipos cervicais
varia de 15 a 21 dias.
Adenomiose
€ Hipermenorreia: refere-se a um sangramento prolon- Endometriose
gado, acima de seis dias.
Doenças sistêmicas
€ Hipomenorreia: caracteriza um fluxo com duração Hipotireoidismo
menor que dois dias. Hipertireoidismo
€ Oligomenorreia: refere-se a ciclos menstruais com Insuficiência renal
quantidade de sangue perdido inferior a 20 mL. Cirrose hepática
€ Menorragia: perda maior que 80 mL de sangue a Coagulopatias
cada ciclo menstrual. Alguns autores consideram Doença de von Willebrand
maior que 60 mL. Deficiência de protrombina
€ Metrorragia: é o sangramento uterino que ocorre Disfunção plaquetária
fora do período menstrual. Deficiência de fatores V, VIII, IX
€ Menometrorragia: é o sangramento que ocorre fora Medicações (p. ex.: anticoagulantes)
do período menstrual, porém com intervalo fre-
Processos expansivos malignos
quente.
Hiperplasia endometrial
Tabela 4.1
Câncer de endométrio
Câncer do colo uterino
Tumor ovariano produtor de estrógeno
Processos infecciosos
Etiologia Cervicite
Endometrite
O sangramento uterino disfuncional é represen- Tuberculose pélvica
tado por duas situações distintas: o SUD ovulatório e Infecção puerperal
o SUD anovulatório. Não uterinas
€ Forma anovulatória (90% dos casos de SUD): Traumas
comuns nos extremos dos anos reprodutivos, re- Corpo estranho
DIU
presentada pela imaturidade do eixo hipotalâmi-
co-hipofisário-ovariano na adolescência e pela Tabela 4.2
falência ovariana na perimenopausa e por esta-
dos hiperestrogênicos;
€ Forma ovulatória: ocorre por produção inapro-
Fisiopatologia
priada de estrogênio e progesterona, o que acar- O SUD pode ser explicado por quatro mecanismos:
reta interferência na população de receptores
endometriais para esses esteroides, situação esta
€ SUD por ruptura estrogênica: queda dos níveis
que leva a uma produção inadequada de pros- estrogênicos irrita o endométrio que responde
taglandinas, com consequente vasoespasmo, is- com um pequeno sangramento. O maior exem-
quemia e necrose, culminando no sangramento plo desse tipo de SUD é o chamado spotting, no
por descamação endometrial. qual a queda fisiológica do nível de estradiol,
nas proximidades da ovulação, faz uma irrita-
Nos casos de SUD, o endométrio pode se ção com consequente sangramento endometrial,
apresentar de diversas maneiras, sendo o endo- classicamente a característica desse sangramen-
métrio proliferativo e hiperplásico o mais en- to é o seu discreto volume sem a necessidade de
contrado, devido principalmente, à ação estro- uso de adsorvente devido a ele. Conhecido como
gênica sem oposição de progesterona. Podemos sangramento do meio do ciclo ou sangramento
encontrar também o endométrio hipotrófico ou atró- da ovulação, sendo geralmente escasso e coin-
fico, por insuficiência estrogênica e finalmente, o tipo cidente com o período ovulatório, que pode ser
misto, por insuficiência parcial de progesterona. identificado pela secreção mucosa, clara, abun-

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50
Ginecologia

dante e filante que se apresenta rajada de sangue função da falência funcional dos ovários, quando ainda
e eventualmente associada à dor da ovulação produzem estrogênios sem mais ovularem e, consequen-
(Mittelschmerz). temente, não produzindo progesterona. Os ovários po-
€ SUD por supressão estrogênica: não ocor- derão, também, estar policísticos, desde que exista ainda
re produção de estrogênio. Fisiologicamen- uma população folicular suficiente, porém não é a regra.
te ocorre para todas as mulheres durante a O sangramento ocorre superficialmente, na camada
menopausa, uma vez que só há produção de compacta, e representa uma perda por deprivação estro-
óvulos até trinta semanas de idade gestacio- gênica (hemorragia de privação) ou por níveis estrogêni-
nal. Dessa forma, quando o ovário entrar em cos incapazes de manter um estímulo endometrial cons-
falência, não haverá mais produção estrogêni- tante e adequado (break through bleeding, ou hemorragia
ca. Sem estrogênio o endométrio se tornará de escape), portanto, diferente da descamação ordenada
atrófico, “careca”, sem células, provocando da camada funcional do endométrio que ocorre na mens-
um sangramento por exposição vascular. truação de ciclos ovulatórios. A estimulação contínua dos
Trata-se da principal causa de sangramento estrogênios induzirá uma progressão da resposta endo-
na pós-menopausa – o endométrio atrófico. metrial, podendo chegar eventualmente ao adenocarci-
€ SUD por ruptura progestacional: os níveis de noma. Na ausência das ações limitantes da progesterona
progesterona diminuem antes do esperado, e a sobre a proliferação induzida pelos estrogênios e da des-
queda da progesterona provoca vasoconstrição camação ordenada da camada funcional, o endométrio
endometrial seguida de isquemia, gerando des- continuará crescendo, sem o concomitante suporte es-
camação desta área que se exterioriza na forma trutural e, assim, gerando o sangramento.
do sangramento. O maior exemplo desse tipo
Outro exemplo de SUD seria a persistência
de sangramento é a insuficiência do corpo
do corpo lúteo (síndrome de Halban) que não
lúteo; o corpo lúteo é substituído por tecido
ocorre de maneira cíclica. É episódio esporádico e o
conjuntivo antes do esperado (antes dos 12 a 14
dias). Sem corpo lúteo, cai a progesterona. Se a diagnóstico geralmente não é feito, porque não se
progesterona cair antes do esperado, o endomé- pensa nessa possibilidade. É frequentemente con-
trio sofrerá vasoconstrição com consequente is- fundida com gravidez ectópica, pois ocorre um atra-
quemia também antes do esperado, antecipando so menstrual, seguido de perdas irregulares, dor no
o sangramento menstrual. Trata-se de um san- baixo ventre e presença de massa anexial represen-
gramento pré-menstrual. tada por um corpo lúteo hemorrágico. Com esses
achados, é natural pensar em ectópica. Se o diag-
€ SUD por supressão progestacional: não há
nóstico correto for confirmado por ultrassonografia
produção de progesterona. Sem progesterona
e β-hCG (afastando a gravidez), a evolução espontâ-
não ocorre vasoconstrição endomentrial e sem
essa vasoconstrição o endométrio não descama. nea seguirá sem maiores problemas.
Trata-se de uma irregularidade menstrual
para menos, ou seja, a mulher não sangra ou
o sangramento menstrual demora a aparecer.
O maior exemplo desse tipo de SUD é a ano- Diagnóstico
vulação, pois sem ovulação não há formação de
corpo lúteo e sem corpo lúteo não há produção O diagnóstico de SUD é feito após exclusão
de progesterona. de outras causas de sangramento uterino. A ava-
liação inicial da paciente, após história e exame físico,
deve incluir os exames descritos a seguir:
No sangramento disfuncional ovulatório são € Teste de gravidez: deve ser solicitado para toda
descritos os seguintes tipos: paciente na menacme que apresente sangramen-
Ciclos anovulatórios podem ocorrer em qual- to uterino anormal, mesmo que ela negue ter
quer época da menacme, mas é particularmente tido relações sexuais.
frequente nos extremos da vida reprodutiva, ou € Hemograma e coagulograma: avaliação de pos-
seja, logo após a menarca ou no período pré-me- sível anemia e coagulopatia. Em adolescentes, as
nopausal. Na puberdade, a anovulação é consequência alterações da coagulação podem estar relacio-
de uma imaturidade do eixo hipotálamo-hipófise-ovário nadas com sangramento aumentado e também
(H-H-O), ainda incapaz de levar um folículo ao estágio devem ser investigadas. A anemia de Fanconi, as
maduro e desencadear o pico ovulatório de LH. Nessa anormalidades plaquetárias, com ou sem trom-
época, é comum encontrarmos os ovários policísticos. bocitopenia, a moléstia de von Willebrand e a
Na menacme, a anovulação crônica é, geralmente, con- fibrinogenemia podem estar presentes.
sequência de um mecanismo de feedback inapropriado, € Testes de função tireoidiana: só devem ser rea
cujo resultado levará invariavelmente aos ovários poli- lizados se a história clínica da paciente for suges
císticos. No período climatérico a anovulação ocorre em tiva de tireoideopatias.

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51
4 Sangramento uterino disfuncional

€ Ultrassonografia (US): o estudo de imagem sendo o sulfato ferroso o preparado padrão. Uma dose
complementará o exame físico. A ultrassonogra- diária de 200 mg de ferro elementar (l.000 mg de sulfato
fia (US) permite a avaliação uterina, da cavidade ferroso) produz ótima resposta, normalizando os índices
endometrial e dos anexos; é um método não in- hematimétricos em dois meses. O tratamento deve ser
vasivo e de baixo custo. A via transvaginal per- mantido por três a seis meses, para a reposição das
mite obter imagens de melhor qualidade, já que a reservas corporais de ferro.
maior proximidade das estruturas com o transdu-
tor permite o uso de sondas de maior frequência. Tratamento com ferro-dextrano (Noripurum) na
Se a paciente ainda não tiver iniciado sua vida se- concentração de 50 mg/mL pode ser administrado por
xual, ou não tolerar o uso da sonda transvaginal, via intramuscular ou endovenosa na dose:
o US pélvico transabdominal deve ser solicitado.
€ Histeroscopia: permite avaliação da cavidade
Ferro a ser injetado (mg) =
uterina e biópsia dirigida de áreas específicas do
{(15-hemoglobina do paciente g/dL) ×
endométrio com maior probabilidade de diag-
peso corporal × 3}.
nosticar a lesão; no entanto, é método de alto
custo e invasivo e não pode ser realizado na vi-
gência do sangramento. Esse método também Esse tratamento está indicado para pacientes
permite o tratamento de lesões benignas. que não toleram ou não absorvem adequadamente o
ferro, quando administrado pela via oral, e portadoras
No estudo anatomopatológico, o endométrio de distúrbios como colite ulcerativa, cujos sintomas se
pode ser proliferativo, hiperplásico, misto e atrófico, agravam com a administração do ferro por via oral.
conforme o tipo de sangramento e a época em que o Em pacientes com distúrbio de coagulação,
material foi colhido. Quando o endométrio for se- principalmente na doença de von Willebrand e
cretor normal, deve-se pensar em causa orgânica em casos leves a moderados de Hemofilia A, po-
ou, o que é comum, emocional.
de-se administrar a desmopressina, que aumenta
€ Biópsia aspirativa endometrial ou dilatação a concentração do fator VIII e do fator de von Wille-
seguida de curetagem semiótica: já foi o méto- brand de duas a cinco vezes o valor basal através da
do de escolha para avaliação endometrial dessas
liberação de estoques endoteliais. A dose terapêutica é
pacientes, porém requer anestesia para a sua rea-
lização e a biópsia é feita às cegas. de 0,3 pg/kg de peso diluídos em 50 mL de soro fisio-
lógico, devendo ser administrada por via endovenosa
€ Biópsia com Pipelle®: é método simples, pode ser
no período de 15 a 30 minutos.
realizado ambulatorialmente e não requer dilatação
do colo uterino, o que diminui o desconforto para a Para o tratamento durante a fase aguda
paciente. A acurácia na detecção de câncer endome- nos sangramentos disfuncionais do tipo anovu-
trial por esse método é de 91% a 99% em pacientes latório, preconiza-se os estrogênios conjugados
pós e pré-menopáusicas, respectivamente. na dose de 1,25 a 2,5 mg a cada 4 ou 6 horas, por
A tomografia computadorizada e a ressonância via oral. Cessando a perda de sangue, diminui-se a
magnética não são úteis na avaliação inicial do SUD. dose de estrogênios conjugados até se obter a menor
Em pacientes na pós-menopausa o estu- dose livre de sangramento, o que se consegue, em
do do endométrio é imperativo, uma vez que a geral, com 2,5 a 5 mg ao dia até completar um ciclo
ação estrogênica sobre o endométrio, sem a an- de 21 dias. Nos últimos 10 dias, deve-se associar
tagonização progestacional, aumenta o risco de um progestagênio, de preferência um 19-nores-
hiperplasia e carcinoma endometriais. Cuidado teroide. Outra alternativa aos estrogênios conjuga-
em especial deve ser dada às mulheres que tem dos é administrar pílulas anticoncepcionais contendo
refratariedade e clínica ao tratamento princi- etinilestradiol, na dose de (50) 35 mcg, 3 a 4 compri-
palmente as que possuem 45 anos ou mais, nessa midos ao dia, e diminuir paulatinamente, mantendo-
população uma avaliação endometrial por bióp- -se a menor dose livre de sangramento (1 ou 2 com-
sia ambulatorial ou histeroscopia é obrigatória. primidos ao dia). Ainda não há estudos comprovando
que o emprego de estrogênios por via transdérmica
ou nasal seria eficiente no controle de sangramento
uterino anormal. Em 2012 o FDA aprovou o uso do
Tratamento valerato de estradiol com dienosgest como sendo a
única pílula contraceptiva com indicação de uso no
tratamento da hemorragia uterina disfuncional, sen-
Tratamento da anemia do que a prescrição da mesma seguiria o uso das pílu-
Na maioria dos casos, basta uma dieta rica em pro- las conforme a cartela, da mesma forma que ela é uti-
teínas e suplementação oral de ferro. Várias são as apre- lizada na contracepção. Esse contraceptivo com essa
sentações comerciais do ferro disponíveis no mercado, propriedade devido ao progestogênio dienogest que

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52
Ginecologia

possui um efeito anti-estrogênico muito importante


ao cursar com a atrofia endometrial e a consequente Tratamento cirúrgico
diminuição do sangramento.
A dilatação e a curetagem devem ser reser-
A “menstruação” que se segue à parada do anti- vadas aos casos em que o tratamento clínico não
concepcional é, em geral, de pequena intensidade e as- obteve sucesso. A ablação de endométrio, que con-
sociada à dismenorreia intensa, fato que deve ser avi- siste na destruição do endométrio em toda a sua ex-
sado e, se possível, prevenido com anti-inflamatórios tensão e espessura, pode ser realizada por laser, desse-
não-hormonais. Deve-se manter a pílula anticoncep- cação eletrocirúrgica sob visualização histeroscópica,
cional por mais dois ou três ciclos. micro-ondas ou por balão térmico. Recomenda-se a
Nos sangramentos do tipo ovulatório ou nas realização prévia de histeroscopia diagnóstica
menorragias não intensas, os anti-inflamatórios para avaliação da cavidade endometrial, assim
não-hormonais podem ser empregados, pois blo- como realização de biópsia dirigida. A presença de
queiam a ligação de PGE2 aos receptores e inibem lesões hiperplásicas ou neoplásicas é contraindicação
a ciclo-oxigenase. Assim, haverá aumento do ácido para a ablação endometrial. Após um ano, 40% das pa-
aracdônico e, por atividade da lipoxigenase, serão cientes estarão em amenorreia.
formados leucotrienos, que são potentes vasocons- A ablação por laser possui a mais alta
tritores. Geralmente, há redução de cerca de 50% taxa de amenorreia descrita na literatura,
do fluxo; além disso, o coágulo também fica mais chegando a 80%, mas possui custo bastante ele-
estável. Outra alternativa terapêutica é o emprego vado e técnica cirúrgica difícil, sendo pouco reali-
de ácido tranexâmico (1,5 a 6 g/dia, por 3 dias) ou zada na prática clínica.
de ácido épsilon aminocaproico (1 a 3 g, 3 vezes ao
dia, por 3 dias). Com esses fármacos, pode haver re- A ressecção eletrocirúrgica com alça do ressectos-
dução de até 80% do fluxo. Esses medicamentos são cópio é procedimento com grande risco de perfuração
muito úteis no sangramento anormal ovulatório. Se uterina e intoxicação hídrica, que acontece quando há
eventualmente o sangramento não parar após 24 excessiva absorção do meio usado para distensão ute-
horas de administração do hormônio, indica-se his- rina, composto de manitol, sorbitol ou glicina. Pode
teroscopia diagnóstica com biópsia uterina dirigida, ser realizada também a dessecação eletrocirúrgica do
ou curetagem uterina com dupla finalidade (coibir o endométrio com o roller hall, provocando necrose tér-
sangramento e confirmar o diagnóstico), pois a falha mica do tecido. São descritos também a ablação por
da medicação hormonal aponta a possibilidade de o crioterapia, com energia por radiofrequência e instru-
diagnóstico, ser outro, de causa orgânica. mentos com tecnologia bipolar e micro-ondas.

Na fase crônica, deve-se corrigir a causa do san- A ablação por balão térmico é uma técni-
gramento disfuncional do endométrio do tipo anovu- ca nova que tem apresentado bons resultados.
latório ou prescrever um progestagênio na segunda Consiste em posicionar um balão térmico com solu-
fase do ciclo por 10 a 14 dias. Dá-se preferência aos ção salina na cavidade uterina sob anestesia local. A
noresteroides, em vez dos derivados da pregnana, por solução atinge a temperatura de 85ºC. A técnica de
produzirem um endométrio dimórfico e, portanto, um micro-ondas implica colocação de sonda de 8 mm de
sangramento de menor intensidade. diâmetro dentro da cavidade uterina. Essa sonda é
conectada a equipamento que aquece a ponta da son-
Nas menorragias não intensas, pode-se optar da por micro-ondas. O endométrio é, assim, caute-
apenas pelo anti-inflamatório não-hormonal, espe- rizado por aplicações múltiplas da ponta aquecida
cialmente quando o sangramento for do tipo ovula- sobre a sua superfície.
tório. Estima-se que ocorra diminuição de 30 a 50%
na quantidade de sangue perdido. Um procedimento Essas técnicas estão indicadas para pacien-
terapêutico importante é o dispositivo intrauterino tes sem doença endometrial e com a cavidade
(DIU) medicado (levonorgestrel), que provoca ame- uterina de até 10 cm, e em útero de tamanho
norreia em 50% dos casos e oligomenorreia nos de- compatível com até dez semanas de gestação ao
mais. Deve ser testado antes de qualquer manobra toque bimanual. Ablação endometrial não deve ser
cirúrgica. proposta para mulheres sem prole definida devido ao
comprometimento da fertilidade.
Outra modalidade de tratamento após a fase
aguda é a indução da ovulação, nos casos de sangra- O DIU contendo levonorgestrel pode ser uma al-
mento anovulatório, com citrato de clomifeno ou com ternativa para essas pacientes.
gonadotrofinas. Indica-se a indução para pacientes A histerectomia reserva-se para os casos de
jovens e desejosas de engravidar, e por períodos não falha dos tratamentos clínicos e cirúrgicos acima
superiores a 6 meses. descritos.

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53
4 Sangramento uterino disfuncional

Medicamentos usados no tratamento da SUD

Medicamento Nome comercial Apresentação Administração


Estrogênios equinos conjugados Premarim® Drágeas (0,625 mg; 1,25 mg e 2,5 Via oral
Menoscdan® mg)
17 β-estradiol Primogyna® Comprimidos 2 mg Via oral
Estraderm®
Acetato de medroxiprogesterona Farlutal® Comprimidos 2,5 mg, 5 mg e 10 Via oral
(AMP) Cycrin® mg
Provera®
Acetato de medroxiprogesterona Depoprovera® Ampola 50 mg Via intramuscular
Ampola 150 mg
Etinilestradiol+norestisterona Primosiston® 0,01 mg EE+2 mgNET Via oral

Valerato estradiol+AMP Dilena® VE 2 mg+AMP 10 mg Via oral

Valerato estradiol+levonorgestrel Cicloprimogyna® VE 2 mg+LNG 0,25 mg Via oral


Postoval®
Ácido mefenâmico Ponstan® Comprimidos 500 mg Via oral

Valerato de estradiol+dienogest Qlaira® Pílula quadrifásica (2mg VE + 2mg Via oral


DNG\ 2mg VE + 3mg DNG\ 1mg
VE\ cps inativos)
Tabela 4.3 AMP: acetato de medroxiprogesterona; EE: etinilestradiol; LNG: levonorgestrel; NET: norestisterona;
VE: valerato estradiol; DNG: dienogest.

Sangramento uterino anormal

História clínica, ultrassonografia


e coagulograma

Orgânico Disfuncional

Sistêmico Local Anovulatório Ovulatório

Correção Anti-inflamatório
da discrasia Cirúrgico Avaliar
a causa não-hormonal e
sanguínea antifibrinolítico

Específico Hormonal
Figura 4.1 Algoritmo de acompanhamento da paciente com sangramento uterino anormal.

Caráter é a arquitetura do ser.


Louise Nevelson.

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CAPÍTULO

5
Amenorreia

De昀椀nição
Amenorreia significa ausência de menstruação tanto quando a mulher nunca menstruou (primária) quanto
na interrupção temporária dos ciclos menstruais. A amenorreia primária é definida pela ausência de mens-
truação em uma mulher de 14 anos sem caracteres sexuais secundários ou em uma mulher de 16 anos,
independentemente da presença de caracteres sexuais. Outra definição seria a da ACOG que define
a ausência de menstruação até 15 anos de idade independentemente dos caracteres sexuais . Já a
amenorreia secundária é a ausência de menstruação por seis meses, em mulheres com irregularidade
menstrual, ou 3 ciclos em mulheres regulares (ou o equivalente a três ciclos consecutivos em uma mulher
que já teve pelo menos um episódio espontâneo de menstruação).

Classi昀椀cação
Classificação
Primária: nunca houve menstruação.
Secundária: já houve um episódio espontâneo de menstruação.
Fisiológica: amenorreias esperadas no ciclo de vida da mulher, como na infância, gestação, pós-menopausa e lactação.
Criptomenorreia: falsa amenorreia (ausência de menstruação devido a obstruções). Divide-se em congênitas (hí-
men imperfurado, septo vaginal transversal, atresia e agenesia do colo uterino) e adquiridas (sinequias pós-cirúrgicas
de vagina e do colo).
Tabela 5.1

A amenorreia é um sintoma que pode ser proveniente de diversas causas no eixo hipotálamo-hipófise-ová-
rio-útero. Essas alterações podem ser supra-hipotalâmicas, hipotalâmicas, hipofisárias, ovarianas, útero canalicu-
lares e alterações da retroalimentação. Em aproximadamente 85% dos casos, uma boa anamnese, associa-
da a um exame clínico minucioso, pode ser capaz de revelar o diagnóstico etiológico. A propedêutica
complementar deverá ser selecionada de acordo com cada situação.
55
5 Amenorreia

Dados importantes da anamnese origina e exterioriza a menstruação. Na maioria das


para avaliação da amenorreia vezes, a origem dessa perturbação não está situada no
próprio sistema, mas no ambiente exterior ou interior
História menstrual: idade da menarca, data da última
menstruação
do organismo, alterando os delicados mecanismos de
feedback hormonal localizados no sistema nervoso
Padrão menstrual prévio
central e na hipófise.
Eventos ocorridos no início da amenorreia
Prática de esportes competitivos Com finalidade didática, as causas de ame-
Depressão, estresse, ganho ou perda de peso excessi- norreia são divididas em hipotalâmicas, hipofi-
vos sárias, ovarianas e canaliculares.
História reprodutiva: métodos contraceptivos, cirur-
gias ginecológicas e/ou obstétricas
Gestações: partos, complicações, evolução puerperal
História médica geral, distúrbios endócrinos ou meta- Causas neurais (hipotalâmicas)
bólicos As amenorreias de causa neural são frequentes
Galactorreia e polimorfas. Basicamente, resultam de altera-
Uso de medicamentos ções na liberação do GnRH, produzido princi-
Doença grave atual ou pregressa palmente por neurônios secretores localizados
Radioterapia e/ou quimioterapia prévias no hipotálamo médio-basal. Tanto pode haver
Perda ou ganho de peso recente diminuição como liberação excessiva e prolongada
História familiar: idade da menarca e menopausa da de GnRH. Também são conhecidas como ame-
mãe e irmã(s) norreias hipotalâmicas.
Doenças autoimunes
Anomalias congênitas O LH e o FSH tendem a ser normais ou bai-
Endocrinopatias, infertilidade, alterações menstruais xos, e sua secreção é do tipo tônico sem flutua-
Tuberculose ções cíclicas. O estradiol plasmático é normal ou
Tabela 5.2 baixo igualmente, sem flutuações cíclicas. Essas carac-
terísticas indicam alteração da retroação hormonal.
Quando o estradiol é normal, há menstruação
após a administração de progesterona; caso con-
Importância e incidência trário, quando o estradiol é baixo, não há mens-
truação. A prolactina pode estar normal ou elevada.
A importância da amenorreia pode ser avaliada As causas hipotalâmicas podem ser dividi-
pela multiplicidade dos fatores que se associam ao sin- das em constitucionais, orgânicas e funcionais.
toma: a carga de ansiedade que eventualmente acarre-
Na puberdade tardia constitucional, com frequ-
ta à paciente, como, por exemplo, o futuro reproduti-
ência, há história de casos familiares. As pacientes
vo, a gravidez indesejada ou possível doença grave; as
apresentam demora de todos os estádios de desenvol-
dificuldades encontradas na conduta diagnóstica, par-
vimento físico e podem ser consideradas fisiologica-
ticularmente na exclusão de doença orgânica associa-
mente imaturas sob o aspecto reprodutor. Como tal,
da, o frequente insucesso terapêutico a longo prazo;
apresentam deficiência funcional de GnRH para sua
e, também, a cura aparentemente espontânea ainda
idade cronológica, mas não para seu estádio de desen-
durante os exames complementares.
volvimento fisiológico.
A prevalência de amenorreia é de aproxima-
As lesões orgânicas do hipotálamo e de áreas
damente 5% dos novos casos atendidos em am-
supra-hipotalâmicas ligadas à reprodução, como, por
bulatórios da especialidade.
exemplo, tumores, processos inflamatórios e dege-
Embora a amenorreia seja um sintoma e não uma nerativos, são pouco comuns na menacme, mas fre-
doença, ela é considerada marcador biológico de alte- quentes antes dos dez anos de idade, com outro pico
rações existentes, como, por exemplo, osteoporose. de incidência entre quarenta e sessenta anos de idade.
Essas lesões, como as demais de natureza orgânica, ge-
ralmente determinam amenorreia primária associada a
manifestações de comprometimento do sistema nervo-
Etiologia e 昀椀siopatologia so central. Em aproximadamente um terço dos casos,
a primeira manifestação está relacionada ao sistema
Basicamente, a amenorreia resulta da perturba- reprodutor, e no decorrer da doença outro um terço
ção do mecanismo neuroendócrino do ciclo menstrual apresenta evidentes sinais de disfunção reproduto-
ou de alteração anatômica do sistema canalicular que ra. Quando as lesões estão localizadas na porção

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56
Ginecologia

anterior do hipotálamo, há hipogonadismo hipo- nismos de controle neuroendócrino parecem indicar


gonadotrófico com puberdade tardia ou amenor- que a estrição psíquica, em geral, determina um efeito
reia, e na porção posterior, puberdade precoce. dopaminérgico crônico com predominância da dopa-
Entre as lesões congênitas de origem genética, mina sobre a noradrenalina. As perturbações conjun-
embora excepcionais, encontram-se as síndromes tas de todos esses sistemas, por razões anatomofun-
de Laurence-Moon-Biedl e de Kallmann ou dis- cionais, expressam-se através do hipotálamo, a via
plasia olfatogenital. A primeira, de herança autos- final comum da atividade neuroendócrina do sistema
sômica recessiva, caracteriza-se por retardo mental, nervoso central.
retinite pigmentosa, hipogonadismo hipogonadotró- Uma das amenorreias psicogênicas crônicas
fico, obesidade e polidactilia. A segunda é marcada mais estudadas é a anorexia nervosa, em que a
por uma incapacidade congênita de captar odores perda de peso pode ocorrer antes, concomitante-
(anosmia) e hipogonadismo hipogonadotrófico, ha- mente, ou após a amenorreia. A entidade diferen-
vendo dois modos possíveis de transmissão: domi- cia-se da simples perda de peso por regime alimen-
nante ligada ao cromossomo X e dominante autossô- tar por apresentar algumas características: idade
mico. Em ambos, o defeito parece estar na produção inferior a 25 anos; obsessão pela magreza que, por
deficiente do GnRH. sua vez, leva à restrição alimentar rigorosa, a qual,
Essas síndromes devem ser diferenciadas da nos casos mais graves, pode determinar a morte;
síndrome de Prader-Labhart-Willis, que também aparentemente, a magreza simula o hábito corpó-
determina hipogonadismo hipogonadotrófico, porém reo pré-puberal e disfarça a feminilidade; persona-
associada ao retardo do desenvolvimento psicomotor, lidade compulsiva e introvertida; ambiente fami-
obesidade, hipotonia, e certas anomalias somáticas, liar da classe média, com pai ou mãe dominante e
tais como micrognatia, ausência de cartilagem auri- desamoroso(a); conflito psicossexual. A principal
cular e clinodactilia. O conhecimento da síndrome teoria (vigente sobre a anorexia nervosa é que
ainda é rudimentar, não havendo certeza se a lesão é ela resulta de tônus dopaminérgico cronica-
primariamente hipotalâmica ou hipofisária. Embora a mente elevado) é relacionada à diminuição da
maioria das pacientes tenha a hipófise normal, algu- gordura corpórea com consciente diminuição
mas apresentam dificuldades na síntese de FSH ou de da produção de leptina o que levaria ao aumen-
FSH e LH, indicando que talvez o defeito seja prima- to da secreção do neuropeptídeo Y em nível hi-
riamente hipofisário. potalâmico que em conjunto com o aumento do
cortisol levariam a inibição da pulsatilidade do
A maioria das lesões funcionais encontra-se li- GnRH, o qual explicaria todas as característi-
gada às emoções, constituindo as amenorreias psico- cas da doença. Nessas pacientes as gonadotro-
gênicas, que podem ser classificadas de duas formas: finas e os estrogênios são baixos.
aguda e crônica.
Outra amenorreia psicogênica crônica é a pseu-
Na forma aguda, a causa aparente é reconhecida dociese ou gravidez psicológica, que se caracteriza pela
com relativa facilidade; a amenorreia seguindo-se à crença das pacientes na suposta gravidez. A base neu-
uma agressão emocional bem definida. roendócrina seria a diminuição do tônus cateco-
Na forma crônica, o início do distúrbio frequen- laminérgico cerebral. Todos os sintomas de gravidez
temente data da adolescência, não há antecedente de podem estar presentes. Há grande variabilidade nos re-
agressão emocional bem definido e nem doença orgâ- sultados das dosagens hormonais, mas o padrão endó-
nica que possa ser atribuída à amenorreia. Muitas ve- crino poderia ser caracterizado pelo aumento da secre-
zes, as pacientes apresentam magreza ou obesidade e, ção de prolactina e LH. O FSH encontra-se normal.
não raro, fazem uso de psicotrópicos; frequentemente Por motivos não conhecidos, a pseudociese atualmente
são solteiras e do tipo intelectual. é bem rara, tendo sido substituída pela amenorreia hi-
Estudos endócrinos revelam que a secreção de pogonadotrófica hiperprolactinêmica, com ou sem ga-
gonadotrofinas é variável e às vezes pode haver hiper- lactorreia. Nessa síndrome, as pacientes não associam o
prolactinemia associada. quadro à gravidez, pelo menos conscientemente.

Deve ser lembrado que o sistema nervoso cen- Disfunções neurais podem determinar hiperpro-
tral, cujos neurônios comunicam-se entre si através lactinemia, que pode, por si só, causar amenorreia,
de neurotransmissores, apresenta outras áreas liga- desvios menstruais, anovulação e fase lútea inade-
das à reprodução, além do hipotálamo. Essas áreas, quada. Há galactorreia em aproximadamente 33% dos
genericamente denominadas supra-hipotalâmicas, casos, e 20% de todas as mulheres com amenorreia se-
estão situadas principalmente no sistema límbico. O cundária funcional têm hiperprolactinemia.
conhecimento dos neurotransmissores envolvidos em Em geral, níveis elevados de prolactina associam-
alterações psicológicas e gonadotróficas ainda é par- -se à amenorreia, níveis baixos de gonadotrofinas e de
cial; no entanto, os estudos realizados sobre os meca- estradiol; não há menstruação de privação com pro-

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57
5 Amenorreia

gesterona. No entanto, apesar da hiperprolactinemia,


algumas mulheres apresentam suficiente produção es-
Causas hipo昀椀sárias
trogênica para responder à progesterona. Os tumores hipofisários, a doença de She-
ehan e as lesões iatrogênicas são as amenorreias
Amenorreia iatrogênica de causa neural
hipofisárias mais comuns.
pode ser induzida por medicamentos. Vários me-
dicamentos podem atuar, quer na hipófise, quer Os tumores hipofisários compreendem cerca
no sistema nervoso central, influenciando os de 10% de todos os tumores intracranianos. Podem
mecanismos de retroação hormonal ou a produ- determinar sintomas devido à secreção de hormô-
ção de prolactina. Sulpiride e metoclopramida, nios pelo próprio tumor e/ou compressão e com-
dois derivados da procainamida, são potentes prometimento dos tecidos hipofisários e nervosos
liberadores de prolactina que atuam na hipófi- adjacentes. Podem ser intrasselares e suprasselares.
se bloqueando receptores à dopamina, elevando Os primeiros constituem os adenomas e alguns cra-
os níveis de prolactina. Amenorreia pós-pílula é niofaringiomas; os suprasselares compreendem a
bastante incomum, considerando-se o número maioria dos craniofaringiomas e outros tumores,
de usuárias. incluindo os metastáticos. Os craniofaringiomas
são inativos sob o aspecto hormonal, determinando
sintomas por compressão. Os adenomas podem
Drogas associadas com amenorreia determinar sintomas por compressão e/ou se-
creção excessiva de hormônios. Entre as manifes-
Drogas que aumentam a produção de prolactina:
tações neurológicas encontram-se a perda de visão
antipsicóticos (fenotiazinas, haloperidol, pimozide,
clozapine); antidepressivos (tricíclicos, inibidores da periférica e cefaleia. Quanto às manifestações en-
MAO); anti-hipertensivos (bloqueadores do canal de dócrinas, além da amenorreia, também podem
cálcio, metildopa, reserpina) ocorrer galactorreia, hipotireoidismo, acrome-
Drogas com atividade estrogênica: digitálicos, ma- galia e síndrome de Cushing.
conha, flavonoides, contraceptivos hormonais A doença de Sheehan incide proporcional-
Drogas com toxicidade ovariana: busulfan, cloram- mente à assistência obstétrica, mas existem
bucil, cisplatina, ciclofosfamida, fluorouracil causas extrapuerperais de hipopituitarismo.
Tabela 5.3 Assim, além da necrose pós-parto, ainda há o dia-
betes melito (degeneração vascular), choque de
origem não obstétrica, infecção, anemia falcifor-
As doenças sistêmicas podem afetar a fun-
me e iatrogenia (cirurgia e irradiação hipofisária).
ção da unidade hipotálamo-hipofisária de dife-
Apesar de as alterações da neuro-hipófise serem
rentes formas:
comuns, o diabetes insipidus é raro. Para ocorrer a
1. Aumentando a conversão periférica de an- hipofunção acentuada é preciso que 98% da glân-
drogênios em estrogênios e alterando a composição dula seja destruída. O quadro clássico é agalac-
do ambiente endócrino, como é o caso da obesidade. tia, amenorreia, atrofia das mamas e genitais,
2. Aumentando as concentrações circulantes perda da libido, perda de peso, queda dos pelos
de androgênios e consequentemente elevando o teor sexuais, fraqueza, hipotensão, intolerância ao
estrogênico pelo incremento da conversão periférica, frio, pele seca, mixedema e palidez. A doença
como acontece nas síndromes de Cushing e adrenoge- de Sheehan tem sido atribuída ao espasmo se-
nital, e também no hipertireoidismo. letivo das arteríolas hipofisárias, resultante
do choque circulatório, ou à isquemia conse-
3. Alterando o metabolismo estrogênico; ao in- quente da coagulação vascular disseminada.
vés de seguir a via preferencial pela 2-hidroxilação, o Algumas pacientes com doença de Sheehan limí-
metabolismo é desviado para a 16-hidroxilação. As- trofe podem apresentar retorno gradual da função
sim, ao invés de catecolestrogênicos que apresentam hipofisária, inclusive concepções.
importante papel no feedback positivo, é formado o
A aracnoidocele ou síndrome da sela vazia
estriol, que é estrogênio fraco, incapaz de realizar
apresenta-se, geralmente, em mulheres obesas
esse feedback. Esse desvio pode ocorrer também no
com mais de quarenta anos de idade. Ocorre
hipotireoidismo.
herniação do espaço subaracnoide para o in-
4. Alterando a função hipotálamo-hipofisária terior da sela túrcica. Quando a compressão do
através de mecanismo ainda não esclarecido, que tecido hipofisário é significativa, pode aparecer hi-
envolveria perturbações do ciclo dos receptores. É o popituitarismo. No entanto, se houver amenorreia-
caso do diabetes melito descompensado, da doença de -galactorreia, e eventualmente secreção excessiva de
Addison, da insuficiência renal crônica, da insuficiên- hormônio de crescimento, deve-se suspeitar de mi-
cia hepática crônica e da desnutrição. croadenoma associado.

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58
Ginecologia

A síndrome dos ovários resistentes às go-


Causas ovarianas nadotrofinas ou síndrome de Savage caracteriza-
A amenorreia provocada pelo esgotamento -se pelo quadro bioquímico de insuficiência folicular
folicular é basicamente um diagnóstico funcional menopausal, mas ovários aparentemente normais sob
ou bioquímico. A ausência de função estrogênica aspecto morfológico. Tem sido explicada como doença
significativa determina a elevação dos níveis de dos receptores às gonadotrofinas, eventualmente de
gonadotrofinas, tanto FSH como LH, desde que natureza autoimune. A síndrome pode ser primária ou
não haja anormalidade na unidade hipotálamo- adquirida. A amenorreia na variedade adquirida pode
-hipofisária. Nem sempre a dosagem dos estrogê- instalar-se subitamente ou ser precedida de gradual
nios está baixa; frequentemente encontra-se normal. diminuição das menstruações.
Esta normalidade é aparente, pois o estrogênio não é
secretado pelo ovário, mas oriundo da conversão peri- Os tumores funcionantes do ovário, feminilizan-
férica da androstenediona. Além disso, o estrogênio tes ou masculinizantes, podem ser responsáveis por
predominante nesses casos não é o estradiol, que diferentes formas de perturbações menstruais, inclusi-
se encontra em níveis sanguíneos inferiores a 30 ve amenorreia. A unilateralidade é habitual. Frequen-
pg/mL, mas a estrona, cuja atividade biológica é temente, o quadro anatomopatológico do tumor não
inferior ao estradiol. Assim, classicamente, as pa- corresponde aos clássicos tumores funcionantes; nesse
cientes não menstruam no teste da progesterona. caso, fala-se de tumores com estroma funcionante. En-
Dependendo da época em que se instala a ame- tre esses tumores, todos raros, encontram-se o tumor
norreia, o esgotamento folicular pode levar à amenor- de células tecagranulosas e os tumores masculinizan-
reia ou à menopausa precoce; esta última é o contin- tes. A razão principal é a produção de esteroides sexuais
gente mais numeroso, constituindo aproximadamente que interferem na retroação hormonal.
um terço dos casos de amenorreia secundária. A amenorreia ovariana de causa iatrogênica
Em parte, a insuficiência folicular é determinada pode ser determinada pela ablação (ooforecto-
por incompetência cromossômica. Nesse grupo, entre mia bilateral) ou lesão ovariana (irradiação ou
outros, enquadram-se pacientes com disgenesia gona-
quimioterapia). A ressecção bilateral em cunha dos
dal e os pseudo-hermafroditas masculinos. Cerca de
8% das pacientes com cariótipo 45,X e 20% com ca- ovários é causa infrequente de amenorreia. A irradia-
riótipo 45,X/46,XX podem apresentar menstruações ção e a quimioterapia dependem da dose e suscetibili-
espontâneas irregulares. Além de ovulações normais, dade individual para determinar lesões permanentes.
foram relatadas concepções.
Por outro lado, existem pacientes que apresentam
competência cromossômica, pelo menos aparente. Aqui
incluem-se pacientes com disgenesia gonadal de forma Causas canaliculares
pura e uma série de condições, dentre as quais se des- Determinam quadro de amenorreia primária ou
tacam a doença autoimune, a síndrome de Savage e
secundária (amenorreia de recepção) com gonadotro-
fatores físicos, tais como parotidite epidêmica e outras
viroses, infecções bacterianas, exposição à irradiação e finas e estrogênios normais, em indivíduos com presu-
quimioterápicos, como a ciclofosfamida. mível competência cromossômica 46,XX.
A doença autoimune dos ovários frequente- Cerca de 20% desses indivíduos apresentam
mente está associada com doença autoimune de anomalia canalicular. Classicamente, as pacien-
outras glândulas endócrinas, principalmente do tes não menstruam no teste da progesterona
córtex suprarrenal. Chega a constituir cerca de nem com prévia estimulação estrogênica.
60% dos casos de amenorreia hipergonadotrófi-
Nos casos de lesões uterinas, pode ou não haver
ca de mulheres jovens.
atresia uterina. Naquelas que não apresentam atresia, o
útero pode ser funcionante ou não funcionante, com ou
Investigação de insuficiência ovariana prematu- sem defeito de fusão. Quando há útero funcionante, o
ra supostamente causada por doença autoimune
resultado é hematometra; o quadro, apesar de amenor-
T4 livre, TSH Tireoide reia primária, é rotulado de criptomenorreia.
Cálcio, fósforo, albu- Paratireoide
mina Quando há defeito de fusão, pode acontecer de
ACTH Suprarrenal
o útero ser funcionante ou não funcionante. No pri-
meiro caso, o hemiútero funcionante apresenta hema-
Glicemia em jejum, Células das ilhotas pancre-
HbA1c áticas tometria, caso não haja comunicação com o exterior.
Hemograma Série vermelha (anemias A síndrome de Asherman, ou aderências in-
hemolítica ou perniciosa) trauterinas, surge na maioria das vezes após cure-
Plaquetas Trombocitopenia idiopática tagem pós-aborto e pós-parto, embora a síndrome
Tabela 5.4 ACTH: hormônio adrenocorticotrófico; também tenha sido descrita após cesárea, extração
HbA1c: hemoglobina A1c; TSH: hormônio estimulante manual da placenta e até mesmo parto normal. Infec-
da tireoide; T4: tiroxina. ção associada parece ser comum.

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59
5 Amenorreia

Uma classificação histeroscópica muito rona, indicando função ovariana normal, ovulatória,
utilizada divide as aderências intrauterinas em aparentemente responsabilizando o endométrio e/ou
três graus: útero como um todo pela amenorreia.
1. acentuado; A tuberculose genital determina perturba-
2. moderado; ções menstruais em aproximadamente 20% das
pacientes. Com a tuberculose pulmonar ativa, não
3. mínimo.
se pode invocar causa central para a amenorreia. A
A graduação depende da aglutinação das pare- destruição completa dos ovários é excepcional, o
des, da espessura das aderências e do comprometi- que afasta causa ovariana. A explicação mais aceita
mento dos óstios tubários. é de lesão endometrial importante com formação
As aderências são constituídas de tecido fibromus- de aderências intrauterinas.
cular, às vezes recobertas de endométrio, ligando suas A estenose cervical como causa de amenorreia
paredes. Retraem ou dividem a cavidade em espaços pode seguir-se à infecção crônica, diatermo ou crio-
menores, diminuindo a área de endométrio funcional. coagulação do colo uterino, ou ainda ser de natureza
As pacientes podem ser inteiramente assintomáticas, congênita. Nesse último caso, confunde-se com atre-
mas frequentemente têm desvio menstrual, amenor- sia do colo uterino. Todas essas condições podem de-
reia, dismenorreia, esterilidade, partos prematuros e
terminar hematometra e têm sido consideradas de
outras intercorrências, tais como placenta prévia.
alto risco para endometriose.
Na chamada ovulação silenciosa, responsável
Tanto na síndrome de Asherman como na
por amenorreia primária, todos os parâmetros do ci-
estenose cervical, as pacientes podem queixar-
clo menstrual são normais, exceto a descamação he-
-se de uma secreção menstrual. A histerometria
morrágica, que está ausente. Duas alternativas têm
pode ultrapassar a obstrução e, caracteristica-
sido aventadas para explicar a ocorrência de fluxos
menstruais mínimos, que passaram despercebidos, mente, dar vazão ao sangue escuro acumulado
ou ausência congênita dos mecanismos responsáveis na cavidade uterina. A amenorreia somente ocorre
pela descamação endometrial. A ovulação silenciosa quando o estreitamento é acentuado; essa amenorreia
pode ocorrer nos casos de atrofia endometrial após pode ser do tipo criptomenorreia ou não, dependendo
o emprego de anticoncepcionais hormonais em que da lesão uterina associada.
haveria bloqueio dos receptores estrogênicos endome- A síndrome de Rokitansky-Küster-Hauser
triais. São quadros mal definidos e muito polêmicos. designa ausência ou atresia de vagina com útero
A paciente tem cavidade uterina e canal cervical nor- rudimentar sólido, geralmente bipartido e ovários
mais, e também, função ovariana normal. Estrogênios normais (agenesia mülleriana). Esses casos devem
e progestogênios administrados em altas doses para ser diferenciados da síndrome de Morris, forma
induzir a menstruação são impotentes. O exame his- completa. Há duas grandes diferenças: presença de
tológico endometrial revela endométrio atrófico pelos axilares e pudendos, e ovários na primeira; ao
ou em repouso. passo que, na condição intersexual os pelos estão
ausentes e as gônadas são testículos. Na agenesia
vaginal ocorrem malformações urológicas em apro-
Fatores etiológicos aventados ximadamente 60% dos casos; às vezes há associação
com anormalidades esqueléticas, como, por exem-
para explicar refratariedade plo, escoliose.
endometrial O septo vaginal transverso é caracterizado pela
1. Lesão bacteriana, inclusive tuberculose da ca- presença de vagina em fundo cego, útero normal e
mada funcional do endométrio acompanhada de fibrose. septo nas proximidades da junção do terço superior
2. Choque emocional. Em relação ao evento com os dois terços inferiores do órgão e hematocol-
emocional, foram correlacionados episódios repetidos pos. Da mesma forma que, no hímen imperfurado, as
de amenorreia com situações emocionais adversas, pacientes vêm com queixa de amenorreia primária e
sendo que a normalização menstrual foi precedida da dor pélvica periódica, resultante da formação de he-
estabilização emocional. matometra.
Condições semelhantes parecem existir no caso É preciso lembrar ainda de amenorreias iatrogê-
de fístulas vesicovaginais, resultados de lesão obsté- nicas que seguem a histerectomia, miometrectomia,
trica associada com amenorreia. Biópsias endome- irradiação e conização ou amputação do colo uterino,
triais demonstram endométrio não funcionante ou como a síndrome de Youssef-Machado caracteri-
atrófico. No entanto, muitos casos mostram conco- zada por amenorreia e hematúria cíclica. A base
mitantemente níveis normais de estradiol e progeste- anatomopatológica é uma fístula vesicouterina.

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60
Ginecologia

de acetato de medroxiprogesterona nos últimos sete


Diagnóstico dias. Assim, de acordo com a resposta obtida, as pa-
cientes são subdivididas em:
Frente ao quadro de amenorreia, a primeira
conduta é afastar gravidez. Afastada a hipótese € IIIa: sem sangramento, indicando anomalia
de gestação, uma causa frequente de amenorreia é do órgão efetor, como: sinéquia uterina ad-
a falha da ovulação (carência na produção de pro- quirida após curetagens uterinas (síndrome
gesterona) e, para ser avaliado, o próximo passo de Asherman), sinéquia congênita, ginatre-
é a realização do teste de progestogênio (em sias (malformações do trato mülleriano, como
que se administra 10 mg de acetato de medroxi- hímen imperfurado e septo vaginal transver-
progesterona por dez dias, sendo considerado o so imperfurado), agenesias de útero e vagina
teste positivo na vigência de sangramento de qual- (síndrome de Rokitansky – defeito no fecha-
quer volume). Como causa comum de anovulação mento dos ductos de Müller, com vagina cur-
crônica temos a hiperprolactinemia, e a dosagem ta ou ausente, útero sólido ou hipoplásico) e
de prolactina faz o diagnóstico. síndrome dos testículos feminilizantes ou sín-
drome de Morris (genótipo XY com insensi-
Desse modo, fazemos o teste do progestogê-
bilidade periférica ao hormônio masculino –
nio e a dosagem da prolactina sérica, o que nos
testosterona sérica normal, ausência de pelos
permite dividir as pacientes com amenorreia em
pubianos, com vagina que termina em fundo
três grupos:
cego, vulva e mamas normais).
€ Grupo I: teste do progestogênio positivo e pro-
€ IIIb: ocorre sangramento. Nesses casos, a mu-
lactina normal.
lher não menstrua por falta do estímulo hor-
€ Grupo II: teste do progestogênio positivo ou ne- monal, então deve-se dosar os níveis de FSH e
gativo com prolactina aumentada. LH (com o intuito de diferenciar se os ovários
€ Grupo III: teste do progestogênio negativo e falham porque são não funcionantes ou porque
prolactina normal. não há estímulo). Quando os níveis de FSH e
LH estão baixos, devemos pensar que a produ-
ção está deficiente e o defeito está na hipófise ou
Nas pacientes do grupo I, o endométrio é acima dela.
responsivo ao estrogênio endógeno, que deve estar
Há indicação de que os ovários recebem o estí-
em níveis normais. A via canalicular (útero e va-
mulo da hipófise nas pacientes com níveis altos de
gina) é pérvia, pois houve sangramento, podendo
FSH e LH, no entanto não produzem hormônios su-
inferir que não há obstrução. A cavidade uterina é
ficientes e, assim, não há o feedback negativo no FSH
normal, o endométrio responde à ação da progeste-
rona, existe estrogênio circulante e provavelmente e LH. O diagnóstico recai nos casos de falência ova-
não há corpo lúteo. As causas mais frequentes riana prematura, disgenesias gonadais (síndrome de
são ciclos anovulatórios e hiperestrogenismo. Turner, caracterizada pela baixa estatura, pobreza de
O principal exemplo deste grupo é a síndrome caracteres sexuais secundários, com gônadas em fita),
dos ovários policísticos. síndrome de Savage ou dos ovários resistentes (in-
sensibilidade dos ovários ao estímulo de FSH e LH) e
As pacientes do grupo II apresentam níveis agenesia gonadal.
elevados de prolactina, que ocupa os receptores de
estrogênio e, por feedback hipotalâmico, estimula
a produção acentuada de estrogênio. As principais Categorias de amenorreia com base nos níveis
causas de hiperprolactinemia são prolactinoma, hi- de gonadotrofinas e estrogênio
potireoidismo, uso de drogas como neurolépticos
Tipo de LH/ Defeito
(fenotiazidas; tioxantinas; butirofenonas), imipra- Estrogênio
hipogonadismo FSH primário
mina, sulperide, metoclopramida, domperidona
(opiáceos), inibidor da monoaminoxidase, reserpi- Hipergonadotrófico Alto Baixo Ovário
na (cimetidina), alfametildopa, verapamil, TH, es- Hipergonadotrófico Baixo Baixo Hipotálamo/
trogênios e testosterona. hipófise
Nas pacientes do grupo III, a falta de resposta Eugonadotrófico Normala Normala Vários
ao teste do progestogênio nos faz avaliar a via cana-
licular, através do teste estroprogestatínico, no qual Tabela 5.5 aGeralmente na faixa normal, mas sem
deve ser oferecido à paciente 2,5 a 5 mg de estrogênio ciclicidade. FSH: hormônio folículo-estimulante; LH:
por dia, por 21 dias, em associação a 10 mg por dia hormônio luteinizante.

SJT Residência Médica – 2016


61
5 Amenorreia

Comparação entre agenesia mülleriana e Quando houver hiperprolactinemia fun-


síndrome da insensibilidade aos androgênios cional, o tratamento de escolha é a bromo-
Insensibi-
ergocriptina ou cabergolina, iniciando-se com
Agenesia meio comprimido à noite e ajustando-se a dosa-
Apresentação lidade aos an-
mülleriana gem ao nível de prolactina, que deve ser contro-
drogênios
Padrão de he- Esporádica Recessiva ligada lada a cada 15 dias até normalizar. A duração do
rança ao X tratamento é de três a seis meses. O caso deverá
Cariótipo 46,XX 46,XY ser reavaliado se, após a suspensão do tratamento,
Desenvolvimento Sim Sim a amenorreia retornar.
dos seios
Os tumores hipofisários não produtores de
Pelos axilares Sim Não
prolactina deverão ser encaminhados ao neuro-
e pubianos
cirurgião e os prolactinomas podem ser tratados
Útero Não Não
com inibidores da prolactina.
Gônadas Ovários Testículos
Testosterona Níveis femininos Níveis mascu- Os casos de amenorreia ovariana deverão ser
linos submetidos à terapêutica de reposição com estrogê-
Anomalias Sim Não nios e progestogênios.
associadas
Os progestogênios devem ser administrados nos
Tabela 5.6
últimos 13 dias, como, por exemplo, Provera 5 mg dia-
riamente, para prevenir o câncer endometrial.
Alguns casos da amenorreia hipogonadotrófica
Tratamento de pacientes jovens, eventualmente, poderão respon-
der a doses elevadas de gonadotrofinas, tendo sido
Primeiramente, devemos nos lembrar de que
também aventada a possibilidade da terapêutica com
a amenorreia não é uma doença e sim um sintoma,
imunossupressores.
portanto requer um diagnóstico específico para seu
tratamento. Os casos de aderências intrauterinas são
A grande maioria dos casos de amenorreia neu- tratados histeroscopicamente, com secção das
ral está relacionada ao estresse, embora possam haver traves fibrosas, e, depois, inserção do dispositi-
bloqueios ocasionados por medicamentos, principal- vo intrauterino. O dispositivo permanecerá três me-
mente esteroides sexuais e tranquilizantes. O retorno ses na cavidade uterina. Após a desinserção, repetir a
da função menstrual poderá ocorrer espontaneamen- histeroscopia e histerossalpingografia. Caso haja reci-
te na vigência dos exames desde que sejam suspensos, diva, o processo deverá ser repetido.
por exemplo, os tranquilizantes. Nas criptomenorreias, o obstáculo deverá
Na anorexia nervosa, além dessas medidas, insti- ser removido cirurgicamente.
tuir alimentação adequada. É necessário acompanha- A conduta terapêutica dos estados intersexuais
mento multidisciplinar que inclua psiquiatra.
deverá ser adequada a cada caso.
Na síndrome de Kallmann, o tratamento é re-
Na síndrome dos ovários policísticos a condu-
alizado através de ciclos de estrogênios e proges-
ta varia conforme o quadro clinicolaboratorial das
togênios. O emprego de gonadotrofinas ou de GnRH
deverá ser reservado para a indução de ovulações. pacientes. Diagnosticadas e tratadas as causas
extrínsecas ao sistema reprodutor, como, por
Na amenorreia pós-pílula, excluídas outras cau- exemplo, hipotireoidismo e hiperprolactinemia,
sas, tem sido sugerido o uso de dispositivo intrauteri-
há duas condutas genéricas:
no ou do citrato de clomifeno.
a) se não houver infertilidade, deve-se prescre-
Os casos de puberdade retardada fisiológica
ver progestogênio durante cinco dias por mês, a partir
poderão ser tratados com baixas doses de estro-
gênios, como, por exemplo, estrogênios conju- do 24º dia do ciclo (Provera 5 a 10 mg) ou anticoncep-
gados 0,625 mg diariamente, durante 6 a 12 meses, cional oral;
a menos que ocorra a hemorragia intermédia antes b) se houver infertilidade, deve-se induzir a
desse período de tempo. Após o sangramento, de- ovulação.
verá ser instituída terapêutica cíclica com estro-
gênios e progestogênios até completar o período
de tratamento. Pode-se, também, tentar associar o As alterações tireoidianas e a doença de Sheehan
citrato de clomifeno, na dose de 50 a 100 mg diários, devem ser avaliados e tratados por um endocrinolo-
por via oral, durante cinco dias por mês. gista, com as terapêuticas hormonais necessárias.

SJT Residência Médica – 2016


62
Ginecologia

Amenorreia

Exame pélvico

Normal Útero ausente Pelos pubianos

Negativo β-hCG Positivo Tratamento Sim Não


obstétrico
Prolactina TSH Agenesia mülleriana SITA

Aumentada Aumentada

RM Reposição do hormônio FSH


da tireoide
Agonista da
dopamina
vs. cirurgia
Diminuído Aumentado Normal

Transtornos Insuficiência gonadal Testosterona SDHEA 17-OH-P


alimentares, exercícios,
estresse
Cariótipo Normal ou
normal elevado
Não Sim
IOP vs.
disgenesia Aumentado Aumentado Aumentado
RM Tratamento gonadal
conforme SOP
indicação
Ultrassonografia Rumo suprarrenal HSRC
Anormal Normal ovariana para para verificar a
verificar a presença presença de tumor
de tumor
Tumor, HHI,
processos síndrome
destrutivos de Kallmann

Figura 20.1 Algoritmo diagnóstico para investigação de amenorreia. SITA: síndrome da insensibilidade total aos
angrogênios; HSRC: hiperplasia suprarrenal congênita; SDHEA: sulfato de desidroepiandrosterona; FSH: hormônio
folículo-estimulante; hCG: gonadotrofina coriônica humana; HHI: hipogonadismo hipogonadotrófico idiopático;
RM: ressonância magnética; 17-OH-P: 17-hidroxiprogesterona; SOP: síndrome do ovário policístico; IOP: insuficiên-
cia ovariana prematura; TSH: hormônio estimulante da tireoide.

A felicidade pode ser definida, pelo menos em parte, como o fruto do desejo e da capacidade
de sacrificar o que queremos agora pelo que queremos no futuro.
Stephen R. Covey

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CAPÍTULO

6
Síndrome dos ovários policísticos

Introdução Etiopatogenia
Conhecida desde o final do século passado, pas- Ainda é pouco conhecida. De acordo com Berger,
sou a ser considerada entidade clínica definida após poderiam ocorrer dois eventos:
publicação de Stein e Michael Leventhal, em 1935. 1. Alterações primárias do sistema hipotálamo-
A anovulação hiperandrogênica ou Síndro- -hipofisário, com ovários aumentados de volume e ní-
me dos Ovários Policísticos (SOP) é a causa mais veis plasmáticos elevados de LH (Tipo 1).
comum de infertilidade de causa endócrina e ca- 2. Alterações não centrais, com ovários de tama-
racteriza-se pela perda da ciclicidade ovulatória nho normal e valores normais ou baixos de LH (Tipo 2).
por alteração nos mecanismos de retrocontrole
hipotalâmico-hipofisário-ovariano, resultando Segundo Yen, trata-se de uma disfunção hipo-
em ciclos anovulatórios e irregulares, com graus talâmica devido à secreção anômala de opioides e do-
variados de hiperandrogenismo manifestado clí- pamina com produção atípica de GnRH. A queda dos
nica ou laboratorialmente. Ovários aumentados, opioides hipotalâmicos, associada a um tônus dopa-
com múltiplos cistos ovarianos bilaterais, além de minérgico diminuído, leva ao aumento da secreção
obesidade central, podem ser encontrados em grande pulsátil de GnRH pelo hipotálamo, alterando a secre-
número de pacientes. Nos últimos anos, esse quadro ção de gonadotrofinas hipofisárias. Acredita-se tam-
vem sendo tratado como uma doença metabólica bém na existência de defeito enzimático primário da
com repercussões sistêmicas importantes, espe- suprarrenal, a qual se manifesta através da adrenarca
cialmente sobre o sistema cardiovascular, meta- acentuada. As taxas aumentadas de androgênios pro-
bolismo glicêmico e no perfil lipídico. moveriam, pela sua conversão periférica e hipotalâmi-
ca, liberação anômala de LH, aumento da relação LH/
Corresponde a 20%-30% dos casos de infertilida- FSH e feedback anômalo.
de feminina. É a endocrinopatia mais comum na mu-
lher, atingindo 6% a 10% delas na idade reprodutiva, Berger observou que, após a administração de
estima-se que essa doença seja responsável por 80% GnRH, há elevação dos níveis de LH e redução de FSH,
dos quadros de irregularidade menstrual de origem sugerindo resposta anômala primária ou secundária
ovulatório na mulher no período reprodutivo. No en- da hipófise.
tanto, a heterogeneidade da doença, associada à au- Observa-se secreção elevada e inapropriada
sência de padronização de critérios para o diagnóstico, de LH, constante e baixa ou diminuída de FSH. O
pode produzir grande variabilidade nos dados epide- aumento da frequência de amplitude de GnRH promo-
miológicos. Os dados de prevalência são oriundos de veria um estado de dessensibilização da hipófise, re-
grupos de pacientes estudados em amostras popula- sultando na liberação predominante de LH em relação
cionais relativamente pequenas. ao FSH.
64
Ginecologia

Na gônada há déficit parcial de duas enzimas que quebra a androstenediona e a testosterona em estrona
promovem a conversão de androgênios em estrogê- e estradiol, aumentando ainda mais o nível estrogê-
nios, isto é, 3β-ol desidrogenase e aromatase. nio, alimentando o ciclo vicioso da SOP.
Speroff sugere provável herança autossômica do- A SOP representa o clássico exemplo de per-
minante, à vista do aparecimento da afecção em vários da da ciclicidade funcional por retroalimentação
membros de uma mesma família. Para Toledo, a ocor- anômala. A produção excessiva de androgênios
rência familiar de afecção seria resultado do distúrbio e sua conversão em estrogênios constituem o
gênico, provavelmente hereditário, dos receptores substrato fisiopatológico da anovulação crônica.
hipotalâmicos-hipofisários envolvidos no controle A produção excessiva de androgênios e sua subse-
gonadotrófico. Atualmente, é considerada, acima de quente conversão em estrogênios constituem o substrato
tudo, uma desordem da biossíntese, utilização e/ou fisiopatológico da anovulação crônica. Haveria, pois, re-
metabolismo de androgênios em mulheres. troalimentação acíclica, com secreção inadequada de LH
e FSH pelo sistema hipotálamo-hipofisário. Forma-se,
assim, verdadeiro ciclo vicioso em que a disfunção central
condiciona alterações morfológicas e funcionais nos ová-
rios. Associa-se em graus variados à obesidade e a quadro
Fisiopatologia de infertilidade. Pacientes com SOP apresentam, ain-
da, risco aumentado para o desenvolvimento de cân-
A anovulação crônica caracteriza-se pela ausência per-
cer de endométrio e doenças cardiovasculares, bem
sistente da ovulação. Para ocorrer ovulação é impres- como alterações no metabolismo de glicose e risco
cindível que o eixo hipotalâmico-hipofisário e o com- para desenvolvimento precoce de diabetes melito.
partimento teca folicular do ovário estejam atuantes
e os níveis de estradiol circulantes sejam adequados. A insulina é considerada um fator funda-
mental na fisiopatologia da doença. Grande parte
Durante o fluxo menstrual, o baixo nível de es- das pacientes (obesas e não obesas) apresenta resis-
trogênio, através de mecanismo de retroalimentação tência periférica à insulina (50 a 75%), o que leva a um
positiva, promove abrupta elevação de FSH, que é quadro de hiperinsulinismo relativo. O mecanismo
muito importante no crescimento folicular e esteroi- exato da resistência à insulina ainda é desconhecido,
dogênese. O crescimento folicular progressivo deter- porém parece se tratar de defeito pós-receptor de in-
mina produção de estradiol, que induz o aparecimento sulina. Estudos sugerem que haveria uma fosforilação
de receptores de FSH, mantendo os folículos sensíveis excessiva em resíduos de serina do receptor de insuli-
a ele. A ação combinada de FSH e estradiol estimula o na ou de proteínas dessa via de sinalização. O campo é,
aparecimento de receptores de LH nas células da gra- atualmente, objeto de intensa investigação.
nulosa. Conforme os folículos vão crescendo, o estra-
A insulina age diretamente e, também, através
diol é produzido em maior quantidade e, por feedback
de ação sinérgica com o LH, na produção androgêni-
positivo, estimula a hipófise a secretar as gonadotro- ca das células da teca interna do ovário. Além disso,
finas. A ovulação é precedida por rápida elevação dos diminui a produção hepática da globulina carreadora de
níveis de estradiol que estimula a hipófise anterior, esteroides sexuais (SHBG), permitindo que maior fração
desencadeando o pico de LH, indispensável para a pos- de androgênios circule em sua forma ativa. Por fim, estu-
tura ovular e formação do corpo lúteo. dos têm indicado que poderia estimular a atividade enzi-
Na portadora da SOP a hipófise não reco- mática do citocromo P450, que é essencial para a produ-
nhece os altos níveis de estrogênio e não inverte ção de androgênios. Estudos mostram, também, que essa
o feedback. Mesmo em níveis elevados o estrogênio enzima tem comportamento anômalo em mulheres com
continua estimulando a hipófise a secretar cada SOP e que o fator de crescimento insulinoide 1 (IGF-1) pa-
vez mais gonadotrofinas, não ocorrendo a queda rece ter papel na SOP.
estrogênica, fundamental para a formação do pico Em relação à obesidade central. estatísticas ameri-
do estradiol, que é essencial para a ocorrência do pico canas apontam que 60% das mulheres com SOP são
de LH, que é o grande responsável pela ovulação. obesas, o que agrava a resistência insulínica e hiperin-
Como o estradiol, mesmo em nível elevado, sulinemia, contribuindo assim para maior prevalência
continua estimulando a liberação de gonadotrofinas de desordens menstruais, hirsutismo e infertilidade.
hipofisárias, muito FSH e LH acaba sendo liberado. O excesso de testosterona na SOP promove
Pela teoria das duas células, o LH se liga aos seus re- maior risco de síndrome metabólica, indepen-
ceptores na célula da teca e quebra o colesterol em an- dentemente da obesidade e resistência insulínica,
drostenediona e testosterona. Esses dois androgênios enquanto que a presença de interleucinas e a baixa
entram na célula da granulosa que tem receptor para concentração de aDIPAonectina propiciam lesão en-
FSH. Quando o FSH se liga ao seu receptor na célula dotelial precoce e consequentemente maior risco de
da granulosa, ativa a ação da enzima aromatase, que doença cardiovascular.

SJT Residência Médica – 2016


65
6 Síndrome dos ovários policísticos

Diagnóstico laboratorial para resistência Microscopicamente temos cistos foliculares re-


insulínica vestidos de fina camada de células da granulosa, com
Glicemia (mg/ Glicemia (mg/dL) Insulina (µU/ hiperplasia e luteinização das células tecais. Há hiper-
dL) x Insulina (µm/ mL) plasia do estroma e falta de maturação folicular.
mL) Às vezes esses achados são registrados em mu-
Insulina (µm/ 405 2h após ingesta lheres normais. Portanto, não há na SOP um quadro
mL) de 75 g de gli- anatomopatológico típico, patognomônico, que
cose caracterize a afecção.
≤ 4,5 ≥3 < 80-100 RI
provável Admitem-se duas variedades anatomopatológicas
> 80-100 RI de SOP:
> 300 RI grave € Tipo I: ovários aumentados de volume associa-
Tabela 6.1 dos a níveis elevados de LH.
€ Tipo II: pacientes com gônadas de tamanho nor-
mal ou diminuído e índices normais ou baixos de
Diagnóstico clínico, sugestivo para LH. Compõem este tipo de pacientes as portado-
resistência insulínica ras de hiperplasia adrenal congênita, síndrome
Triglicérides > 200 mg/dL de Cushing, tumores virilizantes do ovário ou da
IMC ≥ 28,7 suprarrenal, de hipo ou hipertireoidismo.
IMC ≥ 27,5 + antecedente familiar de 1º grau para dia-
bete mellittus
Tabela 6.2

Critérios diagnósticos para síndrome


metabólica na mulher
National Cholesterol International Diabetes
Education Program-Adult Federation IDF
Treatment
Panel III
NCEP-ATPIII
Presença de três ou Presença do primeiro e
mais dois outros critérios
dos critérios
€ Obesidade abdominal € Obesidade abdominal
CA > 88 cm CA < 80 cm
€ Hipertrigliceridemia € Hipertrigliceridemia
> 150 mg/dL > 150 mg/dL
€ HDL < 50 mg/dL € HDL < 50 mg/dL
€ PA > 130/85 ou em € PA > 130/85 ou em
tratamento medicamen tratamento medica
toso mentoso
€ Glicose plasmática de € Glicose plasmática de
jejum > 110 mg/dL jejum > 100 mg/dL
Tabela 6.3 Figura 6.1 A, B e C: aspectos macro e microscópico
(D) dos ovários policísticos.

Anatomia patológica Quadro clínico


Macroscopicamente os ovários estão aumen- Tipicamente, a SOP manifesta-se com um qua-
tados de volume, de coloração branca nacarada, com dro de irregularidade menstrual do tipo espanio-
cápsula espessa, lisa, de aparência avascular. Na su- menorreia, iniciada à época da menarca, associado a
perfície de corte há numerosos cistos foliculares sub- hiperandrogenismo clínico (hirsutismo e acne) e/ou
capsulares com diâmetros que variam de 2 a 6 mm. laboratorial (hiperandrogenemia).

SJT Residência Médica – 2016


66
Ginecologia

O quadro clínico da síndrome pode variar em razão da heterogeneidade da doença, e muitas vezes estão
presentes fatores correlacionados, tais como obesidade, infertilidade, sinais de resistência à insulina (Acantose
nigricans), entre outros.
Embora a espaniomenorreia seja mais comum, observa-se amenorreia em cerca de 55% dos casos, e
sangramento anormal em 28%. Hirsutismo está presente em quase 50% das pacientes. Tanto o hirsutismo
quanto as alterações menstruais iniciam-se na fase peripuberal, geralmente acompanhadas de aumento de peso.
Não é grande a associação de ovários policísticos com neoplasias ovarianas. A literatura registra
como variedades de neoplasias associadas: teratoma cístico, arrenoblastoma, tumor de Leydig, tumor de
restos adrenais, disgerminoma, tumor de células da granulosa.
A associação com câncer de endométrio é registrada por diversos autores (19%-37%). Ocorre
devido à maior produção extraglandular de estrogênio em pacientes obesas.

Consequências da síndrome do ovário policístico

Consequências
em curto prazo
Obesidade
Infertilidade
Menstruação irregular
Dislipidemia
Hirsutismo/acne/alopecia androgênica
Intolerância à glicose/acantose nigricante
Consequências
em longo prazo

Diabetes melito
Câncer endometrial
Doença cardiovascular

Tabela 6.4

Centro córtico-hipotálamo

 GnRH Obesidade

Hirsutismo  LH/FSH  Resistência periférica


à insulina

 Testosterona livre  Estradiol livre Insulina

 SHBG Aromatase Suprarrenal

Anovulação  Androgênios
Atresia
folicular Estimula receptor
IGF-1
Disfunção
Infertilidade
menstrual
Hiperplasia estromal
Hipertecose CA de endométrio

Figura 6.2 Fisiopatologia da SOP.

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67
6 Síndrome dos ovários policísticos

Critérios diagnósticos propostos pelos National


Institutes of Health (1990)
Anovulação crônica
Hiperandrogenismo clínico e/ou bioquímico
Exclusão de outras etiologias
Critérios diagnósticos propostos pela European
Society of Human Reproduction and Embriology
e pela American Society of Reproductive
Medicine
Presença de 2 dos 3 critérios:
Oligoanovulação ou anovulação
Hiperandrogenismo clínico e/ou bioquímico
Ovários policísticos
Figura 6.3 Pacientes portadoras da síndrome dos
ovários policísticos e Acantose nigricans. Exclusão de outras etiologias
Critérios diagnósticos propostos pela Androgen
Excess Society (2006)
Hiperandrogenismo clínico e/ou bioquímico
Diagnóstico Oligoanovulação e/ou ovários policísticos
Fundamenta-se em acurada anamnese, dados de Exclusão de outras etiologias para hiperandrogenismo
exames clínico, ginecológico e subsidiários. O diag-
nóstico da SOP é de exclusão. Tabela 6.5
O diagnóstico baseia-se nos critérios adotados
em 2003 por um consenso realizado na cidade de
Rotterdam e patrocinado pela European Society of
Human Reproduction e pela American Society for Re-
productive Medicine (ESHRE/ASRM). Este consenso
determinou a necessidade de pelo menos dois de
três critérios para firmar o diagnóstico da síndrome:
1. oligo/anovulação, caracterizada por oligome-
norreia/amenorreia;
2. hiperandrogenismo clínico e/ou laboratorial;
3. e presença de ovários policísticos ao ultrassom
(12 ou mais folículos periféricos, de 2 a 9 milímetros de
diâmetro) e/ou volume ovariano maior ou igual a 10 cm3
(apenas um ovário é suficiente para o diagnóstico).
Os achados clínicos ultrassonográficos se distri-
buem em três padrões:
1. Isoecoico: não há cistos definidos;
2. Hipoecoico com múltiplos cistos – cujo diâme-
tro é inferior a 1 cm;
3. Hipoecoico com cisto único com diâmetro
maior que 1 cm.
Figura 6.4 Ovários policísticos à ecografia. Ovários
policísticos estão presentes em 80% das pacientes
Critérios diagnósticos da síndrome de ovários com SOP.
policísticos
Hiperandrogenismo: hirsutismo e/ou Entre os exames subsidiários, as determinações
hiperandrogenemia
séricas de LH, FSH e prolactina se destacam. O ex-
Disfunção ovariana: anovulação crônica e/ou ovários cesso da produção androgênica deve ser avalia-
policísticos do pelas dosagens de testosterona livre e total,
Exclusão de outras causas de anovulação/ androstenediona, sulfato de deidroepiandroste-
hiperandrogenismo rona, 17-hidroxiprogesterona e androstenediol.

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68
Ginecologia

Níveis aumentados de testosterona e/ou andros-


tenediona e relação LH/FSH elevados são encontrados Diagnóstico diferencial
em 60% a 70% casos.
Deve-se afastar entidades que apresentam pro-
Concentração extremamente elevada de testos- dução exagerada de androgênios e aumento da síntese
terona deve levantar suspeita de hirsutismo ou neo- extraglandular do estrogênio, simulando a SOP. Essas
plasia ovariana. síndromes podem ou não ter disfunção gonadotrófica.
Assinala-se, entre elas, deficiência das enzimas 21-hi-
Em menos de 20% das pacientes, denota-se droxilase ou 3β-ol desidrogenase, hipertireoidismo, hi-
elevação dos níveis de SDHEA, sugerindo altera- persecreção de prolactina e LH, hiperprolactinemia, hi-
ção da suprarrenal. Nesses casos, devem-se rea- pertricose ovariana, neoplasias do ovário produtoras de
lizar testes de supressão com dexametasona. estrogênio, tumores de ovário ou da suprarrenal produ-
O aumento da relação LH/FSH represen- tores de androgênio, obesidade e síndrome de Cushing.
ta subsídio para o diagnóstico, especialmente
quando forem superiores a 2,5. Causas de exclusão de hiperandrogenismo
Cerca de 10% a 20% dos casos não mostram ní- e/ou anovulação
veis elevados de LH. Hiperplasia adrenal congênita (principalmente 21-hidro-
xilase)
A determinação sérica de prolactina tem a finalida-
Síndrome de Cushing
de de diagnosticar a associação de hiperandrogenismo e Tumores secretores de androgênios
hiperprolactinemia, presente em 13% a 27% dos casos. Disfunção da tireoide
A dosagem de insulina é muito importante. Taxa Hiperprolactinemia
em jejum acima de 15 mcU/mL ou relação de glicose/ Uso de drogas anabolizantes
insulina menor que 4,5 são indicativas de resistência Síndromes graves de resistência à insulina
periférica à insulina. Tabela 6.6

Diagnóstico diferencial de disfunção ovulatória e hiperandrogenismo


Exames laboratoriais Resultados indicativosa
Causas de oligo ou onovulação
Nível de testosterona total Geralmente elevado
SOP Nível de SDHEA Pode ser levemente elevado
Proporção de LH:FSH Em geral ≥ 2:1
Hipertireoidismo Nível de TSH Reduzido
Hipotireoidismo Nível de TSH Elevado
Hiperprolactinemia Nível de PRL Elevado
Hipogonadismo hipogonadotrófico Níveis de FSH, LH, E2 Todos reduzidos
Níveis de FSH, LH Elevados
IOP
Níveis de E2 Reduzidos
Causas de hiperandrogenismo
SOP
HSRC de início tardio Nível de 17-OH P > 200 ng/dL
Tumor ovariano secretor de androgênio Nível T total > 200 ng/dL
Tumor suprarrenal secretor de androgênio Nível de SDHEA > 700 µg/dL
Síndrome de Cushing Nível de cortisol Elevado
Uso de androgênios exógenos Rastreamento toxicológico Elevado
Resumo dos exames nas pacientes sob suspeita de SOP
Dosagem sérica de FSH, LH, TSH, T total, PRL, SDHE
GTT-2h
Perfil lipídico
IMC, circunferência abdominal de PA
Tabela 6.7 aCom base nas referências laboratoriais para faixa de normalidade. IMC: índice de massa corporal; PA: pressão
arterial; HSRC: hiperplasia suprarrenal congênita; SDHEA: sulfato de desidroepiandrosterona; E2: estradiol; FSH: hormônio
folículo-estimulante; GTT: teste de tolerância à glicose; LH: hormônio luteinizante; 17-OH-P: 17-hidroxiprogesterona; SOP:
síndrome do ovário policístico; IOP: insuficiência ovariana prematura; PRL: prolactina; T: testosterona; TSH: hormônio es-
timulante de tireoide.

SJT Residência Médica – 2016


69
6 Síndrome dos ovários policísticos

Tratamento Do hiperandrogenismo
Tem como objetivo o restabelecimento da fertili-
dade, normalização dos ciclos menstruais, controle do
Acetato de ciproterona
hirsutismo e prevenção do carcinoma de endométrio. O acetato de ciproterona possui ação central
Pode ser clínico ou, excepcionalmente, cirúrgico. antigonadotrófica e periférica. Diminui a sínte-
se de androgênios por bloquear a liberação de
gonadotrofinas hipofisárias. Perifericamente,
atua na unidade pilossebácea, impedindo a li-
Prevenção das consequências gação da DHT aos receptores citosólicos ou, na
Mudanças nos hábitos de vida, com prescrição pele, inibindo a enzima 5α-redutase. A dose re-
de dieta e exercício físico, corresponde ao tratamento comendada é de 50 a 100 mg diários, VO, do 5º ao
14º dia do ciclo, pelo período mínimo de seis me-
de primeira linha para prevenção das repercussões da
ses, podendo estender-se até 12 meses. Associa-se
doença em longo prazo. A redução do peso favorece a
0,02 mg de etinilestradiol (quando se deseja a an-
redução dos níveis androgênicos, melhora o perfil lipí-
ticoncepção) ou 1,25 mg de estrógenos conjugados
dico e diminui a resistência periférica à insulina, sendo
ao dia, VO, do 5º ao 24º dia do ciclo (quando não é
úteis, assim, para o retorno dos ciclos ovulatórios e para
necessária a contracepção).
a prevenção de diabetes e doenças cardiovasculares.
A metformina tem sido indicada em razão dos
benefícios a longo prazo.
Espironolactona
A espironolactona, antagonista da aldostero-
na, também possui ação antiandrogênica. Inibe a
Da disfunção menstrual síntese de testosterona nas células produtoras
Os anticoncepcionais orais estroprogestativos de esteroides tanto na gônada quanto na su-
(combinados) são empregados em pacientes anovula- prarrenal, além de competir perifericamente
doras com hiperandrogenismo sem desejo de gravidez com os androgênios que ocupam os mesmos
iminente. A droga reduz os níveis circulantes de an- receptores. É utilizada na dose de 50 a 200 mg di-
drogênio, combate o hirsutismo e o hiperandroge- ários, por período mínimo de 12 meses. A melhora
nismo, regulariza os ciclos, protege o endométrio e dos sintomas, tais como despigmentação e menor
promove contracepção quando esta é desejada. Os densidade dos pelos, começa a ser observada, em
ACO diminuem os níveis androgênicos circulantes por geral, após três meses de tratamento. Adotam-se
meio de inibição da secreção adequada de gonadotrofi- ainda, para combater o hirsutismo, medidas de or-
nas e pelo aumento dos níveis de SHBG hepático que au- dem geral, como a depilação, a descoloração com
xilia na redução dos androgênios circulantes. O esquema água oxigenada e a eletrocoagulação do folículo pi-
terapêutico é o mesmo utilizado na contracepção. loso. Em pacientes obesas, a perda de peso, isola-
No entanto, não promove melhora da resistên- damente, é capaz de reverter os sinais e sintomas
cia à insulina, normalmente associada à síndrome, e advindos do hiperandrogenismo.
pode, eventualmente, até piorá-la. Os contraceptivos Recentemente, tem-se empregado a flutamida,
orais também devem ser prescritos com maior critério na dose de 250 mg/dia. Devido aos efeitos colaterais,
em pacientes hipertensas ou com dislipidemia. principalmente a intoxicação hepática, o cetoconazol
é pouco usado.

Progestagênios
Em pacientes sem atividade sexual ou na Metformina
impossibilidade de uso de contraceptivos orais O efeito da metformina na anovulação, con-
combinados, pode-se fazer uso intermitente de cepção e taxa de recém-nascidos vivos em mulheres
progestagênios, visando a regularização do ciclo com SOP está bem documentado, mas sua eficácia
menstrual e à proteção endometrial. Não há, até o é questionada em comparação a outros autores. A
momento, estudos controlados avaliando o efeito me- metformina é um agente sensibilizador da insuli-
tabólico do uso dessas drogas ou benefícios adicionais. na que reduz a resistência e a secreção de insulina,
Procura-se prescrever agentes progestacionais com bai- seguida por uma diminuição na produção de an-
xo potencial androgênico, e o mais usado é o acetato de drogênios ovarianos. A ação direta da metformina
medroxiprogesterona, 5-10 mg/dia por 7 a 10 dias. sobre as células da teca ovariana diminui a produ-

SJT Residência Médica – 2016


70
Ginecologia

ção androgênica. É administrada via oral na dose de


1.500 a 2.500 mg/dia. Aproximadamente 15 a 20%
Da infertilidade
dos pacientes podem apresentar efeitos adversos Para o restabelecimento da fertilidade, utilizam-
gastrointestinais que podem ser reduzidos por uma -se drogas indutoras da ovulação, como citrato de
dose de início gradativa. É um fármaco de categoria clomifeno, citrato de tamoxifeno, gonadotrofi-
B, seguro tanto para a mãe como para o feto, sem nas de mulheres menopausadas ou de gestantes.
associação a nenhum efeito tóxico fetal ou terato- Modernamente, tem-se ensaiado o FSH humano puri-
ficado e os análogos do GnRH.
genicidade. Apesar disso, a droga não está liberada
pelo Food and Drug Administration (FDA) para indu- O clomifeno (CC), modulador seletivo do receptor
zir ovulação, e a possível dose ideal é desconhecida. de estrogênio (SERM), induz a expressão de receptores
Seus efeitos colterais incluem: náuseas, vômitos, de FSH e LH, maturação folicular, níveis elevados de es-
diarreia, acidose lática, sendo contraindicada em tradiol, postura ovular e normalização da retroalimenta-
mulheres com creatinina maior ou igual a 1,4 mg/ ção acíclica. A posologia inicial deve ser de 50 mg ao dia,
durante 5 dias, a partir do 3º, 4º ou 5º dias do ciclo. O iní-
dL, disfunção hepática e alcoolismo.
cio mais precoce da medicação pode resultar em desen-
Uma outra classe de agentes antidiabéticos são volvimento folicular múltiplo. Deve-se aumentar a dose
usados no tratamento das desordens metabólicas na inicial em 50 mg até um máximo de 200 mg nos casos
SOP, são os derivados tiazolinedionas (TZDs). em que não se obteve resposta ovulatória, recomenda-
Os efeitos das TZDs sobre a função ovariana -se o uso por 6 meses, pois após esse período a eficácia
podem ser indiretos (devido à ação sistêmica sensibi- diminui bastante. Cerca de 50% a 80% das pacientes
apresentam ovulação utilizando doses de 50 a 200 mg/
lizadora da insulina e redução da hiperinsulinemia),
dia, e 40% a 50% engravidam, entretanto as taxas de
como a diminuição dos níveis séricos de testosterona
gravidez são baixas com doses acima de 100 mg, sendo
total e livre e aumento dos níveis de SHBG (globulina
preferível a opção por outros esquemas de indução da
ligadora dos esteroides sexuais) e de IGFBP-1 (insu- ovulação. Como essas gônadas são mais sensíveis do que
lin-like growth factor binding protein 1). No entanto, as normais, à ação do clomifeno, a síndrome de hiperes-
também têm sido descritos efeitos diretos, que po- timulação ovariana, embora rara, pode ocorrer. Por isso,
dem ser independentes da insulina (aumento dos ní- as pacientes devem ser controladas cuidadosamente com
veis de progesterona e de IGFBP-1 e diminuição dos exames pélvico e ultrassonográfico periódicos.
níveis séricos de testosterona total e de estradiol), ou
Em alguns casos, drogas que diminuem os
decorrentes do aumento local do efeito da insulina níveis de insulina podem ser utilizadas, de for-
(diminuição da produção de IGFBP-1 e aumento da ma isolada ou em associação ao CC, em pacientes
produção de estradiol, na presença de altas concen- com SOP resistentes a CC. Alguns autores preconi-
trações de insulina). zam a utilização dessas drogas como tratamento de
primeira linha em pacientes com diagnóstico de SOP,
mas são necessários estudos que comparem os resul-
tados obtidos com a utilização isolada de CC. A droga
Cimetidina mais utilizada e que apresenta maior segurança
Esta droga tem atividade antiandrogênica, pois im- é a metformina.
pede a translocação da DHT (metabólico androgênico) As pacientes candidatas à utilização da me-
do receptor androgênico. Utilizam-se 200 a 400 mg/dia tformina devem apresentar funções hepática e renal
por seis a doze meses, mas não é considerado tratamento normais. Com o objetivo de evitar os efeitos colate-
rotineiro. rais gastrointestinais, a droga deve ser administrada
às refeições e deve-se iniciar o tratamento com dose
mais baixa (500 mg/dia) e caso necessário, aumentar
progressivamente até 2.000 mg/dia. A utilização iso-
E昀氀ornitina lada da metformina (de 1.500 a 2.000 mg/dia) promo-
A forma tópica tem a propriedade de inibir o ve a ovulação em 78% a 96% das pacientes. Quando
crescimento de pelos, sendo assim uma opção no ma- associada ao CC, aumenta as taxas de ovulação e de
nejo do hirsutismo, o seu uso recomendado seria a gravidez em pacientes previamente resistentes ao CC.
aplicação duas vezes ao dia nas áreas afetadas, sendo Para alguns autores, a metformina deve ser mantida
que a melhora é evidenciada com 8 semanas de uso, na gravidez, pois previne aborto e diabetes gestacio-
caso não for observado melhora nesse período deve-se nal, e não há evidências de que cause malformações.
realizar a troca por outra medicação. A parada desse No entanto, em nosso país, salvo em protocolos de
fármaco leva o retorno do hirsutismo em média após pesquisa, tal droga ainda não está liberada para uso
8 semanas. durante a gestação.

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71
6 Síndrome dos ovários policísticos

As gonadotrofinas são administradas na dose ini- rona ou ωhCG. A fertilização in vitro (FIV) pode ser
cial de 75 UI por dia, iniciando-se nos primeiros cinco utilizada nos casos em que a estimulação ovariana foi
dias de sangramento menstrual (natural ou induzido), exagerada, com o objetivo de evitar o cancelamento do
desde que a ultrassonografia demonstre endométrio ciclo. Pacientes com SOP parecem ter maior risco de
fino (< 6 mm) e ausência de cistos ovarianos. abortamento após FIV. Gestações têm sido obtidas em
O ajuste da dose inicial deve ser realizado após, pacientes com SOP após maturação in vitro de oócitos,
pelo menos, cinco dias de medicação e baseia-se no podendo ser opção para pacientes com má resposta ao
desenvolvimento folicular ao ultrassom. A ovulação tratamento medicamentoso ou risco de hiperestímulo
é desencadeada pela gonadotrofina coriônica (de ovariano.
5.000 a 10.000 UI, em dose única), administrada
no dia em que pelo menos um folículo atinja mais
de 18 mm. Deve-se cancelar o ciclo quando houver
mais de quatro folículos com mais de 14 mm de di-
âmetro médio ou mais de três folículos acima de 16 Cirurgia
mm, para evitar a gravidez múltipla e a síndrome
A terapêutica cirúrgica, ressecção cuneiforme,
de hiperestímulo ovariano. Em ciclos subsequentes,
a dose inicial é determinada pela resposta prévia parcial, de ambas as gônadas (cirurgia de Thaler), é
da paciente, podendo ser reduzida ou aumentada. cada vez menos indicada, estando reservada aos casos
Constitui método racional na terapêutica da anovu- em que falham as tentativas clínicas para restabelecer
lia crônica por retroalimentação inadequada. Pes- a fertilidade. Pode causar aderências pós-operatórias,
quisas têm utilizado os análogos de GnRH associa- transformando uma esterilização de causa endócrina
dos às gonadotrofinas. em outra de etiologia peritoneal.
Parece haver benefício com a utilização de análo- Tem-se realizado cauterização elétrica ou com
go do GnRH previamente à indução da ovulação, com raio laser através da laparoscopia com a finalidade
aumento das taxas de gravidez e redução das taxas de extirpar todos os folículos subcapsulares visíveis.
de abortamento. Nesses casos, torna-se obrigatória a Ao que parece, com essa técnica evita-se a formação
suplementação hormonal na fase lútea com progeste- de aderências.

Resumo das opções terapêuticas na SOP


Irregularidades Infertilidade Resistência
Acne Hirsutismo
menstruais anovulação insulínica
ACHO combinados Retinoico tópico Espironolactona Citrato de clomifeno Metformina
Progestógenos Ác. azelaico Ciproterona isolada Tamoxifeno Rosiglitazona
isolados Ác. salicílico Ciproterona + EE Inibidores da Pioglitazona
Peróxido de benzoílaFinasterida aromatase
Antibióticos tópicosFlutamida Gonadotrofinas
Isotretinoína oral Análogos de GnRH Driling laparoscópico
Efiomitina
Tabela 6.8 Opções terapêuticas aos principais agravos à saúde na SOP.

Prevenção
Mais que uma desordem reprodutiva, a SOP deve ser considerada uma doença metabólica complexa, que
precisa ter abordagem terapêutica global, uma vez que constitui em fator de risco para doenças como diabetes e
câncer de endométrio e, possivelmente, doença cardiovascular.
A mudança de hábitos de vida, com prescrição de dieta e exercício físico, consiste no tratamento de primeira
linha para prevenção das repercussões da doença em longo prazo. A perda de peso favorece a redução dos níveis
androgênicos, melhora o perfil lipídico e diminui a resistência periférica à insulina, contribuindo, assim, para o
retorno dos ciclos ovulatórios e para a prevenção de diabetes e doenças cardiovasculares.
A metformina tem sido indicada em razão dos benefícios de longo termo, porém, ainda hoje, faltam estudos
que comprovem sua eficácia. Para alguns autores a metformina não deve ser mantida na gravidez.

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CAPÍTULO

7
Síndrome pré-menstrual

Introdução Fisiopatogênese
O Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia A ocorrência da SPM apenas na menacme
conceitua a Síndrome Pré-Menstrual (SPM) como “ocor- supõe que os hormônios ligados ao eixo hipotála-
rência cíclica de sintomas psíquicos e/ou somáticos mo-hipófise-ovário tenham função relevante. De
de severidade suficiente para interferir com al- fato, os sintomas pré-menstruais desaparecem após
guns aspectos da vida cotidiana, relacionando-se ooforectomia, tratamento com análogos ou agonistas
renitentemente com a fase lútea do ciclo menstru- do GnRH, ou mesmo após ciclos anovulatórios espon-
al”. Essa conceituação pressupõe que os sintomas desa-
tâneos. Por muitos anos entendeu-se a fisiopatogenia
pareçam nos primeiros dias do ciclo, excluindo-se assim
da SPM com base nas inter-relações existentes entre
a exacerbação pré-menstrual de doenças crônicas.
os esteroides sexuais, a prolactina e o sistema renina-
As alterações na esfera emocional estão repre- -angiotensina-aldosterona. Dessa forma, ficavam mui-
sentadas por irritabilidade, depressão, ansiedade e
to bem explicados os sintomas de retenção hídrica,
labilidade, determinando profundas modificações no
mas não os neuropsíquicos. Outro eixo que pode estar
humor, cujas crises infundadas de choro destacam-se
com marcada incidência e recorrência. envolvido é o hipotalâmico-hipofisário-suprarrenal,
pois este pode agir sobre a reprodução, o apetite e o
As queixas físicas mais consistentes concentram-
sentimento de bem-estar. Esse eixo atua na regulação
-se em torno da astenia, da distensão abdominal, da
da resposta ao estresse e pode envolver catecolaminas
mastalgia, de cefaleia, polaciúria, insônia e alterações
da libido, além das modificações do apetite, em que pre- e esteroides.
domina a predileção aos hidratos de carbono da dieta. Além do estrogênio, da progesterona, das endor-
Para muitas mulheres essas alterações, em geral, finas e das prostaglandinas que podem atuar nessa
são de pequena intensidade e não interferem na ati- síndrome, é importante evidenciar que muitas vezes
vidade rotineira. Entretanto, os sintomas provocam estão envolvidos outros hormônios, como os indois
prejuízo das tarefas cotidianas num significativo gru- (melatonina e serotonina), e os neurotransmisso-
po e, assim, geram problemas de relacionamento pro- res dopamina e ácido gama-aminobutírico (GABA) e,
fissional, familiar e social. principalmente, a serotonina.
73
7 Sìndrome pré-menstrual

As endorfinas têm efeito marcante sobre o hu- toma tem sido atribuído a níveis alterados de
mor e o comportamento, sendo que os estados de fa- prolactina, que alguns advogam ser a causa da
diga, depressão, mal-estar, euforia, irritabilidade, an- SPM, por ter sido constatada elevação em mais
siedade, atitudes agressivas, modificações de apetite, de 40% das doentes. Sua secreção parece estar sob
distúrbios do sono, sudorese e inquietação dependem dependência frenadora do neurotransmissor dopa-
das oscilações de seus níveis. mina. Já a hiperprolactinemia indica redução da sua
atividade, que está relacionada, por sua vez, ao de-
Existem receptores de endorfinas em neurônios
senvolvimento de depressão. Além disso, a dopamina
dopaminérgicos. Por isso, as endorfinas influenciam
exerce controle tônico sobre a secreção da aldostero-
a secreção dos neuro-hormônios e das aminas biogê-
na, que também age nessa afecção. Recentemente,
nicas, dessensibilizando os receptores de dopamina.
verificou-se um desequilíbrio nas prostaglandinas.
Tais receptores atuam ainda como inibidores periféri-
cos das prostaglandinas, reduzindo a atividade contra- A cefaleia tipo enxaqueca, muito frequente, re-
tural da musculatura lisa, o que poderia explicar a obs- sulta da alteração da atividade contrátil da musculatu-
tipação intestinal e a distensão abdominal observadas ra lisa dos vasos, para a qual concorrem a serotonina,
em muitas mulheres. as prostaglandinas e os estrogênios, agravando-se pela
falha do sistema endógeno de analgesia, por depleção
A redução da atividade da serotonina e a ele-
das monoaminas e dos opioides.
vação da melatonina ocupam também lugar des-
tacado no determinismo da depressão, ansieda- Alguns autores relacionam o aparecimento
de e agressividade. Como resultado da eficácia dos dos sintomas da SPM com a ingestão inadequada
medicamentos inibidores de recaptação de serotonina de nutrientes como o cálcio e o magnésio. Esses
no tratamento do transtorno disfórico pré-menstrual, íons regulam a contratilidade da musculatura
o sistema serotoninérgico tem sido investigado como lisa dos vasos próximos ao tecido nervoso. Além
ponto relevante. Inúmeros trabalhos já demonstra- disso, hormônios femininos como o estrogênio
ram níveis reduzidos de serotonina em sangue total e regulam o fluxo de cálcio e magnésio intracelular
captação de serotonina plaquetária diminuída na fase e o balanço eletrolítico no organismo. Assim, es-
lútea em mulheres com SPM. ses autores acreditam que variações hormonais
durante a fase pré-menstrual poderiam causar
As endorfinas e a serotonina podem deter- oscilações importantes que, por sua vez, pode-
minar, no pré-mênstruo dessas pacientes, os riam contribuir para a SPM.
sintomas de natureza psíquica. Os sintomas de
retenção hídrica podem ser atribuídos à redução Ainda se tem estudado a possível participação
de atividade da suprarrenal, com consequente etiopatogênica dos baixos teores de vitamina A, E, B6
e o envolvimento de zinco, cobre, magnésio e cálcio,
elevação da prolactina e da aldosterona e libera-
que regulam a produção dos neurotransmissores e a
ção de vasopressina.
corrente sanguínea para o tecido nervoso.
A progesterona e seus metabólicos atua-
Alguns especialistas acreditam que a deficiência
riam na SPM por interferência na regulação do
de magnésio pode ser responsável pelo desencadea-
neurotransmissor GABA. A alteração dos níveis
mento dos sintomas da SPM, visto que mulheres com
sanguíneos deste esteroide com redução dos de GABA
essa afecção têm menores concentrações desse íon. O
estaria relacionada a crises de depressão, ansiedade e
magnésio é cofator de centenas de reações enzi-
agitação. Além disso, trabalhos clínicos mostram que
máticas, atua como regulador de trocas iônicas e
mulheres com a forma mais grave de SPM têm baixos
é ainda modulador da secreção de insulina pelo
níveis de GABA.
pâncreas. Observam-se alterações da atividade da mo-
A concentração cerebral de todos esses neuro- noaminoxidase e dos níveis de serotonina nos gânglios
transmissores recebe interferência de diversas subs- basais de animais com deficiência de magnésio. Alguns
tâncias, especialmente dos hormônios sexuais. Por- trabalhos demonstram melhora dos sintomas emocio-
tanto, efeito indireto dos esteroides ovarianos sobre nais e de retenção hídrica em mulheres que receberam
os neurotransmissores ou sobre os tecidos-alvo preci- suplementação de cálcio e magnésio, embora a explica-
pitaria os sintomas. ção fisiopatológica não esteja ainda estabelecida.
Um sintoma muito incômodo e bastante rela- Aceita-se, então, que a SPM seja uma afec-
tado é a mastalgia, que, além do inconveniente da ção psiconeuroendócrina complexa. Logo, os fato-
dor, causa prejuízos ao relacionamento amoroso e res psicológicos participam também da SPM. Em estu-
temor de sua ligação com neoplasia. Embora tradi- do clínico que usou placebo (droga inerte) para tratar
cionalmente não seja considerada indicadora de pe- pacientes com SPM, os autores perceberam que quase
rigo, há relatos de maiores índices de sensibilidade 60% tiveram melhora dos sintomas após três meses de
pré-menstrual em doentes com câncer de mama, tratamento. Assim, o fator psicológico influi muito na
após controlado o efeito de outros fatores. Esse sin- sintomatologia e na melhora das pacientes com SPM.

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74
Ginecologia

Finalmente, estudos mostram que fatores cul-


turais podem influenciar na SPM. Há mais queixas de Diagnóstico
dor entre mulheres chinesas do que entre as ociden-
tais. Já a depressão é mais comum em mulheres oci- Definir a tensão pré-menstrual é essencial para o
dentais. Estudos epidemiológicos nos Estados Unidos diagnóstico correto e para se estabelecer critérios para
mostram que mulheres descendentes de asiáticos têm o tratamento. O diagnóstico é clínico. Em 1992, Jo-
menor intensidade e quantidade de sintomas relacio- hnson esquematizou a definição usando os seguintes
nados à SPM do que as descendentes europeias, en- critérios, nos quais a existência de mais de um sinto-
quanto as hispânicas têm sintomas mais severos. ma, severo o suficiente para alterar o relacionamento
conjugal, social e profissional na fase lútea tardia, fa-
zem o diagnóstico:
€ Psíquicos: irritabilidade, depressão, tensão, labi-
Quadro clínico lidade emocional e ansiedade;
€ Somáticos: mastalgia, cefaleia, fadiga, edema, in-
Do ponto de vista didático, interessa dividir os sônia e cólicas;
sintomas da síndrome quanto a sua predominância e € Cognitivos: confusão, diminuição da concentra-
repercussão física, psicológica ou ambiental. Dentre ção e falta de iniciativa;
os primeiros destacam-se a mastalgia, a cefaleia e a € Comportamentais: isolamento social, hiperfagia
distensão abdominal. Dentre os segundos estão: “cho-
e agressividade.
ro fácil”, a ansiedade e a irritabilidade. Inter-relacio-
nados e com expressão sobre o ambiente são citados
os aumentos da ocorrência de suicídio, homicídio e Em 1987, a Associação Americana de Psiquia-
acidentes automobilísticos. tria definiu o distúrbio disfórico da fase lútea tardia
como aquele que apresenta alterações de humor como
Em geral, os sinais e sintomas iniciam entre sintomas dominantes. A caracterização definitiva
dois e dez dias antes da menstruação, por três ou da síndrome somente pode ser feita pela flutuação
mais ciclos menstruais, e desaparecem ou ten- dos sintomas com o ciclo menstrual, sendo para isso
dem a melhorar espontaneamente com a chega- utilizados gráficos com questionários sobre os sinto-
da do fluxo menstrual. mas. Se a paciente referir persistência dos sintomas
pós-menstruais, então fica afastada a hipótese de
síndrome pré-menstrual, já que a grande maioria das
doenças clínicas ou psíquicas se exacerba no período
pré-menstrual.

Critérios clínicos da desordem disfórica


pré-menstrual
Na maioria dos ciclos do último ano, pelo menos
cinco dos seguintes sintomas devem estar presen-
tes nas últimas semanas da fase lútea, com remis-
são nos primeiros dias da menstruação, e estan-
do ausentes na semana após a menstruação. Pelo
menos um dos sintomas de números 1 a 4 deve
estar presente:
1. Humor deprimido ou disforia
2. Ansiedade ou tensão
A.
3. Labilidade afetiva
4. Irritabilidade
5. Desinteresse nas atividades usuais
6. Dificuldade de concentração
7. Nítida perda de energia
8. Nítida alteração do apetite (hiperfagia ou malacia)
9. Hipersonia ou insônia
10. Descontrole emocional
11. Sintomas físicos gerais
Os sintomas devem interferir marcadamente no
B. trabalho, nos estudos, nas atividades sociais e no
Figura 7.1 Principais sintomas da síndrome pré-menstrual. relacionamento.

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75
7 Sìndrome pré-menstrual

Critérios clínicos da desordem disfórica mg/dia) e o citalopram (20-30mg/dia). A clomipra-


pré-menstrual (cont.) mina (100 mg/dia), apesar de ser um antidepressi-
Os sintomas não podem ser exacerbação de outro
vo tricíclico, tem atividade serotoninérgica superior
C. aos da sua classe. Além disso, podem-se usar outros
distúrbio.
Os primeiros três critérios devem ser confirmados antidepressivos como a amitriptina (25 a 75 mg/
D. por registros prospectivos diários por, no mínimo, dia), flunarizina (5 a 10 mg/dia) e a imipramida
dois ciclos menstruais consecutivos. (25 a 75 mg/dia), bem como o bloqueador dos ca-
Tabela 7.1 nais de cálcio, verapamil (240 mg/dia). Atualmente,
trata-se da primeira opção quando predominam os
sintomas psíquicos. Existe duas forma de se pres-
crever antidepressivos para essa síndrome: pode-se
Classi昀椀cação passar de forma contínua, apresentando melhores
É possível classificar as síndromes pré-mens- resultados, entretanto com a exacerbação de efeitos
truais em tipos de acordo com os sintomas predo- colaterais como náuseas, vômitos e diminuição do
minantes, sendo possível que a mesma paciente se libidos, condições com as quais observa-se diminui-
encaixe em mais de um tipo. São eles: ção da aderência ao tratamento; outro opção seria o
uso na fase látea que classicamente inicia-se a medi-
A – predominam os sintomas de ansiedade
cação do 14º dias do ciclo até a ocorrência da mens-
C – predomina compulsão alimentar truação, apesar de perder um pouco a eficácia dessa
D – predominam sintomas depressivos forma, aumenta-se a aderência pela diminuição dos
efeitos colaterais.
H – há inchaço
O uso de alprazolam 0,25 a 0,50 mg, 3 vezes/dia
O – outros sintomas
durante a fase lútea, que somente alivia a ansiedade,
pode ser uma alternativa. Esse fármaco é um análogo
triazólico 1,4-benzodiazepínico que se liga com alta
afinidade ao complexo receptor GABA-benzodiazepi-
Tratamento na. É possível causar dependência, mas restringir o
agente apenas ao período lúteo pode ajudar um sub-
Não há um tratamento farmacológico espe- grupo de mulheres. É comprovadamente eficaz para os
cífico para SPM por causa do desconhecimento sintomas psíquicos, porém seu uso é controverso para
da exata causa dessa afecção. Entre as formas de os sintomas físicos.
tratamento, destaca-se a psicoterapia, que pode ser A enxaqueca menstrual pode ser tratada
conduzida de forma superficial ou de apoio pelo pró- com anti-inflamatórios não hormonais tipo
prio ginecologista nos casos mais leves, ou pelo psi- indometacina, mefenamato, ibuprofeno, naproxe-
quiatra nos mais graves. no, cloridrato de piridoxina, nimesulida, rofeco-
A prática de exercícios físicos aeróbicos e regu- xib, celecoxib e loxoprofeno. Deve-se começar a
lares, que liberam as tensões emocionais e ativam o medicação uma semana antes do dia em que
sistema de endorfinas, deve ser estimulada. A partir habitualmente surge a dor e continuar até o
da observação de que a atividade da melatonina pode 2º ou o 3º dia do fluxo menstrual. A ergotamina
ser modulada por estímulos luminosos, há quem pro- e o sumatriptan são excelentes medicações para a
ponha, como medida terapêutica auxiliar, o encurta- fase aguda. Esses medicamentos reduzem a vaso-
mento do sono na fase lútea, pois a permanência de dilatação responsável pela crise de dor. O suma-
mais tempo na claridade desativaria a enzima conver- triptan pode ser administrado por via subcutânea
sora 5-hidroxiindolmetil transferase, determinando, (ampola com 6 mg) ou oral (100 mg, 1 comprimi-
com isso, maior quantidade de serotonina e menor de do). Para a profilaxia da crise de enxaqueca
melatonina, melhorando os quadros depressivos. pode-se empregar a metisergida na dose de
Quadros de depressão profunda podem exigir 4 a 6 mg/dia por 20 dias, seguida por pausa
medicação psicotrópica. Vários estudos clínicos de uma semana, durante quatro meses, ou o
randomizados mostraram o uso de inibidores betabloqueador propranolol na dose de 80
de recaptura seletiva de serotonina como tera- mg/dia, ou ainda a flunarizina 25 mg/dia. A
pêutica altamente eficaz para esse transtorno, administração de estrogênios como, por exemplo,
sendo a fluoxetina (20-60 mg/dia) considerada estradiol transdérmico, 50 mg no 26º ou 27º dia
o medicamento de escolha para o tratamento do ciclo, na tentativa de abrandar a queda hormo-
da SPM, independentemente dos sintomas. nal, que seria a responsável pela vasoconstrição-
Outros inibidores da recaptura da serotonina são -vasodilatação e, portanto, pelo quadro doloroso,
a paroxetina (20-30 mg/dia), a sertralina (50 - 150 apresenta bons resultados.

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76
Ginecologia

A inibição da ovulação pode ser realizada com o Existe alguma evidência de que a vitamina E
uso de agonistas de GnRH, isoxazol, gestrinona e anti- possa modular a produção das prostaglandinas,
concepcionais hormonais. Em decorrência do alto cus- reduzindo os sintomas dolorosos. A dose reco-
to e dos efeitos colaterais dessas drogas, recorre-se, mendada é de 150 a 400 IU/dia.
em geral, aos anticoncepcionais orais de preferência As drogas como os diuréticos espironolacto-
no regime contínuo. na ou os tiazídicos devem ser usadas apenas nos
O uso do implante de etonorgestrel (implanon) casos de edema importante.
pode ser usado por pacientes com sintomas físicos im- A espironolactona (diurético poupador de potás-
portantes e que desejam anticoncepção. sio) na dose de 100 mg/dia ou tiazídico na dose de 25
Quando os sintomas da SPM forem acompanha- mg/dia são as recomendações.
dos por hiperprolactinemia, pode-se usar bromoergo- Outras alternativas não farmacológicas são a
criptina 2,5 mg/dia, nos últimos dez dias do ciclo. acupuntura e a fisioterapia (para casos selecionados),
Nos últimos anos, suplementos nutricionais que podem ter algum papel no tratamento dos pacien-
têm sido utilizados no tratamento da SPM. Uma tes com cefaleia, porém a qualidade e a quantidade
das substâncias mais empregadas é a piridoxina dos estudos que as recomendam não são plenamente
(vitamina B6) na dose de 100 a 600 mg/dia. Essa convincentes. Deve ser considerado método auxiliar e
vitamina é cofator na biossíntese de dopamina de eficácia limitada, permanecendo à espera de novos
e de serotonina a partir do triptofano, atuando estudos com metodologia adequada.
como regulador da produção da monoaminoxida- Como fitoterápicos, podemos usar o extrato de
se (MAO). Suplementação de cálcio (200 mg/dia) passiflora, ácido gamalinoleico e o Hypericum perfura-
associado ao magnésio (100 mg/dia), na segun- tum. Sua eficácia é contestada por alguns autores, pois
da fase do ciclo, também tem sido recomendada, não há superioridade em relação ao placebo. As vita-
porém alguns estudos não mostram melhora sig- minas e os fitoterápicos devem ser usados apenas em
nificativa do quadro de SPM. casos leves.

TPM

Sintomas depressivos Sintomas somáticos


Medidas gerais
Dieta, apoio psicológico, exercícios

Enxaqueca Edema
Fluoxetina +
Sertralina ganho de peso
Paroxetina
Diazepínico
Combinados
Outros
Ergotamina
Anti-inflamatórios não hormonais
Sumatriptano

Bromoergocriptina,
Galactorreia ou
Lisurida,
Mastalgia grave
Carbegolina

Espironolactona
Sem resultado Hidroclorotiazida
Furosemida

Contraceptivos orais combinados


Associação diurético + antidepressivo

Ácido gama linoleico, Mg++, Ca++, Zn, Cu,


Vit. (B6, A, E) acupuntura, antroposofia,
homeopatia, ioga

Figura 7.2 Roteiro de tratamento da tensão pré-menstrual.

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CAPÍTULO

8
Dismenorreia

Introdução
Quase todas as mulheres sentem desconforto abdominal às vésperas da menstruação. Quando essa dor é
intensa, dificultando os afazeres habituais, fala-se em dismenorreia. Dismenorreia é definida como dor pélvica
pré-menstrual, com ou sem associação a sintomas sistêmicos. Os sintomas mais frequentes são: cólicas,
náuseas, vômitos, fadiga, nervosismo, dor lombar, diarreia, tonturas e cefaleia. Cinquenta por cento das mulhe-
res sofrem algum mal-estar no período menstrual, sendo que o distúrbio torna-se problemático em 5% a 10%
delas. Pode ocorrer nos diferentes grupos etários, incidindo em mais de 60% no grupo de 18 a 25 anos, prin-
cipalmente nas nulíparas.

Classi昀椀cação
Primária, intrínseca, essencial ou idiopática
Ocorre na ausência de doenças pélvicas orgânicas. Em geral, a dor surge na puberdade, 6 a 12 meses
após a menarca e quando ocorrem as menstruações ovulatórias. A dor acompanha o fluxo menstrual ou inicia-
-se poucas horas antes.

Secundária, extrínseca ou adquirida


Relaciona-se à doença pélvica orgânica, principalmente a endometriose, adenomiose, uso de DIU, mioma
submucoso e doença inflamatória. Decorre de causas que determinam congestão pélvica por ocasião da mens-
truação, originando fenômenos dolorosos ou de causas que levam à hipercontratilidade miometrial.
78
Ginecologia

A dor ocorre antes e durante a menstrua- tentes vasoconstritores que induzem a contração da
ção. Segundo a sua intensidade, pode ser considerada musculatura uterina, levando à hipoxia, à isquemia
leve, moderada e grave; devido ao fato de a dor ser um e à dor.
fenômeno subjetivo, apresenta dificuldades e limites O aparecimento da dor na dismenorreia pri-
para ser mensurada e estudada e, dessa forma, são mária ocorre, habitualmente, entre seis meses e
utilizados os critérios de avaliação da intensidade da dois anos após a instalação da menarca; inicia-se
dismenorreia (Tabela 8.1). algumas horas antes ou no 1º dia do catamênio
e, então, desaparece, gradativamente, nos dias
subsequentes. Na maioria das vezes, caracteri-
Sistema de avaliação verbal para a dismenorreia za-se por cólica de intensidade variável, desde
Sintomas leve até acentuada ou incapacitante, que situa-
Ativida- Dura- Atividades Analgési-
sistêmi- -se no hipogástrio, propagando-se à raiz das co-
de ção habituais cos
cos xas (face interna) e região lombossacral.
Leve 1º dia Normais Nenhum Raramente É comum, também, a aceleração do trato intes-
necessários tinal, traduzido por diarreia acompanhada de vômi-
Modera- 1 a 3 Diminuição Diarreia e/ Necessários tos. Raramente registra-se em cada menstruação a
da dias do rendimen- ou cefaleia expulsão de verdadeiro molde da cavidade do útero,
to acompanhada de intensa cólica no baixo ventre, sendo
Acentua- Antes e Nitidamente Presentes Pouco chamada dismenorreia membranácea.
da durante afetadas efeito
o fluxo Em aproximadamente 50% dos casos, há a
Tabela 8.1
associação da dismenorreia primária com a sín-
drome da tensão pré-menstrual, caracterizada
por nervosismo, náuseas, vômitos, cefaleia, fa-
diga etc.

Etiopatogenia Causas de dismenorreia secundária


As contrações uterinas da dismenorreia primá- Hímen imperfurado
ria mostram-se, em geral, incomuns, amplas e com Septo vaginal transverso
tônus miometrial elevado, não havendo relaxamen-
Estenose cervical
to entre uma contração e outra. O componente
psicogênico inegavelmente é relevante, porém não Anormalidades anatômicas uterinas
deve ser considerado de maior importância. Na Sinequias uterinas
maioria das vezes, a dor menstrual ocorre em pa- Pólipo endometrial
cientes com ciclos ovulatórios. Seu aparecimento Adenomiose
em mulheres com ciclos anovulatórios supõe
Leiomioma uterino
causa secundária (orgânica). Esse conhecimento
é de extrema importância na terapêutica da disme- Síndrome de congestão pélvica
norreia primária. Endometriose
A teoria miometrial descrita por Pickles Tumores pélvicos
baseia-se na contração da musculatura lisa ute- Anexites
rina devido ao fluxo menstrual. Em estudos pos- Hipoplasia uterina
teriores, identificaram-se as prostaglandinas
PGF2α e E2 em concentrações mais elevadas no Retroversão uterina acentuada
fluxo menstrual de mulheres com ciclo ovulatório Utilização de dispositivo intrauterino
do que nas com anovulação. A prostaglandina Tabela 8.2
PGF2α pode inf luenciar mecanismos álgicos
e aumenta a contratura da musculatura mio-
metrial. Já a PGE2 diminui a agregação pla-
quetária e aumenta a vasodilatação, aumen-
tando o f luxo menstrual.
Diagnóstico
Mais recentemente, verificou-se a possibili- O diagnóstico é fundamentalmente clínico e ba-
dade de aumento dos níveis sanguíneos de va- seia-se na anamnese, de forma que se diferencie a dis-
sopressina durante a menstruação, e também a menorreia primária e a secundária. Além disso deve
elevação de atividade da 5-lipoxigenase e au- ser avaliada a intensidade dos sintomas, de acordo
mento da síntese dos leucotrienos. Estes são po- com o exposto na Tabela 8.1.

SJT Residência Médica – 2016


79
8 Dismenorreia

A dismenorreia primária usualmente se inicia é limitada pelos efeitos colaterais, sensibilidade à


poucas horas antes ou logo no início do sangramen- droga ou contraindicações, que são basicamente
to. De intensidade variável, pode ou não acontecer relacionadas aos efeitos gastrointestinais.
concomitantemente a outros sintomas, como vômi- O emprego desses fármacos na terapêutica da
tos, diarreia, cansaço, cefaleia ou até episódios de
dismenorreia primária baseia-se nos conhecimen-
síncope. Não existem alterações dos sinais vitais, do
tos da ação fisiológica das prostaglandinas sobre a
aparelho urinário ou intestinal. Na palpação uterina musculatura uterina, atuando também sobre os va-
deve-se avaliar tamanho, volume, forma e mobilida- sos uterinos.
de, que se apresentam normais. Não devem existir
alterações à investigação clínica dos anexos, sem Classificam-se os agentes anti-inflamatórios
em dois tipos, segundo o local de ação. O tipo I inibe
massas ou dor localizados.
a síntese dos endoperóxidos, enquanto o tipo II atua no
Nos casos de dismenorreia secundária, a dor nível da conversão dos endoperóxidos em prostaglandi-
tende a existir duas semanas antes até alguns dias nas. Descreve-se, também, uma terceira variedade que,
após o sangramento menstrual. Seu diagnóstico está além de inibir a síntese da prostaglandina, bloqueia a
relacionado à presença de alterações no exame físico, ação desta no tecido-alvo, possivelmente por ocuparem
laboratorial ou de imagem, ou ainda nos casos de fa- os receptores das prostaglandinas.
lência do tratamento clínico com anticoncepcionais As drogas utilizadas para inibir a prostaglan-
hormonais orais ou anti-inflamatórios não esteroi- dina-sintetase são: ácido acetilsalicílico (débil ação
des por um período ideal de até seis meses com adap- sobre o útero), indometacina, ibuprofeno, napro-
tações de doses e drogas. xeno, piroxicam, entre outros. Os fenamatos e o
Entre os exames complementares, a ultrasso- piroxicam, além de inibirem a síntese da prosta-
nografia é obrigatória, enquanto a laparoscopia, a glandina, bloqueiam a ação das prostaglandinas
histerossalpingografia e a histeroscopia devem ser so- no órgão receptor. Os primeiros são administrados
licitadas no intuito de avaliação das causas orgânicas antes do fluxo, porém os fenamatos e o piroxicam
do quadro de dismenorreia ou nos casos em que hou- são administrados durante o catamênio. É prefe-
ver dúvida diagnóstica. rível, nas pacientes que não fazem contracepção,
iniciar o tratamento no 1º dia do fluxo por ser
ainda pouco conhecido o efeito dessas drogas so-
bre o embrião. Não esquecer que na falha desses
medicamentos os inibidores específicos da COX-2
Tratamento são muito úteis, pois inibem os leucotrienos, o que
as demais drogas deste grupo não fazem. O ibu-
A base do tratamento da dismenorreia passa profeno é superior aos demais anti-inflamatórios
pelo diagnóstico diferencial entre dismenorreia por apresentar boa eficácia com menores efeitos
primária e secundária, pois tem como fundamento colaterais. A utilização de piroxicam na apresenta-
sua etiologia. ção sublingual se mostrou também efetiva e com
rápido início analgésico.
A dismenorreia primária pode ser abor-
dada conforme o desejo ou a aversão das pa- O tratamento da dismenorreia secundária
cientes em relação à contracepção. Nos casos deve ser feito com foco na doença de base, com
de desejo de contracepção, a primeira escolha abordagem cirúrgica ou clínica de acordo com
é a utilização de anticoncepcional hormonal seus próprios critérios.
oral, que tem eficácia de até 90%, em compa- A psicoterapia superficial ou de apoio deve ser
ração o regime continuo apresenta melhor eficácia utilizada quando o fator psicogênico estiver presente,
no controle da dor nos primeiros 6 meses em com- como costuma acontecer em elevada parcela de pa-
paração com o regime cíclico, entretanto à partir cientes. Cabe ao especialista informar à paciente da
do sexto mês a eficácia é a mesma com ambos os pouca gravidade de sua doença.
regimes. Os anti-inflamatórios não esteroides são Tratamento cirúrgico: feito raramente e quan-
as drogas de primeira escolha na abordagem clíni- do o tratamento clínico falha. As técnicas mais utiliza-
ca de pacientes portadoras de dismenorreia pri- das são: dilatação do canal cervical, desnervação ova-
mária sem desejo de contracepção. Sua utilização riana e neurectomia pré-sacra.

SJT Residência Médica – 2016


80
Ginecologia

Dismenorreia Não deseja


primária contracepção

Deseja Moderada ou Leve


contracepção Medidas gerais acentuada

Contraceptivos AINH (Clonixinato de Lisina, Ibuprofeno, Aspirina ou


hormonais Naproxeno, Nimesulida, Diclofenacos, Acetaminofen
combinados Ácido Mefenâmico, Cetoprofeno,
Piroxican, Etoricoxib

Sem Sem
resultado resultado
Resultado
satisfatório
Sem
resultado
Associação
contraceptivo
+ AINH

Sem resultado

Acupuntura, TENS, Vit. B6, Nifedipina,


Veparamil, Beta-adrenérgicos,
Progestagênios, Análogos GnRh
Figura 8.1 Roteiro de tratamento da dismenorreia primária.

Os julgamentos nos impedem de ver o bem que existe por trás das aparências.
Wayne Dyer

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CAPÍTULO

9
Endometriose

De昀椀nição
Endometriose é uma doença não neoplásica caracterizada pela presença e proliferação do te-
cido endometrial fora da cavidade uterina. Tal proliferação geralmente apresenta um padrão progressiva,
embora possa haver regressão espontânea. Da mesma forma que o endométrio normal, o tecido da endome-
triose é estrogênio dependente, o que pode trazer ciclicidade aos sintomas, embora não seja uma regra.
Há duas formas anatomoclínicas:
€ Adenomiose (endometriose interna): quando a ectopia endometrial está localizada na camada muscular do
útero. Trata-se de uma invasão do miométrio por tecido endometrial, que põe estar em continuidade com o
endométrio tópico.
€ Endometriose externa: quando a ectopia endometrial está localizada fora do útero e não tem relação de con-
tinuidade anatômica com o tecido normalmente situado. A localização mais comum é ovariana, onde forma
estrutura cística com líquido espesso e achocolatado, chamado endometrioma.

Incidência
Estima-se que 10% a 15% das mulheres em idade reprodutiva possam ser portadoras dessa enfermidade.
A endometriose afeta mulheres na menacme, e a maior incidência se dá na quarta década de vida. As pacien-
tes mais propensas a apresentar a endometriose são as de raça branca, classe social mais favorecida, nulí-
paras, normotensas, ansiosas, e com história de dor pélvica. Em mulheres com este perfil, a laparoscopia
revela incidência de endometriose da ordem de 30%, ou seja, o dobro da média observada no pool completo de
mulheres em idade reprodutiva.
82
Ginecologia

Fatores Fatores Fatores Fatores


Etiopatogenia mecânicos genéticos imunes endócrinos

Há várias teorias para explicar a histogênese da Menstruação retrógrada


endometriose:
€ Teoria da implantação ou menstruação retró- Fatores Alterações
Endometriose
locais endometriais
grada ou teoria de Sampson (1927). O tecido
endometrial é transportado retrogradamente Figura 9.1 Fisiopatologia da endometriose.
através das tubas, durante o período menstrual, e
se implanta na superfície peritoneal e nos órgãos
pélvicos e abdominais.
Alterações imunológicas, cromossômicas
€ Teoria da disseminação mecânica ou iatrogê- e em células endometriais tópicas
nica. A implantação ocorreria durante uma ci-
rurgia com manipulação da cavidade uterina (p. Alterações imunológicas
ex. cesariana, miomectomia). Diminuição da citoxidade das células NK
€ Teoria da disseminação linfática e hematogê- Aumento de secreção de citocinas por macrófagos perito-
nica. Evidências microscópicas de endometriose neais
foram encontradas em linfáticos e linfonodos, Presença de anticorpos antiendometriais
explicando a endometriose em locais fora da ca-
vidade peritoneal. Alterações endometriais
€ Teoria da extensão direta. Invasão direta do en- Resistência à progesterona
dométrio ectópico através da musculatura uterina. Aumento de expressão de integrinas
€ Teoria uterotubária. É uma associação das teo- Maior capacidade de digestão da matriz extracelular
rias de extensão direta e da implantação, na qual
a migração retrógrada do tecido endometrial vi- Propriedade de induzir angiogênese
ável para o exterior da cavidade peritoneal foi a Desordens do ciclo celular (maior proliferação e menor
mais provável causa da endometriose. apoptose)
€ Teoria da metaplasia celômica. A mucosa da Expressão da enzima aromatase
maior parte do canal genital e do epitélio germi- Alterações cromossômicas
nativo do ovário representam modificações do
epitélio celômico, cujas células são totipotentes Polimorfismos nos genes da família CYP
e estímulos hormonais e infecciosos podem in- Polimorfismos nos genes que codificam os receptores
duzir estas células a se transformarem no tecido de progesterona
endometrial. Tabela 9.1
€ Teoria da indução. Uma substância química
liberada pelo endométrio pode estimular o me-
sênquima indiferenciado a sofrer uma trans-
formação metaplásica em glândulas e estroma

€
endometriais.
Teoria dos restos embrionários. Remanescen-
Classi昀椀cação
tes dos ductos de Wolf poderiam originar a en- Classificar a doença tem por finalidade a unifor-
dometriose ou, sob estímulos específicos, restos mização nos padrões de linguagem sobre a doença,
dos ductos de Müller poderiam ser ativados e,
tornando possível agrupar casos, traçar esquemas te-
assim, formar endométrio funcionante.
rapêuticos e fazer prognósticos.
€ Teoria composta. Combina a implantação, a
disseminação linfática/muscular e a teoria da ex- A classificação mais utilizada é a da American
tensão direta. Fertility Society, que avalia a quantidade total
da superfície afetada, diferenciando-a entre doença
As duas teorias mais aceitas são a da metaplasia
peritoneal, ovariana e tubária. A área considerada afe-
celômica, a do fluxo retrógrado e a da disseminação
mecânica. tada envolve não só aquela diretamente atingida por
tecido endometrial ectópico, mas também as aderên-
Na maioria dos casos a menstruação retrógra-
cias pélvicas (Figura 9.3).
da, presente em grande parte das mulheres, levaria o
tecido endometrial para a cavidade pélvica, onde sua Histologicamente pode ser classificada
fixação como endometriose de fato da-se apenas em como superficial ou profunda. Na primeira a en-
mulheres com predisposição genética, em quem o sis- dometriose compromete até 5 mm de profundi-
tema imune é ineficaz em destruir tal tecido. dade do tecido e, na segunda, acima de 5 mm.

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83
9 Endometriose

Pode-se ainda classificar a doença conforme sua


localização. A sede mais frequente dos implantes
pélvicos de endometriose é o ovário. Das porta-
doras de endometriose, metade tem os ovários
comprometidos e em 50% destas pacientes exis-
te o comprometimento ovariano bilateral. Tal fato
deve-se à localização ovariana (mais próximo das tubas)
e à alta concentração de local de estrogênios. Em segui-
da, por ordem de incidência, temos o acometimento do
fundo de saco posterior, do peritônio vesicouterino, da
parte posterior do ligamento largo, dos ligamentos ute-
rossacros, das tubas uterinas, do útero, do septo retova-
ginal, do cólon, do sigmoide, da cérvix uterina, da vulva
e da vagina. Já fora da pelve, o local mais comum de
comprometimento é o intestino.

Figura 9.2 Endometriose ovariana (A e B) e peritoneal (C).

Figura 9.3 Classificação (da American Fertility Society) para endometriose.

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84
Ginecologia

Quadro clínico Exame físico


O exame ginecológico pode evidenciar dor e ou
O quadro clínico da endometriose se caracteri- nodulações em locais afetados.
za por uma díade, composta de: dores em cólica de
forte intensidade no período menstrual (dismenor- Assim, é frequente desconforto à palpação dos li-
reia) e dor profunda à relação sexual (dispareunia gamentos uterossacrais e regiões anexiais, bem como
profunda). A endometriose, por acometimento ova- nodulações vinhosas e dolorosas no fórnice posterior
riano ou distorção anatômica das tubas, também da vagina, uma vez que essas localizações são as mais
pode causar infertilidade, mas em proporção muito freqüentemente acometidas.
menor que no passado. A mobilização do útero pode ser dolorosa, e o
É possível, eventualmente, notarem-se outras aumento do volume dos ovários pode denunciar en-
manifestações da doença, como: palpação tumora- dometriomas. Retroversão uterina é frequente
ções ovarianas (endometriomas); alterações gas- em pacientes acometidas pela doença, e a relação
trointestinais, como disquesia (dor à evacuação), en- entre essa posição e a endometriose ainda não foi de-
terorragia cíclica e dor à eliminação de gases; dor ao vidamente estabelecida. Entretanto, quando a retro-
urinar com ou sem hematúria. Sintomas em órgãos versão é fixa, a probabilidade de doença na escavação
adjacentes podem ou não estar relacionados ao seu retouterina é grande.
envolvimento direto.
Em alguns casos, pela implantação de células en-
dometriais durante cirurgia ginecológica (histerecto-
mia, cesariana e miomectomia), podem-se encontrar Diagnóstico complementar
nódulos na parede do abdome, que também apresen-
tam dor cíclica. O diagnóstico definitivo de endometriose é
feito por meio de análise anatomopatológica de
Geralmente, o diagnóstico de endometriose é
lesões suspeitas. A laparoscopia é o melhor mé-
confirmado entre a 3ª e a 4ª décadas de vida. No en-
tanto, o tempo médio entre o início dos sintomas e a todo para a obtenção do material, e ainda permi-
confirmação acontece em cerca de 8 anos, portanto a te classificar e estadiar a doença.
doença tem seu início, frequentemente, na adolescên- Macroscopicamente, a lesão clássica no
cia. Esse atraso diagnóstico decorre da não valorização peritônio é aquela que apresenta o aspecto de
adequada dos sintomas, tanto pela paciente quanto, “chamuscado de pólvora queimada”, entretanto o
em alguns casos, pelo médico. A maioria das pacien- aspecto pode variar de acordo com o estádio da doen-
tes é nuligesta, pois a gestação e a lactação são perí- ça. As lesões não pigmentadas (em “chama de vela”)
odos de mitigação dos níveis plasmáticos de estrogê- são as mais novas e metabolicamente mais ativas e,
nio e de aumento de progesterona. Por outro lado, a portanto, estão associadas a um quadro de sintoma-
menarca precoce, as malformações uterinas e a tologia dolorosa mais exuberante, lesão avermelhadas
estenose do orifício do colo uterino são fatores são estágio intermediário, já as lesões enegrecidas são
predisponentes. mais antigas.
A biópsia da lesão suspeita deve ser exci-
sional, sendo realizada englobando a área de
Sintomas da endometriose fibrose. O diagnóstico definitivo é feito através da
Sintomas menos co- identificação de glândulas e estroma endometriais no
Sintomas mais comuns material de biópsia.
muns
Dismenorreia Disquesia Nem sempre a laparoscopia estará indicada, es-
Infertilidade Diarreia pecialmente se a dor ceder a tratamento clínico e não
houver infertilidade. Nesses casos, far-se-á o diagnós-
Dispareunia Constipação intermitente
tico presuntivo, baseando-se na clínica e em alguns
Dor pélvica crônica Dor abdominal cíclica exames complementares, como:
Disúria – A histerossalpingografia: forma uma ima-
Hematúria gem em guarda-chuva, devido à retroversão fixa cau-
Até 1/3 das mulheres sada pela endometriose da parede posterior do útero
com endometriose é e ligamentos uterossacros. A imagem em baioneta é
assintomática resultado da alteração do ângulo istmo corpóreo
Tabela 9.2 e é bastante típica.

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85
9 Endometriose

– A ultrassonografia: confirma a presença de massa do GnRH por três a seis meses seguidos de laparoscopia.
pélvica, seu tamanho, seu volume e se há modificações O agonista do GnRH, além de atrofiar os focos de en-
com o tempo. Tem-se usado bastante ultrassonografia dometriose, deixa as aderências pélvicas mais frouxas.
pélvica com preparo intestinal, e esta vem mostrando Na sequência, por laparoscopia, retiram-se todos os fo-
sensibilidade semelhante à ressonância magnética. cos visíveis da doença, além de se praticar a lise de ade-
rências. No pós-operatório a conduta depende se o casal
– Ressonância Magnética de Pelve: pode mostrar
quer ou não engravidar. Se o casal não quer engravidar,
implantes pélvicos e espessamentos ligamentares.
mantém-se a paciente com anticoncepcional oral com-
– Os níveis de CA-125: são altos na super- binado contínuo ou agente progestacional. Caso o casal
fície das membranas das lesões endometriais, opte pela gestação, deve-se aconselha-lo a fazê-lo o mais
apresentando positividade em 48%. Como pode rapidamente possível, na medida em que a taxa de recidi-
estar aumentado em diversas situações, como DIPA, va da doença é alta.
menstruação, neoplasias epiteliais, anexite, adenomio-
se, salpingite aguda e gravidez, deve, então, ser dosado
no início do ciclo menstrual, podendo refletir atividade
da doença. Este marcador apresenta sensibilidade de Da dor
20% a 80% e especificidade de 80%, com performan- Como se trata de doença estrogenio-dependente,
ce diagnóstica reduzida. Parece ser melhor como teste o tratamento ideal baseia-se na suspensão da ativida-
diagnóstico nos estágios III e IV. Outro marcador é o de ovariana, que pode ser obtida com o uso de agentes
CA 19-9, que apresenta positividade em torno de hormonais, em especial aqueles à base de progesterona
52% nas pacientes com endometriose. (Tabela 9.3). As drogas disponíveis e estudadas até o
Níveis séricos da IL-6 acima de 2 pg/mL (90% presente têm eficácia semelhante com diferentes per-
de sensibilidade e 67% de especificidade) e de fator fis de efeitos adversos e custos. Os anti-inflamatórios
de necrose tumoral alfa (TNF-α) no líquido peritoneal e analgésicos são apenas sintomáticos e coadjuvantes
acima de 15 pg/mL (100% de sensibilidade e 89% de no tratamento.
especificidade) podem ser usados para diferenciar en-
tre pacientes com e sem endometriose. Tratamento clínico da endometriose*
Frequên-
Medicamento Via Dose
cia
Endometriose: diagnóstico
Progestogênios
Acetato de medroxi- VO 30 mg Diária
Clínico Exames Cirúrgico -progesterona
complementares
Acetato de medroxi- IM 150 mg Cada 3
-progesterona (depot) meses
Marcadores
imagem Antiprogestogênios
Gestrinona VO 1,25 ou 2 vezes/
Figura 9.4 Diagnóstico da endometriose.
2,5 mg semana
Danazol VO 400 Diária
(2 x 200 mg)
Agonista do GnRH
Tratamento Leuprolide SC l mg Diária
O tratamento da endometriose pode ser clíni- IM 3,75 mg Mensal
co, cirúrgico ou envolver a combinação de ambos.
Goserelina SC 3,6 mg Mensal
Independentemente da modalidade terapêutica es-
colhida, o objetivo principal é o alívio da dor, a Buserelina IN 3 x 300 mg Diária
obtenção de gravidez e a prevenção de recorrên- Nafarelina IN 2 x 200 mg Diária
cias. Embora haja inúmeros estudos na literatura, os
Triptorelina IM 3,75 mg Mensal
achados são contraditórios e inconclusivos. A melhor
abordagem terapêutica para a endometriose ainda Tabela 9.3 VO: via oral; SC: subcutânea; IM: intra-
não foi estabelecida. muscular; IN: intranasal. *Duração habitual: seis meses.
Atualmente prefere-se apenas tratamento clí-
nico às mulheres que não apresentam infertilida-
de, que não possuem obstruções e que respondem O danazol é agente androgênico que induz
bem a estas medidas. Para as demais, o tratamento amenorreia pela supressão do eixo hipotálamo-hipó-
considerado de escolha é o combinado: clínico e cirúrgi- fise-ovário, além de aumentar os níveis séricos dos
co. A opção mais usada, nestes casos, é uso de agonistas androgênios e reduzir os de estrogênios. Embora a

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86
Ginecologia

eficácia do danazol no alívio da dor em pacientes com Opções menos usadas são os inibidores da
endometriose tenha sido demonstrada por inúmeros enzima aromatase. Os implantes de endometriose
estudos, o seu uso é limitado pelos efeitos cola- contêm a enzima aromatase P450, possuindo então a
terais androgênicos (edema, ganho de peso, acne, capacidade de converter precursores estrogênicos, an-
oleosidade da pele e hirsutismo). Além disso, é con- drostenediona e testosterona, em estradiol e estrona:
traindicado em pacientes com doença hepática independem, portanto, dos esteroides ovarianos para
ou dislipidemia. sobreviver. O anastrozol (1 mg/dia) e o letrozol (2,5 mg/
dia) podem ser associados aos análogos do GnRH, tam-
Os agentes progestacionais vêm sendo usa-
bém por seis meses, visando elevar o índice de sucesso
dos no tratamento da endometriose há vários anos. com o tratamento clínico.
Esses compostos induzem decidualização endome-
trial, além de inibir a ovulação e produzir amenor- O sistema intrauterino de levonorgestrel
reia. Os progestogênios mais usados no tratamento (SIU-LNG-Mirena®) parece produzir alívio da dor em pa-
da endometriose são o acetato de medroxiproges- cientes com endometriose comparável ao obtido com os
terona (MPA) por via oral (20 mg-100 mg/dia) ou análogos do GnRH. O SIU-LNG é uma opção para mu-
lheres com endometriose e dor pélvica que não desejam
parenteral (150 mg IM trimestral). Outros proges-
engravidar pelo melhor custo-benefício, além de não cau-
togênios utilizados no tratamento da endometriose
sar hipoestrogenismo e apresentar efeito a longo prazo.
incluem o acetato de noretindrona (5 mg - 20 mg/
A Tabela 9.4 apresenta as recomendações baseadas em
dia), o acetato de megestrol (40 mg/dia), o desoges-
evidências da Sociedade Europeia de Embriologia e Re-
trel (75 mcg/dia) e, mais recentemente, dienogeste
produção Humana (ESHRE) para o tratamento da dor
(2mg/dia). Os efeitos colaterais incluem ganho de
pélvica crônica na endometriose.
peso, retenção hídrica, mastalgia, sangramento ge-
nital e depressão.
Os anticoncepcionais orais combinados Tratamento da DPC na endometriose
(ESHRE, 2005)
(ACO) usados de maneira contínua ou cíclica consti-
tuem outra opção no tratamento da endometriose. O € Uso de A1NE pode ser eficaz no tratamento da
uso ininterrupto do ACO induz amenorreia e decidu- dor na endometriose (grau A, nível la).
alização endometrial, além de mimetizar o ambien-
te hormonal gravídico (“pseudogravidez”) e induzir € Supressão da função ovariana por 6 meses me-
apoptose do endométrio ectópico dessas pacientes. lhora a dor. As drogas investigadas (GnRH,
ACO, danazol, gestrinona e AMP são igualmen-
Os análogos do GnRH são, na atualidade, os te eficazes, mas o perfil de efeitos adversos e cus-
medicamentos de escolha para o tratamento clí- tos são diferentes) (grau A, nível la)
nico da endometriose. Esses agentes induzem um
€ SIU-LNG parece ser eficaz no tratamento da dor
estado hipoestrogênico devido à dessensibilização dos
na endometriose, mas as evidências até o mo-
receptores hipotalâmicos e hipofisários com conse- mento não são suficientes para serem feitas re-
quente redução da secreção das gonadotrofinas. Assim, comendações
observa-se supressão da ovulação e, por conseguin-
te, da secreção estrogênica. A falta de estrogênio terá
€ Dependendo da gravidade da doença, o ideal é
diagnosticar e remover os implantes identifica-
efeitos, também, diretamente sobre as células endome-
dos no mesmo tempo cirúrgico (GPP)
triais ectópicas promovendo a apoptose. São inúmeras
as formulações disponíveis, com várias formas de admi- € Não há evidências de que a LUNA seja necessá-
nistração, intramuscular, subcutânea e nasal. Podem ria, pois não influencia ocorrência de dor asso-
ser aplicados diariamente (spray nasal), mensalmen- ciada à endometriose; remoção da doença infil-
te ou trimestralmente (IM/SC), por não mais de seis trativa pode reduzir dor (GPP)
meses. Como efeito colateral, temos sinais e sintomas
semelhantes aos encontrados no climatério, fogachos, € As evidências não sugerem benefício do trata-
alterações psíquicas, diminuição da libido e do trofismo mento hormonal pré-operatório
vaginal e, principalmente, diminuição de massa óssea.
Podemos, pela adição de pequenas doses de compostos
€ Uso pós-operatório de GnRH ou danazol, as-
com ação estrogênica, diminuir esses efeitos colaterais, sociado à redução de dor, retarda recorrência
bem como inibir a perda de massa óssea, sem prejudi- quando comparado ao placebo (grau A, nível la)
car o efeito da medicação sobre a doença; para tanto,
prescrevemos estrogênios equinos conjugados 0,3 mg Tabela 9.4 DPC: dor pélvica crônica; AINE: analgési-
a 0,625 mg por dia, ou tibolona 2,5 mg/dia. Pelo fato co anti-inflamatório não esteroide; LUNA: neurectomia
de poderem ser usados por apenas seis meses acabam pré-sacral; GPP: recomendação de boa prática clínica;
sendo preferíveis no final da vida menstrual, ou como SIU-LNG: sistema intrauterino de liberação de lev-
adjuvantes em terapia cirúrgica. onorgestrel.

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87
9 Endometriose

vado. Aparentemente, nem o estádio da doença nem a


Da infertilidade presença de endometrioma influenciam os resultados.
Em suma, a melhor opção terapêutica para
O tratamento da infertilidade em pacientes com
mulheres inférteis com endometriose deve levar
endometriose é controverso. Em mulheres inférteis, a
em consideração:
prevalência de endometriose varia entre 20% a 50%,
mas o modo pelo qual a endometriose produz infer- € Idade da mulher;
tilidade, exceto na presença de distorção da anatomia € Presença de outros fatores de infertilidade;
pélvica, ainda não foi elucidado. Acredita-se que diver- € Custos;
sos mecanismos estejam envolvidos, resultando em
€ Risco-benefício.
disfunção do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, redu-
ção da qualidade ovular e embrionária e, consequen- A Tabela 9.5 apresenta as recomendações basea-
temente, das taxas de implantação e gravidez. Dessa das em evidências da Sociedade Europeia de Embriolo-
forma, a opção de terapêutica dependerá de fatores gia e Reprodução Humana (ESHRE) para o tratamento
individuais, como idade da paciente, tempo de infer- da infertilidade na endometriose.
tilidade e presença de outros fatores de infertilidade.
Tratamento da infertilidade na endometriose
€ A supressão da ovulação não deve ser oferecida para o
Opções terapêuticas tratamento da infertilidade (grau A, nível la)
€ Tratamento cirúrgico; € A ablação das lesões associada à adesiólise em pacientes
com endometriose mínima/leve é eficaz quando com-
€ Técnicas de reprodução assistida (TRA);
parada à videolaparoscopia diagnóstica (grau A, nível la)
€ Inseminação intrauterina (IIU); € Não há estudos randomizados controlados disponíveis
€ Fertilização in vitro (FIV). estabelecendo o valor do tratamento cirúrgico da infertili-
€ Injeção intracitoplasmática de espermatozoide dade na endometriose moderada/severa (grau B, nível 3)
(ICSI). € Uso de danazol ou GnRH após a cirurgia não mel-
O tratamento clínico não deve ser utilizado hora a fertilidade (grau A, nível 1b)
na infertilidade, uma vez que as medicações dis- € A IIU com indução da ovulação é um tratamento
poníveis não aumentam a fertilidade e impossi- eficaz para os casos de infertilidade e endometriose
bilitam a concepção durante o tratamento. mínima/leve (grau A, nível 1a)
A literatura é controversa quanto aos benefícios € A FIV é tratamento adequado para os casos de dis-
do tratamento cirúrgico da infertilidade. É impor- torção da anatomia pélvica e/ou falha de outros trata-
tante ressaltar que a cirurgia deve ter o compromisso mentos (grau B, nível 2b)
de promover a fertilidade e não comprometê-la ou Tabela 9.5
agravá-la. Dessa forma, deve-se ter cuidado espe-
cial com os ovários, evitando-se cirurgias repetidas
que podem comprometer a reserva folicular, além de
prevenir ou minimizar aderências. As condutas ope- Endometriose de cicatriz
ratórias devem ser individualizadas, ponderando-se cirúrgica
sobre a idade e adequando-as a recursos exequíveis.
O uso pré ou pós-operatório do tratamento medica- O tratamento é exclusivamente cirúrgico e con-
mentoso não traz quaisquer benefícios para o trata- siste na remoção, com margem de segurança, de todo
mento da infertilidade em pacientes assintomáticas. o tecido endometrial.
O uso de indução da ovulação e IIU deve le-
var em consideração:
€ Idade da paciente (reserva ovariana); Endometrioma de ovário
€ Presença de anatomia pélvica normal; A manifestação ovariana da endometriose ocor-
€ Ausência de fator masculino grave. re, às vezes, pelo desenvolvimento de tumor denomi-
O tratamento deve ser oferecido por curto perío- nado endometrioma. A imagem ultrassonográfica é tí-
do de tempo (três a seis ciclos). pica e visibiliza-se cisto hipoecogênico com partículas
em suspensão. O principal diagnóstico diferencial é o
A FIV diminui a incidência de gravidez ectópica
cisto de corpo lúteo hemorrágico.
após endometriose, uma vez que impede que gametas
e embriões se implantem num ambiente peritoneal O tratamento clássico consiste na remoção da cápsu-
hostil, constituindo-se uma opção em casos de distor- la do endometrioma, de preferência por videolaparoscopia.
ção da anatomia pélvica ou se houver outros fatores Em endometriomas grandes ou recidivantes, quando não
de infertilidade associados, mas apresenta custo ele- há mais desejo reprodutivo, opta-se pela ooforectomia.

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88
Ginecologia

Salienta-se que no caso de pacientes jovens, com


desejo de engravidar no futuro, é possível tentar-se Prevenção da recidiva
a gestação, por algum tempo, sem a remoção do en-
dometrioma, mas, optando-se pela cirurgia, deve-se Se a mulher voltar a menstruar após a elimina-
manusear o ovário da forma mais criteriosa possível ção da doença peritoneal, então é provável que ela
e usar o mínimo necessário de corrente elétrica para tenha novamente refluxo menstrual transtubárico
evitar dano ao parênquima sadio. que, associado ao fator pessoal ainda desconheci-
do, pode levar à recidiva da endometriose. Por isso,
quando não há desejo imediato de gestação, procu-
ra-se produzir amenorreia com anticoncepcionais
orais combinados.
Malignidade
O preferencial é o uso de composto de etiniles-
A transformação maligna da endometrio- tradiol 0,003 mg com levonorgestrel 0,15 mg de forma
se é evento raro; acredita-se que ocorra em 1% contínua; o desogestrel (75 mcg) é útil. O dispositivo
das pacientes com a doença. Quando ocorre, a intrauterino de progesterona também se apresenta
sede mais frequente é o ovário (75% das vezes), como opção.
seguido pelo septo retovaginal. O tipo histológi-
co mais frequentes é o carcinoma endometrioide, Em casos de doença severa e paciente com filhos
seguido pelo de células claras. O tratamento segue os e/ou que não quer mais engravidar, pode-se indicar a
mesmos preceitos do carcinoma de ovário. Essas mu- histerectomia. A retossimoidectomia é opção às mu-
lheres apresentam sempre elevados valores de IGF-1. lheres com acometimento do intestino.

Sintomas sugestivos
de endometriose

Dor Infertilidade

Dor mínima ou Dor leve Dor de moderada CC + IIU Laparoscopia:


perimenopausa a intensa empírica Diagnóstico/tratamento
Excisão/ablação
Lise das aderências
Tratamento AINEs, COCs
expectante Progestogêniosa Laparoscopia:
Dor
ou ensaio Diagnóstico/tratamento
persistente
terapêutico Excisão/ablação Fertilização in vitro
com GnRHa Lise das aderências Superovulação + IIU

Tratamento clínico Recorrência


pós-operatório

Tratamento Cirurgia
Adolescentes Adolescentes Adultas clínico definitiva
Dor
< 16 anos > 16 anos agonista GnRH caso não
persistente
COCs agonista GnRH (+ terapia de acréscimo se planeje
(+ terapia de [add-back]) mais filhos
acréscimo Danazol, COCs
[add-back]*) Progestogênios ou
ou COCs inibidores da aromatase

Figura 9.5 Algoritmo para diagnóstico e tratamento de mulheres com endometriose suspeita ou comprovada.
CC: citrato de clomifeno; COCs: contraceptivos orais combinados; GnRH: hormônio liberador da gonadotrofina; IIU:
inseminação intrauterina; AINEs: anti-inflamatórios não esteroides. aAgente não recomendado para adolescentes
com menos de 16 anos. *N. de T. Terapia add-back é aquela feita com uma pequena quantidade de progesterona ou
com progesterona e estrogênio utilizada concomitantemente com os agonistas do GnRH.

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CAPÍTULO

10
Vulvovaginites

lático, resultando em um aumento do pH vaginal, que


Introdução pode alterar a flora. Uso de antibióticos, irritação local
da mucosa vaginal, alterações hormonais, hábitos de hi-
O conteúdo vaginal normal é constituído de giene, atividade sexual etc., também podem promover
fluidos tubário e endometrial, muco cervical, cé- mudanças no ambiente vaginal tornando-o favorável
lulas descamadas da vagina, transudato das pa- para o crescimento de microrganismos patogênicos.
redes vaginais, das glândulas sebáceas e apócri-
nas da vulva, das glândulas de Skene e Bartholin. Pela ação desses patógenos é possível que ocorra
O muco cervical é um dos principais componentes uma série de sintomas, como queimação, prurido, dis-
desse conteúdo vaginal, principalmente na metade do pareunia; e sinais, como edema vulvar, inflamação va-
ciclo menstrual, devido à influência estrogênica que o ginal, corrimento e odor desagradável. Embora estes
torna abundante e fluido. A produção média diária sinais e sintomas não sejam específicos, a sua presença
é de 3 a 5 gramas. deve ser investigada, na tentativa de que seja realizado
um diagnóstico correto, com um tratamento efetivo.
O conteúdo vaginal ainda conta com a presença
de micro-organismos. O principal componente da O corrimento vaginal é a manifestação mais
microbiota vaginal normal é o bacilo de Doder- frequente dessas infecções e é o responsável por cer-
lein (lactobacilo), presente em cerca de 90% das ca da metade das consultas ginecológicas. É definido
mulheres assintomáticas. Outros componentes como toda perda líquida ou semilíquida pela va-
bacterianos também fazem parte da microbiota vagi- gina, que não seja sangue. Entretanto ele também
nal e agem conjuntamente, inibindo a proliferação de pode ser decorrente do exagero das secreções normais,
microrganismos com potencial patogênico. e o desafio é diferenciar situações normais de patológi-
cas, descobrir o patógeno e tratar de maneira adequada.
Os bacilos de Doderlein, ajudados por outras
bactérias, promovem a conversão de glicogênio A descrição da paciente em relação às caracte-
em ácido lático. Esse processo ajuda na manuten- rísticas do corrimento nem sempre é útil para o diag-
ção do pH vaginal ácido (entre 3,8 e 4,2), o que nóstico correto. Nenhum sintoma é único ou patog-
permite o equilíbrio de toda a microbiota. Uma nomônico de qualquer causa de corrimento vaginal.
diminuição relativa do estrogênio, como na menopau- Portanto, o profissional não deve tratar a mulher com
sa, associa-se à queda dos níveis locais de glicogênio queixa de corrimento vaginal sem realizar no mínimo
e, consequentemente, altera sua conversão em ácido um exame ginecológico cuidadoso.
90
Ginecologia

Ao realizar o diagnóstico baseando-se ape- ao exame a fresco. A vaginose foi chamada de bac-
nas nas características clínicas do corrimento, teriana devido à ausência de fungos ou parasitas
pode-se incorrer em erro. Por isso, a observação como fatores causais.
cuidadosa deve ser apenas a primeira etapa de Trata-se de síndrome caracterizada por in-
um procedimento sistemático de testes de fácil fecção polimicrobiana, resultante da prolifera-
execução. Recomendam-se os seguintes: ção maciça de uma microbiota bacteriana mista,
Medida do pH vaginal: teste rápido e simples associada a uma grande diminuição de lactobaci-
que produz informações valiosas, realizado com fita de los, cuja ocorrência depende do sinergismo en-
papel indicador de pH colocada em contato com a pa- tre Gardnerella vaginallis e bactérias anaeróbias,
rede vaginal. Deve-se tomar cuidado para não tocar o particularmente Mobiluncus e Bacteroides.
colo, que possui pH mais básico do que a vagina e pode Cabe ressaltar que a Gardnerella, isoladamente,
provocar distorções na leitura. O valor do pH vaginal pode fazer parte da microbiota vaginal normal, não
fisiológico varia de 3,8 a 4,5. necessitando de tratamento se não produzir sintomas.
Teste das aminas (teste do cheiro): aminas, As bactérias anaeróbias produzem as enzimas
em especial cadaverina, putrecina e trimetilamnina, que são responsáveis pelo odor de pescado, que está
são produzidas pela flora bacteriana vaginal, parti- intimamente associado à síndrome, dado que produ-
cularmente pelos germes anaeróbicos, podendo ser zem aminas em grande quantidade quando em am-
identificadas quando o conteúdo vaginal é misturado biente de pH alcalino, sendo as principais: cadaverina,
com uma gota de hidróxido de potássio (KOH) a 10%. putrecina e trimetilamina.
O teste é considerado positivo quando exala odor de-
Assim, a a secreção vaginal na vaginose bac-
sagradável (“odor de peixe”), indicando quantidade
teriana é caracterizada pela presença de Gardne-
anormalmente alta de anaeróbios.
rella vaginallis e bactérias anaeróbicas associada a re-
Bacterioscopia do conteúdo vaginal: a aná- dução do número de lactobacilos.
lise microscópica do conteúdo vaginal é, na prática,
método útil no diagnóstico etiológico do corrimento
vaginal. Tal conteúdo poderá ser analisado a fresco,
com KOH a 10% e/ou esfregaço corado pelo Gram. O Epidemiologia
achado microscópico típico do conteúdo vaginal nor-
A incidência da doença varia de acordo com a po-
mal inclui: células epiteliais vaginais em quantidade
pulação. No Brasil, a incidência é de aproximadamente
moderada (usualmente em maior número que os leu-
45% das das doenças vaginais infecciosas, mas há es-
cócitos); predominância de lactobacilos em relação às
tudos com índices mais reduzidos, de até 10%.
outras espécies de bactérias; ausência de clue cells ou
Trichomonas vaginalis. Geralmente, a vaginose bacteriana afeta mulhe-
res em idade reprodutiva, indicando um possível papel
Causas de corrimento vaginal dos hormônios sexuais na sua patogênese. Segundo
Amsel (1983), o maior fator de risco para a vaginose
€ Corrimento vaginal fisiológico
é o número de parceiros sexuais, embora não seja con-
€ Vulvovaginites infecciosas
(vaginose bacteriana, candidíase, tricomoníase) siderada uma DST. O uso de métodos de barreira e
€ Vulvovaginites não infecciosas (irritativas, alérgicas) de anticoncepcionais orais (ACO) parece prote-
€ Cervicite (pelo HPV ou gonocócica) ger contra a VB. No caso dos ACO, estes atuam pro-
Tabela 10.1 movendo a proliferação de uma microbiota composta
predominantemente por lactobacilos.
A importância da vaginose não se deve ape-
nas à sua elevada frequência e à sua sintomato-
Vaginose bacteriana logia desagradável, mas, principalmente, ao re-
lacionamento com patologias obstétricas, tais
A vaginose bacteriana (VB), anteriormente como corioamnionite, trabalho de parto prema-
chamada de vaginite inespecífica ou vaginite turo e endometrite pós-parto. Além dessas en-
por Gardnerella, é a mais frequente das infec- tidades, há também relação com endometrites,
ções genitais baixas, sendo responsável por salpingites (DIPA), infecções pós-operatórias,
40%-50% dos casos. Utiliza-se o termo vagino- infecções do trato urinário e até mesmo displa-
se, em vez de vaginite, para destacar a discreta sia cervical, acreditando-se que as aminas pro-
resposta inflamatória observada nessa infecção, duzidas pela ação dos anaeróbios sejam impor-
denotando uma ausência marcante de leucócitos tantes cofatores carcinogênicos.

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91
10 Vulvovaginites

26,3% das pacientes ainda apresentam pH > 4,7, o pH


Diagnóstico vaginal tem valor questionável como critério de cura e
Pelo fato de a vaginose bacteriana consti- na predição da recorrência.
tuir-se como uma síndrome, não basta a iden- 3. Teste das aminas fortemente positivo (teste
tificação da Gardnerella vaginallis para o seu de Whiff ), utilizando-se o hidróxido de potássio a 10%
diagnóstico, até porque essa pode ser comensal (KOH). O odor característico de peixe pode ser reco-
da vagina, caso não haja sintomas. Na prática, o nhecido ao exame especular, mas se torna mais inten-
diagnóstico presumível é realizado quando são so quando o KOH é adicionado.
encontrados três ou mais dos seguintes critérios
de Amsel: 4. Presença de células indicadoras (clue cells). Gard-
ner e Duke foram os primeiros a descrevê-las. São repre-
1. Corrimento branco-acinzentado, com peque- sentadas pelas células epiteliais vaginais, com uma borda
nas bolhas e odor fétido (“odor de peixe”) que piora borrada e granular, devido ao grande número de cocoba-
durante o coito e à menstruação, aderente às paredes cilos de G. vaginallis aderidos à sua superfície. Posterior-
vaginais, apesar de serem facilmente removíveis. mente, outras bactérias foram identificadas, recobrindo
2. pH vaginal > 4,5. O pH pode ser determinado as células epiteliais vaginais. O Mobiluncus, por exemplo,
utilizando-se um papel de pH em contato com o fluido pode ser detectado ao longo das células indicadoras,
vaginal. Nos casos de VB, usualmente é > 4,7. A eleva- como bastões curvos com motilidade tipo saca-rolha. As
ção do pH é o critério diagnóstico mais sensível, porém células indicadoras são detectadas pelo exame a fresco,
o menos específico para VB, uma vez que este pode ser quando a secreção vaginal é misturada à solução salina
influenciado por sangramento vaginal, duchas e coito e examinada ao microscópio. É o exame mais sensível e
recente. Como após um mês de tratamento efetivo até mais específico no diagnóstico de vaginose bacteriana.

Desequilíbrio Diminuição acentuada


do ecossistema  pH vaginal de lactobacilos
vaginal produtores de H2O2

Fator desencadeante
(contato sexual?) Proliferação da Proliferação de
G. vaginalis microplasmas, bacteróides
(anaeróbios facultativos) e Mobiluncus
(anaeróbios obrigatórios)

Odor de peixe

 Potencial de
Aminas voláteis óxido-redução

Produção de aminas Aminopeptidases


descarboxilases
Figura 10.1 Fluxograma da vaginose bacteriana.

Critérios de Nugent
Os critérios de Nugent (ou gradiente de Nugent) constituem um sistema de escore para o diagnóstico de
VB com coloração pelo Gram que quantifica os elementos microbiológicos. Fundamenta-se, principalmente, na
quantidade de lactobacilos e outras bactérias. Tendo como padrão de normalidade escores variando de 0 a 3; flora
vaginal indefinida, o escore de 4 a 6; e o diagnóstico de vaginose bacteriana, um escore de 7 a 10.

Critérios de Nugent
Escore Lactobacillus spp. Gardnerella bacteroides Bacilos curvos: Mobiluncus
0 ++++ Neg. Neg.
1 +++ + + ou ++
2 ++ ++ +++ ou ++++
3 + +++
4 Neg. ++++
Tabela 10.2 Critérios de Nugent.

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92
Ginecologia

A cultura de secreção vaginal, que é o método de escolha para fechar o diagnóstico de vulvovaginite, perde
seu valor na VB, uma vez que é provacada por vários patógenos e não por um único agente.

Tratamento
O objetivo do tratamento é aliviar a sintomatologia e restabelecer o equilíbrio do sistema vaginal. Como
medidas gerais, preconizam-se a abstinência sexual, higiene local (duchas vaginais com peróxido de hidrogênio a
1,5%), calcinha de algodão e banho com sabonete neutro. O peróxido de hidrogênio libera oxigênio e cria ambien-
te desfavorável ao crescimento das bactérias anaeróbias causadoras da doença.
Quanto à terapêutica medicamentosa, ela deve ser preferencialmente sistêmica, com ou sem medicação
tópica, sendo o metronidazol a droga de escolha.

Sistemicamente, dispomos das seguintes opções de tratamento:


Derivados imidazólicos mais utilizados por via sistêmica: secnidazol ou tinidazol na dose de 2 g/dose única por
via oral, ou metronidazol também 2g VO em dose única ou também 400 mg VO de 8/8 horas por sete dias. Os índices
de cura são superiores a 90%. Quanto ao parceiro, embora controverso, prefere-se tratá-lo apenas quando houver reci-
diva. Os efeitos colaterais mais intensos são gastrintestinais, como náuseas e sabor metálico. A interação com o álcool
decorre da capacidade dos imidazólicos inibirem a enzima álcool desidrogenase. A potencialização de anticonvulsivan-
tes e anticoagulantes warfarínicos pode ser observada. Contraindica-se seu emprego no 1° trimestre da gravidez. Como
opção terapêutica, usa-se a amoxicilina, na dose de 500 mg, a cada 8 horas, VO, ou ampicilina, 500 mg, a cada 6 horas,
VO, ambas durante sete dias; outra possibilidade é o tiofenicol 2,5 mg/dia, por dois dias, e a clindamicina VO (300 mg
12/12 horas, 7 dias) ou vaginal.

Para tratamento tópico, podemos usar:


Clindamicina creme vaginal a 2% – 5 g uma vez ao dia, por sete dias.
Imidazólicos – 500 mg/dia por sete dias.
Esta recomendação é dirigida àquelas pacientes que não toleram a via oral ou naquelas em que se bus-
ca alívio sintomático mais rápido, neste último caso não se dispensando o tratamento oral concomitante.
A recorrência da VB será observada em algumas mulheres, a despeito de todas as medidas discu-
tidas acima. Essas devem ser orientadas a repetir o tratamento oral ou tópico, se os sintomas volta-
rem. A possibilidade de outra doença (por exemplo: tricomoníase) não deve deixar de ser investigada
nessas mulheres.

Vaginose bacteriana resistente


Uma parcela considerável das pacientes voltarão a apresentar, no período de um ano, um novo
episódio de VB após o tratamento. A causa específica da VB é desconhecida, o que pode explicar porque
algumas mulheres, mesmo quando tratadas adequadamente, não responderão de maneira favorável à terapia
convencional que utiliza antibióticos aerobicidas (metronidazol, clindamicina, tianfenicol etc.).
Estudos recentes têm-se voltado para um possível responsável pela manutenção dos quadros de VB. Obser-
vou-se que o Atopobium vaginae, frequentemente presente na flora vaginal de pacientes portadoras de VB, parece
ser extremamente resistente aos derivados imidazólicos, o que poderia ser causa de falhas no tratamento ou
recorrências, bastante frequentes na prática diária.

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93
10 Vulvovaginites

A VB, onde existe uma grande dificuldade em se manter uma flora vaginal normal, pode ter como causa
a presença de vírus (phages) que infectam os lactobacilos vaginais produtores de peróxido de hidrogênio,
cursando com diminuição destes, desequilíbrio da flora vaginal e subsequente aumento da população de
anaeróbios. Existem indícios de que os vírus possam ser adquiridos e transmitidos por relação sexual, o que
poderia justificar maior número de parceiros e maior frequência de relações sexuais como fatores desenca-
deantes e mantenedores do desequilíbrio da flora vaginal observados na vaginose bacteriana.

Recomendações para o tratamento da vaginose bacteriana (CDC – 2006)


Droga Nome comercial Apresentação Posologia Tratamento
Paciente não grávida
Metronidazol Flagyl® Comprimidos de 250 mg 500 mg, VO, 2 x dia, por 7 dias Recomendadob
Metronidazol gel Metronidazol Creme ou gel a 0,75% 5 g intravaginal, à noite, por 5 dias Recomendadob
Clindamicina cremea Dalacin-V® Creme a 2% 5 g intravaginal, à noite, por 7 dias Recomendadoc
Metronidazol Flagyl® Comprimidos de 250 mg 2 g, VO, dose única Alternativod
Clindamicina Dalacin-C® Comprimidos de 300 mg 300 mg, VO, 2 x dia, por 7 dias Alternativod
Pletil® Drágeas de 500 mg 2 g, VO, dose única Não recomendadoe
Tinidazol
Fasigyn®
Secnidal® Comprimido de 500 mg 2 g, VO, dose única Não recomendadoe
Secnidazol
Deprozol®
Paciente grávida
Metronidazol Flagyl® Comprimidos de 250 mg 250 mg, VO, 3 x dia, por 7 dias Recomendado
Clindamicina Dalacin-C® Comprimidos de 300 mg 300 mg, VO, 2 x dia, por 7 dias Recomendado

Tabela 10.3 (a) A clindamicina creme tem base oleosa, que pode enfraquecer o látex de condons e diafragmas. (b) Os
esquemas recomendados de metronidazol são igualmente eficazes. (c) A clindamicina creme parece ser menos eficaz
que os regimes que utilizam metronidazol. (d) Os esquemas alternativos são menos eficazes no tratamento da VB. (e)
Esses tratamentos não são mais recomendados pelo CDC.

Candidíase vulvovaginal
É a segunda causa mais frequente de infecções vulvovaginais. Estima-se que aproximadamente três
quartos de todas as mulheres adultas apresentam pelo menos um episódio de candidíase vaginal. Dentre essas
mulheres, há um grupo que apresenta episódios ocasionais de gravidade variável, mas que responde prontamente
ao tratamento tópico ou oral. Um outro grupo é representado por aquelas mulheres com candidíase vulvovaginal
(CVV) recorrente, frequentemente crônica.
A Candida albicans é responsável pela maioria dos casos, mas de 10% a 20% deles são causados por Candida
não albicans (C. tropicalis, C. glabrata, C. Krusei). A C. albicans é um fungo gram-positivo dimorfo, de baixa viru-
lência, que habita a vagina de forma comensal e é encontrado em 1/3 das mulheres assintomáticas, promovendo
infecção apenas na sua proliferação. Não é considerada DST.

Fisiopatologia
São três as condições para que o fungo produza infecção. Em primeiro lugar, é necessário o contato
com o fungo patógeno; em segundo lugar, este tem de penetrar no organismo humano, e, por último, encontrar
um terreno favorável para o seu desenvolvimento.
Ambiente rico em estrogênio é o principal fator de risco para o desenvolvimento da doença. Caso seja en-
contrada candidíase vaginal em mulheres com baixos níveis de estrogênio (por exemplo: pacientes no climatério
sem reposição hormonal) é um sinal para que se investigue a presença de diabetes melito, pois o epitélio vaginal
atrófico não propicia o crescimento da cândida.

SJT Residência Médica – 2016


94
Ginecologia

Devem sempre ser lembradas as situações que fa- e do colo em geral apresentam-se hiperemiadas,
vorecem seu desenvolvimento e perpetuação: observando-se aumento no conteúdo vaginal, de
coloração variável, flocular, viscoso (em “leite
€ Uso recente de antibiótico, que extermina os
talhado”) e, na maioria das vezes, aderente às
competidores não patogênicos.
paredes vaginais.
€ Tratamento antimicótico deficitário.
€ Abstinência sexual não observada durante o tra-
tamento.
Diagnóstico micológico
€ Anovulação crônica.
Na prática clínica, o prurido e o corrimento vagi-
€ Diabete (a glicosúria e as concentrações aumen- nal são comumente a base para o diagnóstico da can-
tadas de glicose nas secreções vaginais aumen- didíase, mas para reduzir o erro é adequado ao menos
tam o crescimento de leveduras). um exame complementar.
€ Gravidez (o índice de colonização vaginal au- O exame a fresco é de fácil realização: retira-se
menta durante a gravidez, especialmente no úl- material da cavidade vaginal, permitindo a visualiza-
timo trimestre). O conteúdo de glicogênio das ção de elementos leveduriformes à microscopia direta.
células vaginais encontra-se aumentado em res- É um exame muito específico, mas só apresenta 50%
posta aos altos níveis hormonais circulantes. Isso de sensibilidade, todavia a visualização das hifas pode
aumenta a proliferação, a germinação e a aderên- ser facilitada com adição de KOH. Igualmente fácil de
cia da C. albicans. realizar é a medida do pH vaginal, que se encontra
€ Imunossupressão.
ácido. Swabs para cultura não são necessários em um
primeiro exame, se os sinais e sintomas típicos estive-
€ Fatores locais: a produção de calor; umidade e rem presentes. Se os sintomas persistirem, a despeito
maceração da pele, pelo uso de roupas e peças de um tratamento antifúngico correto, devem ser co-
íntimas excessivamente justas e apertadas (prin- lhidas amostras para exames micológico e microbio-
cipalmente se confeccionadas com fibras sinté- lógico, em meios apropriados, como o de Nickerson
ticas); obesidade e hábitos incorretos de higiene e/ou Sabouraud. Importante acréscimo às diretrizes
íntima. do CDC desde 2002 foi a diferenciação entre CVV
complicada e não complicada para fins de tratamen-
to. Essa diferenciação é baseada no quadro clínico, na
microbiologia, em fatores relacionados à paciente e na
Sintomatologia e exame clínico resposta ao tratamento. A Tabela 10.4 apresenta essa
O sintoma mais frequente é o prurido vagi- nova classificação.
nal, presente em praticamente todas as mulhe-
res afetadas, que piora à noite e é exacerbado
pelo calor local. O corrimento, quando presente, Classificação da candidíase vulvovaginal
apresenta-se em pequena quantidade e, embora (CVV) (CDC 2006)
seja descrito como de cor branca, de aspecto se-
melhante ao do leite talhado, pode variar de es- CVV não complicada CVV complicada
pesso a aquoso, com coloração variando de bran-
co a amarelado. A ausência de odor característico CVV esporádica CVV recorrente
a distingue de outros processos infecciosos. São ou infrequente
frequentes e importantes a irritação vaginal, o
ardor vulvar, a dispareunia e a disúria de saída. CVV com sintomas de CVV com sintomas acentuados
O pH vaginal encontra-se por volta de 3,5, indi- intensidade leve/mod-
cando acidez. erada
Seu início é súbito e, em mulheres que não es- CVV provocada, CVV provocada
tão grávidas, os sintomas tendem a manifestar-se provavelmente, por C. por Candida não albicans
ou exacerbar-se na semana anterior à menstruação. albicans
Mulheres com candidíase vaginal recorrente podem
desenvolver problemas psicossexuais em decorrência Mulheres Mulheres com diabete descon-
da doença. imunocompetentes trolada, imunossupressão, debi-
litadas, portadoras do vírus HIV
O exame ginecológico pode revelar edema e/
ou grávidas
ou eritema vulvar, com presença ou não de fissu-
ras na vulva e no períneo. As mucosas da vagina Tabela 10.4

SJT Residência Médica – 2016


95
10 Vulvovaginites

vulvovaginal. Maior frequência de relações sexuais


Tratamento e contato com novo parceiro nos últimos seis meses
também parecem aumentar a recorrência da CVV.
Medidas gerais Sobel propôs, em 1993, a hipótese da recidiva
€ Vestuário geral e íntimo adequados, evitando-se vaginal, que tem sido a mais aceita como responsável
roupas justas ou sintéticas. pela candidíase recidivante. Nesses casos, o tratamen-
to tópico usual não promoveria a erradicação comple-
€ Hábito higiênico correto, evitando-se duchas va-
ginais ou desodorantes íntimos.
ta, sendo suficiente apenas para diminuir de maneira
importante o número de colônias, aliviando os sinais e
€ Identificar e corrigir fatores predisponentes, os sintomas. Esse pequeno número de colônias restan-
como a pílula e o diabetes. tes torna a mulher uma portadora que poderá sofrer
€ Alcalinização do meio vaginal com solução de novos episódios de CVV, quando suas defesas forem
bicarbonato de sódio: 30 a 60 g dissolvidas em novamente quebradas. Independentemente da fonte
1 litro de água. de recolonização, a anormalidade básica nas mulheres
€ Embrocação vulvovaginal com violeta de gencia com CVV recorrente parece ser um efeito ou falta de
na a 1%. habilidade dessas pacientes em tolerar a recoloniza-
ção, por falha de seus mecanismos de defesa. Estudos
mais recentes têm sugerido que essas mulheres pos-
suem um defeito adquirido específico na imunidade
Tratamento especí昀椀co celular, devido à depressão dos linfócitos locais e da
1. Não complicada: fluconazol VO 150 mg, dose mucosa vaginal.
única; itraconazol VO 200 mg a cada 12 horas por um Há várias décadas, estudos vêm demonstrando
dia; ou cetoconazol 400 mg/dia durante cinco dias. A a associação entre CVV recorrente e rinite alérgica
medicação por via vaginal é empregada em esquemas com história familiar de atopia. Geralmente, essas
de dose única (terconazol 240 mg ou isoconazol 600 pacientes apresentam sintomas nasais desde a infân-
mg) ou de curta duração (tioconazol 100 mg/dia por cia ou adolescência. Já a CVV recorrente surge após
três dias ou butoconazol, um dia) por meio de óvulos o início da atividade sexual. A grande maioria das pa-
ou cremes vaginais. Não há necessidade de se tratar cientes mostra alta incidência de testes cutâneos de
parceiros assintomáticos. leitura imediata positivos contra antígenos inalantes
2. Gravidez: após o 1º trimestre, pode-se usar à candidina.
quaisquer das formulações tópicas em esquema de
longa duração. Nos casos de recorrência, repetir o tra-
tamento tópico de longa duração e depois manter com Para tratamento desses casos de
comprimidos vaginais de clotrimazol (500 mg/sema- CVV recorrente, sugere-se:
na), ou fentizol, terconazol, iconazol ou miconazol em € Confirmar o diagnóstico com cultura, associado
duas aplicações por semana até o término da gestação. aos achados clínicos.
€ Eliminar todos os fatores predisponentes.
€ Os medicamentos de eleição são os derivados
Candidíase vulvovaginal imidazólicos, especialmente os triazólicos.
recorrente (CVVR) € Combinação de terapia oral e tópica, esque-
mas de manutenção e tratamento do parceiro
Um capítulo à parte no estudo da CVV envolve
devem ser considerados para esses caso. Na
aquelas pacientes com CVV recorrente (pelo menos
etapa inicial, o tratamento tem como finali-
quatro episódios documentados durante um
dade garantir a remissão clínica e mitológica
ano). Nesses casos, o diagnóstico correto é impres-
da doença. Pode ser preconizado tratamento
cindível e, embora fatores como gravidez, diabete, tópico por duas semanas com qualquer agen-
doenças da tireoide, obesidade, uso crônico de an- te tópico e/ou tratamento sistêmico com flu-
tibióticos, ACO, corticosteroides e imunossupres- conazol 150 mg a cada dois dias (total de três
sores possam estar envolvidos na patogênese dessa comprimidos) ou itraconazol 200 mg/dia por
doença, a maioria das pacientes nessa condição duas semanas. Na etapa seguinte, de remissão,
é sadia e não faz uso dos medicamentos cita- o tratamento supressivo deve perdurar por seis
dos. Alguns estudos epidemiológicos mostram que meses. Se a opção for pela via tópica, a escolha
a CVV recorrente tende a acometer mulheres na recai sobre o clotrimazol em comprimidos va-
faixa etária dos trinta anos, nuligestas ou com ginais de 500 mg/semana. Se a opção for pela
poucos filhos, com nível educacional elevado e via sistêmica, pode ser utilizado fluconazol
que apresentam hábitos exagerados de higiene 150 mg/semana ou itraconazol 50 a 100 mg/

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96
Ginecologia

dia. Aqui deve-se também tratar o parceiro


sexual. Considerar o tratamento preventivo Quadro clínico
sempre que houver risco de infecção. Assim como em outras DSTs, os sinais e sintomas
€ Esgotados todos os recursos de tratamento, tem da tricomoníase não são suficientemente sensíveis ou
-se extrato aquoso de candidina. As aplicações específicos para a predição do diagnóstico. A infecção
devem ser semanais, em quantidades crescentes pelo tricomonas pode ser assintomática em até
e diluições decrescentes. Espera-se com isso uma 50% dos homens e mulheres infectados. Nas ges-
modificação gradual nos componentes do siste- tantes, este número pode alcançar 70%. A menstru-
ma imunológico. ação pode exacerbar ou induzir os sintomas em
mulheres infectadas. Os sintomas mais comumente
associados à tricomoníase são o corrimento vaginal
e a irritação vulvovaginal, em mulheres, e o cor-
rimento uretral, em homens.
Tricomoníase Além disso, pode ocorrer desconforto e o odor for-
te do conteúdo vaginal. O corrimento vaginal é refe-
A tricomoníase é uma das doenças sexualmente rido por 50% a 70% das pacientes. O corrimento
transmissíveis mais comuns, sendo causada pelo Tri- è classicamente descrito como bolhoso (O aspecto
chomonas vaginallis (protozoário anaeróbio, flagelado bolhoso decorre da frequente associação ao Mi-
e móvel) encontrado em indivíduos sexualmente crococcus alcaligenes aerogenes, que libera gases),
ativos, tendo afinidade pelo epitélio vaginal de amarelo esverdeado. Cerca de 10% das vezes é refe-
mulheres com pH de 6, associado à presença de rido como fétido. Prurido ou irritação são encon-
grande quantidade de glicogênio e bactérias. Nas trados em quantidade considerável de pacientes,
clínicas de DST, sua prevalência varia de 0,9% a de forma menos intensa que na candidíase. Eritema
36%. Existe, no entanto, uma tendência mundial para vulvar ou escoriação não é comum, mas eritema vaginal
costuma estar presente em 75% dos casos. O clássico
diminuição da incidência de tricomoníase.
“colo em morango” ou colo com aspecto de fram-
Atualmente representa cerca de 10 a 15% dos boesa, que ocorre devido à dilatação capilar e às
corrimentos vaginais infecciosos. hemorragias puntiformes, somente é visto a olho
É considerada DST e sua presença no conteúdo nu em 2% dos casos, mas à colposcopia é evidente
vaginal deve sempre ser tratada, independentemente em até 90% dos casos pois a aplicação de iodo torna o
da sintomatologia. colo de aspecto “tigróide” (pontos claros em meio a área
marrom escura), porém este é um achado inespecífico
Ainda como queixas relacionadas à infecção es-
tão a dispareunia, a disúria e, num pequeno número
Epidemiologia de mulheres, dor no baixo-ventre. Nesses casos, o mé-
dico deve estar atento quanto à possibilidade de com-
Entre os fatores de risco associados à con- prometimento do trato genital superior por outros
taminação pelo T. vaginallis, podemos citar: micro-organismos.
múltiplos parceiros sexuais e não utilização
de métodos contraceptivos, sejam de barreira
ou hormonais. Tem-se observado a presença
de infecção pelo T. vaginallis com complicações Diagnóstico
do trato reprodutor, tais como infecção pós-
O diagnóstico será baseado na clínica e mais
-aborto e puerperal, parto prematuro e rotura
um exame complementar.
prematura de membrana. O Thichomonas também
favorece a DIPAA, pois serve de carreador na ascen- O teste de liberação de amina com KOH
são de bactérias patogênicas. pode ser fracamente positivo nos casos de trico-
moníase em até 50%, porém este não é específi-
co. Um teste útil é o exame a fresco, no qual serão
observadas as tricomonas (revelando parasitas flage-
lados movimentando-se entre as células epiteliais e os
Transmissão leucócitos). Seu achado é muito específico, porém
A transmissão mais habitual é, sem dúvida, a se- pode ser negativo em 15% dos casos. A coloração
xual, porém pode ocorrer de outras formas, sendo des- de Papanicolaou é mais sensível (78% a 85%). Quando
crito que o parasita pode resistir por até seis horas em for necessária a realização de culturas, que é o método
ladrilhos de banheiros e por até 24 horas em toalhas de escolha para fechar o diagnóstico, estas devem ser
úmidas infectadas. feitas nos meios de Lash, Kupferberg ou Diamond.

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97
10 Vulvovaginites

A associação de metronidazol gel para aplicação


Tratamento tópica por sete dias pode ser indicada naqueles casos
Os nitroimidazólicos são a única classe de em que se busca um alívio mais rápido dos sintomas.
drogas para tratamento oral ou parenteral da Raramente é observada resistência ao metronidazol
tricomoníase. Destes, apenas o metronidazol é e, antes que o diagnóstico seja estabelecido, é impres-
aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) cindível certificar-se do tratamento correto, tanto da
para esse fim. Ensaios clínicos randomizados utili- mulher quanto do seu parceiro. O uso concomitante
zando os esquemas recomendados demonstraram de fenobarbital e fenitoína deve ser pesquisado,
taxa de cura de 82% a 88% dos casos, chegando a pois estes podem interferir na ação do metroni-
95% quando o tratamento é realizado pelo casal. O dazol e diminuir sua eficácia. Nos casos de resis-
metronidazol gel não atinge níveis terapêuticos na tência verdadeira, esta costuma ser relativa e o trata-
uretra e nas glândulas perivaginais e, por isso, não mento deve ser feito utilizando-se doses maiores da
é recomendado. O tratamento com metronidazol medicação. Se ocorrer nova falha terapêutica, pode-se
em dose única é eficaz e o tratamento do parcei- utilizar 2 g, por três a cinco dias, e a paciente deve ser
ro, que é obrigatório, reduz as taxas de reinfec- orientada a evitar relação sexual até que ela e o par-
ção, no entanto o Conselho Federal de Medici- ceiro estejam assintomáticos. No caso de verdadeira
na, pela Resolução nº 1.931, em vigor desde 13 alergia ao metronidazol, recomenda-se a dessensibi-
de abril de 2010, proíbe que o médico prescreva lização, uma vez que tratamento tópico com qualquer
medicação sem prévia consulta médica, exame droga que não o metronidazol atinge taxas de cura
físico e exames laboratoriais que confirmem a abaixo de 50%.
doença (Tabela 10.5).
As gestantes sintomáticas, hoje, já podem
ser tratadas adequadamente, uma vez que o
Resolução nº 1.931 do Conselho Federal de metronidazol tem se mostrado seguro para ser
Medicina utilizado a partir do segundo trimestre da gra-
Conselho Federal de Medicina videz. Gestantes com tricomoníase que necessitem
Resolução CFM nº 1.931, de 17 de setembro de 2009 ser submetidas a procedimentos invasivos, tais como
Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília, DF, amostra de vilocorial ou cerclagem, devem ser trata-
24 de setembro de 2009. Seção I, p. 90-2 das para que se evitem complicações relacionadas à
Diário Oficial da União; Poder Executivo, Brasília, DF, infecção. Entretanto, as pesquisas não demonstram
13 de outubro de 2009. Seção I, p. 173 - Retificação em benefícios em se tratar tricomoníase assintomática
vigor a partir de 13/04/2010 durante a gestação.
Código de Ética Médica
Preâmbulo
Capítulo V
Relação com pacientes e familiares
É vedado ao médico:
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu re-
Vaginite atró昀椀ca
presentante legal de decidir livremente sobre a execução O glicogênio, metabolizado pelos bacilos de Do-
de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso derlein, torna o pH vaginal ácido, protegendo a va-
de iminente risco de morte.
gina dos microrganismos patogênicos. Na pós-meno-
Art. 37. Prescrever tratamento ou outros procedimentos
pausa, o epitélio vaginal fica mais fino, devido à queda
sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência
ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá- hormonal, e o glicogênio não é capaz de se fixar neste
-lo, devendo, nesse caso, fazê-lo imediatamente após ces- epitélio delgado, o que certamente dificulta a ação pro-
sar o impedimento. tetora dos bacilos de Doderlein.
Tabela 10.5 A deficiência estrogênica que ocorre tipicamente
após a menopausa pode causar atrofia e subsequen-
temente inflamação da mucosa vaginal. Os sintomas
Assim, a recomendação atual para tratar
um episódio de tricomoníase é o uso de metro- mais comuns são: secura e prurido vaginal, dispareu-
nidazol 2 g, dose única. Para as pacientes com nia e, ocasionalmente, sangramento vaginal. A inspe-
história de intolerância ao esquema de uma ção da vagina usualmente revela uma mucosa vaginal
única dose, pode-se utilizar 250 mg, três vezes seca, delgada, com pouca ou nenhuma rugosidade.
ao dia, ou 500 mg, duas vezes ao dia, durante O tratamento é feito com reposição de es-
sete dias. A causa mais comum de falha do trata- trogênio na forma oral ou com um creme vagi-
mento em uma mulher é o fato de não se tratar o nal com estrogênio. Nas mulheres que não podem
parceiro, especialmente quando ele se recusa a uti- usar estrogênios, os lubrificantes não hormonais es-
lizar a medicação. tão indicados.

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98
Ginecologia

numerosos leucócitos. A população mais acometida é


Vaginose citolítica de mulheres no período pós-menopausa e o tratamen-
to, embora não muito efetivo, é feito com metronida-
Embora existam discussões se este quadro é pa-
zol VO e, localmente, com creme de clindamicina.
tológico ou não, atualmente a tendência é considerá-
-lo como não fisiológico em razão do desconforto que
causa na mulher. A vaginose citolítica decorre do
crescimento anômalo dos bacilos de Döderlein,
que acidificam excessivamente a secreção vagi-
nal (pH ente 3,5 e 4,5), promovendo corrimento
Fluxo vaginal 昀椀siológico
branco, grumoso, associado a prurido genital e Muitas mulheres que procuram o ginecologista
ardência, que piora no período pré-menstrual. O com queixa de corrimento vaginal, na realidade, não
tratamento é controverso e uma das orientações mais possuem doença. O “corrimento” que reclamam nada
simples e efetivas é alcalinizar o meio vaginal com a mais é do que o conteúdo vaginal fisiológico. O fluxo
realização de ducha vaginal com bicarbonato de sódio vaginal tem composição complexa que inclui muco
(30 a 60 g em 1 litro de água morna), uma a duas vezes
cervical, transudados da parede vaginal e células epi-
por semana durante duas a três semanas.
teliais vaginais descamadas. A quantidade média di-
ária é de 4 a 5 gramas, porém pode variar muito com
a idade, excitação sexual, estado emocional, fase do
Vaginose in昀氀amatória ciclo menstrual e com a gravidez. O fluxo vaginal fi-
siológico é transparente ou branco, inodoro, de
recorrente aspecto mucoide, homogêneo ou pouco grumoso.
O pH vaginal é normal e o teste das aminas ne-
A etiologia é desconhecida, o aspecto clínico gativo. À microscopia, o conteúdo vaginal apresenta
assemelha-se à tricomoníase, mas não se encon- predomínio de lactobacilos, com células epiteliais des-
tra o protozoário. Ao exame a fresco, o achado é de camativas e presença de raros leucócitos.

Diagnóstico diferencial do corrimento vaginal


Critério Vaginose
Descarga fisiológica Tricomoníase Candidíase
diagnóstico bacteriana
O pH vaginal 3,8-4,2 > 4,5 > 4,5 < 4,5
Tipo de descarga Clara, branca, floculenta Escassa, acinzentada Amarelada, espumosa Branca, leitosa,
e aderente e aumentada tipo coalhada
Odor de aminas Ausente Presente Presente (algumas Ausente
vezes)
Sintomas Ausentes Corrimento, odor Corrimento Ardor, prurido,
(piora após a relação) espumoso, odor, corrimento
e ardor prurido, disúria
Achados Lactobacilos e células Clue cells Trichomonas Esporos, pseudo-hifas e
microscópicos epiteliais hifas
Tabela 10.6

Figura 10.3 Vaginose bacteriana: corrimento branco-


Figura 10.2 Flora vaginal normal. Presença de lactobacilos. acinzentado, bolhoso, aderente às paredes vaginais.

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99
10 Vulvovaginites

Figura 10.4 Citologia oncótica demonstrando a pre-


sença de clue cells em torno de uma célula epitelial em Figura 10.6 Citologia oncótica demonstrando a pre-
um quadro de vaginose bacteriana. sença de Tricomonas e abundância de polimorfonu-
cleares.

Figura 10.5 Tricomoníase: corrimento amarelo-es-


verdeado, profuso, com bolhas, não aderente às pare- Figura 10.7 Exame a fresco demonstrando a presen-
des vaginais. ça de pseudo-hifas em um quadro de CVV.

Existir, fazer e ter são como um triângulo em que cada lado ajuda a sustentar os outros.
Eles não estão em conflito entre si. Eles existem simultaneamente.
Shakti Gawain

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CAPÍTULO

11
DST

alcalino. Sua propagação é superficial, planimétrica


Introdução e ascendente. O período de incubação varia de 3 a 7
dias, sendo mais variável em mulheres em que podem
Não restam dúvidas de que as doenças sexual- atingir 10 dias.
mente transmissíveis (DST) têm papel importante nas
O risco de contágio, para a mulher, após uma
queixas de homens e mulheres, nos consultórios de
única relação sexual, é de 60% a 90%, e as mani-
ginecologia, de urologia ou de clínica geral. Além dis-
festações iniciais mais comuns são de endocervi-
so, elas adquiriram uma importância muito grande em
cite, acompanhada de uretrite em 70 a 90% dos
saúde pública no Brasil e, particularmente, no estado
casos. Os sintomas mais comuns nestes casos são:
de São Paulo, pela sua frequência e pela sua atualidade.
corrimento vaginal abundante e amarelo-esverdeado,
São, portanto, consideradas problema de saúde pública. disúria, sangramento intermenstrual e metrorragia.
As DSTs atualmente conhecidas, de transmissão No colo uterino, é frequente a presença de secreção mu-
predominantemente sexual, são: gonorreia, sífilis, can- copurulenta, eritema, friabilidade e ectopia.
cro mole, linfogranuloma venéreo, donovanose, condi- Havendo histerectomia prévia, a uretrite
loma acuminado e herpes simples. A experiência clíni- isolada é a regra. O comprometimento das glându-
ca do estado de São Paulo tem revelado um aumento las de Skene e de Bartholin é mais raro na ausência da
progressivo das infecções gonocócicas e da sífilis. Com endocervicite gonocócica, mas casos presentes carac-
frequência semelhante, aparece a tricomoníase. Esta, terizam-se pelo aumento doloroso destas glândulas.
embora menos grave, tem taxa de morbidade de aproxi-
Nos casos de sexo oral, está relacionada à faringi-
madamente 10% das mulheres sexualmente ativas.
te gonocócica, e havendo sexo anal pode ocorrer retite.
O gonococo pode ainda ascender à tuba, fixando-se na
mucosa tubária, onde elabora polissacarídeos, o que
contribui para a destruição das células dessa mucosa, e
Gonorreia promovem intensa reação inflamatória. Tais evidências
facilitam a compreensão das sequelas da salpingite go-
Também é conhecida como blenorragia, é doen- nocócica. A dor, despertada ao toque vaginal combina-
ça causada pela Neisseria gonorrhoeae (gonococo), um do, é sintoma sugestivo de infecção ascendente.
DIPAlococo Gram-negativo intracelular com pouca re- A ação patogênica do gonococo é facilitada
sistência às alterações do meio ambiente. O gonococo pela presença dos pilli, que são prolongamen-
tem nítida predileção pelo epitélio cilíndrico e pelo pH tos proteicos que auxiliam a fixação nas célu-
101
11 DST

las epiteliais e bloqueiam a fagocitose, e pela examinados e tratados, independentemente da


presença da proteína II, que intervém na ade- presença de sintomas. Pacientes portadores devem
são intergonocócica e fixação dos mesmos nas ser examinados e tratados, independentemente
células epiteliais. da presença de sintomas. Pacientes portadores de
HIV devem se tratados com os mesmos esquemas
acima referidos.
Diagnóstico Vale lembrar que o tratamento do parceiro é
€ A coloração de secreção suspeita pelo método mandatório. Os parceiros sexuais devem receber
de Gram demonstra a presença de leucócitos tratamento para infecção pela N. gonorrhoeae até
polimorfonucleares com bactérias gram-ne- sessenta dias antes do início dos sintomas ou do
gativas intracelulares; mostra sensibilidade diagnóstico.
de apenas 30%, não sendo indicada.
€ Cultura (Thayer-Martin): método ideal para o
diagnóstico da cervicite gonocócica. As vanta-
gens da cultura incluem a capacidade de isolar a Conduta terapêutica na infecção gonocócica
bactéria em qualquer sitio genital ou extragenital
Medicamentos de escolha em regiões de
e avaliar a suscetibilidade a antibióticos. Sua sen-
alta resistência bacteriana
sibilidade varia de 72 a 95%.
€ O PCR (Polymerase Chain Reaction) para Ceftriaxona a 250 mg, IM, dose única
diagnóstico da cervicite gonococo é consi- Ciprofloxacina a 500 mg, VO, dose única
derada juntamente com a cultura como pa-
drão-ouro, entretanto só está disponível em Espectinomicina a 2 g, IM, dose única
alguns laboratórios de referência para pes- Opções terapêuticas
quisa. É recomendado como o método ideal
pelo CDC para o diagnóstico de infecções do Norfloxacina a 800 mg, VO, dose única
trato genital causadas por N. gonorrhoeae e
Chlamydia trachomatis. Cefotaxima a 1 g, IM, dose única
€ A captura híbrida também pode ser utilizada Drogas utilizáveis em regiões de
para diagnóstico de N. gonorrhoeae e Chlamydia baixa resistência bacteriana
trachomatis.
Penicilina G procaína a 4.800.000 UI, IM, dose única
(2.400.000 em cada nádega) + probenecida a 1 g, VO

Tratatamento Cloridrato de tetraciclina a 500 mg, VO, a cada 6 horas, por


7 dias
O tratamento de escolha para a infecção gonocó-
cica é feito com ceftriaxone, e tem-se preferido a dose Amplicilina a 3,5 g, VO, dose única + probenecida 1 g,
única de 250mg IM para facilitar a adesão. VO

Outras opções terapêuticas são: 1ª opção: ci- Amoxicilina a 3 g, VO, dose única + probenecida 1 g, VO
profloxacina 500 mg VO, dose única; cefixima 400
Tianfenicol a 2,5 g, VO, dose única
mg via oral, dose única; ofloxacina 400 mg via oral,
dose única; espectinomicina 2 g IM, dose única; Atenção: desde 2007, as quinolonas não são
azitromicina 1 g via oral, dose única; doxiciclina mais recomendadas nos EUA para tratamento da
100 mg, via oral, a cada 12 horas, por sete dias. gonorreia e condições associados.
As grávidas podem ser tratadas com ceftriaxone ou
outras cefalosporinas, havendo ainda opção de uso Tabela 11.1
de azitromicina.
Pacientes infectadas com N. gonorrhoeae são
frequentemente co-infectadas com C. trachomatis; de Seguimento e recomendações
modo que na persistência de sintomas esta bactéria
deve ser combatida também. Pacientes com gonorreia não complicada, trata-
das com o regime recomendado (cefalosporina), não
Cabe lembrar que as quinolonas (ciprofloxaci-
na, olfoxacina) não devem ser utilizadas em meno- necessitam de retorno para avaliar a cura. Porém,
res de 18 anos e em gestantes pelo risco de afeta- aquelas sintomáticas, após o tratamento, devem ser
rem as epífises ósseas, e que a doxiciclina não deve avaliadas pela cultura e testada sua suscetibilidade
ser utilizada em gestantes. Os parceiros devem ser ao antimicrobiano.

SJT Residência Médica – 2016


102
Ginecologia

Paciente com queixa de corrimento uretral

Anamnese e exame físico

Bacterioscopia disponível no momento da consulta?

Não Sim

Diplococos Gram-negativos intracelulares presentes

Sim Não

Tratar clamídia e gonorreia Tratar só clamídia

Aconselhar, oferecer anti-HIV e VDRL, enfatizar a adesão ao tratamento,


notificar, convocar parceiros e agendar retorno
Figura 11.1 Fluxograma para casos de corrimento uretral.

que, associado ao fato de serem indolores, dificulta a


Sí昀椀lis visualização e diagnóstico. Há grande quantidade de
espiroquetas na lesão.
Também conhecida como Lues, a sífilis é
uma DST cujo agente etiológico é a bactéria espi- 3. Sífilis secundária: surge cerca de três a
roqueta Treponema pallidum. Pode ser adquirida seis semanas após o desaparecimento da lesão
por contato sexual, circulação placentária e, mais primária e é caracterizada por lesões eritemato-
raramente, através de transfusão sanguínea e ino- sas e indolores nas mucosas e na pele, inclusive
culação acidental. O número mínimo de trepone- em região palmo-plantar. Estas são chamadas de
mas requeridos para o estabelecimento da infecção roséolas sifilíticas e, em geral, acompanham-se de
não é conhecido. A multiplicação dos organismos febre discreta, cefaleia, artralgias e dores muscu-
é muito lenta, com tempo de divisão em coelhos lares. Podem ocorrer ainda: lesões esbranquiçadas
de, aproximadamente, 33 horas. Do mesmo modo, e vegetantes na vulva (condiloma plano), alopecia,
o crescimento lento dos treponemas em humanos linfadenomegalia (o aumento do linfonodo epitro-
talvez seja responsável, em parte, pela natureza clear é patognomônico). Por vezes apresentam al-
prolongada da doença e pelo período de incubação terações tão discretas que passam despercebidas.
relativamente longo. Em cerca de 30 dias há remissão das lesões, inde-
pendentemente de terapêutica instituída. Igual-
mente à sífilis primária, há grande quantidade de
espiroquetas nas lesões.
História natural 4. Período de infecção subclínica ou sífilis laten-
1. Período de incubação: em média, três semanas te: apenas detectada por testes sorológicos. Divide-se
(de 10 a 90 dias). em sífilis latente precoce (até um ano do aparecimento
2. Lesão inicial ou cancro duro (sífilis primá- do cancro duro) e latente tardia (após um ano do sur-
ria): lesão de bordas endurecidas (protossifiloma), gimento da lesão inicial). Cerca de 1/3 dos casos de
geralmente única, superfície limpa e indolor, além de doença latente precoce evoluem para cura.
frequentemente estar acompanhada de adenopatia 5. Sífilis tardia ou terciária: com repercussões
locorregional discreta; tem duração de 10 a 20 dias cardiovasculares (aneurismoa de aorta proximal),
e desaparece sem deixar cicatriz local, com ou sem o cutâneas (goma sifilítica) e neurológicas (lesão de
tratamento instituído. Em mulheres, costumam se lo- raízes de nervos sensitivos – tabes dorsalis, entre
calizar no colo, ou parte interna dos lábios vulvares, o outras).

SJT Residência Médica – 2016


103
11 DST

Treponema pallidum
(espiroqueta)

Sexual Maternofetal

Adquirida Congênita

Recente Tardia Recente Tardia


• primária • latente tardia
• secundária • terciária
• latente

Diagnóstico Diagnóstico Diagnóstico Diagnóstico


até um ano de até um ano de até 2º ano até 2º ano
evolução evolução de vida de vida

Figura 11.2 Fluxograma esquemático da classificação da sífilis.

Lesão rosada ou Acompanhada de


ulcerada adenopatia regional
Única Não supurativa
Cancro Móvel
Endurecida
duro Indolor
Fundo liso
Brilhante Múltipla
Sem sinais flogísticos

Duração da lesão: 10 a 20 dias  colo uterino / vulva / períneo

Figura 11.3 História natural da sífilis.

Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se no quadro clínico e é confirmado pelo exame direto (método de eleição nos casos de
lesões primárias) e das sorologias, que podem ser treponêmicas ou lipídicas (não treponêmicas).
Na fase primária da doença, a visualização do protossifiloma (cancro duro), embora seja difícil, trará a
hipótese diagnóstica. A confirmação pode ser feita por exame microscópico em campo escuro do material ob-
tido da profundidade da lesão, que mostrará os espiroquetas, presentes em grande quantidade. Essa forma de
diagnóstico não será possível em fases latentes ou doença terciária. Os testes sorológicos nesta fase, em
geral, são negativos.
As sorologias serão realizadas a partir de lesões secundárias. Entre elas há os testes treponêmicos e não tre-
ponêmicos. Entre estes últimos destaca-se a reação VDRL (Veneral Diseases Research Laboratory). Esta se torna
positiva 14 dias após o surgimento do cancro sifilítico, tem alta sensibilidade e baixa especificidade,
tornando-se negativa ou com títulos baixos (cicatriz sorológica) um ano após a cura da doença, de modo que pode
servir de controle para essa cura (através da titulação).
Já as reações treponêmicas têm alta especificidade e sensibilidade, sendo o FTA-ABS (Absorção de
Anticorpos Treponêmicos Fluorescentes) a mais utilizada. Esta prova não se aplica para controle de cura uma
vez que, sendo reagente, persistirá positivo por toda a vida.
Para pacientes sem evidências históricas ou clínicas de sífilis, mas com resultado de FTA-Abs reativo,
o teste deve ser repetido. O uso de outro teste treponêmico, como o TP-PA (micro-hemaglutinação), pode
ser útil em casos problemáticos. O teste TP-PA é menos sensível do que os testes VDRL ou o FTA-ABS na
sífilis inicial. Sua sensibilidade e especificidade são, sob os demais aspectos, aproximadamente idênticas às
do teste FTA-Abs.

SJT Residência Médica – 2016


104
Ginecologia

Os imunoensaios ligados a enzima (EIAs) para


Sí昀椀lis e HIV
detecção de anticorpos antitreponêmicos usam antí-
genos de T. pallidum clonados, gerados a partir de sis- Estas pacientes podem ter resultados de testes
temas de expressão bacterianos. Os testes sorológicos sorológicos anormais (títulos anormalmente altos
EIA permitem a triagem de grande número de soros ou baixos, falsos negativos ou atraso na sororrea-
e têm características de desempenho (sensibilidade, tividade). Entretanto, geralmente, os testes soroló-
especificidade e valores preditivos) semelhantes àque- gicos podem ser interpretados da forma usual. Se
las de outros testes treponêmicos. As pessoas com os achados clínicos sugerem sífilis, mas a sorologia
diagnóstico de sífilis por EIAs, como em outros testes não é reativa ou a interpretação não é muito clara,
de antígenos treponêmicos, devem ser avaliadas com pode-se usar testes alternativos como a biópsia da
testes não treponêmicos quantitativos, como o VDRL,
lesão, a microscopia de campo escuro ou a pesquisa
para confirmar e validar a resposta subsequente à te-
direta de anticorpos fluorescentes, obtida do mate-
rapia, já que aqueles permanecem positivos mesmo
rial da lesão.
após o tratamento eficaz.
Para identificação da neurossífilis, analisa-se o O quadro clínico da sífilis é muito variável em
líquido cefalorraquidiano. Classicamente, há aumento todos os estágios nessas pacientes. Pode-se desenvol-
de proteínas totais, pleiocitose e VDRL positivo. Essa ver neurossífilis mais precoce e facilmente. Para essas
conduta deve ser realizada em todas as pacientes com pacientes sempre será indicada a punção lombar para
história de sífilis com mais de 1 ano de evolução ou nas que se possa definir a extensão da doença e o esquema
soropositivas, como veremos a seguir. terapêutico mais apropriado.

Lábios genitais Pode surgir enfartamento ganglionar


Fúrcula (bubão unilateral)

Úlceras Supurar / fistulizar

Múltiplas Único orifício


Dolorosas
Bordas irregulares
Eritematoedematosas
Fundo sujo
Sangra fácil

Figura 11.4 Fluxograma esquemático do quadro clínico da sífilis primária.

Positividade dos testes quanto à época do diagnóstico


VDRL
Sífilis Campo escuro positivo FTA-Abs reativo (%)
reativo (%)
Recente não
tratada (< 5 dias 80 60 (até 1:16) 85
de evolução)
Recente não
tratada (>
30 70 100
15 dias de
evolução)
Secundária não
50 100 100
tratada
Tardia não tratada
€ Fase latente - 100 100
€ Fase tardia - 60 100
Tabela 11.2

SJT Residência Médica – 2016


105
11 DST

Tratamento
A penicilina é o antibiótico de eleição para o tratamento da sífilis. Sua posologia e via de administração va-
riam conforme a fase da doença.
Alternativas terapêuticas, embora menos eficazes, são eritromicina e doxiciclina, que devem ser utilizadas
somente em casos de exceção.
É importante ressaltar que, com o tratamento, pode ocorrer a reação de Jarisch-Herxheimer, caracterizada pela
ocorrência de febre acompanhada de cefaleia, mialgia e outros sintomas gerais que incidem, normalmente, nas pri-
meiras 24 horas após o inicio do tratamento. É mais frequente nas fases precoces e decorre da liberação maciça de
endotoxinas pela destruição das espiroquetas. As pacientes devem ser avisadas sobre a possibilidade da reação e
orientadas a utilizar antipiréticos, a fim de não confundirem os efeitos com reação alérgica penicilina e interrompe-
rem o tratamento.

Antibiótico Dose Duração do tratamento


A. Sífilis primária, secundária e latente recente
Penicilina benza- 2,4 milhões de UI, IM Dose única
tina
Doxiciclina 100 mg, a cada 12 h 15 dias
Tetraciclina 500 mg, a cada 6 h 15 dias
B. Sífilis latente tardia
Penicilina benza- 2,4 milhões de UI/ semana, 3 semanas
tina IM
Dioxiclina 100 mg, a cada 12 h 30 dias
Tetraciclina 500 mg, a cada 6 h 30 dias
C. Neurossífilis
Penicilina Cris- 12 a 14 milhões de UI/ 14 dias
talina dia, EV
Dioxiclina 200 mg, a cada 12 h 30 dias
Tetraciclina 500 mg, a cada 6 h 30 dias
Tabela 11.3 Tratamento de sífilis.

Seguimento
Após o tratamento da sífilis, recomenda-se o seguimento sorológico quantitativo de três em três
meses, durante o primeiro ano e, se ainda houver reatividade em titulações decrescentes, deve-se manter
o acompanhamento de seis em seis meses. Elevação de duas diluições acima do último título do VDRL
justifica novo tratamento, mesmo na ausência de sintomas (20% a 30% dos pacientes experimentam
recorrências). As mulheres com história comprovada de alergia à penicilina devem ser dessensibilizadas.
Na impossibilidade, deve ser administrado o estearato de eritromicina (2 gramas diários, durante duas
semanas na sífilis recente, prolongando para três semanas na latente ou tardia). Caso a gestante tenha
sido tratada com eritromicina não se deve considerar o feto tratado em decorrência do reduzido potencial
de transferência placentária da droga.

Cancro mole
O cancro mole ou lesão cancroide é uma DST causada pela bactéria Haemophylus ducreyi. Tem
período de incubação curto (três a sete dias), é altamente contagioso e caracteriza-se por lesões ulcerosas e
autoinoculáveis, que se acompanham de linfadenite. Promiscuidade e precárias condições de higiene são
fatores importantes na prevalência desta infecção.

SJT Residência Médica – 2016


106
Ginecologia

A penetração do agente na epiderme ocorre na região do trauma, com solução de continuidade local. A lesão
cancroide é iniciada por uma pápula, circundada por halo eritematoso. Entre 24 e 48 horas após seu sur-
gimento a pápula adquire aspecto de pústula, com posterior erosão e ulceração. A úlcera formada é geralmente
rasa, com bordas bem delimitadas, dolorosa (diferentemente do cancro duro), possuindo uma base
purulenta e friável.
Outra diferença em relação ao cancro duro reside no fato de que este é único, enquanto no cancroide, em
geral, as lesões são múltiplas devido à característica de serem autoinoculáveis (tanto que podem se apresentar
em espelho). São localizadas nos grandes lábios, na fúrcula vaginal e no clitóris. A adenopatia inguinal com
características inflamatórias ocorre em 30% a 50% das pacientes, sendo em geral unilateral e do lado
homólogo à úlcera inicial.

Calymmatobacterium granulomatis

Regiões de dobras e perianal

Úlcera plana ou hipertrófica Úlcera evolui lenta e


Delimitada progressivamente,
Granulosa podendo se tornar
Indolor ulcerovegetante
Vermelho-vivo e sangra fácil

Deforma a genitália

Figura 11.5 Fluxograma esquemático do quadro clínico do cancro mole.

Diagnóstico laboratorial
€ Exame direto das lesões: a coloração pelo Gram ou Giemsa da secreção da lesão evidencia cocobacilos
curtos, gram-negativos, com disposição em “cardume de peixe”, em “impressão digital”, em paliçada ou
mesmo em cadeias idsoladas. O material para análise deve ser coletado das bordas da lesão, evitando-
-se o pus superficial. Pode também ser feito esfregaço de secreção obtida pela aspiração dos linfonodos
comprometidos.
€ A cultura é de difícil execução, com sensibilidade menor que 80%, e deve ser semeada imediatamente após coleta.
€ PCR multiplex (M-PCR): é o exame de maior sensibilidade e especificidade, porém não comercialmente dis-
ponível.
€ A biópsia não é recomendada, pois não confirma a doença.

Tratamento
As medidas de higiene local, como utilização de permanganato de potássio 1:10.000 ou água boricada 2%
são aconselhadas em todos os casos, seguidas de antibióticos sistêmicos.

Os esquemas terapêuticos são:


€ Eritromicina 500 mg, a cada 4 horas, via oral, por sete dias.
€ Ceftriaxone 250 mg, via intramuscular, em dose única.
€ Sulfametoxazol/trimetoprim 800/160 mg, a cada 12 horas, via oral, por sete dias.
€ Tianfenicol granulado, dois envelopes de 2,5 g, diluídos em meio copo de água, via oral, durante sete dias.
Nos casos de sucesso terapêutico, ocorre cicatrização da lesão cancroide sete dias após o início do tratamento.

SJT Residência Médica – 2016


107
11 DST

Gestantes Principais diferenças entre cancro duro e


cancro mole (cont.)
Aparentemente, o cancro mole não representa
uma ameaça para o feto ou neonato. Nas mulheres Fundo limpo, Fundo sujo, purulento,
grávidas, os analgésicos sistêmicos estão liberados, eritematoso, seroso anfractuoso
tanto para o controle da dor espontânea como aquela Bordas planas Bordas escavadas
provocada pelas manobras de higienização. Os anal-
Adenopatia bilateral, não Adenopatia unilateral, in-
gésicos como DIPAirona e acetaminofeno geralmente inflamatória, indolor, flamatória, dolorosa, úni-
são suficientes controlar o processo doloroso. múltipla, não fistulizante, ca, fistulizante por ori-
O antibiótico de escolha para tratar a doença é o ocorrendo em quase 100% fício, em 30% a 60% dos
ceftriaxone (250 mg, via intramuscular, dose única), dos casos casos
tendo como alternativa o estearato de eritromicina (2 Tabela 11.4 Diferenças entre cancro duro e cancro mole.
g/dia, via oral, por sete dias).
Vantagens objetivas em termos de adesão são obti-
das com o uso dos esquemas terapêuticos de dose única.
Linfogranuloma venéreo
Mulheres infectadas pelo HIV É uma DST que acomete preferencialmente
Podem necessitar de maior tempo de tratamen- o sistema retículo-histiocitário, em particular
to em relação às HlV-negativo e a falha do tratamen- os linfonodos inguinais e ilíacos, ocasionada pela
to pode ocorrer com qualquer regime terapêutico. Os bactéria Chlamydia trachomatis sorotipos L1, L2 e
dados quanto à eficácia terapêutica, com a terapia L3. A lesão inicial pode não chamar muito a atenção por
em dose única (ceftriaxona e azitromicina) são limi- ser uma pápula, uma vesícula ou uma ulceração indolor
tados, mas este regime terapêutico pode ser usado se na fúrcula vaginal e que não alerta a paciente para pro-
a paciente for acompanhada. Alguns especialistas su- curar um médico. Também é conhecida como doen-
gerem a eritromicina (2 g/dia, via oral, por sete dias) ça de Nicolas-Favre ou Bubão climático.
como droga de escolha para tratar as pacientes infec-
O período de incubação é muito variável, osci-
tadas pelo HIV.
lando entre uma e oito semanas. A primeira suspei-
ta pode ser com o surgimento da linfadenopatia ingui-
nal, uma vez que, como dito, a lesão na fúrcula vaginal
Seguimento é indolor e, em geral, passa desapercebida.
A linfadenopatia é acompanhada de febre e cefaleia.
As pacientes devem ser reavaliadas três a sete
Ela, quando se apresenta amolecida à palpação, tende à
dias após iniciarem a terapia. Se o tratamento é eficaz,
supuração; já quando endurecida, tende à necrose (seme-
dentro de três dias a úlcera melhora sintomaticamen-
lhante à linfonodo metastático de neoplasia maligna).
te e, objetivamente, dentro de sete dias. Se a melhora
clínica não é evidente, o médico deve considerar se: o Havendo a supuração, podem surgir, nos
diagnóstico está correto, a paciente está coinfectada linfonodos, trajetos fistulosos para a pele, que
com outra DST, a paciente está infectada pelo HIV, o costumam deixar cicatriz retrátil com a reso-
tratamento não foi feito corretamente pela paciente, e lução. A fase de fistulização é alcançada em duas a
o H. Ducreyi é resistente à medicação prescrita (tem-se quatro semanas após o surgimento da lesão inicial.
registrado resistência à ciprofloxacina e eritromicina). A fistulizacão é capaz de se cronificar, permanecen-
O parceiro sexual deve ser examinado e tratado, inde- do durante meses e anos. Há cicatrização de algumas
pendentemente de ter ou não sintomas. fístulas pelo organismo, mas novas são formadas de
modo que, com o tempo, surgem verdadeiras fibroses
em couraça sem nenhum ponto de clivagem, tornan-
Principais diferenças entre cancro duro e
do-se impossível qualquer ressecção cirúrgica.
cancro mole
Pode haver também a formação de úlceras crôni-
Cancro duro Cancro mole
cas na fúrcula com fundo granulomatoso, que sangra
Período de incubação - Período de incubação - facilmente, mas é indolor. Essas são conhecidas como
21 a 30 dias 2 a 5 dias síndrome de Clémont-Simon.
Lesão única Lesões múltiplas A este quadro vulvar podem somar-se lesões ve-
Erosão ou ulveração Ulceração getativas tipo verrucosas, que envolvem o períneo, a
região perianal e o reto, com muitas ulcerações, abs-
Base dura (infiltrando Base mole (reação cessos e fístulas perineais. A cicatrização perianal
linfoplasmocitário) purulenta)
pode retrair o ânus a causar incontinência fecal.

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108
Ginecologia

Com o acometimento linfonodal fica compro- € Doxiciclina a 100 mg, a cada 12 horas, por 21
metida a drenagem linfática e consequentemente há dias;
edema duro progressivo na vulva, que pode ulcerar. A € Eritromicina a 500 mg, a cada 6 horas, por 21
esse quadro dá-se o nome de elefantíase vulvar ou dias;
estiômeno vulvar de Huguier.
€ Tetraciclina a 500 mg, a cada 6 horas, por 21 dias.
Sinais e sintomas: são de três tipos, € O uso de azitromicina 1 g/semana durante 3 se-
dependendo da fase da doença manas é alternativa terapêutica eficaz.
1ª fase: lesão de inoculação, presença de úlcera Está contraindicada a drenagem do bubão com
indolor, pápula ou pústula no pênis ou na parede
bisturi. No entanto, pode ser aspirado com agulha gros-
vaginal. Frequentemente não é notada pelo pa-
ciente e raramente é vista pelo médico. sa, nos casos em que a descompressão for imperativa.
2ª fase: disseminação linfática, aparecimento de Na gravidez e lactação a mulher deve ser tratada
linfadenopatia inguinal que se desenvolve uma com estearato de eritromicina 500 mg VO 6/6 horas,
a seis semanas após a lesão inicial. Geralmente por sete dias. O tianfenicol também pode ser utilizado
unilateral e que se constitui no principal moti- (1,5 g/dia via oral por três semanas), restringindo-se
vo de consulta. O comprometimento ganglionar
aos trimestres finais da gestação.
evolui para supuração e fistulização múltipla.
3ª fase: sequelas, devido à obstrução linfática
crônica, pode haver elefantíase genital.
Tabela 11.5
Seguimento
As pacientes devem ser seguidas clinicamente
Diagnóstico laboratorial até o desaparecimento dos sinais e sintomas. Os par-
ceiros sexuais devem ser examinados e tratados se ti-
O diagnóstico clínico não é fácil, pois se asseme-
ver havido contato sexual com a paciente nos trinta
lha às outras DSTs, e sua confirmação é obtida com
dias anteriores ao início dos sintomas.
o isolamento da Clamídia no aspirado dos linfonodos,
através de cultura em meio de Mc Coy. O processo é
dispendioso e demorado (cinco dias).
O teste de reação intradérmica imunológica
de Frei é um auxiliar diagnóstico e consiste na Donovanose
inoculação de antígenos na pele, sendo positivo
se houver surgimento de halo eritematoso de Também chamada de granuloma inguinal, é
mais de 5 mm 48 horas pós-inoculação. uma infecção granulomatosa crônica, causada pela
Antígenos bacterianos podem ser detectados por bactéria gram-negativa Calymmatobacterium granu-
imunofluorescência direta, utilizando-se anticorpos lomatis, também conhecida como Donovania granulo-
monoclonais fluorescentes. Nos casos positivos por matis. Seu período de incubação é muito difícil de ser
este método, os corpúsculos elementares podem ser determinado, variando de uma semana a seis meses.
identificados no material obtido do bubão. A inoculação se dá em pequenas soluções de conti-
Os testes sorológicos, como fixação do nuidade da pele ou mucosa resultante do traumatis-
complemento ou Elisa, tornam-se positivos mo pelo coito.
após quatro semanas da infecção, sendo su-
gestivos de infecção atual títulos superiores
a 1:64. No entanto, essas provas apresentam-se
positivas em casos de uretrite, cervicite, conjun-
Diagnóstico clínico
tivite e psitacose (causadas por outros subtipos Após o referido período de incubação variável,
de clamídia). Apesar do alto custo operacional, a surge lesão nodular subcutânea única ou múltipla,
técnica mais precisa no diagnóstico é por meio da cuja erosão forma ulcerações com base granulosa de
amplificação do DNA com reação em cadeia da po- aspecto vermelho vivo e sangramento fácil, com bor-
limerase (PCR). das planas ou hipertróficas. Não ocorre adenite. As
lesões são mais frequentes nas dobras das regiões ge-
nitais e perigenitais. São descritas ainda lesões extra-
Tratamento genitais e sistêmicas.
Para tratamento desta moléstia, recomenda-se a As úlceras tendem a se unir formando uma única
administração de: e grande lesão avermelhada (lesão em “bife vermelho”).

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109
11 DST

Paciente com queixa de úlcera genital

Anamnese e exame físico

História ou evidência de lesões vesiculosas?

Sim Não Lesões com mais de


4 semanas?

Tratar herpes Tratar sífilis e Não Sim


genital cancro mole

Aconselhar/solicitar Tratar sífilis e cancro mole


anti-HIV e VDRL, Fazer biópsia, iniciar
enfatizar adesão ao tratamento, tratamento
notificar, convocar parceiros e para donovanose
agendar retorno
Figura 11.6 Fluxograma esquemático do quadro clínico da donovanose.

Diagnóstico laboratorial Seguimento


A identificação dos corpúsculos de Donovan pode As pacientes devem ser seguidas clinicamente
ser obtida no material colhido por biópsia da borda da até a resolução dos sinais e sintomas. Os parceiros que
lesão, em estudo histológico corado pelos métodos de tiveram contato sexual dentro de sessenta dias antes
Giemsa, Leishman ou Wright. Os corpúsculos podem do início do aparecimento dos sintomas devem ser
ser identificados também em esfregaços citológicos de examinados e tratados. Entretanto, devido à baixa in-
fragmentos da lesão corados por Giemsa. fectividade, o valor da terapia na ausência de sinais e
sintomas não está bem estabelecido.
O diagnóstico é, então, suspeitado pela his-
tória clínica, sendo confirmado pela demonstra-
ção dos corpos de Donovan no raspado das úl-
ceras ou nos fragmentos das lesões. A biópsia é
aconselhável para se afastar malignidade. Herpes simples
A infecção herpética é causada pelo her-
pes-vírus simples tipo I e tipo II. A transmissão
Tratamento pode ocorrer quando o vírus, abrigado em uma le-
são ou secreção, ganha entrada em um novo hos-
A Donovania é sensível a um grande espectro de pedeiro, através das membranas mucosas ou mi-
antibióticos e quimioterápicos. Preconiza-se a admi- crotraumas e lesões da pele. O Herpes Simples Vírus
nistração de doxiclina a 100 mg, a cada 12 horas ou (HSV) tipo I ou tipo II pode produzir infecção oral
a associação de sulfametaxazol-trimetoprim (160/800 ou genital, e após o surgimento da primoinfecção,
mg), a cada 12 horas, ou azitromicina a 1 g/semana. pode tornar-se recidivante.
Essas medicações devem ser prescritas até 3 semanas
Uma vez adquiridos, os vírus das células epi-
após o desaparecimento das lesões; de modo que se
teliais infectadas dirigem-se pelos nervos para gân-
torna necessário acompanhar, semanalmente, a me-
glios sensoriais, onde permanecem quiescentes.
lhora da paciente.
Embora não se saiba por qual estímulo, eventual-
A ressecção cirúrgica, cauterização com eletro- mente ocorrerá a replicação dos vírus albergados,
cautério ou com laser deve ser considerada nos casos que seguem o caminho dos nervos para o local da
de lesões muito extensas que não regridem com o tra- infecção inicial, promovendo infecções recorrentes.
tamento clínico. Não há cura.

SJT Residência Médica – 2016


110
Ginecologia

Após um período de incubação de 1 a 26 dias


Medicamentos utilizados:
(em média sete dias), sinais clínicos da infecção pri-
mária são usualmente evidentes e podem persistir por € Aciclovir oral, que atua diminuindo a infectivi-
vários dias. Há dor local exacerbada, além de lesões dade e o aparecimento de novas lesões, na dose
vesiculares no início, e que passam à úlceras pequenas de 200 mg, a cada 4 horas, durante dez dias.
com bordas irregulares e centro sujo. As lesões podem € Aciclovir tópico, creme a 5%, cinco vezes ao dia.
coalescer, formando bolhas que resultam em ulcera- € Interferon-alfa, que impede a instalação viral.
ções maiores. A formação de novas lesões leva cinco
dias, a dor, dez dias, e a cura, cerca de dezesseis dias. Atualmente, dispõe-se de novos agentes antivi-
rais, que diminuem a frequência das tomadas diárias
A infecção herpética genital primária pode ser e oferecem melhor comodidade posológica à paciente.
acompanhada por sintomas gerais, tais como cefaleia, Assim, utilizam-se:
febre, meningite, encefalite, mialgia, retenção uriná-
ria e disúria, que podem inclusive preceder os sinto-
mas locais. As recidivas apresentam a mesma sinto- Drogas, posologia e duração do tratamento na
matologia, porém de forma mais leve. infecção primária da herpes
Duração do trata-
Droga Posologia
mento
Diagnóstico Aciclovir 400 mg, 3 vezes/ 7 a 10 dias
dia
O diagnóstico baseia-se na anamnese, no exame
Famciclovir 250 mg, 3 vezes/ 7 a 10 dias
físico e nos achados laboratoriais. O material deve ser dia
coletado das lesões suspeitas, rompendo-se as vesículas,
raspando-se o assoalho desta e preparando-se o esfrega- Valaciclovir 1 g, 2 vezes/dia 7 a 10 dias
ço, que será corado pelo método de Giemsa, Leishman, Aciclovir 400 mg, 3 vezes/ 5 dias
Wrigh ou Papanicolaou. Na histologia, observam-se os dia
corpúsculos de inclusão intranucleares em células isola- Famciclovir 150 mg, 2 vezes/ 5 dias
das. A cultura é o método diagnóstico mais específico e dia
sensível, permitindo realizar a tipagem do vírus e obter
informações sobre prognóstico e recorrência. Valaciclovir 500 mg, 2 vezes/ 3 a 5 dias
dia
Outra técnica é a citologia vaginal com a colora-
ção de Tzanck, cujo encontro de inclusões nucleares Drogas e posologia na herpes genital recorrente
virais em células gigantes multinucleadas sugere a Droga Posologia
herpes. Apesar da simplicidade de execução desse mé- Aciclovir 400 mg, 2 vezes/dia
todo, sua sensibilidade é de apenas 40%.
Famciclovir 250 mg, 2 vezes/dia
A sorologia pode ser útil no diagnóstico da infec-
ção primária, mas tem pouco valor nas recorrências. Valaciclovir 500 mg a 1 g, 1 vez/dia

Estima-se que aproximadamente 90% da popu- Tabela 11.6


lação tenha anticorpos IgG para o HSV-1 e 22%, para
o HSV–2.
A transmissão do vírus herpes simplex tipo II (HSV Paciente com queixa de úlcera genital
II) ocorre por um derrame viral na pele ou em membrana
das mucosas acometidas. A seguir os anticorpos neutra- Anamnese e exame físico
lizantes são produzidos no início da infecção e persistem,
mas não previnem recidivas da fase ativa da doença. Des- História ou evidência de lesões vesiculosas?
sa forma, a transmissão do vírus (HSV II) é mais comum
entre parceiros assintomáticos que eliminam vírus, do Sim Não Lesões com mais de
que entre parceiros com lesões ativas. 4 semanas?

Tratar herpes Tratar sífilis e Não Sim


genital cancro mole
Tratamento
O tratamento inclui a redução da severidade e/ Aconselhar/solicitar Tratar sífilis e cancro mole
ou o encurtamento do curso da infecção primária, re- anti-HIV e VDRL, Fazer biópsia, iniciar
enfatizar adesão ao tratamento, tratamento
dução da frequência e/ou severidade das recorrências notificar, convocar parceiros e para donovanose
e prevenção das mesmas na presença do vírus latente agendar retorno
estabelecido. Figura 11.7 Fluxograma de conduta em úlcera genital.

SJT Residência Médica – 2016


111
11 DST

Figura 11.8 Infecção gonocócica cervical. Figura 11.11 Cancro duro.

Figura 11.9 Bartolinite gonocócica. Figura 11.12 Roséola sifilítica.

Figura 11.10 Bartolinite gonocócica. Figura 11.13 Cancro mole.

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112
Ginecologia

Figura 11.14 Donovanose.


Figura 11.15 Linfogranuloma venéreo.

Abordagem síndroma das úlceras genitais


Para facilitar a abordagem diagnóstica e terapêutica das úlceras genitais em locais que não dispõem de
muitos recursos complementares ou mesmo de especialistas, o Ministério da Saúde, em seu manual de DST,
cria uma abordagem síndrome de úlceras genitais:
Por esta, diante da visualização de úlcera, deve-se perguntar se há histórico de lesões vesiculares, ou ob-
servar se há evidência clínica de sua presença. Sendo a resposta positiva deve-se tratar como herpes genital.
Na negativa da questão acima deve-se tratar sífilis e cancro mole e, estando presente a úlcera há mais
de 4 semanas, ainda é preciso biopsiá-la a tratar donovanose. Não obstante, é preciso convocar o parceiro,
notificar a doença, colher sorologias para HIV, Hepatites B e C e oferecer vacina para Hepatite B.

No início, as pessoas se recusam a acreditar que uma coisa nova e estranha possa ser feita; depois,
começam a ter esperança de que possa ser feita; mais tarde, percebem que ela pode ser feita –
por fim ela é feita e todos se perguntam por que não foi feita séculos antes.
Frances Hodgson Burnett.

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CAPÍTULO

12
Doença inflamatória pélvica aguda

ria prévia de DIPAA, parceiro com DST, uso de DIU,


Introdução consumo de drogas ilícitas e exposição a situações de
violência sexual.
De acordo com o Centers for Disease Control and
Prevention, a doença inflamatória pélvica (DIPAA) é Práticas como ducha vaginal também está asso-
uma síndrome clínica caracterizada por processo in- ciada ao aumento de casos de DIPAA por facilitarem a
feccioso ascendente do trato genital feminino superior ascensão de patógenos ao trato genital superior, pelo
(acima do orifício interno do colo uterino), incluindo fator mecânico representado pela ducha.
qualquer combinação de endometrite, salpingite, abs- Contraceptivo hormonal, que torna o
cesso tubo-ovariano e pelviperitonite. Os agentes muco cervical mais espesso pela presença de
sexualmente transmissíveis, particularmente progesterona, ocasiona relativa proteção con-
Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae, tra DIPAA.
estão envolvidos na maioria dos casos; entretan-
Através de anamnese detalhada, podemos
to, microrganismos que comumente fazem parte da
estabelecer um escore de risco para DIPAA (ta-
flora vaginal (como anaeróbios, Gardnerella vaginallis,
bela a seguir).
Streptococcus agalactiae, bacilos gram-negativos e ou-
tros) podem agravar a DIPAA. Além disso, Mycoplasma
hominis e Ureaplasma urealyticum também podem ser Escore de risco para a DIPAA
agentes oportunistas. Escore de risco Pontuação
Parceiro com corrimento uretral 2
Idade abaixo de 20 anos 1
Sem parceiro fixo 1
Fatores de risco Mais de um parceiro nos últimos 3 me-
1
ses
Os fatores de risco mais citados na literatu-
ra são: início precoce da atividade sexual, múltiplos Novo parceiro nos últimos 3 meses 1
parceiros sexuais, baixo nível socioeconômico, histó- Tabela 12.1
114
Ginecologia

Por outro lado, há mecanismos de defesa que


Escore ≥ 2 é considerado positivo.
atuam no equilíbrio orgânico feminino, limitando a
instalação e a multiplicação dos microrganismos:
€ Microbiota vaginal.
€ Histiócitos presentes no conteúdo vaginal, em
Etiopatogenia maior quantidade no período menstrual.
Como citado anteriormente, os principais agen- € Muco cervical com função mecânica (tam-
tes primários envolvidos na DIPAA são Chlamydia pão mucoso) e química (ação biológica de
trachomatis e Neisseria gonorrhoeae (Gonococo). No isoenzimas).
caso da Clamídia, por ser bactéria intracelular e com
€ Descamação periódica do endométrio.
isso estar mais protegida da vigilância imunitária,
gera menor processo inflamatório traduzido clinica- € Maior resistência do peritônio pélvico aos ata-
mente por início gradual e evolução silenciosa para ques infecciosos.
dano progressivo e extenso. Já o Gonococo provoca O processo inflamatório acomete mais as tubas,
sintomas abruptos, com sinais distintos de infecção particularmente nas fímbrias e ampola, o que acarreta
local e doença sistêmica. danos ao funcionamento das mesmas. Como evolução
Em termos fisiopatológicos, acredita-se que haja pode haver oclusão tubária, formação de abscessos e
uma infecção inicial por clamídia ou gonococo, que extravasamento de material purulento para a cavidade
ascenderam com auxílio de espermas, tricomonas ou pélvica leva ao aparecimento de peritonite. A sepse é o
outros comunicadores. Tais bactérias levam à redução grau mais avançado da doença.
de acidez e diminuição dos radicais livres, quebrando
os mecanismos de defesa e facilitando a ascensão de
outras bactérias.
Em última análise, a infecção será polimicrobia- Quadro clínico
na. Os principais agentes envolvidos são:
A queixa mais comum na DIPA é a dor pélvica.
Trata-se de uma dor progressiva. Ao exame nota-se,
Primários inicialmente, dor à mobilização do colo uterino,
sendo este o sinal mais importante. A seguir ad-
€ Neisseria gonorrhoeae. vém dor à palpação abdominal e, por fim, peritonite.
€ Chlamydia trachomatis. Essa dor pélvica, progressiva e ascendente, caracte-
riza o sinal de Chandelier, bastante característico
da doença.
Oportunistas É comum a associação com corrimento va-
Anaeróbios (Bacterioides sp., Peptococcus sp. e Pep- ginal geralmente de características purulentas.
tostreptococcus sp.) Ainda pode ocorrer febre, irregularidade menstrual
por endometrite e, nos casos de abscesso tubo-ova-
€ Mycoplasma hominis. riano, tumor no hipogástrio.
€ Ureaplasma urealyticum. Não havendo tratamento a contento a doença
€ Proteus sp. evolui para septicemia.
€ Gardnerella vaginallis.
€ Haemophylus influenzae.
€ Escherichia coli.
Algumas características morfofuncionais das
mulheres favorecem esta afecção:
€ Comunicação da vagina (meio séptico) com o
meio peritoneal (DIU, espermatozoides etc.).
€ Menstruação.
€ Criptas do colo uterino, que favorecem a ascen
são de espermatozoides e abrigam bactérias. Figura 12.1

SJT Residência Médica – 2016


115
12 Doença inflamatória pélvica aguda

Diagnóstico
Os critérios para diagnóstico da DIPA têm sofri-
do algumas modificações nos últimos anos. Estudos
realizados por laparoscopia demonstraram que mui-
tos dos casos cujo diagnóstico clínico havia sido DIPA
na verdade eram de outras entidades ou até mesmo
pelve normal.
A laparoscopia, apesar de ser considerada pa-
drão-ouro para o diagnóstico da DIPA, não tem sido
utilizada amplamente, devido ao alto custo.
Os critérios para diagnóstico de DIPAA, se-
gundo o CDC, incluem:
€ Critérios maiores:
- dor abdominal infraumbilical;
Figura 12.2
- dor anexial ao exame pélvico;
- dor à mobilização do colo uterino.
€ Critérios menores:
- sinais de infecção do trato genital inferior (vul-
vovaginite);
- temperatura oral acima de 101°F (38,3°C);
- conteúdo vaginal ou secreção cervical anormais;
- aumento de leucócitos em microscopia de con-
teúdo vaginal;
- aumento da VHS;
- proteína C reativa elevada;
- identificação de infecção cervical por C. tracho-
matis ou N. gonorrhoeae.
€ Critérios elaborados:
- biópsia endometrial compatível com endometrite;
Figura 12.3 - ultrassonografia transvaginal ou ressonância
magnética demonstrando tubas com conteúdo líquido
ou espessamento de paredes, com ou sem líquido livre
Nas Figuras 12.1, 12.2 e 12.3, observe diferentes em cavidade peritoneal ou presença de coleção tubo-
-ovariana, ou estudo Doppler com aumento da vascu-
fases da doença inflamatória pélvica aguda.
larização sugerindo processo inflamatório;
- visualização laparoscópica direita do processo
inflamatório pélvico.
Sinais e sintomas da DIPA O diagnóstico de DIPAA será firmado na
Dor à mobilização do colo presença de um único critério elaborado ou se
Dolorimento anexial estiverem presentes os três critérios maiores as-
Dispareunia sociados a, pelo menos, um critério menor.
Corrimento vaginal mucopurulento Os dados referentes à epidemiologia são mui-
Queixas urinárias to importantes e devem ser observados. Entre estes,
destacam-se: parceiro com queixa de corrimento ure-
Sangramento intermenstrual
tral ou úlcera genital, múltiplos parceiros ou, ainda,
Anorexia, náuseas, vômitos ausência de parceiro fixo. Dentre os dados clínicos
Febre (20%-30% dos casos) ressalta-se a alteração do muco cervical (aspecto mu-
Tabela 12.2 copurulento) ou sinais de cervicite.

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116
Ginecologia

Exames laboratoriais Tomogra昀椀a computadorizada


Embora não sejam obrigatórios, pois em muitos Os achados de tomografia computadorizada asso-
casos os critérios permitirão o diagnóstico clínico, ciados à DIPAA são pouco específicos quando não há for-
alguns exames podem facilitar o reconhecimento da mação de coleções ou abscessos. A imagem tomográfica
doença, a saber: permite identificar a perda de planos anatômicos dos te-
€ 1) βhCG - A possibilidade de gravidez deve ser cidos gordurosos em decorrência do edema inflamatório
considerada em todas as pacientes com dor ab- das diferenças fáscias pélvicas. Hidrossalpinge é obser-
dominal em idade reprodutiva, por este quadro vada pela identificação de estrutura tubular pélvica com
pode se relacionar a diagnósticos diferenciais de conteúdo líquido, na projeção das regiões anexiais.
aborto séptico ou gravidez ectópica. Abscessos tubo-ovarianos e pélvicos aparecem, à
€ 2) Microscopia de conteúdo vaginal em salina e tomografia, como massas com limites pouco precisos,
preparado com hidróxido de potássio, sendo co- irregulares e espessos, cujo conteúdo apresenta-se hete-
mum, em DIPAA, os achados de: rogêneo com debris. Tal exame permite estabelecer a to-
- Leucorreia: > 10 leucócitos em campo de grande pografia do abscesso em relação aos órgãos pélvicos. Es-
aumento; > 1 leucócito para cada célula epitelial. truturas tubulares e não vasculares em projeção pélvica,
- Tricomoníase e células-guia (clue cells). adjacentes e essas coleções/massas pélvicas são sugesti-
vas de tubas dilatadas (hidrossalpinge ou piossalpinge).
€ 3) VHS: Não específico.
Os principais diagnósticos diferenciais para es-
€ 4) Proteína C reativa (PCR): Não específico, mas ses achados tomográficos incluem neoplasias, hema-
sua elevação é critério menor para diagnóstico toma e endometrioma. A correlação clínica das ima-
da doença.
gens é importante.
€ 5) Leucocitose - geralmente está presente e tam-
bém é critério menor para diagnóstico da doença.
€ 6) Identificação de Gonococo por PCR.
Ressonância magnética
€ 7) Identificação de Clamídia por PCR.
€ 8) Sedimento urinário e cultura - para se afastar Em sequência T1, a hidrossalpinge apresenta-se
infecção de trato urinário. como imagem tubular de sinal com baixa intensidade,
e em sequência T2 com alta intensidade. Nos casos de
piossalpinge, observa-se espessamento das paredes
dessa estrutura tubular.
Exames de imagem

Ultrassonogra昀椀a transvaginal
A ultrassonografia transvaginal (USTV) apresenta
pouca sensibilidade (81%) e especificidade (78%) nos
casos leves e atípicos. Os achados mais específicos
incluem espessamento da tuba (> 5mm) com con-
teúdo líquido em seu interior e líquido livre em
fundo de saco de Douglas. Coleções pélvicas com li-
mites imprecisos e conteúdo heterogêneo e com debris
são associadas a abscessos. A presença de abscessos pode
passar despercebida ao exame clínico em cerca de 70%
dos casos, de modo que a ultrassonografia é auxiliar no
reconhecimento deste importante elemento de conduta.
Nos casos duvidosos, a USG ainda auxilia no diag-
nóstico diferencial de gravidez ectópica, cistos hemor- Figura 12.4 DIPAA (salpingite) – RM da pelve. Presença
rágicos, torção anexial, endometriose e apendicite. de formação serpiginosa na região anexial direita (setas
em A, B e D), claramente separada do útero (estrelas em
A USTV permite a boa identificação do útero e dos A e B), com intenso realce parietal pelo meio de contraste,
anexos. A identificação das tubas é limitada, a menos caracterizando sua natureza inflamatória (seta em C). O
que estejam dilatadas ou com conteúdo líquido. Por aspecto em C é bastante sugestivo de tuba uterina com
outro lado, a ultrassonografia transabdominal (USTA) paredes espessadas. (A, B: plano axial T1 e T2, respectiva-
complementa o exame transvaginal por permitir ava- mente; C: plano axial T1 com técnica de saturação de gor-
liação mais ampla das estruturas abdominais e pélvicas. dura após a injeção de contraste; D: plano coronal T2).

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117
12 Doença inflamatória pélvica aguda

€ Síndrome de Fitz-Hugh Curtis: aderências fi-


Classi昀椀cação brosas peri-hepáticas resultantes do processo
inflamatório, podendo causar dor aguda no hi-
Uma vez estabelecido o diagnóstico da doença, é pocôndrio direito e à descompressão, sem alte-
preciso estabelecer o estágio da mesma, pois isso terá rações das enzimas hepáticas.
implicações terapêuticas. Classicamente dividimos a
DIPA em 4 estágios, conforme a Tabela 12.3. Existe
ainda uma classificação baseada em achados laparos-
cópicos, constante na mesma tabela.

Classificação da DIPAA
Estágio I: endometrite e salpingite aguda sem perito-
nite
Estágio II: salpingite com peritonite

Estágio III: salpingite com oclusão tubária ou compro-


metimento tubo-ovariano (abscesso tubo-ovariano)

Estágio IV: abscesso tubo-ovariano roto ou sinais de


choque séptico
Classificação laparoscópica
€ Leve: tubas móveis e pérvias
€ Moderada: tubas móveis com provável obstrução
€ Severa: massa inflamatória (abscesso tubo-ovariano)
Tabela 12.3
Figura 12.5 Abscesso tubo-ovariano.

Diagnóstico diferencial
O diagnóstico diferencial da DIPA deverá ser
feito com todas as condições clínicas e cirúrgicas que
possam cursar com dor e/ou massa na pelve. Den-
tre estas, destacam-se gravidez ectópica e apendicite
como as que trazem maior dificuldade diagnóstica.
Devem ainda ser lembradas litíase e infecções do trato
urinário, endometriose (endometrioma roto), ruptura
ou torção de cisto ovariano, dentre outras.

Complicações e sequelas Figura 12.6 Aderências tubária e uterinas.

Apesar de a taxa de mortalidade ser baixa, a


morbidade é alta. Constituem as principais compli-
cações de DIPA (as quatro primeiras constituem o rol
das complicações tardias):
€ Infertilidade (30%).
€ Aumento do risco de gravidez ectópica (6 a 10
vezes maior).
€ Algia pélvica crônica.
€ Hidrossalpinge.
€ Abscesso tubo-ovariano.

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118
Ginecologia

€ Abscessos pélvicos maiores que 5 cm.


€ Progressão do abscesso apesar do tratamento
clínico.
€ Ruptura de abscesso ou abscesso em fundo de
saco Douglas.
Os demais casos são candidatos ao tratamento
clínico ambulatorial.
Dentre os esquemas ambulatoriais, o CDC
orienta utilizar ofloxacino (400 mg, VO 12/12
horas) ou levofloxacino (500 mg, VO 1 vez/dia),
associado ao metronidazol (500 mg a cada 12
horas), por 14 dias. Traz como opção ainda a com-
binação de: ceftriaxone (250 mg IM dose única) ou ce-
foxitina 2 g/IM, dose única + doxiciclina (100 mg VO,
12/12 horas por 14 dias) + metronidazol (500 mg VO,
12/12 horas por 14 dias), sendo essa última medica-
ção opcional.
Dentre os esquemas parenterais de antibio-
ticoterapia, o emprego de cefoxitina 2 g IV a cada
6 horas, associada à doxiciclina 100 mg IV a cada 12
Figura 12.7 Aderências peri-hepáticas. Síndrome de horas, apresenta boa praticidade de aplicação e de res-
Fitz-Hugh-Curtis. posta. Outros esquemas incluem o use de clindamici-
na IV 900 mg a cada 8 horas associado à gentamicina
(2 mg/kg - dose de ataque) seguido por manutenção
de 1,5 mg/kg a cada 8 horas. Ambos os regimes são
utilizados por até 48 horas após a melhora clínica da
Tratamento paciente, mantendo-se, após a alta hospitalar, doxici-
clina 100 mg VO 2 vezes/dia com ou sem clindamicina
Não existe agente antimicrobiano único que
450 mg VO 4 vezes/dia por 14 dias.
apresente alta eficácia terapêutica para o tratamento
da DIPA. Isso se explica pela diversidade de microrga- No tratamento cirúrgico deve-se drenar o abs-
nismos envolvidos nessa doença. Obviamente, quanto cesso e a cavidade peritoneal deve ser extensamente
mais precoce forem o diagnóstico e o início do trata- irrigada com solução fisiológica ou de Ringer aqueci-
mento, melhores os resultados e menor o dano tubá- da até que o efluente seja claro. Também os espaços
rio com as suas futuras consequências (infertilidade, subdiafragmáticos devem ser irrigados para retirada
gravidez ectópica e dor pélvica crônica). de eventuais coleções ou acúmulos de secreções se-
cundárias a manipulação pélvica e a posição cirúrgica
O tratamento pode ser dividido em clínico ambu- da paciente.
latorial, clínico hospitalar ou cirúrgico.
Considerando que a DIPA é fundamentalmen-
O tratamento clínico hospitalar será indicado na te adquirida por contato sexual, todos os parceiros
presença de: com quem a paciente se relacionou nos últimos
€ Impossibilidade de se excluir apendicite. 60 dias retroativos da data do diagnóstico devem
€ Resposta inadequada à via oral. receber cobertura contra C. trachomatis e N. go-
norrheae pela mesma razão, outras DSTs devem
€ Febre alta, queda do estado geral.
ser investigadas, enfatizando-se a coleta de tes-
€ Abscesso suspeito ou confirmado. te para HIV, lues e hepatites B e C, e orientações
De outra forma, o tratamento cirúrgico (drena- sobre hábitos sexuais devem ser oferecidas.
gem e lavagem) estará indicado se: Recomenda-se, para os parceiros, o trata-
€ Ausência de melhora clínica em 72 horas, com mento com azitromicina 1g, VO, dose única +
tratamento ambulatorial. ofloxacina 400 mg, VO, dose única.

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CAPÍTULO

13
Atendimento à vítima de
violência sexual

Introdução A paciente
O atendimento às pacientes obedece as diretri-
O atendimento à vítima de violência sexual é um zes abaixo:
assunto bastante abordado ultimamente em todos
os fóruns e seminários de saúde, devido ao crescente
aumento da violência e à necessidade de se reduzirem 1. Quando as pacientes chegam não gestantes:
os riscos de gestações indesejadas e DSTs associadas, € acolhimento;
além de se minimizarem as sequelas psicológicas.
€ encaminhamento ao pronto-atendimento espe-
A definição de violência sexual tem um sen-
cializado após afastadas urgências;
tido amplo, como: qualquer ato sexual ou contra
os princípios de pudor de uma pessoa, imposto sob € exame clínico e ginecológico: ficha padronizada
ameaça, sem o seu consentimento inteligente e/ou com anotações sobre anamnese e exame físico,
responsável, com a intenção de obter satisfação sexual com fotos de lesões porventura existentes;
para o agressor ou humilhação da vítima. € coleta de material para possível estudo de DNA;
Em 07 de agosto de 2009 foi aprovada a lei nú- € profilaxia de gravidez e DSTs – inclusive Aids, se
mero 12.015 , que altera o Título VI da Parte Especial
cabível;
do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 –
Código Penal, e o art. 1º da Lei n. 8.072, de 25 de julho € orientações sobre a realização de boletim de ocor-
de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos rência, direitos da mulher, cuidados em relação à
termos do inciso XLIII do art. 5º da Constituição Fede- saúde física e mental, encaminhamento para am-
ral e revoga a Lei n. 2.252 de 1º de julho de 1954, que bulatório. A violência sexual necessita de represen-
trata de corrupção de menores. Como resultado práti- tação e cabe à vítima denunciar ou não o agressor.
co, qualquer forma de coito (vaginal, anal, oral ou € tratar intercorrências;
manipulação) passa a ser considerada estupro se
forem contra o consentimento inteligente e res- € encaminhamentos para controle ambulatorial.
ponsável da vítima. Outra mudança interessante é
que o estupro de menor de 14 anos, deficiente men-
2. Quando chegam gestantes:
tal grave ou qualquer pessoa fora de seu juízo normal
(efeito de drogas, sedação etc.) passa a ser considerado € avaliação obstétrica;
como estupro de vulnerável, existindo um acréscimo € discussão da possibilidade de interrupção legal
de pena nessas situações. da gestação;
120
Ginecologia

€ procedimentos e documentos para a possível in- € 2) esquema combinado (método de Yuzpe) –


terrupção da gestação; alternativo – contraceptivos orais a base de eti-
€ interrupção da gravidez caso seja desejo da paciente; nilestradiol (EE) e levonorgestrel. O esquema
tradicional consiste na ingestão de 100mg de eti-
€ encaminhamento para acompanhamento ambu- nilestradiol e 500 mg de levonorgestrel em duas
latorial. tomadas com intervalo de 12 horas entre elas.
A contracepção tem sido mais eficiente com
o progestagênio isolado. Além disso, pode ocorrer
interação medicamentosa entre etinilestradiol e al-
O atendimento guns agentes antirretrovirais inibidores de proteases
(nelfinavir e ritonavir), fato que deve ser limitante ao
As pacientes que buscam auxílio médico após a vio- uso dessas associações.
lência sexual devem ser acolhidas com carinho e respeito, Após 72 horas da agressão, até o 5º dia, uma
evitando-se a discriminação de qualquer natureza.
de duas atitudes para evitar gestação pode ser
tomada:
€ colocação de DIU, embora alguns autores con-
Exame ginecológico tra-indiquem pós violência sexual pelo risco in-
feccioso;
O exame ginecológico deve ser acompanhado de
descrição minuciosa das lesões encontradas e coleta da
€ administração de 600 mg de mifeprostone (RU-
secreção vaginal, ou em qualquer parte do corpo, conten- 486), uma droga antagonista da progesterona.
do sêmen, em papel-filtro estéril ou bolinha de algodão,
que, após secar em contato com o ar, deverá ser guardado
em envelope e anexado ao prontuário da paciente.
Pro昀椀laxia de DSTs não virais
O prontuário padronizado pelo Ministério da Saú-
de (MS) visa não só captar informações importantes, Não é possível estabelecer, com exatidão, o tem-
como também a orientar a equipe que acolhedora no sen- po limite para introdução de profilaxia das doenças
tido de não esquecer nenhum detalhe de atendimento. não virais em situações de violência sexual, muito
embora acredite-se que a eficácia seja maior até o 14o
O ideal é que uma cópia desse atendimento fique em dia. Com o esquema terapêutico busca-se prevenir do-
poder da vítima para que possa apresentar ao IML ou a enças como gonorréia, sífilis, infecção por Clamídia,
qualquer outro serviço que venha a oferecer atendimento tricomoníase e cancro mole.
relativo à ocorrência (por exemplo, no ambulatório).
O esquema de primeira escolha, segundo o MS,
para a quimioprofilaxia das DST não virais é o seguinte:
€ adultos e adolescentes com mais de 45 kg: peni-
Reparo das lesões cilina benzatina (2.400.000 UI) IM + ceftriaxone
As lesões encontradas deverão ser prontamente 1 g IM + azitromicina, 1 g, VO;
reparadas no local do atendimento ou em centro cirúr- € em crianças e adolescentes com menos de 45 kg:
gico, quando necessário. Da mesma maneira, deve-se ceftriaxona, 125 mg, ou penicilina benzatina,
promover a cobertura com antibióticos e analgésicos. 600.000 Ul (IM) + azitromicina, 20 mg por kg
(máximo de 1 g), VO;
€ O uso de Seccnidazol ou metronidazol 2 g VO
dose única, associado ao acima descrito, é facul-
Contracepção de emergência tativo.
(intercepção) O metronidazol e outros derivados imidazólicos po-
Levando-se em conta o risco de gestação advinda dem apresentar interações medicamentosas importantes
de estupro, as pacientes que não fazem uso regular de com o ritonavir; por isso, o uso concomitante é evitado.
anticoncepção deverão receber, no momento do aten- Nesses casos, pode-se substituir esse antirretroviral pelo
dimento, um dos seguintes esquemas: nelfinavir. Como dito, o uso desses imidazólicos não é im-
prescindível em todos os casos de quimioprofilaxia e pode
€ 1) progestagênio isolado (é o tratamento preco-
ser realizado posteriormente, se necessário, com o intuito
nizado como primeira escolha) levonorgestrel
de se obter melhor adesão aos antirretrovirais.
– 1,5 mg em dose única. Esse esquema é mais
eficaz se utilizado até 72 horas após a agressão, Esquema alternativo: quinolonas (ofloxacino,
todavia o manual do Ministério da Saúde orienta ceftriaxona – 1 g, IM, ciprofloxacino – 400 mg, a cada
usá-lo até o quinto dia; 12 h – 3 dias).

SJT Residência Médica – 2016


121
13 Atendimento à vítima de violência sexual

Obviamente esta profilaxia não será usada caso


Pro昀椀laxia anti-HIV o agressor seja sabidamente HIV negativo. Também
Principais fatores de risco para aquisição de não se deve usá- la em penetração apenas oral sem
HIV como decorrência do estupro: ejaculação, caso o agressor tenha usado preservati-
€ condição sorológica do agressor previamente vo durante todo o ato sexual ou o abuso seja crônico
conhecida; pelo mesmo agressor.
€ tipo de coito: o coito anal e muito mais agressivo
e suscetível à infecção do que o vaginal; já o coito
oral é de risco bastante menor;
Pro昀椀laxia para Hepatite B
€ número de agressores: quanto mais agressores,
Para mulheres não vacinadas ou com esquema de
maiores os riscos de infecções;
vacinação incompleto para hepatite B, deve-se admi-
€ presença de lesões abertas (feridas) em contato nistrar, em até 14 dias após o ato sexual (embora o
com o sêmen. ideal seja aplicação nas primeiras 48 horas) , imuno-
Ao mesmo tempo, admite-se que outras variá- globulina humana anti-hepatite B (IGHAHB) na dose
veis podem se relacionar ao aumento de risco de in- de 0,06 mL/kg, IM, dose única. Concomitantemente
fecção pelo HIV para quem sofre violência sexual. O faz-se a primeira dose de vacina contra a hepatite B,
ciclo gravídico – puerperal, as situações de imunodefi- em sítio de aplicação distinto da imunoglobulina.
ciência, as úlceras genitais e as infecções vaginais são
alguns fatores que, quando presentes no momento da
violência sexual, podem aumentar ainda mais a vulne-
rabilidade diante da infecção pelo HIV.
Os riscos também se associam ao trauma sub-
Exames laboratoriais
jacente, no qual a escassa lubrificação produz lesões No momento do atendimento inicial, deve ser
abrasivas e soluções de continuidade, potencializando coletado sangue para avaliação de DST e seguimento,
as chances de contaminação. O tipo de violência pra- além de amostra de conteúdo vaginal. O teste de HIV
ticada é outra variável importante. A taxa de infec- deve ser feito após aconselhamento e consenti-
tividade do HIV para a mulher em relação hete- mento. Nas pacientes que receberão quimioprofilaxia
rossexual vaginal receptiva e única varia de 0,08 para HIV, é necessária a realização de hemograma e
a 0,2%. Se o coito for anal, essa taxa se eleva para enzimas hepáticas (transaminases).
0,1 a 0,3%.
Sugere-se que sejam realizadas sorologias para:
A quimioprofilaxia deve ser administrada no
prazo de até 72 horas do contato sexual e os medica-
€ Sífilis (VDRL ou RSS) - admissão, 6 semanas e
mentos mantidos por 4 semanas consecutivas. O esque- 3 meses.
ma mais utilizado é a combinação de 3 medicamentos. € Anti-HIV - admissão, 6 semanas, 3 meses e 6
meses.
€ Zidovudina (AZT), 300 mg (inibidor da trans-
criptase reversa), 1 comprimido a cada 12 horas. € Hepatite B - admissão, 3 meses e 6 meses.
€ Lamivudina (3TC), 150 mg (inibidor da trans- € Hepatite C - admissão, 3 meses e 6 meses.
criptase reversa), 1 comprimido a cada 1 horas.
€ Nelfinavir (NFV), 750 mg (inibidor de protease),
1 comprimido a cada 8 horas.
Em crianças, a profilaxia deve considerar as- Direitos da vítima
pectos como condições de HIV do agressor (portador
do vírus, viciado em drogas, presidiário), número de Faz parte do atendimento imediato a orien-
agressores múltiplos, lacerações genitais ou coito anal tação da paciente para a possibilidade de regis-
e ansiedade da mãe ou familiares. A combinação mais trar a ocorrência através do boletim de ocorrên-
aplicada nesses casos é a seguinte: cia policial. Deve-se sempre lembrar que não é
€ AZT, 90 a 180 mg/m², a cada 8 horas (máximo obrigatório esse registro, mas que é importante
de 600 mg/dia). para que haja o exercício da cidadania e que o
€ 3TC, 4mg/kg, a cada 12 horas (máximo de 150 agressor não fique impune.
mg a cada 12 horas). O exame de corpo de delito no IML também não
€ NFV, 30 mg/kg, a cada 8 horas (dose máxima de é obrigatório, mas sempre será solicitado pelo delega-
750 mg a cada 8 horas) ou RTV, 350 a 400 mg/ do que efetuar o boletim de ocorrência; e a paciente
m², a cada 12 horas (dose máxima de 600 mg a deve ser esclarecida sobre seu direito de querer ou não
cada 12 horas). se submeter a este exame.

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122
Ginecologia

Após ter sido atendida no pronto-socorro, a pa- € garantir privacidade, escuta, apoio e crença;
ciente deverá ser atendida por equipe multiprofissio- € jamais criticar, reprovar, repreender ou duvidar;
nal que desenvolverá atuações bem definidas, confor-
€ orientar adequadamente e colocar-se disponível;
me exposto a seguir.
colaborar com a comunicação junto aos outros
profissionais.

O médico Aspectos legais: Resumo


1. A notificação de casos de violência contra a mulher é
Além do atendimento inicial e ambulatorial,
compulsória segunda a Lei n. 10.778, de 24 de novem-
prescrevendo medicações e solicitando exames, cabe
bro de 2003; e se envolver crianças ou adolescentes me-
ao médico a execução da interrupção de eventual ges- nores de 18 anos de idade, a suspeita ou confirmação de
tação decorrente do estupro, quando assim for solici- abuso sexual deve ser obrigatoriamente comunicada ao
tado pela paciente e decidido pela equipe multiprofis- Conselho Tutelar ou à Vara da Infância e da Juventude,
sional após avaliação. Não há necessidade de boletim conforme artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adoles-
de ocorrência ou autorização judicial para essa atitude, cente (ECA), Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990.
como veremos adiante. 2. O profissional médico não apresenta impedimen-
to legal ou ético para prestar o atendimento neces-
sário a estas mulheres, o que inclui o exame gine-
cológico e a prescrição de medidas de profilaxia,
A enfermeira tratamento e reabilitação. A recusa injustificada
à assistência da pessoa que sofre violência sexual
Recebe a paciente, faz anamnese, providencia pode ser caracterizada como omissão segundo o ar-
exames, medicações, agenda consultas, dá apoio. Cabe tigo 13, § 2º do Código Penal, não cabendo a alega-
ao enfermeiro do ambulatório a função de gerenciar ção de abjeção de consciência.
todo o fluxo de encaminhamento dessas pacientes e 3. A paciente pode lavrar o Boletim de Ocorrência Poli-
colaborar na interlocução entre os vários profissionais cial em delegacia e prestar depoimento ou, ainda, sub-
que estão prestando o atendimento multidisciplinar. meter-se a exame pelos peritos do Instituto Médico
Legal (IML), conforme encaminhamento a partir da au-
toridade policial, após o atendimento clínico. Os peritos
do IML também podem realizar o laudo pela análise do
O psicólogo prontuário médico, além da perícia.
4. O Boletim de Ocorrência Policial serve ao registro do
Cabe a este profissional o atendimento emergen-
ato de violência e como comunicação à autoridade po-
cial e continuado, até a reintegração social da paciente.
licial para instaurar inquérito e investigação; por outro
Não há como estabelecer o tempo necessário para que
lado, o laudo do IML serve como documento para prova
a mulher se estruture para conseguir retornar às ativi-
criminal. Esses documentos não são necessários para a
dades profissionais, sociais e sexuais.
realização do atendimento em serviços de saúde.
Muitas vezes, o atendimento psicológico requer Tabela 13.1
colaboração do psiquiatra para prescrição de medica-
mentos como antidepressivos, sedativos etc.
A gestante
O atendimento pela equipe multiprofissional às pa-
A assistente social cientes que chegam ao serviço tardiamente, quando o diag-
Realiza orientações sobre documentos, transpor- nóstico de gestação já for evidente, deve ser direcionado
para a possibilidade de interrupção da gestação se este for o
te, contatos com a família e outras entidades. Ajuda no
desejo da paciente e se houver possibilidade técnica de fazê-
acolhimento e na distribuição dentro do fluxo de aten-
-lo com pouco risco para a mulher (até 20-22 semanas).
dimento junto a enfermeiro, conselho tutelar, juizado
de menores, documentos para a possível interrupção A realização desse procedimento é obrigatória em
da gestação ou uma futura entrega para doação. serviços públicos de saúde, isto é, deve ser garantido à
paciente o direito de ser atendida nesses locais, de acordo
com a norma técnica do Ministério da Saúde.
Antes de se proceder a interrupção a paciente
Atitudes acolhedoras deve assinar uma solicitação por escrito e, caso seja
É importante reforçar que atitudes acolhedoras menor de 18 anos ou deficiente mental, tal autorização
devem ser treinadas e estimuladas por toda a equipe deve ser assinada pelos pais ou representante legal, con-
assistencial e têm como princípios: forme orientação da norma técnica do MS.

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123
13 Atendimento à vítima de violência sexual

Deve haver também avaliação prévia de equipe parado à curetagem uterina clássica. Algumas vezes,
multidiciplinar. A equipe deve atender a paciente, con- pode-se usar misoprostol intravaginal algumas horas
frontando os exames clínicos e ultrassonográficos com a antes do procedimento para o preparo do colo uterino.
história da violência. Em reunião conjunta, a equipe mul- A interrupção medicamentosa também é válida e para
tiprofissional pode concluir pela interrupção da gravidez tal usa-se misoprostol 800 mcg via vaginal de 12/12h
nos casos em que os dados são concordantes e negá-la se até completar 3 doses. A alta hospitalar deve ser a
houver alguma incongruência relevante. mais precoce possível.
O boletim de ocorrência realizado em delega- Após 12 semanas a eliminação medicamentosa do
cias não é obrigatório, mas deve ser estimulado; o produto conceptual é obrigatória, com uso de misopros-
alvará judicial não é necessário; e não há razão para se tol 200 mcg via vaginal a cada 6 a 12 horas durante 48
solicitar qualquer autorização por um juiz para que o horas. A dose pode ser duplicada em casos de idade ges-
procedimento de interrupção seja realizado, pois já está tacional entre 13 e 15 semanas ou no insucesso.
prevista na Constituição Brasileira a legalidade desse ato. Nas pacientes em que o tempo de gravidez não
A interrupção, quando aprovada, deverá ser discu- permita mais a interrupção da gestação será oferecida a
tida com a paciente e seus familiares; a data e o horário possibilidade de um pré-natal diferenciado, sempre com
do procedimento devem ser definidos; e, de preferência, o acompanhamento da equipe constituída de psicólogo e
deve-se contar com o acompanhamento do enfermeiro, serviço social, observando a relação dessa paciente com
psicólogo ou assistente social. sua nova condição. Pela situação emocional de rejeição
Essa paciente deverá ficar o menor tempo pos- ao feto, muitas vezes essas pacientes realizam pré-natal
sível internada e, de possível, sem contato com pa- abandonado, com número insuficiente de consultas e
cientes gestantes, em razão de sua situação emocional apresentam comportamento de risco (drogas, álcool etc.),
diferenciada. O procedimento deve ser sempre o mais o que faz com que a gestação também se torne de risco.
simples e seguro. Até 12 semanas o ideal é realizá-lo A entrega do concepto para adoção ainda no perío-
por métodos de aspiração aspiração manual intraute- do gestacional é possível, sendo função do serviço social
rina – AMIU, pois apresenta menor risco quando com- intermediar a negociação junto aos órgãos competentes.

Estive ocupado, ocupado, muito ocupado mesmo, preparando-me para a vida,


enquanto a vida flutuava diante de mim, silenciosa e veloz como uma regata.
Lorene Cary

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CAPÍTULO

14
Distopias genitais

minal atue sobre a sua face posterior de modo a com-


Introdução primí-la contra o púbis, impedindo seu deslocamento.
O útero é mantido em posição graças ao aparelho
Distopia genital é o deslocamento para baixo, par- de fixação uterina, constituído pelos elementos
cial ou total, de um órgão do seu sítio habitual, no repou- de suspensão e sustentação.
so ou ao esforço, quase sempre em caráter permanente.
Deve-se diferenciar das modificações fisiológicas
de localização do útero, a vagina e os anexos que ocor-
rem em casos de repleção vesical, do reto, do sigmoide Aparelho de suspensão
e na gravidez. Localiza-se entre o assoalho pélvico e o peritônio
As distopias mais frequentes são as uterinas: parietal, sendo formado por tecido conjuntivo elástico
prolapso, retroversão e inversão. No caso de prolap- e musculatura lisa. Conhecido como retináculo periu-
so uterino completo, a vagina se desloca juntamente terino de Martin, é formado por seis feixes:
com a bexiga e o reto, constituindo a colpocistocele e € Ligamentos pubovesicouterinos (feixes ante-
a colporretocele. riores): da face anterior do colo, em direção ao
púbis, passando por baixo da bexiga para inserir-
-se na face posterior desse osso.
€ Ligamento transverso de Mackenrodt: base
Prolapso genital do ligamento largo, paramétrio lateral, bainha
hipogástrica de Delbet, ligamento cardinal de
A posição uterina mais comum é a de ante- Koks ou ligamento cervical lateral de Power
versoflexão. Aparentemente, os ligamentos largos e (feixes laterais): das bordas laterais do colo ute-
redondos não desempenham nenhum papel de impor- rino para fora e para trás, em busca da fáscia
tância, servindo apenas para orientar o corpo uterino que reveste a parede lateral da bacia. Fixam o
para diante, situação que permite que a pressão abdo- colo e a abóbada vaginal.
125
14 Distopias genitais

€ Ligamentos uterossacros (feixes posteriores): 3. Fáscias endopélvicas de Halban: vesicova-


da face posterior do colo, contornando o reto, ginal e retovaginal, originárias das fáscias que reves-
em direção à face anterior do sacro, onde se fi- tem os músculos abdominais e que, ao atingir o es-
xam para manter o colo tracionado para trás e treito superior da bacia, desdobra-se em duas folhas:
auxiliar a mantê-lo elevado. uma que recobre a parede pélvica, e outra que recobre
útero, vagina, bexiga e reto.

Figura 14.1 Retináculo uterino. 1) Espaço retrorretal.


2) Espaço pré-retal. 3) Útero. 4) Bexiga. 5) Ligamento
pubovesicouterino. 6) Espaço paravesical. 7) Ligamen-
to cardinal. 8) Ligamento uterossacro. 9) Espaço para-
vesical. 10) Reto.

Aparelho de sustentação
Composto por diafragma pélvico, diafragma uro-
genital e fáscia endopélvica (assoalho pélvico).
1. Diafragma pélvico principal: É formado
pelos músculos: elevador do ânus e isquiococcí-
geo. O elevador do ânus se subdivide nos músculos
ileococcígeo e pubococcígeo, este último que emite os
Figuras 14.2 e 14.3 Musculatura do assoalho pélvico.
feixes pubococcígeo propriamente dito, pubovaginal e 1) Hiato urogenital. 2) Músculo ileococcígeo. 3) Mús-
puborretal. O diafragma pélvico não fecha totalmente culo coccígeo. 4) Músculo puborretal. 5) Músculo pub-
a pelve, deixando um espaço no músculo levantador ovaginal. 6) Músculo pubococcígeo.
do ânus para passagem da vagina, da uretra e do reto:
o hiato urogenital.
2. Diafragma pélvico acessório ou urogeni- Etiopatogenia
tal, abaixo do pélvico, sendo formado por:
A lesão de qualquer dos sistemas, não compensa-
€ Músculo transverso profundo do períneo. da pelo outro, é suficiente para determinar perturba-
€ Cunha perineal (núcleo fibromuscular do ções na estática genital e provocar o prolapso.
períneo, centro tendinoso, núcleo fibroso ou Os prolapsos são, em grande parte, consequên-
rafe anovulvar de Cruvellier), formada pelos cias da má assistência obstétrica ou do número ex-
músculos transversos superficiais do períneo, cessivo de gestações e partos (tocotraumatismo) com
bulboesponjoso, isquiocavernoso, esfíncter lesão ou relaxamento do aparelho de sustentação, fi-
estriado do ânus e feixes puborretais do ele- cando a menor porção dos casos por conta da hipo-
vador do ânus. plasia ou atrofia do sistema de suspensão (provocada

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126
Ginecologia

pelo hipoestrogenismo), rotura perineal, fatores cons-


titucionais (nulíparas), defeitos qualitativos do colá-
geno e alterações neurológicas, como, por exemplo,
espinha bífida.

Variedades e graus
1) Prolapsos de multíparas, jovens ou idosas –
lesão do sistema de sustentação.

2) Prolapsos de virgens e de nulíparas – hipopla-


sia ou atrofia dos sistemas de fixação por insuficiência
ovariana (hipoestrogenismo).

É possível o prolapso isolado de qualquer um dos


elementos pélvicos, mas o mais frequente é observar a
descida concomitante de duas ou mais estruturas. Os Figura 14.4 Graus do prolapso uterino: A. Primeiro
mais comuns são: grau: descida dentro da vagina, chegando ao introito.
€ Colpocele anterior: consiste na descida da pa- B. Segundo grau: o colo faz saliência através do introito
rede anterior da vagina. Em geral associa-se à (existe também uma pequena retocele associada). C.
cistocele. Quando isolada, carece de importân- Terceiro grau: a vagina está completamente evertida,
cia. As colpocistoceles acontecem em função das com todo o corpo uterino fora da vagina; há cistocele,
lesões dos feixes pubovesicouterinos, principal- retocele e enterocele.
mente da fáscia vesicovaginal. Podem ser classi
ficadas em graus:

1º grau: descida do segmento retrouretral da be- Classi昀椀cação


xiga durante o esforço.
Segundo orientação da padronização da termino-
2º grau: com descenso do trígono vesical e do logia proposta pela Sociedade Internacional de Conti-
colo vesical, que se exterioriza espontaneamente. nência Urinária – ICS evita-se o uso de termos como
cistocele, retocele, enterocele ou junção uretrovesical.
3º grau: bolsa compreendida pelo fundo, trígono
Portanto, para o propósito da discussão dessa nova
e colo vesicais, ultrapassa a vulva, mesmo em repouso.
terminologia, o prolapso pélvico feminino incluiu o
€ Colpocele posterior: consiste na descida da pa- prolapso da parede vaginal anterior (anteriormente
rede vaginal posterior. Em geral é acompanhada conhecido como cistocele), o prolapso da cúpula vagi-
de retocele e esta pode ser alta ou baixa, se atin- nal ou uterino, e o prolapso da parede vaginal posterior
ge, respectivamente, o terço médio ou somente (anteriormente conhecido como retocele e enterocele).
o superior da vagina. Ocorre por lesão da fáscia
retovaginal e/ou cunha perineal. Por esta classificação, conhecida como POP-Q
(Pelvic Organ Prolapse Quantification System) determi-
€ Enterocele (ou hérnia do fundo de saco de nam-se pontos no trato genital, que devem ser locali-
Douglas): insinuação de alças intestinais por um
zados após manobra de Valsalva e, dependendo dessa
fundo de saco vaginal distendido ou profundo,
entre os ligamentos uterossacros. Na forma iso-
localização, considera-se que há ou não o prolapso.
lada é rara. Está associada à retocele alta. Em ge- A descrição dos pontos propostos pela classificação
ral, ocorre por traumatismo obstétrico. pode ser resumida da seguinte forma: seis pontos na va-
€ Histerocele (ou prolapso uterino propriamen- gina (dois na parede anterior, dois no ápice vaginal e dois
te dito): isolada ou mais frequentemente com- na parede posterior), sempre relacionados com o plano
binada com colpocistocele e colporetocele. Tam do hímen, este definido como ponto de referência.
bém pode ser graduada em graus: As posições dos pontos são dadas em centíme-
1º grau: colo uterino atinge, porém não ultra- tros, com números negativos quando acima do hímen.
passa, a fenda vulvar (descensus uteri). Como exemplo, o colo que se encontra em situação
intravaginal, 3 cm proximal ao hímen, terá sua posi-
2º grau: colo e parte do corpo uterino ultrapas- ção indicada como a - 3 cm. As posições são expressas
sam a fenda vulvar. em números positivos quando distalmente ao hímen.
3º grau: útero inteiro se exterioriza pela fenda Como exemplo, o colo que se encontra prolapsado 3
vulvar, com inversão das paredes vaginais. cm ao hímen terá sua posição indicada como a +3 cm.

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127
14 Distopias genitais

Os seis pontos anatômicos:


1. ponto Aa: localizado na linha média da parede vaginal anterior, 3 cm proximal ao meato externo da
uretra.
2. ponto Ba: variável, é caracterizado como o ponto mais distal de qualquer parte da parede vaginal ante-
rior, ou seja, o ponto da vagina mais prolapsado.
3. ponto C: correspondente à parte mais distal da cérvix uterina ou da cúpula vaginal, caso a paciente seja
histerectomizada.
4. ponto D: reflete a localização do fórnice posterior na mulher que ainda tem colo uterino. Representa
a altura em que os ligamentos uterossacrais se ligam à cérvix uterina. O ponto D é omitido na ausência do colo
uterino.
5. ponto Ap: localiza-se na linha média da parede vaginal posterior, 3 cm proximal à carúncula himenal.
6. ponto Bp: representa a posição mais distal de qualquer parte da parede vaginal posterior, corresponden-
do ao ápice do prolapso desta parede, ou seja, o ponto mais prolapsado.

As próximas 3 medidas completam a descrição da distopia genital:


1. Hiato genital (HG): medido do ponto médio do meato externo da uretra à linha média posterior na
altura da carúncula himenal.
2. Corpo perineal (CP): medido da margem posterior do hiato genital ao ponto médio do orifício anal.
3. Comprimento vaginal total (CVT): é a distância desde a carúncula himenal até o ponto mais profundo
da vagina, quando os pontos C ou D estão em suas posições normais. Os diversos pontos de medida são reprodu-
zidos na figura.

Figura 14.5 Padronização dos pontos de medida pelo sistema de classificação da distopia genital pre-
conizado pela Sociedade Internacional de Continência (Bump et al). Aa: Ponto Aa. Ba: Ponto Ba. C: Ponto C.
D: Ponto D. Ap: Ponto Ap. Bp: Ponto Bp. gh: Hiato genital (HG). pb: Corpo perineal (CP). M: Comprimento
vaginal total (CVT).

A coleta dos dados foi assim padronizada: a primeira medida obtida, antes de qualquer manipulação,
deve ser as do hiato genital e do corpo perineal com o histerômetro ou a régua plástica, sob esforço da paciente.
Se o prolapso ultrapassassar o anel himenal, as medidas dos pontos externos devem ser obtidas primeiramente.
Não havendo prolapso, parte-se para as medidas dos pontos A e B posteriores e anteriores, realizadas com auxílio
de um especulo. Para a medida a paciente realiza manobra de Valsalva e reduz-se a parede vaginal oposta à que se
está analisando.
O espéculo vaginal é lentamente retirado, com a paciente ainda realizando manobra de Valsalva. Medem-se,
então, os pontos C e D com o histerômetro.

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128
Ginecologia

O comprimento vaginal total é obtido pelo repo-


sicionamento digital do ápice vaginal em sua posição
Diagnóstico
anatômica, medindo-se a profundidade com o histerô- Exame ginecológico:
metro, com a paciente em repouso. € Inspeção: abaulamento da parede vaginal ante-
Uma vez que as nove medidas foram colhidas, rior ou posterior.
agruparam-se as pacientes de acordo com um dos € Prova de esforço: para determinar o grau má-
cinco estádios do prolapso pélvico, que incluem: ximo do prolapso e a presença de incontinência
Estádio 0: não há prolapso, com os pontos AA urinária. E possível que não haja alteração à ins-
e Ap a - 3 cm, e os pontos C ou D dentro do intervalo peção, mas o diagnóstico depende da posição
compreendido entre o CVT e CVT menos 2 cm. dos órgãos pós-esforço. E também após o esforço
que se classifica o grau de prolapso.
Estádio I: não se encontram os critérios para
o estágio 0, mas o ponto de referência mais distal do € Histerometria: para localizar o limite do útero
prolapso é maior que 1 cm acima do hímen. nos prolapsos totais e fazer diagnóstico dife-
rencial com alongamento hipertrófico do colo
Estádio II: o ponto de referência mais distal do uterino (onde o útero tem cerca de duas vezes o
prolapso está entre - 1 e +1 cm do plano do hímen. tamanho normal).
Estádio III: a porção mais distal do prolapso Não há necessidade de exames complementares
está além de 1 cm distal ao plano do hímen, mas não para diagnóstico e classificação dos prolapsos genitais.
ultrapassa a distância do CVT - 2 cm.
Estádio IV: em essência, seria completa ever-
são. Na maioria dos casos, o ponto mais externo seria
a cérvix ou o fundo de saco vaginal. Tratamento
De maneira geral, a ausência de prolapso em O incruento ou conservador já se perdeu no tem-
qualquer compartimento foi classificada como estádio po (redução do prolapso com aplicação intravaginal de
0. O prolapso genital foi definido como o encontro, ao compressas embebidas em cremes de estrogênio para
exame físico, de proscidência que atingisse ou ultra- melhorar o trofismo e acelerar a cicatrizacão, bem
passasse o estádio I. A classificação é feita com base no como o estrogênio via sistêmica).
compartimento que mais se exterioriza. O tratamento de eleição dos prolapsos ge-
nitais é cirúrgico e seu objetivo é aliviar os sinto-
Linha principal do POP em relação ao hímen mas, restaurar a anatomia e corrigir condições gine-
cológicas associadas, como incontinência urinária e/
Estádio 0 <–3
ou fecal. Como a maioria dos casos de prolapso é com-
Estádio 1 < -1 binado, a cirurgia empregada deverá corrigir mais de
Estádio 2 ≤ + 1 cm e ≥ – 1 cm um defeito anatômico, tanto das paredes anterior
Estádio 3 > + 1 cm e posterior da vagina quanto do útero. As cirurgias
Estádio 4 ≥ comprimento total da vagina –2 cm conservadoras são preconizadas nas pacientes que
Tabela 14.1 desejam gestação futura. Nas demais pacientes, a ci-
rurgia radical é mais indicada.
Nos casos de prolapso estádio II, pode-se re-
alizar a colpoperineoplastia, que consiste em apro-
Quadro clínico ximação dos músculos elevadores do ânus e plástica
Sensação de “bola” e de corpo estranho que se vaginoperineal. Nos prolapsos estádio III emprega-se
exterioriza da vagina, de aumento progressivo e sa- a cirurgia de Lawson-Tait, que consiste na repa-
crolombalgia. ração das paredes do reto e da vagina, na aproxima-
Na colpocistocele, a sensação do desconforto pél- ção do esfíncter externo do ânus na linha média e na
vico pode ser acompanhada por perturbações uriná- colpoperineoplastia. Quando há retocele, deve-se
rias (pela modificação do ângulo uretrovesical), como corrigi-la com plicatura do septo retovaginal em
incontinência urinária aos esforços (IUE), polaciúria e sutura contínua ou em bolsa.
retenção de urina. Para correção da enterocele, deve-se abrir o saco
Na colporetocele, a eliminação involuntária de herniário do peritôneo no fundo de saco de Douglas,
gases e fezes pode dar lugar à disquesia, havendo ressecá-lo e suturá-lo em bolsa. Realiza-se também
necessidade de colocar os dedos na vagina a fim de um reforço no fundo de saco através da aproximação
reposicionar o reto e permitir a eliminação do con- da fáscia endopélvica visceral ou dos ligamentos ute-
teúdo intestinal. rossacros. A correção da enterocele pode ser realizada
por via vaginal ou abdominal.

SJT Residência Médica – 2016


129
14 Distopias genitais

A colocação de telas para reforço de estruturas O tratamento cirúrgico ideal é aquele que preser-
enfraquecidas tem sido amplamente utilizada. va a atividade sexual, retornando a cúpula vaginal à
sua posição anatômica. Pode ser feito via vaginal, ab-
dominal ou laparoscópico. A colpocleise é uma opção
em pacientes selecionadas.
Cirurgia de Donald-Fothergill
A sacropexia infracoccígea ou IVS posterior (in-
Indicada nos casos de prolapso uterino sintomático travaginal slingplasty) consiste na colocação de faixa
em pacientes que desejam engravidar. Consiste em cisto- livre de tensão na porção posterior da vagina, para
pexia, ligadura e secção dos ligamentos cardinais, ampu- suspensão da cúpula vaginal, criando um novo liga-
tação plana do colo uterino e fixação dos ligamentos car- mento uterossacro. O procedimento é minimamente
dinais na porção ístmica do útero. Com isso promove-se invasivo, com tempo cirúrgico curto e taxas de sucesso
uma anteversão uterina, permitindo que a pressão ab- próximas a 90%.
dominal seja exercida sobre a parede posterior, compri-
mindo o útero no osso pélvico e evitando seu descenso. A fixação no ligamento sacroespinhoso via vaginal
Essa técnica está praticamente abandonada. É também consiste na fixação da cúpula vaginal no ligamento sa-
conhecida como cirurgia de Manchester. croespinhoso uni ou bilateralmente. A maioria dos au-
tores aconselha a fixação unilateral, à direita, pelo risco
maior de lesão do reto. As taxas de sucesso são de 80%-
90%. Como complicações, pode ocorrer lesão de arté-
Histerectomia vaginal ria e veia pudenda, veias perirretais ou sacrais; lesões
Cirurgia de escolha em pacientes com prolap- nervosas; lesão de reto e bexiga (raras). Além disso, por
so uterino e prole definida. A cirurgia consiste em: modificar o eixo da vagina, a cirurgia pode predispor ao
cistopexia, ligadura e secção dos ligamentos cardinais, surgimento de cistocele e hipermobilidade uretral.
artérias uterinas, ligamentos largos e tubo-ovarianos A colpossacrofixação via abdominal consiste na
progressivamente até a retirada do útero, fechamen- suspensão e fixação da cúpula vaginal na porção média
to do peritôneo parietal, aproximação dos ligamentos do sacro ou no promontório, que pode ser realizada
entre si e na linha média e sua fixação à cúpula vagi- diretamente ou com interposição de material autólo-
nal recém-formada. Trata-se de procedimento de baixa go ou heterólogo, não havendo consenso sobre qual
morbimortalidade; as complicações mais comuns são seria o mais adequado: no uso da fáscia autóloga, os
hemorragia, infecção do trato urinário e lesão vesical. resultados são semelhantes ao uso do material sintéti-
co (sucesso próximo a 90%), com a vantagem de evitar
erosão e infecção; por outro lado, o uso de material
Cirurgia de Neugebauer-Le Fort sintético diminui o tempo cirúrgico, é mais resistente
que o tecido autólogo e evita dor no local da retirada
Em pacientes idosas, com risco cirúrgico muito
do tecido autólogo. A técnica mantém a função vaginal
aumentado e sem vida sexual ativa, pode-se realizar
a colpocleise, que consiste na ressecção de um reta- e preserva o comprimento da vagina. Pode ser feito via
lho retangular da mucosa vaginal anterior e posterior laparotômica ou laparoscópica e é padrão ouro para te-
e aproximação das superfícies cruentas, promovendo rapia de prolapso de cúpula.
a interiorização gradativa do útero dentro da vagina, A cirurgia de Te Lind, ou colpopexia na pare-
que fica em fundo cego. Completa-se o procedimento de abdominal anterior, consiste na fixação da cúpula
com a cirurgia de Kahr que, por sua vez, consiste em vaginal na parede abdominal, anteriorizando o eixo
uma episiocleise ou estreitamento do orifício vulvova- vaginal. A técnica pode predispor à enterocele ou dis-
ginal em que a fúrcula vaginal posterior fica situada função sexual.
no mesmo nível do meato uretral. A técnica tem como
ponto negativo a obliteração da cavidade vaginal, im-
pedindo a vida sexual e visualização do colo uterino.
Do defeito paravaginal lateral
Este defeito é caracterizado pelo destacamento
Do prolapso da cúpula vaginal da fáscia pubocervical do arco tendíneo da fáscia pélvi-
O prolapso de cúpula vaginal ocorre principal- ca. A lesão desse tecido leva à perda do ângulo uretro-
mente após histerectomia; mais comumente após vesical, o que promove uretrocistocele e incontinência
histerectomia vaginal do que abdominal, embora pos- urinária de esforço. O tratamento, que consiste no
sa se seguir aos dois tipos de cirurgia. Pode ocorrer reparo do defeito, pode ser realizado por via vaginal,
também devido ao hipoestrogenismo ou por excesso abdominal ou laparoscópica. Não há diferença signi-
de esforços físicos. O prolapso também ocorre em pa- ficativa no resultado quanto à via cirúrgica. O sucesso
cientes jovens, mas é mais comum depois dos 60 anos está na ordem de 90% para correção de prolapsos e de
de idade. 57%-74% para correção de incontinência urinária.

SJT Residência Médica – 2016


130
Ginecologia

€ Manobra de Schultze: para determinar se a retro-


Retroversão uterina versão é móvel ou fixa: através do toque combi-
nado, os dedos vaginais são colocados no fórnice
O útero sofre rotação ao redor do eixo transver- posterior tentando deslocar o útero em direção à
sal que passa pelo istmo; o corpo uterino se aproxima parede anterior do abdome. A mão abdominal ten-
da região sacra e o colo se aproxima da parede vaginal ta apreender o corpo uterino e os dedos vaginais
anterior. Embora a retroversão não tenha significado empurram o colo na direção do sacro. Se o útero
clínico importante, quando o órgão está fixo no fundo voltar à posição normal, a retroversão é móvel.
de saco de Douglas (retroversão fixa), pode-se inferir
existência de aderências resultantes, em geral, de en-
dometriose ou DIPAA.
Tratamento
É cirúrgico nos casos de sintomas que o justifi-
quem. Realiza-se a cirurgia de Dartigues-Baldy-
-Webster, que consiste na sutura do ligamento re-
dondo à face posterior do útero.

Inversão uterina
Invaginação do fundo uterino na cavidade do ór-
gão. A progressão do processo pode fazer com que o
corpo uterino invertido se exteriorize na vagina, atra-
vés do colo dilatado.

Figura 14.6 Útero retrovertido.


Tipos
€ Parcial: parte do corpo uterino se introduz atra-
Etiopatogenia vés do colo dilatado.
€ Congênita € Total: todo corpo uterino se introduz através do
colo uterino dilatado e penetra na vagina.
€ Adquirida
ou
– Obstétricas: os ligamentos uterinos sofrem
distensão e não conseguem manter o órgão em sua € Aguda: no terceiro período do parto.
posição em relação à parede anterior do abdome; € Crônica: devido a tumores do tipo leiomioma
submucoso.
– Ginecológicas: endometriose, DIPAA.

Etiopatogenia
Quadro clínico € Tocogenética ou puerperal: devido às expres-
sões violentas do fundo uterino, associadas à tra-
Em geral é assintomática, sendo detectada ao ção do cordão umbilical.
exame de toque. Quando fixa pode causar lombalgia,
hipermenorragia, dismenorreia, complicações graví- € Oncogenética: tentativa do útero em expulsar o
dicas (encarceramento uterino), dispareunia e pertur- leiomioma submucoso.
bações retais e vesicais. € Idiopática: relaxamento constitucional das es-
truturas pélvicas.

Diagnóstico Quadro clínico


€ Toque genital. Choque neurogênico nos tipos agudos, na pre-
sença de hemorragia.
€ Histerometria: é valiosa para avaliar a direção do
corpo uterino nos casos de aumento do volume Corrimento ou hemorragia genital, nos casos
do órgão. crônicos.

SJT Residência Médica – 2016


131
14 Distopias genitais

Na forma aguda, faz-se transfusão sanguínea


Diagnóstico para combater o choque e, sob anestesia, pressão so-
€ Toque genital: dilatação do colo uterino com bre a massa tentando empurrá-la pelo colo uterino
percepção de massa globosa através do orifício. dilatado. Após redução, mantê-la e administrar ocitó-
€ Toque combinado: cone de inversão sob forma cito. Trata-se da manobra de Taxis manual.
de depressão no fundo uterino. A forma crônica é tratada cirurgicamente, em ge-
ral com histerectomia vaginal. Mas se for necessário
€ Especular: massa avermelhada saliente através
manter o útero, tem-se:
do colo uterino.
€ Método de Kustner-Piccoli: abertura transver-
€ USG pélvica: fundamental.
sal do fórnice vaginal posterior, rente ao útero,
seguida de incisão longitudinal sobre a parede
uterina posterior e realiza-se a desinversão, se-
guida pela sutura da vagina e do útero.
Tratamento € Método de Spinelli: mesmo procedimento des-
Baseia-se na profilaxia, evitando trações sobre o crito acima, mas realizado pelo fórnice vaginal
cordão umbilical e pressões violentas sobre o útero. anterior.

Gestão do tempo é de fato uma expressão inadequada – o desafio não é gerenciar o tempo, mas a própria vida.
Stephan R. Covey

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CAPÍTULO

15
Dor pélvica crônica

uterino, aderências pélvicas (25% dos casos) e varizes


De昀椀nição pélvicas (6% dos casos).
Já entre as causas não ginecológicas, destaca-
De acordo com o International Pelvic Pain Society,
mos a síndrome do intestino irritável (30% dos casos),
a dor pélvica crônica (DPC) é definida como um quadro
constipação intestinal crônica, dor miofascial e mial-
cíclico de dor no abdome inferior ou pelve, cuja dura-
gia do assoalho pélvico.
ção é superior a 6 meses. O quadro pode se manifes-
tar como dispareunia, dismenorreia ou simplesmente Para se lembrar das causas, basta atentar para as
desconforto crônico associado ou não à regularidade estruturas, viscerais e parietais, que compõem a re-
menstrual. Dessa forma, devemos entendê-la como gião pélvica.
uma definição sindrômica.

Causas ginecológicas mais frequentes de DPC


Causas ginecológicas cíclicas
Epidemiologia Dismenorreia primária
Acomete cerca de 15% das mulheres em idade Dismenorreia secundária
reprodutiva. A associação com distúrbios emocionais € Endometriose
é documentada em mais de 60% dos pacientes, desta- € Mioma
cando-se a depressão como o quadro mais frequente. € Uterino
€ Adenomiose
€ Pólipo endometrial

Etiologia € DIU
€ Endometrite
As causas da algia pélvica crônica podem ser divi- € Estenose cervical
didas em ginecológicas e não ginecológicas. Tensão pré-menstrual
Entre as causas ginecológicas, a principal é a Ovulação dolorosa
endometriose (veja capítulo 9), responsável por 40%
a 45% dos casos de dor pélvica crônica. Outras cau- Varizes/congestão pélvica
sas a serem lembradas incluem adenomiose, mioma
133
15 Dor pélvica crônica

Causas ginecológicas mais frequentes de DPC trial por hiperatividade uterina, o que explicaria
(cont.) a maior incidência em pacientes acima de 40
anos. A prevalência de adenomiose na litera-
Causas ginecológicas não cíclicas
tura varia de 5% a 70% e depende da quanti-
Uterinas dade de secções de tecido analisadas. É mais
€ Mioma
comum em multíparas.
€ Adenomiose
€ DIU
€ Endometrite crônica
€ Pólipo endometrial Quadro clínico
Extrauterina
Embora o diagnóstico definitivo seja feito apenas
€ Doença inflamatória pélvica crônica
por meio do exame histopatológico do útero, há suspeita
€ Endometriose
clínica quando uma mulher, principalmente multípara,
€ Síndrome do ovário residual
apresenta-se com menorragia, dismenorreia, aumento
€ Encarceramento ovariano
difuso e frequentemente macio do útero. O sangramen-
€ Massa anexial to é, em geral cíclico, maciço e prolongado. Não parece
€ Vulvodínia haver relação significativa entre raça e obesidade.
€ Relaxamento das estruturas de sustentação dos órgãos
pélvicos
Vasculares
€ Varizes pélvicas Diagnóstico
€ Congestão pélvica A suspeita diagnóstica é apontada na história clí-
Peritoneal nica. A ultrassonografia auxilia o diagnóstico ao mos-
€ Aderências trar o aumento uterino e áreas hipoecoicas no interior
do miométrio. Não raro notam-se pequenos cistos
Tabela 15.1
miometriais que são decorrentes da ação secretiva do
tecido adenomiótico local
Neste capítulo, abordaremos a adenomiose, as Entre os exames de imagem, o mais adequado é
varizes pélvicas e as aderências pélvicas, uma vez que a ressonância magnética, que evidencia o aumento da
as demais causas ginecológicas são abordadas em ca- zona juncional (transição entre o endométrio e o
pítulos específicos. miométrio). A confirmação diagnóstica, porém, é re-
alizada apenas com estudo anatomopatológico.
O diagnóstico de adenomiose pode ser mui-
to difícil em consequência da natureza focal des-
Adenomiose sa condição. Evidentemente, o índice de diagnós-
tico aumenta, se maior amostra de miométrio é
A adenomiose é a ocorrência de tecido examinada. Citam-se percentuais de 10% a 50%. A
endometrial (glândulas e estroma) no miomé- forma localizada da adenomiose (adenomioma, com
trio. Geralmente, a adenomiose é difusa. Com me- limites bem definidos) deve ser distinguida de sua for-
nor frequência, a adenomiose pode ser focal, com ma difusa (de limites imprecisos), que é mais comum.
massas distintas ou adenomiomas na parede do
útero. Acompanha-se de hipertrofia compen-
sadora do miométrio.
Tratamento
Embora haja acordo sobre esta definição básica,
a profundidade exata da invasão necessária para levar Nos casos de sintomatologia discreta ou de pa-
ao diagnóstico de adenomiose continua sendo assun- cientes na pré-menopausa, a terapêutica clínica deve
ser tentada. O objetivo é antagonizar o estrogênio
to controverso. As glândulas endometriais podem ser
ou inibir a função ovariana, podendo-se utilizar,
encontradas desde a base do miométrio até à superfí-
progestagênios, danazol, gestrinona e até análo-
cie peritoneal. Há referências a uma profundidade gos de GnRH. A colocação do sistema intrauterino de
de 3 mm. liberação de levonorgestrel (Mirena®) é também uma
As teorias que tentam explicar esta invasão boa opção terapêutica.
miometrial incluem a proliferação de restos em- Nos casos refratários ao tratamento hormo-
brionários dos ductos paramesonéfricos; a meta- nal opta-se pela terapêutica cirúrgica, ou seja, a
plasia do epitélio celômico e a herniação endome- histerectomia em suas várias formas.

SJT Residência Médica – 2016


134
Ginecologia

Varizes pélvicas Aderências pélvicas


As varizes pélvicas consistem na dilatação e tor- Estima-se que 25% das mulheres com DPC possuem
tuosidade das veias ovarianas ou gonadais. É, também, aderências. Suas principais causas são a endometriose,
descrita como síndrome da congestão pélvica. DIPAA e intervenções cirúrgicas em órgãos pélvicos.
Os principais fatores de risco são: veia renal Acredita-se que a menor mobilidade das estru-
esquerda retroaórtica, multiparidade, hipertensão turas, a limitação do peristaltismo intestinal e a tra-
portal e antecedente de varizes. ção entre os órgãos, bem como os estímulos das fibras
nervosas aferentes C, são os principais desencadeado-
A afecção é mais comum à esquerda, onde há res do quadro álgico.
maior tendência ao refluxo, uma vez que a veia gona-
No que tange à dificuldade de confirmação diag-
dal esquerda desemboca na veia renal esquerda em
nóstica, muitas vezes só alcançada através da laparos-
ângulo reto.
copia, a melhor alternativa é prevenir seu surgimento.
Para tanto, a principal atuação médica incide sobre
suas causas, ou seja, diante da suspeita de endome-
Quadro clínico triose, doença inflamatória pélvica, apendicite aguda,
cistos ovarianos hemorrágicos extensos, entre outros,
A relação direta de causalidade entre varizes pél-
o tratamento deve ser iniciado o mais precocemente
vicas e dor é controversa. Existem situações em que a
possível. Com isso, busca-se, ao menos, minimizar a
sua presença é constatada sem o quadro álgico, como
quantidade e intensidade desta sequela.
a gravidez e o puerpério.
Outras medidas que previnem a formação de
Quando presente, a manifestação clínica caracteri- aderências são alguns cuidados durante atos cirúrgi-
za-se por quadros de dor pélvica em peso, de intensidade cos, como a retirada de talco das luvas, o uso de gazes
variável, com exacerbação no período pré-menstrual e, e compressas umedecidas, a irrigação durante a inter-
principalmente, após longo período em posição ortostá- venção, a hemostasia adequada e, na laparoscopia, o
tica ou sentada. Pode cursar com dispareunia ou dor pós- aquecimento do gás. No entanto, é interessante reite-
-coito e, mais raramente, com sintomas urinários. rar que o uso excessivo e inadequado de eletrocoagula-
ção pode remeter à isquemia e, assim, o tecido carente
de oxigenação buscará irrigação sanguínea em outras
Diagnóstico superfícies, originando aderências vasculares cuja es-
pessura e firmeza superam as avasculares.
A ultrassonografia com Doppler colorido
pode auxiliar na elucidação diagnóstica e deve
ser procedida com a paciente em posição ereta e sob
vigência de manobra de Valsava. A RM, por sua vez, Tratamento
pode identificar dilatações nas veias gonadais. A fle- Se a paciente com aderências pélvicas padecer de
bografia por cateterismo da veia femoral é o mé- dor recorrente, as opções terapêuticas variam de clí-
todo diagnóstico mais sensível, pois possibilita a nicas a cirúrgicas, cujas respostas são variadas e, por
identificação precisa de tortuosidades e dilata- vezes, insatisfatórias.
ções no território venoso pélvico. Entre as opções, destaca-se a adesiólise cirúrgica
por laparoscopia, mais eficaz que aquela por laparoto-
mia. Mesmo no procedimento laparoscópico, porém, o
Tratamento índice de recidiva tanto das aderências quanto da dor
é elevado, portanto, essas intervenções são indicadas
Medidas sintomáticas, como uso de analgé-
apenas nos casos de aderências graves.
sicos, devem ser inicialmente tentadas.
Diversas substâncias podem ser utilizadas para
Na refratariedade da terapia clínica, parte-se se evitar uma nova formação das aderências, tais
para a invasiva. A mais realizada é a ligadura lapa- como: as soluções cristaloides, as coloides e as mem-
roscópica da veia ovariana, em toda a sua extensão, branas, porém, apesar de as últimas apresentarem re-
bem como ligadura da hipogástrica, quando esta se mostra sultados mais favoráveis, a eficácia dessas alternativas
varicosa. A melhora da queixa é de cerca de 70%. A emboli- é relativa. Também é importante alertar que quanto
zação percutânea é uma opção menos invasiva que remete mais intensas forem as aderências, maiores serão as
a taxas de oclusão venosa entre 96% e 99%, com alívio dos complicações do procedimento. As lesões em alças in-
sintomas em aproximadamente 58% das pacientes. testinais, em especial, são mais problemáticas.

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135
15 Dor pélvica crônica

Outros tratamentos para controle da dor recorrente devida a aderências pélvicas são as medicações para
coibir os estímulos dolorosos. Destaca-se a gabapentina, que, originalmente, foi utilizada para convulsões, mas
também se mostrou eficaz em diminuir a hipersensibilidade neuronal e cuja eficácia já foi comprovada na síndro-
me de dor pélvica crônica. Similarmente, a amitriptilina tem o mesmo efeito, porém as evidências apontam me-
nor eficácia e seus efeitos colaterais são mais desconfortáveis. Os anti-inflamatórios não hormonais e os opioides
também são opções terapêuticas.
Alternativa relevante e pouco lembrada é a acupuntura, que, progressivamente, se estabelece como conduta
terapêutica no meio médico.
A ablação laparoscópica dos ligamentos uterossacros e a neurectomia pré-sacral são procedimentos destina-
dos a romper a inervação aferente da região pélvica. Esses procedimentos, atualmente, são raramente utilizados,
já que o valor terapêutico foi pouco significativo.

Se você está querendo aprender suas lições com calma,


elas pacientemente o esperam em incontáveis maneiras.
Hoje, tente ouvir a sabedoria das crianças; aceite a afeição cordial de um amigo;
estenda a mão aos necessitados; peça conselhos a um colega; aja segundo a sua intuição;
ria de seus pontos fracos e de sua fragilidade e aceite-os com amor;
redescubra o surpreendente poder de cura da espontaneidade; espere o máximo de cada dia;
PERCEBA O MUNDO MARAVILHOSO EM QUE VOCÊ VIVE – quanto mais cedo melhor.
Sarah Ban Breathnach

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CAPÍTULO

16
Papiloma vírus humano (HPV)

Os vírus HPV são espécie-específicos, isto é, são


Introdução específicos de cada hospedeiro e não causam infecção
em outras espécies. Existem mais de 80 sorotipos
A infecção pelo Papilomavírus Humano (HPV) de HPV, que podem ser divididos de acordo com seu
é uma doença de transmissão frequentemente sexual tropismo tissular ou potencial oncogênico. Em rela-
que acomete, principalmente, o trato genital inferior e ção à primeira classificação, dividem-se em cutâneos,
a região perineal. mucosos e mucocutâneos, além de existir casos inco-
O HPV é um vírus com dupla fita de DNA e muns associados à epidermodisplasia verruciforme,
membro da família Papovaviridae. Seu genoma apre- uma alteração genética e rara da imunidade celular. Os
senta uma porção reguladora chamada RRCC, que pacientes portadores dessa alteração desenvolvem o
controla a replicação e a expressão gênica do vírus, e HPV associado a lesões de pele que, a partir da expo-
uma porção codificadora que se divide em uma região sição solar, podem progredir para carcinoma invasivo
tardia (L1 e L2), que codifica as proteínas que com- de células escamosas. A área anogenital, de maior in-
põem o capsídeo viral, e em uma região precoce (E1 a teresse na ginecologia, pode ser afetada pelas formas
E8), com várias funções: cutâneas, mucosas e mucocutâneas. Mais de 34 soroti-
€ E1 e E2 são responsáveis pela transcrição e repli- pos já foram identificados nessa região e eles também
cação viral; são divididos entre os de alto e baixo risco oncogênico.
€ E4 é responsável pela desestabilização de fila- € HPV de baixo risco oncogênico: 6, 11, 42, 43
mentos de citoqueratina do epitélio, favorecendo e 44.
a liberação de novas partículas virais. € HPV de alto risco oncogênico: 16, 18, 31, 33,
€ E5 coordena a divisão celular, mas apresenta es- 35, 39, 45, 51 52, 56, 58, 59, 62, 66, 67, 68 e 69.
tímulo mitogênico no hospedeiro, atuando sobre
os receptores de fatores de crescimento, o que fa-
vorece os mutágenos. Transmissão e
E6 e E7, as partes mais importantes em termos
昀椀siopatologia
€
patogênicos, são responsáveis pelas alterações
do genoma celular do hospedeiro, pois inibem
as proteínas p53 e pRb, responsáveis por repa- A forma mais descrita e frequente de trans-
rar defeitos de DNA após replicação, ou seja, são missão do HPV é a sexual. Descreve-se também
proteínas supressoras de tumor que, uma vez a transmissão por fômites, mas o tempo de vida do
inativadas, favorecem a permanência do defeito vírus fora do ambiente corpóreo é muito curto, por
e um possível processo neoplásico. isso, essa é uma forma rara. Outra forma rara de
137
16 Papiloma vírus humano (HPV)

transmissão, relacionada aos vírus 6 e 11, é a vertical,


decorrente da passagem do feto pelo canal de parto Quadro clínico
de portadoras. Todavia, a manifestação do vírus nos
infectados se dará por papilomatose laríngea entre os Divide-se em: infecção clínica, subclínica e la-
quatro e cinco anos de vida. tente. Conforme explicitado anteriormente, a depen-
O período de incubação do vírus é de quatro der de fatores como a resposta imune do hospedeiro
semanas a oito meses após a exposição, com mé- após colonizar o epitélio do trato genital inferior, o
dia de 2,8 meses. vírus pode permanecer quiescente, apresentar mani-
Uma vez que o vírus adentra o tecido epitelial ou festações subclínicas ou clínicas ou evoluir para lesões
pré-malignas e malignas.
mucoso do trato genital, ele pode permanecer nesse
local em sua forma latente, ou epissomal, sem mani-
festações clínicas. A depender do estado imunitá-
rio da mulher e de fatores associados, como o
tabagismo, esse vírus pode se replicar, alterando
a arquitetura das células hospedeiras e se manis-
Infecção clínica
fetando como condilomas. Ou, ainda, ele pode se É o tipo conhecido como condiloma acumina-
incorporar ao DNA dessas células, inibindo as prote- do ou exofítico, visível a olho nu. Caracteriza-se por
ínas supressoras de tumor, como p53 e pRb, e favo- epitélio elevado por micropapilas providas de eixo
recendo o aparecimento de câncer de colo de útero e conjuntivo vascular. Na mulher, sua localização mais
suas lesões precursoras. comum é nos pequenos lábios e no introito vaginal,
Áreas de maior renovação celular são mais sus- no homem, na glande, no prepúcio e no sulco bala-
cetíveis ao HPV, a exemplo da junção escamo colunar, moprepucial, ocorrendo, ainda, nas regiões perineal
na qual o epitélio escamoso se prolifera no intuito de e perianal. Mais raramente, ele pode envolver o ca-
recobrir regiões frágeis de epitélio colunar de endo- nal vaginal e o colo uterino. As lesões costumam ser
cérvice, expostas em ectopias. Essa progressão se multicêntricas. Os principais subtipos envolvidos
dará em cerca de 14% dos casos. Em síntese, a in- são 6 e 11.
fecção latente pode permanecer como tal, progredir
para uma infecção subclínica (que pode regredir na
presença de boa resposta imunológica) ou progredir
para infecção clínica.
€ HPV de alto risco oncogênico (16, 18, 31,
Infecção subclínica
33, 35, 39, 45, 51 52, 56, 58, 59, 62, 66,
É uma forma identificada apenas sob visão
67, 68 e 69): são os tipos mais frequentemente
associados com o carcinoma invasivo de célu- colposcópica. Os achados mais frequentes são áre-
las escamosas do trato anogenital. As pacientes as acetobrancas múltiplas, espículas digitiformes e
portadoras desses tipos de HPV apresentam colpite papilar difusa. Esses achados são sugestivos
risco relativo aumentado de desenvolver car- de HPV e apenas exames complementares firmarão
cinoma de células escamosas do colo (risco 11 o diagnóstico.
vezes maior).

Fatores de risco para a infecção


€ As neoplasias invasoras do colo uterino desenvol- Infecção latente
vem-se a partir de lesões precursoras, as quais são de-
nominadas neoplasias intraepiteliais cervicais (NIC); A infecção latente é assintomática. Esse pro-
€ Início precoce da atividade sexual; cesso foi descrito em 1976 por Meisels e Fortin,
€ Múltiplos parceiros;
pela observação de que os condilomas apareciam e
€ Não utilização de preservativo;
desapareciam espontaneamente. Estudos mostram
€ DSTs associadas;
que, em mulheres citocolposcopicamente normais
€ Uso de álcool;
e sexualmente ativas, o DNA-HPV é identificável
€ Imunossupressão;
em até 30% dos casos. Não se sabe quanto tempo o
€ O fumo tem sido relacionado à infecção por HPV e à
neoplasia cervical. Isso ocorre provavelmente devido vírus pode ficar em situação latente e, nessas situ-
à imunossupressão local causada pelo fumo, que faci- ações, o contágio é mantido. A infecção latente só
lita a penetração do vírus nas células. pode ser diagnosticada por meio de testes para
Tabela 16.1 detecção do DNA-HPV.

SJT Residência Médica – 2016


138
Ginecologia

Diagnóstico
É possível se realizar o diagnóstico de infecções
latentes, clínicas e neoplásicas.
O diagnóstico da forma clínica, a condilomatose, é
basicamente clínico, porém, recomenda-se uma biópsia
das lesões quando existe dúvida diagnóstica ou suspei-
ta de neoplasia intraepitelial (lesões pigmentadas, en-
durecidas, fixas ou ulceradas), quando as lesões não res-
pondem ao tratamento convencional, quando as lesões
aumentam de tamanho ou número durante ou após o
Figura 16.1 HPV vulvar. tratamento e quando a paciente é imunodeprimida.
Colposcopicamente, o condiloma aparece branco
Quadro clínico: resumo e o grau dessa cor depende da espessura da lesão e da
€ A maioria das mulheres se infecta nos primeiros anos do associação com hiperceratose. Como citado anterior-
início da atividade sexual, por volta dos 15 aos 25 anos, mente, as formas subclínicas aparecem como áreas
sendo comum a infecção repetida e por múltiplos tipos acetobrancas e espículas digitiformes.
oncogênicos.
€ Regressão espontânea pode ocorrer em qualquer fase
Microscopicamente, o aspecto histológico do
desta evolução. A resposta imunológica do hospedeiro condiloma e das lesões subclínicas se sobrepõe e in-
é que determina o tipo de evolução. clui alterações arquiteturais, como papilomatose,
€ São as infecções persistentes que justificam o risco acantose, paraceratose e hiperceratose, além de alte-
substancial para o desenvolvimento de neoplasias in- rações citológicas, como coilocitose (manifestada por
traecteriais e neoplasias. cavitações citoplasmáticas perinucleares), aumento
€ São HPV de baixo risco oncogênico: HPV 6, 11, 13, do núcleo e atipias. A multinucleação também é fre-
42, 43 e 44. quentemente encontrada. Podem estar associados à
€ Os HPV de alto risco mais frequentemente implicados neoplasia intraepitelial cervical 1 (NIC 1), mas apenas
com oncogênese são: HPV 16 seguido pelo HPV 18. raramente com NIC 2 e 3, e quase nunca estão relacio-
€ Fatores hormonais (estrógeno e seus derivados) ativam nados com carcinoma invasivo de células escamosas
o HPV e atuam como promotores da carcinogênese e do colo uterino.
facilitam imortalização das células infectadas. A coilocitose indica infecção em atividade
Tabela 16.2 com multiplicação virótica e lesões contagiosas.
Geralmente se associa a benignidade, pois, no câncer
de colo, o vírus se incorpora ao DNA celular e não
se formam coilócitos.

Figura 16.3 Coilócitos: seta (note halo claro e células


de grande tamanho).
Figura 16.2 A história natural da infecção genital por
HPV é variável entre indivíduos e ao longo do tempo. A As lesões pré-malignas (NICs) e malignas
maioria das infecções é subclínica. A regressão espon- são rastreadas por citologia oncótica (Exame de
tânea é a evolução mais comum. A neoplasia é a mani- Papanicolau) seguida de colposcopia e biópsia
festação menos comum da infecção por HPV e ocorre para sua confirmação; essas lesões serão discutidas
como resultado de infecção persistente. em capítulo à parte. Nesse caso, os achados colposcó-

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139
16 Papiloma vírus humano (HPV)

picos mais comuns, que são direcionadores de região Taxa de cura de apenas 48%;
a ser biopsiada, são epitélio acetobranco, pontilhado, Neurotoxicidade, mielotoxicidade, ulcerações de
mosaico, vasos atípicos e teste de Schiller positivo. pele e as fístulas;
As formas latentes somente podem ser diagnós- PROIBIDO para gestantes (teratogênico).
ticas por técnicas de biologia molecular que, além de
terem um alto custo, apresentam baixa utilidade prá-
tica, uma vez que não há tratamento específico para a Ácido tricloroacético 70 a 90%
erradicação do HPV. Essas técnicas são: € Tem sido o mais utilizado como primeiro tratamento;
€ Hibridização molecular: usa sondas de DNA € É uma substância cáustica que atua localmente,
tipo específica, marcada com substância radioa- ocasionando desnaturação proteica dos tecidos
tiva (pode-se fazer na peça, é a chamada hibridi- (ela também pode afetar tecidos sadios, o que
zação in situ). requer cuidado na aplicação);
€ PCR (Polymerase Chain Reaction): síntese e € Não possui absorção sistêmica;
amplificação in vitro de sequências específicas de
€ Pode ser usado em gestantes;
DNA, que permitem revelar quantidades míni-
mas de DNA. € Apresenta poucos efeitos colaterais.
€ Captura híbrida: é o exame mais recente no diag-
nóstico do HPV e possui alta sensibilidade. Trata-se Podo昀椀lotoxina 0,15% creme
de um teste de hibridização molecular que detecta,
com alta sensibilidade e especificidade, o material
€ Componente ativo da podofilina; mecanismo de
genético dos HPV em amostra de escovado ou bi- ação semelhante;
ópsia do trato genital inferior, definindo o tipo e a € Aplicação duas vezes ao dia por três dias conse-
quantidade viral. O sistema utiliza sondas de RNA cutivos, seguidos de 4 dias de pausa;
altamente especificas para detectar os tipos de HPV € O ciclo pode ser repetido se necessário por até
que comumente infectam o trato genital e são agru- quatro vezes;
pados em dois grupos: Grupo A (tipos não oncogê-
nicos) e Grupo B (tipos de HPV de alto risco).
€ Contraindicado o uso em crianças e mulheres
grávidas.

Tratamento 5-fluorouracil
€ Essa medicação bloqueia a síntese de DNA e suas
Nenhuma forma de tratamento assegura a cura funções, de modo que promove necrose tecidual;
da infecção pelo HPV, o que se visa é a retirada de leões € Pode ocasionar inflamação local intensa, às vezes
esteticamente desagradáveis e altamente contagian- com necrose, além de ter baixa eficácia;
tes, como as verrugas do condiloma, ou a erradicação
de lesões pré-malignas e malignas. Neste capítulo, in- € Seu uso é restrito a pacientes imunossuprimidas,
dicaremos os tratamentos às formas clínicas. Os casos com focos multicêntricos de neoplasia intraepi-
telial de alto grau e falhas terapêuticas;
de malignidade serão abordados a contento em outro
capítulo deste livro. € Efeito local importante: lesões mucosas, hi-
persensibilidade, sinéquias e ulcerações (esteno-
Baseado nisso, o tratamento pode ser químico, se futura).
cirúrgico ou com imunomoduladores.

Imunomoduladores
Tratamento químico
Imiquimod a 5% creme
Podo昀椀lina 10 a 25% em vaselina
€ Sua ação baseia-se no estímulo às células de de-
sólida fesa, especialmente macrófagos e monócitos,
Quase em desuso: abandonada pela baixa efi- promovendo sua proliferação e atuação;
cácia e pelos efeitos adversos; não utilizar em lesões € Obtém-se boa resposta após a aplicação local;
abertas ou feridas; € A paciente deve aplicar o creme ao deitar-se, três ve-
Age na mitose celular, inibindo a atividade mi- zes por semana, até o máximo de 16 semanas. A área
tocondrial; deve ser lavada de 6 a 10 horas após a aplicação;

SJT Residência Médica – 2016


140
Ginecologia

€ Não deve ser utilizado na gestação;


€ Não deve ser usado no colo uterino, apenas em
Seguimento
lesões vulvares.
Nas pacientes tratadas por condilomas a pri-
meira revisão deve ser feita no quatro mês após o
Sinecatequinas término do tratamento, e seis meses após, utili-
zando-se exames citopalogócios e colposcópico.
€ Introduzidas recentemente (2008), são uma mis- Quando da presença de dois exames normais com
tura de flavoloides extraídos da folha do chá verde; intervalo de seis meses, pode liberar paciente para
€ Mecanismo de ação pouco conhecido, podendo rotina anual. Deve-se recomendar aos parceiros se-
envolver efeitos imunomoduladores, antivirais xuais destas pacientes procurar serviço médico para
e antioxidantes; o diagnóstico de lesões relacionadas ao HPV e a ou-
€ Uso tópico, três vezes por dia e por até 16 sema- tras DST.
nas. Não aplicar em áreas de mucosa.
€ Não deve ser utilizado por pacientes imunocom-
prometidas e nem durante a gravidez.
Prevenção – vacinas
Retinoides Com as vacinas, objetiva-se impedir a infecção
pelos tipos de HPV comumente associados a lesões
€ São compostos derivados da vitamina A, têm efei-
benignas (tipos 6 e 11) ou malignas (tipos 16 e
to imunomodulador semelhante ao do interferon
18). Recentemente, foram publicados os resultados
e apresentam também atividade antiproliferativa;
de duas vacinas profiláticas compostas de VLP (Vi-
€ Apresentam alto potencial teratogênico. rion Like Particules – desenvolvidas por engenharia
genética) de HPV, seja contendo dois tipos (16 e 18),
seja da vacina quadrivalente (6, 11, 16, 18). As duas
demonstraram-se seguras e bem toleradas. Nos dois
Tratamento cirúrgico ensaios clínicos publicados, as vacinas apresenta-
ram elevada eficácia, tendo controlado entre 90 e
Diatermocauterização
100% das infecções pelos tipos de HPV incluídos
€ Utilizado para lesões subclínicas ou intraepiteliais nas vacinas, além de prevenir 95 a 100% das lesões
de baixo e alto grau, sem que haja invasão do ca- causadas por esses vírus. Ambas as vacinas atual-
nal cervical (ou vaporização com laser de CO2). mente disponíveis foram desenvolvidas com VLPs
oriundas de uma única proteína viral, o L1, que é
Exérese com alta frequência a maior proteína estrutural do vírus e contém seu
epítopo imunodominante. Em 10 de fevereiro de
€ Utilizado para lesões vulvares e penianas, lesões
2010 o Instituto Nacional de Câncer publicou pare-
perineais e perianais ou em casos de falha nos
cer sobre a vacina para o HPV no Brasil. Foram con-
tratamentos anteriores (ou laser de CO2).
sideradas as duas vacinas atualmente disponíveis e
aprovadas pela ANVISA para uso no Brasil, sendo
uma quadrivalente (Gardasil, Merck) e outra bi-
Grupos especiais valente (Cervarix, Glaxo-Smith-Kline) com fim de
prevenção primária para câncer do colo de útero. O
Nas gestantes o tratamento deve basear-se no parecer concluiu que ambas as vacinas são profilá-
tamanho, na localização e no número de lesões. A ticas, isto é, a proteção conferida é maior quando
podofilina é sempre contraindicada assim como aplicada em mulheres livres da infecção, ou antes do
podofilotoxina, 5FU ou imiquimode. Os proce- início da vida sexual, e que não há diferença de efi-
dimentos mais utilizados são: ácido tricloroacético cácia entre as duas vacinas em relação à prevenção
(ATA), eletro/criocauterização ou excisão cirúrgica. de lesões intraepiteliais cervicais.
Nas lesões de grande volume causando obstrução do
As vacinas são aplicadas por via intramuscular
canal do parto ou diante do risco de lacerações e he-
e alcançam os vasos linfáticos no local da injeção,
morragias a sesariana deve ser indicada como escolha.
mimetizando uma viremia e estimulando a produção
Nas mulheres imunodeprimidas o tratamento de anticorpos neutralizantes em quantidade muito
segue os princípios referidos para aquelas não infecta- maior do que a produzida na infecção natural. Am-
das pelo HIV, lembrando, no entanto, que as incidivas bas as vacinas são administradas em 3 doses para
são bem mais frequentes. se obter o máximo efeito imunogênico.

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141
16 Papiloma vírus humano (HPV)

De acordo com as decisões do Ministério da o HPV é medida preventiva, não substituiu a realização
Saúde ficou estabelecido no calendário vacinal de de exames periódicos e o uso de preservativo nas rela-
2014 a inclusão destas vacinas para meninas de 11 a ções”, alerta a coordenadora do Programa Nacional de
13 anos. A campanha nacional de combate ao HPV come- Imunização, Carla Domingues.
çou no dia 10 de março desse ano. A vacina contra HPV
Ainda que as atuais vacinas profiláticas protejam
que é distribuída no SUS é a quadrivalente, que pre-
as mulheres ainda não infectadas contra os vírus de
vine contra quatro tipos de HPV (6, 11, 16 e 18). Dois
deles (16 e 18) respondem por 70% dos casos de câncer de
maior potencial oncogênico, aquelas infectadas antes
colo de útero, responsável atualmente por 95% dos casos da vacinação ou infectadas com outros tipos virais não
de câncer no país. São três doses, segunda 6 meses após a incluídos na vacina ainda irão requerer diagnóstico e
primeira, e a terceira dose daqui a cinco anos. tratamento de lesões pré-neoplásicas, portanto, con-
tinuamos com a necessidade de manter os exames de
Em 2015, a vacina foi ofertada também para
rastreamento populacional.
meninas de 9 e 10 anos. Cada menina deve receber três
doses da vacina para estar imunizada contra o HPV. Após
a primeira dose, a segunda deverá ocorrer em dois meses
e a terceira, em seis. Será feito um cadastro com nome, Atenção!
endereço e telefone das meninas imunizadas para que o
Ministério da Saúde tenha controle de que todas as doses O ministério da Saúde anunciou em 19 de janei-
serão aplicadas. ro de 2016 mudanças no calendário de vacinação.
As 36 mil salas de vacinação em todo o país, além No caso da vacina contra HPV, serão neces-
de escolas públicas e privadas, vão estar envolvidas nessa sárias agora apenas duas doses: a segunda seis me-
campanha. ses depois da aplicação da primeira. De acordo com o
A vacina deve ser aplicada com autorização dos pais Ministério da Saúde, estudos recentes mostraram que
ou responsáveis. Ela tem eficácia comprovada para mu- duas doses são efetivas para proteger as meninas entre
lheres que ainda não iniciaram a vida sexual e, por isso, 9 e 14 anos de idade. As mulheres com HIV entre 9
não tiveram nenhum contato com o vírus. “Vacina contra e 26 anos continuarão recebendo três doses.

Lembre-se o quanto você não sabe. Não despeje medicamentos estranhos em seus pacientes.
Sir William Osler

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CAPÍTULO

17
Doenças benignas do útero

a regressão na menopausa. Não obstante, ele é mais


Leiomioma uterino incidente em mulheres obesas que produzem mais es-
trogênio por conversão periférica de andrógenos pelas
aromatases do tecido adiposo.

Introdução O tabagismo e o uso de anticoncepcional hor-


monal oral, por diminuírem o nível de estrogênio
Denominamos leiomioma uterino, ou simples- endógeno circulante, são fatores protetores.
mente mioma, uma neoplasia de natureza benigna,
constituída por fibras musculares lisas e por es-
troma conjuntivo-vascular (presente em proporção
variável). Trata-se do tumor mais comum do útero e
da pelve feminina e é encontrado em até 50% das mu-
lheres acima dos 35 anos, respondendo por dois terços
das indicações de histerectomia.
Ele tem maior incidência na raça negra,
sendo 2 a 9 vezes mais comum do que na raça
branca, e possui um caráter familiar, o que pode ser
explicado por algumas alterações cromossômicas que
podem ser encontradas em cerca de 50% das porta-
doras, principalmente envolvendo o braço longo do
cromossomo 12.
Além das alterações cromossômicas, a exposi-
ção ao estrogênio constitui um fator de risco. Assim,
o mioma ocorre mais comumente na menacme, em Figura 17.1 Peça cirúrgica de histerectomia com salpin-
geral entre os 30 e 45 anos de idade, com tendência go-oforectomia bilateral evidenciando os leiomiomas.
143
17 Doenças benignas do útero

Os miomas cervicais (1,3%) também se subdivi-


dem, classificando-se em supra e intravaginais. Há tam-
bém a modalidade cervical mista, quando se localiza nas
duas porções do colo. Os tumores situados na porção su-
pravaginal, à semelhança dos localizados no corpo, tam-
bém podem ser subserosos, intramurais e submucosos.

Figura 17.2 Útero com incisão na região corporal


evidenciando múltiplos leiomiomas.

Figura 17.3 Mioma subseroso. Visão por laparoscopia.


Classi昀椀cação
Quanto à sua localização, o mioma pode ser cor-
poral, cervical ou misto. Os do corpo (98% dos casos)
são classificados em subserosos, intramurais (ou
intersticiais) e submucosos.
Os subserosos são aqueles que se desenvolvem
na superfície externa do útero, com mínimo ou ne-
nhum componente no interior da parede desse órgão.
Eles podem ser sésseis (grande superfície de contato
com útero) ou pediculados, situação que apresenta
maior risco de torção. Quando se desenvolvem entre
os folhetos do ligamento largo, denominam-se intrali-
gamentares e, nessa circunstância, podem comprimir
o ureter e os vasos pélvicos, dificultando a sua exérese.
Figura 17.4 Mioma submucoso.
Em raras situações, podem se desprender da parede
uterina e passar a serem nutridos por órgãos adjacen-
tes, recebendo, então, o nome de mioma parasita.
Os miomas submucosos são aqueles que se origi-
nam do miométrio próximo à cavidade uterina e para
ela se projetam. São classificados, de acordo com a
Sociedade Europeia de Ginecologia Endoscópica, em:
€ Nível 0: tumor totalmente na cavidade uterina;
€ Nível I: mais de 50% do tumor está na cavidade
uterina;
€ Nível II: mais de 50% do tumor está no mio-
métrio.
Quando crescem e ultrapassam o orifício do colo Figura 17.5 Mioma intramural.
uterino, recebem o nome de mioma parido.
Os intramurais, que são os mais frequentes,
são aqueles envoltos por tecido miometrial normal. Etiopatogenia
Os vários subtipos de miomas podem existir em Apesar de exaustivamente estudado, não se co-
conjunto, uma vez que, em dois terços das miomato- nhece com precisão a origem e o mecanismo de de-
ses, os nódulos são múltiplos. senvolvimento da etiopatogenia. A hipótese mais

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144
Ginecologia

aceita é a de que o tumor provém de células mus- Leiomioma uterino (cont.)


culares lisas imaturas, não de elementos fibrosos
Fatores de risco
do útero. O que se sabe é que há caráter hormo-
€ Dieta rica em carne vermelha
nal e provável predisposição genética. As células
musculares lisas normais da parede uterina possuem € HAS
uma enzima chamada 17-beta-hidroxidesidrogenase, € Diabetes mellitus
responsável pela conversão do estradiol em outra for- Tabela 17.1 Fatores de proteção e fatores de risco
ma estrogênica bem menos potente, a estrona. No te- para o leiomioma uterino.
cido miomatoso, há diminuição da atividade dessa en-
zima, permanecendo alto o estímulo estrogênico, que
está envolvido no crescimento do tumor – tanto que
ocorre na menacme e regride na menopausa. Anatomia patológica
O GH também está ligeiramente aumenta- São tumores bem delimitados, revestidos por
do nas mulheres com mioma e parece atuar si-
pseudocápsulas, arredondados ou ovais, de consistên-
nergicamente com o estrogênio no crescimento
cia firme, cuja superfície de corte apresenta cor róseo-
dos nódulos.
-esbranquiçada, com aspecto trabeculado ou espira-
A progesterona normalmente ativa a enzima lado. Microscopicamente, esses tumores apresentam
17-beta-hidroxidesidrogenase e diminui receptores de fibras musculares com distribuição anárquica (não
estrogênio; entretanto, na maioria das vezes, não tem
seguem a mesma direção), o que impede a contração
ação inibidora do crescimento de miomas, ao contrário,
do nódulo.
os faz crescer. Isso porque eleva a atividade mitótica.
Em relação à predisposição genética, ob- As características histopatológicas podem se mo-
servou-se que mais de 50% das mulheres possu- dificar, originando as degenerações. São elas:
íam anormalidades em análises cromossômicas, € Degeneração hialina: é a mais frequente,
como deleções, trissomias e translocações, em ocorre pelo rápido crescimento do tumor sem o
especial envolvendo o cromossomo 12. aporte sanguíneo adequado e é repleta de eosi-
Isso é corroborado por sua frequência 3 a 9 vezes nófilos;
maior nas afrodescendentes e em mulheres com histórico € Degeneração cística: liquefação de áreas cen-
familiar. Gêmeas univitelínicas mostram uma correlação 2 trais do tumor;
vezes maior que as dizigóticas para o desenvolvimento dos
leiomiomas uterinos. Além disso, a Síndrome de Reed, € Degeneração gordurosa: transformação de teci-
uma rara alteração genética, caracteriza-se pelo surgimen- do rico em gordura, com áreas de esteatonecrose;
to de múltiplos leiomiomas de pele, útero ou ambos. € Calcificação: geralmente ocorre na pós-meno-
pausa e se caracteriza por deposição de cálcio em
áreas hipóxicas e necrosadas do tumor.
€ Degeneração rubra (necrobiose asséptica):
é mais comum na gravidez e decorre do rápido
crescimento do tumor, uma obstrução venosa
com congestão e hemólise que pode romper e
causar abdome agudo hemorrágico.
€ Degeneração sarcomatosa: é rara (0,1% dos
casos) e se acredita hoje que o tumor já nasça
como sarcoma, sendo diagnosticado erronea-
Figura 17.6 Localizações do mioma uterino. mente como mioma nas fases iniciais.

Além dos aspectos etiopatogênicos, deixamos re-


gistrado na tabela a seguir os fatores de proteção e os
fatores de risco para o leiomioma uterino. Quadro clínico
A maioria dos casos de miomatose uterina
(75%) apresenta-se assintomática, sendo achado
Leiomioma uterino
de exame. Os demais casos podem apresentar os se-
Fatores de proteção guintes sintomas:
€ Mulheres com maior número de filhos < risco (4 ou 5
partos de termo, risco 70 a 80% menor que na nulípara). 1) Sangramento uterino anormal: este ocorre
por 4 mecanismos: aumento da superfície sangrante
€ Mulheres fumantes (redução de 20 a 50% do risco).
imposta pelo tumor na cavidade uterina; diminuição
€ Mulheres atletas (menor risco)
da contratilidade das fibras dos nódulos miomatosos,

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145
17 Doenças benignas do útero

já que se dispõem anarquicamente, o que dificulta o ainda no diagnóstico de questionável gestação conco-
miotamponamento vascular; estase venosa no endo- mitante e para distingui-la de patologias anexiais. Esse
métrio adjacente ao mioma por dificuldade de drena- método tem sensibilidade elevada (95 a 100%) para de-
gem; e produção aumentada de prostaciclina, substân- tectar miomas de tamanhos menores que os atingidos
cia que é vasodilatadora e ainda dificulta a formação em 10 semanas (comparável ao útero gravídico).
de trombos no endométrio adjacente ao nódulo. A A localização dos miomas em úteros maiores ou
grande quantidade de estrogênio local talvez seja res- quando há muitos tumores é limitada. Com raras exce-
ponsável pela quantidade elevada de prostaciclina. É ções, nódulos superiores a 1 ou 2 cm de diâmetro não
de se esperar, com base no exposto, que os miomas passam despercebidos em uma topografia subserosa
subserosos apresentem menos sangramentos. Os in- ou intramural.
tramurais, por sua vez, cursam com sangramentos
A histerossonografia é utilizada para estabele-
abundantes na menstruação (hipermenorragia). Já os
cer o nível do mioma submucoso em relação à cavidade
submucosos apresentam um sangramento irregular
endometrial, melhorando a sensibilidade da ultrasso-
(metrorragia), pois, por estarem na cavidade uterina,
nografia, pois se trata de um exame de ultrassonogra-
podem sofrer atrito e isquemia a qualquer momento.
fia com infusão salina na cavidade uterina para disten-
2) Dismenorreia secundária: não é um sintoma dê-la, o que possibilita uma melhor identificação de
comum ou esperado, já que o mioma, em si, não é do- imagens intraútero (leiomiomas, pólipos ou septos).
loroso. Todavia, esse sintoma pode ocorrer se houver Depois do advento da histeroscopia, a histerossono-
degeneração vermelha, torção de mioma pediculado grafia tem sido pouco usada.
ou expulsão de mioma parido.
A histerossalpingografia, quando utilizada,
3) Pressão pélvica: sensação dada pelo peso do tem por objetivo diagnosticar possíveis obstruções
útero. das tubas uterinas causadas pelo mioma.
4) Aumento do volume abdominal: ao exame, A histeroscopia pode auxiliar na elucidação da
nota-se massa abdominal endurecida e geralmente bo- verdadeira localização dos leiomiomas submucosos
celada, decorrente do aumento do útero pelos miomas. (total ou parcialmente submucosos), contribuindo,
5) Sintomas urinários e gastrintestinais: são dessa forma, tanto para a decisão da via cirúrgica mais
decorrentes de obstruções impostas pelo tumor. adequada como para o diagnóstico diferencial de póli-
pos e espessamento endometrial.
6) Infertilidade: o mioma não é uma causa co-
mum de infertilidade, mas, se aquele estiver presen- A imagem por ressonância magnética é o me-
te, esta se associa mais aos nódulos submucosos, aos lhor exame para visualizar o tamanho e a posição de
que comprimem as tubas e aos intramurais maiores todos os miomas uterinos. Ela deve ser solicitada prin-
que 5 cm. cipalmente nos casos de múltiplas imagens em que é
proposto o tratamento por miomectomia, permitindo
7) Abortamento habitual: pode haver dificulda- avaliar a viabilidade dessa cirurgia conservadora.
de de implantação e nutrição embrionária.
O CA-125, marcador inespecífico de endo-
metriose, também pode estar aumentado na
miomatose uterina.
Diagnóstico
A suspeita diagnóstica se inicia pela clínica e é
embasada nos informes obtidos por meio da anamne-
se e de rigoroso exame clínico e ginecológico. Neste,
especialmente o palpar do hipogástrio e o toque bima-
nual revelam o útero com superfície quase sempre no-
dular, firme, bocelada e de proporções variáveis. Há,
ainda, a mobilidade do útero.
O diagnóstico diferencial deverá ser feito com
gravidez, tumores de ovário, adenomiose, neoplasias
do endométrio, endometriose, processos inflamató-
rios crônicos anexiais etc. Os testes imunológicos de
gravidez deverão ser realizados sempre na suspeita de
gestação incipiente.
A ultrassonografia é um método não invasivo
que ocupa posição principal entre os demais exames
subsidiários. Útil em todas as situações, ela tem papel Figura 17.7 RM: imagem de ressonância magnética
crucial em condições adversas ao bom exame físico (em T2) evidenciando múltiplos miomas (setas) em um
(como obesidade e falta de colaboração da paciente) e útero aumentado para 24 semanas.

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146
Ginecologia

O tratamento medicamentoso visa tratar o in-


cômodo do sangramento, corrigir a anemia e me-
lhorar as condições clínicas da paciente, preparan-
do-a para a cirurgia. Deve ser a primeira tentativa
nas mulheres desejosas de gravidez e naquelas que
se encontram na perimenopausa. Além de repouso,
hidratação, boa alimentação, reposição hematimé-
trica e suplementação de ferro, os medicamentos
mais usados são:
€ Anti-inflamatórios não-hormonais (AINH):
reduzem em cerca de 30% o sangramento
menstrual e sua ação baseia-se na inibição de
Figura 17.8 RM: imagem de histerossonografia iden- formação de prostaciclina que, como dito, está
tificando imagem na cavidade uterina (setas). presente em grande quantidade no endométrio
adjacente ao tumor, dificultando a coagulação e
promovendo vasodilatação.
€ Antifibrinolíticos: usados apenas para estan-
Tratamento car hemorragias agudas, pois elevam o risco de
A conduta terapêutica é centrada na dependên- trombose, especialmente em fumantes.
cia de diversos fatores, tais como: € Análogos de GnRH: atuam bloqueando, por
€ Idade; saturação e desensibilização, os receptores hi-
pofisários de GnRH. Com isso, não há estímu-
€ Desejo de conservar ou não a função reprodu-
lo à liberação de FSH e LH, de modo que se
tora;
inibe a produção ovariana de estrogênio e pro
€ Tamanho, número e localização dos miomas;
gesterona (menopausa química). Esse efeito é
€ Intensidade e tipo das manifestações clínicas e máximo em 12 semanas, durando aproxima-
de sua evolução. damente 4 meses. Pelos efeitos adversos, como
A terapêutica poderá ser clínica ou cirúrgica. osteoporose, não deve ser feito de repetição e
A terapia clínica pode, ainda, ser expectante ou deve ser reservado a mulheres sangrantes na
medicamentosa, enquanto a cirúrgica se divide em perimenopausa, para evitar cirurgia, ou com
conservadora e radical. o intuito de diminuir o tamanho e a vascula-
rização de miomas para uma posterior cirur
gia conservadora. Deve-se ter em mente que a
Tratamento clínico medicação torna menos evidente a superfície
Reserva-se o tratamento denominado expectan- de clivagem do mioma e pode ocultar alguns
te às pacientes assintomáticas. nódulos muito pequenos.

Medicações mais utilizadas no tratamento de leiomioma uterino


Redução do
Tempo máximo
Terapia volume de Melhora dos sintomas Efeitos colaterais
de tratamento
leiomioma
AINH Sem impacto Controle da dor, impacto com- Ilimitado Gastrintestinais
provado para menorragia
Antifibrinolí- Sem impacto Melhora da menorragia Período mens- Poucos
ticos trual
ACO Sem impacto Melhora da menorragia Ilimitado Náuseas, cefaleia, mastalgia
etc.
Progesteronas Sem impacto Melhora da menorragia Ilimitado –

Análogo de 25 a 80% Melhora da disfunção mens- 3 a 6 meses Sintomas menopausais,


GnRH trual, dismenorreia pélvica e perda de massa óssea
sinais de compressão de ór-
gãos adjacentes
Tabela 17.2 Atenção!

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147
17 Doenças benignas do útero

Agonistas do GnRH
Agonista Nome comercial Via de administração Dose

Naferelina Synarel Nasal 400/800 mg/dia
Triptorelina Neodecapeptil Intramuscular 3,75 mg/mês
Leuprolide Lupron-depot Intramuscular 3,75 mg/mês
Goserelina Zoladex Subcutâneo 3,6 mg/mês
Tabela 17.3

ceis de determinar. O grau de extensão intramural é


Tratamento cirúrgico
um fator importante. Os miomas do tipo G0, que es-
A cirurgia é indicada nos casos de malogro do tra- tão completamente localizados na cavidade do útero,
tamento clínico, miomas de localização especial (como apresentam ótimos resultados cirúrgicos, já os dos ti-
os cervicais), quando há torção de mioma subseroso pos G2 (menos da metade intramural) e G3 (mais da
pediculado, se houver obstrução de órgãos adjacentes metade intramural) terão indicação na dependência
(comum em miomas intraligamentares) e nos casos de do tamanho e quantidade de nódulos. As complica-
infertilidade ou abortamento habitual com provável ções incluem perfuração uterina, hemorragia in-
causa miomatosa. Não se aconselha a indicação roti- traoperatória, infecção e intoxicação hídrica.
neira de histerectomia somente pelo risco da transfor-
Toda paciente que for encaminhada à miomecto-
mação sarcomatosa (0,2 a 0,7% de todos os miomas).
mia deve estar ciente de que existem casos nos quais,
Os tratamentos cirúrgicos disponíveis podem ser durante o procedimento cirúrgico, torna-se necessária
conservadores ou radicais. Neste último caso, realiza- a realização de histerectomia por dificuldades cirúrgi-
mos a histerectomia total ou subtotal. Já as interven- cas, como sangramento profuso ou falta de condições
ções conservadoras incluem miomectomia, emboliza- de reconstruir a musculatura uterina em casos de múl-
ção e miólise térmica. tiplos miomas.
Casos de gravidez após a realização de mio-
mectomia devem ser sempre interrompidos por
Miomectomia cesariana, pois existe risco aumentado de rotura
Tratamento cirúrgico de caráter conservador no uterina quando essas pacientes desenvolvem con-
qual se retiram apenas os nódulos do mioma. Ele deve trações de trabalho de parto.
ser o escolhido quando houver desejo de preservar
o útero e a fertilidade. Quando os miomas forem de
tamanho pequeno, subserosos ou pediculados, a lapa- Histerectomia
roscopia ou a histeroscopia apresentam-se como uma
É um tratamento cirúrgico radical que deve ser
excelente opção, caso contrário, utiliza-se a via lapa-
realizado quando a paciente já tiver prole definida,
rotômica. Após a realização de miomectomia, há
miomas numerosos e em localização de difícil remo-
recorrência dos miomas em 18% das pacientes e,
ção, isto é, em situações que dificultem o ato operató-
em 10 anos, em até 27% delas.
rio ou, nos casos de miomas que apresentem aumen-
Quando realizada pela via abdominal, é a ci- to muito rápido e exagerado do volume, pelo risco de
rurgia ginecológica que mais propicia o apareci- sarcomatose. Deve-se preferir a histerectomia total,
mento de aderências pélvicas e, quando ocorre lesão com retirada do colo, a não ser que condições técni-
do endométrio, aumenta a chance de aparecerem si- cas impeçam esse tempo cirúrgico ou a paciente revele
néquias (síndrome de Asherman). Ela também está prazer quando o colo é tocado no ato sexual.
associada à maior perda sanguínea durante o ato ci-
rúrgico e a um índice maior de infecção em relação à Pode ser realizada via abdominal, vaginal, lapa-
histerectomia, o que pode ser minimizado com o uso roscópica ou combinada (vaginal/laparoscópica). Téc-
de medicamentos pré-operatórios, como os análogos nicas de fragmentação podem ser usadas para retirar
do GnRH, ou intraoperatórios, como a vasopressina, úteros volumosos via vaginal.
que é injetada ao redor do mioma e provoca isquemia.
O uso de torniquete ao redor do útero também dimi-
nui a perda sanguínea intraoperatória. Embolização das artérias uterinas
A histeroscopia cirúrgica está indicada como Uma das técnicas utilizadas é a de Seldinger,
primeira linha de miomectomia para miomas sub- que consiste na punção da artéria femural direita e,
mucosos, sésseis ou pediculados, que se desenvol- por esta, se introduz um cateter para, inicialmente,
vam em direção à cavidade uterina. Os critérios para estudar a anatomia vascular da pelve (arteriografia
a realização de miomectomia histeroscópica são difí- pélvica panorâmica) e, posteriormente, cateterizar

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148
Ginecologia

seletivamente as artérias uterinas com uso de con- A embolização arterial proporciona um óti-
traste. Uma vez na artéria uterina, libera-se o agente mo resultado no controle dos sintomas (alterações
embolizante (polivynil álcool-PVA ou embospheras, menstruais, algia pélvica e sintomas compressivos)
de 500 a 700 micra), com baixa pressão e lentamente e uma significativa redução dos volumes do útero e
até desaparecer o fluxo dos miomas. Depois é feito o dos miomas.
controle arteriográfico. A necrose maciça do útero ou endométrio e a
As indicações são divididas em dois grupos: insuficiência ovariana prematura são as eventuais
1- Mulheres com prole definida: complicações tardias. A necrose do útero tinha uma
incidência de 7 casos em 1.000 procedimentos, e esse
€ Se o mioma uterino acarreta sintomas (sangra-
risco diminuiu muito graças a algumas mudanças na
mento, dor pélvica e compressão);
tática do procedimento, especialmente com relação ao
€ Miomas com crescimento progressivo; tamanho das partículas (atualmente são usadas par-
€ Falha de tratamentos conservadores prévios; tículas maiores, acima de 500 m). Outra mudança foi
€ Mulheres jovens; o ponto ideal da parada do lançamento das partículas
(end it point). Até alguns anos atrás, bloqueava-se o
€ Pacientes que desejam a manutenção do útero;
tronco da artéria uterina; atualmente, bloqueia-se
€ Quando a paciente não tem condições clínicas a circulação dos miomas sem que se comprometa o
para tratamento cirúrgico. tronco da artéria uterina.
2- Pacientes com desejo futuro reprodutivo:
€ Quando a mulher apresenta mioma associado à
infertilidade e não é suscetível a outro tratamen-
to cirúrgico conservador;
€ Quando há falha de tratamento conservador
prévio.

Contraindicações:
1- Absolutas:
€ Doenças autoimunes e/ou uso de medicamentos
imunossupressores;
€ Arteriopatias graves;
€ Coagulopatias ou uso de anticoagulantes; Figura 17.9 Esquema de embolização com a in-
€ Insuficiência renal; trodução de um cateter e liberação de partículas para
ocluir os vasos principais que irrigam o mioma.
€ Antecedente de reação adversa grave ao contras-
te iodado;
€ Miomas pediculados;
€ Neoplasia maligna ginecológica;
€ Radioterapia pélvica pregressa;
€ Presença de infecção pélvica ativa;
€ Gestação.
2- Relativas:
€ Mioma com predomínio submucoso, único, me-
nor que 5 cm;
€ Endometriose severa;
€ Adenomiose;
€ Mio-hipertrofia uterina difusa.
É comum a presença de dor no procedimento
pela isquemia que os miomas sofrem na emboli-
zação arterial, sendo atualmente preconizada uma Figura 17.10 Angiografia da artéria uterina eviden-
analgesia efetiva. ciando sua oclusão após a embolização (seta).

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149
17 Doenças benignas do útero

Miólise A conduta na gravidez é conservadora. A cirur-


gia somente será feita se houver sangramento profuso
Este tratamento consiste em destruir termica- no parto. O útero é muito irrigado e os nódulos cres-
mente os nódulos miomatosos, ou com o uso de laser cem na gestação, trazendo muitas dificuldades cirúr-
ou com nitrogênio líquido. É uma técnica pouco usada
gicas. Pacientes gestantes e previamente submetidas
em nosso meio.
à miomectomia devem ser submetidas ao parto abdo-
minal em função do risco de rotura uterina.
Miomas uterinos

Sintomáticos - Dor/
sangramento/
sintomas compressivos

Pólipos uterinos
Deseja tratamento Deseja
definitivo - prole manter função Os pólipos são crescimentos sésseis ou pedicula-
constituída reprodutora
dos, localizados, de um eixo de tecido conjuntivo e re-
cobertos por um tipo de epitélio. No útero, eles podem
Histerectomia Miomectomia Embolização
uterina ser endocervicais ou endometriais.
Figura 17.11 Fluxograma de tratamento da mioma-
tose uterina.

Pólipos endocervicais
Eles crescem no interior do colo do útero, exte-
Leiomioma uterino e gestação riorizando-se pelo seu orifício. Apresentam, portanto,
O diagnóstico de leiomiomas uterinos durante a revestimento de epitélio cilíndrico glandular.
gravidez é mais frequente na atualidade que no pas-
sado. Hoje, sua incidência varia de 0,09 a 3,9%. Originam-se de ação estrogênica em mulheres
Um dos motivos seria a tendência atual da mulher predispostas, motivo pelo qual somem na pós-meno-
moderna em postergar suas gestações para o extremo pausa e aumentam na gestação.
superior de sua vida reprodutiva, sobretudo após os Podem ser assintomáticos ou causar sangramen-
30 anos, ocasião em que os leiomiomas são mais co- tos, sejam eles espontâneos ou pós-coito (sinusiorra-
muns. Outra razão seria a difusão da ultrassonografia gia), ou ainda podem ocasionar leucorreia.
obstétrica durante o pré-natal.
O diagnóstico é feito via visualização direta por
A complicação mais comum é a chamada “sín- especular ou colposcopia.
drome dolorosa dos leiomiomas na gravidez”,
presente em 10% dos casos. Ela consiste classica- O tratamento consiste em exérese e, se possível,
mente de dor localizada, náusea, vômito, febre cauterização da base. A transformação maligna é
baixa, leucocitose e aumento da atividade uterina, extremamente rara.
principalmente no segundo e no início do terceiro
trimestre de gravidez, cedendo em média dez dias
após seu início. O tratamento é clínico, com o uso de
anti-inflamatórios não esteroidais. Outras compli- Pólipos endometriais
cações são também frequentemente associadas a Os pólipos endometriais também se desenvol-
gestações com leiomiomas uterinos: apresentação vem por ação estrogênica, em áreas localizadas que
fetal anômala (o mioma dificulta a acomodação fe- apresentam maior sensibilidade a esse hormônio.
tal), trabalho de parto prematuro (os nódulos dimi-
nuem a cavidade e o útero é distendido pelo feto em São de três tipos, de acordo com o revestimento
crescimento), restrição do crescimento intraútero epitelial que apresentam:
(má implantação e consequente má irrigação da € Atróficos: revestidos por epitélio colunar baixo
placenta por causa dos miomas), placenta prévia (o e glandular cuboide, são mais comuns na pós-
ovo busca implantar-se em uma região sem mioma), -menopausa e decorrentes dos outros tipos;
discinesias e atonia (dificuldade de contração pela
anarquia das fibras dos tumores).
€ Funcionais: com revestimento epitelial que
acompanha a histologia do endométrio, inclusi-
Observa-se na gestação um aumento do volu-
ve em suas mudanças;
me da neoplasia em apenas 20% dos casos, sendo
que o restante se mantém inalterado ou até diminui. € Hiperplásicos: envoltos por endométrio proli-
Há aumento da incidência de degeneração vermelha. ferativo com atipias.

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150
Ginecologia

Podem variar com relação ao número, podendo


ser únicos ou múltiplos, e seu tamanho também pode
Diagnóstico
ser variável. Em sua maioria, são solitários e localiza- O diagnóstico é aventado inicialmente pela
dos no fundo do útero. queixa da paciente e confirmado posteriormente
com exames complementares. A ultrassonografia
Os pólipos são encontrados em 10 a 24% das endovaginal pode, em algumas situações, sugerir,
biópsias endometriais ou histerectomias, e sua in- pelo espessamento endometrial, a presença de pó-
cidência pode aumentar de acordo com o avanço da lipo endometrial, principalmente quando ele é de
idade da mulher na menacme, sendo mais comum tamanho grande. A histerossonografia (injeção de
em mulheres com idade entre 40 e 49 anos. líquido no interior do útero previamente à ultrasso-
nografia) e a histeroscopia permitem a visualização
Seu risco de transformação maligna está em da estrutura polipoide, que permite a simultânea
torno de 0,3% dos casos, sendo que, destes, 10 a exérese. A curetagem uterina semiótica foi um mé-
15% ocorrem após a menopausa. A transformação todo utilizado no passado, antes do advento da his-
maligna deve ser diferenciada de neoplasia polipoide. teroscopia, e apresenta altos índices de insucesso
Nesta, há tecido maligno desde a base e, naquela, a porque, por vezes, não atinge a área exata do pólipo,
transformação maligna se dá pela extremidade. já que é feita às cegas.

Tratamento
O tratamento pode ser expectante ou cirúrgico,
que consiste na exérese do pólipo, e está indicado em
casos de crescimento rápido, sintomas ou tamanhos
maiores que 1,5 cm.
A histeroscopia apresenta-se como tratamento
de escolha, uma vez que, sob visão direta, pode-se reti-
rar o pólipo em sua totalidade. Em casos selecionados,
como atipias ou presença de outra patologia associa-
da, a histerectomia pode ser o tratamento de opção.
Figura 17.12 Útero seccionado e, na sua porção
Para mulheres na pós-menopausa, é prudente a
fúndica, identifica-se a presença de um pólipo (seta). retirada se a idade for maior que 65 anos e houver fa-
tores de risco para câncer de endométrio, hipertensão
ou ocorrência de sangramento.
Quadro clínico É preciso salientar que mulheres portadoras de
Cerca de 80% dos pólipos endometriais são as- pólipo endometrial apresentam risco aumentado de
câncer de endométrio no futuro.
sintomáticos.
O sintoma mais frequentemente associado à
presença dos pólipos uterinos é o sangramento irre-
gular, tanto na mulher em idade reprodutiva quanto
no climatério, sendo responsável por 7 a 25% dos ca-
Adenomiose
sos de menometrorragia. Os padrões de hemorragia A adenomiose é caracterizada pela presença de
podem ocorrer tanto na forma de aumento do fluxo glândulas e estroma endometrial dentro do mio-
quanto na forma de spotting. As mulheres na mena- métrio, ou seja, é um tipo de endometriose. A pri-
cme apresentam mais comumente hipermenorragia meira descrição de um caso foi realizada em 1860,
(abundância de sangue na menstruação), enquanto as por Rokitansky.
pós-menopáusicas, metrorragia. A frequência da adenomiose na literatura varia
de 5 a 70%, e essa ampla variação se deve aos dife-
A dor, quando presente, será decorrente de
rentes critérios diagnósticos e histopatológicos obser-
necrose do tecido ou infecção após estiramento,
vados. Além disso, como o diagnóstico definitivo é
causados pela atividade uterina. Um aumento na realizado apenas por avaliação histopatológica do
secreção vaginal também poderá ocorrer e ser mucosa, útero, somente aqueles removidos cirurgicamente e
sanguinolenta, fétida ou mesmo de aspecto purulen- provenientes de pacientes sintomáticas são examina-
to, quando secundária a uma infecção. dos e incluídos na análise estatística.

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151
17 Doenças benignas do útero

A incidência varia de acordo com a faixa etária, forma simétrica, mais no sentido anteroposterior
sendo mais frequente em pacientes entre a quarta (geralmente não ultrapassa o tamanho equivalente a
(40-50 anos) e a sexta décadas de vida, como tam- uma gravidez de 12 semanas), e a consistência macia
bém em pacientes multíparas (80% dos casos). do útero.
Existem duas formas de adenomiose – a difusa
e a focal –, que frequentemente estão associadas. Na
focal, aparecem “tumores” circunscritos com hiper-
trofia da musculatura lisa ao redor do foco. O apare- Patologias associadas
cimento de hiperplasia no epitélio desses focos é in-
frequente. Cerca de 60 a 80% dos úteros adenomióticos estão
acompanhados de outra patologia pélvica. A mais fre-
quentemente encontrada é a miomatose uterina (35
a 55%), seguida de endometriose pélvica e das pato-
Etiopatologia logias endometriais, como a hiperplasia. Esses achados
sugerem um agente causador comum para essas patolo-
Não se sabe ao certo a maneira como ocorre essa
gias, que pode ser o quadro de hiperestrogenemia.
penetração; entretanto, as teorias da proliferação de
restos embrionários dos ductos paramesonéfricos e da
herniação endometrial por hiperatividade uterina ou
lesão da camada basal do endométrio (por trauma ci-
rúrgico ou por gravidez) são as mais aceitas atualmente. Diagnóstico
A suspeita clínica surge pelas queixas da pa-
ciente associadas ao exame físico. Entretanto, esse
quadro clínico é bastante inespecífico, e pode estar
Quadro clínico presente, de forma idêntica, em outras situações. A
Aproximadamente 35% das mulheres portado- ultrassonografia pode, também, sugerir a presen-
ras de adenomiose são assintomáticas, sendo a ade- ça de adenomiose em razão de imagens císticas na
nomiose um mero achado casual ao exame histopato- parede miometrial. Se comparado aos achados his-
lógico do útero removido por outra causa. O principal topatológicos, o uso da ressonância magnética tem
sintoma observado em mulheres com adenomiose demonstrado resultados promissores nesse diagnós-
como única patologia é a menometrorragia (50 a
tico, mas seu elevado custo parece não justificar seu
60%). O sangramento pode ser suficiente para causar
uso rotineiro. O diagnóstico definitivo só é firmado
anemia ferropriva.
após uma análise histopatológica do útero remo-
O mecanismo exato para o desenvolvimento des- vido cirurgicamente mostrando padrão trabecu-
se sintoma ainda é incerto, no entanto, sugere-se que lar com hipertrofia da musculatura lisa.
o útero esteja com sua capacidade contrátil dimi-
nuída durante o período catamenial, permitindo,
assim, um aumento na perda sanguínea. Além dis-
so, o aumento da superfície endometrial presente nes-
sas situações também pode contribuir para o aumento
Tratamento
do fluxo sanguíneo. O principal método propedêutico e tera-
pêutico para a adenomiose ainda é a histerec-
A dismenorreia é outro sintoma frequente, pre-
sente em 15 a 30% das mulheres com adenomiose. Ela tomia. O uso de tratamento clínico baseado em
pode ocorrer secundariamente a uma irritabilidade ute- antiestrogênicos, como danazol e gestrinona, ou
rina ocasionada por sangramento dos focos adenomió- nos análogos do GnRH também pode ser feito.
ticos intramiometriais, além de um pseudoedema des- Contudo, existe a recorrência dos sintomas após
ses locais. Os focos de adenomiose são responsáveis a interrupção desses medicamentos, além de que
por uma produção aumentada de prostaglandinas, eles não permitirão a confirmação diagnóstica ou
outro mecanismo que explicaria a dor. A dispareunia, o seguimento do tratamento. Portanto, são usados
encontrada em menor frequência, também pode ocor- em mulheres na perimenopausa.
rer pelos mesmos mecanismos já citados. A ablação de endométrio pela histeroscopia pro-
Ainda que bastante inespecíficos, os sinais mais porciona a diminuição do sangramento menstrual,
frequentes observados em exame clínico são o au- mas, nos casos de adenomiose, geralmente não se con-
mento não muito acentuado do volume uterino de segue alcançar a amenorreia.

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CAPÍTULO

18
Lesões precurssoras do câncer do
colo de útero

Introdução
O câncer de colo de útero é o tumor do trato genital inferior mais comum em nosso país, respondendo
pela quarta causa de morte por câncer nesse grupo. Em mais de 90% dos casos, ele está comprovadamente asso-
ciado a algum tipo de HPV, vírus que não possui cura, de modo que a única forma de se evitar sua alta morbimor-
talidade é por meio de detecção precoce de lesões precursoras ou estádios iniciais, quando ainda é possível a cura
em praticamente 100% dos casos.
As lesões pré-neoplásicas do colo uterino foram amplamente estudadas desde o início do século XX. O termo
displasia foi utilizado por Papanicolau, em 1949, para indicar lesões que não comprometiam toda a espessura
do epitélio. As lesões pré-neoplásicas, ou precursoras, são aquelas localizadas no epitélio do colo uterino, sem
ultrapassar sua camada basal. Por não serem de comunicação compulsória, inexistem dados de incidência real de
lesões precursoras na população em geral.

Fisiopatologia
O colo uterino constitui a porção distal do útero, que compreende dois epitélios distintos, separados pela
junção escamocolunar (JEC).
A ectocérvice é revestida por um epitélio escamoso pluriestratificado, semelhante ao da vagina, ori-
ginário do seio urogenital e formado por quatro camadas: basal, parabasal, intermediária e superficial. A
endocérvice é constituída por epitélio cilíndrico ou pseudoglandular. A JEC, quando no colo normal, deve
coincidir com o orifício interno. Quando a JEC ocupa parte da ectocérvice, denominamos o fenômeno de
ectopia, e as transformações fisiológicas para reepitelização constituem o tecido metaplásico.
153
18 Lesões precurssoras do câncer do colo do útero

Além do HPV, outros fatores podem aumentar a


suscetibilidade a lesões pré-malignas e malignas, espe-
cialmente envolvendo risco de maior exposição ao ví-
rus. São exemplos: início precoce de atividade sexual,
múltiplos parceiros, precocidade da primeira gestação,
tabagismo, desnutrição, uso de anticoncepção hormo-
nal, DSTs, imunossupressão, entre outros.

Fatores possivelmente envolvidos na origem


das NICs e do câncer do colo uterino
Epidemiológicos
€ Precocidade das relações sexuais
€ Múltiplos parceiros sexuais
€ Gestação precoce
Figura 18.1 Descrição esquemática dos limites rel-
evantes do colo uterino. A junção escamocolunar (JEC) € Parceiro de alto risco (portador de câncer de pênis,
assinala o local de término de migração superior do contato com prostitutas, baixo nível socioeconômico,
epitélio escamoso a partir do seio urogenital durante o ex-maridos de portadoras de câncer de colo uterino,
desenvolvimento embrionário. A localização da JEC se parceiros com espermatozoides ricos em histonas e
altera com idade e estado hormonal. Nos estados com protaminas – proteínas básicas que podem desenca-
maior concentração de estrogênio, a JEC tende a sof- dear processo de transformação neoplásica). DSTs
rer eversão. Nos estados hipoestrogênicos e nos casos Fatores potenciais ou cofatores
com metaplasia escamosa, o JEC se aproxima do orifício € Imunidade
cervical. A zona de transformação é formada por uma € Anticoncepcionais orais
faixa de metaplasia escamosa entre a JEC original e a € Tabagismo
nova (atual) JEC. À medida que o epitélio metaplásico
€ Radiação prévia
amadurece, ele se move mais para fora em relação às
áreas de metaplasia mais recentes e imaturas, podendo € Deficiência de vitaminas A e C (pois exercem função
se tornar indistinguível do epitélio escamoso original. de maturação e diferenciação celular)
Relações virais
€ Papilomavírus
O mecanismo de substituição do epitélio cilíndri-
€ Herpesvírus
co da ectopia é chamado de metaplasia escamosa das
Tabela 18.1
células cilíndricas e constitui o aparecimento, a estra-
tificação e a proliferação das células de reserva abai-
xo da camada basal (ou células subcilíndricas). Nesse
processo, as células escamosas originadas recobrem o
epitélio cilíndrico. Classificação
A proliferação das células as torna mais suscetíveis
à incorporação do vírus no citoplasma e, principalmen- As lesões epiteliais do colo do útero foram di-
te, no núcleo celular, embora isso também possa acon- vididas de acordo com o tipo de lesão (inflamação,
tecer fora dessa situação. Isso torna a JEC o principal displasia etc.), o epitélio que acometem e a espessura
sítio de iniciação do processo neoplásico. nelas envolvida. Várias classificações já foram propos-
O HPV adentra a região nuclear das células da base tas desde a primeira, de 1942, feita por Papanicolau;
do epitélio cervical e, por não ter capacidade de se mul- a última foi de 1988, feita na cidade que originou seu
tiplicar sozinho, pode estimular o material genético des- nome, Bethesda (EUA).
sas células a replicar os vírions-HPV, aparecendo alguns Dessa forma, as lesões displásicas podem ser
achados típicos como coilocitose. Todavia, os vírus de de baixo grau, o que envolve o NIC I da classificação
alto risco incorporam seu material genético aos das cé- antiga, ou seja, NIC I da classificação antiga, ou seja,
lulas epiteliais, estimulando sua proliferação e inibindo
quando a atipia nuclear é mais evidente no terço basal
proteínas reparadoras, o que leva à formação de células
do epitélio, porém é menos nítida nos dois terços su-
repletas de atipias, mitoses e outros achados de malig-
nização, o que acaba acometendo mais de 75% da pare- periores onde existe maturação celular; e de alto grau,
de epitelial e, se não interrompida, ultrapassa e invade o que envolve os antigos NIC II (a atipia nuclear é mais
estruturas adjacentes, originando o câncer invasor. Os intensa do que no anterior, comprometendo princi-
casos de lesão de baixo grau geralmente associam-se à palmente os dois terços inferiores da faixa epitelial) e
primeira situação e as de alto grau, à segunda, o que ex- NIC III (a atipia nuclear é acentuada comprometendo
plica por que no baixo grau a evolução é mais rara. toda a espessura epitelial).

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154
Ginecologia

Desse modo, temos a classificação de Bethesda:


€ Normal.
€ Inflamatório.
€ Lesão de baixo grau (engloba alterações sugesti-
vas de infecção por HPV e NIC I).
€ Lesão de alto grau (engloba NIC II e III).
€ ASCUS (alterações escamosas de significado in-
determinado).
€ AGUS (alterações glandulares de significado in-
determinado).

História natural das lesões de neoplasia


intraepitelial do colo uterino
Regres- Persistên- Progres- Progressão
são (%) cia (%) são para inva-
para CIS são Figura 18.3 Colo uterino com ectopia.
(%) (%)
NIC 1 57 32 11 1
NIC 2 43 35 22 5
NIC 3 32 < 56 – > 12
Tabela 18.2 CIS: carcinoma in situ; NIC: neoplasia do
colo uterino.

Exame ginecológico
As lesões intraepiteliais não provocam sintomas
nem alterações ao exame físico. A olho nu, é possível
apenas a observação de ectopia, que favorece o apa-
recimento da lesão em mulheres de risco, e dos cistos
de Naboth, decorrentes da epitelização da área de ec- Figura 18.4 Lesão pré-neoplásica em colo de útero.
topia. Esta aparece como tecido avermelhado, pouco
captante de iodo (teste de Schiller). Os cistos de
Naboth são cistos de retenção da secreção mucoi-
de das glândulas cervicais recobertas e obstruídas
pelo tecido de reepitelização.

Figura 18.2 Colo uterino sem ectopia. Figura 18.5 Câncer de cérvice.

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155
18 Lesões precurssoras do câncer do colo do útero

Diagnóstico Colposcopia
A colposcopia serve para localizar uma lesão
A NIC tem uma incidência máxima na terceira e na suspeitada pela citologia oncótica, distinguindo a
quarta décadas de vida, enquanto o carcinoma invasor região a ser biopsiada. O exame baseia-se na visão
tem incidência máxima na quarta e na quinta décadas. ampliada do colo uterino com lentes de aumento e
aplicação de substâncias como ácido acético e iodo.
Como a sintomatologia é ausente, o diagnósti-
Os achados compatíveis com lesões displásicas são:
co é feito por meio do tripé citologia, colposcopia
epitélio acetobranco (é o primeiro a aparecer e o mais
e histologia.
persistente), vasos atípicos, pontilhado, mosaico,
leucoplasia (proliferação epitelial) e área iodonegati-
va (teste de Schiller positivo).
Colpocitologia

Diagnóstico de
neoplasia
intracervical
Histologia
Colposcopia Anatomopatológico A histologia é feita por análise de material de
biópsia colhido com pinça saca-bocado guiada pela
Figura 18.6 Diagnóstico das NIC: colpocitologia, col- colposcopia. Essa análise pode ou não confirmar os
poscopia e histologia. achados histológicos. Em relação às displasias, pode-
mos encontrar:
Em virtude da estreita relação existente entre
as neoplasias intraepiteliais da genitália inferior e a
infecção pelo papilomavírus humano, os testes de hi-
bridização molecular mostram a maior frequência de
HPV de alto risco oncogênico na gênese das lesões de
pior prognóstico.

Citologia
A citologia, no caso a citologia oncótica, é popu- Figura 18.7 Mucosa ectocervical normal. O epitélio
larmente chamada de Papanicolau (nome da coloração ectocervical é um epitélio escamoso, extratificado, não
usada no exame) ou exame preventivo. Baseia-se em queratinisado, que sofre maturação e resposta à estim-
coleta de material da ectocérvice com espátula de Ayre ulação estrogênica. As mitoses normalmente estão limi-
e da endocérvice com escova, colocação em lâmina e tadas às camadas mais profundas, ou seja, as camadas
análise microscópica das células obtidas. Os resulta- basal e parabasal.
dos seguem a classificação de Bethesda com base nos
indicativos das características citoplasmáticas e nucle-
ares das células analisadas.
Em termos de displasia, podemos encontrar:
€ NIC I (displasia leve): são exclusivamente al-
terações em células superficiais e intermediárias.
Os núcleos são únicos ou múltiplos, a cromatina
é finamente granular e, muitas vezes, se associa à
infecção pelo HPV. De acordo com a classifica-
ção Bethesda, a NIC I é considerada uma lesão
de baixo grau.
€ NIC II (displasia moderada): as alterações che-
gam até a camada parabasal, encontrando disca-
riose (perda da relação adequada núcleo/citoplas-
ma). De acordo com a classificação Bethesda, a
NIC II é considerada uma lesão de alto grau.
€ NIC III (grave + Ca in situ): as alterações ocu-
pam toda a extensão do epitélio, com células de
dimensões semelhantes às parabasais. Além dis- Figura 18.8 NIC I (displasia leve): epitélio de super-
so, há a característica de disposição celular em fície plana e espessura pouco aumentada e arquitetura
fileiras. De acordo com a classificação Bethesda, e polaridade semelhantes ao normal. Discreta discariose
a NIC III é considerada uma lesão de alto grau. nas camadas basais, com figuras de mitose frequentes.

SJT Residência Médica – 2016


156
Ginecologia

Prognóstico
Oliveira, em 1989, estudando a correlação col-
poscópica, citológica e histológica em patologia cervi-
cal, encontrou 72,2% de correlação na NIC I, 52,4% na
NIC II, 87,5% na NIC III e 10% no carcinoma in situ.
O conjunto de dados pessoais e de outros autores
vem evidenciando o valor relativo de cada um dos mé-
todos, sua sensibilidade e especificidade, revelando,
por outro lado, o grande aumento da acurácia diagnós-
tica por sua associação.
Mesmo com chances de regressão, as NICs II e III
são as que possuem maior risco de progressão. Um fator
a ser considerado é a ploidia celular: a DIPAloidia e a poli-
ploidia estão relacionadas a lesões benignas e regressivas
e a aneuploidia, às pré-neoplásicas e neoplásicas.
Fox relata a progressão da NIC III para carcinoma
invasor em 18% em um período de 10 anos e 36% em 20
anos. Dexeus refere o tempo de progressão de NIC I, II e
III para carcinoma in situ de 58, 38 e 12 meses, respecti-
vamente. Quando a NIC é associada ao HPV, a taxa de
Figura 18.9 NIC II (displasia moderada): além das regressão é mais baixa. Nem todas as NICs progridem
alterações já citadas, há maior densidade celular, es- e é provável que as que regridem tenham fatores etio-
lógicos pouco agressivos, como HPV 6 e 11.
pessura total do epitélio aumentada e estratificação
e polaridade inalteradas. Além disso, metade ou três Em geral, 57% das NICs I regridem, 32% per-
quartos das camadas profundas do epitélio apresentam sistem, 11% evoluem para NIC III e 1% evolui para
células indiferenciadas carcinoma invasor.

Tratamento

NIC I – Lesão intraepitelial de baixo


grau
Diante de um resultado citológico de lesão intrae-
pitelial de baixo grau, a conduta preconizada, a princí-
pio, é expectante, já que os estudos demonstram que,
na maioria das pacientes portadoras de lesão de baixo
grau, há regressão espontânea. O exame deve ser repe-
tido em 6 meses a fim de se confirmar sua regressão.
Se a citologia de repetição for negativa em dois
exames consecutivos, a paciente deve retornar à rotina
de rastreamento citológico. Se a citologia de repetição
for positiva, com qualquer atipia celular, a colposcopia
deve ser imediata. Se a colposcopia mostrar lesão, de-
ve-se realizar biópsia e uma recomendação específica
deve ser feita a partir do laudo histopatológico.
Se a colposcopia não mostrar lesão, a repetição
Figura 18.10 NIC III (grave + Ca in situ): o epitélio da citologia em seis meses se impõe. Duas citologias
está alterado em toda sua espessura, com mitoses típi- consecutivas negativas permitem reencaminhar a pa-
cas e atípicas e perda da polaridade. ciente para a rotina de rastreamento citológico.

SJT Residência Médica – 2016


157
18 Lesões precurssoras do câncer do colo do útero

Repetir citologia
em 6 meses

Negativa Positiva

Repetir citologia Colposcopia


em 6 meses

Negativa Positiva Sem lesão Com lesão

Rotina Repetir citologia Biopsia


em 6 meses

Rotina após 2 Recomendação


citologias conse- específica
cutivas negativas
Figura 18.11 Condutas recomendadas a pacientes com lesão intraepitelial de baixo grau.

Mesmo após a histologia positiva, pode-se man- distinta de acordo com seus achados. Essa ampliação
ter uma conduta expectante, realizando citologias on- da área de biópsia recebe o nome de conização e pode
cóticas de 3 em 3 meses no primeiro ano e de 6 em 6 ser feita com bisturi frio, por alta frequência (CAF) ou
meses no segundo ano, para, então, retornar à rotina. vaporização a laser de CO2.
Entretanto, esse tipo de conduta somente é per-
mitida quando a JEC é bem visível, as lesões são ex- Conização por alta frequência
clusivamente ectocervicais e não há discordância cito-
-histológica. Essa conduta é, ainda, contraindicada em Consiste na excisão do colo por meio de uma
lesões que recobrem mais de ¼ do colo pela colposco- alça, utilizada tanto para o diagnóstico como para
pia, quando há imunossupressão ou caso a lesão seja o tratamento das lesões pré-neoplásicas cervicais. A
recidivante ou persistente. Nesses casos, utiliza-se conização por alta frequência tem sido utilizada com
agentes químicos (podofilina 25% ou 5-fluorouracil) sucesso nos últimos 10 anos. Ela recebe várias deno-
ou físicos (cautério ou vaporização a laser). Lesões que minações (LLETZ, LEEP, radiocirurgia) e é conhecida
invadem o canal endocervical devem ser retiradas com em nosso meio como CAF (cirurgia de alta frequên-
cia). É um método ambulatorial, de fácil e rápida
conização ou vaporização a laser.
execução, que pode ser realizado com anestesia
local e que possibilita o estudo histopatológico da
peça operatória.

NIC II e III – Lesões intraepiteliais de


alto grau
Cerca de 70 a 75% das pacientes com laudo citológico
de lesão intraepitelial de alto grau apresentam confirma-
ção diagnóstica histopatológica, e 1 a 2% terão diagnóstico
histopatológico de carcinoma invasor. Assim, todas as pa-
cientes que apresentarem citologia sugestiva de lesão
de alto grau deverão ser encaminhadas imediatamente
para colposcopia como conduta inicial.
Quando a colposcopia for satisfatória (área alte-
rada visível para exérese), realiza-se biópsia da lesão,
confirmando ou não o diagnóstico.
Na confirmação da lesão de alto grau ou disso-
ciação cito-histológica, fica indicada a retirada de um
fragmento maior do colo uterino, que inclua a JEC,
para avaliar se não há áreas de CA invasor adjacente. Figura 18.12 Ilustra a realização da conização por alta
Essa etapa não deve ser abstraída, pois a conduta é frequência, procedimento passível de ser realizado am-

SJT Residência Médica – 2016


158
Ginecologia

bulatorialmente com anestesia local.


Conização com laser de CO2
As condições para a realização do CAF são:
€ Colposcopia satisfatória com lesão totalmente
Praticamente possui as mesmas indicações do
visualizada, não ultrapassando os limites do colo CAF, mas tem seu uso limitado pelo alto custo.
do útero;
€ Lesão concordante com a citopatologia sugestiva
de lesão intraepitelial de alto grau.
Essas condições podem ser consideradas como NIC e gestação
“ver e tratar e lesão”.
Pode ser usado quando há dissociação cito-his- A frequência de lesões intraepiteliais na gesta-
tológica ou suspeita de invasão do canal endocervical,
ção vem aumentando nos últimos anos e estatísticas
pois permite retirada de parte dele.
mostram que cerca de 5% das gestantes apresentam
O método fica impossibilitado em colos atróficos
alterações citológicas cervicais.
ou com distorções anatômicas.
Segundo consenso da Sociedade Brasileira de Pa-
tologia do Trato Genital Inferior e Colposcopia de São
Conização clássica com bisturi
Paulo (SPTGI) e da Sociedade Brasileira de Ginecolo-
A cirurgia deve ser feita em um centro cirúrgico gia e Obstetrícia do Estado de São Paulo (SOGESP),
e sob anestesia (geral ou de condução). Ela deve ser
de 2001, as condutas após citologias com displasias na
precedida de toque vaginal e exame especular e exe-
cutada sob visão colposcópica. Com o uso de bisturi, é gestação são:
feita uma incisão circular no ectocérvice, distante dos € Para lesão intraepitelial de baixo grau: controle
limites da zona de transformação. Essa incisão é apro- citológico e colposcópico trimestral durante a
fundada em direção ao canal de modo que o mínimo gestação e 3 meses após o parto.
de estroma cervical seja retirado.
€ Para lesão intraepitelial de alto grau: observação
A espessura de estroma envolvido deve ser, no
entanto, de 6 a 8 mm, para permitir uma avaliação trimestral com citologia, colposcopia e biópsia
correta da invasão. dirigida. Havendo invasão estromal, procede-se
Essa técnica é escolhida em casos de microinvasão com conização no primeiro trimestre, aguarda-
estromal em gestantes, adenocarcinoma in situ, colos atró- -se a maturidade se estiver no terceiro trimestre
ficos ou com distorções anatômicas e de margens compro- e individualiza-se no segundo trimestre, com
metidas por lesão de alto grau (ou maior) em CAF. tendência à expectação.

Assuma consigo mesmo o compromisso de descobrir um procedimento significativo e eficaz que você possa
executar para favorecer e apoiar a recuperação e a transformação do mundo.
Olhe a seu redor para ver alguns dos problemas próximos a você ou mais distantes na sua comunidade.
Shakti Gawain

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

19
Câncer do colo uterino

Introdução Estimativa INCA 2016(cont.)


Estômago 7.600 3,7%
O carcinoma do colo uterino representa um Corpo do útero 6.950 3,4%
grande problema de saúde pública mundial, com in-
cidência anual de 471 mil casos e 233 mil mortes. A Ovário 6.150 3,0%
maioria dos casos está presente nos países em desen- Linfoma não-Hodgkin 5.030 2,4%
volvimento em razão da precariedade dos programas
Leucemias 4.530 2,2%
de rastreamento.
Sistema Nervosos Central 4.830 2,3%
No Brasil, estima-se que o câncer de colo do
útero seja a terceira neoplasia maligna mais co- Cavidade Oral 4.350 2,1%
mum entre as mulheres, superado apenas pelo
Pele Melanoma 2.670 1,3%
câncer de pele (não melanoma) e pelo câncer de
mama, e representa a quarta causa de morte por Esôfago 2.860 1,4%
câncer em mulheres. Bexiga 2.470 1,2%
Linfoma de Hodgkin 1.010 0,5%
Estimativa INCA 2016
Laringe 990 0,5%
Localização primária Casos novos %
Todas as Neoplasias sem pele* 205.960
Mama feminina 57.960 28,1%
Todas as Neoplasias 300.870
Cólon e Reto 17.620 8,6%
Tabela 19.1 (*) Todas as neoplasias exceto pele não
Colo do útero 16.340 7,9% melanoma. Fonte: MS/INCA/Estimativa de Câncer no
Traqueia, Brônquio e Pulmão 10.890 5,3% Brasil, 2016.
MS/INCA/Coordenação de Prevenção e Vigilância/Di-
Glândula Tireoide 5.870 2,9%
visão de Vigilância.
160
Ginecologia

Sem considerar os tumores de pele não mela- O tabagismo também está associado com o
noma, o câncer do colo do útero é o mais inciden- câncer de colo uterino, por reduzir a resposta imune
te na região Norte (22/100.000). Nas regiões Sul do colo, por efeitos relacionados ao metabolismo dos
(24/100.000), Centro-Oeste (19/100.000) e Nordes- hormônios sexuais femininos e por dano genético dos
te (18/100.000) ocupa a segunda posição mais fre- carcinógenos do tabaco.
quente e, no Sudeste (18/100.000), a quarta posição. Um estudo chileno mostrou que uma dieta rica
Apesar dos avanços tecnológicos da medicina, o em frutas e vegetais reduz em 40% a chance de cân-
exame preventivo continua sendo a forma mais eficaz cer de colo uterino. Foram publicados estudos que de-
de controle da doença. Após a introdução desse exame monstram um possível efeito protetor de uma dieta
e dada sua abrangência local, os EUA reduziram em rica em frutas, vegetais, vitaminas C e E, alfa e betaca-
70% a mortalidade por câncer de colo uterino. rotenos, licopeno, luteína/zeaxantina e criptoxantina,
apesar de que, quando fazemos essa avaliação levando
em consideração o estado de infecção por HPV, o bene-
fício não seja totalmente evidente.
Classi昀椀cação histológica O Centers of Disease Control (CDC) determi-
nou, em 1993, o câncer de colo uterino como doen-
Histologicamente, de 90 a 95% das neoplasias ça definidora de Aids em mulheres HIV positivo. A
cervicais invasivas que se originam do colo uterino são coinfecção HIV-HPV é esperada pelo perfil de risco se-
carcinomas de células escamosas (CCE), ou seja, originá- melhante e o HIV diminui a imunidade do organismo,
rios da ectocérvice; e 10 a 15% são adenocarcinomas, facilitando a ação do papilomavírus.
derivados do endocérvice. Os carcinomas adenoescamo- Diversos estudos têm demonstrado a associa-
so e de células pequenas são relativamente raros. ção entre a infecção por Clamydia trachomatis e cân-
cer de colo do útero. Há, ainda, relatos de outras
doenças sexualmente transmissíveis associadas à
Tipo histológico Grau de diferenciação neoplasia. Possivelmente, as alterações na resposta
Carcinoma 90% € Cerca de 20% – bem do hospedeiro frente a uma infecção concomitante
epidermoide diferenciado HPV-clamídia reduzam a capacidade da mulher de
€ Adenocarci- 10 a € Cerca de 60% – modera- combater o HPV.
noma 15% damente diferenciado
A multiparidade é outro fator de risco clássi-
Carcinoma 2 a 3% € Cerca de 20% – indiferen-
adenoescamoso ciado co de câncer de colo do útero. Uma explicação seria a
€ Sarcoma 3%
manutenção da zona de transformação na exocérvice
por muitos anos, o que facilitaria a exposição ao HPV.
Tabela 19.2
O uso de anticoncepcional combinado oral é
identificado em mulheres com câncer de colo do úte-
ro por seu uso estar associado a um comportamento
sexual mais regular, a uma rotina mais frequente de
Fatores de risco realização de exame de Papanicolau e a relações sexu-
ais sem o uso de métodos de barreira, levando a uma
O fator de risco mais importante para o desen-
maior exposição ao HPV e a uma maior frequência de
volvimento do câncer de colo do útero é a infecção
rastreamento, o que explica as maiores taxas de inci-
pelo HPV. A prevalência de infecção latente pelo HPV va-
dência em usuárias de ACO.
ria de 5 a 44% da população sexualmente ativa em todo
o mundo, contudo, na maior parte das vezes, a infecção é Há evidência de associação familiar no câncer
transitória ou intermitente, e os estudos mostram que o de colo do útero. Estudos americanos e italianos verifi-
risco de câncer é maior para mulheres com infecção per- caram um risco 2 a 3 vezes maior dessa doença em
sistente. O risco relativo entre HPV e câncer de colo do mulheres com antecedente familiar de CA de colo.
útero varia entre 20 e 70, risco maior que a clássica Apesar disso, a única alteração genética relacionada
associação câncer de pulmão e tabagismo. Aproxima- com câncer cervical foi a deficiência de alfa-1-anti-
damente 90 a 95% dos casos de câncer de colo estão com- tripsina, mais comum em negros.
provadamente associados a algum tipo de HPV. O baixo nível socioeconômico também está as-
Os demais fatores de risco diferem entre o ade- sociado à neoplasia de colo uterino pelo menor aces-
nocarcinoma e o escamoso. Aquele apresenta perfil so aos serviços de saúde e à realização de Papanicolau.
epidemiológico semelhante ao câncer de endométrio, A maior chance de exposição ao vírus HPV
sendo mais comum em obesas, hipertensas e diabé- também entra no rol de fatores de risco, o que
ticas. Os fatores de risco para o tipo escamoso estão inclui início precoce de atividade sexual e múlti-
descritos a seguir. plos parceiros.

SJT Residência Médica – 2016


161
19 Câncer do colo uterino

Resumindo, os fatores de risco para CEC de


colo são: Etiopatogenia
€ Infecção por HPV (particularmente os tipos 16
As etapas conhecidas do processo de carcinogê-
e 18).
nese incluem a infecção por HPV, o desenvolvimento
€ Início precoce da atividade sexual – devem ser das lesões pré-invasoras de baixo grau (LSIL), segui-
desestimuladas as relações sexuais até dois anos das das de alto grau (HSIL), que, se não reconhecidas
após a menarca. e tratadas, progredirão para câncer in situ e, então,
€ Múltiplos parceiros sexuais. para o carcinoma invasor do colo uterino. Nota-se
€ Baixa condição socioeconômica. que há um processo sequencial, que deve ser comba-
tido em suas etapas iniciais para evitar a progressão.
€ Multiparidade.
Essa evolução depende do potencial oncogênico do
€ Má higiene genital. vírus, ou seja, da capacidade de seu DNA se incorpo-
€ Fatores genéticos: Deficiência de alfa-1-anti- rar ao das células epiteliais do colo, barrando os siste-
tripsina. mas supressores de tumor e, também, da imunidade
€ Tabagismo (4-13 vezes maior risco relativo). do hospedeiro.
€ Exposição à radiação ionizante. Cerca de 1/3 a 2/3 das pacientes com lesões
de alto grau evoluirão para o câncer de colo se
€ Baixa imunidade (HIV).
não forem tratadas. A idade média das pacientes
€ Idade: torna-se evidente na faixa etária de 20 a com carcinoma invasor é de 50 anos, enquanto a
29 anos e o risco aumenta rapidamente até atin- média de idade do LSIL é de 28 anos, o que mostra
gir seu pico, em geral entre 45 e 49 anos de idade. uma longa fase pré-invasora. Acredita-se que haja
uma média de 15,6 anos entre a lesão inicial e a cli-
nicamente diagnosticável.
A zona de transformação, que corresponde à
área delimitada pela junção escamocolunar e pelo úl-
timo componente endocervical localizado na ectocér-
vice, é o local de origem de praticamente todas as
lesões precursoras e neoplasias invasoras do colo.
Isso porque é uma área de constante multiplicação ce-
lular, o que favorece a entrada e ação do HPV. Quando
há exposição da endocérvice em ectopias, a ectocér-
vice prolifera para recobri-la a partir dessa zona de
transformação, em uma tentativa protetora do epi-
télio endocervical glandular frágil contra o ambiente
vaginal. É isso o que traz suscetibilidade à ação viral.
Quando as células neoplásicas penetram na
membrana basal subjacente ao epitélio e infiltram
o estroma, a lesão é considerada invasora, com
maior potencial de crescimento e ocorrência de
metástases, podendo disseminar por invasão local
Figura 19.1 Epidemiologia da portadora de carcino-
direta via linfática ou hematogênica.
ma cervical.
A disseminação tumoral é geralmente con-
sequência da extensão e da infiltração da lesão.
Alterações genéticas no câncer de colo uterino O tumor pode invadir tecidos vizinhos, especial-
Alterações Mecanismo Função mente a porção superior da vagina e o paramétrio,
genéticas e também se estender à parede da pelve. A disse-
Sobre-expressão Integração ao ge- Desregulação do ci- minação linfática usual é previsível e se processa
das oncoprote- noma do hospe- clo celular; inibição de forma ordenada. As células malignas dissemi-
ínas E6 e E7 do deiro da apoptose nam-se através dos linfáticos paracervicais para
HPV as cadeias de linfonodos pélvicos, junto ao obtu-
Aberrações Ganhos e perdas Perda ou ganho rador, e para os vasos ilíacos internos e externos,
cromossômicas regionais e aneu- da função do gene seguindo, então, para a cadeia da ilíaca comum e
ploidia total aos linfonodos paraórticos. A via hematogênica é
Modificação Metilação Perda da função pouco comum, pois caracteriza doença avançada e
epigenética aberrante do gene propicia o aparecimento de metástases aà distância
Tabela 19.3 (ósseas, hepáticas e pulmonares).

SJT Residência Médica – 2016


162
Ginecologia

Diagnóstico
Como a sintomatologia é frustrante na maio-
ria das vezes, o diagnóstico é realizado por exames
complementares.
A propedêutica complementar abrange a cito-
logia, a colposcopia e o estudo anatomopatológico.
Quando usados em associação, a acurácia fica pró-
xima de 100%. Entretanto, o emprego isolado desses
exames implica uma margem de erro ao redor de 10 a
15%. Em nosso país, a citologia cervicovaginal é em-
pregada como exame de rastreamento populacional,
enquanto os demais exames são usados na investiga-
ção de quaisquer situações anormais de rastreamento.
A colposcopia permite a visualização da área possivel-
mente alterada por ampliação de sua imagem, servin-
do de guia para biópsia, cuja análise histopatológica
permite o diagnóstico definitivo.
Por vezes, faz-se necessária na investigação
diagnóstica a realização de conização para ampliar a
Figura 19.2 Ilustração da drenagem linfática do colo
análise histológica, visando a melhor terapêutica. Isso
uterino. Os linfonodos parametriais são removidos
ocorre especialmente nos casos de microinvasão (está-
como parte da histerectomia radical. A dissecção de lin-
dio I), quando a investigação tem o intuito de avaliar
fonodos nos casos de câncer do colo uterino inclui a re-
se não há áreas com invasões maiores, o que modifica-
moção dos linfonodos pélvicos (de artéria e veia ilíacas
ria o tratamento.
externas, artéria ilíaca interna e artéria ilíaca comum)
com ou sem dissecção dos linfonodos para-aórticos ao
nível da artéria mesentérica inferior.
Outros exames
€ Radiografia do tórax (avaliar metástases pulmo-
nares).
Apresentação clínica € Urografia excretora (infiltração uretral com hi-
dronefrose – Estádio IIIB).
A grande maioria dos casos é assintomática, ra- € Ultrassonografia abdominal e pélvica (avaliação
ramente há sintomas em fases iniciais e, quando ocor- de metástases).
rem, são sangramentos leves pós-coito. Os sintomas € Avaliação da função renal.
mais exuberantes são reservados aos casos avan-
€ Tomografia computadorizada.
çados. Podemos dizer que o câncer de colo tem cresci-
mento lento e silencioso. € Ressonância nuclear magnética.

O sintoma mais frequente é uma secreção € Cistoscopia e retossigmoidoscopia (avaliar inva-


são da mucosa da bexiga ou do reto).
sanguinolenta, apresentando-se como sangramento
pós-coito (sinusorragia), sangramento instrumental Os exames complementares (urografia excreto-
ou hemorragia espontânea. Esses sintomas só estão ra, retossigmoidoscopia, cistoscopia e clister opaco)
presentes após o crescimento do tumor e a consequen- só deverão ser feitos quando houver sinais e sintomas
te irrigação local insuficiente com necrose e infecção. compatíveis com um envolvimento adjacente.
Acompanha corrimento fétido, aquoso e róseo, dito Entre os exames de imagem a RM é o mais
em “água de carne”. utilizado por sua maior sensibilidade. Sua melhor
Com o avançar da doença, há invasão ou com- acurácia se evidencia na detecção da extensão tumo-
ral, avaliação de paramétrios e envolvimento linfono-
pressão de estruturas adjacentes, provocando outros
dal, que é o mais importante fator de baixo prognós-
sintomas, como disúria, polaciúria, incontinência uri-
tico, embora nenhum dos achados deste método de
nária, enterorragia, tenesmo, dor lombar e edema de
imagem tenha o poder de mudar o estadiamento clíni-
membros inferiores.
co inicial. Ademais, a TC e a RM apresentam baixa
O exame especular pode evidenciar, também em sensibilidade para detectar linfonodos para-aór-
casos avançados, um tumor que sangra facilmente. ticos comprometidos, quando menores que 1 cm.

SJT Residência Médica – 2016


163
19 Câncer do colo uterino

A FDG-PET é superior à TC e a RM para detec-


ção de metástase em linfonodos e é útil para avaliação
primária de linfonodos na doença localmente avança-
da, contudo é insensível a metástases linfáticas
menores que 5 mm.

Figura 19.5 RM: Imagem ponderada em T2 no plano


do eixo longo do útero mostra volumosa lesão infiltra-
tiva uterina apresentando leve hipersinal, porém com
anatomia zonal uterina preservada (seta).

Figura 19.6 Radiografia de tórax em PA: múltiplos


nódulos bilaterais em bala de canhão.

Figura 19.3 RM. A: Sagital T2 TSE, tumor hipertenso


no colo uterino. Parte do estroma cervical (hipointenso)
encontra-se intacto. O canal vaginal está preservado
(estádio Ib). B: Sagital T2 TSE, tumor levemente hiperin-
tenso na porção posterior do colo uterino, com exten-
são ao terço superior da vagina (estádio IIa).
Figura 19.7 RM: Axial T2 com supressão de gordura.
Linfonodos aumentados e hiperintensos nesta sequên-
cia (setas).

Estadiamento
O estadiamento do câncer de colo do útero é ba-
seado no exame clínico da paciente. A pelve é avaliada
pelo toque vaginal, retal e retovaginal. O toque vaginal
permite verificar o tamanho e a extensão do tumor no
colo e na vagina, caso esta esteja acometida. O toque
retal avalia, principalmente, se há acometimento de
paramétrios e a extensão deste. Ele permite, ainda ob-
Figura 19.4 RM: Imagem ponderada em T1 no plano servar, as características do esfincter anal e da mucosa
do eixo curto do útero demonstra lesão de aspecto in- retal, avaliando sua integridade, elasticidade, presen-
filtrativo com isossinal na topografia do colo uterino, ça de fístulas ou massas retais. Pode-se, ainda, deter-
apresentando extensão à gordura adjacente (setas). minar os linfonodos da cadeia obturatória.

SJT Residência Médica – 2016


164
Ginecologia

Por ser uma doença tratada na maior parte das ve- € Margens cirúrgicas acometidas pós-tratamento.
zes por radioterapia, quimioterapia e braquiterapia, o € Propagação linfonodal: é o fator mais importan-
sistema de estadiamento da FIGO para o câncer de colo te no prognóstico. Pacientes tratadas com
uterino é baseado em dados clínicos. Assim, a avaliação histerectomia e linfadenectomia, sem evi-
deve ser realizada por um examinador experiente. dências de envolvimento ganglionar, apre-
sentaram sobrevida de 90%. Naquelas em
que se evidenciou tal comprometimento, a
Sistema FIGO de estadiamento do tumor de colo sobrevida foi de 65%. A localização dos linfo-
uterino nodos, seu número e seu tamanho também estão
Estágio I Tumor confinado à cérvice (extensão para relacionados ao prognóstico.
o corpo uterino deve ser ignorada) € Volume tumoral: associa-se ao grau de invasão
IA Carcinoma invasivo microscópico com inva- linfonodal.
são em profundidade ≤ 5 mm e em extensão
€ Diâmetro do tumor versus acometimento
≤ 7 mm
linfonodal:
IA1 Invasão estromal ≤ 3 mm em prfundida-
de com extesnão ≤ 7 mm € 1 cm: 18% de acometimento linfonodal (sobrevi-
IA2 Invasão estromal de 3 a 5 mm em profun- da de 85% em cinco anos).
didade e extensão até 7 mm € 2-3 cm: 22% de acometimento linfonodal (so-
IB Tumor clinicamente visível, limitado brevida de 85% em cinco anos).
à cérvice uterina ou tumor pré-clínico € 4-5 cm: 35% de acometimento linfonodal.
maior que o estágio IA
IB1 Tumor ≤ 4 cm
€ Estadiamento: a sobrevida em 5 anos para está-
dios iniciais ultrapassa 90% e fica em torno de
IB2 Tumor > 4 cm
60% para o estádio IIB. A sobrevida também se
Estágio II Carcinoma invade além do útero, porém relaciona ao grau de acometimento linfonodal.
sem comprometer parede pélvica ou terço
infeior da vagina
Sobrevida em cinco anos
IIA Sem invasão parametrial
Estádio Cirurgia (%) RxT (%)
IIA1 Tumor ≤ 4 cm
I 86,3 87 a 91
IIA2 Tumor > 4 cm
IIA 75,0 73 a 83
IIB Com invasão parametrial
IIB 58,9 66 a 68
Estágio Carcinoma invade parede pélvica ou envolve
III terço inferior da vagina ou causa hidronefrose Tabela 19.5
ou disfunção renal
IIIA Tumor invade terço inferior da vagina No estádio I: 15 a 20% de linfonodos acometidos:
sem extensão para parede pélvica € IA1: 0-1% de linfonodos positivos.
IIIB Tumor invade parede pélvica e/ou hidro-
nefrose ou disfunção renal € IA2: 3-6% de linfonodos positivos.
Estágio Carcinoma invade além da pelve ou en- € IB1: 15-20% de linfonodos positivos.
IV volve a mucosa da bexiga ou reto (com- € IB2: 25-30% de linfonodos positivos.
provado por biópsia)
IVA Compromete os órgãos adjacentes No estádio II: 25-40% de linfonodos acometidos.
IVB Compromete órgãos a distância No estádio III: 50% de linfonodos acometidos.
Tabela 19.4

Prognóstico
Diversos são os fatores prognósticos para o cân-
cer de colo uterino, sendo os mais importantes:
€ Tipo histológico: o carcinoma espinocelular tem
melhor prognóstico que o adenocarcinoma.
€ Grau de diferenciação: como nas demais neoplasias,
quanto mais indiferenciado o tumor, pior a evolução.
€ Propagação endometrial.
€ Presença de HPV de alto risco: as formas de
câncer associadas ao HPV de alto risco são mais
agressivas. Figura 19.8 Carcinoma cervical.

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165
19 Câncer do colo uterino

se II) com linfadenectomia pélvica (risco ao redor de


Tratamento 3,8 a 7% de metástase) segmentar.

A conduta terapêutica adequada para a pacien- Eventualmente, se a peça da histerectomia


te com lesão neoplásica maligna do colo do útero apresentar bordas comprometidas ou, ainda, se
baseia-se no diagnóstico, estadiamento e conheci- houver linfonodos positivos, complementa-se com
mento da história natural da doença e de seus fato- radioterapia.
res prognósticos.
O tratamento envolve cirurgia, radioterapia e/
ou quimioterapia, isolados ou associados. Estádios IIA e IB
A cirurgia, além da capacidade de extirpar o Nesses estádios, o tratamento cirúrgico de cân-
tumor, leva à cura nos casos de tumores restritos cer do colo do útero é realizado pela cirurgia de Wer-
ao colo. Ela pode ser empregada em várias técnicas, theim-Meigs (histerectomia classe III).
dependendo do estádio e da localização do tumor.
Pela manipulação de ureteres e bexiga, com risco
A radioterapia é realizada por teleterapia (ra- de lesão desses órgãos e suas inervações, no pós-ope-
dioterapia externa) e braquiterapia (radiação local ratório, recomenda-se manter a drenagem vesical
por introdução vaginal de sondas) sempre que pos- contínua por aproximadamente 10 a 14 dias, re-
sível. Esta é mais eficiente, mas a primeira permite duzindo-se a incidência de fístulas e complicações
atingir áreas distantes do colo, como paramétrios funcionais da bexiga.
distais e outros órgãos. Os estádios I a IIA, associados a prolapso genital, po-
dem ser tratados por histerectomia vaginal ampliada (ci-
rurgia de Schauta-Amreich), seguida de linfonodecto-
mia pélvica em um segundo tempo (operação de Mitra),
Classi昀椀cação de Rutledge quando indicada. Esta pode ser realizada por laparoscopia.
1- Histerectomia classe I: remoção de todo O que define a indicação de radioterapia pós-
tecido cervical sem exérese dos paramétrios, ute- -operatória é o acometimento linfonodal. Como ele é
rossacros ou vagina; é a histerectomia extrafascial. frequente nos estádios IB e IIA, a radioterapia é rotina
2- Histerectomia classe II: remoção de parte nesses casos.
dos paramétrios e uterossacros, terço superior da
vagina, linfadenectomia pélvica sistemática e linfa-
denectomia paraórtica seletiva.
Estádios IIB e III
3- Histerectomia classe III: remoção de todo
paramétrio e uterossacro, terço superior da vagina, Nesses estádios, o risco cirúrgico associado a
assim como linfadenectomia pélvica sistemática (ilía- dificuldades técnicas impedem esse tipo de trata-
cos externos, internos, comuns e obturadores) e para- mento, que, portanto, deve ser baseado na radiote-
-aórticos seletivos (cirurgia de Wertheim-Meigs). rapia, geralmente associada à quimioterapia.
No estádio IIB, deve-se efetuar a braquitera-
pia e a irradiação externa da pelve. Recomenda-se,
no estádio III, a radioterapia (tele e braquiterapias)
Estádio IA complementada por irradiação parametrial.
As pacientes com invasão estromal precoce A quimioterapia sensibilizante (quimioirradia-
praticamente não apresentam risco de invasão vas- ção) leva a um aumento na sobrevida global, sendo as
cular. Consequentemente, o tratamento é feito pela drogas mais utilizadas a cisplatina e o 5-fluorouracil.
conização cirúrgica clássica ou histerectomia total
abdominal (histerectomia classe I).
Assim, as pacientes com foco de microinvasão
único e permeação linfática ou venosa ausente são Estádio IV
candidatas à conização com base ampla. Todavia, O tratamento é feito com altas doses de irra-
esse mesmo quadro histopatológico em pacientes diação de toda a pelve, braquiterapia e, se possível,
com prole completa, mais idade, outra afecção uteri- complementação de dose nos paramétrios.
na ou anexial e impossibilidade de controle periódico Outra opção terapêutica, realizada excepcio-
são candidatas à histerectomia total abdominal. nalmente, é a exenteração pélvica. Para que seja
As doentes no estádio IA2 são tratadas pela factível, é preciso que o tumor não invada paredes
histerectomia total abdominal (histerectomia clas- pélvicas ou paramétrio (tumor central) e não haja

SJT Residência Médica – 2016


166
Ginecologia

acometimento de linfonodos ou de qualquer órgão Estádio Tratamento


fora da pelve. Justamente pela raridade de tumores
IIB/ € Quimioirradiação
em estádio IV sem acometimento de paramétrios e IIIA/IIIB
linfonodos, essa conduta é excepcional. IVA € Quimioirradiação
Na exenteração pélvica anterior, efetua-se a € Exenteração pélvica
histerectomia total abdominal, a anexectomia bi- IVB € Quimioterapia paliativa
lateral, a hemicolpectomia, a parametrectomia, a € Quimioirradiação
linfadenectomia pélvica e a retirada da bexiga. Na
Tabela 19.6 Tratamento de pacientes com carcinoma
exenteração pélvica posterior, amputa-se o reto.
invasor do colo uterino.
Essa opção terapêutica apresenta, pois, elevada
morbidade e mortalidade pós-operatória. A quimio-
terapia também é indicada.
No estádio IVB, a radioterapia pélvica é indica-
Câncer recidivado
da como paliativa e a quimioterapia, para controle das A recidiva do câncer de colo do útero consiste no
metástases à distância. reaparecimento de tumor pélvico após a remoção ci-
rúrgica ou radioterápica completa da lesão inicial. As
recidivas mais frequentes são diagnosticadas após
três meses e antes de dois anos do tratamento ini-
Quimioterapia cial. O locais mais comuns de recidiva após a cirur-
A quimioterapia para câncer de colo é indicada gia são a porção superior da cúpula vaginal e, após
nas seguintes situações: a radioterapia, o paramétrio e a vagina.
€ De forma sensibilizante para tumores em está- A taxa de sobrevida após o diagnóstico de re-
dios a partir de IIB. cidiva é de cerca de 15% em 1 ano e menor que 5%
em 5 anos.
€ Acometimento de linfonodos para-aórticos (de-
vem sempre ser avaliados em linfonodectomias A presença da tríade perda de peso, dor pél-
pélvicas). vica e edema unilateral dos membros inferiores é
muito sugestiva de doença em atividade.
€ Câncer recidivado.
Recidivas após condutas cirúrgicas exclusivas
prévias são tratadas com radioterapia (tele e braquite-
Estádio Tratamento rapia), e, em recidivas após o tratamento com irradia-
IA1 Sem invasão do espaço linfovascular ção, a conduta dependerá da localização do tumor. Se
€ Desejo de preservar a fertilidade: este for central (sem acometer paramétrios ou parede
conização cervical pélvica), pode ser feita uma exenteração ou até mesmo
€ Caso contrário: histerectomia extra uma histerectomia simples (conduta que não é possí-
fascial (abdominal ou vaginal) vel quando há invasão de outras estruturas pélvicas).
€ Com invasão do espaço linfovascular Como dito anteriormente, a quimioterapia geralmente
€ Histerectomia com ou sem linfade-
complementa o tratamento nesses casos recidivantes.
nectomia pélvica Para as pacientes com recidiva que atinge a
IA2 € Histerectomia radical com linfade- parede pélvica (pelve congelada), indica-se a deri-
nectomia pélvica vação urinária, pois, como regra, os ureteres estão
€ Radioterapia obstruídos, ainda que parcialmente. As derivações
IB1 € Histerectomia radical + LN pélvica podem ser para o intestino grosso (sigmoide) ou para
+ quimioirradiação (casos de pior a alça ileal (operação de Bricker).
prognóstico)
€ Radioterapia
IB2 € Histerectomia radical + LN pélvica
Complicações pós-cirurgia
+ quimioirradiação (casos de pior
prognóstico) € Disfunção vesical.
€ Quimioirradiação + histerectomia € ITU.
extrafascial adjuvante € Infecção pélvica.
IIA € Histerectomia radical + LN pélvica
€ Fístula vesicovaginal e ureterovaginal.
+ quimioirradiação (casos de pior
prognóstico) € Embolia pulmonar (manipulação pélvica).
€ Quimioirradiação + histerectomia € Linfocele.
extrafascial € Aderências.

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167
19 Câncer do colo uterino

a) Estádios IA1 e IA2: o American College of Obs-


Seguimento
tetrics and Gynecologis preconiza a conduta expectan-
A paciente deve ser examinada periodicamen- te, limitando-se à conização feita para o diagnóstico.
te em ambulatório, em avaliação clínica, citológica e
b) Estádios IB e IIA: quando há menos de 20
colposcópica de 3 em 3 meses por um ano, seguida de semanas, desde que autorizado pela mãe, procede-se
avaliação semestral por 5 anos. a cirurgia de Wertheim-Meigs imediata, com útero
cheio. Caso contrário, é possível aguardar-se a maturi-
dade fetal para resolução e posterior tratamento.
c) Estádio IIB e III: caso a gestação apresente me-
Câncer de colo e nos de 20 semanas, realiza-se a radioterapia com sacri-
fício do concepto. Quando a gestação apresenta menos
gravidez de 10 semanas, não há necessidade de se eliminar antes
o produto conceptual, caso contrário, isso deve ser feito
A gravidez e o pré-natal oferecem excelente opor- sob pena de retenção do feto na cavidade uterina dada
tunidade para o rastreamento do câncer de colo, já que a fibrose ocasionada pela radioterapia. Nas gestações de
muitas mulheres não se submetem a um acompanha- mais de 20 semanas, aguarda-se a maturidade do feto
mento ginecológico periódico adequado. No que se para resolução e posterior tratamento.
refere à via de parto, um estudo mostrou maior sobre- d) Estádio IV: adota-se uma conduta expectante in-
vida daquelas pacientes com carcinoma de colo sub- dependentemente da idade gestacional, realiza-se o parto
metidas à cesariana em comparação àquelas submeti- na maturidade fetal e segue-se com tratamento posterior.
das ao parto normal. O parto normal apresenta riscos
como disseminação tumoral, maior risco de laceração Sobrevida em cinco anos
do colo e hemorragia e também de implantação tumo-
IB 80%
ral no local da episiotomia. A incisão uterina deve ser IIA 70%
preferencialmente corporal longitudinal, afastando-se IIB 49%
da área próxima ao tumor. IIIA 40%
A orientação terapêutica específica nessa situa- IIIB 30%
ção vai depender da idade gestacional, do estadiamen- IVB 2-3 meses
to e do desejo materno, podendo-se adotar uma das Tabela 19.7 Sobrevida em 5 anos de pacientes com
condutas a seguir: carcinoma de colo de acordo com o estádio.

Figura 19.9 Ilustrações do estadiamento FIGO para câncer do colo do útero (veja a Tabela 19.4) para correlação.

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CAPÍTULO

20
Neoplasias malignas
do corpo uterino

Introdução Etiopatogenia
A maioria dos cânceres do corpo uterino (97%) São identificados dois tipos de câncer endométrio,
é de origem endometrial, os restantes são repre- o de baixo grau (tipo I) e o de alto grau (tipo II),
sentados pelos sarcomas. O câncer do endométrio que apresentam características epidemiológicas e evo-
ocorre em mulheres na peri ou pós-menopausa e lutivas distintas.
sua agressividade é proporcional à idade de apa- O tipo II ocorre em mulheres mais velhas, na
recimento. Na maioria dos casos, pode ser estabele- pós-menopausa tardia, desenvolvendo-se em en-
cida uma relação com a exposição prolongada a es- dométrios atróficos sem correlação com um estí-
trogênios, endógenos ou exógenos, sem a devida mulo estrogênico. Ele é predominantemente do tipo
oposição progestogênica. seroso-papilar e de células claras, possuindo menor
grau de diferenciação, maior profundidade de inva-
Em decorrência de sua importância clínica e epi-
são miometrial, metástases linfáticas mais precoces e,
demiológica, dar-se-á maior ênfase às neoplasias en-
portanto, pior prognóstico.
dometriais e seus diversos aspectos.
O tipo I, mais comum, ocorre preferencial-
No Brasil, são esperados anualmente 5.685 casos mente em mulheres mais jovens, na perimeno-
novos de adenocarcinoma de endométrio, com uma pausa, e relaciona-se com a exposição prolongada
taxa de 7,6 casos por 100 mil mulheres, variando de a estrogênios, o que pode ser notado na avaliação
2/100 mil na região Norte a 9,9/100 mil na região Su- dos fatores de risco e que sabemos decorrer do es-
deste. Em mulheres norteamericanas, o adenocarcino- tímulo proliferativo dos estrógenos sobre o endo-
ma de endométrio é hoje o tumor ginecológico mais métrio. Esse tipo geralmente é endometrioide, possui
incidente, com um número crescente de casos novos a maior grau de diferenciação (G) e idade mais precoce
cada ano. Estima-se que 2 a 3% das mulheres desen- ao diagnóstico, evoluindo com melhor prognóstico.
volverão câncer do corpo uterino durante sua vida. Diferentemente dos carcinomas do tipo II, os de
Os casos dessa doença representam cerca de 11% das baixo grau costumam vir precedidos de hiperplasias
neoplasias malignas do aparelho genital. endometrais, consideradas lesões precursoras. As hi-
169
20 Neoplasias malignas do corpo uterino

perplasias correspondem à proliferação anormal de Adenocarcinoma mucinoso


tecido glandular, com arquitetura disforme, ocupando
Representa cerca de 5% dos cânceres do endo-
o lugar do tecido estromal. Podem ser com ou sem ati-
métrio, possui padrão mucinoso e comportamento
pias e ambas podem ser simples ou complexas.
semelhante ao do adenocarcinoma endometrioide, na
maioria dos casos com bom prognóstico.
Câncer de endométrio Os tumores mucinosos normalmente apresentam
Característica Tipo I Tipo II padrão glandular com células colunares uniformes e es-
tratificação mínima. Praticamente todas são lesões em
Aspectos genéticos DIPAloide, Aneuploide,
estádio I, de grau 1 e bom prognóstico. Como o epitélio
mutação k-Ras mutação TP53,
endocervical funde-se com o segmento uterino inferior,
MHL1, PTEN ERBB2 (HER2) o principal dilema diagnóstico é diferenciar esse tumor
Obesidade Presente Ausente do adenocarcinoma primário do colo uterino.
Exposição a Presente Ausente
estrogênios
Tipo histológico Endometrioide Seroso-papilar, Carcinoma seroso papilar
células claras
São tumores com comportamento semelhante
Grau do tumor G1 G2, G3 ao do carcinoma seroso do ovário e das tubas e são
Invasão miometrial Menor Maior considerados de alto grau, com tendência à dissemi-
Prognóstico inicial Bom Reservado nação peritoneal. Esses tumores representam cerca
de 3 a 4% dos cânceres do endométrio e estão mais
Tabela 20.1 Características associadas aos dois tipos
comumente associados ao tipo II dessa doença.
de câncer do endométrio.
São tumores de maior incidência em mulheres
idosas e apresentam comportamento muito agressi-
O risco maior de desenvolvimento de car- vo, frequentemente de padrão misto e com alto grau
cinoma está nas hiperplasias atípicas e comple- de invasão miometrial no momento do diagnóstico.
xas. Estudos mostram que a chance de maligniza-
ção é de 1% nas hiperplasias típicas simples, de 3%
nas típicas complexas, de 8% nas atípicas simples
e de 29% nas atípicas complexas. Por isso, é im- Carcinoma escamoso
portante para o patologista distinguir os padrões São tumores raros, caracterizados por apresen-
hiperplásicos que são de alto risco dos que carre- tar epitélio escamoso e frequentemente associados à
gam baixo risco. estenose cervical e ao piométrio.

Carcinoma misto
Patologia O câncer de endométrio pode se apresentar com
combinações de dois ou mais tipos puros. Para ser
classificado como carcinoma misto, cada compo-
Adenocarcinoma endometrioide nente deve compreender no mínimo 10% do tu-
Representa cerca de 80% dos cânceres do endomé- mor. Executando-se a histologia com células serosas
trio, assemelhando-se histologicamente a glândulas
ou claras, a combinação de outros tipos normalmente
não tem relevância clínica. Por isso, carcinoma misto
endometriais normais. À medida que esses tumores
normalmente se refere a uma mescla de carcinoma
tornam-se mais indiferenciados, aumenta seu compo-
tipo I (adenocarcinoma endometrioide e suas varian-
nente sólido e de atipias, bem como sua agressividade
tes) e carcinoma tipo II.
biológica. Portanto, é de extrema importância a deter-
minação do grau de diferenciação desses tumores, pois
ele possui alto valor prognóstico. O tumor é consi-
derado grau 1 (G1 ou bem-diferenciado) quando Carcinoma indiferenciado
até 5% dele mostra padrão de crescimento sóli- Em 1 a 2% dos cânceres de endométrio, não há
do; grau 2 (G2 ou moderadamente diferenciado) evidência de diferenciação glandular, sarcomatosa
se o padrão de crescimento for de 6 a 50%; e grau ou escamosa. Esses tumores indiferenciados caracteri-
3 (G3 ou pouco diferenciado) se esse mesmo pa- zam-se por proliferação de células epiteliais monótonas de
drão atingir acima de 50%. tamanho médio que crescem em lâmincas sólidas e sem

SJT Residência Médica – 2016


170
Ginecologia

nenhum padrão específico. De modo geral, o prognós- A obesidade aumenta o risco do câncer de en-
tico é pior do que o de pacientes com adenocarcino- dométrio por vias endócrinas paralelas. A obesidade
mas endometrioides pouco diferenciados. está associada ao aumento do nível de insulina, que
leva ao aumento da atividade do fator de crescimento
insulina-like (IGF1), que por sua vez pode aumentar a
produção dos andrógenos pelos ovários. A produção
Tipos histológicos raros excessiva dos andrógenos inibe a ovulação cronica-
Menos de 100 casos de carcinoma de células es- mente, que por sua vez leva a deficiência de proges-
camosas do endométrio foram relatados. O diagnósti- terona. O tecido aDIPAoso é importante fonte das
co exige a exclusão de componente de adenocarcinoma aromatases (enzimas que convertem andrógenos pro-
e nenhuma ligação com o epitélio escamoso do colo duzidos nas glândulas suprarrenais e nos ovários em
uterino. Normalmente, o prognóstico é reservado. estrógenos), e portanto a obesidade leva ao aumento
O carcinoma de células transicionais do endométrio do nível de estrogênio biodisponível também na pós-
também é raro, e doença metastática da bexiga ou do -menopausa. Os estrogênios aumentam a proliferação
ovário deve ser excluída na investigação diagnóstica. endometrial e inibem a apoptose, parcialmente, atra-
vés da síntese local do IGF1. A progesterona geralmen-
te contrapõe este estímulo através de vários mecanis-
Classificação dos carcinomas de endométrio mos, como o estímulo da síntese de proteína ligante
Adenocarcinoma endometrioide (80% dos casos) de IGF1 (IGFBP1). A falta da progesterona é então
€ Tipo histológico usual um importante fator de risco fisiológico para a
€ Papilífero, viloglandular, secretor proliferação endometrial. Em adição ao estrogênio,
€ Com diferenciação escamosa a própria insulina pode promover a proliferação endo-
Carcinoma mucinoso metrial através da redução da concentração sérica de
Carcinoma seroso papilífero SHBG (globulina ligante de hormônio sexual), com
Carcinoma de células claras consequente aumento do estrogênio biodisponível.
Carcinoma escamoso (raro, prognóstico muito sombrio) € Idade: 75% dos casos ocorrem acima de 50 anos.
Carcinoma indiferenciado € Estados anovulatórios: destaca-se a síndrome
Carcinoma misto
dos ovários policísticos. Havendo ciclos anovu-
Tabela 20.2 Classificação dos carcinomas de endométrio. latórios, a mulher mantém-se quase constante-
mente na primeira fase do ciclo menstrual, pro-
Graus de diferenciação histológica duzindo progesterona, sem aumentar os níveis
€ Grau 1 (G1): 5% ou menos do tumor apresenta um
de progestágenos.
padrão sólido; tumor bem-diferenciado € Nulíparas.
€ Grau 2 (G2): 6 a 50% do tumor apresenta padrão de cres- € Menopausa tardia e menarca precoce: mais
cimento sólido; tumor moderadamente diferenciado tempo sob ação estrogênica.
€ Grau 3 (G3): mais de 50% do tumor apresenta um € Tumores funcionantes do ovário: tumores
padrão de crescimento sólido; tumor predominante- que produzem estrogênios.
mente indiferenciado € Hiperplasias atípicas.
Tabela 20.3 Graus de diferenciação histológica.

Estrogênios exógenos
€ Terapia de reposição hormonal sem oposição da
Fatores de risco progesterona.
€ Tamoxifeno: amplamente usado no câncer de
Os fatores de risco estão mais relacionados aos mama, pode causar aumento de até 7,5 vezes no
tumores do tipo I e envolvem, além de características aparecimento do câncer de endométrio.
genéticas, ação exacerbada estrogênica sem a devida
Fator de Risco Risco Relativo
oposição de progestágenos.
Idade avançada 2-3
Maior nível educacional 1,5-2
Raça branca 2
Aumento de estrogênios endógenos Nuliparidade 3
Obesidade: mulheres com 10 a 20 kg acima do Infertilidade 2-3
peso ideal têm 3 vezes mais chance de câncer de endo- Menopausa tardia 2-3
métrio. As com 25 kg a mais do que o peso ideal têm Menarca precoce 1,5-2
sua chance elevada em 10 vezes. Terapia estrogênica sem oposição 10-20

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171
20 Neoplasias malignas do corpo uterino

Fator de Risco Risco Relativo


Obesidade 2-5
Quadro clínico
Altas doses cumulativas A perda sanguínea é a única queixa de quase to-
3-7
de tamoxifeno das as mulheres com carcinoma endometrial (90%).
Anovulação crônica >5 O sangramento, por vezes, não se exterioriza devido à
Diabetes, hipertensão, colelitíase 1,3-3 estenose cervical, que pode estar presente principalmen-
Tabela 20.4 Fatores de risco para o câncer de endométrio. te em mulheres idosas, dando origem ao hematométrio
ou piométrio, situações que provocam dor em peso e rít-
mica na pelve (dor de Simpson), mas essa não é a regra.
Outros fatores
O sangramento vaginal é iniciado mesmo em
€ HAS e diabetes mellitus: são frequentemente
fases iniciais da doença, ele é inclusive comum nas
associados à obesidade, não sendo fatores de ris-
lesões precursoras, o que permite um diagnóstico pre-
co isolados.
coce, melhorando o prognóstico.
€ Hereditariedade: o fator familiar é encontrado
principalmente naquelas pessoas que apresen- Pode haver também leucorreia purulenta persisten-
tam a síndrome de Lynch II (síndrome do ade- te, geralmente associada a um prognóstico desfavorável.
nocarcinoma familiar). Em casos avançados, principalmente quando há aco-
Apesar de a maioria ser esporádica, cerca de metimento de estruturas adjacentes, advêm outros sinto-
10% dos casos de câncer de endométrio têm pre- mas como hematúria, enterorragia e emagrecimento.
disposição genética e componente hereditário.
A síndrome genética mais frequente é o HNPCC (He-
Causas de sangramento uterino pós-menopausa
reditary Non-Polyposis Colorectal Cancer) ou síndrome
de Lynch. É autossômica dominante e está geralmen- Endométrio atrófico 60-80%
te relacionada à mutação herdada dos genes de reparo Terapia de reposição estrogênica 15-25%
do DNA: MLH1, MSH2, MSH6 ou PMS2. O câncer de Pólipo endometrial 2-12%
endométrio na síndrome de Lynch ocorre em mulheres Hiperplasia endometrial 5-10%
em idade mais jovem e o risco estimado de desenvolver Câncer endometrial 10%
câncer de endométrio durante a vida é de 40-60%. Principal causa de sangramento na mulher cli-
matérica é a atrofia do endométrio, não o câncer.
€ Câncer de mama: as doenças apresentam forte
Tabela 20.5
associação.
€ Pólipos endometriais: embora seja uma evo-
lução rara dos pólipos, uma pequena parte deles Associação de sangramento uterino com
doença maligna em relação à idade
pode desenvolver câncer de endométrio.
50 anos 9%
O tabagismo e o uso de anticoncepcionais 60 anos 16%
combinados são fatores que reduzem o risco de 70 anos 28%
CA endometrial.
80 anos 60%
Tabela 20.6

Diagnóstico
Como cerca de 95% das mulheres com diagnós-
tico de câncer do endométrio apresentam algum sinal
ou sintoma da doença, em especial hemorragia geni-
tal e secreção vaginal (presentes em 90% dos casos),
e como a maioria dos casos ocorre pós-menopausa,
qualquer sangramento vaginal nessa fase deve ser in-
vestigado. Na pré-menopausa, a hipótese é aventada
quando a hemorragia anormal for persistente ou re-
corrente, principalmente em pacientes obesas. Essas
pacientes devem ser encaminhadas para propedêutica.
Havendo sangramento vaginal, inicia-se a investi-
Figura 20.1 Epidemiologia da portadora de adeno- gação com uma ultrassonografia transvaginal/pélvica,
carcinoma endometrial. exame que permite a suspeita diagnóstica mesmo em

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172
Ginecologia

casos assintomáticos, pois revela espessamento endo- As curetagens ambulatoriais às cegas são valori-
metrial. Isso permite seu uso para rastreamento do cân- zadas apenas quando apresentam resultado positivo,
cer em mulheres de alto risco na pós-menopausa. dada a alta probabilidade de obtenção de material en-
Mulheres menopausadas com eco endome- dometrial normal.
trial maior ou igual a 5 mm, sem uso de terapia A biópsia guiada pela histeroscopia é a me-
hormonal, ou 8 mm, com terapia hormonal, pre- lhor escolha. A via histeroscópica permite a realiza-
cisam ser submetidas a uma biópsia de endomé- ção de biópsia no sítio de maior suspeição, a inspe-
trio para avaliação de suas condições. O risco de ção da endocérvice sob magnificação e a verificação
câncer do endométrio é menor que 1% na presença de da extensão do tumor. O exame, para o diagnóstico
espessura endometrial abaixo de 5 mm e pode ser de do câncer de endométrio, apresenta sensibilidade de
cerca de 20% se a espessura estiver acima desse limite. 93,1%, especificidade de 99,96%, valor preditivo posi-
tivo de 98,18% e valor preditivo negativo de 99,85%.
A curetagem uterina foi gradativamente substi-
tuída pela histeroscopia e ficou reservada apenas aos
casos em que esta esteja indisponível.
Exames como tomografia e ressonância po-
dem ser usados eventualmente para analisar o
grau de invasão tumoral na parede uterina, o
acometimento de paramétrios e a presença de
Figura 20.2 Ultrassonografia evidenciando espessa- metástases.
mento endometrial, no caso, de 30 mm.

Marcadores tumorais
A dosagem de CA 125 pode ser utilizada na
predição de doença extrauterina, mas não tem
sensibilidade suficiente para prescindir do es-
tadiamento cirúrgico. Sabe-se que, quanto maior o
nível de CA 125, maior a chance de linfonodectomia,
porém, o ponto de corte não foi estimado. Os valores
normais de CA 125 na mulher pós-menopausa são me-
nores do que na mulher pré-menopausa. A atual utilida-
de desse marcador é o seguimento após o tratamento,
se no diagnóstico ele apresentava níveis elevados.

Estadiamento
O estadiamento clínico usado pela Federação In-
Figura 20.3 Exame ultrassonográfico mostrando en- ternacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), até
dométrio espessado e heterogêneo (A), com áreas cís- 1988, era baseado em informações como histerome-
ticas no interior, além de perda dos contornos devido a
tria, curetagem uterina fracionada de colo e corpo ute-
infiltração da camada interna do miométrio. O estudo
rinos e ultrassonografia pélvica. A partir de outubro
com Doppler demonstra vasos com baixo índice de re-
sistência (B). O exame antomapatológico confirmou de 1988, vários fatores de risco associados ao prog-
carcinoma endometrioide. nóstico e à recorrência da doença foram incorporados
pela Figo ao estadiamento. Entre eles, destacam-se:
€ Grau histológico;
Como referido, o próximo passo após a detec-
ção de alteração ultrassonográfica é a realização de € Grau nuclear;
biópsia endometrial, que pode ser realizada às cegas, € Profundidade de invasão miometrial;
em nível ambulatorial e com cureta de Novak ou as- € Invasão glandular e do estroma cervical;
piração endometrial; cirurgicamente, por curetagem
uterina; ou, ainda, pode ser feita sob visão direta por € Metástases anexiais e/ou vaginais;
via histeroscópica. € Citologia positiva;

SJT Residência Médica – 2016


173
20 Neoplasias malignas do corpo uterino

€ Doença metastática em linfonodos pélvicos ou Estadiamento cirúrgico do câncer de endométrio


paraórticos; (cont.)
€ Presença de metástase intra-abdominal ou a dis- Estádio IIA G1, 2, 3 Envolvimento apenas de glân-
tância; dulas endocervicais
€ Ploidia do DNA tumoral; IIB G1, Invasão do estroma cervical
€ Invasão lifovascular; 2, 3
Assim, o estadiamento passa a ser cirúrgico. Estádio IIIA G1, 2, 3 Tumor invade serosa e/ou ane-
O estadiamento cirúrgico é extremamente xo; citologia peritoneal positiva
importante quando se considera a má correlação
IIIB G1, Metástase vaginal
entre a avaliação pré-operatória e os achados ci-
2, 3
rúrgicos e patológicos. Ele permite, ainda, identifi-
IIIC G1, Metástase para pelve e/ou lin-
car as pacientes com doença extrauterina e tem grande
2, 3 dofodos paraórticos positivos
importância sobre o tratamento ao acrescentar dados
considerados como fatores de risco, tais como: invasão Estádio IVA G1, Tumor invade a bexiga e/ou a
profunda no miométrio, extensão cervical e invasão do 2, 3 mucosa intestinal
espaço vascular linfático. Esse procedimento torna o tra-
tamento mais adequado e racional e evita terapias adju- Estádio IVB G1, Metástase aà distância, incluin-
vantes desnecessárias. 2, 3 do linfonodos intra-abdominais
A cirurgia para estadiamento, que se torna parte do e/ou inguinais
tratamento na maioria dos casos, consiste em histerecto-
Tabela 20.7 Estadiamento cirúrgico do câncer de
mia total com salpingo-oforectomia bilateral, citologia do
lavado peritoneal, omentectomia infracólica e linfonodec- endométrio.
tomia, com extensão e necessidade a depender do estadia-
mento (ver maiores detalhes em Tratamento). Além disso,
deve-se realizar biópsia de toda lesão suspeita. Sistema FIGO de estadiamento do câncer de
Casos que visualmente invadem estruturas vizi- endométrio
nhas, enquadrando-se em estádio IV ou III avançado, Estágio I Tumor restrito ao corpo uterino
trazem impossibilidade cirúrgica e os tempos ante-
IA Invade menos da metade do miométrio
riormente descritos não se completam.
As últimas mudanças do estadiamento do câncer IB Invade metade ou mais da metade do mio-
de endométrio pela FIGO são poucas, porém bastante métrio
significativas. O estágio I passou a incluir apenas Estágio II Tumor invade o estroma cervical(*)
dois subestágios; IA (tumor invade menos metade Estágio Disseminação local e/ou regional
do miométrio) e IB (tumor invade mais da metade do III
miométrio), diferentemente da antiga classificação,
IIIA Tumor envolve a serosa e/ou anexos (ex-
que dividia tal grupo em três categorias, considerando
tensão direta ou metástase)
IA aqueles tumores confinados ao endométrio. Ou-
tra mudança ocorreu no estágio II, que passou a IIIB Tumor envolve a vagina (extensão direta
representar os casos em que o tumor invade o estroma ou metástase) ou paramétrio
cervical sem se estender além do útero, caindo assim
a subdivisão em IIA e B. Desta forma, o envolvimen- IIIC1 Linfonodos pélvicos metastáticos
to apenas endocervical glandular ainda é considerado IIIC2 Linfonodos paraórticos metastáticos (com
estágio I. Pelas novas regras, o lavado peritoneal ou sem linfonodos pélvicos comprometi-
não é mais considerado como parte do estadia- dos)
mento, pois esta informação não se apresentou
como fator prognóstico nos estudos realizados. Estágio Tumor invade a mucosa da bexiga e/ou in-
IV testinal e/ou metástase a distância
Nesse contexto, é pertinente lembrar que a mesma
classificação FIGO é utilizada para os carcinossarcomas. IVA Tumor envolve mucosa da bexiga e/ou in-
testinal

Estadiamento cirúrgico do câncer de endométrio IVB Metástase a distância (incluindo metás-


Estádio IA G1, 2, 3 Tumor limitado ao endométrio tase linfonodal inguinal, pulmão, fígado e
IB G1, 2, 3 Invasão inferior à metade do ossos)
miométrio
IC G1, 2, 3 Invasão superior à metade do Tabela 20.8 (*) Se o envolvimento for apenas glandu-
miométrio lar endocervical, considerar como estadiamento I.

SJT Residência Médica – 2016


174
Ginecologia

possuem probabilidade quase 6 vezes maior de


desenvolver câncer recorrente do que pacientes
sem metástases linfonodais. Relatou-se uma taxa
de recorrência de 48% com linfonodos positivos,
incluindo 45% com linfonodos pélvicos positi-
vos e 64% com linfonodos aórticos positivos, em
comparação a 8% com linfonodos negativos. A
taxa de sobrevida sem doença, em 5 anos, para
pacientes com metástases para linfonodos, foi
de 54%, em comparação com 90% nas pacientes
sem metástases linfonodais.
€ Citologia peritoneal: sua presença indica um
prognóstico pior, mesmo em casos de doença
restrita ao útero, embora seja mais comum em
casos avançados.
€ Receptores hormonais: a presença de recep-
tores de progesterona indica um melhor prog-
nóstico com resposta mais satisfatória à terapia
hormonal.
€ Obesidade: o problema da obesidade é que,
pelas aromatases do tecido aDIPAoso, se man-
tém a conversão periférica de androgênios em
Figura 20.4 Estadiamento do câncer de endométrio estrogênios, permanecendo o estímulo ao cres-
segundo a FIGO (Federação Internacional de Ginecolo- cimento tumoral.
gia e Obsterícia).

Taxas de sobrevida em cinco anos para câncer


de endométrio em função do estadiamento
cirúrgico (n = 5.562 pacientes)
Fatores prognósticos Estádio da FIGO Sobrevida (%)
IA 91
€ Idade: quanto menor a idade, melhor o prognós-
IB 88
tico. A sobrevida de cinco anos é de 92% entre 40
IC 81
e 49 anos e de 60,9% após os 70 anos.
IIA 77
IIB 67
IIIA 60
Estadiamento IIIB 41
€ Diferenciação histológica: carcinomas indi- IIIC 32
ferenciados (G3) proliferam mais rapidamente e IVA 20
têm maior potencial invasor e metastático. IVB 5
€ Invasão miometrial: quanto mais um tumor Tabela 20.9 FIGO: Federação Internacional de Gine-
invade o miométrio, maior a chance de alcançar cologia e Obstetrícia.
vasos linfáticos e comprometer os linfonodos.
€ Tipo histológico: alguns tipos histológicos,
como os tumores de células claras, apresentam
-se mais agressivos. Tratamento
€ Comprometimento linfonodal: trata-se de
um dos principais fatores prognósticos no cân-
cer do endométrio em estádio clínico inicial. Das Pro昀椀lático
pacientes com doença no estádio clínico I, apro-
ximadamente 10% apresentarão metástases para Consiste em tratar a hiperplasia e a obesidade, e
linfonodos pélvicos e 6% apresentarão metás- no tratamento de doenças que mantêm os níveis altos
tases para linfonodos paraórticos. A incidência de estrogênio, como SOP e tumores produtores desse
de metástase para linfonodo no câncer endome- hormônio.
trial no estádio I é de aproximadamente 3% em No caso de hiperplasia sem atipias, opta-
tumor no grau 1; 9% no grau 2; e 18% no grau
-se pelo tratamento conservador, que consiste no
3. Pacientes com metástases para linfonodos
uso de progesterona por 3 a 4 meses de forma contí-

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175
20 Neoplasias malignas do corpo uterino

nua, sendo opções 30 mg/dia de acetato de medro- A análise anatomopatológica de todo o material,
xiprogesterona, 50 mg/dia de acetato de megestrol, inclusive do grau de diferenciação; da intensidade de
20 mg/dia de noretisterona ou mesmo DIU medicado invasão; da localização tumoral; do comprometimento
com levonorgestrel. de linfonodos, da miocérvice, do ovário e do omento; e
da positividade ou não do líquido peritoneal ditarão o
Já nos casos em que há atipia, nas recidivas complemento terapêutico. Se tudo for negativo, o tra-
ou em doenças associadas, a histerectomia deve tamento está encerrado.
ser indicada.
Embora a sobrevida a longo prazo seja de 85 a 95%
com o tratamento correto, a afecção é grave e esforços
devem ser efetuados para a melhora dos resultados.
Curativo Nos demais estádios I (IAG3, IBG2, IBG3 e IC),
a terapêutica cirúrgica deve ser complementada por
Consiste em tratar o adenocarcinoma. As armas
radioterapia.
terapêuticas disponíveis nesse sentido são cirurgia,
radioterapia (braqui e teleterapia) e, mais raramente,
terapia hormonal e quimioterapia.
A cirurgia utilizada no tratamento, a princípio, é Estádio II
a mesma do estadiamento, com algumas nuances para Também nesse grupo, o tratamento consiste em
cada estádio. Apenas para relembrar, ela consiste em: cirurgia e radioterapia, com algumas particularidades
€ Histerectomia total abdominal; relacionadas a essa última terapêutica. Caso o aco-
metimento do colo seja microscópico e previamente
€ Salpingo-oforectomia bilateral;
reconhecido (observado em material de curetagem
€ Omentectomia infracólica; endocervical positiva), pode-se realizar a radioterapia
€ Coleta de lavado peritoneal; intracavitária pré-operatória.
€ Linfadenectomia pélvica com avaliação periaór- Em casos de envolvimento macroscópico do colo,
tica e retirada, se necessário (sampling). notados em exame físico ou tomografia, também faz-
-se radioterapia pré-operatória, combinando-se radia-
A histerectomia vaginal fica reservada apenas ção externa e intracavitária. Além disso, complemen-
para os casos com prolapsos uterinos importantes. ta-se a cirurgia com remoção de paramétrios.
Toda e qualquer lesão suspeita deve ser biopsiada.
Deve-se considerar ainda terapia hormonal e/ou
Ao retirar o útero, deve-se abrí-lo para ver o local quimioterapia complementar.
do tumor e a invasão miometrial e também para remo- Nas pacientes inoperáveis ou que recusem a ci-
ver uma pequena porção para a análise de receptores rurgia, o tratamento é efetuado com a radioterapia
hormonais (quando não houver radioterapia prévia). exclusiva, com resultados satisfatórios.
A seguir, mostraremos as complementações ne-
cessárias em cada estádio. Lembramos que, em casos
de invasão de estruturas vizinhas com múltiplas ade-
rências, não há possibilidades cirúrgicas, limitando-se
Estádio III
ao tratamento a radio, a quimio e a hormonioterapia. No geral, pacientes com estádio III são tratadas
com cirurgia e radioterapia. As pacientes com doença
inoperável pelo fato de o tumor se estender à parede
pélvica devem ser tratadas apenas com radioterapia.
Estádio I Uma abordagem comum é utilizar a radioterapia ex-
terna associada à radioterapia intracavitária.
O tratamento do estádio clínico I é, preferen-
cialmente, cirúrgico. Radioterapia adjuvante será Vários estudos têm utilizado quimioterápicos
necessária em casos selecionados. Para as pacientes para aumentar a sobrevida livre de doença e a sobre-
nos estádios IAG1 e G2 e IBG1, a cirurgia é suficiente, vida global dessas mulheres. A associação de paclitaxel
com doxorrubicina e cisplatina é superior à aborda-
dispensando-se a radioterapia.
gem adjuvante realizada apenas com a radioterapia.
Tumores do tipo endometrioide, em estádio
Coleta-se material para análise da presença ou au-
IAG1, podem ser tratados apenas com histerectomia sência de receptores progestogênicos no tumor, orien-
e salpingo-oforectomia bilateral, mas, para tanto, a ci- tando-se a hormonioterapia, quando necessário, com al-
tologia abdominal deve ser imediata e negativa, bem tas doses de acetato de medroxiprogesterona ou acetato
como há necessidade de pronta avaliação anatomo- de megestrol. O tratamento hormonal mais utilizado é
patológica por congelação para certificar-se da baixa com progestágenos, que produzem resposta antitumoral
invasão da parede miometrial. Os demais casos neces- favorável em 15 a 30% das pacientes, melhorando a so-
sitam da cirurgia completa. brevida. Os progestágenos utilizados são: hidroxiproges-

SJT Residência Médica – 2016


176
Ginecologia

terona, medroxiprogesterona e megestrol. As pacientes renciado ou se houver invasão, deve-se reoperar para
que possuem tumores com receptores de progestero- tirar os ovários e fazer a linfadenectomia seletiva pél-
na positivos (mais de 50 fentomoles/mg de proteína) vica e periaórtica. Caso contrário, apenas completar o
respondem melhor; por coincidência, em geral, esses tratamento com irradiação pélvica.
são os tumores histologicamente mais diferenciados.
Aqui, a resposta pode chegar a até 80%.

Sarcomas do útero
Estádio IV Os sarcomas do útero são tumores raros, repre-
No estádio IV, a princípio, não há indicação ci- sentando 3 a 5% de todas as neoplasias uterinas. Fortes
rúrgica. Entretanto, as pacientes devem receber radio- evidências correlacionam a exposição à radiação ioni-
terapia em toda a pelve e tratamento sistêmico, com o zante e o desenvolvimento de sarcomas na pelve, sendo
intuito de melhorar o estado geral e os sintomas como observados 2 a 20 anos após a irradiação.
dor, sangramento etc. Na doença pélvica volumosa, a
radioterapia externa e intracavitária é uma opção. De maneira geral, caracterizam-se por serem tumo-
res de crescimento rápido e com metástases frequentes.
Assim como no estádio III, o uso de quimioterá-
picos com paclitaxel, doxorrubicina e cisplatina tem São derivados do estroma do endométrio ou de
mostrado aumento na sobrevida global dessas mulhe- células musculares da parede uterina. Pela grande di-
res, bem como a hormonioterapia, especialmente se versidade de tipos histopatológicos, o Grupo America-
os receptores forem positivos. no de Oncologia Ginecológica apresentou a seguinte
classificação:
É necessário fazer radioterapia das metástases cere-
brais e ósseas e considerar a exenteração pélvica quando € Leiomiossarcoma;
o tumor for central e se presumir não haver linfonodos € Sarcoma do estroma endometrial;
pélvicos positivos e outras metástases aà distância (IVB).
€ Sarcoma mülleriano misto homólogo (carcinos-
sarcoma);
€ Sarcoma mülleriano misto heterólogo (sarcoma
mesodérmico misto);
Seguimento ambulatorial € Outros sarcomas uterinos.
A anamnese e o exame físico (clínico, ginecológico
e retal) ainda são os métodos mais efetivos de segui-
mento das pacientes tratadas com câncer do endomé- Estadiamento do sarcoma de corpo uterino
trio. A maioria das recidivas ocorrem nos primei- Estádio – FIGO Descrição
ros 3 anos pós-tratamento. As pacientes devem ser I: tumor confinado
examinadas a cada 3-4 meses nos primeiros 2 anos e, ao corpo uterino
a partir daí, semestralmente, por 5 anos. Aproximada- IA Tumor de até 5 cm no maior
mente metade das pacientes com diagnóstico de câncer IB eixo
recorrente será sintomática, e 75 a 80% das recorrên- Tumor > 5 cm no maior eixo
cias serão detectadas, inicialmente, ao exame físico. II: Tumor estende-
-se além do corpo
Deve ser dada uma atenção particular aos linfonodos
uterino, confinado
periféricos, ao abdome e à pelve – particularmente ao
à pelve Tumor envolve anexos
coto vaginal (cuja recorrência pode ser tratada com su-
IIA Tumor envolve outros tecidos
cesso pela radioterapia). Os exames de imagem devem IIB pélvicos
ser solicitados conforme suspeita clínica. A citologia va- III: tumor infiltra
ginal de rotina não tem valor para detecção de recidivas. tecidos abdominais
As recidivas mais comuns são em vagina (parede IIIA Infiltra um sítio
anterior e cúpula), púbis, abdome superior, pulmões, IIIB Infiltra mais do que um sítio
fígado, cérebro e ossos. IIIC Envolvimento metastático lin-
fonodal regional
O CA-125, periodicamente, pode orientar se há
IV: disseminação a
recidiva da doença.
distância
Raramente acontece de se realizar histerectomia IVA Envolvimento de bexiga ou
por doença benigna e haver câncer de endométrio. IVB reto
Nesses casos, deve-se analisar o grau de diferenciação Metástases a distância
e a intensidade da invasão miometrial. Se for indife- Tabela 20.10

SJT Residência Médica – 2016


177
20 Neoplasias malignas do corpo uterino

Independentemente desses cenários, os leio-


Sarcoma mülleriano misto miossarcomas são tumores bastante agressivos. A so-
Também chamado de carcinossarcoma, o sarco- brevida média é de apenas 20 meses.
ma mülleriano misto constitui o tipo histopatológico
mais frequente entre os sarcomas, com incidência de
66,44% entre todos os sarcomas uterinos. Acomete mais
frequentemente o corpo uterino, sendo raro no colo. A
Sarcoma do estroma
maioria é do tipo homólogo, que difere do heterólogo por endometrial
apresentar apenas estruturas epiteliais e sarcomatosas
malignas (componente epitelial e sarcomatoso de célu-
Representam 15% dos sarcomas uterinos e aco-
las fusiformes indiferenciadas com citoplasma escasso e
metem mulheres em qualquer idade. Como o nome res-
núcleos hipercromáticos). O segundo tipo contém outros
tecidos estranhos originados do componente mülleria- salta, originam-se do estroma do endométrio uterino.
no, como músculo estriado, osso ou cartilagem. São classificados em três grupos, conforme sua caracte-
rística morfológica e comportamento: nódulo estromal
Possuem receptores de estradiol e progesterona. benigno, sarcoma estromal de baixo grau de malignida-
Acometem, em sua maioria, pessoas na sexta dé- de e sarcoma estromal de alto grau de malignidade.
cada de vida e são mais comuns em multíparas. O nódulo estromal benigno é composto de nódu-
Trata-se de cânceres agressivos, com metástases los com dimensões variáveis, desde microscópicos até
precoces ocorrendo em pulmão, pleura, vagina, omen- tumores maiores que 5 cm. A microscopia revela me-
to, mesentério, ovários e linfonodos extrapélvicos. nos de 10 mitoses por 10 campos de grande aumento,
O prognóstico é reservado. Os tumores hete- e não há invasão vascular.
rólogos apresentam nitidamente pior prognóstico O sarcoma estromal de baixo grau de malignidade
quando comparados com os homólogos. também é benigno. Caracteriza-se por formar massas
polipoides, de limites irregulares, que infiltram o miomé-
trio e os vasos sanguíneos ou linfáticos e possuem menos
de 10 mitoses por 10 campos de grande aumento.
Leiomiossarcoma No sarcoma estromal de alto grau de malignida-
São tumores malignos originários de células de, as lesões são infiltrativas, com mais de 10 mitoses
musculares lisas do útero, especialmente do corpo por 10 campos de grande aumento e atipias nuclea-
e raramente do colo. res. Também apresentam invasão linfática e venosa,
À macroscopia, aparecem como nódulos miomato- porém, possuem alta capacidade de metastatização.
sos simples, sem alterações morfológicas visíveis, diferen-
ciando-se dos miomas pelo crescimento extremamente
rápido e distorção da anatomia do útero, e pela ausência
de nitidez de planos de clivagem com tecido miometrial Tratamento
normal. Como há crescimento rápido, algumas áreas po- O tratamento básico de todos os sarcomas é a cirur-
dem necrosar e formar coleções líquidas heterogêneas. gia seguida de quimioterapia. O procedimento cirúrgico é
A certeza da malignidade virá da análise mi- o mesmo usado para adenocarcinoma de endométrio (his-
croscópica pós-cirúrgica. O principal indicador terectomia total, salpingo-oforectomia, omentectomia
dessa situação é o índice de mitoses, tendo também infracólica e linfadenectomia pélvica com avaliação para-
importância o pleomorfismo celular e o aspecto histo- órtica, além de coleta de citologia peritoneal). Nos está-
lógico da lesão. dios avançados, efetua-se a cirurgia citorredutora e, se
possível, a exérese de todas as massas tumorais.
O tumor é considerado maligno quando apre-
senta mais de 10 mitoses por 10 campos de grande A quimioterapia, adjuvante à cirurgia, é mais
aumento sem pleomorfismo celular ou mais de 5 bem-realizada em esquema de múltiplas drogas como
com pleomorfismo. Revelando 5 a 9 mitoses por 10 VAC (vincristina, actnomicina e ciclofosfamida), espe-
campos de grande aumento sem pleomorfismo celu- cialmente em casos avançados.
lar, ou 1 a 4 mitoses por 10 campos de grande aumen- Nos casos de tumores müllerianos, especialmen-
to com pleomorfismo, considera-se tumor borderline. te heterólogos, fica indicada, ainda, a radioterapia,
Abaixo dessas cifras, o tumor é considerado benigno. pois ela diminui o índice de recidiva na pelve. O mes-
O prognóstico será pior se houver mais de 20 mitoses
mo tem sido demonstrado para o leiomiossarcoma.
por campo de grande aumento ou indiferenciação.
Em relação aos sarcomas de elevado grau de maligni-
São fatores de bom prognóstico o estado pré-me- dade, como o diagnóstico pode ser feito por biópsia
nopausal, o confinamento do tumor dentro do leiomio- ou por curetagem uterina, alguns autores utilizam a
ma e a presença de hialinização nos tecidos adjacentes. radioterapia pré-operatória.

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

21
Neoplasias benignas do ovário

Introdução Diagnóstico
O diagnóstico de tumor anexial baseia-se primor- O diagnóstico das formações benignas do ová-
dialmente na história, no exame ginecológico e na ul- rio é baseado principalmente nos achados ultras-
trassonografia, pois esta, na última década, incorporou- sonográficos, já que o quadro clínico costuma ser
-se à rotina diária da clínica ginecológica na apreciação frustro. Todavia, características clínicas como idade
dos órgãos e estruturas pélvicas. A maioria das alte- e emagrecimento, juntamente com os achados da
rações ovarianas são assintomáticas e achados de ultrassonografia, têm fundamental importância na
exame. O mais importante é identificar características predição de malignidade, e essa é a que importa na
clínicas e ultrassonográficas de malignidade e estipular conduta terapêutica.
o tratamento correto baseado nessas características. A ultrassonografia apresenta alta sensibilida-
de para a malignidade (80 a 100%), com alto valor
preditivo negativo (91 a 100%) e baixo valor pre-
ditivo positivo (37 a 73%), o que implica dizer que
Classi昀椀cação casos suspeitos devem ser melhor investigados.
Os achados compatíveis com malignidade
Os tumores ovarianos podem ser neoplásicos ou são conhecidos como critérios de Sassone, e
não neoplásicos. Esses últimos são chamados de cistos incluem:
funcionais e incluem o cisto folicular, o luteínico, o teca- € Massas em idade pré-pubere e pós-menopausa:
luteínico, o luteoma e os cistos de inclusão germinativa. quando a chance de cisto funcional é remota. A
As neoplasias ovarianas, por sua vez, são clas- idade é um critério tão importante que, na pós-
sificadas de acordo com sua origem histológica: -menopausa, mesmo que formações císticas te-
nham carcterísticas benignas, devem ser melhor
€ Oriundas do epitélio superficial: cistoade- investigadas se forem maiores que 5 cm, aceitan-
noma seroso, cistoadenoma mucinoso, cistoade- do-se expectação apenas em cistos simples me-
noma endometriótico, adenofibroma de células nores que esse tamanho e desde que sem história
claras e tumor de Brenner benigno; de câncer e marcadores negativos. Tal acompa-
€ Oriundas de células germinativas: teratoma nhamento é feito por USG em 1, 3, 6 e 12 meses.
cístico benigno; € Diâmetro da massa maior que 10 cm: tumores
€ Oriundas do estroma ovariano: tumores da maiores, especialmente na pós-menopausa, têm
tecagranulosa e fibromas. maior potencial de malignidade.
179
21 Neoplasias benignas do ovário

€ Cápsula espessa: cisto de paredes finas são Tumores sólidos benignos


benignos em 99% das vezes.
Fibroma
€ Bilateralidade. Tumor de Brenner
€ Conteúdo misto (sólido-cístico): a presença de Luteoma da gravidez
áreas sólidas aumenta a chance de malignidade, Tumores funcionantes
especialmente se houver multiloculação. Feminizantes Tecomas
€ Multiloculação: tumores sólidos e multilocu- Virilizantes Tumores de células
lados são malignos em 75% das vezes e apenas hilares
0,3% das neoplasias císticas e uniloculadas são Gonadoblastomas
malignas. Struma ovarii
€ Vegetação intracística: sua ausência diminui Tumores limítrofes
muito a chance de neoplasia maligna. Tabela 21.1 Classificação das massas ovarianas benignas.
€ Presença de septações grosseiras.
€ Presença de ascite. Ultrassonografia: massa de ovário
Características Massas ovaria- Massas ovaria-
Desse modo, são sinais sugestivos de benig-
nas benignas nas malignas
nidade: massa na menacme, diâmetro menor que 8
Volume do Geralmente Geralmente mais
cm, cápsula fina, unilateralidade, conteúdo anecoico,
tumor menos de 5 cm de 5 cm
unilobulação, ausência de vegetação, ausência de sep-
Aspecto da pare- Geralmente Irregular
tação ou septações finas e ausência de ascite.
de interna regular
Os tumores malignos geralmente apresen- Aspecto do Unilocular, Multilocular,
tam-se como: sólidos; císticos, porém, com projeções conteúdo cístico misto
sólidas em seu interior; com septos grosseiros, irregu- Septações Se presentes, Grosseiras,
lares, heterogêneos e espessos; multiloculados; com li- finas espessas
mites imprecisos; com cápsula irregular e espessa, por Tabela 21.2 Características ultrassonográficas das
vezes com crescimento de projeções papilares; bilate- massas ovarianas.
rais; com ecos refringentes no seu interior; com ascite
e com implantes peritoneais.
Assim, a presença de parâmetros clínicos ou ul-
trassonográficos que possam sugerir, mesmo que re- Princípios do tratamento
motamente, a possibilidade de câncer ovariano exclui
Entre as possibilidades de tratamento dos tumo-
a terapêutica expectante.
res anexiais, assinalam-se as condutas:
Em casos de dúvida, pode-se lançar mão de outros € Expectante;
dois artifícios terapêuticos, como a dopplervelocimetria
e os marcadores tumorais. Afecções malignas costu-
€ Hormonioterapia;
mam apresentar alta vascularização e baixa resis- € Punção guiada pela ultrassonografia transvaginal;
tência ao Doppler (índice de resistência menor que 0,4 € Cirurgia pela via laparoscópica;
ou índice de pulsatilidade menor que 1), além de marca- € Laparotomia.
dores tumorais positivos para a doença suspeita. Esses ar-
tifícios são principalmente válidos em massas anexiais na A expectação, por vezes com hormonioterapia,
pós-menopausa, mesmo com aspecto benigno ou meno- é reservada aos cistos funcionais. Cada um apresenta
res que 5 cm, já que não são esperadas nessa fase da vida. características peculiares, como vemos a seguir:
€ Cistos foliculares: decorrem de retenção líqui-
da em folículos não rotos ou com área de rotura
Cistos funcionais (não neoplásicos) obstruída. Pelo fato de se relacionarem a um ciclo
Foliculares menstrual normal (fase folicular), são típicos da
Luteínicos menacme. Em sua maioria, são assintomáticos
Endometrióticos e achados ultrassonográficos, nos quais apare-
cem como imagem anecoica de limites precisos
Ovários policísticos
e paredes finas, com tamanhos pequenos, de 5 a
Cistos proliferativos (neoplásicos) 6 cm, raramente atingindo 10 cm. O tratamento
Tumores epiteliais Cistoadenoma seroso é geralmente expectante, podendo-se usar anti-
Cistoadenoma concepcionais para acelerar a regressão.
mucinoso € Cistos luteínicos: são decorrentes de hemato-
Tumores de células germina- Teratoma cístico ma de corpo lúteo por excesso de vascularização
tivas maduro dessa estrutura produtora de progesterona na fase

SJT Residência Médica – 2016


180
Ginecologia

lútea do ciclo menstrual. Também aparecem tipi- € Cistoadenoma mucinoso: trata-se do segundo
camente na menacme, pois se relacionam a um tumor benigno epitelial mais comum, destacan-
ciclo menstrual ativo. Em sua maioria, são assin- do-se por seu grande volume. Esse tipo de neo-
tomáticos, a não ser em casos de rotura com ex- plasia apresenta multilobulação, paredes bastan-
travasamento de sangue para a cavidade pélvica. te finas e conteúdo transparente e viscoso, que,
Aparecem como cisto de paredes finas e conteúdo quando em contato com a cavidade, em casos de
hemático (heterogêneo à ultrassonografia), e cos- rotura, pode levar à formação de pseudomixo-
tumam ter pequenas dimensões. Fazem diagnós- mas peritoneais, ou seja, áreas de produção desse
tico diferencial com endometrioma e gestação ec- líquido na parede peritoneal. Atingem litros de
tópica. A conduta também é expectante, inclusive volume, o que lhe valem a alcunha de “tumores
se houver rotura sem alterações hemodinâmicas. mamutes”. Seu tratamento é também cirúrgico,
€ Cistos tecaluteínicos: são decorrentes do estí- uma vez que apresenta malignidade confirma-
mulo excessivo das gonadotrofinas sobre o corpo da posteriormente em 5 a 10% dos casos.
lúteo gravídico, fazendo-o crescer em demasia.
Ocorre apenas em casos de níveis extremamen- € Tumor endometrioide: representa menos de
te elevados desse hormônio, como nas neoplasias 5% das neoplasias ovarianas, sendo mais inciden-
trofoblásticas gestacionais e administração exóge- te em idades mais avançadas, como nas quinta e
na para tratamento de infertilidade. Na ultrasso- sexta décadas de vida. São macroscopicamente
nografia, aparecem como estruturas anecoicas de semelhantes a endometriomas, com conteúdo
grande volume e que merecem terapêutica expec- avermelhado e heterogêneo, entretanto, micros-
tante, pois regridem ao se tratar a doença de base copicamente, lembram as hiperplasias endome-
ou suspender a medicação. triais, pela proliferação e arranjo dos elementos
€ Luteoma da gravidez: tumor que aparece ao final epiteliais, com pouco estroma. Mais uma vez, o
da gravidez, tem características sólidas e apresenta tratamento é cirúrgico e geralmente se opta por
pequeno volume, com tendência a desaparecimen- histerectomia e salpingo-oforectomia, em razão
to pós-parto. A conduta é, portanto, expectante. da idade das pacientes afetadas.
€ Cistos de inclusão germinativa: decorrem de € Tumor de Brenner: mais raro que os demais,
encarceramento de tecido epitelial no interior do muitas vezes é descoberto por acaso em exame
estroma ovariano, com líquido no seu interior, o anatomopatológico pós-cirurgia por outros mo-
que ocorre logo após a ovulação. São de tamanho tivos. Também afeta preferencialmente mulheres
bastante diminuto, por vezes múltiplos, e apresen- acima dos 50 anos de idade. É um tumor sóli-
tam conteúdo anecoico, localizando-se mais na do que não atinge grande volume. A superfície
periferia ovariana. A conduta terapêutica é expec- é branco acinzentada e, à palpação, possui as-
tante e deve-se atentar para uma maior chance de pecto semelhante a calcificações. Na histologia,
transformação maligna, segundo alguns autores. aparecem ilhotas de células cuboides claras,
€ Nos casos de neoplasias ovarianas, a remoção ci- chamadas de ninhos de células da Walthard.
rúrgica está quase sempre indicada, podendo en- O tratamento, mais uma vez, é cirúrgico, geral-
volver apenas o tumor, todo o ovário ou, ainda, mente realizando-se histerectomia e salpingo-
ambos os ovários e o útero, sendo que essa condu- -oforectomia, pois afeta mulheres na peri e pós-
ta mais radical é a preferida em mulheres meno- -menopausa.
pausadas, pois pode evitar uma reabordagem no
€ Teratoma maduro: diferentemente das outras
caso de eventual malignidade inicial.
neoplasias benignas ovarianas, essa é mais co-
Seguem-se as principais neoplasias benignas, mum em jovens, com mais de 50% dos casos
com suas características e terapêutica associada. acontecendo até os 40 anos de idade; também
por isso, é o tumor ovariano mais comum na
€ Cistoadenoma seroso: juntamente com o cisto-
adenoma mucinoso e os tumores endometrioides gestação. É derivado de uma linhagem germina-
e de Brenner, compõe neoplasia de origem epite- tiva, a partir de células com potencial de trans-
lial. É a neoplasia benigna mais comum e afeta formação em qualquer tipo de tecido, não sendo
preferencialmente mulheres de 30 a 50 anos de rara a presença de cabelos, dentes e ossos no in-
idade. Ao exame macroscópico, é esbranquiçado, terior da massa neoplásica. Com predominância
com superfície externa lisa e atinge diâmetros de tecido tireoideano, o tumor recebe o nome de
de 20 a 30 cm. Pode ser uni ou multilocular. À Struma ovarii e pode ocasionar hipertireoidis-
ultrassonografia, apresenta componente sólido mo e até crise tireotóxica. Se houver predomínio
e tem microcalcificações na parede, conhecidas de tecido carcinoide, ocorre grande produção de
como corpos psamomatosos. Exige tratamento serotonina, com consequentes rubores, cólicas,
cirúrgico de remoção do tumor para análise mi- diarreias e sintomas cardiovasculares, enfim, cri-
croscópica a fim de se afastar definitivamente a ses serotoninérgicas. Aparece como massa hete-
malignidade, sendo importante ainda a biópsia rogênea à ultrassonografia. Macroscopicamente,
do ovário contralateral. apresenta se arredondado, não assumindo gran

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181
21 Neoplasias benignas do ovário

des volumes (é raro ser maior que 15 cm), com apresentar atividade androgênica ou estrogênica,
cápsula espessa, branca e lisa, e seu diferencial já que normalmente as células da Teca produzem
encontra-se no conteúdo, formado por um líqui- andrógenos a partir de colesterol, que são trans-
do bastante viscoso e sebáceo, com a presença formados em estrogênio na granulosa. Os dois
comum de pelos. O tratamento consiste na reti- últimos casos são associados, respectivamente, a
rada do tumor, sem a necessidade de extirpação sinais de hiperandrogenismo e à irregularidade
de todo o ovário, o que deve ser feito, inclusive, se menstrual. Quando produzem estrogênio, ainda
esse for um achado de cesariana. Deve-se tomar elevam a chance de hiperplasias e adenocarcino-
cuidado para não romper a cápsula, já que seu lí- ma de endométrio. O tratamento consiste na re-
quido pode proporcionar peritonite química. tirado do tumor e, na pós-menopausa, convém
retirar-se os ovários e o útero.
€ Tecoma: juntamente com os fibromas, representa
neoplasia do estroma ovariano. São raros, corres- € Fibroma: trata-se de tumor de estroma, sendo
pondendo a 1,3% dos tumores ovarianos benig- mais comum na menacme. Costuma ser peque-
nos. Afetam mulheres mais velhas, com idade no, sólido, firme, branco e bocelado; nas raras ve-
média de 52,6 anos. Caracterizam-se por possuir zes que ultrapassa 6 cm, pode ser acompanhado
células repletas de colesterol (matéria-prima das de ascite, cuja etiologia é desconhecida. Outras
células da Teca) e, por isso, à macroscopia, são, vezes, junto com a ascite, ocorre derrame pleural
além de arredondados e firmes, amarelados. O decorrente da passagem de líquido ascítico pe-
microscópio revela hiperplasia de células do es- los canais linfáticos do diafragma. Essa situação
troma cortical (Teca) com aparência epitelioide, é conhecida como síndrome de Meigs. Micros-
alongadas (inclusive o núcleo), citplasma claro, copicamente, vemos células fibrosas fusiformes
cheias de vacúlos ricos em lipídeos, dispondo- dispostas em feixe. Como nas demais neoplasias,
-se de forma entrecruzada. Podem ser inertes ou o tratamento é a retirada do tumor.

Massa Anexial

Persistente Persistente
pré-menopausa pós-menopausa

CA125
US pélvico com Doppler

Normal Elevado
Preditivo Preditivo
de benigno de maligno
Cirurgia oncológica
Unilocular Complexo
cístico multilocular
< 10 cm Outros
sólido
sem ascite

< 10 cm > 10 cm
Laparotomia
Laparoscopia
(remoção intacta)
Laparoscopia Laparotomia

Figura 21.2 Algoritmo de investigação de massa anexial.

A preocupação com o próprio homem e seu destino deve ser sempre o principal interesse
de todos os empreendimentos técnicos... para que as criações de nossa mente sejam uma benção
e não uma maldição para a humanidade.
Albert Einstein

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CAPÍTULO

22
Neoplasias malignas do ovário

Introdução Classificação e histopato-


O ovário tem a grande capacidade de originar tu- logia
mores das mais diversas linhagens histopatológicas,
em qualquer época da vida. O epitélio superficial, as O câncer pode ser:
células germinativas e o estroma são as principais ma- € Primário: desenvolvido em órgão primitiva
trizes de neoplasias. O epitélio superficial contribui, mente normal;
porcentualmente, com a maioria dos tumores.
€ Metastático: de carcinoma primário genital
Em relação aos tumores ginecológicos, as neo- (habitualmente do endométrio) ou extrageni-
plasias malignas do ovário representam a principal tal, preferencialmente do trato gastrintestinal
causa de morte no EUA, onde ocupam o quarto lugar (às vezes tumor de Krukenberg), rins e mamas.
entre todos os tipos de câncer. No Brasil, estão na oi- Os cânceres primários serão subdivididos de
tava colocação, com incidência de 9 a 17 por 100.000 acordo com a região do ovário em que se originam. As-
mulheres. Representam, ainda, a principal neopla- sim, são de três tipos:
sia ginecológica em crianças.
€ Epiteliais: mais comuns em mulheres na ter-
A natureza silenciosa desses tumores, passan- ceira idade. São seus representantes: cistoa-
do despercebidos nos primeiros estádios, acarreta, denocarcinoma seroso, cistoadenocarcinoma
com frequência, o diagnóstico tardio. Consequente- mucinoso, adenocarcinoma endometrioide e
mente, efetuam-se cirurgias que anulam o potencial cistoadenocarcinoma mesonéfrico (células cla-
reprodutivo dessas jovens ou, o que é ainda pior, per- ras), indiferenciado e misto.
siste o elevado porcentual de letalidade em vários ti- € De linhagem germinativa: mais comuns nas
pos histopatológicos. duas primeiras décadas de vida. Provenientes
de células com potencial de transformação em
qualquer tipo de tecido. São eles: teratoma ima-
Câncer de ovário: “O inimigo oculto”. turo (teratossarcoma), disgerminoma e tumor
do seio endodérmico.
183
22 Neoplasias malignas do ovário

€ Derivados do estroma/cordão sexual: podem acontecer em qualquer idade e incluem os tumores da granu-
losa, os malignos da Teca, androblastomas e ginadroblastomas.
A maioria dos cânceres ovarianos é de origem epitelial (65 a 70%).
O câncer ovariano é bilateral em quase metade dos casos, e, quando unilateral, são grandes as proba-
bilidades de recidiva no ovário oposto, eventualmente conservado.

Origem Células do epitélio Célula Cordões sexuais Metástase para


da superfície germinativa ou do estroma os ovários
Frequência (%) 65-70 15-20 5-10 5
Tumores malignos (%) 90 3-5 2-3 5
Grupo etário (anos) > 20 0-25 Todas as idades Variado
Tabela 22.1 As diferentes origens das neoplasias ovarianas.

Classificação histopatológica
dos tumores ovarianos
Fatores de risco
Tumores derivados do epitélio celômico (epitelial)
Seroso Podem-se dividir os fatores de risco para câncer
Mucinoso de ovário em reprodutivos, genéticos e ambientais. De
Endometrioide qualquer forma, o estímulo constante sobre a ativida-
de ovariana representará um risco, enquanto a manu-
Indiferenciado
tenção de sua quiescência, como com o uso de anticon-
Células claras
cepcionais hormonais, será um fator protetor.
Tumores derivados de células germinativas
Teratoma Fatores reprodutivos: a nuliparidade, por man-
Disgerminoma ter o ciclo menstrual, aumenta em 30 a 60% os riscos
de câncer ovariano, da mesma forma, indutores de
Carcinoma embrionário
ovulação, usados por um longo período, elevam esse
Tumor de seio endodérmico
risco em 2,5 vezes.
Coriocarcinoma
Gonadoblastoma Fatores ambientais: neoplasias malignas de
ovário são 2 vezes mais comuns em países industriali-
Tumores derivados do estroma gonadal
zados. Dietas ricas em gorduras saturadas aumentam
Tecagranulosa
o risco em 1,5 vezes, assim como a exposição ao asbes-
Células de Sertoli-Leydig to, presente em talcos de uso íntimo, também pode
Ginandroblastoma elevar esse risco.
Células lipídicas
Fatores genéticos/familiares: mulheres com
Neoplasma ovariano metastático
história de câncer de ovário na família apresentam 3 a
Tumor de Krukenberg
4 vezes mais chances de desenvolvê-lo. A raça branca
Tabela 22.2 Classificação histopatológica dos tu- é mais suscetível a ele, assim como pessoas com tipo
mores ovarianos. sanguíneo A.

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184
Ginecologia

Um novo comprometimento à prática da ginecologia oncológica foi introduzido com a identificação dos
genes BRCA1 e BRCA2 como preditores de suscetibilidade ao câncer de ovário. Estima-se que 10 a 15%
das mulheres com câncer de ovário carreiem mutações germinativas em genes de alta penetrância, sendo os genes
BRCA1 ou BRCA2 os responsáveis pela síndrome de câncer de mama e ovário hereditária (HBOC). Na sequência
destes achados, os genes MLH1, MSH2 e MSH6 foram implicados no desenvolvimento da síndrome de
Lynch, responsável por adicionais 2% dos cânceres de ovário, levando à sugestão por muitos grupos de
que a testagem genética rotineira devesse ser oferecida a todas as mulheres com diagnóstico de câncer de ovário.
Os genes BRCA1 e BRCA2 são supressores de tumor e estão diretamente ligados à manutenção da
integridade do genoma com suas atividades no checkpoint do ciclo celular e no reparo de quebras da
fita dupla do DNA.
Entre portadoreas de mutação em BRCA1, o risco de desenvolver câncer de ovário é de aproximadamente
1% ao ano a partir dos 35 anos, perfazendo aproximadamente 40% de chance acumulada ao longo da vida. En-
tre portadoras de mutações em BRCA2, o risco é menor, aproximadamente 15%, e geralmente não se
manifesta antes dos 50 anos de idade. Apesar de a mutação ser a mesma, indivíduos de uma mesma família
podem desenvolver tumores com características distintas e em idades variadas, provavelmente em decorrência da
interferência de fatores exógenos.

Risco de desenvolvimento de câncer pormutação específica


BRCA1 BRCA2 MMR*
Mama 50-85% 50-85% NA
Ovário 30-40% 15-25% 5-10%
Endométrio NA NA 40-60%
Tabela 22.3 (*) Mismatch repair genes MSH2, MLH1 e MSH6. NA: não aumentado.

Quebra no cromossomo
Instabilidade no genoma

Disfunção em
BRCA1 ou BRCA2

Ponto de
checagem intacto
Sim no ciclo celular Não
(i.e., proteína p53
funcional)?
Ativação do Erros no genoma
ponto de checagem tolerados

Desvantagem Transformação
no crescimento maligna acelerada
seletivo e não há
desenvolvimento
tumoral
Figura 22.1 Diagrama descrevendo o papel da mutação em BRCA no desenvolvimento do tumor. As células com
DNA danificado frequentemente são bloqueadas nos pontos de checagem ao longo do ciclo celular e, consequente-
mente, impedidas de prosseguir para a fase de mitose. Se esses pontos de checagem não estiverem funcionando, os
erros genômicos podem ser tolerados, levando à transformação maligna.

Em relação aos aspectos genéticos dos tumores de linhagem não epitelial, existem algumas síndromes ge-
néticas que a eles se associam. A síndrome de Peutz-Jeghers (pigmentação mucocutânea e pólipos intestinais),
a doença de Ollier (condromatose) e a síndrome de Maffucci (condromatose e hemangiomas) associam-se aos
tumores da linhagem estromal.

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185
22 Neoplasias malignas do ovário

A disgenesia gonadal, como a síndrome de achados de exames complementares. Geralmente, a


Swyer, relaciona-se ao gonadoblastoma e ao dis- ultrassonografia traz a suspeita, elevada pelos mar-
germinoma. Finalmente, a síndrome do testículo cadores, porém, a confirmação se dá apenas pelo es-
feminilizante predispõe ao seminoma. tudo anatomopatológico.
Como fatores protetores, os mais impor-
tantes são: ciclos anovulatórios (como os da SOP),
que reduzem em 2 a 3 vezes o risco; uso de anti-
concepcionais orais hormonais, que, quando usados
por mais de 5 anos, reduzem de 30 a 50% os riscos;
Quadro clínico
e amamentação. Quando sintomáticos, o que geralmente se dá em
Sabe-se que esses tumores ocorrem em qualquer fases avançadas, os carcinomas de ovário podem causar:
idade, mas há diferenças nos tipos histológicos duran- € Dor abdominal (60%);
te as várias décadas de vida. Assim, mulheres jovens
são mais acometidas pelas neoplasias benignas ou
€ Crescimento do abdome (46,7%);
pelos tumores de baixo potencial de malignidade. As € Emagrecimento (32%);
mulheres acima de 55 anos apresentam as formas € Sintomas gastrintestinais (28%);
do câncer mais agressivas ou avançadas.
€ Sintomas urinários (8%);
€ Edema dos membros inferiores (6,7%);
Fatores reprodutivos Importância € Dor lombar (2,7%);
Nuliparidade Aumento 30 a 60% do
risco
€ Perturbações menstruais (1,3%);
Amamentação Fator protetor € Sangramento genital da pós-menopausa (1,3%);
Ciclos anovulatórios Redução do risco em 2 a 3 € Assintomáticas.
vezes
As alterações gastrointestinais, urinárias e ede-
Uso de indutores por mais Elevação do risco em 2,5
de 12 ciclos vezes mas decorrem de efeito compressivo tumoral. Infe-
Uso de anticoncepcional Redução do risco em 30 lizmente, a percepção do tumor na maioria das vezes
oral a 50%, ao uso de 5 a 10 só é realizada por causa do aumento de volume abdo-
anos minal, com percepção de massa pélvica avançando ao
Fatores genéticos hipogastro. Tumores de grande volume podem, ainda,
torcer e provocar quadro de abdome agudo, fato que
História familiar Aumento do risco em 3 a 4
vezes também permitirá seu diagnóstico.
Síndromes hereditárias Risco de 50% de As perturbações menstruais provavelmente de-
desenvolver CA ovariano correm da atividade estrogênica de alguns tumores.
Grupo sanguíneo Elevação do risco em Os toques vaginal e retal auxiliam muito na de-
2 vezes para grupo A –
terminação da origem de massa pélvica palpável, aju-
questionado por vários
dando a afastar tumores de origem intestinal.
autores
Fatores ambientais Assim, diante de sintomatologia suspeita, basea-
Países industrializados Aumento do risco em 2 da nos sintomas expostos, lança-se mão de propedêu-
vezes tica armada na busca ativa do tumor ovariano.
Dieta rica em gordura Aumento do risco em 1,5
saturada vezes O diagnóstico presumível, pré-operatório, da
Uso de asbesto na genitália Resultados conflitantes moléstia fundamenta-se nos seguintes dados
externa clínicos:
Tabela 22.4 € Idade da paciente (preferencialmente entre 40 e 70
anos);
€ Raça (preferencialmente branca);
€ Obesidade;
Diagnóstico € Elevado nível socioeconômico;
€ Antecedente de câncer mamário ou gastrointestinal;
A maioria dos carcinomas de ovário é assin-
€ Nuliparidade (elevada incidência em mulheres esté-
tomática ou apresentam sintomas inespecíficos,
reis ou inférteis);
exceto quando em fases avançadas. Assim, a sus-
€ Perda de peso.
peição diagnóstica é baseada em fatores de risco ou

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186
Ginecologia

Ao exame clínico, o diagnóstico se dá quando: O recurso Doppler associado à ultrassonografia


€ Tumor abdominal de crescimento rápido;
é um importante auxiliar, especialmente em casos
duvidosos. Doopler com baixo índice de resis-
€ Tumor pélvico bilateral, tumor sólido;
tência/vascularização dos septos e é critério
€ Tumor cístico com áreas sólidas;
de suspeita de malignidade. Critérios de Sassone
€ Tumor fixo com ascite associada;
negativos e Doppler normal aumentam o valor pre-
€ Nódulos tocáveis na escavação retouterina; ditivo negativo de carcinoma ovariano para 98%.
€ Tromboflebites recidivantes; Isso tem fundamental importância na pós-meno-
€ Sinais de metástases a distância. pausa, na qual cistos com menos de 5 cm podem ser
Tabela 22.5 acompanhados clinicamente desde que o Doppler
esteja normal.
O risco de câncer será maior se houver mui-
Exames de imagem ta vascularização central no achado ovariano e o
Diante da suspeita de câncer ovariano com base índice de resistência local for menor que 0,4 ou,
nos sintomas e no exame físico, deve-se solicitar ul- de pulsatilidade, menor que 1.
trassonografia pélvica endovaginal. Esse exame é mais A tomografia e a ressonância magnética são au-
sensível para a detecção de massas pélvicas. A ultras- xiliares na avaliação pré-operatória e na busca de me-
sonografia permite a definição de características mor- tástases.
fológicas das massas anexiais, úteis para estabeleci-
mento de diagnóstico e conduta adequados.
Os achados que caracterizam suspeita de ma-
lignidade são conhecidos como critérios de Sasso-
ne, e sua ausência apresenta valor preditivo nega-
tivo de 96%, o que significa dizer que, se a massa
apresentar caracteres sugestivos de benignidade,
há enormes chances de assim o ser. Havendo tais
critérios, especialmente à luz da idade da mulher, a pro-
pedêutica invasiva pode estar indicada. Os critérios
são: massas na pré-puberdade e na pós-menopausa,
massas maiores que 8 cm, presença de cápsula espessa,
bilateralidade, conteúdo misto, multilobulação, vegeta-
ção intracística, septações grosseiras e ascite.
Deve-se ressaltar que, na pós-menopausa,
mesmo com critérios sugestivos de benignidade,
cistos maiores que 5 cm devem sempre ser in-
vestigados cirurgicamente. Os menores podem ser
acompanhados desde que tenham Doppler normal e
marcadores negativos.

Parâmetros ultrassonográficos
Potencial de Baixo Alto
malignidade
Tamanho < 10 cm > 10 cm
tumoral
Septações Ausentes ou Grosseiras
finas (1-2 mm)
Número de Uniloculada Multiloculada
lóculos Figura 22.2 Cistoadenocarcinoma. A: USTV eviden-
Densidade Hipoecogênica/ Hiperecogênica ciando imagem tipicamente suspeita de malignidade –
homogênea e/ou mista e/ou massa heterogênea em região de fossa ilíaca esquerda
com componente (setas), de contorno irregulares, conteúdo ecogênico
sólido heterogêneo, com Doppler evidenciando visualização
Saliências Ausentes Presentes no componente sólido da massa. B: USTV mostrando,
papilares também, massa ecogênica complexa, com Doppler col-
Tabela 22.6 Critérios ultrassonográficos para caracteri- orido evidenciando vascularização no componente só-
zação da suspeita da malignidade de massas anexiais. lido da massa (asterisco).

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187
22 Neoplasias malignas do ovário

€ CA 19-9: marcador de tumor epitelial mucino-


so, assim como o CEA.
€ β-hCG: aumentado em coriocarcinomas.
€ alfafetoproteína: é marcador de tumor do seio
endodérmico.
€ estradiol: como é produzido em células da gra
nulosa, apresenta-se com níveis elevados em tu-
mores envolvendo essas células.
Os demais marcadores encontram-se listados na
Tabela 22.7.

Marcador Tumor
Figura 22.3 Ultrassonografia de abdome e pelve. Note CA-125 Tumores epiteliais
a extensa lesão de conteúdo predominantemente cístico
com áreas sólidas formando imagem heterogênea. CEA Cistoadenocarcinoma mucinoso
β-hCG Coriocarcinoma
Alfafetoproteína Tumor de seio endodérmico
LDH Disgerminoma
Marcadores tumorais Estradiol Tumor de células da granulosa
Os marcadores tumorais são substâncias que Progesterona Tecoma
apresentam níveis elevados na presença de um deter- Testosterona Arrenoblastoma
minado tumor. Cada neoplasia ovariana associa-se a
um tipo de marcador, sendo os mais importantes: Tabela 22.7 Marcadores tumorais e histologia ovari-
ana correlacionada.
€ CA-125: trata-se de um antígeno encontrado em
células que derivam do epitélio celômico, como
tubas, endométrio, decídua, endocérvice, pleura,
peritônio, brônquios e âmnio, podendo se elevar
Anatomia patológica
quando houver proliferação de qualquer desses O exame histopatológico é uma forma definitiva
tecidos, de modo que não pode ser usado como
de diagnóstico, trazendo a exata origem da neoplasia
método diagnóstico único, tendo valor agregati-
ovariana e permitindo terapêutica adequada. A seguir,
vo, prognóstico e de acompanhamento.
descreveremos as principais características dos carci-
É marcador de tumores epiteliais, em especial o nomas ovarianos mais importantes.
cistoadenocarcinoma seroso. Deve-se valorizar ní-
veis superiores a 35 U/mL com achados ultrasso-
nográficos sugestivos de malignidade, ou valores
maiores que 50 a 65 U/mL na pós-menopausa. Epiteliais
Paciente na pós-menopausa com massa anexial e ní- € Cistoadenocarcinoma seroso: neoplasia cís-
vel sérico de CA-125 muito alto (> 200 U/mL), apresenta tica revestida por células epiteliais colunares, ci
valor preditivo positivo para neoplasia maligna de 96%. liadas, altas e com conteúdo seroso. Correspon-
de a maioria dos casos.
Valores menores que 65 U/mL mostram me-
lhor prognóstico, enquanto valores acima de 586 € Cistoadenocarcinoma mucinoso: tumores
UI no pré-operatório se associam a alta probabi- multiloculados cheios de líquido gelatinoso e
lidade de citorredução insatisfatória. pegajoso, rico em glicoproteínas. Microscopi-
camente, são revestidos de células colunares
É importante para o seguimento pós-terapêuti- altas, sem cílios e com mucina atípica e apre-
co, avaliando resposta à quimioterapia adjuvante. Em sentam atipias e áreas de necrose. 5 a 10% dos
pacientes cujos valores do CA-125 se normali- cancêres epiteliais do ovário verdadeiros são
zam com a quimioterapia, sua elevação em mais adenocarcinomas mucionos. A frequência em
de uma medida subsequente é altamente prediti- geral é superestimada em razão de não detecção
va de doença ativa. de sítios intestinais primários, como o apêndice
Pode, ainda, ser usado no acompanhamento de ou o cólon.
mulheres com síndromes familiares associadas a cân- € Adenocarcinoma endometrioide: apresen-
cer de ovário. É preciso ressaltar que, no estádio I, 50 a tam glândulas atípicas, semelhantes às de origem
77% das doentes apresentam dosagem sérica normal. endometrial.

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188
Ginecologia

€ Adenocarcinoma de células claras: seme- € Tumor do seio endodérmico: diferencia-


lhante à endometrioma de células claras do endo- ção de célula multipotencial para estrutura
métrio, tem origem mülleriana. As células claras do saco vitelínico. Histologicamente, apre-
distribuem-se em tubos (variedade sólida) ou re- senta arranjo semelhante ao glomérulo com
vestem alguns espaços císticos (variedade cística). vaso central envolto por células germinativas
que também compõem uma pseudocápsula
(corpúsculo de Schiller-Duval). No interior
das células, ainda é possível notar gotículas
Germinativos hialinas, ricas em alfafetoproteína.
€ Teratoma imaturo: macroscopicamente, apre- € Carcinoma embrionário: é um tumor extrema-
sentam áreas sólidas com necrose, hemorragia e
mente raro, compreendendo apenas 4% de todos
líquido sebáceo. Ao microscópio, nota-se teci-
do imaturo, diferenciando-se em outros como os tumores germinativos. A idade média de aco-
cartilagem, glândulas, ossos, músculo e nervos. metimento é de 15 anos.
A agressividade é diretamente proporcional à Geralmente são tumores unilaterais e, em 50%
quantidade de neuroepitélio imaturo. dos casos são funcionantes, secretando estrógeno e le-
€ Disgerminoma: é composto de grandes células vando a quadro de puberdade precoce e sangramento
vesiculares de citoplasma claro, bem delimitadas genital. Secretam alfafetoproteína e β-hCG.
e núcleo de localização central. Alguns apresen-
O tratamento é cirúrgico, com salpingo-ooforec-
tam células sinciciotrofoblásticas gigantes, pro-
tomia unilateral seguida de quimioterapia. Apresen-
duzindo β-hCG. O grau de atipias é variável e
apenas 1/3 mostra agressividade. É o tumor tam prognóstico ruim.
germinativo maligno mais comum, compreen- € Coriocarcinoma: o coriocarcinoma se divide
dendo 30 a 40% dos tumores germinativos, 1 em gestacional e não gestacional sendo este úl-
a 3% de todos os tumores ovarianos e até 10% timo extremamente raro. Ocorre em 50% das
dos cânceres de ovários com mulheres de ida- vezes antes da pré-puberdade. Frequentemen-
de inferior a 20 anos. Aproximadamente 5% dos
te aparece de forma mista associado a outros
disgerminomas são encontrados em mulheres
tumores de células germinativas, geralmente o
com anormalidades gonadais e de fenótipo. As
meninas pré-menarca que se apresentam com disgerminoma. Secretam grandes quantidades
massas pélvicas devem ter seu cariótipo deter- de β-hCG.
minado. Há associação ao gonadoblastoma, o O tratamento cirúrgico prevê a salpingo-ooforec-
tumor benigno com componentes de células ger- tomia seguida de quimioterpia, a qual pode ser BEP
minativas e do cordão sexual-estroma. (bleomicina, platina e etoposide) ou MAC (metotre-
xato, actinomicina D e ciclofosfamida), a exemplo do
tratamento do tipo gestacional.
€ Poliembrioma: esses tumores caracteristica-
mente contêm muitos corpos semelhantes a
embriões. Cada um tem um pequeno “disco
germinativo” central posicionado entre duas
cavidades, uma semelhante a uma cavidade
amniótica e outra, a um saco vitelino. Células
sinciciotrofoblásticas gigantes são frequentes,
mas para que a designação poliembrioma pos-
sa ser usada, elementos outros além de corpos
embrioides devem constituir menos de 10%
do tumor. Conceitualmente, esses tumores
podem ser vistos como uma ponte entre os
tipos de tumores de células germinativas pri-
mitivas (disgerminoma) e diferenciadas (te-
ratoma). Por essa razão, os poliembriomas em
geral são considerados como os mais imaturos
de todos os teratomas. Os níveis séricos de
AFP, β-hCG ou ambas podem estar aumen-
tados nesses indivíduos em razão dos com-
Figura 22.4 A: teratoma ovariano. B: disgerminoma. ponentes sinciciais e do saco vitelino.

SJT Residência Médica – 2016


189
22 Neoplasias malignas do ovário

Relação entre tipo histológico do tumor germinativo maligno em relação a prevalência,


lateralidade e expressão de marcadores tumorais
Histologia Incidência Bilateralidade β-HCG AFP LDH
Disgerminoma 40% 10-20% +/– – +
Tumor do seio edodérmico 22% Raro – + +/–
Teratoma imaturo Raro, teratoma benig-
20% no comum no outro – +/– +/–
ovário
Carcinoma embrionário Raro Raro + + +/–
Coriocarcinoma Raro Raro + – –
Poliembrioma Raro Raro +/– +/– +/–
Tumores mistos 10-15% –
Tabela 22.8

pacientes jovens, manifestando-se em estágio


Tumores do estroma/cordão mais precoce em relação aos carcinomas epiteliais
sexual ovarianos (CEO). Tendem a ocorrer com maior
€ Tumor da granulosa: apresenta-se amarelado frequência durante a vida reprodutiva. Cerca de
por conter lipídios. Possui células de formato va- 50-80% apresentam estágio I e 15-20% os es-
riável que crescem em cordões, camadas ou fai- tágios III-IV. Embora mutações no gene BRCA
xas que se anastomosam. Às vezes, formam pe- possam estar associados a um risco aumentado de
quenas estruturas semelhantes a glândulas cheias desenvolver câncer de ovário invasivo, essas muta-
de material acidófilo que lembram folículos ima-
ções parecem não conferir um risco aumentado para
turos (corpúsculos de Call-Exner).
tumores de baixo potencial de malignidade.
€ Androblastoma: as células apresentam padrão
sarcomatoso com distribuição desordenada de cor Estes tumores mantêm algumas das caracterís-
dões de células epiteliais, mas geralmente há células ticas histopatológicas de tumores ovarianos malig-
de Leydig de permeio. A variante heteróloga pode nos, mas são caracterizados pela ausência de invasão
ter ossos, cartilagem e glândulas mucinosas. estromal. Os critérios histopatológicos para o
diagnóstico de TBO incluem atipia nuclear, es-
tratificação do epitélio, formação de projeções
Metastáticos papilares microscópicas e ausência de invasão
€ Krukenberg: massas bilaterais formadas por estromal, representando um grupo de tumores
células cancerosas em anel de sinete, produtoras com características histopatológica e biológica
de mucina e geralmente de origem gástrica. intermediárias entre neoplasias benignas e ma-
lignas do ovário.
O prognóstico depende do estágio e das caracte-
rísticas histopatológicas do tumor, mas geralmente
é bom.
Subgrupos específicos de pacientes com tumores
borderline que não têm sobrevida > 90% têm sido iden-
tificados. Nestas pacientes, os TBO recidivam e cau-
sam morbidade ou mortalidade de forma análoga aos
carcinomas invasivos. Pacientes com TBO em estágio
avançado podem ocasionalmente ter características
associadas a pior prognóstico. Entretanto, isso não
Figura 22.5 Tumor de Krukenberg. ocorre em estágios mais precoces.
Fatores como doença residual após tratamen-
to primário, microinvasão, aneuploidia, alto índice
Tumores borderlines mitótico e/ou atipia celular aumentada podem ser
Os tumores borderlines (TBO) correspondem indicativos de risco aumentado para recidiva, persis-
10-20% da incidência dos tumores malignos tência de doença ou morte, comparados em pacientes
epiteliais ovarianos e geralmente ocorrem em sem estes achados.

SJT Residência Médica – 2016


190
Ginecologia

Estadiamento do tumor borderline de ovário Estadiamento (cont.)


1. Obtenção de líquido peritoneal livre na cavidade para Estádio I - tumor limitado aos ovários
avaliação citológica. Estádio IA: tumor limitado a um ovário; ascite ausen-
2. Na ausência de líquido livre, recomenda-se a realização te; sem tumor na superfície externa; cápsula íntegra.
de lavado peritoneal através da irrigação com solução sali- Estádio IB: tumor limitado a ambos os ovários; asci-
na de fundo de saco, goteiras parietocólicas e regiões sub- te ausente; sem tumor na superfície externa; cápsula
diafragmáticas. íntegra.
3. Inventário e exploração sistemática de todos os ór- Estádio ICa: tumor do estádio IIA ou IB, mas com tu-
gãos e superfícies abdominais: intestino, fígado, vesí- mor na superfície de um ou de ambos os ovários, ou
cápsula rota, ou, ainda, com ascite ou lavados perito-
cula biliar, diafragma, mesentério, omento e todo pe-
neais presentes, ambos positivos de células malignas.
ritônio devem ser visualizados e palpados.
Estádio II - tumor de um ou ambos os ovários
4. Áreas suspeitas e/ou aderências devem ser biop-
com propagação pélvica
siadas. Na ausência de áreas suspeitas, múltiplas bi-
Estádio IIA: propagação e/ou metástases no útero e/
ópsias devem ser obtidas do peritônio de fundo de
ou tubas uterinas.
saco, goteiras parietocólicas, bexiga e mesentério. Estádio IIB: propagação a outras estruturas pélvicas.
5. O omento deve ser ressecado do cólon transverso. Estádio IICa: tumor do estádio IIA ou IIB, mas com
tumor na superfície de um ou de ambos os ovários, ou
6. O retroperitônio deve ser explorado para avaliar a
cápsula rota, ou, ainda, com ascite ou lavados perito-
presença de linfonodos pélvicos e para-aórticos. Amos- neais presentes, ambos positivos de células malignas.
tragem linfonodal é recomendada.
Estádio III - tumor de um ou ambos os ovários com
7. A histerectomia total abdominal e salpingo-ooforecto- metástases intraperitoneais extrapélvicas e/ou
mia bilateral devem ser realizadas, embora a cirurgia com linfonodos retroperitoneais ou inguinais positi-
preservação da fertilidade possa ser uma opção para algu- vos: metástase na superfície do fígado; tumor limitado
mas mulheres. à pelve verdadeira, mas com propagação histologica-
Tabela 22.9 mente comprovada ao intestino delgado ou ao omento.
Estádio IIIA: tumor macroscopicamente limitado à
pelve verdadeira, com linfonodos negativos, mas com
propagação peritoneal microscopicamente confirma-
da.
Estadiamento Estádio IIIB: tumor de um ou ambos os ovários, com
implantes na superfície peritoneal histologicamente con-
O estadiamento de câncer de ovário é cirúrgico. firmados, nenhum deles com diâmetro maior que 2 cm;
Como veremos no tratamento, qualquer lesão suspei- linfonodos negativos.
ta é excisada e enviada para congelação e, sendo posi- Estádio IIIC: implantes abdominais com diâmetro supe-
tiva, faz-se a cirurgia completa de estadiamento, que rior a 2 cm e/ou linfonodos retroperitoneais ou inguinais
consiste em laparotomia mediana, coleta de lavado positivos.
peritonial ou líquido ascítico, inventário da cavidade, Estádio IV - tumor de um ou ambos os ovários com
biópsia de lesões suspeitas, histerectomia com ane- metástases distantes: se houver derrame pleural, a
citologia deverá ser positiva para enquadrar o caso no
xectomia bilateral, linfadenectomia pélvia e paraórtica
estádio IV; metástases no parênquima hepático equiva-
seletiva, omentectomia infracólica e retirada de qual-
lem a estádio IV; a presença de ascite não altera o esta-
quer massa tumoral visível (maior que 1 cm). diamento nos grupos III e IV; em relação ao estádio I, a
Em caso de carcinoma mucinoso, o apêndi- comprovação de células malignas no líquido peritoneal
ce deve ser sempre removido, pois pode se tra- tem real significado para o prognóstico e exige a imedia-
tar de um primário de apêndice com metástase ta adoção de medidas que visem prevenir o implante e a
em ovário. proliferação desses elementos na serosa peritoneal.
Tabela 22.10 (a) para avaliar o impacto sobre o prog-
Quando há suspeita de que o ovário seja sítio de
nóstico dos diferentes critérios para alocar os casos nos
metástase, devem-se investigar os principais focos
estádios IC ou IIC, seria importante saber se a ruptura da
primários, ou seja, a mama por mamografia, o estô- cápsula foi espontânea ou causada pelo cirurgião; e se
mago por endoscopia, o endométrio por ultrassono- as células malingas detectadas vieram de lavados peri-
grafia e o cólon por colonoscopia. toneais ou de líquido acítico.

Estadiamento A principal via de disseminação do carcinoma


A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia epitelial ovariano é a celômica. Acredita-se que esta
(FIGO, 2003) propôs o seguinte estadiamento, universal- disseminação peritoneal ocorra inicialmente na pelve,
mente aceito: havendo acometimento de ovário contralateral, tubas e

SJT Residência Médica – 2016


191
22 Neoplasias malignas do ovário

útero. Posteriormente ocorre acometimento de outros A via de disseminação linfática para os linfono-
órgãos pélvicos, como bexiga e reto. O revestimento epi- dos pélvicos e para-aórticos é relativamente comum,
telial simples do ovário, bem como seu posicionamento principalmente na doença avançada.
pélvico, favorece a disseminação direta para outros ór- Esta via de disseminação parece respeitar dois
gãos pélvicos. A mobilização fisiológica das alças intesti- trajetos: disseminação retrógrada pelo ligamento
nais e a circulação e drenagem do líquido peritoneal pare- largo, linfáticos obturadores, ilíacos internos e exter-
cem contribuir para a disseminação extrapélvica através nos, e por fim linfonodos paraórticos; e via de disse-
do carreamento de células malignas esfoliadas. Tal fluxo minação direta, pelos ligamentos infundibulopélvi-
de disseminação parece explicar a presença de implantes cos até as regiões paraórtica e paracaval. A drenagem
seguindo localizações específicas, como no fundo de saco através dos ductos linfáticos do diafragma e através
pélvico, na goteira parietocólica direita, no recesso sub- dos linfonodos retroperitoneais pode levar a disse-
diafragmático, hilo esplênico, ligamento falciforme, jun- minação acima do diafragma, especialmente para lin-
ção ileocecal, omento e retossigmoide. Apesar de a disse- fonodos supraclaviculares.
minação peritoneal ser considerada a mais frequente, foi
sugerido que o carcinoma ovariano com origem epitelial A via de disseminação hematogênica é rela-
poderia se desenvolver em qualquer superfície celômica, tivamente incomum no momento do diagnóstico,
surgindo simultaneamente nos ovários e no peritônio ocorrendo com maior frequência em algum momento
(tumores sincrônicos ou de novo), contrariando a teoria após o tratamento. Disseminação para o parênquima
da via de disseminação intraperitoneal progressiva. pulmonar ou hepático ocorre em 2 a 3% dos casos.

Figura 22.6 Estadiamento da FIGO para câncer de ovário (veja a Tabela 22.10 para correlação adequada).

Prognóstico
A taxa de sobrevida global em cinco anos de todos os estádios do câncer epitelial de ovário é
45%, muito abaixo do câncer de útero (84%) ou de colo uterino (73%). As taxas de sobrevida dependem
muito de haver ou não metástase, espelhando o estadiamento da FIGO. Curiosamente, as portadoras de
mutação nos genes BRCA têm melhor prognóstico, principalmente em razão de maior sensibilidade
à platina. Contudo, mesmo com fatores prgonósticos favoráveis e apesar das inovações recentes, a maioria
das pacientes finalmente sofre recidiva.

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192
Ginecologia

Fatores prognósticos favoráveis mais importan- O procedimento cirúrgico começa com laparo-
tes para câncer de ovário tomia mediana, seguida de ressecção do tumor ou
Idade decrescente
ovário afetado e congelação. Caso ela seja positiva,
Boa performance complementa-se o ato cirúrgico com lavado perito-
Tipo celular diferente de tumor de células claras e neal, biópsias de lesões suspeitas, omentectomia in-
mucinoso fracólica, histerectomia e salpingo-oforectomia bila-
Tumor bem diferenciado teral, linfadenectomia pélvica e paraórtica seletiva e
Volume menor do tumor anteriormente à ressecção retirada de implantes (citorredução). Deve-se tomar
cirúrgica cuidado para evitar a ruptura da cápsula do tumor,
Ausência de ascite pois isso piora o prognóstico. Os princípios do trata-
Tumor residual menor após cirurgia de citorredução mento cirúrgico do câncer de ovário são mostrados
primária na Tabela 22.13.
Tabela 22.11
Há várias razões que explicam por que a ressec-
ção de implantes de câncer de ovário parece prolongar
O volume tumoral residual é o único fator a sobrevida. Primeiro, a cirurgia remove grandes volu-
prognóstico que o cirurgião pode mudar, sendo a mes de clones de células tumorais quimiorresistentes.
ressecabilidade, de fato, influenciada pela experiência, Segundo, a remoção das massas necróticas melhora a
pelo julgamento e esforço do cirurgião. distribuição de medicamentos às células bem vascula-
rizadas remanescentes. Terceiro, pequenos implantes
tumorais residuais devem ter crescimento mais rápi-
Sobrevida em estágios iniciais de
do e, portanto, são mais suscetíveis à quimioterapia.
câncer epitelial de ovário
Quarto, a redução do número de célular cancerosas
Sobrevida 1 ano 2 anos 5 anos
resulta em menos ciclos de quimioterapia e reduz a
IA 98,4 96,2 89,6 probabilidade de quimiorresistência. Finalmente, a re-
IB 100 93,9 86,1 moção do tumor volumoso potencialmente fortalece o
IC 96,3 91,4 83,4 sistema imune.
IIA 93,0 87,2 70,7
IIB 93,4 84,5 65,5
IIC 93,6 85,6 71,4
Princípios do tratamento cirúrgico do câncer de
Tabela 22.12 ovário
1. Laparotomia mediana ampla para inventário de
toda cavidade peritoneal
2. Coleta de ascite ou lavado peritoneal para ser envia-
do para exame citopatológico
Tratamento 3. Histerectomia total tipo I com anexectomia bilateral,
que poderá ser realizada no sentido anteroposterior e
em bloco, com ressecção do peritônio pélvico vesical e
Cirúrgico do fundo de saco de Douglas em casos de metastatiza-
A princípio, todo câncer de ovário requer trata- ção nessas localizações; ou em bloco, com ressecção de
mento cirúrgico. parte da bexiga e/ou do retossigmoide e/ou dos vasos
da parede pélvica
A cirurgia para o câncer de ovário tem como 4. Omentectomia infracólica, caso não exista metástase
principais objetivos o estadiamento da neoplasia e a macroscópica (8,9% de metástase microscópica) ou
citorredução, que é a ressecção máxima do tumor, ain- total se houver metástase macroscópica
da que incompleta, visando obter melhores resultados 5. Biópsias peritoneais nos locais suspeitos para
no tratamento quimioterápico adjuvante. A respon- estadiamento ou citorredução
sabilidade do cirurgião é muito grande, no sentido de 6. Linfadenectomia paraórtica e pélvica, indicada como
que ele sempre deverá se esforçar totalmente para res- estadiamento sempre que a avaliação da cavidade
secar o máximo de tumor possível (idealmente, todo indique estádio menor que IIIC, pois a presença de
o tumor macroscópico). Considera-se como ótima metástase linfática determinará estadiamento IIIC
uma citorredução com a persistência de um vo- 7. Apendicectomia, indicada em caso de metástase ou
lume tumoral macroscópico inferior a 1 cm de de envolvimento do apêndice cecal pelo tumor
diâmetro. Dessa forma, o tratamento cirúrgico do 8. Citorredução com ressecção de segmento de alça de
câncer de ovário exige um cirurgião oncológico capaz intestino delgado ou grosso deverá ser realizada em caso
de realizar procedimentos cirúrgicos “não ginecológi- de implantes maiores, que não sejam ressecáveis pela
cos”, envolvendo os aparelhos gastrintestinal e uriná- simples excisão da seromuscular
rio, entre outros. Tabela 22.13

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193
22 Neoplasias malignas do ovário

Os tumores estádio IAG1, de formas não agres- Critérios de tratamento mais conservador para
sivas, podem ser tratados apenas com anexectomia manutenção do futuro reprodutivo em pacientes com
envolvendo o ovário afetado e retirada de alguns linfo- câncer de ovário
nodos ipsilaterais, desde que o lavado peritoneal seja
negativo e nunca se esquecendo de biopsiar o ovário Estádio IA
oposto. O risco desse tipo de tratamento apenas é váli- Tumor bem diferenciado
do em mulheres na pré-menopausa desejosas de gravi-
dez, fato esse que impede radioterapia posterior, pois Pelve completamente normal, exceto pelo tumor unila-
esta leva à infertilidade. teral do ovário, encapsulado e livre de aderências
Ausência de invasão da cápsula, do mesovário e de lin-
Uma segunda cirurgia citorredutra pode ser
fáticos
realizada se houver recidiva tumoral, mas esta con-
duta já sinaliza para um prognóstico mais restrito. Lavado peritoneal negativo

Embora a seleção de pacientes seja de certa for- Biópsia do ovário contralateral e do omento negativas
ma arbitrária, as melhores candidatas à cirurgia citor- Possibilidade de acompanhamento próximo da paciente
redutora secundária apresentam: (1) doença sensível
Possibilidade de completar a cirurgia após o término da
à platina, (2) intervalo prolongado livre de doença, (3)
vida reprodutiva
um único local de recorrência e (4) ausência de ascite.
Para que se obtenha benefício máximo em termos de Tabela 22.14 Critérios de tratamento mais conser-
sobrevida, a citorredução deve resultar em doença re- vador para manutenção do futuro reprodutivo em pa-
sidual mínima. No entanto, aproximadamente meta- cientes com câncer de ovário.
de das pacientes será submetida à exploração cirúrgica
sem que este objetivo seja atingido. A resposta à quimioterapia pode ser de
quatro tipos: completa, quando desaparece todo
tumor em 1 mês; parcial, quando hã desapareci-
Quimioterapia mento de ao menos 50% de áreas tumorais em 1
mês; doença estável, quando não há alteração das
Levando-se em considerações que em muitos dimensões das massas tumorais; progressão da do-
casos a citorredução cirúrgica ótima primária não é ença, quando ocorre aparecimento de nova massa
alcançada, os benefícios de um esquema quimioterá- tumoral ou aumento de 50% ou mais de qualquer
pico de indução (neoadjuvante), antes da citorre- massa pré-existente.
dução cirúrgica, têm sido testados, demonstrando au-
mento significativo na porcentagem de pacientes que As pacientes que não respondem à quimiote-
conseguirão citorredução completa. rapia primária, ou seja, apresentam doença estável
ou progressão da doença, têm prognóstico péssimo,
O tratamento quimioterápico adjuvante à mesmo utilizando drogas de segunda linha. As pa-
cirurgia é indicado a praticamente todos os ti- cientes que inicialmente respondem à quimioterapia
pos de tumor, ficando isentos apenas aqueles em primária, mas recidivam menos de seis meses após o
estádio IA e IB, desde que não sejam G3 nem per- término desse tratamento, devem receber tratamen-
tencentes a variedades agressivas, como tumor to com drogas de segunda linha. São considerados
de células claras, do seio endodérmico ou terato- aceitáveis como segunda linha os seguintes agentes:
ma imaturo. altretamina, topotecano, tamoxifeno, etoposide, vi-
O esquema de drogas é variável de acordo com a norelbina, doxorrubicina lipossomal, gemcitabina,
neoplasia, mas a melhor resposta é obtida quando há ifosfamida e a radioterapia.
um derivado de platina (cisplatina ou carboplatina). A
combinação mais usada é paclitaxel e cisplatina.
Os tumores ovarianos são considerados Radioterapia
heterogeneamente sensíveis à quimioterapia,
sendo a eficácia terapêutica diretamente de- Os carcinomas ovarianos são, em geral, pouco
pendente do tamanho do tumor residual após sensíveis à radioterapia, além de haver dificulda-
a cirurgia. Quanto maior o tumor residual, menor des técnicas de irradiação de todo o abdome. En-
a possibilidade de que a quimioterapia elimine a do- tretanto, esse tipo de tratamento deve ser usado
ença completamente. Isso se deve ao maior número em casos de disgerminomas puros, pois são bas-
de células na fase GO e, portanto, fora do espectro tante radiossensíveis. Exceção se faz em tratamen-
de ação dos citotóxicos. Além disso, também é maior tos cirúrgicos conservadores, visando preservar a
a chance de desenvolvimento de linhagem de células fertilidade, uma vez que a radioterapia é imcompa-
resistentes à quimioterapia. tível com essa preservação.

SJT Residência Médica – 2016


194
Ginecologia

Seguimento Profilaxia
O seguimento pós-tratamento para detectar A única forma comprovada de prevenção do câncer
recidiva ou persistência de doença é realizado em in- de ovário é a ooforectomia cirúrgica. As tubas uterinas,
tervalos regulares. Enquanto o seguimento ideal não como outro local com possibilidade de desenvolvimento
está definido, as orientações do NCCN – National Com- da doença em mulheres com alto risco, também devem
prehensive Cancer Network – são os seguintes: ser removidas. Em portadoras de mutação nos genes
BRCA1 ou BRCA2, a salpingo-ooforectomia bilateral
€ Consultas a cada 2 a 4 meses por 2 anos, e então (SOB) profilática pode ser realizada tanto após a pro-
a cada 6 meses por 3 anos, e depois anualmente. le completa quanto aos 35 anos. Nessas pacientes, esse
€ Dosagem de CA 125 a cada consulta. procedimento é cerca de 90% efetivo com relação à pre-
venção do câncer epitelial de ovário. Em mulheres com
€ Exame físico, incluindo ginecológico, radiografia HNPCC, a redução do risco aproxima-se de 10%.
de tórax; e tomografia de tórax, abdome e pelve,
conforme clinicamente indicado. Além de prevenir o câncer de ovário, a SOB pro-
filática reduz em 50% o risco de desenvolvimento de
No pós-operatório, um CA 125 elevado ou a câncer de mama. Previsivelmente, o efeito protetor é
elevação do mesmo por pelo menos três dosagens maior entre as mulheres pré-menopáusicas.
consecutivas geralmente sugerem recidiva ou per- A histerectomia é obrigatória quando se reali-
sistência de doença. Entretanto, o valor de dosagem za a SOB profilática em mulheres com síndrome de
de marcador tumoral após o tratamento inicial é HNPCC em razão dos riscos coexistentes de câncer
questionável, visto que estudos não demonstraram de endométrio. Em portadoras de mutação no gene
melhora na sobrevida (e piora da qualidade de vida) BRCA, a histerectomia não é necessária.
para instituição precoce de quimioterapia de segun- Quando houver gônadas disgenéticas, como na
da linha baseada isoladamente em elevação do CA síndrome de Swyer, ou nos estados intersexuais de ca-
125, quando comparada à espera até progressão clí- riótipo XY, como na síndrome de Morris, este procedi-
nica ou radiológica. mento também é recomendado (SOB).

No confronto entre o mar e a rocha, o mar sempre vence – não pela força,
MAS PELA PERSEVERANÇA.
H. Jackson Brown

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

23
Doenças da vagina

Tumor maligno Fatores de risco


A incidência do câncer da vagina na forma pri- € Presença de adenose vaginal, que se carac-
mária é rara e varia de um serviço para outro. Ele cor- teriza pela presença de epitélio glandular ou
responde a aproximadamente 2% das neoplasias seu produto de secreção na mucosa vaginal.
malignas do aparelho genital feminino e a 0,5% Evidências apontam que a adenose é uma le-
dos cânceres da mulher. A maioria dos tumores é
são precursora do carcinoma de células claras
de origem metastática de endométrio, colo do útero,
da vagina.
vulva, ovário, bexiga, reto ou carcinomas.
Ele incide frequentemente em mulheres na sex-
€ Restos de epitélio mülleriano presentes na va-
ta e sétima décadas de vida e é um dos maiores desa- gina da mulher adulta (no passado, aquelas pa-
fios na prática do ginecologista, com a maior parte dos cientes expostas ao dietilestilbestrol na vida in-
casos diagnosticados na forma avançada. trauterina).
€ Presença de HPV, em especial os tipos 16, 18, 31
Câncer de vagina e 33 (a presença do papilomavírus é encon-
Quanto à localização primária trada em até 70% dos carcinomas primá-
€ Parede posterior: 57,2% rios de vagina).
€ Parede anterior: 26,9% € Outras neoplasias de trato genital inferior, como
€ Parede lateral: 15,9% NIC e câncer de colo.
Quanto à localização axial
€ Doenças sexualmente transmissíveis.
€ Terço superior: 54%
€ Terço inferior: 32% € Lesões irritativas vaginais, como as causadas por
€ Terço médio: 14% pessários ou produtos de higiene íntima;
Tabela 23.1 Câncer de vagina. € Radioterapia prévia.
196
Ginecologia

Tipos histológicos
Carcinoma epidermoide – é o tipo mais comum, representando 90% dos casos e acometendo mulheres
com mais de 50 anos de idade. Caracteriza-se por envolver mais comumente o terço superior da vagina
em sua parte posterior.
Adenocarcinomas – dividem-se em 4 tipos, a saber: de células claras, mucinoso, mesonéfrico e endometrio-
ide. O primeiro é o mais comum (4 a 5% de todos os casos) e caracteriza-se por acometer pacientes mais jovens,
com idade média de 17 anos. Ele é diferente do carcinoma epidermoide, que apresenta predileção pela parede
anterossuperior da vagina. O adenocarcinoma está associado ao uso de dietilbestrol durante a gesta-
ção e tem como precursor a adenose de vagina.
Melanoma maligno – trata-se de um câncer extremamente agressivo que afeta mulheres idosas, com mais
de 70 anos de idade. O sítio primário principal é a parede anteroinferior da vagina.
Rabdomiossarcoma (sarcoma botroide) – trata-se de neoplasia maligna típica da infância, afetando
crianças com menos de 5 anos de idade. Juntamente com corpo estranho, é uma das causas de sangramento
vaginal nessa idade. Afeta principalmente a parede anterior da vagina.
Leiomiossarcoma – ainda que raro, é o sarcoma mais comum da vagina em adultos, apresentando cresci-
mento rápido e com várias ulcerações.
Tumor do seio endodérmico – como o sarcoma botroide, também afeta crianças pequenas, com menos de
2 anos de idade, porém, sua localização principal é a parede posterior da vagina. É altamente agressivo e rapida-
mente metastatizante.
Tumores metastáticos – a vagina é um sítio comum de metástase. Em ordem decrescente de frequên-
cia, os sítios primários principais são: colo, endométrio, ovário, intestino grosso e rins.

Porcentagem das
Tipo histológico neoplasias de Idade Disseminação Características
vagina
Carcinoma de células 85-87% 60 anos Local, sanguínea e Mais comum no terço superior
escamosas linfática da vagina
Carcinoma verrucoso Raro 60 anos Local Variante do carcinoma de
células escamosas, com tumor
agressivo; a radioterapia é
contraindicada
Adenocarcinoma de 9% 19 anos Local, sanguínea e Associado à exposição
células claras linfática intraútero ao dietilestilbestrol
Melanoma 0,5-2% 60 anos Local, sanguínea e Parede vaginal anterior inferior,
linfática com prognóstico ruim
Sarcoma botryoides Raro 3 anos Local, sanguínea e Câncer vaginal mais comum em
linfática crianças
Tumor seio Muito raro 10 meses Local Agressivo, a alfafetoproteína é
endodérmico um marcador dessa neoplasia
Leiomiossarcoma < 2% Qual- Local, sanguínea e Pode ser secundário à
quer linfática irradiação prévia
idade
Tabela 23.2

Quadro clínico
O principal sintoma relacionado ao câncer de vagina é o sangramento genital. Por ser friável, pode,
ainda, levar à sinusiorragia (sangramento pós-coito). Áreas de necrose podem ocasionar corrimento vaginal féti-
do. Em casos mais avançados, é possível a visualização de lesão vegetante no canal vaginal, além de sintomas por
acometimento de órgãos adjacentes.

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197
23 Doenças da vagina

Diagnóstico Tratamento
O diagnóstico é baseado no quadro clínico, segui- O tratamento é dependente do estádio em que
do de citologia vaginal que, se alterada, é complemen- a doença se encontra, do tipo de tumor e da idade da
tada por vaginoscopia e biópsia de lesão acetobranca paciente. Basicamente, usa-se a radioterapia em jo-
encontrada, que trará o diagnóstico definitivo. vens, a cirurgia em casos de má resposta ou idade
avançada e, em raras vezes, a quimioterapia. Como
Assim como no colo do útero, as neoplasias de
se trata de um tumor que se dissemina por extensão
vagina são precedidas por lesões precursoras in-
local e por meio dos vasos linfáticos, a abordagem ci-
traepiteliais, chamadas Niva, e sua associação com
rúrgica deve levar em consideração a drenagem linfá-
NIC é frequente. Elas dividem-se em: tica da vagina e o estadiamento do tumor. Os terços
€ Niva I: alterações histológicas confinadas ao ter- superior e médio drenam para os linfonodos pélvicos
ço inferior do epitélio; e o terço inferior, para os linfonodos inguinofemorais.
€ Niva II: alterações acometem os dois terços in- Os tratamentos cirúrgicos de acordo com o está-
feriores do epitélio; dio da doença são descritos a seguir.
€ Niva III: lesão intraepitelial em mais de dois ter-
ços da espessura do epitélio.
As lesões precursoras são assintomáticas Estádio 0
e a alteração da citologia oncótica é o único O tratamento das NIVA é a destruição local (com
alerta. Essas lesões são, em geral, multifocais e a laser ou aplicação de 5-fluorouracil a 5%) ou exérese
vagina deve ser avaliada inteiramente com o uso do das lesões.
colposcópio. A alteração à colposcopia pode variar
desde um epitélio branco tênue a padrões de mosai-
co e queratose.
Estádios I e II
O tratamento cirúrgico depende do local da vagi-
na em que se encontra a massa tumoral.
€ Terços superior e médio da vagina: histerec-
Estadiamento tomia abdominal total radical, colpectomia par-
cial ou total e linfadenectomia pélvica;
Após o diagnóstico, deve-se realizar o estadia-
mento clínico, incluindo exame pélvico, cistoscopia e € Terço inferior: colpectomia parcial associada à
vulvectomia e linfadenectomia inguinal.
a retossigmoidoscopia.
Semelhante aos casos de tumores de colo, na
presença de gânglios linfáticos comprometidos, a
Estadiamento (FIGO, 2003) radioterapia externa coadjuvante deve ser indicada
Estádio 0: neoplasia intraepitelial vaginal, carcinoma após a cirurgia.
in situ A radioterapia é indicada como adjuvante se
Estádio I: tumor limitado à parede vaginal houver acometimento linfonodal.
Estádio II: tumor que infiltra o tecido subvaginal, mas
não atinge a parede pélvica
Estádio III: tumor que atinge a parede pélvica
Estádios III e VI
Estádio IV: tumor que se estende pela pelve verdadei-
ra ou que atinge a mucosa do reto ou da bexiga; o ede- O tratamento preferencial é a radioterapia
ma bolhoso de bexiga não pode ser considerado como interna e externa. A exenteração limita-se aos casos
estádio IV de estádio IVA sem extensão do tumor à parede pélvi-
Estádio IVA: tumor que se propaga para órgãos adja- ca e aos gânglios linfáticos.
centes (bexiga e reto)
Estádio IVB: metástase a distância
A quimioterapia é útil no tratamento de sarcoma
A propagação é feita, principalmente, pelos linfáticos da botroide e tumor do seio endodérmico ou em casos
vagina, alcançando os linfonodos inguinais, pélvicos e avançados.
paraórticos Após o tratamento, deve-se fazer seguimento
Tabela 23.3 Estadiamento (FIGO, 2003). com exame clínico, citológico e colposcópico.

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198
Ginecologia

o fundo do saco vaginal até o introito, na área corres-


Seguimento pondente ao ducto de Gartner. São claros e aquosos,
podendo ser únicos ou múltiplos. O epitélio de reves-
O insucesso no tratamento normalmente ocorre
timento é cúbico e envolto por basal e músculo liso.
dois anos após o término da terapia primária. Assim,
Podem apresentar metaplasia escamosa.
as pacientes em geral são examinadas a cada três
meses nos primeiros dois anos e, então, a cada Os cistos de inclusão ocorrem na porção inferior
seis meses até que se completem cinco anos de da vagina, frequentemente na área de cicatrizes como
monitoramento. Após cinco anos do tratamento, as a de episiotomia ou de cirurgias vaginais prévias. São
pacientes podem ser monitoradas anualmente. Deve- formados por inclusão de epitélio escamoso, que pos-
-se proceder a esfregaço de Papanicolau e a exame físico teriormente se organiza de modo a revestir a área cís-
da pelve com especial atenção aos linfonodos inguinais tica. Há descamação desse epitélio de revestimento
e escalenos. O acompanhamento com TC ou RM fica a para o interior desses cistos, tornando seu conteúdo
critério do clínico. amarelado e caseoso. Apresentam-se de tamanhos pe-
quenos, raramente maiores que 3 cm, e costumam ser
assintomáticos.
Com sintomatologia, é adequada a retirada dos
Prognóstico cistos; caso contrário, pode-se optar pela expectação.

Os fatores prognósticos de maior relevância são:


local e tamanho do tumor, estadiamento, grau histo-
lógico e idade da paciente. O fator mais significativo
é a profundidade da invasão. Outras afecções
A sobrevida em 5 anos para todos os casos varia
de 40 a 50%. Para o estádio 0, a sobrevida em 5 anos
é de 94 a 100%; para o estádio I, de 71 a 87%; para o
II, de 50 a 78%; para o III, de 15 a 53%; e, finalmente,
Hímen imperfurado
para o estádio IV, de 18%. O hímen imperfurado é decorrente da persistên-
O prognóstico é pior em pacientes com tumor cia da membrana urogenital completa, que separa o
localizado nos dois terços superiores da vagina. terço inferior da vagina, derivado do seio urogenital,
do superior, originado dos ductos de Müller.
Apesar da rara possibilidade de ser notado em
exame clínico de rotina, o mais frequente é que a pa-
Neoplasias benignas ciente seja levada ao médico após a puberdade, por
amenorreia primária ou com sintomas de dor e des-
conforto pélvico. Isso porque o sangue menstrual não
Os tumores benignos da vagina podem ser:
pode ser escoado e fica retido no canal vaginal. Em
€ Derivados de restos paramesonéfricos e mesoné- relação à idade da paciente, quanto mais tardio for o
fricos; diagnóstico, maior a probabilidade de o sangue mens-
€ Cistos de inclusão. trual acumulado refluir pelas trompas e cair na cavi-
Os tumores derivados de restos paramesonéfri- dade peritoneal, ocasionando dor de caráter agudo e
cos são císticos, solitários ou múltiplos, geralmente elevando a chance de endometriose.
assintomáticos e localizam-se nas paredes anterolate- No exame ginecológico, encontra-se a mem-
rais da vagina. brana himenal imperfurada, às vezes abaulada. Por
Histologicamente, eles podem apresentar-se em transparência, percebe-se secreção escura e, eventu-
qualquer tecido originado no ducto de Müller, ou seja, almente, massa pélvica produzida pelo aumento do
cervical, tubário, endometrial ou combinado. O mais volume vaginal. O tratamento é a incisão em formato
frequente é o do tipo cervical. O tipo endometrial é crucial, evitando-se manobras de compressão do útero
descrito como endometriose primária da vagina, é de e a introdução de qualquer instrumental na cavidade
localização profunda e não está associado à endome- vaginal, deixando-se drenar espontaneamente a se-
triose em outros locais. creção de aspecto achocolatado. Deve-se usar antibio-
Os cistos derivados de restos mesonéfricos são ticoterapia profilática e o controle clínico posterior é
conhecidos como cistos de Gartner. Esses são geral- indispensável para se certificar de que a drenagem do
mente assintomáticos, diagnosticados durante exame sangue menstrual foi completa e de que não existem
rotineiro como casuais e podem ser encontrados desde outras malformações associadas.

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199
23 Doenças da vagina

A ausência congênita de vagina se associa,


em mais de 30% dos casos, a malformações uriná-
rias e, em 12%, a malformações ósseas da coluna
vertebral. Portanto, torna-se imperativa a realização
de urografia excretora e raios X da coluna vertebral.
O tratamento é a criação de uma neovagina para
proporcionar à paciente uma vida sexual satisfatória.
O tratamento de primeira linha consiste no emprego
de dilatadores (forma cruenta). As terapêuticas de
segunda linha são duas: a técnica de McIndoe utiliza
um molde, geralmente de material plástico, recoberto
por um retalho de pele ou membrana amniótica, que é
inserido após a divulsão do tecido no local da vagina;
a técnica da neovagina com alça intestinal utiliza um
segmento de sigmoide, ceco ou delgado, dependendo
do encontro de um pedículo arterial longo. As três téc-
nicas levam a bons resultados.
Figura 23.1 Imagem de hímen imperfurado.

Septos vaginais
Ausência congênita de vagina Podem ser encontrados septos transversos ou
Pode acontecer em várias doenças, inclusive na longitudinais.
síndrome de Morris, ou insensibilidade androgênica. O septo vaginal transverso pode ocorrer em
Nesta, o cariótipo é XY, há testículos que produzem fa- qualquer ponto do canal vaginal, mas é mais fre-
tor antimülleriano, impedindo o desenvolvimento dos quente entre os terços superior e médio. Poderá
ductos de Müller que formariam o terço superior da apresentar um orifício ou ser imperfurado, o que
vagina, o útero e as trompas. Como há insensibilidade influirá na sintomatologia. A paciente pode se quei-
periférica à ação de andrógenos produzidos pelos tes- xar de dor pélvica cíclica, relacionada à menstrua-
tículos, não se desenvolve genitália externa masculi- ção não escoada, e pode-se notar massa palpável no
na, permanecendo esta feminina e rudimentar, assim abdome. Ao exame físico, nota-se vagina curta, em
como outros caracteres sexuais secundários. fundo cego. A paciente apresenta normalmente os
Entretanto, a agenesia vaginal é mais comum em caracteres sexuais secundários.
doenças müllerianas puras, em especial na síndrome A ultrassonografia pélvica auxilia o diagnóstico.
de Mayer-Rokitansky-Kuster-Hauser, em que a au- O tratamento consiste na excisão do septo, tomando-
sência congênita dos terços superiores da vagina se -se o cuidado para que o processo cicatricial não forme
deve à falha no desenvolvimento e na fusão dos ductos uma estenose anular, o que provocaria dispareunia.
müllerianos. Em mais de 90% dos casos, está ausen- Essa cirurgia não traz maiores dificuldades, a menos
te também o útero. Clinicamente, são pacientes com que o septo se apresente espesso.
amenorreia primária e caracteres sexuais secundários O septo vaginal longitudinal também é uma pa-
presentes. O terço inferior da vagina, que é decorrente tologia mülleriana, decorrente da má junção desses
do seio urogenital, está presente. As trompas e os ová- ductos. Pode se apresentar produzindo uma vagina
rios geralmente são normais. dupla, inclusive com dois colos e dois úteros (útero di-
A ultrassonografia pélvica é muito útil na ava- delfo – má fusão completa). Em alguns casos, o septo
liação da intensidade da malformação uterina e na será curto no sentido craniocaudal, ou teremos uma
verificação da presença de endométrio funcionante. vagina normal e uma rudimentar com hematocolpo.
Na presença deste, a paciente informará dor pélvica O septo que não produz obstrução vaginal é assinto-
cíclica, pois não há como escoar o sangue produzido mático e não precisa ser removido. Aos obstrutivos, a
na menstruação. exérese é a solução.

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CAPÍTULO

24
Tumores de vulva

€ Vírus HPV, em especial os de alto risco (16, 18,


Introdução 31 e 33);
€ Doenças sexualmente transmissíveis;
A vulva é a área anatômica delimitada lateral-
mente pelos sulcos genitofemorais, superiormente € Infecções crônicas inespecíficas da vulva;
pelo monte de vênus e posteriormente pelo períneo. € Distrofias vulvares;
É recoberta por epitélio pavimentoso estratificado, € Má higiene local;
subdividido por camadas denominadas granulosa, es-
€ Doenças granulomatosas genitais.
pinhosa, parabasal e basal, que são as mais suscetíveis
ao câncer.
Fatores de risco
O câncer de vulva corresponde a menos de 1% € Mulheres idosas (idade média de diagnóstico = 65
das neoplasias malignas da mulher e de 3 a 5% dos
anos)
tumores genitais femininos. Poucos são os serviços
€ Obesidade
capazes de compilar um número substancial de casos,
o que torna os estudos de seus tratamentos e sua evo-
€ HAS
lução tarefas difíceis. Sua incidência vem aumentando € Diabetes mellitus
em decorrência do aumento da expectativa de vida e € Tabagismo
da prevalência do HPV. Ele acomete principalmente € Displasia vulvar
mulheres idosas, com idade média de 65 anos. € Baixa condição socioeconômica
€ Distrofias vulvares
€ HPV (visto em 60% dos carcinomas de células esca-
mosas)
Fatores predisponentes € DST
€ Passado de Ca de colo ou vagina; irradiação inguinal,
Os fatores que predispõem ao câncer de vulva vulvar ou pélvica.
são semelhantes aos do de vagina, e incluem: Tabela 24.1 Fatores de risco.
201
24 Tumores de vulva

caracterizando-se clinicamente por apresentar lesões


Tipos histológicos multicêntricas, bilaterais, pruriginosas e de coloração
variável de acordo com o tipo de pele. Prefere áreas
O tipo histológico mais comum é o carcino-
ma de células escamosas, que responde por 87% sem pelos e tem crescimento rápido.
dos casos. 2) NIV diferenciada – mais rara, afeta mulheres
Os não escamosos incluem vários tipos. O mais mais idosas, não costuma ter relação com o HPV, apa-
comum deles é o melanoma (6%) e, mais raramen- rece como lesão unicêntrica e unilateral e com maior
te, a doença de Paget invasiva, o adenocarcinoma da potencial de malignização. Afeta áreas com pelos e
glândula de Bartholin e os sarcomas. possui crescimento lento.
3) NIV não classificada.
O carcinoma epidermoide, forma mais co-
mum, apresenta-se grosseiramente como uma forma
Clínico e diagnóstico de ulceração endofítica em um terço dos casos e, no
Em torno de 10% das doentes são assintomá- restante, como uma lesão exofítica. São, na grande
ticas, o que implica que, por rotina, a vulva de todas maioria, lesões bem diferenciadas – com a for-
as mulheres deve ser inspecionada, principalmente mação de pérolas córneas. Somente 5 a 10% desses
nas portadoras de neoplasia intraepitelial do colo do são anaplásicos.
útero, da vagina e/ou da região anal.
O carcinoma epidermoide da vulva encon-
O principal sintoma associado a câncer de tra-se frequentemente associado a outros tumo-
vulva e lesões precursoras é o prurido. Por vezes, res malignos do trato genital baixo, mormente a
notam-se lesões vegetantes, ulceradas, nódulos ou
associação vulva-colo. Isso leva à hipótese de que o
elevações. Áreas hiper ou hipocrômicas também
epitélio de todo o trato genital baixo (colo, vagina, vul-
são suspeitas.
va e períneo) reage como um só tecido a certos agentes
Casos mais avançados podem apresentar corri- carcinógenos.
mento, disúria e sangramento.
É importante localizar as lesões, que são
mais comuns nos grandes lábios, pequenos lá- Classificação do câncer de vulva
bios e clitóris. Elas apresentam-se unifocais em Quanto à apresentação:
95% das vezes e multifocais nas demais. € Superficial
O diagnóstico definitivo é dado pela biópsia. € Exofítico
Diante de lesão suspeita, faz-se uma vulvoscopia, € Endofítico
que dirigirá a biópsia em áreas acetobrancas. Quanto à localização:
Outro orientador de biópsia é o teste de Collins, fei- € Labial
to com a aplicação azul de toluidina a 2% e, após 3 € Clitoridiano
minutos, descorando com ácido acético 2%, o que va-
€ Vestibular
loriza as áreas que permanecem coradas em azul. O
teste de Collins tem alto índice de falso-positi- € Bartholiniano
vo e falso-negativo (20%) e determina biópsias € É importante determinar se há comprometimento
desnecessárias. Atualmente, sua aplicação não uretral
é recomendada. Quanto ao tipo histológico:
€ Epitelial pavimentoso estratificado ou epidermoide
Tipos específicos de lesões possuem sintomato-
ou, ainda, escamoso (CCE); correspondem a 95% dos
logia específica.
casos
Assim como no câncer de colo e de vagina, os € Epitelial glandular ou adenocarcinomas, correspon-
tumores de vulva costumam apresentar lesões pre- dendo a 2% dos casos
cursoras, conhecidas como NIV (neoplasia intraepi- € Origem conjuntiva e mista, como os sarcomas, mela-
telial vulvar). Apesar de geralmente assintomáticas, nomas e carcinossarcomas – também corresponde a
essas lesões costumam ser visíveis à inspeção vul- 2% dos casos
var, que deve ser detalhada. Elas se apresentam de € Metastáticos ou secundários, juntamente com o car-
três formas: cinoma indiferenciado, correspondem a apenas 1%
1) NIV usual ou indiferenciada – mais frequente, dos casos
está associada ao HPV, acomete pacientes mais jovens, Tabela 24.2 Classificação do câncer de vulva.

SJT Residência Médica – 2016


202
Ginecologia

Figura 24.4 Classificação histológica.

Estadiamento
Inicialmente, o estadiamento do câncer de
vulva era baseado em fatores clínicos, utilizando
o sistema TNM, adotado pela FIGO pela primeira
vez em 1969. Este modelo era focado na avaliação
clínica do tumor primário, dos linfonodos regio-
nais e uma pesquisa complementar de acometi-
mento a distância. Entretanto, a avaliação exclu-
sivamente clínica dos linfonodos inguinocrurais é
inacurada em 25 a 30% dos casos. E a percenta-
Figura 24.1 Carcinoma espinocelular invasivo na vulva.
gem de falso-negativo utilizando o estadiamento
clínico aumenta de 18% em pacientes com estágio
I para 44% naquelas em estágio IV. Em 1998, o
estadiamento cirúrgico foi adotado e finalmente
atualizado em 2010. O estadiamento cirúrgico é
preferencial, uma vez que o estadiamento dos
linfonodos inguinocrurais representa indivi-
dualmente o principal fator prognóstico nos
casos de câncer de vulva localizado.
Com base no modelo de estadiamento atual,
quatro estágios são previstos. Conforme dito ante-
riormente, os estágios III e IVa caracterizam doença
localmente avançada e são encontrados em cerca de 30
a 40% dos casos recém-diagnosticados. Já o estágio
Figura 24.2 Carcinoma de vulva com doença avançada. IVb configura doença avançada e é encontrado ao
diagnóstico em cerca de 5 a 10% dos casos.

Estadiamento do câncer de vulva, FIGO 2009


Estágio I T1/2, N0, M0: tumor confinado a vulva e/
ou períneo
IA Lesão ≤ 2 cm, confinada a vulva ou períneo
e com invasão estromal ≤ 1,0 mm; ausência
de metástase nodal
IIB Lesão > 2 cm ou com invasão estromal > 1,0
mm
Estágio II
T3N0M0 Tumor de qualquer tamanho com exten-
são às estruturas perineais adjacentes (1/3
Figura 24.3 Paciente com câncer vulvar depois de 4 se- inferior de uretra, 1/3 inferior de vagina e
manas (A) e depois de 6 semanas (B) de quimioirradiação. ânus), com linfonodos negativos

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203
24 Tumores de vulva

Estadiamento do câncer de vulva, FIGO 2009


(cont.)
Disseminação
A vulva é considerada uma “esponja linfática”,
Estágio III
frequentemente propiciando disseminação linfática
T1 Tumor de qualquer tamanho com exten- do tumor para linfonodos regionais, inguinais e femo-
N1/2 são ás estruturas perineais adjacentes (1/3 rais. A disseminação hematogênica é rara.
M0 inferior de uretra, 1/3 inferior de vagina
A disseminação linfática do carcinoma esca-
e ânus), com linfonodo inguinocrural po-
moso da vulva parece estar relacionada ao tamanho
sitivo
do tumor no momento do diagnóstico, estando inva-
IIIA (i) Com um único linfonodo metastático didos pela neoplasia os linfonodos inguinais superficiais
(≥ 5 mm) ou (ii) um ou dois linfonodos ou profundos em cerca de 10% das mulheres com tumores
(< 5 mm) menores que 2 cm e em aproximadamente 26% daquelas
IIIB (i) Com dois ou mais linfonodos metastá- com tumores maiores que 2 cm e restritos à vulva.
ticos (≥ 5 mm) ou (ii) 3 ou mais linfono- A disseminação ocorre por cadeias na se-
dos < 5 guinte ordem: linfonodos inguinofemorais su-
IIIC Linfonodos com comprometimento extra- perficiais, linfonodos inguinofemorais profundos,
capsular linfonodos ilíacos e, a partir desse ponto, dissemi-
Estágio IV (i) Tumor invade outras estruturas regio- nação a distância.
nais (2/3 superiores de uretra, mucosa
de bexiga, mucosa retal, fixação ao plano
ósseo pélvico, (ii) linfonodo inguinocru-
ral fixo ou ulcerado, (iii) disseminação a
distância Fatores prognósticos
IVA (i) Tumor invade outras estruturas regio-
nais (2/3 superiores de uretra, mucosa Na evolução do câncer de vulva, o envolvimen-
de bexiga, mucosa retal, fixação ao plano to de linfonodos inguinais é o indicador prog-
ósseo pélvico, (ii) linfonodo inguinocrural nóstico mais importante. A sobrevida pode chegar
fixo ou ulcerado a 90% quando os linfonodos são negativos, indepen-
IVB Disseminação a distância, incluindo linfo- dentemente do estádio inicial, sofrendo redução para
nodos pélvicos 25 a 60% quando eles são positivos.
TNM São também fatores prognósticos a profun-
T Tumor primário didade da invasão e o diâmetro do tumor, até
Tis Carcinoma in situ porque ambos se relacionam ao risco de acome-
T1 Lesão ≤ 2 cm, confinada a vulva ou perí- timento linfonodal.
neo
T2 Lesão > 2 cm
Sobrevida em 5 Sobrevida em 10
T3 Tumor de qualquer tamanho com exten- EC
anos anos
são às estruturas perineais adjacentes (1/3
inferior de uretra,1/3 inferior de vagina e I 93% 87%
ânus) II 79% 69%
T4 (i) Tumor invade outras estruturas regionais III 53% 46%
(2/3 superiores de uretra, mucosa de bexiga, IV 29% 16%
mucosa retal, fixação ao plano ósseo pélvico Tabela 24.4 Sobrevida em 5 e 10 anos conforme o es-
ou ao ânus) tadiamento clínico do câncer de vulva.
N Linfonodos regionais
N0 Ausência de linfonodos palpáveis
Profundidade de invasão como preditor prog-
N1 Metástase em linfonodo unilateral nóstico
N2 Metástase em linfonodos bilaterais
Profundidade da invasão Linfonodos positivos
M Metástase a distância
(mm) (%)
M0 Ausência de metástases
1 3
M1 Metástases presentes
2 9
Tabela 24.3 3 19
4 31
O conceito de carcinoma microinvasor é defi- 5 33
nido quando o tumor possui menos de 5 cm de di- ≥5 48
âmetro e invade menos de 5 mm de profundidade. Tabela 24.5

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204
Ginecologia

Tamanho do tumor como fator prognóstico cas da população em geral. Ainda não existem re-
sultados publicados da vacina profilática bivalente
Diâmetro do tumor Sobrevida de 5 anos (%)
(cm)
contra os tipos de HPV 16 e 18 sobre a prevenção
das NIV, mas é previsível que sejam sobreponíveis
0-1 90
aos da vacina quadrivalente.
1-2 89
2-3 83
3-4 63
>4 44
Tabela 24.6 Da neoplasia invasora
O tratamento de eleição para o câncer da vulva
é o cirúrgico.
Uma das inovações mais importantes no tra-
Tratamento tamento do câncer de vulva é o reconhecimento de
que dissecção seletiva de um linfonodo solitário ou
Como nos demais tumores, o tratamento é de- de linfonodos, denominada biópsia de linfonodo
pendente do estádio. Aqui, envolve cirurgia e radiote- sentinela, pode reduzir drasticamente a morbida-
rapia, raras vezes optando-se por quimioterapia. de cirúrgica, mantendo avaliação adequada do com-
prometimento linfonodal. O princípio básico desse
procedimento é que o primeiro linfonodo a receber
Tratamento NIV a drenagem linfática do local do tumor, denomina-
do linfonodo sentinela, deve ser o primeiro local de
Existem dois motivos para o tratamento das le- disseminação linfática maligna. Portanto, um linfo-
sões de NIV: o alívio sintomático da doente e a evitável nodo sentinela livre de doença implica ausência de
progressão da doença para carcinoma invasivo. Pode
metástases linfonodais em toda a bacia de drena-
ser feito por exérese local ou destruição das lesões.
gem. Atualmente, recomendam-se as técnicas que
A exérese local com margens de 0,5 a 1 cm é utilizam linfocintigrafia ou corante azul de isossul-
o tratamento preferencial das NIV. Para reduzir a fano para identificação do linfonodo sentinela nos
mutilação cirúrgica associada à cirurgia das NIV, po- casos de câncer da vulva.
demos optar pela realização de enxerto cutâneo (skin-
ning vulvectomy). A exérese é utilizada para o trata- O prognóstico das pacientes com metásta-
mento de lesões de NIV multifocais e extensas. se no linfonodo sentinela medindo > 2 cm foi
significativamente pior do que daqueles com
A destruição das lesões do epitélio vulvar tem metástase < 2 cm.
como principal desvantagem a inexistência de ma-
terial para estudo histológico, o que obriga a um
exame vulvoscópico exaustivo, com múltiplas bi-
ópsias, a fim de excluir qualquer foco de carcinoma
invasivo, contudo, tem a vantagem de reduzir em Estádio I e II
muito a morbidade. No estádio IA, o tratamento pode ser vulvecto-
Dos métodos destrutivos da NIV, a vaporização mia simples ou a ressecção com 2 cm de margem
com laser de CO2 foi o que adquiriu maior popularida- sem dissecção linfonodal. O risco de metástase lin-
de e deve ser a escolha quando se opta por essa condu- fonodal é desprezível nesse estádio.
ta. Conectado ao colposcópio, permite o controle da Nos estadios IB e II, as pacientes devem ser
profundidade da destruição e identificação dos planos submetidas à vulvectomia simples associada à lin-
cirúrgicos, sendo que as taxas de recidivas são seme- fonodectomia ipsilateral. A linfonodectomia será
lhantes às dos tratamentos excisionais. bilateral caso a lesão esteja na linha média.

Prevenção NIV
Estádio III
A vacina quadrivalente profilática contra os
tipos de HPV 6, 11, 16 e 18, e em relação ao place- O tratamento neste estádio deve ser a vulvec-
bo, demonstrou uma eficácia de 100% na prevenção tomia radical, com esvaziamento ganglionar ingui-
da NIV, quando ensaiada com intuito profilático, e nal e femoral.
uma eficácia de 71% quando administrada em uma Se os linfonodos inguinais forem positivos,
população de mulheres jovens, com as característi- deve-se realizar radioterapia no pós-operatório.

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205
24 Tumores de vulva

Alguns estudos em fase II têm adicionado qui- Microestadiamento dos melanomas da vulva
mioterapia à radioterapia pré-operatória, obtendo-
Níveis de Clark Chung et al Breslow
-se bons resultados de taxas de resposta do tumor.
I Intraepitelial Intraepitelial < 0,76 mm
II Penetrando a ≤ 1 mm a partir da 0,76 a 1,50
derme papilar camada granular mm
Estádio IV III Preenchendo as 1,1 a 2 mm a 1,51 a 2,25
papilas dérmicas partir da camada mm
O tratamento desses casos avançados envolve a granular
radioterapia e a quimioterapia. Em tumores centrais, IV Penetrando a > 2 mm a partir 2,26 a 3,0 mm
sem acometimento de linfonodos ou metástases a dis- derme reticular da camada
tância, a exenteração pélvica é uma opção. granular
V Penetrando a Penetrando a gor- > 3 mm
gordura subcu- dura subcutânea
tânea
Quimioterapia Tabela 24.7
Os agentes quimioterápicos mais comumente
utilizados para o tratamento do câncer de vulva são:
5-fluorouracil, mitomicina-C e cisplatina. Podem ser
utilizados em pacientes nos estádios III e IV.

Seguimento
Após completarem o tratamento primário,
todas as pacientes são submetidas a exame físi-
co minucioso, incluindo palpação dos linfonodos
inguinais e exame da pelve a cada três meses nos
primeiros 2 a 3 anos. Os exames de monitoramento
Figura 24.4 Melanoma vulvar.
são então agendados a cada seis meses até que se
completem 5 anos. Daí em diante as pacientes livres
da doença podem ser avaliadas anualmente. Vul- O tratamento de escolha é a excisão cirúrgica ra-
voscopia e biópsias são realizadas se áreas suspeitas dical (vulvectomia com linfadenectomia inguinofemo-
forem percebidas durante a história ou o exame fí- ral bilateral). Entretanto, uma vez que a maioria das
sico. Exames radiológicos e biópsias para diagnos- falhas ocorre a distância, hemivulvectomia tem sido
ticar possível recorrência do tumor são realizados aceita como forma adequada para controle local, des-
conforme indicação médica. de que margens satisfatórias e livres sejam alcançadas.
Apesar de a linfadenectomia não ter efeito terapêutico
comprovado no melanoma, ela traz importantes in-
formações prognósticas que podem guiar a estratégia
terapêutica subsequente.
Outras afecções
Carcinoma verrucoso de vulva
Melanoma Muito parecido clinicamente com o carcinoma
O melanoma maligno é o segundo tumor mais epidermoide, inclusive apresentando prurido e rela-
frequente na vulva, acomete mais mulheres cionando-se ao HPV. Entretanto, esse tipo apresenta
brancas e com mais de 50 anos de idade. Caracteri- invasão local, comprimindo estruturas adjacentes,
za-se por apresentar lesões bastante escurecidas e ele- enquanto naquele há mais invasão linfonodal. Apre-
vadas nos pequenos lábios e no clitóris. Apresentam senta-se como uma grande lesão verrucosa tipo cou-
prognóstico sombrio, exceto em casos muito iniciais, ve-flor. Raramente apresenta metástase linfonodal.
com sobrevida em cinco anos apresentando valor mé- O tratamento consiste na excisão local com margem
dio de apenas 35%. de segurança.

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206
Ginecologia

Os linfangiomas são tumores originados de va-


Carcinoma da glândula de sos linfáticos malformados.
Bartholin (vestibular maior) Os lipomas são proliferações de tecido gorduroso
O carcinoma da glândula de Bartholin corres- envolto por tecido fibroso.
ponde a 5% de todas as neoplasias malignas
Como foi mencionado anteriormente, o trata-
da vulva. Em 10% dos casos, há associação com
bartholinites. Costumam se mostrar com aumento mento das neoplasias benignas da vulva é essencial-
das glândulas de Bartholin, ou seus ductos, com áreas mente cirúrgico.
císticas e sólidas. É necessário realizar biópsia para o
diagnóstico preciso. O tratamento tradicional é a vul-
vectomia radical com dissecção dos linfonodos bila-
teralmente. A radioterapia pós-operatória é realizada
para diminuir a frequência de recidiva local.

Neoplasias benignas
Apesar de as neoplasias benignas com sede na
vulva serem mais frequentes do que as malignas, elas
têm pequena incidência.
A maioria possui dimensões pequenas – meno-
res do que 1 cm de diâmetro. As neoplasias mais fre-
quentes são os cistos epidérmicos e ontogenéticos.
Seguem-se, em frequência, os cistos da glândula de Figura 24.5 Imagem de cisto de Bartholin à direita (seta).
Bartholin e os cistos serosos dos lábios menores.
Os cistos sebáceos e epidérmicos corresponden-
tes a 90% dos casos de tumor benigno e são causados
por oclusão dos ductos pilossebáceos e sudoríparos
apócrinos.
Os cistos de Nuck aparecem no trajeto do canal
inguinal e nos lábios maiores e podem ser confundi-
dos com hérnia inguinal.
Os cistos da glândula de Bartholin localizam-se
nas porções caudal e dorsal dos lábios maiores. Podem
ser uni ou bilaterais. Frequentemente, são sequelas de
episódio infeccioso, principalmente por Gonococo, mas
pode se associar a vários tipos de bactérias. A causa
principal é a obstrução do ducto excretor e o tratamen-
to é cirúrgico, por marsupialização ou bartolinectomia.
Se houver persistência, áreas sólidas ou ocorrendo em
idades avançadas, deve-se suspeitar de câncer.
O hidroadenoma da vulva é um tumor benigno
das glândulas sudoríparas e localiza-se mais frequen-
temente nos lábios maiores. São tumores de 1 a 2 cm
de diâmetro, bem-delimitados, firmes ou císticos.
Podem ulcerar e causar dor, sangramento, prurido e
infecção secundária. O tratamento é cirúrgico. O póli-
po fibroepitelial, ou molusco pêndulo, é um tumor de
consistência mole e pode apresentar-se séssil ou pedi-
culado. É constituído de epitélio malpighiano hiperce-
ratótico e hiperacantótico.
O granuloma piogênico é uma forma rara de
hemangioma vulvar. Apresenta-se como nódulo
único, carnoso, séssil ou pediculado e com 0,5 a 2 Figura 24.6 Marsupialização da glândula de Bartho-
cm de diâmetro. lin. A parede do cisto é evertida e suturada na mucosa.

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CAPÍTULO

25
Uroginecologia

Introdução Fisiologia da micção


A parte da ginecologia que estuda as afecções O trato urinário baixo é composto por bexiga e
envolvendo o sistema urinário adjacente é conhecida uretra e apresenta duas funções básicas: armazena-
como uroginecologia. As principais doenças são a in- mento e esvaziamento. O mecanismo de micção é um
continência urinária de esforço, a bexiga hiperativa, a reflexo complexo que envolve diversas estruturas e
incontinência urinária mista (associação das anterio- tem como objetivo o armazenamento, sem perdas du-
res) e a bexiga neurogênica. rante a primeira fase, e o esvaziamento completo, sem
É fundamental a diferenciação entre elas, pois urina residual na segunda fase.
possuem mecanismos fisiopatológicos próprios e, O reflexo da micção é efetivado pela inervação
mais importante que isso, tratamentos completamen- local, porém sofre a modulação voluntária do sistema
te distintos. nervoso central. O córtex cerebral permite o controle
Para a correta compreensão desses processos, voluntário da micção. Ele mantém um tônus inibitório
faz-se necessária uma ligeira revisão sobre a fisiologia constante sobre o parassimpático, e este, por nervos
da micção. advindos de raízes em S2 a S4, é capaz de liberar ace-
tilcolina que atua em receptores beta do músculo de-
A padronização da nomenclatura em urogineco-
trusor, levando à sua contração. Assim, essa inibição
logia foi proposta e elaborada por um comitê especí-
constante sobre o parassimpático mantém a muscula-
fico da Sociedade Internacional de Continência (In-
tura do corpo vesical relaxada.
ternational Continence Society – ICS), em 1973. A nova
terminologia foi adotada em 2002. A sua finalidade é Durante o enchimento vesical, há aumento do
uniformizar protocolos de diagnóstico e tratamento volume da bexiga sem aumento da pressão vesical,
das disfunções do trato urinário inferior. Além disso, porém, a partir de determinado volume, em geral 150
essa padronização é fundamental para que os gineco- mL, fibras aferentes enviam ao córtex uma sensação
logistas apliquem termos adequados na anamnese, no de plenitude. Mas, como dito, este, via parassimpáti-
exame ginecológico e no estudo urodinâmico. co, consegue inibir a micção até o momento adequado.
208
Ginecologia

Durante o enchimento, as contrações do detru-


sor não devem ocorrer e a pressão uretral deve ser
Sintomas de
maior do que a pressão intravesical. armazenamento
Essa continência é auxiliada pela configuração Incontinência de urina ao esforço: perda uri-
anatômica da região urogenital. A posição do colo nária que ocorre em situações de aumento da pressão
vesical deve estar de tal modo que as alterações da abdominal.
pressão intra-abdominal sejam transmitidas igual- Urgência miccional: desejo imperioso de urinar
mente para a bexiga e a uretra. Além disso, aos es- acompanhado de dor ou receio de perda urinária.
forços (aumento da pressão intra-abdominal) com
Urgeincontinência ou incontinência de urgência:
bexiga cheia, a vagina e a fáscia endopélvica dão
perda de urina associada à urgência miccional.
suporte à uretra ao mesmo tempo que o músculo
pubococcígeo se contrai, tracionando a parede an- Noctúria: acordar uma ou mais vezes para urinar.
terior da vagina em direção ao pube e comprimin- Enurese: significa qualquer perda involuntária
do ainda mais a uretra, que se encontra na frente de urina.
do canal vaginal. Esse mecanismo funciona apenas Enurese noturna: perda involuntária de urina
se houver integridade dos ligamentos pubouretrais durante o sono.
que mantêm a vagina normoposicionada, ancoran-
do sua parede anterior.
Outro fator importante para a continência é
o funcionamento normal do esfincter uretral. Des- Sintomas miccionais
de a região do trígono, há inervação simpática pelo Disúria: dor ou desconforto para urinar.
nervo hipogástrico, com origem de T11 a L2. Esse
Hesitação: dificuldade para iniciar a micção.
sistema se mantém ativo, liberando noradrenalina
que atua sobre receptores alfa dessa região e man- Sensação de esvaziamento incompleto: sensa-
tém a contração esfincteriana e o trígono relaxado. ção de que resta urina na bexiga após a micção.
Intrinsecamente, o esfincter também deve estar Gotejamento pós-miccional ou terminal: per-
íntegro, com mucosa pregueada se entrecruzando. da urinária em pequena quantidade, que ocorre após
Isso é possível graças à ação estrogênica e à boa vas- o final da micção.
cularização local. Esforço para urinar: necessidade de manobra
Em um ambiente adequado, quando se quer de esforço para iniciar a micção.
iniciar a micção, o córtex suspende a inibição sobre
o parassimpático, levando à contração vesical. Ao
mesmo tempo, ocorre uma inibição do sistema sim-
pático, o que produz relaxamento do esfincter ure-
tral. Essa coordenação é realizada pela chamada for- Estudo urodinâmico
mação reticular mesencefálica, localizada na ponte.
Urodinâmica é o estudo dos fatores fisiológi-
No centro sacral da micção, ocorre a via de passa-
cos e patológicos envolvidos no armazenamento, no
gem de todas as vias aferentes e eferentes para a bexiga.
transporte e no esvaziamento do trato urinário infe-
rior. Esse estudo compreende a realização de procedi-
mentos urodinâmicos associados, como: fluxometria,
cistometria, estudo miccional, eletromiografia e perfil
Terminologia pressórico uretral.
O registro da pressão vesical durante a fase de
Os sinais e sintomas referentes ao trato uri- enchimento avalia a capacidade, a complacência, a
nário baixo estão relacionados ao armazenamento sensibilidade vesical e a atividade do detrusor. Ele é
(enchimento vesical) e ao esvaziamento da bexiga realizado por manômetros colocados no interior da
(sintomas miccionais). Eles permitem a realização bexiga e no reto ou vagina.
de hipóteses diagnósticas que serão confirmadas por Pressão vesical: aquela aferida no interior da
teste urodinâmico. bexiga.
Conhecer a terminologia dos sintomas e aque- Pressão abdominal: aquela exercida ao redor
la relacionada ao referido teste são fundamentais no da bexiga, avaliada pela medida da pressão retal ou
estudo da uroginecologia. vaginal.

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209
25 Uroginecologia

Pressão do detrusor: diferença entre a pressão Fluxo contínuo:


vesical e a abdominal. € Volume urinado: volume total de urina.
Sensibilidade vesical: sensações percebidas e € Fluxo máximo ou pico de fluxo: valor máxi-
informadas pela paciente durante a fase de enchimen- mo do fluxo.
to vesical.
€ Fluxo médio: relação entre volume e tempo de
Primeiro desejo miccional: primeira sensação fluxo.
de vontade de urinar.
€ Tempo de fluxo: é o tempo em que ocorre o
Desejo miccional normal: sensação de urinar fluxo.
no momento adequado, podendo-se retardar a micção
€ Tempo de fluxo máximo: é o tempo decorrido
se necessário.
desde o início da micção até o fluxo máximo.
Forte desejo miccional: desejo forte de urinar
Fluxo intermitente:
sem receio de perda urinária.
€ Tempo de micção: é o tempo total da micção,
Capacidade cistométrica máxima: volume com
incluindo o tempo das interrupções.
o qual uma paciente de sensibilidade vesical normal
sente que não pode mais retardar a micção.
Capacidade vesical máxima: volume vesical
máximo medido sob anestesia.
Complacência vesical: é a relação da variação de
Estudo miccional
volume com a variação de pressão. É a medida simultânea da pressão vesical ou do
Estabilidade do detrusor: ausência de contra- detrusor, associada à fluxometria.
ções involuntárias durante o enchimento. Tempo de abertura: tempo entre o início da
Contrações involuntárias (não inibidas) são con- contração do detrusor e o início do fluxo urinário.
trações do detrusor de qualquer intensidade, espon- Pressão pré-miccional: pressão registrada imedia-
tâneas ou provocadas durante a fase de enchimento e tamente antes da contração isovolumétrica do detrusor.
que a paciente não consegue inibir.
Pressão de abertura: pressão medida no início
do fluxo.
Pressão máxima: valor máximo da pressão me-
Medidas de pressão uretral dida durante a micção.
€ Pressão uretral: é a medida da pressão no in- Pressão no fluxo máximo: pressão medida du-
terior da uretra em repouso, durante o esforço rante o fluxo máximo.
abdominal ou durante o processo de micção.
€ Perfil pressórico uretral (PPU): é a represen-
tação gráfica da pressão intraluminal em toda a Medidas de pressão de perda
extensão da uretra.
Pressão de perda: pressão vesical no momento
€ Pressão uretral máxima: pressão máxima
da perda urinária.
medida durante o PPU.
Pressão de perda aos esforços (PPE): é a pressão
€ Pressão máxima de fechamento uretral: é
vesical mínima no momento da perda provocada por
a diferença entre a pressão uretral máxima e a
esforço físico. Corresponde ao Alpp (Abdominal Leak
pressão vesical. Point Pressure) ou VLPP (Valsalva Leak Point Pressure).
€ Comprimento funcional da uretra: é a ex- Pressão de perda do detrusor (PPD): é a pres-
tensão da uretra em que a pressão uretral excede
são do detrusor necessária para provocar a perda uri-
a pressão vesical.
nária, secundária a uma contração involuntária ou a
uma diminuição de complacência vesical. Corresponde
ao DLPP (Detrusor Leak Point Pressure).
Fluxometria
Procedimento que mede e registra o fluxo duran-
te o esvaziamento vesical. Fase de esvaziamento (micção)
Fluxo urinário: relação entre o volume de líqui- A função do detrusor durante a micção pode ser
do urinado por unidade de tempo. classificada, de acordo com a força contrátil, em:

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210
Ginecologia

€ Normal: quando a micção é iniciada por con- Fatores de risco para a incontinência urinária na
tração detrusora voluntária e pode ser inibida. mulher
€ Acontrátil: ausência de contração durante o es Fatores Sexo
tudo urodinâmico. predisponentes Genéticos
€ Hipocontrátil: quando a contração detrusora Raça
é de magnitude e/ou duração inadequada para Cultura
efetuar voluntariamente o esvaziamento vesical Neurológicos
normal. Anatômicos
Status de colágeno
Fatores Paridade
Função uretral durante a micção desencadeantes Cirurgias
1. Normal: a uretra relaxa no momento da con- Lesões de nervo pélvico ou mus-
tração voluntária do detrusor. cular
Radiação
2. Obstrutiva: Fatores Disfunção intestinal
€ Hiperativa: ocorre quando o mecanismo de promotores Irritantes dietéticos
fechamento uretral se contrai involuntariamente Tipo de atividade
ou não relaxa no momento da micção; Obesidade
€ Dissinergia vesicoesfincteriana: contrações Menopausa
fásicas dos músculos estriados intrínsecos da Infecção
uretra durante a contração do detrusor, geral Medicamentos
Estado de doença pulmonar
mente decorrente de distúrbio neurológico;
Estado de doença psiquiátrica
€ Dissinergia detrusor/colo vesical: con- Fatores transitó- Idade
tração do detrusor com falha na abertura do rios Delírio
colo vesical. e reversíveis Infecção
Vaginite atrófica
Ação medicamentosa
Unidades de medida da ICS Distúrbios psicológicos
Quantidade Unidade Símbolo Poliúria
Volume Mililitros mL Capacidade de movimentação li-
Tempo Segundos s mitada
Obstipação intestinal
Fluxo
Mililitros por segundos mL/s Tabela 25.2
urinário
Pressão Centímetros de água cm H2O
m, cm, A anamnese deve conter alguns aspectos, incluin-
Comprimento Metros ou submúltiplos do o início dos sintomas, sua duração, gravidade, condi-
mm
Metros ou submúltiplos/ ções associadas e descrição do impacto social e higiênico
Velocidade m/s, cm/s
segundo à mulher. Embora a história forneça diversos dados, é
Temperatura Graus Celsius ºC frequente não se obter o diagnóstico, uma vez que os
Tabela 25.1 sintomas urinários podem ser similares, mesmo quando
as etiologias são diferentes. Isso faz do exame físico uma
parte integrante da avaliação uroginecológica da paciente,
constituindo, porém, apenas um segmento da avaliação. A
Incontinência urinária mulher deve ser examinada na posição de litotomia e or-
tostática, de preferência com a bexiga cheia. Vários pesqui-
Incontinência urinária é conceituada como toda sadores relataram fraca correlação entre os sintomas e os
condição na qual a perda involuntária de urina, obje- achados urodinâmicos, preconizando sua realização para a
tivamente demonstrável, cause problema social ou hi- identificação das causas da incontinência.
giênico à mulher.
Como dito anteriormente, o diagnóstico fisio-
patológico é essencial, uma vez que as formas mais De esforço
frequentes de perda urinária – incontinência de
esforço, pela deficiência esfincteriana ou pela hiper- A incontinência de esforço é uma afecção de
mobilidade na uretra, e incontinência de urgência, grande importância pela sua morbidade e constitui a
secundária à instabilidade do detrusor – apresentam queixa urinária mais frequente das pacientes que pro-
tratamentos distintos. curam os ambulatórios de ginecologia.

SJT Residência Médica – 2016


211
25 Uroginecologia

estes. O caráter progressivo não está relacionado a


Conceito
alterações miccionais como urgência, frequência e
A incontinência urinária de esforço é definida urge-incontinência, ou seja, não há o desejo impe-
como toda perda involuntária de urina pelo meato ex- rioso de urinar. A perda de urina ao mínimo esfor-
terno da uretra, ao se realizar esforços, ou quando a ço sugere deficiência esfincteriana intrínseca. Outra
pressão vesical excede a pressão uretral, na ausência consideração importante é a presença de quadros de
de contração do músculo detrusor. incontinência urinária mista, em que a IUE associa-
-se à hiperatividade do detrusor.
No interrogatório, deve ser questionado o
Classi昀椀cação uso de fármacos que comprometem a função ure-
A incontinência urinária de esforço pode ser tral, como os anti-hipertensivos da categoria dos
consequente à alteração na mobilidade do colo vesi- alfabloqueadores, cirurgias ginecológicas, ante-
cal (hipermobilidade) e/ou deficiência esfincteriana cedentes obstétricos e estado hormonal. Doenças
intrínseca (lesão esfincteriana). Essa segunda ocasio- associadas, como diabetes, hipertensão arterial e
na quadros clínicos mais graves, com perdas urinárias pneumopatias obstrutivas crônicas também de-
aos mínimos esforços. Essa classificação é baseada em vem ser identificadas.
achados do estudo urodinâmico e tem importância na
orientação terapêutica, quer seja clínica ou cirúrgica.

Exame ginecológico
Fisiopatologia
No exame ginecológico, deve-se dar espe-
Os dois tipos de incontinência urinária podem se cial atenção aos seguintes aspectos: presença
sobrepor, embora apresentem mecanismos etiopato- de distopias urogenitais, rotura perineal, trofismo
gênicos distintos. da mucosa e outras doenças ginecológicas associa-
A hipermobilidade ocorre devido a alterações no das. A função muscular do assoalho pélvico pode
mecanismo uretral extrínseco, ou seja, secundário à mu- ser avaliada pela observação e pelo toque durante
dança da posição do colo vesical e da uretra proximal. a contração perineal. A perda urinária deve ser de-
Nessa situação, há lesão de algum componente respon- monstrada de forma objetiva por meio de mano-
sável pela sustentação da uretra, ou seja, do músculo bras de esforço com a paciente em posição gineco-
pubococcígeo (fibras do elevador do ânus que formam o lógica e em pé. Deve-se ter em mente que distopias
assoalho pélvico), da fáscia endopélvia e principalmente genitais podem modificar a conformação anatômi-
dos ligamentos pubouretrais. Essas situações podem ser ca do trato urinário inferior e levar à perda uriná-
causadas por múltiplos partos em pacientes predispos- ria. Uma das formas de se saber se há incontinên-
tas, o que enfraquece as estruturas mencionadas. Inde- cia urinária verdadeira acompanhando a distopia é
pendentemente da causa, como a base está enfraquecida, corrigir esta no exame físico antes de solicitar que
a uretra sofre uma queda em direção à posição infrapúbi- a paciente realize esforço.
ca durante os esforços, de tal modo que a pressão abdo-
Um teste objetivo para avaliar se realmen-
minal é exercida sobre a bexiga, mas não sobre a uretra.
Não obstante, com a lesão dos ligamentos pubouretrais, te há perda urinária e quantificá-la é o pad test.
a vagina fica mais solta, não é tracionada com a contra- Nele, um absorvente é pesado e, em seguida, orienta-
ção do músculo pubococcígeo (que também pode estar -se que a paciente o coloque e exerça suas atividades,
lesado) e não comprime a uretra. reavaliando o peso depois. Uma diferença de 1 g in-
dica perda de urina. Todavia, este teste não permite
A deficiência esfincteriana intrínseca decorre da diagnosticar o tipo de incontinência.
perda do mecanismo de continência próprio da uretra,
ou seja, o pregueamento da mucosa. Isso decorre de O teste do cotonete permite avaliar a mo-
fibroses locais por traumas (inclui partos), cirurgias bilidade do colo vesical de forma clínica. Após
anteriores, radioterapia ou por hipoestrogenismo. antissepsia da vulva, um cotonete estéril lubrifi-
cado com lidocaína em gel é introduzido no meato
uretral externo, até atingir a resistência do colo
vesical. Mede-se o ângulo que a haste do cotonete
Quadro clínico faz com o plano horizontal no repouso e seu des-
A queixa principal é a perda involuntária de locamento durante a manobra de esforço. Valores
urina, a princípio em pequena quantidade, a partir superiores a 30 graus sugerem hipermobilidade
de esforços. A perda se inicia e termina junto com uretral.

SJT Residência Médica – 2016


212
Ginecologia

se há aumentos importantes da pressão vesical, em


salvas e não relacionados ao esforço ou por ele desen-
cadeados, o que indica bexiga hiperativa, como vere-
mos adiante.
Com repleção vesical parcial (150 a 250 mL),
avalia-se a pressão de perda ao esforço. A paciente
é orientada a realizar a manobra de Valsalva em pé,
observando-se com qual pressão abdominal ocorre
a perda urinária. Denomina-se pressão de perda o
menor valor encontrado (VLPP – Valsalva Leak Point
Pressure). Se o teste for negativo, pode ser repetido
na capacidade cistométrica máxima. O normal é
que não haja perdas com pressões abdominais
inferiores a 120 cm H2O.
Figura 25.1 Ilustração do teste do cotonete e o ân-
gulo formado após a manobra de Valsalva. Considera-se insuficiência esfincteriana in-
trínseca quando a pressão de perda for inferior a
60 cm H2O. Valores superiores a 90 cm H2O sugerem
hipermobilidade do colo vesical e valores intermediá-
Exames subsidiários rios devem ser correlacionados com a queixa clínica.
Todas as pacientes com perda urinária devem O estudo miccional avalia ainda a relação entre
realizar exame do sedimento urinário quantitativo e fluxo e pressão, aspecto relevante nas pacientes que se
urocultura para exclusão de infecção urinária. A cito- submeterão a tratamento cirúrgico.
logia oncológica da urina é útil para o rastreamento
Pacientes com fluxos rebaixados (inferiores a 15
de neoplasias do trato urinário, principalmente em
mL/s) e baixa pressão miccional têm maior probabi-
pacientes com mais de 50 anos, tabagistas ou com
lidade de apresentar retenção urinária no pós-opera-
hematúria. Afastadas as doenças que falseiam o diag-
tório, o que indica que o músculo detrusor apresenta-
nóstico, este será firmado pelo teste urodinâmico, que
-se enfraquecido ou com inervação inadequada, pois
inclusive orientará o tratamento.
não consegue expulsar o conteúdo urinário de forma
adequada, assim como altas pressões vesicais e baixo
fluxo indicam processo obstrutivo.
Estudo urodinâmico
O estudo urodinâmico deve ser realizado tanto Estudo urodinâmico
para o diagnóstico como para a exclusão de outras
causas de incontinência, como a hiperatividade do de-
trusor, principalmente antes de tratamento cirúrgico. Cistometria -
Além disso, o estudo urodinâmico permite classificar Avaliação
a IUE. da pressão de
perda urinária
As etapas desse exame são a fluxometria, a cis-
tometria e o estudo fluxo-pressão. A cistometria é o
exame mais importante para o diagnóstico de inconti- Pressão de Pressão de
nência urinária de esforço. perda abaixo de perda acima de
Na fluxometria inicial, avalia-se o fluxo urinário 60 cm H2O 90 cm H2O
após o enchimento da bexiga com ao menos 150 mL.
Normalmente, há um fluxo maior que 15 mL/s. Esse
Insuficiência Hipermobilidade
exame tem mais serventia em casos de enfraqueci- esfincteriana do colo vesical
mento do detrusor ou obstruções, que alteram a curva
representativa do fluxo urinário. Figura 25.2 Fluxograma para a diferenciação entre os
dois tipos de incontinência urinária de esforço.
Na cistometria, avaliam-se as pressões vesical,
abdominal e do detrusor. Coloca-se um manômetro
que registra as pressões intravesicais e outro que re- A ultrassonografia do colo vesical pode ser em-
gistra as abdominais (via retal), sendo a pressão do pregada para avaliar a posição e a mobilidade do colo
detrusor a diferença entre elas. O mais importante é vesical e a medida do resíduo vesical pós-miccional de
saber se ocorre perda a mínimos aumentos da pressão maneira objetiva. São avaliadas as distâncias do colo
abdominal, o que indica incontinência de esforço, ou vesical em relação à borda inferior da sínfise púbica

SJT Residência Médica – 2016


213
25 Uroginecologia

no repouso e durante esforço. Considera-se hiper- Cones vaginais


mobilidade uma amplitude de deslocamento su-
Os cones vaginais constituem uma opção tera-
perior a 10 mm. O volume vesical recomendado para
pêutica para a fisioterapia do assoalho pélvico, deter-
esta avaliação é de 200 mL.
minando contração reflexa dos feixes musculares. Os
cones são apresentados com tamanhos iguais e pesos
diferentes, variando de 20 a 100 gramas. Esses devem
Tratamento ser colocados na vagina, com a paciente de pé, e ali re-
tidos por contração da musculatura perineal por mais
O tratamento de escolha é o cirúrgico. Em situa- de um minuto. Isso deve ser feito diariamente, mais
ções especiais, utiliza-se a terapêutica clínica. de uma vez por dia, aumentado-se progressivamente
o peso do cone conforme a evolução da capacidade.
Em cada dia, os exercícios são iniciados com o cone de
Clínico maior peso que foi retido na vagina.
Os cones vaginais atuam estimulando o recru-
O tratamento não cirúrgico é uma boa opção
tamento de fibras musculares tipo I e II, melhorando a
inicial ou adjuvante às técnicas cirúrgicas, sendo
propriocepção da musculatura pélvica e promovendo o
ainda opção a pacientes impossibilitadas de sofrer
aumento da força muscular. A pressão intra-abdominal,
procedimento cirúrgico ou anestésico. O tratamento
com o cone alojado no interior da vagina, tende a expul-
clínico compreende exercícios perineais, cones vagi- sá-lo do canal vaginal, promovendo assim um feedback
nais, eletroestimulação da musculatura do assoalho sensorial. Essa percepção estimula a contração dos mús-
pélvico e fármacos. culos ao redor do cone na tentativa de mantê-lo no local.
Resultados favoráveis no tratamento da inconti-
nência urinária de esforço utilizando cone vaginal são
Reabilitação do assoalho pélvico observados em 60 a 80% dos casos.
As técnicas de reabilitação do assoalho pélvico
são indicadas nos casos de perda urinária leve ou mo-
derada, com pequena distopia urogenital e com fun- Eletroestimulação
ção muscular preservada. A estimulação endovaginal, na dependência do
Os exercícios perineais devem ser realizados tipo de frequência de corrente utilizada, estimula os
duas vezes ao dia, durante 15 minutos. A paciente nervos eferentes para a musculatura periuretral, ele-
é orientada a contrair e relaxar a musculatura por vando a pressão da uretra e hipertrofiando sua mus-
cinco segundos. culatura. Esse estímulo nervoso também atinge os
responsáveis pela inervação do assoalho pélvico, o
Os programas de exercícios para fortalecimento que leva ao fortalecimento desses grupos musculares.
do assoalho pélvico representam uma opção simples e Acredita-se ainda que a eletroestimulação possa pro-
de baixo custo, que têm como objetivo básico aumen- mover inibição do músculo detrusor, o que diminui
tar a resistência uretral e melhorar os elementos de o número de micções, com consequente aumento da
sustentação dos órgãos pélvicos. A dificuldade encon- capacidade vesical.
tra-se apenas em reconhecer se os grupos musculares A eletroestimulação pode ser utilizada como te-
que estão sendo contraídos são os corretos. rapia isolada ou associada a outros tipos de tratamen-
A utilização de aparelhos que informam ao to, com indicação tanto na incontinência urinária de
esforço como na incontinência de urgência. Quando
paciente, por meio de sinais visuais ou sonoros
isolada, tem uma taxa de sucesso de 30 a 50%.
(biofeedback), qual músculo ou grupos musculares
estão sendo utilizados em cada exercício permite a
resolução desse problema e a conscientização des-
sa função muscular. O perineômetro de Kegel é um Obturadores uretrais e absorventes
instrumento de biofeedback e outros aparelhos simi- Em casos refratários a outros tratamentos,
lares têm sido desenvolvidos. A informação que o usam-se obturadores uretrais como medida paliativa.
aparelho de biofeedback fornece permite a aprendi- Esses, colocados na uretra e retirados e trocados a cada
zagem, pela autocorreção, de uma maneira natural micção, ocluem a passagem da urina. Pelo incômodo,
e intuitiva. Com o fortalecimento da musculatura levam a frequente abandono de tratamento, além de
de sustentação, é possível corrigir a perda de urina poderem ocasionar cistites de repetição.
com sucesso de até 70%. O uso de absorventes específicos é uma alternativa.

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214
Ginecologia

Farmacológico Nas pacientes com hipermobilidade do colo


vesical, a colposuspensão é a cirurgia geralmen-
A uretra é constituída de músculo liso, tecido
te indicada, porém, as abordagens tipo sling apre-
conectivo, plexos vasculares submucosos, mucosa e
sentam eficácia semelhante, apesar de maior cus-
músculo estriado. Todos esses componentes, em con-
to, devendo ser escolhidas em pacientes obesas ou
junto, mantêm uma pressão de fechamento uretral su-
com acúmulo de gordura abdominal, pois estas têm
ficiente para resistir à pressão intravesical em repouso
maior risco de angulamento de ureteres com a col-
e garantir a continência urinária. As mulheres com
pofixação. A colposuspensão consiste em trazer o
incontinência urinária de esforço, além da perda de
suporte uretral, apresentam diferentes níveis de com- colo vesical e parte da uretra para uma posição su-
prometimento desses componentes, principalmente perior, permitindo que, ao esforço, essa região tam-
na uretra média, na qual se encontra o músculo estria- bém sofra efeitos da pressão abdominal e se feche.
do. Isso leva à insuficiência esfincteriana intrínseca. A técnica mais usada é a colpofixação retropúbica
O tratamento farmacológico da incontinência pela cirurgia de Burch, na qual os ligamentos parau-
urinária de esforço se baseia no conhecimento do retrais (laterais ao colo vesical e vagina) são fixados
predomínio dos receptores alfa-adrenérgicos, na nos ligamentos de Cooper (ligamentos ileopectíne-
uretra e no colo vesical, sensíveis à ação de nore- os), que são retropúbicos.
pinefrina sob modulação da serotonina. Além disso, A cirurgia de Kelly-Kennedy não é mais re-
deve-se considerar o fato de que ação estrogênica man- comendada diante das altas taxas de insucesso
tém a vascularização local adequada e o pregueamento terapêutico (cerca de 65% de falha após cinco
da mucosa uretral, permitindo seu entrelaçamento como anos).
mecanismo de continência.
Nas pacientes com insuficiência esfincteria-
Assim, a reposição estrogênica em mulheres na na intrínseca, são utilizadas as técnicas de sling,
pós-menopausa pode aumentar a pressão de fecha-
pois nestas a colpossuspensão não se apresenta efe-
mento uretral, bem como o número de células epiteliais
na bexiga e na uretra. Os estrógenos podem também tiva. A técnica consiste em criar um apoio posterior
potencializar a resposta aos agonistas dos receptores para a uretra, o que pode ser feito por uma faixa sin-
alfa-adrenérgicos pelo incremento da densidade e da tética ou de tecido aponeurótico autólogo. A faixa é
sensibilidade desses receptores. São, então, uma alter- passada pela parede vaginal anterior, imediatamen-
nativa em casos leves cujos sintomas se iniciaram no te nas laterais da uretra ou pelo forame obturatório,
climatério e não estão associados a distopias. sendo que, no primeiro caso, é obrigatória cistosco-
Antidepressivos tricíclicos são propostos no trata- pia posterior para avaliar se não houve lesão inad-
mento da incontinência urinária de esforço devido a suas vertida uretral ou vesical. Assim, cria-se um novo
propriedades alfa-adrenérgicas periféricas. Uma teoria é suporte para a uretra que serve como mecanismo
que eles inibem a recaptação da noradrenalina nas termina- esfincteriano.
ções nervosas adrenérgicas da uretra. Isso poderia melho-
rar os efeitos contráteis da noradrenalina no músculo liso
Incontinência urinária
uretral. Apesar dos efeitos colaterais, os antidepressivos de esforço
tricíclicos servem de alternativa também em casos leves.
Recentemente, inibidores da recaptação das mo- Hipermobilidade Insuficiência esfincteriana
noaminas, uma nova geração de antidepressivos com do colo cervical intrínseca

menos efeitos colaterais que os tricíclicos, têm sido in-


vestigados como agentes terapêuticos nas disfunções Obesas
miccionais. Estudos têm demonstrado que a duloxeti-
na apresenta efeitos sobre a bexiga e o esfincter, media-
dos centralmente por meio da via sensitiva aferente e Cirurgia de Burch
Cirurgias tipo "SLING"
ou "T.V.T."
motora eferente. Existem evidências de boa qualidade
sugerindo que a duloxetina tem eficácia favorável no Figura 25.3
tratamento da incontinência urinária de esforço em
relação ao placebo, beneficiando até 60% de mulheres
com perda importante. Entretanto, um seguimento de
longo prazo ainda não foi apresentado e aguardam-se
publicações com outras avaliações objetivas.

Cirúrgico
A cirurgia representa a terapêutica mais comu-
mente empregada para o tratamento da incontinência Figura 25.4 Imagens da uretra. A: uretra normal; B:
urinária de esforço. É fundamental que se considere o uretra incontinente; C: uretra com a alça de suporte
tipo de IUE na escolha da técnica cirúrgica. (sling) na correção da incontinência urinária.

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215
25 Uroginecologia

Hiperatividade do detrusor Anamnese


(bexiga hiperativa) Os sintomas da hiperatividade do detrusor in-
cluem urgência miccional, aumento de frequência e
A hiperatividade do detrusor é um termo genéri- noctúria. A perda urinária (urgeincontinência) pode
co que caracteriza a presença de contrações involuntá- ou não estar presente.
rias do detrusor durante o enchimento vesical. Essas
Deve-se incluir, também, a pesquisa de doenças
contrações podem ser espontâneas ou provocadas por
crônicas, neurológicas, ortopédicas e pulmonares. Uma
quaisquer estímulos, como tosse, barulho de água cor-
investigação pormenorizada dos medicamentos em uso,
rente ou enchimento vesical rápido. A hiperatividade das cirurgias pélvicas anteriores, principalmente aquelas
do detrusor, como condição clínica, é definida como para correção de incontinência urinária e de prolapsos
qualquer urgência miccional não relacionada a ITU e genitais. Além disso, deve-se avaliar o nível de consciên-
geralmente acompanhada de aumento da frequência cia, mobilidade e distúrbios de marcha. Da mesma for-
de micções. ma, é importante a investigação do hábito intestinal e da
presença ou não de incontinência fecal. Recomenda-se
também uma pesquisa objetiva do impacto dos sintomas
na qualidade de vida da paciente. Isso é importante na
Classi昀椀cação e Etiopatogenia
escolha e na condução do tratamento. Salienta-se ainda
A hiperatividade do detrusor é classificada a necessidade de excluir a existência de eventual tumor
conforme a etiologia: vesical em pacientes de maior faixa etária.
€ Hiperatividade detrusora idiopática (an-
tiga instabilidade do detrusor): quando as
contrações involuntárias do detrusor não são
consequências de alterações neurológicas (ori-
Exame físico
gem idiopática). Deve-se dar ênfase ao exame neurológico resumido:
€ Hiperatividade detrusora neurogênica (an- € Pesquisa da sensibilidade nos dermátomos refe-
tiga hiperreflexia do detrusor): quando as rentes a S2, S3 e S4;
contrações involuntárias são causadas por doen- € Avaliação do tônus do esfincter anal;
ças neurológicas (acidente vascular cerebral, neu- € Pesquisa dos reflexos do músculo bulboesponjo-
ropatia diabética, doença de Parkinson, esclerose so e patelar.
múltipla, demência senil, mielopatias etc.).
Na suspeita de doença neurológica, encaminhar
Nesse último caso, há lesão de vias inibitórias a paciente ao especialista.
do SNC, como acontece em casos de Alzheimer, AVC,
esclerose múltipla e mielodisplasia; ou sensibilização
dos nervos aferentes da bexiga, que pode ser decor-
Exames complementares
rente de cirurgias inadequadas na região.
Sedimento urinário e urocultura: a primeira afec-
ção que se deve descartar é a infecção do trato uriná-
rio, condição extremamente comum, que pode mime-
Incidência tizar os sintomas de hiperatividade do detrusor.
A hiperatividade do detrusor é a segunda maior
causa de incontinência urinária na mulher. A incidência
depende da população estudada. Estudos demonstram Diário miccional
que, de uma maneira geral, a incidência da doença é de
16,9% das mulheres, com aumento conforme o avançar Consiste em anotar todas as ingestões hídricas,
da idade. Aquelas que apresentam distúrbios neurológi- desejos e atos miccionais.
cos chegam a apresentar incidência de até 90%. Por meio do diário, pode-se detectar hábitos de
ingestão hídrica ou de micção que levam a sintomas,
Entre as mulheres incontinentes que procuram
facilmente corrigidos com orientações gerais. É tam-
assistência médica, a prevalência da hiperatividade ve-
bém um método importante na avaliação terapêutica.
sical varia entre 9% e 55%, dependendo da população
e dos métodos de estudo.

Estudo urodinâmico
Diagnóstico O diagnóstico definitivo de hiperatividade
Devem-se diferenciar os casos idiopáticos dos do detrusor é dado pela urodinâmica, na qual se
neurológicos. demonstram contrações involuntárias do detrusor

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216
Ginecologia

de qualquer intensidade, desde que associadas à Exercícios pélvicos e eletroestimulação


urgência miccional e/ou à incontinência. As con-
trações podem ser espontâneas ou provocadas
É baseado na constatação de que a eletroestimu-
lação da musculatura pélvica inibe de modo reflexo a
pelo enchimento vesical rápido, por mudança
contração detrusora.
de decúbito, tosse ou água corrente. O estudo
miccional é necessário para identificar distúrbios Preconiza-se que devem ser executadas três se-
miccionais associados. quências de exercícios, com 8 a 12 contrações máxi-
mas de baixa velocidade, sustentadas por 6 a 8 segun-
A cistometria, parte do estudo urodinâmico, re-
dos cada, 3 a 4 vezes por semana, por um período de
vela aumentos da pressão intravesical, em salvas, não
15 a 20 semanas.
relacionados ao aumento de pressão abdominal ou por
esse desencadeados.

Biofeedback
Cistoscopia No biofeedback, por meio de um estímulo sonoro
ou visual que alerta a presença de contração do detru-
A cistoscopia deve ser realizada na suspeita de
sor, a paciente aprende a inibir a contração de forma
litíase renal ou vesical, corpos estranhos, cistite crô- consciente. Os serviços que utilizam esta modalidade
nica intersticial, neoplasia de bexiga, ou quando não descrevem melhora de até 85%.
houver resposta ao tratamento clínico. Esse exame
Embora possa ser utilizado como recurso isola-
é obrigatório em pacientes com idade superior a 55
do, habitualmente, ele é aplicado em conjunto com
anos e início recente de sintomas, principalmente se
exercícios da musculatura do assoalho pélvico e trei-
forem fumantes. O achado cistoscópico mais frequen-
namento vesical.
te é trabeculação da parede vesical devido à hipertrofia
do detrusor.
Medicamentoso
As melhores taxas de sucesso com o tratamento
medicamentoso são de 70%. O princípio do trata-
Tratamento mento medicamentoso é o relaxamento da muscu-
Após o diagnóstico de bexiga hiperativa, trata- latura vesical, embora também possa atuar manten-
mentos conservadores constituem a primeira linha do a tensão uretral.
de opções entre as quais estão incluídas a reabilitação As contrações vesicais são decorrentes do es-
do assoalho pélvico e a terapia comportamental. A tímulo colinérgico dos receptores muscarínicos M2
combinação de drogas e terapia comportamental em e M3. Já a abertura da uretra é decorrente da inibição
mulheres produz melhores resultados que o alcança- do sistema simpático com menor liberação de nora-
do por ambas as terapias individualmente. Nota-se, drenalina, que atua localmente promovendo a contra-
então, que diferentemente da incontinência urinária ção do esfincter da uretra.
de esforço, aqui o tratamento de escolha é clínico e a
cirurgia, exceção.
Anticolinérgicos
Os anticolinérgicos provocam inibição dos recep-
tores muscarínicos da bexiga, diminuindo a amplitude
Terapia comportamental das contrações e aumentando o volume da primeira
O consumo de vegetais, pão e carne de frango di- contração e a capacidade funcional da bexiga.
minui o risco de sintomas relacionados com a bexiga Como efeitos colaterais, são referidos boca seca,
hiperativa. As bebidas gaseificadas, a obesidade, o ta- constipação intestinal, turvação visual, entre outros.
bagismo e a diminuição da atividade física são fatores Esses sintomas variam de intensidade de acordo com
de risco e também devem ser evitados. o fármaco e a dose.
É possível fazer um “treinamento vesical”, esta-
belecendo-se horários fixos e aumentados gradativa- Tolterodina
mente para micção, inibindo reflexos nos intervalos. É um antimuscarínico, cujo mecanismo de
Há relatos de melhora da incontinência urinária em ação é a competição direta nos receptores colinér-
até 15% dos casos e dos sintomas relacionados à bexi- gicos periféricos. Há uma seletividade in vivo para
ga hiperativa em 50%. receptores muscarínicos vesicais, fazendo com que

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217
25 Uroginecologia

essa droga tenha menos efeitos colaterais e maior coadjuvante da bexiga hiperativa. A partir de seu
adesão das pacientes. A tolterodina é considera- uso, existe risco de retenção hídrica e hiponatremia,
da uma droga de primeira linha no tratamento principalmente no idoso.
da bexiga hiperativa.
Nome
Fármaco Dose recomendada
comercial
Propantelina Tolterodina Detrusitol 1 a 2 mg 2 x/dia
Brometo de Manipulada 15-30 mg 4 x/dia
É uma droga de baixo custo e útil quando a fre- propantelina
quência miccional aumentada é o principal sintoma. Oxibutinina Retemic/ 2,5-10 mg 3 a 4 x/dia
Incontinol/
Frenurin
Oxibutinina Imipramina Tofranil 10-25 mg 3 x/dia
Tabela 25.3
Além do efeito antimuscarínico, apresenta
também ação relaxante muscular e anestésica local.
Tem como efeito principal a inibição dos recepto-
res M1 e M3. minimamente invasivo
Os efeitos colaterais são comuns e podem deter- O uso de substâncias intravesicais no tratamento da
minar abandono do tratamento. O principal deles é a bexiga hiperativa é baseado na suposição de que pequenas
boca seca. fibras aferentes não mielinizadas (fibras-C) seriam respon-
Juntamente com a tolterodina, a oxibutinina é sáveis por um aumento da excitabilidade do detrusor. Em
considerada uma droga de primeira escolha no trata- bexigas normais, o estímulo aferente do reflexo da micção
mento da bexiga hiperativa. é conduzido principalmente por fibras mielinizadas tipo
A-Delta, enquanto as fibras-C estão inativas. Em situa-
ções como infecção urinária e lesão medular, as fibras-C
tornam-se ativas e há aumento do seu número.
Antidepressivos tricíclicos

Imipramina Capsaicina
A imipramina é um antidepressivo tricíclico ini- É usada na forma de instilação intravesical. Exerce
bidor da recaptação de noradrenalina e serotonina na um efeito bifásico sobre os nervos. Inicialmente, ocorre
membrana pré-sinática, resultando em relaxamento excitação, seguida por um bloqueio de longa duração.
vesical, aumento da resistência uretral, ação anticoli- Esse bloqueio leva a uma resistência da ativação das
nérgica e propriedades anestésicas. Apresenta como fibras sensitivas fibras-C pelos estímulos naturais, blo-
efeitos colaterais comuns: boca seca, tremor, sedação queando o estímulo aferente da bexiga para a medula.
e convulsões. Os efeitos cardiovasculares são descritos Os principais efeitos colaterais da aplicação intravesical
como alterações do eletrocardiograma, taquicardia, da capsaicina são desconforto e sensação de queimação
flutter atrial ou ventricular e bloqueio atrioventricu- na região suprapúbica e uretra, que podem ser supera-
lar. A imipramina também pode ser usada no trata- dos com a aplicação de lidocaína antes do procedimento.
mento da noctúria e da enurese noturna. Os riscos
e benefícios da imipramina no tratamento da bexiga
hiperativa ainda não estão bem-esclarecidos para que
seu uso seja recomendado.
Resiniferatoxina
É um análogo da capsaicina, com 1.000 vezes
mais potência. Além disso, gera menos dor quando
instilada na bexiga.
Antidiuréticos Atualmente, os estudos em pacientes com bexiga
O DDAVP (1-desamino-8-D-arginina-vaso- hiperativa estão em andamento para liberação dessa
pressina) é um análogo sintético do hormônio an- medicação.
tidiurético. É útil no tratamento da noctúria e da
enurese noturna, diminuindo o ritmo de filtração
glomerular e, assim, a produção de urina. Está con-
traindicado a pacientes com insuficiência corona- Toxina botulínica
riana ou cardíaca, hipertensão arterial ou epilepsia. É uma neurotoxina produzida pelo Clostridium
Poucos estudos citam sua utilização no tratamento botulinum. Seu uso na musculatura detrusora para o

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218
Ginecologia

tratamento da bexiga hiperativa, em geral, é realizado


pela aplicação da toxina em 30 pontos diferentes da
parede vesical sob visão endoscópica.

Neuromodulação sacral
É realizada por meio de um dispositivo, cuja
implantação é feita em dois estágios. O primeiro
consiste no implante de um eletrodo no forame S3,
ligado a um estimulador externo, com o objetivo
de avaliar a integridade dos nervos periféricos,
a viabilidade da estimulação e identificar o local
ideal para posicionamento do eletrodo definitivo,
o que permite um teste terapêutico antes da im-
plantação definitiva. O dispositivo de teste (es-
timulador externo) permanece por 3 a 7 dias no
paciente. Nessa ocasião, este é reavaliado; havendo
uma melhora maior ou igual a 50% nos sintomas,
procede-se ao implante do estimulador definitivo
no subcutâneo. O modo de ação da neuroestimula-
ção sacral ainda não está plenamente esclarecido.
Há evidências para o uso da neuromodulação sa-
cral no tratamento da bexiga hiperativa refratária
ao tratamento farmacológico.

Cirúrgico
Reservado a casos excepcionais, em que as te-
rapias anteriores não foram suficientes. Consiste em
rizotomias e denervações periféricas. Como complica-
ções, essas intervenções podem levar a necessidade de
cateterismo vesical intermitente por toda a vida pela Figura 25.5 A: A incontinência de esforço genuína.
ausência de contração da bexiga, fístulas e litíase. B: Dissinergia de detrusor.

Incontinência urinária de esforço Dissinergia do detrusor


História Perda imediata com a manobra de Valsalva Perda demorada da urina
Sem sintomas de irritação vesical Sintomas de irritação vesical
Micções diárias Paciente com < 6 micções por dia Paciente com > 6 micções por dia
Quantidade > 250 mL por micção Quantidade < 250 mL por micção
Cultura de urina Negativo Negativo ou positivo
Teste do cotonete Mudança > 35º Mudança < 35º
Exame pélvico Possível cistocele, retocele ou prolapso uterino Normal
Teste de Marshall A incontinência resolve com a elevação do ângulo A incontinência não resolve com a eleva-
uretrovesical ção do ângulo
Cistoscopia Sem evidência de inflamação Pode ou não ter evidência de inflamação
O colo da bexiga se afunila quando a paciente O colo da bexiga não afunila
tosse
Cistometria contínua Capacidade de 300-500 mL de H2O Capacidade < 300 mL H2O
Pressão < 15 cm H2O Pressão > 15 cm H2O
Negativo para contrações Positivo para contrações
Perfil prescrito ure- Normal Anormal
tral
Tabela 25.4

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219
25 Uroginecologia

Bexiga neurogênica
Esta é uma condição em que se encontra retenção urinária ou incontinência como resultado de disfunção
uretral ou do detrusor, causadas por lesões neurológicas. O tipo de disfunção é dependente do local da lesão neu-
rológica. A lesão da coluna espinhal acima da região sacral resulta em isolamento medular distal, sendo capaz de
produzir apenas contrações fracas do detrusor e, na maioria dos casos, falta de coordenação (dissinergia) detru-
sor-esfinctérica. Em casos de lesões intracerebrais, pode acontecer perda do controle voluntário da micção, mas
sem incoordenação, geralmente desenvolvendo hiper-reflexia vesical. Quando ocorrem lesões sacrais ou de plexo
pélvico (cirurgias pélvicas radicais, radioterapia, traumatismos, neuropatias), geralmente advém um quadro de
hipotonia vesical, também denominada bexiga neurogênica flácida, com IU por transbordamento ou escória para-
doxal. Nesses casos, perde-se a inervação da bexiga, que elimina uma pequena parte de seu conteúdo (transborda)
quando está extremamente cheia.
Para o diagnóstico de bexiga neurogênica, é fundamental a avaliação neurológica dos segmentos S2 a S4, pois o
centro sacral de controle vesical encontra-se nesses segmentos. O diagnóstico definitivo, porém, baseia-se nos achados
da cistometria, às vezes necessitando de eletromiografia e testes neurológicos mais acurados.

Anomalias congênitas ou adquiridas do trato urinário


São as formas mais raras de IU e devem-se a um desvio do mecanismo da continência, existindo um pertuito não
fisiológico para a passagem da urina. As principais anomalias causadoras de IU são epispádia, extrofia vesical, hipospá-
dia, ureter ectópico, persistência da cloaca e fístulas ureterovaginais, vesicovaginais, vesicouterinas ou ureterouterinas.
O principal sintoma das anomalias citadas é a perda urinária contínua, sendo que, no caso de ureter ectó-
pico, a incontinência às vezes é intermitente. No caso de fístulas ureterouterinas ou vesicouterinas, pode acon-
tecer hematúria cíclica, às vezes com amenorreia secundária, com ou sem IU. Geralmente, o diagnóstico dessas
anomalias é feito com avaliação clínica (anamnese e exame físico). Os métodos propedêuticos complementares
empregados em casos de suspeita de um trajeto anormal para o fluxo urinário, quando necessário, são: injeção
de azul de metileno, índigo-carmim ou leite, cistoscopia, urografia excretora, pielografia retrógrada, histeros-
salpingografia, vaginoscopia ou histeroscopia, conforme a suspeita. A conduta terapêutica geralmente é cirúr-
gica e individualizada para cada caso.

Sintomatologia: aumento da frequência, urgência, noctúria com ou sem urgeincontinência

Diabetes, neuropatias, cirurgia prévia Sim Encaminhar especialista

História médica Não Exames complementares


Especial atenção a: Especial atenção a:
- uso de medicações - urina tipo I (glicosúria)
- ingestão de líquidos
- irritantes vesicais Exame físico geral
(alimentos, líquidos) Especial a:
- exame pélvico
- exame ginecológico

Normal Resultado Alterado

Sugestão de Sugestão de
diagnóstico clínico: diagnóstico clínico:

Bexiga hiperativa Outras doenças

Especialista
Tratamento:
1- Farmacológico: (antimuscarínicos)
2- Comportamental Falha

Figura 25.6 Fluxograma simplificado para o diagnóstico e tratamento da bexiga hiperativa.

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

26
Infertilidade conjugal

Introdução Epidemiologia
A taxa de concepção mensal de um casal com Cerca de 15% dos casais são inférteis, núme-
número de relações sexuais em torno de seis por mês ro que vem aumentando, pois o principal fator relacio-
sem uso de método anticoncepcional é de 20 a 25% nado ao sucesso de uma gravidez é a idade e o mundo
em mulheres de até 35 anos, o que denota uma dificul- atual gera gestações mais tardias. Com o passar do
dade natural dos seres humanos em procriar. Essa di- tempo, há uma diminuição quantitativa e qualitativa
ficuldade pode ser exacerbada em algumas situações, de gametas, além de um aumento da incidência de do-
gerando a infertilidade ou esterilidade. enças que podem ser obstáculos à fecundação, como
endometriose e miomas (mais incidentes na 3ª e 4ª
Infertilidade é a redução da capacidade fértil e foi
décadas de vida).
definida pela Associação Americana de Medicina Re-
produtiva como a ausência de gravidez após um ano de Estima-se que aproximadamente 30 a 40%
tentativas sem qualquer método contraceptivo. Nesse das causas de infertilidade estão associadas a
grupo de casais inférteis, apesar de todas as técnicas fatores exclusivamente femininos, 25 a 30% a
de reprodução assistida, cerca de 1 a 2% jamais con- fatores masculinos, e cerca de 30% têm causa mista,
seguirão êxito gravídico, passando a ser um casal es- masculina e feminina. Ainda, 15% das infertilida-
des são de causa desconhecida e recebem o nome
téril. Portanto, esterilidade é a impossibilidade total e
de Esca (esterilidade sem causa aparente).
irreversível de gerar filhos, mesmo com as técnicas de
reprodução assistida. Dividimos os fatores femininos causado-
res de infertilidade em três grupos: os associa-
Podemos dividir a infertilidade em dois tipos:
dos a disfunções ovulatórias, que respondem por
primária, quando nunca houve gravidez, ou secundá-
cerca de 30 a 30% dos casos; os de causas tubárias,
ria, se ela já existiu.
peritoneais e uterinas, que representam 25 a 50%
Fecundidade, termo também usado corriqueira- dos casos, com principal participação do fator tubá-
mente, refere-se à capacidade de conceber uma gesta- rio; e os de causas cervicais, infecciosas e imunoló-
ção em um único ciclo. gicas, englobando 5 a 10%.
221
26 Infertilidade conjugal

Fatores em casos de positividade, deve ser repetido por três


Femininos vezes. Na análise do exame, interessam a quantida-
de e viscosidade do ejaculado, a concentração de es-
Fatores permatozoides e sua motilidade e morfologia, como
Masculinos mostra a Tabela 26.1. As principais alterações são
mostradas na Tabela 26.2.
Desconhecido

Fatores A Organização Mundial de Saúde definiu parâ-


Associados metros mínimos para cada parâmetro seminal
Figura 26.1 Porcentagem de causas de infertilidade. Volume: > 2 mL
pH: de 7,2 a 8,0
Concentração espermática: > a 20.000.000 espermatozoides
Propedêutica do casal por mL
Contagem espermática total: > 40.000.000 espermato-
infértil zoides
Motilidade: mais de 50% deles com progressão (catego-
A investigação diagnóstica é baseada nas cau- rias A + B) ou mais de 25% com progressão linear rápida
sas. O fator masculino é sempre investigado e o femi- (categoria A)
nino terá a investigação direcionada de acordo com a Morfologia: mais de 30% com morfologia normal
queixa, ou seja, se há história de DIPAa ou promis- Vitalidade: mais de 75% vivos
cuidade sexual, inicia-se a investigação pelo fator tu-
Classificação da OMS para progressão
bo-peritoneal, entretanto, se houver irregularidade
menstrual, parte-se primeiro para uma investigação Categoria A: motilidade rápida, linear e progressiva
de fator ovulatório. Categoria B: motilidade linear lenta ou movimentos não li-
neares
Categoria C: motilidade não progressiva
Categoria D: imóveis
Fator masculino Tabela 26.1

Considerando que provavelmente o homem é


responsável por metade das causas de infertilidade, a Terminologia da avaliação seminal e significado
investigação deve contemplar o fator masculino. Qual-
Normozoosper- Ejaculado normal, referência OMS
quer condição que altere a qualidade e/ou a quantida-
mia
de do esperma pode levar à infertilidade. A avaliação
Azoospermia Ausência de espermatozoide no
da infertilidade masculina deve incluir anamnese, exa-
ejaculado
me físico e exames complementares.
Oligozoospermia Concentração de espermatozoide <
A anamnese deve incluir idade, profissão, gesta- 40 milhões
ções anteriores com a parceira atual ou anterior, tra- Teratozoospermia Morfologia normal < 15% ou <
tamentos prévios, avaliação da fertilidade da parceira, 30%, referência OMS
história sexual (frequência do coito, ereção e ejacula- Aspermia Ausência de ejaculado
ção), ocorrência de infecções e doenças sexualmente
Hipospermia Baixa da quantidade de sêmen
transmissíveis, criptorquidia, trauma ou torção testi-
cular, diabetes, antecedentes cirúrgicos, uso de drogas Hiperespermia Aumento da quantidade de sêmen
com efeito sobre a espermatogênese e verificação de
doenças familiares. Astenozoosper- Motilidade < 50% (A + B) ou < 25%
mia de motilidade tipo A
Apesar da anamnese e do exame físico serem Criptozoospermia Poucos espermatozoides, recupera-
importantes, a melhor avaliação do fator masculino dos após centrifugação
será feita pelo espermograma. Destarte, já na pri- Tabela 26.2
meira consulta indica-se a análise seminal. O es-
permograma deve ser colhido após 3 a 5 dias
de abstinência sexual, por meio de mastur- Na vigência de oligospermia (menos de 20
bação, e o material coletado é analisado uma milhões/mL), é mandatória a avaliação hormo-
hora após a coleta. O espermograma é um exame nal com FSH, LH, testosterona e prolactina. A
muito sensível, mas pouco específico, de modo que, avaliação deve ser feita pelo andrologista.

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222
Ginecologia

A histerossalpingografia é também um exame


Sêmen
inicial básico, especialmente em pacientes com histó-
ria de DIPAa e cirurgias prévias no abdome e pelve.
Ele consiste na introdução intracavitária de contraste,
1 amostra 2 amostras 2 amostras com posterior radiografia da pelve para avaliar a mor-
normal discordantes alteradas*
fologia da cavidade uterina e a permeabilidade tubá-
rea. Quando há permeabilidade tubárea, a probabili-
Avaliação
dade de gestação é de 58%. A histerossalpingografia
3a amostra pode ainda mostrar falhas de enchimento da cavidade
da andrologia
uterina, levantando suspeita de miomas submucosos,
Figura 26.2 Avaliação do fator masculino. (*) Oligo pólipos, aderências intraútero, bem como de malfor-
ou Astenozoospermia, avaliação pela Andrologia
mações uterinas.
Azoospermia e dosar FSH, LH e testosterona.
No caso de anormalidade, deve-se realizar lapa-
roscopia juntamente com histeroscopia para avaliar as
adesões tubáreas, sinais de endometriose e verificar o
estado das fímbrias, o que possibilita também o estu-
Fator feminino do da permeabilidade tubárea ao corante no intraope-
ratório e permite a visualização e biópsia de possíveis
O exame físico feminino deve ser completo, com focos de endometriose. A histeroscopia fornece infor-
atenção especial ao aparelho genital. Ao exame gineco- mações a respeito da cavidade uterina como os pró-
lógico, deve ser realizada uma avaliação cuidadosa da va- prios pólipos ou síndrome de Asherman, auxiliando
gina e do colo do útero. O toque vaginal indica a posição no diagnóstico.
do útero e pode evidenciar sintomas de endometriose, e
a dor à mobilização do colo pode evidenciar DIPA.
HSG
O tempo de infertilidade sugere uma estimativa
do grau de infertilidade, além de ser um fator prog-
nóstico para o tratamento. Alterações menstruais fa- Normal:
Alterada:
Acúmulo de
lam a favor de distúrbios de ovulação. Trompas pérvias
contraste localizado
Cavidade normal US
Trompas obstruídas
Sem coleção
Cavidade uterina
líquida localizada
grande

Fator tuboperitoneal e uterino


Sem cirurgia prévia Cirurgia prévia
Decorre principalmente de fator tubário e sua inci- ou DIP
dência tem aumentado nas últimas décadas devido à alta
Avaliar
prevalência de infecções causadas por germes de trans- necessidade VLP +
missão sexual como, clamídia e gonococo, que, por vezes, de VLP cromotubagem
ocasionam DIPAa, cujas sequelas podem ser obstrutivas Figura 26.3 Avaliação do fator tubário. HSG: histerossal-
para as tubas. Em relação aos fatores peritoneais, cirur- pingografia; US: ultrassonografia; VLP: videolaparoscopia.
gias prévias e apendicites podem ser responsáveis por
obstruções tubárias. Já em relação ao útero, miomas,
USG
pólipos, sinéquias e malformaçãos müllerianas são pos-
síveis causas de infertilidade, pois dificultam a ascensão
de espermatozoides ou implantação do zigoto.
Normal Alterado
Como vimos anteriormente, esses fatores são
as causas principais de infertilidade feminina,
respondendo por até 50% destas.
Espessamento endometrial
O diagnóstico do comprometimento tubáreo, pe- Mioma intramural/
Pólipo
ritoneal e uterino é baseado na visualização das condi- subseroso
Mioma submucoso
Malformação
ções uterinas e tubárias, interna e externamente. Os Sinéquia
procedimentos para essa avaliação incluem histeros-
salpingografia, ultrassonografia, histeroscopia e lapa-
roscopia com cromotubagem. Avaliar
VHD
A ultrassonografia é o exame de mais fácil realização VLP + VHD

e menos incômodo. Exceto nos casos de miomas ou mal- Figura 26.4 Avaliação do fator uterino. VHD: vídeo-
formações uterinas, ele não traz grandes informações. histeroscopia diagnóstica; VLP: videolaparoscopia.

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223
26 Infertilidade conjugal

Anovulação
Juntamente com o fator tuboperitoneal, a anovulação é uma das principais causas de infertilidade conjugal.
Sua frequência é maior em pacientes mais jovens, ao redor de 20 a 30 anos. Não existem métodos ideais e
diretos para confirmar a presença de ciclos ovulatórios normais. A regularidade dos ciclos menstruais pressupõe
ovulação.
A investigação será feita no intuito de avaliar se está ou não havendo ciclos ovulatórios e ela é dirigida, prin-
cipalmente, em casos de alterações do ciclo menstrual, como espaniomenorreia e opsomenorreia.
Os testes que avaliam a ovulação são:

1. Curva de temperatura basal

É o mais antigo, simples e não invasivo. Baseia-se na medida diária da temperatura, sendo que o aumento
do valor basal em 0.2 a 0.3 graus Celsius durante dois dias consecutivos indica possibilidade de ovulação, isso
porque a progesterona da segunda fase do ciclo tem ação termogênica e, se ela está sendo produzida, é porque
deve ter havido ovulação. No entanto, cerca de 20% dos ciclos ovulatórios podem ocorrer sem a curva bifásica da
temperatura corporal basal. A temperatura basal deve ser tomada em repouso durante 5 minutos antes
de levantar-se e sempre na mesma hora.
1a semana 2a semana 3a semana 4a semana
37,3
37,2
37,1
37,0
36,9
36,8
36,7
36,6
aumento da
36,5 temperatura
36,4
36,3 Ovulação

Figura 26.5 Aumento da temperatura na segunda fase do ciclo sugestivo de ovulação.

2. Kits preditivos de ovulação


Realizados na urina e baseados no pico de LH, que triplica seu valor 16 a 48 horas antes da ovulação.
O LH, em altas concentrações, produz modificação da coloração da urina, o que será captado pelo teste. Deve ser
realizado diariamente, com a primeira urina da manhã, a partir do provável 10º dia do ciclo.

3. Biópsia de endométrio
É uma análise indireta da ovulação. Analisa-se o endométrio cerca de três dias antes da suposta menstrua-
ção. Isso porque, havendo ovulação, a ação da progesterona produzida no corpo lúteo gerado após aquela modifi-
cará o endométrio. É um método de alta acurácia, porém, invasivo.

4. Dosagem de progesterona
Nível acima de 10 ng/mL no 21º dia do ciclo (ou entre 5 e 9 após a ovulação) é confirmatório de ter ocor-
rido ovulação e atividade normal do corpo lúteo. Esse é o exame de escolha devido à facilidade do método.
Todavia, ele não permite avaliação da qualidade da fase lútea, o que deve ser feito com dosagem seriada de
progesterona nos dias 4º, 7º e 10º após a possível ovulação. Um nível médio de progesterona menor que
10 pg/mL é indicativo de insuficiência lútea.

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224
Ginecologia

5. USG e Doppler
O uso do ultrassom para detectar a ovulação é o
método padrão, tanto em ciclos naturais quanto em
induzidos.
A ultrassonografia seriada permite a documen-
tação de todo o desenvolvimento folicular, a avaliação
endometrial (aspecto e espessura) e possibilita a con-
tagem de folículos antrais. Um exame único avalia a
possibilidade de cistos ovarianos ou endometriomas,
auxilia o diagnóstico de síndrome de ovários policísti-
cos e das doenças anexiais em geral.

6. Avaliação da reserva ovariana Figura 26.6 Síndrome dos ovários policísticos com in-
Deve ser realizada em todas as mulheres úmeros folículos dispostos na periferia do ovário.
acima de 37 anos e naquelas com mais de 35
anos e irregularidade menstrual ou suspeita
de baixa reserva ovariana, como amenorreicas Fator cervical
(nestas últimas pacientes, é preciso promover
O fator cervical é responsável por uma pequena
menstruação com hormônios antes da realização
parcela da infertilidade feminina. Estão incluídas as
do teste). A avaliação é feita pela dosagem sérica
malformações, alterações anatômicas decorrentes de
de FSH e estradiol na fase folicular precoce, entre
o 3º e o 5º dias do ciclo. Níveis de FSH maiores procedimentos cirúrgicos, neoplasias malignas ou be-
que 15 mUI/mL indicam baixíssima reserva e nignas, pólipos, infecções e fatores imunológicos.
prognóstico gestacional sombrio. Após exame físico normal afastando principal-
O teste do clomifeno (ou teste de Navot) é mente lesões obstrutivas, o fator cervical pode ser
indicado para mulheres com as condições mencio- avaliado in vivo pelo teste pós-coito, ou in vitro pelos
nadas, mas que ainda menstruem. Ele é realizado a testes de lâmina, ambos baseados na interação entre
partir da administração de 100 mg/dia de citrato de os espermatozoides e o muco cervical.
clomifeno do 5º ao 9º dia do ciclo e dosagem de FSH O teste pós-coito, também conhecido como Si-
no 3º e 10º dias do ciclo, ou seja, antes e depois de ms-Huhner, consiste na coleta e análise de material
suposta ovulação induzida. É indicativo de reserva coletado do orifício da cérvice uterina com agulha de
ovariana presente a soma de valores de FSH dosa- insulina, cerca de 8 a 10 horas após uma relação sexual
dos menor que 26. em período ovulatório. Os parâmetros a serem ava-
liados são:
€ filância do muco: deve ser maior que 75%
7. Avaliação do per昀椀l hormonal € cristalização: deve estar presente
Alterações nos níveis de TSH e prolactina po- € presença de espermatozoides com movimentos
dem influir no ciclo menstrual, já que atuam na hipó- rápidos (mais de 5 por campo), ou mais de 50%
fise e inibem a liberação de gonadotrofinas, de modo
do total.
que os valores séricos desses hormônios devem ser
investigados. No teste de lâmina, coloca-se espermatozoides
em contato com o muco cervical e observa-se a in-
terface entre os meios. Caso os espermatozoides não
Período FSH LH adentrem o muco ou modifiquem a motilidade ao fa-
Pré-puberal < 2 mUI/mL < 1 mUI/mL zê-lo, considera-se que há fator cervical.
Fase folicular 5 a 20 mUI/mL 10 a 30 mUI/mL
Essas avaliações não são realizadas de maneira
Fase ovula- 12 a 50 mUI/mL 30 a 150 mUI/mL
tória inicial, apenas quando outros testes não mostram al-
Fase luteínica 5 a 20 mUI/mL 10 a 30 mUI/mL terações a despeito da infertilidade.
Menopausa 30 a 150 mUI/mL 40 a 450 mUI/mL De qualquer forma, o fator imunológico deve ser
Tabela 26.3 Valores de referência do FSH e LH investigado sempre que a pesquisa do fator cervical
sanguíneos. for positiva.

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225
26 Infertilidade conjugal

Fator psicológico
Há associação entre estresse relacionado ao trabalho e menor probabilidade de concepção em mulheres. O
estresse psicológico pode afetar o relacionamento do casal, diminuindo também a libido e, assim, interferindo
novamente na concepção. Em homens, uma maior frequência de relatos de perda da libido e diminuição na frequ-
ência do coito tem sido observada durante procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Pelo menos dois estudos
randomizados demonstraram que intervenções psicológicas melhoraram índices de gravidez em mulheres com
menos de dois anos de infertilidade.

Esca (esterilidade sem causa aparente)


Geralmente, de 10 a 20% dos casos investigados estão diretamente relacionados à capacidade diagnóstica
do serviço. Os fatores genéticos e imunológicos devem ser sempre considerados nesses casos. É possível que
existam causas ainda não detectadas pelos exames atualmente disponíveis. Esses casais merecem atenção para
se chegar a uma consideração balanceada, evitando tanto intervencionismo desnecessário quanto subtrata-
mentos que seriam intervenções tardias.

Anamnese e exame físico (casal)

Idade
Hábitos: álcool, cafeína e tabaco
Obesidade

Mulher Homem

Espermograma

Fator ovulatório Fator tubo-peritoneal Fator uterino Suspeita de


endometriose
Normal Alterado
Ciclos regulares? HSG HSG
(somente após Videolaparoscopia
avaliação seminal)
Prosseguir Repetir
investigação espermograma
Não Sim - considerar
da parceira
ciclos ovulatórios
Normal Alterado
Avaliar função ovulatória
FSH basal
Teste do Clomifeno
US seriado Alteração Alteração cavidade
tubária uterina

Videolaparoscopia Histeroscopia

Figura 26.7 Propedêutica do casal infértil. HDG: histerossalpingografia.

Tratamento
O tratamento de infertilidade pode ser de baixa complexidade, in vivo, ou de alta complexidade, in vitro. O
primeiro é reservado apenas para causas anovulatórias ou cervicais e o segundo tem espaço em causas obstrutivas
ou na falha do primeiro tratamento.

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226
Ginecologia

Tratamento de baixa complexidade (in vivo) tor masculino em que haja concentração de esperma-
tozoides entre 2 e 5 milhões/mL. Sua realização é feita
É indicado em pacientes anovuladoras ou com
com passos sequenciais.
impedimento cervical e consiste na indução da ovu-
lação seguida de coito programado ou inseminação Primeiramente, deve-se realizar a dessensibiliza-
artificial. Para que seja eficaz, há necessidade de ha- ção hipofisária para que haja um crescimento homo-
ver uma concentração de espermatozoides maior que gêneo dos folículos e para evitar picos inadequados
5.000.000/mL. de LH, que podem vir a ocorrer. Para isso, administra-
-se análogo de GnRH (ou antagonista, de forma mais
A indução ovulatória é feita com citrato de clomi-
rara). Essas drogas ocuparão os sítios de ligação do
feno, medicação que ocupa receptores estrogênicos no
GnRH, impedindo sua ação.
hipotálamo e hipófise, impedindo o feedback negativo
exercido por este hormônio e mantendo a liberação de Ao se usar o análogo, cerca de 14 dias depois par-
FSH para ovulação. Usa-se uma dose de 50 a 200 mg/ te-se para o segundo passo, que é a indução da ovula-
dia (a depender da resposta) por 5 dias consecutivos, ção. Esta será feita com FSH recombinante na dose de
iniciando-se no 2º ao 5º dia do ciclo. 150, 225 ou 300 UI, IM, diariamente.
A partir do 8º dia, faz-se uma avaliação ultrasso- Após cinco dias, avalia-se diariamente o cresci-
nográfica diária dos folículos. Pode ser que haja ovula- mento folicular por ultrassonografia. Quando ao me-
ção espontânea, mas, caso ela não ocorra, no próximo nos dois folículos atingem 18 mm, é hora de adminis-
ciclo deve-se administrar β-hCG 5.000 a 10.000 UI trar β-hCG ou LH recombinante.
quando o folículo atingir 18 mm, medicação que, a se-
Cerca de 32 a 36 horas depois, procede-se a co-
melhança do LH, permitirá a ruptura da parede folicu-
leta dos ovócitos, que em dois a três dias devem ser
lar com liberação do oócito.
fertilizados em laboratório, gerando zigotos. Estes
Caso não haja sucesso após três ciclos com clomi- serão implantados no útero de três (como embriões
feno, parte-se para um hiperestímulo, em que, além de de 4 a 8 células) a cinco dias (como blastocisto) após
clomifeno 100 mg/dia por 5 dias, administra-se gona- a fertilização. O número de embriões a serem trans-
dotrofina (FSH, por exemplo) na dose de 75 a 150 UI feridos foi regulamentado pela norma ética 1957/10
no 1º, 3º e 5º dias do ciclo, como adjuvante. do CFM publicada no Diário Oficial da União em 6 de
O coito será programado para 24 a 72 horas janeiro de 2011 e varia com a idade. Assim, deve ser
após a administração de β-hCG. Em casos de fator ce- de no máximo dois para mulheres até 35 anos, três
vical, alguns tipos de endometriose, ejaculação retró- para mulheres de 35 a 39 anos e quatro para aquelas
grada ou Esca, indica-se a inseminação artificial, ou com mais de 40 anos.
seja, a inoculação de preparado de espermatozoides A ICSI consiste na injeção do espermatozoide di-
no interior do útero 34 a 38 horas após a administra- retamente no interior do ovócito por meio de técnicas
ção de β-hCG. de micromanipulação. É indicada em casos de concen-
É importante garantir que o endométrio perma- tração de espermatozoides menor que 2.000.000/mL,
neça proliferado, pois não se sabe se, nesse sentido, alterações seminais graves e até mesmo em casos em
o ovário responderá ao β-hCG endógeno produzindo que não se produz espermatozoides, podendo-se cole-
progesterona pelo menos até a placenta assumir essa tar precursores por meio de biópsia testicular. A téc-
função. Assim, até a 12ª semana de gestação, deve-se nica segue os mesmos passos da FIV, diferindo apenas
orientar uso de progesterona micronizada via vaginal pela manipulação laboratorial.
na dose de 200 mcg de 12 em 12 horas.

Doação de gametas
A ovodoação é indicada em: mulheres com mais
Tratamento de alta complexidade (in vitro) de 40 anos ou com FSH alto, menopausa prematura,
falência ovariana pós-radio ou quimioterapia, oofo-
Atualmente, os tratamentos de alta complexida-
de realizados são a fertilização in vitro e a injeção in- rectomia bilateral, má resposta a FIV convencional e
tracitoplasmática de espermatozoides (ICSI). risco de transmissão de doença genética grave à prole.

O FIV consiste em unir espermatozoides e ovó- O uso de banco de sêmen é indicado nas seguin-
citos em meio laboratorial e deixar que se encontrem tes situações: falha em fertilização prévia, infertilida-
ao acaso, gerando zigotos. É indicado na presença de de masculina imunológica, risco de transmissão de
fator tubário de infertilidade, Esca sem sucesso com doença genética grave e mãe Rh negativa com aloimu-
inseminação artificial, endometriose avançada ou fa- nização grave e marido Rh positivo.

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227
26 Infertilidade conjugal

Síndrome do hiperestímulo ovariano


Um dos riscos da indução medicamentosa de ovulação, em especial com uso de clomifeno, é a síndrome do
hiperestímulo ovariano. Nesta, o aumento exacerbado de estradiol pelos vários folículos ovarianos, por mecanis-
mos complexos, é responsável por uma elevação sistêmica nos níveis de VEGF, substância que aumenta a perme-
abilidade vascular. Com isso, há perda de proteínas ao terceiro espaço, reduzindo-se a pressão coloidosmótica.
O resultado é a saída de líquido do intra para o extra vascular, o que, em casos mais graves, pode resultar em
ascite, edema agudo de pulmão e derrame pleural.
Há, então, menor quantidade de líquido no intravascular, com hipofluxo renal e possível IRA. Além
disso, ocorre hemoconcentração e aumento da pressão venosa pelos tecidos inchados, especialmente no ab-
dome, o que altera a tríade de Virchow e favorece tromboses.
O tratamento consiste em suspender a medicação indutora e tomar medidas paliativas, como a administra-
ção de albumina.
O risco dessa condição é maior quando houver mais de quatro folículos maiores que 16 mm ou
estradiol maior que 1.500 mcg/mL, situações que também exigem suspensão da medicação indutora.

A integridade nunca é indolor.


M. Scott Peck

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CAPÍTULO

27
Climatério

Introdução
De acordo com a Sociedade Internacional de Menopausa, o climatério é o período de transição entre a
fase reprodutiva e a não reprodutiva da vida da mulher, podendo ser acompanhado de sintomas. De acordo
com a Organização Mundial da Saúde, o climatério compreende uma fase pré-menopausal, que começa com a
queda na capacidade reprodutiva – o que se dá em torno dos 40 anos de idade –, e se estende até o início da irre-
gularidade menstrual e/ou de sintomatologia atribuível à falência ovariana, de modo que sua duração é variável;
uma fase peri-menopausal, que se inicia com o final da fase anterior e se estende até o primeiro ano após a
menopausa e tem em geral duração de 3 a 5 anos; e uma fase pós-menopausal, que se estende até os 65 anos de
idade, quando se inicia a senectude. A menopausa é dita precoce quando ocorre antes dos 40 anos de idade
e tardia quando ocorre após os 52 ou 55 anos.
Deve-se ressaltar que a menopausa é definida como a última menstruação. Seu diagnóstico é estabelecido
retrospectivamente após um ano sem sangramento uterino.

Última menstruação
Estágios -2 -1 0 +1 +2
Transição Menopausa Pós-menopausa
Terminologia Precoce Tardia Precoce Tardia
Perimenopausa
Duração do está- Variável a) 1 ano b) 1 ano Até a morte
gio
Ciclos menstruais Variação no inter- Falha ≥ 2 ciclos Amenorreia Ausentes
valo (> 7 dias do ou falha ≥ 60 dias por 12 me-
normal) ses
Tabela 27.1 Terminologia da ASRM (Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva), que renomeou os estágios
de senescência reprodutiva conforme o padrão menstrual de FSH.
229
27 Climatério

Falência Ovariana prematura do ciclo (proio e polimenorreia). Acentua-se, en-


tão, a perda folicular, caindo ainda mais os níveis
Causas genéticas
de estrogênio e inibina e elevando-se os de FSH. A
Anormalidades do cromossomo X: dificuldade de recrutamento ovular se torna mais
Alterações estruturais ou ausência do cromossomo X intensa e os poucos folículos restantes passam a ser
(Síndrome de Turner)
menos sensíveis, de modo que os ciclos são mais
Trissomia X com ou sem mosaicismo
alargados (espaniomenorreia) até que haja o esgo-
Número reduzido de folículos ou atresia folicular ace-
tamento folicular total.
lerada
Defeitos enzimáticos: Obviamente, o número de corpos lúteos e os ní-
Galactosemia veis de progesterona decrescem, assim como há ele-
Deficiência de 17-ahidroxilase vação do LH também por perda de feedback negativo.
Aplasia congênita do timo Essa diminuição da produção de inibina tem
Defeitos na estrutura ou na ação das gonadotrofinas início em torno dos 35 anos, mas se acelera após
Causas adquiridas os 40 anos. O FSH aumenta 10-20 vezes e o LH
aumenta aproximadamente três vezes, atingindo
Cirurgias
nível estável um a três anos após a menopausa.
Radio e quimioterapia Em seguida, há um leve e gradual declínio em ambas
Tabagismo as gonadotrofinas. Nesse período da vida, níveis
elevados de FSH e LH são evidências conclusivas de
Infecções viróticas (caxumba)
falência ovariana.
Doenças autoimunes
Os níveis de FSH são mais altos do que os do LH
Tabela 27.2 Causas de falência ovariana prematura. possivelmente porque o LH tem um clearance rápido
no sangue (meia-vida de 30 minutos para o LH e de
quatro horas para o FSH) e, talvez, porque não haja
um peptídeo específico de feedback negativo, como a
inibina, para o LH.
Produção hormonal Apesar da perda dos folículos, o estroma ova-
na menopausa riano mantém sua atividade e produz principal-
mente androgênios, em especial androstenediona
Ao nascimento, uma menina possui aproxi- e testosterona, que, perifericamente, em conjun-
madamente 2 milhões de folículos ovarianos, que to com adrógenos da suprarrenal, serão converti-
serão gradativamente perdidos durante a vida. dos em estrona por ação de aromatases, enzimas
À puberdade, a mulher apresenta de 300 a 400 mil uni- abundantes no tecido gorduroso. Embora menos
potente que o estradiol, a estrona pode manter o
dades foliculares. A partir desse momento, iniciam-se
equilíbrio endocrinológico, assim como os andro-
os ciclos ovulatórios e, para cada folículo que atinge
gênios ajudam na manutenção da massa óssea e da
maturidade, cerca de mil sofrem atresia. Como haverá
libido. Isso mostra que, mesmo após a menopausa,
maturação de cerca de 400 folículos durante a vida, os
os ovários são órgãos importantes.
outros 400 mil serão perdidos.
Por volta dos 44 a 45 anos de idade, encon-
tram-se aproximadamente 10 mil folículos. Ao
lembrarmos o ciclo menstrual, veremos que os estro-
gênios são produzidos nas células foliculares por con-
versão de androgênios fabricados na Teca a partir do
colesterol (teoria das duas células); que a progestero-
na é proveniente do corpo lúteo, derivado do folículo
pós-ovulação; e que a inibina também é proveniente
de unidades foliculares. Com a redução quantitativa
dessas unidades, advém a queda dos níveis de estro-
gênio e inibina, principais responsáveis por um feed-
back negativo na liberação de FSH.
Como consequência, eleva-se o nível desse
hormônio e há um maior e mais rápido recrutamen-
to ovular, o que inclusive encurta a primeira fase Figura 27.1 Alterações hormonais.

SJT Residência Médica – 2016


230
Ginecologia

A) Antes da menopausa queixas relacionadas a sintomas vasomotores, resse-


camento vaginal, dispareunia e urgência miccional.
Glândula suprarrenal
Essas últimas, decorrentes de atrofia urogenital, têm
uma importante repercussão na esfera sexual e na
Ovário Androstenediona qualidade de vida feminina.
(C 19)
Podemos dividir as alterações clínicas do clima-
tério em três tipos, de acordo com o período em que
Estradiol Estrona tendem a se desenvolver:
(C18) (C18)
1) Alterações precoces: aqui se incluem as alte-
rações menstruais, que correspondem à primeira mani-
festação clínica do climatério, e sintomas gerais ou neu-
B) Após a menopausa rovegetativos, com destaque aos fogachos e incluindo
Glândula suprarrenal também sudorese, insônia e sintomas psicológicos.
Como explicitado anteriormente, durante a
fase de transição menopausal, os ciclos menstruais
Ovário Androstenediona
(C19) apresentam variações na regularidade e nas carac-
terísticas do fluxo. Inicialmente, há uma tendência
ao encurtamento gradativo da periodicidade, de-
Estradiol Estrona
vido à maturação folicular acelerada e consequente
(C18) (C18)
ovulação precoce, além de uma fase lútea com bai-
xa produção de progesterona. Assim, os ciclos serão
Figura 27.2 Fluxograma da síntese dos principais es-
proio ou polimenorreicos. Após essa fase inicial, pela
trogênios nas mulheres pré e pós-menopausadas.
dificuldade de recrutamento folicular, passam a co-
mumente ocorrer ciclos anovulatórios, iniciando-se,
Comparação entre os esteroides portanto, um maior espaçamento entre as menstru-
na pré e pós-menopausa ações (espaniomenorreia). Nesse período, os poucos
Pós- folículos, já envelhecidos, mantêm uma produção
Pré-menopausa
-menopausa basal estrogênica. A ação prolongada do estrogênio
Hormônio Mínimo Máximo Média (ainda que esteja em baixos níveis) sobre o endomé-
Estradiol 50 500 5-25 trio entre os ciclos menstruais fará com que o fluxo
pg/mL pg/mL pg/mL seja intenso nas menstruações.
Estrona 30 300 20-60 Os fogachos consistem em uma sensação súbi-
pg/mL pg/mL pg/mL
ta e transitória de calor moderado ou intenso que se
Androstenediona 2 0,3-1
- espalha pelo tórax, pescoço e face e pode ser acom-
ng/mL ng/mL
panhada de sudorese profusa. Essa sensação tende a
Testosterona 0,3-0,8 0,1-0,5
- apresentar piora à noite. Sua intensidade varia mui-
ng/mL ng/mL
to, ou seja, pode ser muito leve ou muito intensa e,
Progesterona 0,5 20 0,5
além disso, pode ocorrer esporadicamente ou várias
ng/mL ng/mL ng/mL
vezes ao dia. Sua duração pode ser de alguns segun-
Relação E2/E1 >1 <1
dos a 30 minutos. A etiologia das ondas de calor é
Tabela 27.3 atribuída a alterações no centro termorregula-
dor do hipotálamo, provocadas pelo hipoestro-
genismo. Isso se dá porque este leva a um aumento
na noradrenalina e serotonia locais, o que desregula
Sinais e sintomas o referido centro. O consumo de bebidas alcoólicas
ou de líquidos e alimentos quentes, ambientes com
À síndrome do climatério, tem sido atribuída
alta temperatura, estresse, emoções intensas, aglo-
uma ampla gama de sintomas. A maioria das mulhe- merações de pessoas, ambientes abafados e uso de
res apresenta algum tipo de sinal ou sintoma no cli- roupas quentes estão associados com o desencadea-
matério, que varia de leve a muito intenso na depen- mento dos fogachos e devem ser evitados. Durante a
dência de diversos fatores. Embora no Brasil haja uma onda de calor, há elevação da temperatura corporal.
tendência pelas sociedades científicas em considerá-lo Os fogachos acometem mulheres em climatério ou
como uma endocrinopatia verdadeira, a Organização em pós-climatério, podem causar desconforto e ser
Mundial da Saúde (OMS) define o climatério como motivo de muitas consultas médicas. Estudos mos-
uma fase biológica da vida da mulher e não como um tram a prevalência de fogachos variando de 18 a 74%,
processo patológico. Em particular, são comuns as de acordo com a população estudada.

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231
27 Climatério

Os demais sintomas gerais, como dificuldades cog-


nitivas, instabilidade emocional e humor depressivo, Propedêutica
podem ser decorrentes tanto da carência estrogênica
como de fatores psicossociais, em especial a percepção Cada vez mais o ginecologista tem sido identifi-
de envelhecimento. Possivelmente, os fatores sociocul- cado como um dos médicos responsáveis pela atenção
turais e psicológicos atuam influenciando a aceitação e primária à mulher. Se isso é verdade ao longo de toda
a modulação da resposta dos sintomas climatéricos. sua vida, é na menopausa que esse papel ganha des-
taque, seja porque já se desenvolveu uma relação de
2) Alterações a médio prazo: nesse grupo, que
muitos anos ou porque, nessa idade, várias patologias,
se manifesta um pouco mais tardiamente, predomi-
nam as mudanças geniturinárias e de pele. ginecológicas ou não, passam a ser mais prevalentes.

O estrogênio é um importante auxiliar na manu- Os exames solicitados nessa fase visam a detec-
tenção da rigidez de estruturas de suspensão e sustenta- ção precoce das doenças mais prevalentes, no intuito
ção de vísceras pélvicas, assim como mantém a vasculari- de minimizar os riscos a elas associados.
zação da uretra e sua mucosa proliferada, o que permite O diagnóstico da síndrome climatérica é essen-
melhor coaptação e mais continência. Assim, torna-se cialmente clínico, necessitando, em raras ocasiões, da
fácil perceber que as mulheres climatéricas estão mais realização de exames complementares.
sujeitas a prolapsos genitais e incontinência urinária.
Também por causa da queda estrogênica, ocorre
diminuição da espessura dos epitélios vaginal e cervi-
cal e alteração da flora genital, com consequente mu- Atendimento primário
dança do pH local. Isso favorece quadros de dispareu- € Identificação e rastreamento de doenças crônicas.
nia, sinusiorragia, pruridos e corrimentos. € Rastreamento do câncer ginecológico.
Incluem-se ainda nesse grupo as disfunções se- € Avaliação do risco para doença coronariana is-
xuais e a queda do turgor da pele. quêmica.
3) Alteração a longo prazo: três tipos de mudan- € Avaliação do risco para osteoporose.
ças preocupam mulheres na pós-menopausa tardia: as
coronariopatias, a osteoporose e o mal de Alzheimer. € Suporte psicológico.
Sabe-se que o estrogênio participa ativamente no pro- € Orientação quanto ao significado do climatério.
cesso de remodelação óssea, atua de maneira direta € Orientação quanto a hábitos de vida.
sobre os osteoblastos, induzindo sua atividade, e tam-
bém atua sobre os osteoclastos, estimulando a apop- € Avaliação e discussão com a paciente sobre a te-
tose e reduzindo sua atividade por meio de inibição rapia hormonal.
de indutores como IL-1 e aumento de inibidores como Visando rastreamento das doenças mais preva-
TGF beta. Além disso, protegem vasos sanguíneos da lentes no climatério, são exames obrigatórios nessa
formação de placas ateroscleróticas. Isso explica por- fase: TSH, lipidograma, glicemia, sangue oculto nas
que ocorre elevação considerável de índices de corona- fezes, citologia oncótica, mamografia, ultrassonogra-
riopatias e osteoporose na pós-menopausa, devendo- fia pélvica e densitometria óssea. São ainda essenciais
-se atentar para as condutas preventivas. o hemograma e a análise urinária.
Níveis de TGO e TGP são importantes quando se
pretende a terapia hormonal.
A seguir, descreveremos as características pecu-
liares dos principais exames.

Exames laboratoriais
€ Dosagem de FSH: na maioria das mulheres,
não é necessário dosar o FSH para se chegar a
um diagnóstico de menopausa. A amenorreia
com duração de um ano ou mais em uma
mulher com sintomas indicativos de defi-
ciência estrogênica é suficiente para que se
faça o diagnóstico. Alguns casos, no entanto,
justificam a dosagem, tais como em mulheres
Figura 27.3 Redução da produção estrogênica e suas histerectomizadas e naquelas em que a sintoma
manifestações. tologia sugere uma falência ovariana prematura.

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232
Ginecologia

A dosagem normal em mulheres que menstruam Exames laboratoriais para avaliação de rotina
no 3º dia do ciclo deve ser de 5 a 10 UI/L, na (cont.)
transição menopáusica, entre 10 e 25 UI/L e, na
Triglicérides
pós-menopausa, acima de 40 UI/L. Vale lembrar
TGO, TGP Alterações na função hepática
que, às vezes, a função ovariana pode aumentar
Sumário de urina Infecção no trato urinário, com-
ou diminuir durante anos.
(e urocultura) prometimento da função renal
€ Dosagem de inibina: é a primeira substância Pesquisa de san- Doenças do aparelho digestivo
a se alterar no climatério, porém, os custos limi- gue oculto nas fezes
tam sua dosagem em nível populacional. (PSO)
€ Dosagem de TSH: a avaliação da função tireoi- Tabela 27.4
deana de rotina é recomendada pelo manual de
assistência à mulher no climatério, do Ministério
da Saúde, dada a alta incidência de hipotireoidis-
mo nessa fase.
Colpocitologia oncótica
€ Lipidograma: as dislipidemias, principalmen-
te aquelas com elevação do colesterol total, do É método muito útil no diagnóstico precoce das
colesterol de baixa densidade (LDL-C) e dos lesões pré-malignas do colo do útero. Para tanto, a
triglicérides e redução do colesterol de alta den- colpocitologia oncótica deve ser realizada a cada três
sidade (HDL-C), são consideradas fatores de anos em mulheres com três exames anuais consecu-
risco endógeno de maior importância para as tivos e normais ou anualmente nos demais casos. Os
doenças cardiovasculares. Todos esses fatores índices de sobrevida estão diretamente relacionados
aumentam na pós-menopausa, justificando seu ao estádio de diagnóstico da doença.
rastreamento em todas as mulheres após os 40 Esse exame faz parte da rotina ginecológica mes-
anos de idade. É desejável que o colesterol total mo em mulheres na menacme, porém, pode apresentar
esteja abaixo de 200 mg/dL e que o LDL se situe algumas dificuldades de coleta e análise no climatério.
abaixo de 130 mg/dL.
A ocorrência de hipo ou atrofia da mucosa pode
€ Glicemia: o diabetes mellitus é considerado um comprometer a qualidade do material citológico, po-
fator de risco importante para a aterosclerose e dendo ocorrer sangramentos por traumatismos e
para a doença e mortalidade cardíacas. A gli- processo inflamatório, comuns nessa fase. A presença
cemia deve fazer parte dos exames iniciais no de atrofia que comprometa a qualidade do exame ou
climatério, tendo em vista a alta prevalência de traga desconforto importante à mulher indica a utili-
diabetes na população, muitas vezes sem diag- zação prévia de estrogênio vaginal. Preferencialmen-
nóstico e sem sintomas sugestivos. te, utiliza-se estriol ou promestrieno, aplicando-se 2
€ Pesquisa de sangue oculto nas fezes: o cân- cc do creme durante sete dias e aguardando de três a
cer colorretal é a terceira causa de morte por cinco dias (ideal) para a coleta. Quando a atrofia for
câncer em mulheres e a maioria dos casos ocorre intensa, pode ser utilizado creme à base de estrogê-
acima dos 50 anos. Essa pesquisa deve ser reali- nios conjugados (1 a 2 cc do creme durante sete dias,
zada anualmente, a partir dos 50 anos de idade aguardando de três a cinco dias para coleta), sempre
para todas as mulheres, e a partir dos 40 anos atentando para possíveis alterações endometriais,
para aquelas que possuem alto risco para esse sangramentos ou mastalgia nas mais idosas ou mais
tipo de neoplasia, dado principalmente por his- sensíveis ao tratamento hormonal.
tórico familiar, pólipos intestinais, retocolite e
doença de Crohn.
Mamogra昀椀a
Exames laboratoriais para avaliação de rotina É o principal recurso capaz de diagnosticar pre-
Exame Agravos associados cocemente o câncer de mama, pois detecta as lesões
Hemograma Anemia, irregularidades mens- no estágio subclínico, antecipando o diagnóstico em
truais, processos infecciosos, pelo menos 20 meses em relação ao diagnóstico clíni-
alterações imunológicas co. Deve ser feita a cada dois anos entre 40 e 49 anos
TSH Distireoidismo de idade e, anualmente, acima dos 50 anos, de acordo
Glicemia Intolerância à glicose, diabetes com a Sociedade Americana de Câncer. Outras entida-
Teste de tolerância à des consideram intervalos distintos. As mulheres de
glicose (TTG) alto risco (um ou mais parentes de primeiro grau com
Colesterol total e Dislipidemias câncer de mama antes dos 50 anos; um ou mais paren-
HDL tes de primeiro grau com câncer de mama bilateral ou

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233
27 Climatério

câncer de ovário; histórico familiar de câncer de mama endométrio. Quando, ao contrário, a medida for igual
masculino; lesão mamária proliferativa com atipia ou maior que 5 mm ou menor que 8 mm nas condições
comprovada em biópsia) serão avaliadas anualmente expostas, a propedêutica endometrial deve avançar,
a partir dos 35 anos de idade. realizando-se biópsias, histerossonografias e histeros-
O rastreamento assintomático reduz a mortali- copias para afastar lesões endometriais.
dade em 30%, em seguimentos durante 10 anos em
mulheres dos 50 aos 69 anos, com menor morbidade e
melhor qualidade de vida.
Densitometria óssea
O Ministério da Saúde do Brasil, em um traba-
lho conjunto com o Instituto Nacional do Câncer, com É o melhor e mais acurado método de quanti-
a Área Técnica de Saúde da Mulher e com a Sociedade ficação da densidade mineral óssea. A densitometria
Brasileira de Mastologia, publicou, em abril de 2004, óssea permite uma medição não invasiva, rápida e pre-
um documento de consenso em que recomenda a rea- cisa da massa óssea. O pico de massa óssea e a densi-
lização de mamografia em mulheres entre 50 e 69 anos dade óssea observados por ocasião da menopausa têm
em um intervalo máximo de dois anos. No entanto, a bom valor preditivo para o desenvolvimento da oste-
entidade não emitiu parecer com relação à realização do oporose. O exame também é útil na monitorização da
exame em mulheres situadas em outras faixas etárias. massa óssea em pacientes submetidas a medicamen-
tos com atuação no metabolismo ósseo.
Os índices de acerto da mamografia dependem
não só da técnica, mas também do tipo de mama que No Brasil, somente uma em cada três pessoas
está sendo estudada, e algumas mudanças do climaté- com osteoporose é diagnosticada e, destas, somente
rio podem interferir nessa análise. A mama da mulher uma em cada cinco recebe algum tipo de tratamento. A
climatérica apresenta, com a idade, uma substituição taxa anual de fraturas de quadril chega a aproximada-
aDIPAosa, o que favorece sua investigação. No entan- mente 100.000. Cerca de 10 milhões de brasileiros(as)
to, com o uso da terapia hormonal, o tecido mamário sofrem com a osteoporose, 24 milhões de pessoas te-
sofre várias alterações (das glândulas, do tecido co- rão fraturas a cada ano e 200.000 indivíduos morrerão
nectivo e dos ductos) que se traduzem por alterações como consequência direta de suas fraturas.
mamográficas. As alterações mais frequentes são o au- De acordo com o último Consenso Brasileiro
mento da densidade difusa e o aumento da densidade de Osteoporose, as indicações para a densitome-
focal, assimétrico ou não. Esse aumento da densidade tria óssea nas mulheres são as seguintes:
mamária ocorre principalmente em mulheres mais ve- € Todas as mulheres acima de 65;
lhas na pós-menopausa e é transitório e rapidamente
€ Mulheres no climatério que apresentam outros
reversível após a interrupção da terapia hormonal.
fatores de risco para osteoporose (raça caucasia
na, IMC < 18, tabagismo, alcoolismo, sedentaris-
mo, alta ingestão de cafeína, pós-gastrectomia,
doença celíaca etc);
Ultrassonogra昀椀a pélvica
€ Fratura por trauma mínimo ou atraumática;
A ultrassonografia pélvica impõe-se atualmen-
te como método propedêutico ideal para a avaliação
€ Evidências radiológicas de osteopenia ou fratu
pélvica por ser um exame não invasivo, sem efeitos ras vertebrais;
colaterais e que pode ser repetido quantas vezes fo- € Perda de estatura (> 2,5 cm) ou hipercifose
rem necessárias. Nos dias de hoje, tem sido utilizada torácica;
anualmente com vistas à detecção precoce de tumo- € Uso de corticoide por três meses ou mais (doses
res ovarianos e doenças endometriais proliferativas, maiores do que 5 mg/dia de prednisona);
como adenocarcinoma de endométrio, em especial na € Índice de massa corporal baixo (menor do que
vigência de terapia hormonal que favorece essa con- 19 kg/nr);
dição. Serve ainda como método propedêutico inicial
em casos de sangramento pós-menopausa que, embo-
€ Doenças ou uso de medicações associadas à per-
da de massa óssea;
ra mais associados à atrofia, podem ser uma primeira
manifestação de câncer de endométrio. € Monitoramento de mudanças de massa óssea de-
correntes da evolução da doença e dos diferentes
Existem vários estudos valorizando a medida
tratamentos disponíveis.
ecográfica da espessura das duas camadas do eco en-
dometrial como marcador de alterações endometriais. A densitometria óssea é calculada em desvios-
Quando a medida encontra-se abaixo de 5 mm, em -padrões (DP), tomando como referência a DMO
mulheres pós-menopáusicas sem terapia hormo- média do pico da massa óssea em adultos jovens. Os
nal, ou abaixo de 8 mm em mulheres com terapia critérios diagnósticos propostos pela OMS baseados
hormonal, pode-se excluir estados patológicos do nesse parâmetro são:

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234
Ginecologia

€ até -1 DP → normal sos. O sobrepeso e a obesidade também impõem um


€ de -1,1 a -2,5 DP → osteopenia risco maior para os cânceres de ovário, de endométrio,
das mamas e colorretal.
€ abaixo de 2,5 DP → osteoporose
€ abaixo de -2,5 DP na presença de fratura → osteo- Recomenda-se que não mais de 30% do total de
porose estabelecida. calorias provenham das gorduras, e que menos de um
terço destas sejam gordura saturada, além da utiliza-
Essa classificação está bem definida para mulhe- ção de leite desnatado, queijos brancos, carnes mais
res após a menopausa. Não há consenso no uso desses magras, aves sem a pele, vegetais verdes e frutas. O
critérios em outras situações clínicas (jovens, homens controle do peso deve fazer parte de qualquer con-
e osteoporose secundária). sulta de rotina no climatério.
As mulheres climatéricas necessitam, em
média, de l.000 mg a 1.500 mg de cálcio (o dobro
da necessidade da população jovem) associados a
Tratamento 400 a 800 UI de vitamina D por dia para a pre-
venção ou como adjuvante no tratamento da os-
O tratamento no climatério é baseado em medi- teoporose e da osteopenia. Eles podem ser usados
das gerais com intuito preventivo. Nelas, se incluem na forma de complementos ou por meio da dieta.
orientações dietéticas e mudanças de hábitos de vida, O cálcio é facilmente absorvido a partir de deri-
além de tratamento medicamentoso baseado em re- vados do leite (preferir os desnatados ou semidesnata-
posição hormonal e outras drogas, nos casos em que dos), folhas verdes e pequenos peixes, como as sardi-
haja indicação. nhas. A vitamina D está presente nos derivados do leite,
óleos de peixe (óleo de fígado de bacalhau), gordura de
peixe e margarinas de boa qualidade. Devem-se evitar
os alimentos que diminuem a absorção do cálcio como
Orientações dietéticas aqueles com excesso de proteínas, fibras e sódio, a cafe-
Sabe-se que as mulheres têm tendência a au- ína, as bebidas alcoólicas e os refrigerantes.
mentar de peso após os 50 anos. Isso pode acontecer Os suplementos de cálcio, como o carbonato de cál-
devido a um aumento no consumo de calorias, a uma cio, serão ingeridos especialmente após as refeições, quan-
diminuição da atividade física ou a uma redução das do o pH mais ácido do estômago favorece a absorção, e não
necessidades energéticas de cerca de 2% a cada déca- se recomenda mais do que 500 mg de cálcio por tomada.
da, durante todo o resto da vida, pela redução do me- Os efeitos colaterais mais comuns da administração de
tabolismo basal. sais de cálcio são náusea, dispepsia e constipação.
Na mulher, após a menopausa, observam-se
alterações relacionadas ao metabolismo energético,
composição corporal e distribuição da aDIPAosida-
de, que podem aumentar o risco de doenças cardio- Em relação aos hábitos
vasculares e distúrbios metabólicos. A massa óssea
e a massa muscular diminuem (há uma perda lenta Abuso de bebidas alcoólicas
e gradual de cerca de 5 a 10% por década de vida), O consumo excessivo de bebidas alcoólicas é um
e a massa gordurosa aumenta. As alterações mais importante fator de risco para a osteoporose. As defi-
evidentes nessa mudança de composição corporal é ciências nutricionais, a absorção deficitária de cálcio
a mudança do padrão de distribuição ginecoide da e de vitamina D e a perda excessiva de cálcio urinário
gordura corporal para o androide, com acúmulo de possivelmente são fatores contribuintes.
gordura abdominal, o que eleva o risco de complica-
ções metabólicas, tais como dislipidemias.
A obesidade, além de contribuir para a dislipi-
Tabagismo
demia, aumenta a resistência periférica à ação de in-
sulina, promove hiperinsulinemia e eleva os níveis de Se a mulher é fumante, parar de fumar deve ser
pressão arterial para garantir a perfusão de todos os uma prioridade absoluta. A nicotina aumenta os ní-
tecidos. Isso, associado à perda do efeito protetor es- veis plasmáticos dos ácidos graxos livres e do LDL-C,
trogênico que ocorre na menopausa, aumenta o risco aumenta a agregação plaquetária e os níveis plasmá-
para doenças cardiovasculares. O risco de coronario- ticos de fibrinogênio, o que contribui para o risco de
patia está aumentado três vezes nas mulheres com infarto do miocárdio. O tabagismo também está asso-
IMC maior do que 29. Os eventos coronarianos, por ciado à redução da massa óssea, o que favorece o apa-
sua vez, associam-se à obesidade em 40 a 70% dos ca- recimento da osteoporose.

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235
27 Climatério

Atividade física As indicações atuais da TH são:


O sedentarismo acentua as alterações do aumen-
€ Correção da disfunção menstrual na perimenopausa;
to e da distribuição da massa gordurosa que ocorre na € Tratamento dos sintomas climatéricos;

pós-menopausa. Por outro lado, é possível reverter € Prevenção e melhoria das moléstias urogenitais atró-
esse processo por meio de atividade física. Também se ficas;
sabe que o exercício físico reduz o risco de osteoporo- € Prevenção e tratamento da osteoporose.
se, de doenças cardiovasculares, de diabetes, de obe- Contraindicações da TH:
sidade, de hipertensão arterial, de câncer colorretal e Em vista dos resultados dos últimos estudos, não se justi-
ainda leva à melhoria no estado psicológico. fica o uso de TH em pacientes assintomáticas ou na ausên-
O programa de exercício físico deve ser compa- cia de fatores de risco para osteoporose. Para aquelas por-
tível com a saúde cardiovascular do indivíduo e levar tadoras de doença coronariana, câncer de mama e história
em consideração a presença de alterações articulares, de tromboembolismo, o uso de TH não está indicado. Ou-
tras contraindicações incluem: câncer hormônio-depen-
neuromusculares e metabólicas. Para a mulher clima-
dente, hepatopatia aguda e sangramento genital anormal
térica, caminhadas, natação, hidroginástica e pedalar
de causa não identificada, além do tromboembolismo.
de bicicleta são as atividades físicas mais indicadas,
As contraindicações absolutas da TH são:
por serem atividades aeróbicas com efeito positivo
€ Câncer de mama e endométrio;
comprovado sobre a saúde cardiovascular e o bem-es-
tar geral, além de serem atividades de baixo impacto € Hepatopatia ativa e grave;

e associadas a um menor número de lesões. Sempre € Tromboembolismo agudo;


muito indicadas, as caminhadas devem ser diárias ou, € Sangramento genital anormal de causa desconhecida;
no mínimo, cinco vezes por semana, com pelo menos € Porfiria.
30 a 45 minutos de duração e feitas com passos rápi- As contraindicações relativas da TH são:
dos e sem interrupções.
€ Doença coronariana;
As caminhadas, todavia, não estimulam a mine- € Hipertensão arterial;
ralização óssea na coluna lombar ou no quadril. Al- € Diabetes mellitus; calculose biliar
guns estudos sugerem que exercícios com peso (mus-
€ Mioma uterino e endometriose.
culação) produzem estímulo osteogênico mais eficaz,
embora este tipo de exercício seja contraindicado se Tabela 27.5
houver risco elevado de fraturas. Além disso, o fortale-
cimento da massa muscular melhora a coordenação, o Apesar dos riscos, a hormonioterapia é ainda a
equilíbrio e a resistência, contribuindo para a preven- escolha mais eficaz para o tratamento das manifesta-
ção de quedas e fraturas ósseas. ções clínicas, principalmente dos fogachos. Contudo,
para mulheres que experimentaram efeitos adversos
significativos, que não desejam o tratamento hormo-
nal ou para as quais esta conduta é contraindicada, há
Terapia hormonal (TH) alternativas como os medicamentos não hormonais e
Como a menopausa é um fenômeno natural, a outras formas de terapia não medicamentosa, como a
deficiência estrogênica no climatério sempre foi con- acupuntura e a medicina antroposófica.
siderada um fenômeno fisiológico. Com o aumento da A terapia hormonal pode ser feita apenas com
expectativa de vida da mulher, prolongou-se o tempo estrogênio, que é a escolha para mulheres histerecto-
em que ela permanece em estado de hipoestrogenis- mizadas, ou em associação com a progesterona. Esta
mo, e o impacto negativo dessa deficiência tornou-se teria efeito protetor endometrial e evitaria sua prolife-
muito significativo. ração excessiva, reduzindo, assim, os riscos de câncer
A terapia hormonal tem indicação para alívio sin- de endométrio. Existem preparados para a adminis-
tomático e na prevenção das consequências do hipo- tração oral e parenteral.
estrogenismo no climatério. Assim, são indicações de
TH: disfunções menstruais, fogachos, sinais de atrofia
urogenital, como dispareunia e incontinência uriná- Formulações estrogênicas usadas
ria, e presença de perda de massa óssea. na clínica
As contraindicações absolutas incluem antece- Os estrogênios usados clinicamente podem ser
dentes pessoais de câncer de mama ou endométrio divididos, de acordo com sua composição química,
recente, insuficiência hepática ou renal graves, trom- em naturais ou sintéticos. Os estrogênios naturais in-
boembolismo relacionado ao tratamento hormonal, cluem o estradiol, o estrona, o estriol e seus ésteres,
porfiria e sangramento genital de causa desconhecida. bem como os estrogênios equinos conjugados. Os es-

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236
Ginecologia

trogênios sintéticos são o etinilestradiol, o mestranol Principais estrogênios e progestagênios


e o quinestrol, mais potentes que o estradiol devido à utilizados na terapia hormonal (cont.)
presença do radical etinil, que impede seu metabolis-
Progestagênios Acetato de medro- 2,5-5 mg/d
mo para estrona pela enzima 17-β-desidrogenase. xiprogesterona
A via oral protege o organismo dos efeitos ocasio- Acetato de 1-2 mg/d
nais do hiperandrogenismo sobre a pele e os pelos. Em ciproterona
razão de sua primeira passagem hepática, há maior sín- Acetato de 0,15-0,25 mg/d
tese da proteína transportadora de hormônios sexuais noretisterona
(SHBG), levando a uma concentração menor de testoste- Drospirenona 1-2 mg/d
rona livre. Além disso, essa passagem hepática promove Patch acetato de 0,15-0,25 mg/d
maior redução na síntese de colesterol, assim, passa a ser noretisterona
a escolha quando houver hipercolesterolemia ou sinais Gel vaginal 45-90 mg/d
de hiperandrogenismo, como crescimento de pelos. de progesterona
As vias transdérmica e percutânea têm a vanta- Tabela 27.6
gem de liberar o estrogênio por difusão na pele dire-
tamente para a circulação periférica, e, assim, o estro-
gênio é transportado até o tecido-alvo sem os efeitos Esquemas de terapia hormonal
da primeira passagem hepática. As vias transdérmica A terapia hormonal pode ser feita em esquemas
e percutânea são especialmente aconselhadas para pa- contínuos ou cíclicos.
cientes com antecedentes de tromboflebite e trombo-
Os esquemas cíclicos são preferidos às mulheres
ses, nas que tem hipertensão arterial, nas tabagistas e
na perimenopausa, que apresentam irregularidade
quando houver alguma doença que dificulte a absorção.
menstrual e, portanto, possuem ainda uma produção
A via vaginal é recomendada principalmente ovariana de estradiol. Eles reduzem as perdas sanguí-
para o tratamento da atrofia urogenital, ou seja, quan- neas esporádicas (spottings).
do se busca efeitos locais. A via vaginal também tem
Os esquemas contínuos são escolhidos para as
a vantagem de evitar a primeira passagem hepática.
mulheres que não possuem mais atividade menstrual
e também para aquelas portadoras de miomas ou en-
dometriose, caso se opte por realizar TH.
Progesterona e progestagê- São exemplos de TH em mulheres não histerec-
nios utilizados na clínica tomizadas:
Na TH, a progesterona, ou progestagênio, tem a fi- € na pré-menopausa: estrogênios equinos conju
nalidade de evitar o desenvolvimento da hiperplasia e do gados 0,3 mg a 0,625 mg VO do 5º ao 25º dia
câncer de endométrio. Não é recomendado seu uso em do ciclo ou 17-beta-estradiol 25 mcg a 50 mcg
pacientes já submetidas à histerectomia, a não ser em al- transdérmico associados a acetato de medroxi-
guns casos de pacientes com passado de endometriose, progesterona ou nomegestrol 2,5 a 5 mg do 13º
por exemplo. Os efeitos colaterais da adição da proges- ao 24º dias do ciclo.
terona são relacionados à tensão pré-menstrual (TPM). € na pós-menopausa: estrogênios equinos conju-
gados 0,625 mg VO ou 17-beta-estradiol 50 mcg
transdérmico, em uso contínuo, associados a
Principais estrogênios e progestagênios acetato de medroxiprogesterona ou nomegestrol
utilizados na terapia hormonal 5 mg nos últimos 14 dias do ciclo.
Estrogênios Valerato de estradiol 1-2 mg/d
Estradiol 1-2 mg/d
micronizado
Estrogênios 0,3-0,625 mg/d Outros hormônios utilizados na TH
conjugados
Gel estradiol 0,5-1,5 mg/d Tibolona
transdérmico Tem-se tentado encontrar outros hormônios
Patch estradiol 25-50 com perfil esteroidico que possam ser utilizados
microgramas/d na TH. A tibolona é uma das opções existentes. É
Estrogênios 0,3-0,625 mg/d um derivado sintético do noretinodrel (derivado
conjugados vaginal da 19-nortestosterona), sendo classificado quimi-
Estriol vaginal 1-2 mg/d camente como um progestogênico, contudo, ele
Promestrieno 10 mg/d apresenta atividade estrogênica, progestogênica
vaginal e androgênica.

SJT Residência Médica – 2016


237
27 Climatério

A dose indicada é de 2,5 mg, comprimidos,


via oral, ao dia, administrados, em geral, de forma
Tratamento não-hormonal
contínua e na pós-menopausa (Livial, Libiam, Fitoestrogênios
Reduclim, Livolon). Alivia os sintomas da síndro-
Os fitoestrogênios são definidos como substâncias
me menopausal. A ocorrência de sangramentos com
encontradas em plantas, semelhantes em sua estrutura
o uso da tibolona é rara. com o 17B-estradiol. Possuem efeitos estrogênicos pelo
Embora seja menos atuante sobre o perfil lipídi- fato de ligar-se aos seus receptores. A potência biológica da
co, promove conservação da massa óssea e, como tem molécula de diversos fitoestrogênios varia de 120 a 2.000
leve ação androgênica, possui efeito favorável na libi- vezes menos que a do estradiol, assim, eles possuem me-
do, de modo que deve ser a escolha para terapia hor- nor eficácia e são uma alternativa em casos de sintomas
monal nos casos em que há queda da vontade sexual. leves, quando há contraindicação a outras medicações (já
que a baixa potência reduz os riscos) ou quando há resis-
Assim como os estrogênios, não deve ser usa- tência ao uso de terapia hormonal pelas pacientes.
do em casos com história de câncer de mama e en-
Os fitoestrogênios mais encontrados nas dietas
dométrio, uma vez que pode ter os mesmos efeitos humanas são:
nesses órgãos.
€ Isoflavonas: soja e outros grãos.
€ Genisteína;

€ Dadzeína;
Serms € Gliciteína.

Denominam-se Serms (selective estrogen receptor


€ Lígnanos: cereais, sementes, frutas, vege-
tais e legumes.
modulators) os moduladores seletivos dos receptores
estrogênicos. Essas substâncias englobam o raloxifeno
€ Enterodiol;
e seus parentes químicos, como o tamoxifen. € Enterolactona.
Elas têm a capacidade de provocar respostas es-
€ Coumestanos: broto de grãos em germina-
ção, principalmente na soja.
trogênicas ou antiestrogênicas em tecidos diferentes.
Várias preparações medicamentosas contendo
O citrato de tamoxifen, na dose de 10 mg a 20 fitoestrogênios surgiram no mercado farmacêutico.
mg, tem atividade estrogênica sobre os ossos, lípides e Porém, sua eficácia e segurança carecem de compro-
endométrio, e atividade antiestrogênica sobre as ma- vação científica. De acordo com dados publicados pela
mas e o SNC. Pode causar hiperplasia endometrial e, Sociedade Norte-Americana de Menopausa (Nams) em
consequentemente, aumentar o risco de câncer de en- 2004, não existem evidências científicas suficientes que
dométrio. O tamoxifeno é então a escolha de terapia demonstrem o efeito benéfico dos medicamentos com
hormonal para casos com história de câncer de mama isoflavonas nos fogachos, no sistema cardiovascular, na
e alteração da densidade óssea. Contudo, faz-se neces- massa óssea e na secura vaginal. Sua ação no câncer de
sário um controle ultrassonográfico rigoroso da espes- mama e endométrio também não está esclarecida.
sura endometrial.
O raloxifeno não estimula o endométrio, reduz
o colesterol total e o LDL-C, inibe as células MCF-7 Drogas com ação nos sintomas
do câncer mamário humano e atua nos ossos como vasomotores e psíquicos
agonista estrogênico. Assim, a principal razão para o
O tratamento medicamentoso não hormonal pode
uso do raloxifeno na prática clínica é sua ação favo- melhorar os sintomas vasomotores, sobretudo quando es-
rável sobre o metabolismo dos ossos, sendo também tes são leves ou moderados. As mulheres com quadros de
uma ótima alternativa quando há queda da densidade ansiedade e/ou depressão, relacionados ou não ao climaté-
óssea. Está comprovado que ele reduz fraturas de co- rio, podem se beneficiar também com esses recursos. As
luna. No SNC, sua ação ainda está sendo estudada. Ele principais indicações dessa modalidade terapêutica, além
é utilizado na forma de comprimidos, de 60 mg, via da presença de fogachos ou sintomas psíquicos, são:
oral, ao dia (Evista). € para mulheres que não desejam a hormonioterapia;

Os Serms não têm ação no alívio dos sintomas € para mulheres que apresentam efeitos colaterais
vasomotores, podendo até mesmo agravá-los em algu- durante a TH;
mas mulheres. Por isso, também não são de uso difun- € contraindicação à TH;
dido como TH, que geralmente é iniciada a partir dos € para mulheres sintomáticas em que a resposta à
fogachos. terapia hormonal é insatisfatória.

SJT Residência Médica – 2016


238
Ginecologia

As opções atualmente disponíveis no mercado são os agentes antidopaminérgicos, antidepressivos, hip-


nosedativos, vasoativos e os que atuam no eixo hipotalâmico-hipofisário. A escolha será direcionada de acordo
com o tipo de queixa, ou seja, sedativos para insônia, antidepressivos para distimias e reguladores da atividade
vascular para fogachos.

Tratamento medicamentoso não hormonal


Classe de medicamentos Fármaco Dose Mecanismo de ação
Antidopaminérgicos Veraliprida 100 mg/dia Ação central
Sulpiride 100 mg/dia Ação central
Domperidone 10 a 20 mg/dia Ação periférica
Antidepressivos Venlafaxina 37,5 a 75 mg/ Ação central – inibidores da recaptação da
dia serotonina e noradrenalina
Antidepressivos tricíclicos Carbonato de lítio 300 mg/dia Ação central
Imipramina 25 a 50 mg/dia Ação central
Nomifensina 25 a 50 mg/dia Ação central
Antidepressivos tetrací- Cloridrato de fluoxe- 200 mg/dia Ação central
clicos tina
Hipnosedativos Fenobarbital 50 mg/dia Agem no metabolismo do ácido gama-ami-
nobutírico
Alfametildopa 250 a 500 mg/ Ação inibidora das catecolaminas
dia
Vasoativos Benciclano 300 mg/dia Ação vasodilatadora cerebral e periférica
Cinarizina 75 mg/dia Ação anti-histamínica – age por competição
H1
Clonidina 0,1 a 0,2 mg/dia Ação hipotensora, agonista alfa-adrenérgico
Derivadas do espo- 4,5 a 20 mg/dia Ação vasodilatadora
rão
do centeio
Nicergolina 300 mg/dia Ativadora do metabolismo cerebral
Propranolol 80 mg/dia Ação betabloqueadora
Atuam no eixo hipotalâmi- Bromoergocriptina 1,25 a 2,5 mg/ Deprime os pulsos de LH
co-hipofisário dia
Ciclofenil 200 a 400 mg/ Ação na redução do FSH e da prolactina
dia
Tabela 27.7

usuárias. No estudo WHP, observou-se uma redução


Drogas com ação no metabolismo
do risco de fraturas do quadril de 34%, de fraturas
ósseo vertebrais de 34%, de outras fraturas em ossos oste-
Os fármacos que atuam sobre o tecido ósseo são oporóticos de 23% e de fraturas em geral de 24%. A
classificados em dois grupos: TH, na ausência de contraindicações, deve ser pres-
€ Agentes antirreabsortivos: crita em casos de osteopenia.
TH; Dos Serms, pode-se dizer que o raloxifeno pre-
Serms; vine a perda óssea e diminui o risco de fraturas ver-
Bifosfonatos; tebrais em 40 a 55%, em pacientes com osteoporose.
Calcitonina; Pode ser indicado para prevenção e tratamento da os-
teoporose em mulheres na pós-menopausa, na dose de
Cálcio;
60 mg/dia, embora os custos limitem um uso maior.
Vitamina D. O tamoxifeno é indicado nas mulheres com câncer de
€ Estimuladores de formação: mama, como já discutido.
PTH (1-34) Em casos de osteoporose instalada, a primei-
ra escolha é o uso de bifosfonatos. Existem vários
Como explicitado anteriormente, é notável a bifosfonatos, entre os quais o etidronato, o alendronato,
redução no risco de fraturas vertebrais e não verte- o clodronato, o pamidronato, o tiendronato, o risedro-
brais em usuárias de TH, quando comparadas a não nato e o ibandronato. A dose de risedronato sódico é de

SJT Residência Médica – 2016


239
27 Climatério

5 mg/dia. O alendronato de sódio é o mais utilizado utilização do análogo de PTA, contendo os primei-
e a dose recomendada para o tratamento da os- ros 34 aminoácidos da molécula (PTH 1-34), na
teoporose estabelecida é de 10 mg/dia ou 70 mg/ dose de 20 pg subcutânea/dia, demonstra efetiva-
semana, via oral, em jejum, com água. De acordo mente aumentar a massa óssea, quando compara-
com vários estudos, os bifosfonatos aumentam a massa do ao placebo, bem como reduz significativamente
óssea na coluna e no fêmur e reduzem o risco de fraturas o risco de fraturas.
vertebrais em 30 a 50%. Reduzem também o risco de
fraturas não vertebrais em mulheres com osteoporose.
Não há certeza sobre o seu efeito na redução de fraturas Grupos de pacientes no climatério
não vertebrais em mulheres sem osteoporose.
Pré-menopausa sem déficit hormonal
A calcitonina, apesar de sua ação analgésica rele-
Pré-menopausa com deficiência de progesterona
vante, é considerada de segunda linha nessa terapêu-
tica. Pode ser administrada por via subcutânea ou in- Pré-menopausa com sintomas de hipoestrogenismo
tranasal. A dose indicada é de 200 UI intranasal após Pós-menopausa assintomática
ingestão de cálcio, durante dois ou três anos. Em estu-
Pós-menopausa sintomática
dos dessa droga, nessa dose, houve redução de risco de
fraturas vertebrais de 33 a 36%. Sintomas neurovegetativos
O hormônio da paratireoide (PTH) pode exer- Sintomas psíquicos
cer estimulação na formação ou reabsorção óssea, Sintomas genitourinários
conforme a dose e a maneira como é utilizado. A Tabela 27.8

Tipos de tratamento e seus efeitos


Medicamentosa hormonal Medicamentosa não hormonal
Estrogenioterapia isolada Moduladores sele- Agentes Bifosfonatos Suplemento
Progestogenioterapia isolada tivos do receptor antidopaminérgicos de cálcio e
Associação estroprogestativa de estrogênio – Antidepressivos vitamina D
Associação estroandrogênica Serms (Tamoxife- Hipnosedativos
no, Raloxifeno) Vasoativos
Sintomas Sim Não Sim Não Não
climatéricos
Alterações Sim Não Não Não Não
urogenitais
Distúrbios da Sim Não Sim Não Não
sexualidade
Prevenção de Sim Sim Não Sim Sim
osteoporose
Tabela 27.9

Fatores de risco para doenças cardiovasculares


1- Tabagismo (mais de 10 cigarros por dia)
2- Hipertensão arterial
3- Diabetes mellitus
4- Dislipidemia (aumento do colesterol total LDL e talvez Lp(a) e triglicerídeos)
5- Obesidade
6- Idade
7- História familiar de doença vascular cerebral ou coronariana (abaixo dos 55 anos)
8- Doença vascular cerebral ou periférica prévia
9- Estilo de vida sedentário
10- Resistência insulínica
11- Fatores hemostáticos aumentados
Tabela 27.10

SJT Residência Médica – 2016


240
Ginecologia

€ O uso de 2,5 mg de acetato de medroxiproges-


Terapia de reposição hormo- terona diário parece não produzir uma proteção
nal e câncer ginecológico total.
A preocupação com a segurança e os efeitos cola-
terais da TH são frequentemente re feridos para a não
utilização desta terapêutica. Câncer de vulva e vagina
Não existem contraindicações para o uso da TH
em pacientes portadoras de câncer de células escamo-
Câncer de endométrio sas da vulva; ao contrário, a TH melhora o trofismo
Desde a década de 1970, numerosos estudos re- dos tecidos vulvovaginais, podendo auxiliar na recu-
ferem-se à terapia estrogênica pós-menopausa como peração cirúrgica dessas pacientes.
uma possível causa do câncer de endométrio, pelo já
conhecido efeito proliferativo e mitótico sobre as cé-
lulas endometriais, podendo resultar em hiperplasia
Câncer de mama
endometrial e evolução para o adenocarcinoma. O au-
mento do risco relativo varia de acordo com a lite- O câncer de mama é uma doença em ascensão
ratura, entre 1,8 e 2, e os dados sugerem que este em todas as partes do mundo. As maiores incidências
aumento do RR pode persistir por até dez anos ocorrem em países industrializados. A frequência do
após a terapia estrogênica ter sido encerrada. câncer de mama eleva-se continuamente com o au-
Embora a incidência de câncer de endométrio tenha mento da faixa etária e, na etiologia multifatorial da
aumentado após a década de 1970, a mortalidade pela patologia, há grandes evidências de sua relação com o
doença diminuiu, em parte pela detecção precoce e em status hormonal ovariano, especialmente o papel dos
parte pelo elevado índice de cura. estrogênios. Estes elevam o risco de câncer de mama,
A adição de progesterona à estrogenioterapia pois estimulam a hiperplasia das células mamárias,
mudou drasticamente a incidência do câncer endome- o que é evidente à mamografia que denota densida-
trial, pela ação deste hormônio ao induzir a diferen- de aumentada. A tibolona, embora não aumente a
ciação do endométrio, contrapondo os efeitos estro- densidade mamária, promove elevação do risco
gênicos e reduzindo, ou até eliminando, os riscos de relativo para câncer de mama.
câncer endometrial associado à TH. Então, como dito
A presença de histórico de câncer de mama con-
anteriormente, em pacientes que tenham útero, a TH
traindica, em absoluto, a terapia hormonal. Realiza-se
estrogênica deve ser acompanhada de progesterona
o tratamento da sintomatologia climatérica da seguin-
nas doses expostas a seguir.
te forma: nos casos de osteopenia ou osteoporose, in-
As doses sabidamente efetivas para a proteção dica-se cálcio ou alendronato de sódio; nos casos de
endometrial são:
atrofia urogenital, utiliza-se estrogenioterapia tópica;
€ 10 mg de acetato de medroxiprogesterona por 10 para os sintomas vasomotores, tenta-se o tratamento
dias ou 5 mg por 12 dias; paliativo com agentes vasodilatadores; e, para queixas
€ 1 a 2,5 mg de noretindrona por 12 dias; psicológicas, indica-se a psicoterapia.

O perfeccionismo é a autoviolação em grau extremo.

Anne Wilson Schaef

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

28
Colposcopia

O exame de citologia oncótica (Papanico-


Introdução lau) é o método de excelência na avaliação do grau
de alteração celular do epitélio escamoso cervical e
A genitoscopia consiste na avaliação da região tem ajudado a diminuir drasticamente a incidência
genital por lentes de grande aumento, visando a de-
de câncer de colo uterino. Ele pode ser usado em
tecção e possível retirada, para análise posterior, de
nível populacional pelo baixo custo, facilidade de
áreas suspeitas. Divide-se em vulvoscopia, quando o
execução e ótima triagem. Para a classificação dos
intuito é a avaliação da vulva e áreas vizinhas, como
resultados dos exames, existem vários sistemas de
região perianal e sulco interglúteo; e colposcopia, para
nomenclatura, mas o de Bethesda é o mais utili-
avaliação do colo uterino e vagina.
zado, dividindo as anormalidades do epitélio es-
O objetivo primordial dessas avaliações é o reco- camoso cervical em lesão de baixo grau (LIBG),
nhecimento de áreas suspeitas de lesões pré-malignas lesão de alto grau (LIAG), atipias celulares de
e malignas iniciais, visando um tratamento precoce no significado indeterminado (ASCUS) e carcino-
sentido de evitar a reconhecida evolução para formas ma invasor. É justamente nos casos em que há
graves de carcinoma invasivo. alteração do padrão normal do epitélio cervical
Até 1943, quando foi introduzida a colpocitologia que deve-se encaminhar as pacientes para avalia-
oncológica, por Papanicolau e Traut, a colposcopia foi ção colposcópica, cujos achados suspeitos levarão
o único método de prevenção de câncer utilizado, prin- à retirada de material (biópsia) para análise his-
cipalmente na Europa. A partir daí, foi sendo gradati- tológica. Esse material inclusive será retirado do
vamente substituído pela colpocitologia oncológica, até epicentro da lesão indicado pela colposcopia. Essa
que se notou que esses exames se complementavam. associação de métodos aumenta a acurácia diag-
Hoje, a grande importância da colposcopia está nóstica, reduz custos e evita biópsias e tratamen-
na localização das alterações das mucosas de colo e va- tos desnecessários.
gina, que são sugeridas pela colpocitologia oncológica, A associação de colposcopia, colpocitologia
ou seja, há uma triagem inicial e a colposcopia localiza oncológica e biópsia orientada pela colposcopia faz
a área suspeita para retirada e posterior análise histo- o diagnóstico de quase 100% dos casos de lesões no
lógica, comprobatória ou não. colo do útero, na vagina e na vulva.
242
Ginecologia

A análise colposcópica é indicada, então, em ca-


Técnica do exame sos de lesões suspeitas à citologia oncótica ou à avalia-
ção clínica desarmada. A vulvoscopia fica indicada em
O colposcópio é um aparelho binocular, ou seja, casos de lesões clínicas suspeitas, como áreas hiper ou
as oculares são duplas, o que permite uma visão este-
hipocrômicas, ou na presença de prurido local, como
reoscópica por meio de lentes objetivas convergentes
e divergentes – que possibilitam aumentos de vários será discutido mais adiante.
graus – e de um sistema de iluminação no qual o foco No início do exame, deve-se realizar anamnese
de luz incide sobre o campo a ser examinado. dirigida, observando a presença ou não de fatores de
O aparelho ideal deve ter uma distância focal risco para o câncer genital, idade da paciente, status
(distância entre o aparelho e o objeto a ser examina- hormonal e presença de infecções e de tratamentos
do) entre 25 e 30 cm, de modo que possa permitir a ginecológicos anteriores. É importante realizar o
utilização de instrumentos como pinças de biópsias, exame em pacientes que não estejam menstruadas,
de Cheron e alças diatérmicas. que não fizeram uso prévio de cremes, pomadas ou
As variações de aumento do aparelho determinarão duchas vaginais, que estejam em abstinência sexual
o tamanho do campo a ser examinado, ou seja, quanto há três dias e não tenham histórico recente de pos-
maior o aumento, menor a área a ser examinada. Au- sível traumatismo no TGI, como biópsias, histeros-
mentos em torno de cinco vezes são suficientes para dar salpingografia e cauterizações. O melhor período de
uma visão panorâmica do trato genital, ao passo que au- análise é o periovulatório.
mentos de cerca de 20 a 40 vezes são importantes para
detalhar alterações de maior importância, como as alte- A sequência envolve uma avaliação colposcópica
rações vasculares, que determinam os melhores locais de inicial após lavagem da região com soro fisiológico, se-
biópsia. Portanto, um bom colposcópio deve ter cinco guido da aplicação de ácido acético e teste de Schiller
aumentos, pois aqueles com aumentos menores que esse (colposcopia alargada), para posterior biópsia de área
perdem demasiadamente em precisão. Além disso, é ne- que demonstre achados anormais. O ideal é a realiza-
cessária a utilização de filtro verde para que sejam visua- ção de toda a genitoscopia (vulvoscopia + colposcopia)
lizados, com mais detalhes, os vasos capilares. em qualquer mulher que se submeta ao exame.
Para que se possam registrar as imagens, os col- É necessário examinar toda a genitália, começan-
poscópios podem ser dotados de divisores de imagens do com a vulvoscopia. Efetua-se uma inspeção da vul-
que permitem acoplar ao aparelho um sistema de fo- va; depois aplica-se ácido acético a 5%, usando spray
tografias e de vídeo. para evitar macerações e observando as reações se-
gundos depois; e, por fim, observa-se o introito vagi-
nal, os lábios menores, os sulcos interlabiais e a região
Para se realizar uma boa perineal e perianal. No passado, usavam-se corantes
nucleares, como o azul de toluidina, para realçar os lo-
colposcopia, precisa-se de:
cais de maiores alterações (teste de Collins). Na práti-
€ mesa auxiliar; ca, esse teste mostrou-se desnecessário.
€ espéculos vaginais de vários tamanhos; Em seguida, introduz-se o espéculo e observa-
€ pinças de Cheron, de Pozzi e de biópsias; -se o colo e os fundos vaginais, limpando-os com
€ endoespéculo de Kogan ou Mencken; soro fisiológico. Ao examinar o colo, deve-se iden-
tificar a junção escamocolunar (JEC), ou seja, a
€ histerômetros;
união do epitélio escamoso ectocervical com o co-
€ curetas endocervicais; lunar, da endocérvice. A JEC deve estar localizada
€ cubas e vidros ou almotolias para colocação de ao nível do orifício interno do colo. Quando ela está
soluções; mais externa (JEC -1, -2, -3 e -4), tem-se a ectopia,
€ seringas e ampolas de anestésico local; esa que costuma ser recoberta por um epitélio me-
taplásico constituindo a zona de transformação,
€ material para coleta citológica;
que também deve ser bem-analisada. Utilizando es-
€ frascos com formol a 10%; péculos de Kogan ou Mencken, examina-se o canal
€ algodão, gaze e tamponamento vaginal; cervical, tentando visualizar toda sua extensão, es-
€ soluções reagentes: pecialmente quando a JEC está no seu interior (JEC
+1, +2 ou +3).
€ soro fisiológico;
Depois, aplica-se ácido acético a 2%, que vai pro-
€ ácido acético a 2% (para colo e vagina) e a 5%
mover alterações bioquímicas no núcleo e citoplasma
(para vulva);
das células para que as reações provocadas sejam obser-
€ solução de Schiller; vadas. Como o efeito do ácido acético é fugaz, pode ser
€ hipossulfito ou bissulfito de sódio a 2%. necessário repetir sua aplicação por mais de uma vez.

SJT Residência Médica – 2016


243
28 Colposcopia

Realiza-se então o teste de Schiller, utilizando-


-se a solução iodoiodetada, que tem afinidade intensa
pelo glicogênio, corando em marrom-escuro o epité-
lio escamoso normal. A embrocação com a solução de
Schiller deve atingir todo o colo e as paredes vaginais.
Por fim, nos casos em que for necessário, deverão ser
reavaliadas as áreas alteradas, utilizando-se o bissulfi-
to ou hipossulfito de sódio na concentração de 1 a 5%,
para remover o iodo impregnado no epitélio.
Os principais achados alterados à colposcopia são:
pontilhado fino ou grosseiro, mosaico, vasos atípicos,
leucoplasia, epitélio acetobranco e área iodonegativa.
As biópsias do colo são realizadas geralmen-
te em áreas iodonegativas, acetobrancas ou com
outros achados alterados, com a utilização de uma
pinça saca-bocado. Os fragmentos são colocados em
frascos com formalina a 10% e encaminhados para
exame anatomopatológico. Os cuidados hemostáti-
cos são feitos por meio de um dos procedimentos Figura 28.3 Representação esquemática da colpo-
indicados a seguir: scopia digital.
€ Aplicação da solução de Monsel (subsulfato fér-
rico) com auxílio de swab. No VII Congresso Mundial de Patologia Cervical
€ Aplicação de nitrato de prata com auxílio de um e Colposcopia, adotou-se como
bastão. classificação colposcópica
€ Ponto hemostático (vicryl ou nylon). I – Achados colposcópicos normais
Epitélio escamoso original
Epitélio colunar
Zona de transformação normal
II – Achados colposcópicos anormais
1- Dentro da zona de transformação
Epitélio acetobranco
Plano
Micropapilar
Microcircunvoluções
Pontilhado
Mosaico
Leucoplasia
Figura 28.1 Colo uterino após aplicação de Lugol: Zona iodonegativa
ausência de lesões: teste de Schiller negativo. Vasos atípicos
2 – Fora da zona de transformação
(ectocérvice e vagina)
Epitélio acetobranco
Plano
Micropapilar
Microcircunvoluções
Pontilhado
Mosaico
Leucoplasia
Zona iodonegativa
Vasos atípicos
III – Achados colposcópicos sugestivos de câncer inva-
sor
IV – Achados colposcópicos insatisfatórios
Junção escamocolunar não vísivel
Figura 28.2 Colposcópio. Inflamação intensa ou atrofia intensa

SJT Residência Médica – 2016


244
Ginecologia

No VII Congresso Mundial de Patologia Cervical e a aplicação do ácido acético, devido ao edema provoca-
Colposcopia, adotou-se como classificação do pela aplicação deste. Ele também evidencia melhor
colposcópica (cont.) a JEC (junção escamocelular), que costuma estar afas-
Colo não visível tada do orifício interno do colo uterino, aproximando-
V – Achados variados -se das suas periferias. Em geral, é coberta por muco e
Superfície micropapilar, não acetobranca cada papila pode mostrar um capilar central.
Condiloma exofítico O teste de Schiller é negativo, pois o epitélio cilín-
Inflamação drico não contém glicogênio.
Atrofia
Histologicamente, as papilas estão aumenta-
Úlceras das, contíguas e arredondadas no corte longitudinal e
Outros achados bem-individualizadas nos cortes transversais.
1- Alterações menores
Epitélio acetobranco
Mosaico fino
Pontilhado fino Zona de transformação
Leucoplasia tênue
2- Alterações maiores
normal
Epitélio acetobranco acentuado Trata-se de uma reepitelização da ectopia
Mosaico áspero quando esta se afasta externamente do orifício in-
Pontilhado áspero terno do colo do útero, ou seja, tem-se um epitélio
Leucoplasia densa metaplásico que recobre o glandular ectópico. Ela
Vasos atípicos apresenta aspecto erosado ou branco, inicia-se junto
Erosão à JEC primitiva, com restos do epitélio glandular, e
Tabela 28.1 se extende até a nova JEC, ao final da ectopia. O te-
cido glandular recoberto pode continuar produzindo
fluido, mas este não pode ser drenado, o que origina
os cistos de Naboth.
Achados colposcópicos A aplicação de lugol evidencia as áreas da JEC e,
no interior da área de ectopia, as ilhotas do epitélio
A seguir, descrevemos os principais achados col- metaplásico irão fixar o iodo de uma maneira variável,
poscópicos seguindo-se a terminologia definida, em dependendo da maturidade do epitélio.
2002, durante o XI Congresso Mundial de Patologia Com a aplicação de ácido acético, ficam mais evi-
Cervical e Colposcopia de Barcelona, pela Federação dentes os locais onde existem epitélio glandular e epi-
Internacional de Patologia Cervical e Colposcopia. télio metaplásico.
Histologicamente, o aspecto varia de acordo com
o local da biópsia. Predominando a área de ectopia,
Normais tem-se mais papilas, e, nos locais do epitélio metaplá-
sico, tem-se um epitélio escamoso de espessura variá-
vel sobre o epitélio glandular.
Epitélio escamoso original
Situa-se desde a junção escamocolunar até o fun-
do do saco vaginal. Apresenta-se com coloração rosa-
da, sem a visualização dos vasos do tecido conjuntivo.
Anormais
A aplicação do ácido acético a 5% não modifica A grande importância da colposcopia está em
o epitélio e a embrocação com lugol torna-o marrom- se identificar as áreas alteradas, em especial onde há
-escuro, ou seja, com teste de Schiller negativo. zona de transformação anormal (ZTA), para que elas
sejam biopsiadas com vistas à detecção de neoplasias
Mostra-se como um epitélio pluriestratificado, intraepiteliais.
bem-diferenciado histologicamente.
A ZTA consiste no aparecimento de um epité-
lio esbranquiçado, antes ou depois da aplicação do
ácido acético, com ou sem alterações vasculares,
Epitélio cilíndrico que pode mostrar em seu interior arranjos de mo-
saico, pontilhado, leucoplasia ou vasos atípicos.
É chamado de ectopia, ou seja, marca a presença
Em geral, esse epitélio esbranquiçado localiza-se entre
de epitélio glandular na ectocérvice, mostrando papi- a última glândula e a nova JEC.
las ou micropapilas que se tornam mais evidentes após

SJT Residência Médica – 2016


245
28 Colposcopia

É importante ressaltar que esses achados não são


exclusivos das ZTAs, embora sejam mais incidentes
Leucoplasia
nelas pelo dinamicismo celular local. Com o aumento A leucoplasia é um epitélio branco acentuado
da incidência de infecção pelo HPV, podemos encon- com a superfície rugosa e discretamente em relevo. O
trar essas anormalidades no epitélio escamoso nor- aspecto branco é observado antes da aplicação do áci-
mal, sem que exista uma área de ectopia. do acético e não se modifica após seu uso. O teste de
Schiller é positivo. Por não se ter condições de avaliar
o epitélio subjacente na colposcopia, faz-se necessário
Epitélio acetobranco biopsiar essas áreas leucoplásicas, principalmente em
Anormalidade mais frequente. áreas extensas que podem dar citologias falsamente
Pode ser discreto ou acentuado. A aplicação do negativas e esconder displasias ou até mesmo um car-
ácido acético a 5% torna a mucosa mais branca, devido cinoma invasor ceratinizante.
à coagulação das proteínas citoplasmáticas abundantes
em células de alta atividade mitótica, como nas neoplá-
sicas. Uma vez delimitada, a área esbranquiçada deve Vasos atípicos
ser biopsiada. Nesse caso, o teste de Schiller é positivo.
Se estiverem associados à outra anormalidade
As áreas biopsiadas podem mostrar, em epitélio
metaplásico imaturo, uma cervicite crônica, uma NIC colposcópica, representam um sinal de que pode exis-
de alto ou baixo grau e até mesmo um carcinoma mi- tir desde uma NIC até um carcinoma invasivo do colo
croinvasivo. A associação com HPV pode estar presente. do útero.
Para que se considere a existência de vasos atípi-
cos, é preciso um dos achados: formas especiais, dis-
Mosaico tância intercapilar grande, vasos curtos, mudança de
calibre, mudança brusca de direção, proeminência de
Consiste em brotos de tecido pavimentoso plu-
alças vasculares abertas e incompletas, terminações
riestratificado em proliferação, separados por linhas
avermelhadas de tecido conjuntivo muito vasculariza- abruptas, redes com variações de calibre e percurso,
do, assemelhando-se a tijolos que compõem uma pare- ramificações em ângulo agudo e variações de calibre e
de. O ácido acético acentua esse aspecto e a aplicação disposição geral desordenada.
de lugol torna a mucosa branca, mostrando teste de Histologicamente, pode mostrar cervicite crônica,
Schiller positivo. alterações radioterápicas, NIC e, como mencionado, até
A biópsia deve ser realizada nos locais em que o mesmo um carcinoma invasivo do colo do útero.
mosaico se encontra em campos irregulares e, histo-
logicamente, o epitélio se mostra com NIC, ao passo
que pequenas áreas de mosaico, ou visíveis após apli-
cação de ácido acético, podem representar reepiteli-
Áreas iodonegativas
zação anormal. Células em proliferação, como as neoplásicas,
são pobres em glicogênio e, portanto, não se coram de
marrom na aplicação de iodo (teste de Schiller), que é
Pontilhado 昀椀no ou grosseiro um glicogênio afim. Assim, áreas iodonegativas devem
ser biopsiadas.
É a presença de pontos avermelhados numa área
de epitélio branco. Representam os eixos conjuntivos
vasculares do córion, que sobem para a superfície em
proliferação e necessitados de irrigação, dando o as-
pecto de pontos avermelhados.
Carcinoma invasivo
O ácido acético torna o epitélio ao redor dos pon-
As características colposcópicas bastante suges-
tos avermelhados branco. O teste de Schiller é positivo
tivas de câncer invasivo, propostas pela terminologia
e toda a área fica branca. Histologicamente, os acha-
dos podem variar de uma cervicite até NIC III. de Barcelona, são:

O pontilhado também é visto nas colpites, onde 1- Superfície irregular, erosão ou ulceração.
os capilares dispõem-se difusamente sobre a ectocér- 2- Alteração acetobranca densa.
vice sem demarcação entre o tecido atípico e o normal.
3- Pontilhado e mosaico amplos e irregulares.
O teste de Schiller é positivo no pontilhado e negativo
na colpite. 4- Vasos atípicos.

SJT Residência Médica – 2016


246
Ginecologia

Outros achados Vulvoscopia


colposcópicos típicos Parte da genitoscopia consiste no estudo da
vulva e do períneo com auxílio das lentes de grande
aumento, antes e depois da aplicação de ácido acético
a 5%, que determina o aparecimento da lesão branca
Tricomoníase ou outras devido à coagulação das proteínas citoplas-
máticas. Como citado anteriormente, a vulvoscopia
Consta de pontilhado vermelho difuso ou em
está indicada nos casos de prurido vulvar ou de le-
focos. Não se altera após a aplicação de ácido acético
sões suspeitas ao exame físico, como áreas hipo ou
e o teste de Schiller é negativo. Porém, há pequenos
hipercrômicas, ulcerações ou vegetações; embora o
pontos que não fixam o iodo em fundo marrom-claro:
mais adequado é que ela faça parte de qualquer ava-
é o Schiller tigroide.
liação colposcópica.
Diante de achados alterados, as áreas que os
contêm devem ser biopsiadas, ainda que sejam múl-
Condilomas tiplas. Isso não é raro em lesões vulvares, pois muitas
Podem ter aspecto acuminado (verrucoso com vezes elas se apresentam multicêntricas.
espículas agrupadas, vasos bem visíveis e que se tor- A presença de papilas, lentigos simples e mela-
nam brancos após o ácido acético), plano ou invertido. nose são achados normais do exame e suas principais
O teste de Schiller é negativo. alterações são descritas a seguir.
O coilócito é uma célula superficial ou da ca-
mada intermediária do epitélio que apresenta um
halo claro perinuclear, vacúolo citoplasmático e bi-
Pólipo endocervical nucleação, podendo estar aumentado de volume. A
Na avaliação da superfície, esta pode estar reco- coilocitose é um sinal patognomônico de infecção
berta por epitélio glandular ou escamoso metaplási- pelo HPV. A disceratose é outra alteração induzi-
co. O ácido acético toma a formação polipoide mais da pelo HPV, aparecendo como células isoladas ou
rosada ou pode demonstrar ZTA. O teste de Schiller agrupadas, com citoplasma denso, orangiófilo e
é negativo, se for recoberto por epitélio glandular, e com o núcleo hipercromático.
é positivo nos casos em que apresente epitélio branco
ou outra anormalidade colposcópica na superfície.
1- Lesão acetobranca
As amostras devem ser retiradas e enviadas para
Área branca plana, difusa ou localizada, geral-
análise histológica.
mente envolvendo fúrcula e face interna dos pequenos
lábios. Sugere fortemente a presença de infecção pelo
HPV, principalmente o HPV 16.
Endometriose
A endometriose apresenta cistos com conteúdo 2- Micropápulas
hemorrágico ou áreas azuis bem-delimitadas. Não so- Lesões de limites definidos, planas ou em rele-
fre modificações com ácido acético e, dependendo da vo. Ocorrem associadas com condiloma acuminado.
presença de glicogênio, o lugol vai se fixar na mucosa O achado histológico revela alterações induzidas pelo
que recobre o cisto. HPV ou a denominada papulose bowenoide (carcino-
ma in situ da vulva ou NIV III). O achado de pápulas
com HPV relaciona-se aos tipos 16 e 18 do vírus.
Ulceração
Pode ser encontrada em cervicites que atingem 3- Condiloma acuminado
o tecido conjuntivo ou o câncer do colo do útero. En- Lesões típicas com aspecto de couve-flor. Apre-
tre os causadores de ulceração, temos a infecção por senta-se, à histologia, com acantose e hiperplasia da
herpes-vírus, a tuberculose, a sífilis, o uso prolongado camada basal, paraceratose e inflamação crônica. Os
de tampão vaginal e o colo cauterizado. Em casos de HPVs 6 e 11 são os mais encontrados nesse tipo
dúvida, os locais devem ser biopsiados. de lesão.

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247
28 Colposcopia

4- Mosaico, pontilhado e
vasos atípicos
Semelhantes aos do colo uterino. Podem de-
monstrar aspecto de condiloma plano ou acuminado
e alguns se relacionam com NIV.

Figura 28.7 Zona de transformação com imagens as-


sociadas; o anatomopatológico revelou carcinoma in situ.

Figura 28.4 A e B: epitélio acetobranco denso. Figura 28.8 Mesma paciente com teste de Schilller.

Figura 28.9 Zona de transformação anormal com


epitélio branco de relevo acentuado.
Figura 28.5 Zona de transformação anormal com
epitélio branco e mosaico.

Figura 28.10 Direita: zona de transformação anor-


mal com imagens associadas de mosaico grosseiro,
pontilhado, atipia vascular e orifícios glandulares espes-
Figura 28.6 A e B: zona de transformação; observa-se sados. Esquerda: ectopia papilar, múltiplas papilas com
uma imagem característica de mosaico. aspecto em “cacho de uva”.

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248
Ginecologia

Figura 28.11 Lesão vegetante com sangramento


fácil, superfície irregular, reação acetobranca densa, ob- Figura 28.12 Aspecto colposcópico do colo uteri-
servar pontilhado grosseiro e atipia vascular, sugestivo no normal com orifício uterino ovalado e padrão de
de adenocarcinoma invasivo. epitélio escamoso trófico.

Descubra as pessoas diante das quais você se sente mais ágil, mais criativo
e mais capaz de perseguir seus objetivos de vida.
Mantenha distância de pessoas que o fazem sentir-se apreensivo ou que o inflenciam a duvidar de si mesmo.
Acima de tudo, fique afastado das pessoas que o esgotam,
fazendo com que a sua energia seja toda consumida na tentativa de manter o relacionamento.
Dennis F. Augustine

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

29
Fisiologia mamária

Algumas vezes, após o nascimento ou durante o


Embriologia primeiro ano de vida do bebê, observamos nele uma
secreção láctea pelas glândulas mamárias. Isso é fisio-
As glândulas mamárias são um tipo modificado e
lógico e pode ocorrer por estímulo dos hormônios cir-
especializado de glândula sudorípara.
culantes da mãe ou da própria fisiologia da glândula.
Na 4ª semana de vida intrauterina (VIU), sur- Vulgarmente, chamamos o fenômeno de leite de bru-
gem vários espessamentos ectodérmicos paramedianos, xa e a conduta deve ser expectante.
que se estendem ao longo do corpo, formando as linhas
ou cristas mamárias, da região axilar até a inguinal. O desenvolvimento das glândulas mamárias é
idêntico desde a idade fetal até o início da puberdade
Os brotos mamários desenvolvem-se como inva- para ambos os sexos.
ginação dessas cristas mamárias espessadas e começam
a se desenvolver durante a sexta semana de vida in- No sexo feminino, a puberdade desperta o cres-
trauterina, como invaginações compactas da epiderme cimento anatômico visível, principalmente à custa de
que crescem em direção ao mesênquima subjacente. tecido conjuntivo e aDIPAoso.
Cada broto logo origina vários outros que se de- O desenvolvimento completo e o preparo dos al-
senvolvem em ductos lactíferos e seus ramos. A ca- véolos para lactação só ocorrerão se houver gravidez
nalização desses brotos é induzida pelos hormônios de termo.
placentários. Esse processo continua até o final
Duas raras anomalias congênitas são a atelia (au-
da gestação. No final do período fetal, a epiderme
sência de papila) e amastia (ausência de mama), que
no local de origem da glândula forma uma depressão.
podem ocorrer unilateralmente ou bilateralmente.
No recém-nascido, essa área continua deprimida até
os mamilos se elevarem acima dessa depressão, o que A polimastia (mais de uma mama) e a politelia
ocorre pela proliferação do tecido conjuntivo que cir- (mais de uma papila) ocorrem em cerca de 1% da po-
cunda a aréola. pulação feminina e são condições hereditárias.
250
Ginecologia

Figura 29.1 Representação do desenvolvimento das glândulas mamárias.

Figura 29.2 Mamilos supranumerários e tecidos podem surgir ao longo da “linha do leite”, uma linha embrionária.

Morfologia das mamas


As mamas femininas são órgãos pares situados na região superior da parede anterior do tórax sobre o mús-
culo peitoral maior e separados pelo sulco intermamário. Embora possam existir variações, seus limites topográ-
ficos são:
€ limite superior – segundo arco costal;
€ limite inferior – sexto arco costal;
€ limite medial – borda do esterno;
€ limite lateral – linha axilar anterior.

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251
29 Fisiologia mamária

Figura 29.3 Anatomia da mama demonstrando posição e estruturas principais.

O mamilo (ou papila) está localizado centralmente, exceto por uma pequena área sobre a quarta costela,
envolto pela aréola. A aréola é um espessamento cutâneo de onde se originam os dois brotos mamários e o ma-
hiperpigmentado, de formato circular, medindo entre 4 e milo. Esse evento ocorre na quinta semana de gesta-
6 cm, geralmente situado na projeção do 4º arco costal. Na ção e é coincidente com o desenvolvimento dos órgãos
cútis areolar, existem saliências denominadas glândulas urogenitais. A politelia ocorre quando há falha da re-
de Morgani, que são glândulas sebáceas modificadas, as gressão da crista mamária. A persistência da crista em
quais se hipertrofiam na gravidez e secretam material pontos diferentes dos habituais ocasiona a formação
gorduroso com a função lubrificar a papila. As saliências de mais brotos mamários acessórios e de um mamilo
cutâneas dessas glândulas hipertrofiadas na gravidez para cada ponto de falha de regressão da crista. Des-
são conhecidas como tubérculos de Montgomery. sa forma, a politelia pode ser unilateral ou bilateral. O
A papila é uma formação cilíndrica com largura e altura número de mamilos acessórios é variável.
de aproximadamente 1 cm e está localizada no centro da
aréola, onde existem de 15 a 25 óstios, que correspon-
dem cada um à drenagem dos ductos galactóforos princi-
pais. A papila é composta por epitélio infiltrado por fibras
musculares lisas circulares e longitudinais. A contração
do músculo liso, induzida por estímulos táteis, sensiti-
vos ou autonômicos, produz a ereção da papila e causa o
esvaziamento dos ductos lactíferos. O processo de ereção
é sustentado por estase venosa no tecido vascular erétil.
Alguns folículos pilosos podem ser encontrados em tor-
no da circunferência areolar.
Mamilos supranumerários, ou tecido mamário,
estão presentes, eventualmente, ao longo da linha
mamária, que se estende a partir da axila durante o
desenvolvimento embrionário. Figura 29.4 Imagem de mamilos acessórios (ou
Politelia é o nome dado à presença de um ou mais supranumerários).
mamilos (papilas) supranumerários. Conforme descri-
to previamente na embriogênese normal, a crista ma- A politelia é evidente no nascimento e o exame
mária surge e se estende da axila até a face medial das físico de todo  recém-nascido deve identificar o nú-
coxas. Normalmente, a crista regride completamente, mero e a localização das papilas (mamilos). Diversas

SJT Residência Médica – 2016


252
Ginecologia

anomalias congênitas foram associadas à politelia,


notadamente as do trato geniturinário, que se de- Anatomia
senvolve na mesma semana de gestação em que há
regressão da crista mamária. As anomalias genituri-
nárias mais comuns são a agenesia renal, a doença
Irrigação sanguínea
obstrutiva renal e os rins supranumerários. A polite- A mama é intensamente vascularizada por ra-
lia pode passar despercebida nos indivíduos adultos. mos colaterais das artérias torácica interna, torá-
O local mais comum para encontrar uma papila cica externa, subclávia, axilar e ainda por ramos
supranumerária é no sulco inframamário. No intercostais.
entanto, em qualquer dos pontos da crista mamária, As veias seguem os mesmos trajetos das artérias
inclusive no abdome, a papila supranumerária pode e o sistema profundo drena para as tributárias per-
ser encontrada. Raramente, a papila supranumerária furantes da torácica interna, para a veia axilar e
encontra-se fundida à papila normal. para as intercostais.
A dimensão da mama é muito variável, depen- As conexões das veias intercostais com o plexo
dendo de fatores genéticos, de faixa etária, do peso cor- venoso vertebral levam as metástases do carcinoma
póreo e do número de gestações. Normalmente, na aos ossos e ao sistema nervoso.
mulher adulta, pesa de 400 a 500 g de cada lado,
dobrando o peso no ciclo gravídico-puerperal.
A mama feminina é composta por tecido glandu-
lar e fibroso, tecido subcutâneo e gordura retromamá-
Inervação
ria. O tecido glandular é organizado em 15 a 25 lobos A inervação é dada principalmente pelos ramos
em cada mama, os quais se irradiam a partir do ma- cutâneos ventrais dos 2º, 3º, 4º, 5º e 6º nervos inter-
milo. Cada lobo é composto por 20 a 40 lóbulos; cada costais e nervos supraclaviculares, originários do ple-
lóbulo consiste em células acinares produtoras de leite xo braquial.
que desaguam em ductos lactíferos. Tais células são
pequenas e imperceptíveis nas mulheres não grávidas
e não lactantes. Um ducto lactífero drena leite para
cada lobo na superfície do mamilo. Drenagem linfática
A camada de tecido fibroso subcutâneo propor- Pode-se dividir a rede linfática em três porções, a
ciona suporte para a mama. Ligamentos suspenso- saber: superficial, intramamária e profunda.
res (ligamentos de Cooper) estendem-se a partir da A porção superficial é formada pelo plexo subcu-
camada de tecido conectivo pela mama e fixam-se à tâneo localizado entre a pele e a fáscia superficial da
fáscia muscular subjacente, proporcionando ainda mama, para a qual drena-se o fluxo da pele e do teci-
maior suporte. Os músculos que formam o assoalho do celular subcutâneo. A direção de fluxo deste plexo
da mama são o peitoral maior, o peitoral menor, o ser- é predominantemente central no sentido da aréola e
rátil anterior, o grande dorsal, o subescapular, o oblí- então para a axila. Uma pequena parte do sistema dre-
quo externo e o reto abdominal. na diretamente para a axila.
O suprimento vascular da mama ocorre prima- Na sua porção intramamária, a rede é consti-
riamente por meio de ramos da artéria mamária in- tuída por um extenso plexo linfático localizado em
terna e da artéria torácica lateral. Essa rede fornece volta de cada lóbulo e por um plexo linfático pe-
a maior parte do aporte sanguíneo aos tecidos pro- riductal envolvendo os ductos galactóforos. Essa
fundos da mama e ao mamilo. As artérias intercostais porção intramamária da rede linfática, de qualquer
auxiliam no suprimento aos tecidos mais superficiais. quadrante, converge para região central da mama,
As gorduras subcutânea e retromamária que en- para o plexo linfático subareolar (plexo de Sappey)
volvem o tecido glandular formam a maior parte do e segue para a axila.
volume mamário. As proporções de cada componente Na parte mais posterior da mama, existe o ple-
variam com a idade, o estado nutricional, a gravidez, a xo linfático fascial profundo, para o qual drenam-se
lactação e a predisposição genética. as estruturas lobulares mais profundas. Ele se situa
A propósito do exame físico, a mama é dividida sobre a fáscia do músculo peitoral maior. O plexo pro-
em seis segmentos: cinco quadrantes e uma cauda. fundo pode dirigir seu fluxo linfático para o plexo pe-
A maior parte do tecido mamário localiza-se no qua- riductal e retroareolar (e então para a axila), para os
drante superior lateral. O tecido mamário estende-se linfonodos de Rotter dispostos entre os dois múscu-
a partir desse quadrante até a axila, formando a cauda los peitorais (rota de Groszman), para a cadeia torá-
de Spence. Na axila, o tecido mamário encontra-se em cica interna, para os linfonodos transdiafragmáticos
contato direto com os linfonodos axilares. (rota de Gerota) ou, ainda, para mais de um local.

SJT Residência Médica – 2016


253
29 Fisiologia mamária

Estima-se que a cadeia axilar receba 97% do fluxo linfático de mama e a cadeia torácica interna, em
torno de 3%.
Na região axilar, estão contidos em média 20 linfonodos, cuja distribuição topográfica foi classificada
por Berg em três níveis:
€ Nível I: localizado abaixo da margem inferior do músculo peitoral menor, contém em média de 12 a 15 linfo-
nodos.
€ Nível II: localizado entre a margem superior e inferior do músculo peitoral menor, ou seja, atrás dele, e contém
de 4 a 6 linfonodos.
€ Nível III: localizado acima da margem superior do músculo peitoral menor, entre este e o ápice da axila, e con-
tém de 3 a 5 linfonodos.
Entre os dois músculos peitorais, existe a cadeia linfática de Rotter, com 1 ou 2 linfonodos.

Figura 29.5 Drenagem linfática da mama.

Na cadeia torácica interna existem em média 4-6 linfonodos, com distribuição variável nos espaços intercos-
tais, em média um por espaço. No primeiro e no segundo espaço, os linfonodos geralmente são mediais aos vasos
torácicos internos, e nos espaços inferiores, ocupam geralmente a borda lateral desses vasos, que se localizam a
aproximadamente 2 cm da borda do osso esterno. Os linfonodos situam-se abaixo do músculo intercostal, entre os
arcos costais, logo na frente do folheto parietal da pleura; algumas vezes, localizam-se na face posterior da costela.
Aproximadamente 20% das mulheres apresentam linfonodos intramamários. Eles podem estar dispos-
tos em qualquer quadrante e parecem não estar associados às vias usuais de drenagem linfática da mama.

Alterações durante o ciclo menstrual


As glândulas mamárias da mulher sofrem importantes alterações morfofuncionais durante o ciclo menstrual,
portanto, em repouso.

Fase proliferativa
A mama, em geral, apresenta glândulas pouco desenvolvidas, ou seja, os lóbulos mostram-se compactos
e com luz mal definida. Não se observam figuras de mitose e a maioria das células epiteliais possui núcleos pe-
quenos, irregulares, escuros e ricos em heterocromatina. O estroma mamário apresenta quadro semelhante; é
compacto e constituído por fibroblastos, contendo núcleos irregulares e ricos em heterocromatina. Esses dados
indicam ser pequena a atividade celular.

SJT Residência Médica – 2016


254
Ginecologia

te das glicosaminoglicanas, diminuindo com isso a


Fase secretora água de solvatação e o turgor da mama. Com o avan-
Nesta fase, os lóbulos mamários mostram-se çar da idade, o tecido conjuntivo denso vai sendo
bem mais desenvolvidos e ricos em tecido conjuntivo substituído por tecido aDIPAoso. Os ligamentos de
frouxo. As células epiteliais apresentam núcleos regu- Cooper tornam-se atróficos e, com isso, a mama as-
lares, volumosos e ricos em eucromatina. É frequente
sume forma pendular.
o achado de figuras de mitose. O estroma mamário
possui fibroblastos bem-desenvolvidos, com núcleos
ricos em eucromatina, sugerindo intensa síntese.

Menstruação
Alguns dias antes do início da fase menstrual, as
mamas tornam-se mais volumosas e tensas, podendo
se apresentar dolorosas à palpação. Com o início da
menstruação, as mamas em geral diminuem de volu-
me, devido principalmente à perda de substância in-
tercelular amorfa e consequente diminuição da água
de solvatação.

Alterações no ciclo
gravídico-puerperal
Figura 29.6 Quadrantes da mama esquerda e cauda
axilar de Spence.
Gravidez
Com o progredir da gestação, as mamas aumen- Padrões de drenagem linfática
tam de tamanho, principalmente pelo maior desen- Área da mama Drenagem
volvimento do parênquima. Em relação ao estroma,
Superficial
os fibroblastos tornam-se mais volumosos e secretam
principalmente glicosaminoglicanas. O crescimento é Quadrante supe- Linfonodos escapular, braquial,
bem evidente até o sexto mês de gravidez. rior lateral intermediários em direção aos lin-
Concomitantemente a esses eventos, ocorre re- fonodos axilares
modelação do tecido conjuntivo, no qual parte do con- Porção medial Cadeia mamária interna em di-
reção à mama contralateral e ab-
juntivo interlobular (denso) pode ser substituído por
dome
tecido epitelial. Ocorre, ainda, nítido aumento dos áci-
Profunda
nos no interior dos alvéolos. Nessas áreas, há grande
proliferação de capilares dilatados e tortuosos. Parede e porção Linfonodos axilares posteriores
torácica posterior (subescapulares) do braço
Parede torácica Linfonodos axilares anteriores
anterior (peitorais)
Braço Linfonodos axilares laterais (bra-
Involução na quiais)
Área retroareolar Linfonodos interpeitorais (de Rot-
pós-menopausa ter) na cadeia axilar
Aréola e mamilo
Na pós-menopausa, a mama sofre um processo Linfonodos axilares médios, subclaviculares e supraclavi-
de atrofia. No parênquima, os ácinos desaparecem e culares
o sistema de ductos se reduz. O estroma perde par- Tabela 29.1

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

30
Propedêutica mamária

Anamnese e exame físico


Após a abordagem clínica, o exame físico deve
respeitar uma cronologia propedêutica padrão.

Inspeção estática
A inspeção estática analisa o número de mamas,
sua simetria, forma, volume, contorno e modificações
de pele (que podem ser edema e eritema – sugestivos
de mastite, retração da pele, infiltração por células
neoplásicas ou ulceração – sugestivos de tuberculose
mamária ou carcinoma avançado e circulação colateral
– como nos casos de gestação e sarcomas).

Inspeção dinâmica
Visa a contratura do músculo peitoral maior, para re-
alçar a presença de nódulos ou outras lesões, como retra-
ções ou abaulamentos. Para realizar a inspeção dinâmica,
a paciente deve colocar as mãos na cintura e pressioná-las
contra esta, no intuito de contrair a musculatura peitoral
e, como segunda manobra, ela deve elevar os braços.
256
Ginecologia

Figura 30.3 Varredura da parede torácica. Arraste a


palma da sua mão desde a clavícula até o mamilo, co-
brindo a área desde o esterno até a linha axilar média.

Figura 30.1 Inspecione as mamas nas seguintes


posições. A: braços estendidos sobre a cabeça; B:
mãos pressionadas contra os quadris; C: pressionan-
do as mãos juntas (uma forma alternativa de contrair Figura 30.4 Palpação digital bimanual. Arraste seus
os músculos peitorais); D: inclinando-se para frente a dedos pelo tecido mamário, comprimindo-o entre seus
partir da cintura. dedos e a superfície palmar de sua outra mão.

Palpação
Pode ser pela técnica de Vealpeau (com as
mãos espalmadas) ou pela técnica Bloodgood (dedi-
lhamento). Todos os quadrantes devem ser avaliados.
A expressão dos mamilos na busca de fluxo papilar
também deve ser realizada por meio da compressão da
base da papila, em toda a sua volta, quando a paciente
se queixar de secreção mamilar.
Figura 30.5 Palpação da cauda de Spence.

Figura 30.2 Vários métodos para a palpação da


mama. A: palpe desde o ápice até abaixo da mama em
faixas verticais; B: palpe em círculos concêntricos; C:
palpe de forma centrífuga em seções em cunha. Figura 30.6 Palpação da axila para linfonodos.

SJT Residência Médica – 2016


257
30 Propedêutica mamária

deve ser feita anualmente, sempre em conjunto com


a ultrassonografia. Nesses casos, a indicação conjunta
de ressonância magnética é útil e, idealmente, pode
ser considerada, mas, na prática, este exame, além de
caro, é disponível em poucos centros.
A proposta para que as mulheres realizem exa-
me das próprias mamas surgiu em 1952 e tem sido
utilizada desde então. As campanhas normalmente
são realizadas nos meios de comunicação. É preciso
atentar para o treinamento adequado dessas mulhe-
res, com material didático específico e explicações
Figura 30.7 Tipos de fluxo mamilar. A: descarga lei- pormenorizadas.
tosa; B: descarga multicolorida pegajosa; C: descarga
purulenta; D: descarga aquosa; E: descarga serosa; F: ATENÇÃO: a realização do autoexame mensal
descarga sanguinolenta. tem sido questionada porque reconhece nódulos
a partir de 1 cm de diâmetro, enquanto a mamo-
grafia é capaz de detectar lesões muito menores.
Porém, no Brasil, onde a cobertura mamográfica é
Pesquisa de linfonodos insuficiente e o número de casos avançados é mui-
Os linfonodos axilares, supra e infraclaviculares, to grande, o método é importante. Com certeza, as
interpeitorais e cervicais são inspecionados por meio complicações do câncer de mama descoberto com
da palpação da axila e da fossa supraclavicular. 1-3 cm pelo autoexame são muito menores do que
aquelas verificadas nos tumores volumosos, diag-
As principais queixas em mastologia são mastal- nosticados com mais de 5 cm.
gia, nodulação e fluxo papilar. A ordem de incidência
difere de acordo com a especialidade. Por exemplo, no
consultório de ginecologia, a queixa mamária mais
frequente é a mastalgia, já no consultório de mastolo- Como realizar o autoexame –
gia, é a presença de nódulo.
informação à população
Nos casos de fluxo papilar, deve-se atentar se é
uniductal ou por múltiplos ductos, além da coloração A mulher pode fazer a detecção precoce do cân-
da secreção, que pode ser esverdeada, cristalina (em cer de mama por meio de um exame visual e de palpa-
água de rocha) ou hemorrágica. O ponto cuja expres- ção. Esse exame deve ser realizado cerca de sete dias
são gera o fluxo papilar é chamado de ponto de gatilho. após a menstruação ou, para aquelas que não mens-
Das descargas papilares, 35 a 48% são causadas pelo truam mais, uma vez por mês (por exemplo, na data
papiloma intraductal, 17 a 36% pela ectasia ductal e 5 do aniversário).
a 21% pelo carcinoma mamário.

Exame visual
1) Em frente ao espelho, olhe suas mamas, pro-
Exames subsidiários curando alterações nos mamilos, pregas na pele e/ou
e autoexame covinhas.
2) Junte as mãos atrás da cabeça e empurre-as
Para a detecção precoce do câncer de mama na para a frente. Observe se há alguma mudança na pele
população geral, as recomendações vigentes são: ou na forma das mamas.
€ Mamografia anual, a partir dos 40 anos de idade; 3) Aperte as mãos firmemente contra seus qua-
em mamas radiologicamente densas, preconiza dris e dobre-se um pouco para a frente. Observe com
-se a associação com ultrassonografia. muita atenção se a pele ou a forma das mamas sofre
alguma mudança.
€ Exame físico anual, por médicos e enfermeiros, a
partir dos 25 anos.
€ Autoexame mensal, a partir dos 25 anos.
Para as mulheres de alto risco hereditário de cân- Palpação
cer de mama, a primeira mamografia deve ser solicita- 1) Deite-se com uma almofada pequena embaixo
da 10 anos antes da idade em que a parente de primei- das costas do lado direito, com o braço deste mesmo
ro grau teve câncer de mama. Depois, essa solicitação lado debaixo da nuca.

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258
Ginecologia

2) Com os três dedos do meio de sua mão esquer- calcificações são as menores de 2 mm e são as mais
da, examine a mama direita, firme e cuidadosamente, preocupantes, pois, em geral, macrocalcificações estão
em toda sua extensão. Comece pela superfície externa, associadas a processos benignos.
apertando a parte média e plana de seus dedos contra a
mama. Mova-os em pequenos círculos de fora para den- d) presença de alterações estruturais – retração
tro, até chegar ao mamilo. Preste atenção se existem cutânea, espessamento de pele, adenopatia axilar, hi-
massas ou inchaços que você não tenha notado antes. pervascularização e distorção de arquitetura.
3) Repita o procedimento para examinar a mama Considera-se como sinal primário de malignidade a
esquerda. presença de nodulações e, como sinal secundário, micro-
4) Agora, de pé, toque suavemente a mama direi- calcificações, espessamentos, retração e adenopatia axilar.
ta com os dedos da mão esquerda, começando na axila Já como sinais indiretos de malignidade, temos: distorção
e movendo pouco a pouco a mão ao redor da mama em da arquitetura mamária, assimetria e neodensidade.
direção ao mamilo.
5) Inverta a posição para examinar o lado esquer-
do. Esse exame pode ser feito também durante o ba-
nho, já que, com o peito ensaboado, os dedos deslizam
facilmente e não é preciso pressionar.
Consideram-se os métodos por imagem mais
importantes para a detecção precoce do câncer de
mama, a saber: mamografia (que identifica lesões
suspeitas a partir de 1 mm) e ultrassonografia.

Mamogra昀椀a
Figura 30.8 Mulher sendo posicionada no mamógrafo.
A mamografia deve ser realizada em duas inci-
dências obrigatórias, a craniocaudal e a oblíqua mé-
dio-lateral. Como é necessário que se faça compressão
do tecido mamário durante o exame, existe a sensação
de incômodo na maioria das vezes. Para minimizar
esse inconveniente, recomenda-se que as mamogra-
fias sejam feitas na primeira fase do ciclo menstrual,
quando as mamas estão menos túrgidas. Além disso,
é aconselhável a prescrição de um analgésico comum
por via oral aproximadamente 15 minutos antes da re-
alização do exame. No caso de alterações suspeitas, a
mamografia pode ser complementada com a compres-
são localizada, que visa desfazer estruturas sobrepos-
tas. Essa compressão é indicada nos casos de assime-
tria focal ou com a magnificação, que amplia uma área
desejada e é indicada nos casos de microcalcificações.
A análise da mamografia deve levar em considera-
ção a idade da paciente, paridade, ciclo menstrual, utili-
zação de hormônios, perda de peso, cirurgias mamárias
prévias e o motivo pelo qual a mamografia foi solicitada
(rastreamento ou alterações no exame físico).

Um laudo mamográ昀椀co adequado


deve informar:
Figura 30.9 Ductografia de dois casos. A: a falha de
a) padrão do parênquima – densidade mamária. enchimento representa papiloma intraductal; B: as
b) presença de lesões focais – massas ou nódulos. múltiplas falhas de enchimento, associadas à presença
c) presença de calcificações – tamanho, núme- de calcificações pleomórficas, representam carcinoma
ro, localização, distribuição e morfologia. As micro- ductal.

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259
30 Propedêutica mamária

Categorização dos achados imagiológicos da mama


– Sistema BI-RADS (Breast Imaging Reporting and Data
System)
A mamografia necessita de comple-
Categoria 0 mentação, seja por meio de incidên-
(inconclusívo) cias complementares, seja com outros
métodos de imagem.
Categoria 1 Não há alteração detectável ao exa-
(exame negativo) me. Sugere-se controle anual.
Os achados descritos no exame são
claramente benignos, como calcifica-
Categoria 2 ções anelares, arteriais, “em pipoca”,
(achados em “leite de cálcio”, em microcistos,
benignos) múltiplas secretórias, cutâneas, em
Figura 30.10 Lesão de quadrante lateral. Craniocau- fios de sutura. A sugestão de condu-
dal (A), oblíqua médio-lateral (B) e perfil 90 graus (C). ta é a realização de mamografia anual.
Nesta categoria, incluem-se aquelas
alterações que não podem ser clas-
sificadas como definitivamente be-
nignas. O risco de malignidade cor-
responde de 3 a 5% neste grupo de
lesões, o que justifica a recomendação
de exame mamográfico a intervalos
mais curtos durante algum tempo,
para observação da estabilidade ou
Categoria 3 não da lesão. Dependendo da ansieda-
(achados de de cada paciente e da história pes-
provavelmente soal de cada uma (por exemplo: his-
benignos) tórico familiar de câncer de mama), a
investigação histológica pode ser indi-
cada para esclarecimento diagnóstico
definitivo. Como nódulos nessa cate-
goria, temos nódulo sólido, circuns-
Figura 30.11 Nódulo ovoide, com radiodensidade crito, não calcificado, com forma re-
mista, no quadrante superior lateral da mama direita. donda, oval ou macrolobulada. Como
microcalcificações, temos as redondas
ou ovais, do mesmo tamanho e difu-
samente distribuídas.
Neste grupo, estão incluídas aquelas
lesões com algum grau de suspeição e
cerca de 20 a 30% delas podem ser efe-
tivamente malignas. A avaliação his-
tológica deve ser indicada. Esta cate-
goria é dividida em 4A (suspeita leve),
4B (suspeita moderada) e 4C (suspei-
ta forte). Como lesões dessa categoria,
temos nódulo sólido, redondo, oval ou
macrolobulado com calcificações as-
sociadas, algumas irregularidades das
margens, microlobulação e/ou mais de
25% de suas margens obscurecidas. As
Categoria 4 microcalcificações são:
(achados € Com distribuição regional,
suspeitos) segmentar, linear ou focal (a não
Figura 30.12 Ultrassonografia mostrando imagem ser que apresentem morfologia ti-
picamente benigna – anelares, em
muito hipoecoica, irregular, com forte atenuação acús- “leite de cálcio” etc.), mesmo que
tica posterior, altamente suspeita de malignidade. apresentem morfologia uniforme.
€ Agrupadas, e alguma(s)
apresenta(m) morfologia dife-
O Colégio Americano de Radiologistas esta- rente das demais.
beleceu uma padronização de laudo mamográfico € Puntiformes, de tamanhos varia-
e categorização dos achados que tem logrado obter dos, agrupadas.
grande aceitação em todo o mundo, conhecida como € Agrupadas que não estavam pre-
classificação BI-RADS (Breast Imaging Reporting sentes em exame anterior (a não
ser que apresentem morfologia
and Data System): tipicamente benigna).

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260
Ginecologia

Categorização dos achados imagiológicos da mama


– Sistema BI-RADS (Breast Imaging Reporting and Data
System) (cont.)
Entre 80 e 90% dos achados neste
grupo correspondem a lesões ma-
lignas. Como a chance de maligni-
dade é muito alta, a investigação
Categoria 5
histológica é obrigatória. Tipica-
(achados altamen-
mente, nos casos de nódulo, a lesão
te suspeitos
é irregular, com espiculação, com
de malignidade)
ou sem calcificação; e as microcalci-
ficações são lineares e verniformes,
desenhando trajetos dos ductos ou
Figura 30.13 Ultrassonografia. Imagem hipoecoica
pleomórficas.
irregular, na região retroareolar direita, corresponden-
Esta nova categoria inclui lesões do à assimetria focal descrita na mamografia.
biopsiadas, com diagnóstico de ma-
Categoria 6
lignidade, mas sem sua retirada ou
tratamento definitivo
Tabela 30.1

Ultrassonogra昀椀a (USG)
mamária
O princípio da ultrassonografia para diagnóstico
por imagem é o fenômeno de reflexão, à medida que
o feixe ultrassônico, ao atingir meios de diferentes
densidades, é parcialmente refletido, e a qualidade de
ondas refletidas depende da impedância acústica dos Figura 30.14 Ultrassonografia. Imagem anecoica
tecidos. Para se realizar o exame, é necessário que a com componente hiperecoico que não se modifica às
paciente se deite em decúbito dorsal, com os braços alterações de decúbito, correspondendo ao nódulo de-
scrito na mamografia. Apresenta fluxo ao Doppler em
elevados. Inicia-se a passagem sistemática do transdu-
cores (não mostrado). Trata-se de um cisto complexo
tor pelos cinco quadrantes de cada mama, em secções
(com componentes cístico e sólido).
transversais e longitudinais, incluindo a região retro-
areolar (quadrante central). Qualquer achado anormal
precisa ser analisado minuciosamente por meio de Como nos laudos mamográficos, os ecográficos
inúmeros “cortes” ultrassonográficos sobre a área. devem ser descritivos e conclusivos, evitando-se ter-
A USG mamária NUNCA substitui a mamo- mos de descrição histopatológica.
grafia no rastreamento do câncer de mama e A proposta para classificação dos laudos ecográ-
não deve ser solicitada como exame de rastrea- ficos que mais tem sido empregada é o Modelo BI-
mento. A ultrassonografia é quase sempre indicada RADS, revisto recentemente (dezembro de 2003).
em conjunto com a mamografia; os dois métodos se
completam. As principais indicações de ultrassono- Categoria 1 – Negativo
grafia mamária são as seguintes: € Sem achados ultrassonográficos
€ Rastreamento de câncer em mamas densas ou € É necessário ter mamografia para correlação
jovens. Conduta: nada a fazer.
€ Esclarecimento e caracterização de nódulos ma- Categoria 2 – Achado benigno
mográficos para discernir quanto à presença de € Cistos simples
conteúdo líquido. € Cistos com debris
€ Monitorização de punções esvaziadoras de cistos. € Cistos septados
€ Orientação de biópsias de fragmento (core) ou € Linfonodo intramamário
mamotomias. € Alterações pós-cirurgia e/ou radioterapia
€ Pesquisa de recidivas locais em mamas operadas Conduta: nada a fazer. Não é necessário controle. Pode-se
e irradiadas ou após reconstrução mamária. indicar punção se o cisto for palpável e/ou se a paciente for
€ Diagnóstico de ginecomastia. sintomática.

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261
30 Propedêutica mamária

Categoria 3 – Achado provavelmente benigno Categoria 0 – Avaliação adicional


€ Nódulo hipoecoico, sólido: € Indicação de outros exames:
- ovalado com eixo AP < transverso; - mamografia: se a ultrassonografia for exame inicial;
- ecotextura homogênea; - ressonância magnética: para diferença entre fibrose e re-
- parede regular ou com até três lobulações; cidiva;
- com ou sem reforço posterior; - indicação para comparar com exames anteriores se hou-
- sem atenuação posterior; ver alteração e se a comparação for imprescindível para a
€ Nódulo hipoecoico: avaliação final.
- áreas com ecotextura mista, que possam representar Tabela 30.2
abscesso;
- nódulo com escassos ecos, que pode representar cisto
com líquido espesso ou nódulo sólido (*).
Conduta: controle ultrassonográfico por três anos (seis
meses, seis meses, um ano, um ano) para confirmar a
estabilidade da lesão e, consequentemente, o caráter
benigno.
(*) Indicar punção aspirativa com agulha fina para diag-
nóstico diferencial entre tumor sólido ou cístico e realizar
estudo histopatológico se a lesão for sólida ou se houver
necessidade de realizar diagnóstico com presteza (Exem-
plo: indicação de terapia hormonal, lesão suspeita homo-
lateral ou contralateral).
Categoria 4 – Achado suspeito
Pode ser subdividida em:
€ 4A - Baixa suspeição
€ 4B - Suspeição intermediária
Figura 30.15 Nódulo sólido com ecos internos gros-
€ 4C - Suspeição alta, mas não tão alta quanto na cate- seiros: carcinoma.
goria 5, de acordo com as características morfológicas
€ nódulo hipoecoico, sólido:
- ovalado, com eixo anteroposterior maior que o transver-
so: 4C;
- ecotextura heterogênea ou mista: 4B;
- parede com mais de três lobulações: 4B;
- parede irregular: 4B;
- com atenuação (sombra) posterior: 4B.
€ nódulo com características morfológicas de categoria 3,
porém, palpável: 4A
€ cisto com vegetação no interior: 4B
€ áreas irregulares, com ecotextura heterogênea, sem
história de cirurgia: 4C Figura 30.16 Nódulo sólido mamário com diâmetro
Conduta: estudo histopatológico. transverso maior que o longitudinal (setas).
Categoria 5 – Achado altamente suspeito
€ Nódulo hipoecoico, sólido:
- ovalado com eixo anteroposterior maior que o trans-
verso;
- ecotextura heterogênea;
- parede irregular;
- com atenuação (sombra) posterior.
Conduta: estudo histopatológico.
Categoria 6 – Achados

Já com diagnóstico de câncer:


€ Em casos em que o diagnóstico de câncer já foi realizado
por core biopsy, biópsia, mamotomia ou biópsia cirúrgica
incisional;
€ Casos de avaliação de resposta à quimioterapia adjuvante. Figura 30.17 Nódulo sólido mamário com diâmetro
longitudinal maior que o transverso (cruzes).

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262
Ginecologia

calibre 11-8 G e é adaptada a um sistema de disparo


automático acoplado a uma máquina geradora de vá-
cuo. Também pode ser orientada por ultrassonografia
ou por mamografia.
A realização de uma Paaf (punção aspirativa com
agulha fina) obtém material para a análise citológica,
apresentando uma sensibilidade de 80%, especifici-
dade de 100% e falso-positivo de 0,2%. Nos casos de
lesões impalpáveis, essa agulha deve ser guiada por
USG. Por tratar-se de um estudo citológico, obtém-
-se apenas se existem ou não células neoplásicas, não
diferenciando se existem ou não áreas de invasão da
membrana basal, portanto, sem diferenciar carcinoma
Figura 30.18 Lesão focal, cística, com formação sóli- in situ de carcinoma invasivo. Sua grande indicação é
da (vegetação) em seu interior. o esvaziamento de cistos.
A biópsia cirúrgica pode ser incisional (retirar
parte da lesão) ou excisional (retirar a lesão completa)
para a avaliação histológica da lesão.
Biópsias
Nas lesões não palpáveis, as biópsias cirúrgicas
Toda lesão suspeita deve ser biopsiada para ter-
são realizadas sob orientação de fio guia metálico ou
mos um diagnóstico. As alterações suspeitas à mamo-
de radioisótopo (tecnécio – 99 m), introduzidos na
grafia são classificadas como BI-RADS 4 ou 5 e neces-
área suspeita sob orientação de estereotaxia (pela ma-
sitam de estudo anatomopatológico. As mamografias
mografia) ou de ultrassonografia. No momento cirúr-
BI-RADS 3 devem ser reavaliadas com novo exame
mamográfico em 6 meses e não necessitam de biópsia. gico, a dissecção do tecido mamário é guiada pelo fio
metálico e, nos casos de uso de radiofármaco, utiliza-
As biópsias podem ser realizadas por punções -se o probe (contador portátil de radiação gama), ca-
percutâneas ou por procedimento cirúrgico. Como paz de captar uma área de maior radiação e emitir um
punções percutâneas, temos a core biopsy e a mamo- aviso sonoro, identificando a área a ser retirada. Esses
tomia. A core biopsy é executada mediante punção- procedimentos utilizam tecnécio e são chamados de
-biópsia com trocater e permite a retirada de alguns Roll (radioguided occult lesion localisation). No caso
milímetros de tecido. Ela pode ser realizada em nó-
de microcalficações, é fundamental a mamografia da
dulos palpáveis ou ser guiada por ultrassonografia ou
peça cirúrgica para se confirmar a retirada destas.
mamografia para lesões não palpáveis, especialmente
para pequenos nódulos, visto que, para microcalcifica-
ções, seu valor preditivo negativo é inconfiável, pois a
diminuta amostra pode não ser representativa.
A mamotomia promove a obtenção de espécime
tecidual de 1 a 1,5 cm, ideal para pequenos nódulos
(pode levar à sua remoção completa) e para agrupa-
mento circunscrito de microcalcificações das quais se
consegue remoção completa ou exemplares represen- Figura 30.19 Pistola 1.2 (Promag-Manan) para reali-
tativos. A agulha, também do tipo trocater, é grossa, zação de core biopsy.

Ninguém vive o tempo necessário para aprender tudo o que precisa ser aprendido a partir do zero.
Para ser bem-sucedido, precisamos, sem sombra de dúvida,
encontrar pessoas que já tenham pago o preço para aprender a fim de alcançar nossos objetivos.
Brian Tracy

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CAPÍTULO

31
Afecções benignas da mama

nais, como o aumento numérico de ácinos e ductos


Alterações benignas ou a involução lobular, provavelmente não traduzin-
do doença glandular.
Durante a menacme, a mama é um órgão dinâmi- O termo displasia significa alteração do cresci-
co e a atuação hormonal faz com que ocorram modifi- mento e da diferenciação celular com caráter pré-ne-
cações a cada dia no epitélio glandular e no estroma oplásico. Esse fenômeno, na maioria dos casos, não é
conjuntivo. Com a idade, há involução do tecido glan- observado nas lesões mamárias não neoplásicas assim
dular. Assim, pode-se encontrar as unidades funcio- designadas. Torna-se, assim, pouco aceitável consi-
nais (lóbulos) em desenvolvimento, repouso ou atro- derar diferentes alterações englobadas pelo termo
fia. As mamas podem sofrer processos proliferativos displasia como pré-neoplasias. Portanto, o uso indis-
ou involutivos tanto no tecido glandular como no con- criminado do termo “displasia mamária”, além de
juntivo, em maior ou menor intensidade, dependendo incorreto, aumenta desnecessariamente a ansieda-
da sensibilidade hormonal. de de grande número de mulheres.

Denominações impróprias para essas altera- A Sociedade Brasileira de Mastologia, durante a


primeira reunião nacional de consenso, em 1994, suge-
ções têm sido empregadas, tais como: mastite crôni-
riu a substituição do termo displasia mamária para
ca, doença cística da mama, mastopatia fibrocística e
alterações funcionais benignas da mama (AFBM).
displasia mamária, esta a mais utilizada de todas. No Atualmente, este é o termo mais empregado.
entanto, nenhum desses termos tem adequada corres-
pondência anatomopatológica, enquadrando lesões O termo doença fibrocística é também muito
usado, mas seu uso é igualmente equivocado. Ele re-
diferentes sob o mesmo nome, sem refletir seu signifi-
presenta explicitamente uma alteração microscópica e
cado biológico ou seu potencial de malignidade.
não pode ser empregado para designar sintoma ou si-
As alterações mamárias mais comumente nal clínico. O rótulo de doença também é inadequado
encontradas e rotuladas por esses termos são: para várias dessas alterações. Por mais que a mastal-
adenose, cisto, ectasia ductal, fibrose do estroma, gia ocorra em mais da metade da população feminina
metaplasia apócrina e hiperplasia ductal (epiteliose) e ainda que provoque certo incômodo, não pode ser
típica e atípica. Algumas dessas alterações, em graus classificada como doença, se assim o fosse, a maioria
variados, são encontradas em até 90% das mulheres das mulheres deveria ser considerada doente.
consideradas normais e são responsáveis por sinto- A questão da doença fibrocística ser considerada
mas clínicos em cerca de 50% delas. Essas alterações ou não pré-maligna só foi esclarecida cientificamente
refletem, muitas vezes, apenas modificações reacio- quando a miríade de elementos da doença fibrocística
264
Ginecologia

foi estratificada em categorias de risco relativo. Isso e dor fisiológica devido à influência hormonal cíclica
ocorreu a partir de 1985, em conferência de consenso, sobre a mama. A secreção papilar é um sintoma co-
na qual o Colégio Americano de Patologia sugeriu o mum na clínica com muitas causas diferentes, como
abandono do termo doença fibrocística para com- papiloma intraductal, ectasia ductal, cistos infecta-
plexo fibrocístico, dada a alta prevalência do quadro e dos, abscessos, câncer de mama e, raramente, esta-
o pequeno risco de câncer para a maioria das biópsias. dos hiperprolactinêmicos.
O relatório agrupou os elementos da doença fibrocísti-
ca em quatro categorias definidas pelos níveis de risco
para câncer: não proliferativas, proliferativas com e Classificação clínica de Caldwell
sem atipia e carcinoma in situ. I- Lesões sem Nodularidade fisiológica
descarga papilar Mastoplasia: adenose e hiperplasia
epitelial
Intensidade Dimensão Fibroadenoma
Lesões
do Risco do Risco Tumor phyllodes
Não considera- Adenose simples, flo- Cistos
das de risco rida ou esclerosante; Fibroadenolipomas ou harmarto-
macro ou microcis- mas
tos; ectasia ductal; Galactocele
fibroses; hiperplasias Fibromatose
leves (com até quatro Lipoma
camadas de células) e II- Lesões Adenoma
metaplasias apócri- associadas à Lesões papilares
nas descarga papilar Ectasia ductal
Risco leve 1 a 2 vezes Hiperplasias modera- Galactorreia
das (quatro camadas III- Lesões Mastite puerperal e abscessos da lac-
de células); papilomas inflamatórias tação
com eixo fibrovascular Abscesso subareolar crônico recidi-
Risco moderado 5 vezes Hiperplasia ductal ou vante
lobular atípicas Abscessos da mama
Risco acentuado 8 a 10 vezes Carcinoma ductal ou Eczema areolar
lobular in situ Necrose gordurosa
Flebite superficial ou doença de
Tabela 31.1 Lesões mamárias e risco relativo para
Mondor
carcinoma invasivo.
IV- Anormalida- Distúrbios congênitos e adquiridos
des do desenvol-
As lesões benignas da mama são importantes não vimento da dor
só por sua frequência, mas também pelo diagnóstico di- mamária (cíclica
ferencial com o câncer de mama. A patologia mamária ou não cíclica)
benigna pode ter origem congênita, inflamatória, trau- Tabela 31.2
mática, neoplásica ou hormonal, entretanto, a etiologia
de grande parte dessas lesões é obscura. Não está de-
finido se certas condições são o resultado de infecção,
inflamação química, alterações degenerativas da idade
ou metaplasia. Há ainda a possibilidade de essas ano-
Diagnóstico
malias estarem ligadas a influências genéticas e agen- O diagnóstico se inicia com uma história clínica
tes infecciosos como vírus. Não havendo como separar cuidadosa, incluindo a data do exame; a idade da pa-
etiologicamente as afecções benignas da mama de for- ciente; a queixa principal; a data de início, duração e
ma coerente, a classificação das doenças mamárias é ba- características dos sintomas; a presença e as caracte-
seada principalmente em critérios clínicos. rísticas da dor; e a presença da descarga papilar, se bi-
lateral, espontânea ou provocada. O histórico familiar
inclui a pesquisa de casos de câncer de mama. Devem
ser verificados dados obstétricos como paridade, ida-
Conceito e classi昀椀cação de da paciente na primeira gestação e parto, amamen-
tação e tempo. Dieta, estado nutricional e medicações
Para fins didáticos, será adotada a classificação que podem ter como resposta uma alteração mamária
clínica clássica de Caldwell, que divide as lesões de também devem ser investigados.
acordo com a presença ou não de descarga papilar, O exame físico é essencial não só para o diagnós-
lesões inflamatórias, anomalias do desenvolvimento tico correto, mas também para indicar o tratamento

SJT Residência Médica – 2016


265
31 Afecções benignas da mama

apropriado. A presença de massas, eritema, edema, para-areolar. As incisões periareolares são recomen-
retração e ulceração são elementos importantes para o dadas, exceto quando a lesão se localiza muito longe
diagnóstico clínico diferencial entre lesões benignas e da aréola. A anestesia geral raramente é necessária.
malignas. A axila e a fossa supraclavicular deverão ser Pode-se empregar a infiltração local com lidocaína ou
examinadas com a paciente em pé ou sentada. É acha- o bloqueio intercostal.
do usual um espessamento maior do tecido mamário
no quadrante superior externo. Na mulher madura, a
maior parte do tecido mamário se localiza nesse qua-
drante e ao redor do complexo areolar. Não é surpresa, Lesões sem descarga
portanto, que a maioria das patologias mamárias se
localizem nesse local. Também é muito importante a Nodularidade 昀椀siológica
quantidade de tecido gorduroso da mama. Uma mama Podem apresentar-se como nodulações focais
volumosa frequentemente requer o emprego de ou- ou disseminadas por toda a glândula mamária, si-
tros métodos diagnósticos. Os achados físicos devem mulando tumorações quando volumosas. Tais mo-
ser cuidadosamente documentados, de preferência dificações levam as mulheres a descrever as mamas
em forma de diagrama, indicando precisamente o lado como incômodas, pesadas e com áreas císticas de ta-
acometido, o tamanho da lesão e as condições a ela manho variável. A etiopatogenia não é totalmente
associadas. A propedêutica complementar é indicada conhecida, porém, parece evidente que o desequi-
judiciosamente e pode incluir exames como biópsia líbrio entre os níveis de estrogênio e progesterona
aspirativa, biópsia de fragmento e exames de imagem. induz algumas modificações epiteliais e estromais.
Sempre que os resultados forem concordantes, Em casos específicos de tumorações, uma prope-
a avaliação diagnóstica composta pelo exame clínico dêutica adequada se impõe.
mamário, punção aspirativa, ultrassonografia e ma-
mografia têm condições de estabelecer um diagnóstico
clínico bastante confiável. A maioria das doenças be-
nignas da mama pode ser adequadamente investigada Mastoplasia: hiperplasia epitelial e
apenas com o auxílio desses exames. Isso permite o adenose
acompanhamento e o tratamento da doença de forma
A hiperplasia epitelial é o aumento do número
confiável. Atualmente, a biópsia de fragmento tam-
de camadas das células epiteliais (três ou mais) acima
bém tem suas indicações nos casos em que se deseja
da membrana basal, acometendo ductos terminais ex-
esclarecer a natureza da lesão. No entanto, se houver
tralobulares (hiperplasia ductal) ou intralobulares (hi-
qualquer dúvida a respeito do diagnóstico em um caso
perplasia lobular). Ocorre proliferação de células com
de nódulo dominante – ou o médico e a paciente esti-
aumento do diâmetro do ducto. É atípica se houver
verem inseguros ou ansiosos com relação ao diagnós-
atipia do núcleo das células proliferadas ou simples se
tico –, será preciso proceder a biópsia a céu aberto para
não houver. Clinicamente, pode apresentar-se como
o estabelecimento do quadro histopatológico exato.
nódulos ou associada a outras nodulações mamárias.
O examinador deverá ter sempre em mente a
A adenose tumoral é uma doença mamária
possibilidade da presença de uma lesão maligna ou
muito rara, representada microscopicamente por
precursora, uma vez que o diagnóstico precoce segu- um quadro de aumento dos ácinos que crescem a
ramente vai diminuir a mortalidade. ponto de produzir um tumor palpável distinto. Os
tumores são pequenos e firmes, não tão endurecidos
como a maioria dos carcinomas. Entretanto, à palpa-
ção, o diagnóstico diferencial entre esses dois tipos
Tratamento de tumores é difícil. É uma doença da menacme, em
geral acometendo mulheres na quarta década de vida.
Como a maioria dos nódulos mamários benignos
deverá ser ressecada, dois aspectos devem ser consi-
derados com atenção: o estético, já que esses tumores
são mais frequentes em mulheres jovens, e o psicoló-
Fibroadenomas
gico, pois essas pacientes temem o câncer e é neces- São formações nodulares, pseudoencapsuladas e
sário amenizar a ansiedade natural. A incisão nunca resultantes do crescimento do epitélio e do estroma
deve ser radiada, mas sim arciforme, seguindo as li- periductal. Constituem os tumores mais comuns da
nhas cutâneas de Langerhans, que são concêntricas e mama e podem ser vistos em qualquer época após
circulares em torno da aréola e do mamilo. De acordo a puberdade. A incidência é maior na terceira década
com a localização do tumor, quatro vias de acesso po- de vida, acometendo mais frequentemente mulheres
dem ser utilizadas: periareolar, axilar, inframamária e abaixo dos 25 anos de idade. Essas formações nodula-

SJT Residência Médica – 2016


266
Ginecologia

res podem ser observados em mulheres menopausa- na jovem, faz sentido uma conduta seletiva individu-
das, mas o mais provável é que tenham surgido antes alizada, levando em consideração os resultados da pro-
da menopausa e se tornado visíveis após a involução pedêutica, a idade da paciente e a vontade desta.
dos tecidos que os cercam. Se muito pequenos e perceptíveis apenas no exa-
Sua etiologia não é claramente conhecida. Sabe- me de imagem, os fibroadenomas podem ser observa-
-se que o desenvolvimento da mama inicia-se com os dos no exame clínico e imagenológico. Em pacientes
estímulos hormonais que deflagram a puberdade. A com idade inferior a 25 anos, após exame citológico
mama pré-púbere é constituída de reduzido número (punção aspirativa por agulha fina – Paaf) ou histo-
de pequenos ductos. Mediante o estímulo hormonal patológico (biópsia por agulha grossa – core biopsy)
puberal, ocorre o desenvolvimento ductal, com acrés- que afaste malignidade, pode-se aguardar. Nesse caso,
cimo de estruturas lobulares. Os lóbulos desenvol- a paciente é orientada a autoexaminar mensalmente
vem-se especificamente entre 15 e 25 anos de idade e, ao menor sinal de crescimento do nódulo, ela deve
e representam o sítio de origem dos fibroadenomas, retornar ao serviço para reavaliação clínica e ultras-
provavelmente decorrentes de reação anormal e in- sonográfica. O exame físico realizado pelo médico
tenso influxo hormonal fisiológico do período. deve ser realizado semestralmente por três anos
Estudos recentes demonstraram a existência e depois, anualmente. A transformação maligna é
de receptores de estrogênio em fibroadenomas. extremamente rara e nunca ocorre antes dessa ida-
Raramente ocorre no homem e é mais comum na de. Um tipo especial é o fibroadenoma juvenil, que
raça negra. ocorre na puberdade, cresce rapidamente, deforma
a mama e pode ser confundido com massas tumo-
O diagnóstico é essencialmente clínico, da-
rais ou com hipertrofia.
das as características muito típicas desses tumores.
Indolores, bem-delimitados, móveis e de contornos
Nódulo compatível
arredondados ou lobulados, eles apresentam uma
com fibroadenoma
consistência firme e semelhante à borracha, podendo,
quando calcificados, tornarem-se pétreos. Normal-
mente, ao se desenvolver, o fibroadenoma cresce até Idade < 25 anos Idade > 25 anos
atingir 2 a 3 cm de diâmetro e depois se estabiliza.
Mas, na verdade, depois de bem-formado, o compor-
tamento biológico do fibroadenoma é variável e po- Desejo de Opção por
dem ocorrer três possibilidades: regressão espontânea conservação remoção
(total ou parcial), manutenção de tamanho ou cresci-
mento. Os nódulos que persistem após a menopausa
sofrem atrofia e hialinização e, muitas vezes, processo PAAF / core-biopsy
de calcificação.
Geralmente, são únicos, porém, em 15% dos ca- Resultado Resultado
sos, surgem múltiplos na mesma mama ou bilaterais. normal alterado
O achado radiológico característico é de um
nódulo com limites precisos, densidade semelhan- Observação
te à do parênquima mamário e rodeado por peque- semestral por
3 anos
na camada de hipotransparência. A mamografia é
pouco elucidativa nas pacientes jovens, devido à hi-
perdensidade mamária. Nessas pacientes, o uso da Crescimento
ultrassonografia pode detectar uma massa sólida, de
média atenuação acústica, relativamente homogênea
Acompanhamento
e com limites precisos. Nas mulheres menopausadas, é anual Exérese
frequente o achado de calcificações grosseiras no inte-
rior do nódulo. O carcinoma circunscrito mostra mui- Figura 31.1
tas vezes o aspecto clínico e radiológico do fibroadeno-
ma, sendo necessária a confirmação histopatológica.
Cistossarcoma Phillodes
Neoplasia rara, descrita por Mueller em 1938,
Conduta cujo nome é devido ao aspecto macroscópico do tumor
Tendo em vista os conhecimentos sobre o compor- – cisto e phillodes (folha em grego) –, que se apresen-
tamento biológico dos fibroadenomas e reconhecendo- ta como projeções em forma de folhas no interior de
-se a raridade da concomitância com neoplasia maligna cavidades císticas. O termo sarcoma foi utilizado para

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267
31 Afecções benignas da mama

demonstrar o aspecto carnoso do tumor, já que Muel-


Macrocistos
ler sabia tratar-se de tumor benigno. Embora consa-
grada pelo uso, a denominação é inadequada. Mais Os cistos macroscópicos ou macrocistos são, jun-
recentemente, a Organização Mundial de Saúde tamente com os fibroadenomas, a causa mais comum
(1987) propôs o termo fibroadenoma hipercelular de nódulos dominantes mamários. A maior incidên-
em razão da intensa celularidade do conjunto. cia é entre 35 a 50 anos, mas eles também são vis-
tos em mulheres mais jovens. Podem ser encontrados
O fibroadenoma hipercelular tem origem histo-
ocasionalmente após a menopausa, quando a maioria
lógica mista epitelial e conjuntiva, como o fibroadeno-
deles regride, sobretudo nos casos de uso de terapia de
ma comum. Corresponde a menos de 5% de todos os
fibroadenomas e a menos de 1% de todos os tumo- reposição estrogênica. Os macrocistos são entidades
res da mama. Incide mais frequentemente em torno distintas representadas por bolsa de líquido palpável
da quinta década da vida. Assintomáticos no início, no interior do tecido mamário. Os macrocistos palpá-
esses tumores podem ser dolorosos quando o cresci- veis são unilaterais em 80 a 90% dos casos, podendo
mento é significativo e podem frequentemente atingir ser múltiplos na metade dos casos. Como regra, medem
proporções inusitadas, determinando até mesmo a de- de 2 a 5 cm, porém, podem atingir grandes volumes,
formidade da mama. existindo até cistos gigantes com mais de 50 mL de lí-
quido interior. Suas consistências dependem da pressão
O cistossarcoma phillodes pode ser histolo- do líquido contido em seus interiores e da quantidade
gicamente maligno ou benigno, contudo, são fre- de tecido mamário normal que os circunda. Quando a
quentes os tipos limítrofes e mistos. Os critérios
pressão é baixa, eles são flutuantes e de consistência
habitualmente utilizados nessa classificação são:
amolecida e percebidos como tumores sólidos nos cis-
celularidade, contagem mitótica, atipia, contorno do
tos tensos e profundos. Podem ser detectados como
tumor e predomínio do crescimento estromal em re-
nódulos palpáveis assintomáticos ou dolorosos ou so-
lação ao epitelial.
mente identificados na ultrassonografia. Em geral, são
O cistossarcoma phillodes benigno represen- solitários, mas podem ser múltiplos e produzir a sensa-
ta um fibroadenoma gigante, com predomínio do ção palpatória de um cacho de uvas. A principal queixa
componente intracanalicular. O estroma é mais acen- das pacientes com cistos de crescimento rápido é a dor
tuado, celular, denso e podem ser vistas nele figuras de localizada, que acredita-se ser decorrente da distensão
mitose. Contudo, macroscopicamente, não existe modo dos tecidos vizinhos ou talvez do escape de líquido para
confiável de diferenciar o fibroadenoma gigante ou o fi- os tecidos circunjacentes, o que causa uma reação in-
broadenoma juvenil de um tumor phillodes benigno. flamatória estéril. As descargas papilares associadas a
O cistossarcoma phillodes maligno é um sar- cistos macroscópicos são pouco comuns.
coma verdadeiro, raro e hipercelular, com pleo- A relevância dos macrocistos está no fato de
morfismo e hipercromasia nucleares das células produzirem nódulos dominantes que precisam ser
do estroma. Focos de calcificação e necrose podem diferenciados de um possível tumor maligno.
ser encontrados, mas, como estes também ocorrem
O diagnóstico é feito por ultrassonografia. Pela
em tumores benignos, não são de nenhum auxílio para
imagem ecográfica, os cistos podem ser considerados
diferenciar os dois tipos principais de tumor phillodes.
simples ou complexos. Nos cistos simples, não existe
A maioria dos tumores phillodes malignos relatados na
suspeita de outras lesões associadas, tumores benig-
literatura que se metastatizaram tiveram crescimento
nos ou malignos, o que ocorre nos complexos.
excessivo de um elemento sarcomatoso. Entretanto,
os cistossarcomas histologicamente benignos podem A aspiração dos cistos simples é indicada nos ca-
metastatizar e os histologicamente malignos podem sos sintomáticos. Após a aspiração, é importante que a
ter um prognóstico excelente. Esse comportamento área seja palpada para verificar se não existem massas
maligno é extremamente raro em mulheres jovens. residuais ou subjacentes. A paciente deverá ser reexa-
minada após dois ou três meses para se certificar de
O cistossarcoma phillodes é o tumor de mama
com maior potencial de malignidade (cerca de 17 a
que não houve recidiva do cisto.
27%), e o tratamento é eminentemente cirúrgico. Diante de cisto complexo no ultrassom, como
O tratamento consiste na exérese com ampla margem já existem elementos para justificar sua exérese ci-
de segurança, a cerca de l cm a 2 cm do tecido mamário rúrgica, não se justifica a punção. Além do mais, uma
sadio peritumoral. Tumores com estroma sarcomato- eventual punção totalmente esvaziadora iria dificultar
so são submetidos a mastectomia total, entretanto, sobremaneira a localização cirúrgica da lesão para sua
não há necessidade de linfadenectomia ou retirada de remoção completa. Na biópsia cirúrgica, procura-se
grande extensão de pele. Quando o tumor atinge gran- retirar integralmente a lesão, incluindo-se a totalidade
des dimensões, ficando difícil deixar uma margem de da cápsula do cisto, para estudo microscópico e para
segurança, faz-se mastectomia subcutânea e a coloca- evitar recidivas. De preferência, o nódulo cístico deve
ção da prótese de silicone é possível. ser retirado inteiro, sem extravazamento de material.

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268
Ginecologia

Conduta no macrocisto mamário

Cisto

Simples Complexo

Punção
líquido sanguinolento
células atípicas
área endurecida
após punção
Acompanhamento Cirurgia

Figura 31.2 Cisto complexo: notar presença de con- recidiva no


mesmo local
teúdo sólido em seu interior (seta).
Figura 31.4 Conduta no macrocisto mamário.

Fibroadenolipomas ou harmartomas
São tumores bem-circunscritos que não possuem
uma cápsula verdadeira e se compõem de quantidades
variáveis de gordura e de tecidos glandulares e conjun-
tivos fibrosos. Essas lesões são raras.

Galactocele
É uma lesão não neoplásica, não inflamatória,
causada pela obstrução canalicular e com consequen-
te acúmulo de secreção láctea em mamas lactantes.
Afecção pouco comum, seu diagnóstico é baseado em
anamnese, exame físico e punção. Nela, nota-se nodu-
Figura 31.3 Cisto simples de mama: conteúdo an- lação sem características inflamatórias que geralmen-
ecoico sem imagens sólidas em seu interior. te é curada com punção, na qual se usa uma agulha
de grosso calibre, pois o material leitoso retido pode
permanecer muito tempo na mama e adquirir uma
Indica-se a exérese cirúrgica de um cisto para consistência mais firme. Quando não for possível sua
descartar a presença de câncer nas seguintes condi- aspiração, é necessário realizar incisão e drenagem.
ções: encontro de células atípicas na citologia, cisto
complexo no ultrassom, conteúdo sanguinolento, per-
manência de área endurecida após punção e recidiva
no mesmo local. Fibromatose
Inicialmente, temia-se o risco de deposição de A fibromatose mamária, ou tumor desmoide da
células cancerosas ao longo do trajeto da agulha da glândula mamária, é rara e corresponde a cerca de
aspiração, o que não foi confirmado em vários estu- 0,2% dos tumores da mama. Na literatura, há cer-
dos. A incidência de carcinomas intracísticos está em ca de 30 casos relatados. Ela deriva de estruturas
torno de 1/1.000 cistos palpáveis e, mesmo quando musculoaponeuróticas, ocorre em mulheres entre 17
existe carcinoma intracístico, raras vezes a citologia e 80 anos e tem etiopatogenia obscura. São tumores
consegue definir o diagnóstico. A citologia do líqui- que apresentam tamanho variável e crescimento rápi-
do dos cistos não é considerada um procedimento do, são duros e mal delimitados, têm contornos irre-
custo-eficaz, pois a grande maioria dos exames reve- gulares, são indolores e unilaterais, estão localizados
la achado benigno. Apenas raramente essa citologia principalmente na região areolar, têm evolução estri-
apresentará algum valor, pois isso só ocorrerá caso tamente local e apresentam infiltração de estruturas
ela seja hemorrágica. adjacentes. Em geral, simulam fibromatose de outros

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269
31 Afecções benignas da mama

sítios, como os tumores dermoides da cavidade abdo- 4. Localização


minal, e são caracterizados por uma proliferação in- Unilateral – o fluxo está presente em apenas uma
vasiva e não encapsulada de fibroblastos bem-diferen- das papilas mamárias.
ciados. Esses tumores não se metastatizam, mas têm
alta capacidade de recorrência. Radiologicamente, Bilateral – o fluxo está presente nas duas papilas
podem simular carcinoma. mamárias.

5. Exteriorização
Lipoma Monorificial – saída de líquido unilateral por
O lipoma é uma neoplasia benigna do tecido apenas um orifício ductal (uniductal).
aDIPAoso, geralmente superficial e não palpável. Poliorificial – saída de líquido por mais de um
Quando palpável, apresenta consistência macia e orifício ductal (poliductal).
grande mobilidade. É importante o diagnóstico dife-
rencial entre ele e certas neoplasias, como o sarco-
ma, que também apresenta consistência amolecida. 6. Natureza
O diagnóstico é feito por Paaf (punção aspirativa com Funcional – origem hormonal geralmente subse-
agulha fina). O tratamento, quando indicado, é a exé-
quente à alteração na função hipotálamo-hipofisária.
rese cirúrgica.
Orgânica – o fluxo decorre de lesões orgânicas
localizadas nas mamas.

Lesões descarga papilar


Os fluxos papilares significantes sob o ponto de
Fluxo papilar é a saída de material líquido pela vista clínico são os verdadeiros, espontâneos e persis-
papila mamária não relacionada à função de lacta- tentes, que merecem investigação e orientação. O tipo
ção. Ele é igualmente conhecido como derrame ou de fluxo mais perigoso quanto ao risco de associação
descarga papilar e incide em praticamente todas as com malignidade é o cristalino, lembrando água de ro-
faixas etárias, com maior ocorrência entre os 30 e
cha (± 50% de possibilidade de presença de câncer).
40 anos. Excepcionalmente, também pode acome-
No derrame sanguinolento, embora a concomitância
ter o sexo masculino.
de câncer seja considerável (± 20%), a etiologia princi-
O fluxo papilar pode ser classificado em: pal é decorrente de processo benigno, tipo papiloma.

1. Fluxo verdadeiro ou falso


Verdadeiro – visualização do material exteriori- Adenomas
zando-se por meio dos orifícios ductais. Os adenomas são neoplasias epiteliais benignas
Falso – o líquido sobre a papila não é identificado muito raras que se originam nos lóbulos ou nos ductos
se exteriozando pelos ductos. Geralmente, ele é secun- mamários. A etiologia desses tumores é obscura e pa-
dário a traumas e erosões papilares provocados por fe- rece não haver dependência hormonal para sua gênese
nômenos alérgicos, fricção e atrito. ou crescimento.

2. Motivação
Espontâneo – o fluxo não é causado pela expres- Adenomas tubulares
são da papila, mas é consequentemente percebido Têm origem lobular e predominam na paciente
como mancha na parte interna do sutiã. jovem (20 a 30 anos), mas podem ser encontrados
Provocado – o fluxo só ocorre mediante expres- também em crianças e nos últimos anos da menacme.
são da papila. Apresentam-se como um tumor de limites precisos,
consistência firme, móvel, indolor e não associado a
alterações cutâneas ou derrame papilar. À microsco-
3. Duração
pia, há um limite nítido entre eles e o tecido mamário
Persistente – identifica-se em pelo menos duas adjacente. São raras as figuras de mitose, não existe
observações com intervalo mínimo de 15 dias. atipia celular e as pequenas glândulas amontoadas
Temporário – a saída do líquido é episódica e não são revestidas por uma camada cuboide circundada
se repete. de mioepitélio.

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270
Ginecologia

Adenomas de ductos médios década da vida. A paciente queixa-se de fluxo papilar


espontâneo, usualmente unilateral, monoductal,
A lesão pode ser circundada por uma parede fi- hemorrágico ou sero-hemorrágico, advindo de ulcera-
brótica e, por vezes, são observadas metaplasia apó-
ção e necrose do tumor. A dor não é comum. Quando
crina do epitélio e dilatação cística dos ductos.
único, a localização mais frequente desse papiloma é
a subareolar, nos ductos coletores principais. Quando
múltiplo, geralmente é de distribuição periférica na
Adenomas lactantes glândula mamária e pode estar relacionado com o cân-
Trata-se de tumor bem-diferenciado do epitélio se- cer de mama. A pressão digital exercida radialmente
cretor mamário e que ocorre particularmente na segun- sobre a aréola identifica o ducto comprometido, carac-
da metade da gravidez e lactação. Os adenomas lactantes terizando assim o sinal do “ponto de gatilho”. Se for
são indolores, móveis, bastante amolecidos e possuem difícil localizar o ducto envolvido, um cateter fino do
limites precisos. Sua origem, embora controversa, pode tipo oftálmico poderá ser utilizado para canalizá-lo.
ser uma variante de adenoma tubular pré-existente ou Além disso, também pode ser feita uma injeção de azul
fibroadenoma, que refletem as mudanças morfológicas de metileno, que servirá como guia do ducto acometi-
resultantes do estado fisiológico da gravidez. O aspecto do durante o ato operatório. A mamografia em geral
microscópico é de grandes espaços alveolares repletos de não apresenta alterações significativas, porém, a
material espumoso, revestidos por células epiteliais com presença de microcalcificações agrupadas na re-
nítidos sinais de secreção que se acentuam ao iniciar-se a gião retroareolar sugere malignidade. A ductografia
lactação. Como cerca de 3% dos casos de câncer ocorrem contrastada pode ser dispensável, por ser inespecífi-
em mulheres lactantes e devem ser diferenciados de ou- ca e dolorosa, mas não descarta-se a necessidade de
tras massas mamárias benignas durante este período, a investigação histopatológica. No caso de o papiloma
citologia é de grande valia no diagnóstico. A lesão pode estar associado à carcinoma, a disseminação tumoral
desaparecer espontaneamente e, caso isso não ocorra, a pode ser provocada. A ultrassonografia pode mostrar
exérese cirúrgica é indicada. dilatação ductal e, algumas vezes, tumor retroareolar.
A citologia oncótica da secreção demonstra presen-
ça de hemácias e células ductais agrupadas, sugerin-
do papiloma, porém, não descarta a possibilidade de
Adenoma 昀氀orido da papila
carcinoma devido ao alto índice de falso-negativo. A
Também denominado papilomatose ductal suba- lesão tem aspecto papilífero, friável, de coloração vi-
reolar, surge como um nódulo na aréola, geralmente nhosa e pode acarretar obstrução e dilatação do ducto.
unilateral, mais comum na quinta década de vida. As Deve-se fazer diagnóstico diferencial com a mastopa-
pacientes podem apresentar queixas de crescimento tia fibrocística, adenoma do mamilo, adenoma ductal
anômalo ou deformação da papila, associadas a cros- e, principalmente, com o carcinoma (intraductal ou
tas e, às vezes, descarga papilar sanguinolenta, o que papilífero). As lesões papilíferas, quando extensas,
usualmente faz com que seja confundido com a doença
podem associar-se com hiperplasia atípica e carcino-
de Paget. Origina-se da parede do seio lactífero ou dos
ma in situ de padrão ductal dentro dos papilomas e
ductos papilares, caracterizando-se microscopicamen-
adjacente a eles. Por raras vezes, pode estar associa-
te por proliferação das estruturas ductais. Há também
do a processo inflamatório ou evoluir para necrose e
um polimorfismo celular exuberante, um variável grau
infarto tumoral, causando compressão e deformação
de fibrose e uma camada externa de células mioepite-
liais. As figuras mitóticas são esparsas e a necrose não do epitélio e reproduzindo o aspecto de carcinoma. O
tratamento consiste em ressecção seletiva do ducto
é vista, exceto se estiver em associação com ulceração
nas pacientes jovens e setorectomia retroareolar
e inflamação na superfície.
naquelas de risco para carcinoma.

Adenoma pleomór昀椀co
Papilomatose 昀氀orida (múltipla)
Apresenta consistência cartilaginosa que leva à
suspeita de câncer, porém, é bem-delimitado e tem as- Geralmente, apresenta-se como massa sem des-
pecto histológico característico. carga papilar que compromete os ductos terminais e
afeta principalmente as pacientes mais jovens. Mi-
croscopicamente, as lesões são similares aos papilo-
Papiloma intraductal mas solitários, porém, áreas de atipia são encontradas
Trata-se de neoplasia benigna originada no epi- com maior frequência. Aproximadamente metade dos
télio do ducto terminal, próximo à papila, de cresci- casos tende à recidiva e estão associados ao apareci-
mento lento e mais frequente por volta da quarta mento do carcinoma mamário.

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271
31 Afecções benignas da mama

quência da dor, agrava a ingurgitação e piora o estado


Ectasia ductal
infeccioso, evoluindo para o abscesso mamário, em es-
É a dilatação dos ductos terminais com acúmulo tágios mais avançados. A presença de coleção purulen-
de restos epiteliais, o que pode causar derrame papilar ta pode ser sugerida pelo ultrassom e confirmada pela
uni ou bilateral. Algumas vezes, a doença é subclínica punção com agulha, contudo, sua ausência não exclui
e diagnosticada por patologistas, outras vezes, pode a infecção. A localização dos abscessos pode ser re-
haver secreção esverdeada espessa. No fluxo papilar tromamária, intramamária ou subareolar. O germe
que ocorre na ectasia ductal, a conduta cirúrgica é ex- mais comumente encontrado é o Staphylococcus aureus,
cepcional. Normalmente, a conduta é apenas voltada em incidência que varia de 60 a 80%. Pode-se ter ainda,
à orientação para adequada higiene papilar. Recomen- com frequência menor, Salmonella, Pseudomonas aerugi-
da-se a lavagem da aréola e da papila com algodão em- nosa, E. coli e Proteus mirabilis, entre outros.
bebido em solução aquosa de sabonetes líquidos, uma
O tratamento inicial inclui ordenha mamária e
ou duas vezes por dia. Casos de extremo desconforto
calor local. Esse tratamento consiste basicamente em
provocado por excesso de material, às vezes espesso e
incisão e drenagem, quando existe abscesso. O tipo de
de odor desagradável, podem ser tratados com ressec-
anestesia varia de acordo com a extensão do processo,
ção subareolar dos ductos principais dilatados.
podendo ser necessária a anestesia geral. A cultura de se-
creção purulenta deve ser feita rotineiramente. Deixa-se
o dreno por 24 a 48 horas e o uso de antibióticos sistêmi-
Galactorreia cos está indicado. Geralmente, administram-se penici-
linas resistentes à penicilinase ou cefalosporinas por
A galactorreia é definida como descarga láctea, via sistêmica (amoxilina ou cefalexina, 500 mg a cada 8
bilateral, espontânea e multiductal às vezes associada horas, via oral, por 7 dias) ou até oxacilina.
à amenorreia e que habitualmente surge em mulheres
em idade fértil. Sua causa é o aumento da produção de
prolactina (hiperprolactinemia). O diagnóstico inclui do-
sagens séricas de prolactina. A hiperprolactinemia pode Mastite não lactacional ou crônica
ser de origem funcional (estresse, uso de drogas etc.) ou
A mastite não lactacional não é comum. Ocorre
tumoral (adenoma hipofisário). As drogas que favorecem
desde a adolescência até a senilidade, sendo mais fre-
a produção do líquido nos canalículos mamários são an-
quente em torno dos 30 anos de idade, e em mulheres.
tieméticos (metoclopramida), tranquilizantes, neurolép-
Tem como causa trauma, corpo estranho, lesões vas-
ticos, antidepressivos e anticoncepcionais orais.
culares e infecção. Os germes mais comuns são Sta-
phylococcus coagulase-negativo e germes anaeróbios.
Sempre que um agente estimular a formação no
Lesões inflamatórias parênquima mamário de tecido conectivo rico em ma-
crófagos e fibroblastos, haverá sintomatologia clínica
As lesões inflamatórias ou mastites são proces-
de mastite crônica com neoformação capilar. Nas exa-
sos inflamatórios de evolução lenta ou aguda, prece-
cerbações, surgem fenômenos exsudativos, porém, o
didos ou não de infecção prévia da mama, e envolvem
característico da inflamação crônica ou produtiva é o
qualquer tecido mamário. As principais bactérias iso-
aparecimento de tecido conectivo vascular reativo: o
ladas da mama, com habitat nos ductos mamários, são
tecido de granulação.
Staphylococcus aureus, Staphylococcus epidermidis e Pro-
pionibacterium acnes. As mastites crônicas podem ser classificadas
como específicas e não específicas. As não específicas
são: abscesso subareolar recorrente, mastite crônica
residual, mastite de células plasmáticas, abscessos pe-
Mastite lactacional e abscessos da riféricos da mama, cisto sebáceo infectado e a doença
lactação de Mondor. As específicas são: mastite tuberculosa,
mastite lepromatosa, mastite luética, mastite sarcoi-
Esta forma de mastite, devida principalmente às
dosa e mastite por fungos.
condições socioeconômicas, é mais frequente nas re-
giões menos desenvolvidas. É um quadro agudo que
se inicia nas primeiras semanas após o parto e tem
como fator predisponente a maceração do mamilo e Abscesso subareolar crônico
o aparecimento de pequenas fístulas. Os primeiros
achados são febre, dor espontânea ou à leve pressão da recidivante
mama, induração, ligeiro enrijecimento da pele e rubor. O abscesso subareolar recidivante é uma doen-
Pode causar mal-estar geral, assemelhando-se a um ça benigna da mama caracterizada por um processo
processo gripal. A diminuição da amamentação, conse- inflamatório crônico, que surge fora do período lac-

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272
Ginecologia

tacional, sem relação com processos inflamatórios a mastectomia simples. Atualmente, o tratamento
específicos. Em geral, atinge mulheres na menacme, mais utilizado consiste na exérese do sistema duc-
particularmente na quarta década de vida, e corres- tal proximal junto ao mamilo, englobando o trajeto
ponde de 1 a 2% de todas as entidades sintomáticas fistuloso. Se a recorrência acomete um ou mais ductos
da mama. É conhecida também por vasta sinonímia, da mesma mama, eles devem ser ressecados em bloco,
como mastite periareolar recidivante, mastite peri- para prevenir futuras recorrências.
ductal e fístula mamária.
Acomete os ductos principais e retroareola-
res. Os fatores predisponentes são o mamilo inverti- Abscessos periféricos da mama
do (associado à metade dos casos), cirurgias prévias
De etiologia desconhecida, os abscessos perifé-
e a metaplasia escamosa do epitélio ductal, ou seja, a
ricos da mama são mais comuns na pré-menopausa.
substituição de um tipo de epitélio por outro. Neste
Podem estar associados com outras doenças, como
caso em particular, o epitélio colunar é substituído
diabetes ou artrite reumatoide, ao uso de esteroides,
por um pavimentoso (escamoso), o qual se insinua a
a trauma e a implantes de silicone ou parafina, po-
partir da cútis papilar para dentro, em direção à base
rém, eles frequentemente se apresentam sem fatores
do corpo mamário. O tecido escamoso neoformado li-
predisponentes. A mastite oleogranulomatosa parece
bera queratina, que faz dilatar o ducto e acaba por de- ser exclusivamente endêmica em Hong Kong, onde as
terminar a formação de um verdadeiro tampão local. mulheres realizam cirurgia com colocação de parafina
Ocorre reação periductal como uma reação a um corpo para aumentar as mamas.
estranho e, muitas vezes, também ocorre contamina-
ção bacteriana. Havendo germes, predominam os ana- Apresenta-se como nódulo característico doloro-
eróbios. Todo esse complexo inflamatório promove so com edema e eritema. A febre ocorre raramente e os
um aumento de pressão intraluminal e esse processo sintomas são pouco debilitantes. Deverá ser realizada
determina a formação de uma fístula cutânea, quase cultura para aeróbios e anaeróbios. O tratamento pre-
sempre exteriorizada na região adjacente à aréola, na coce pode evitar a formação de abscesso, no qual está
qual a pele é mais fina e oferece menor resistência à indicada a drenagem cirúrgica. No caso da mastite ole-
rotura. A fístula geralmente é unilateral e única. ogranulomatosa, o tratamento é cirúrgico.
A metaplasia escamosa do epitélio ductal, que
ocorre em 70% dos casos, estaria relacionada ao ta-
bagismo na maioria das pacientes. Eczema areolar
O diagnóstico é baseado no histórico e na evidên- O eczema areolar é uma dermatite escamosa da
cia clínica óbvia. O quadro clínico caracteriza-se por aréola, geralmente bilateral, podendo ser pruriginoso.
um processo inflamatório típico, isto é, dor, calor e ru- O tratamento usual é feito à base de cremes com cor-
bor periareolar, que evolui em surtos intercalados por ticoides. Se não houver regressão, o diagnóstico dife-
períodos de melhora. Com frequência, ocorre retração rencial deve ser feito com a doença de Paget.
mamilar, consequente à fibrose subareolar. O trata-
mento visa, além da cura definitiva, obter o resultado
estético mais satisfatório possível. Considerando-se a
etiologia microbiana habitualmente envolvida – ger- Mastite luética
mes anaeróbios –, recomenda-se a antibioticoterapia A lesão inicial, o cancro duro, é mais frequente na
com, por exemplo, metronidazol 500 mg, via oral, de mama lactante, sendo transferida pela boca da criança
8/8 horas, por 10 dias. Simultaneamente, prescreve- acometida de sífilis congênita ou por contato oral de um
-se anti-inflamatórios não hormonais. Se existe his- adulto contaminado. A lues secundária pode se apre-
tórico de surtos prévios de inflamação de repetição, sentar com erupção cutânea típica, porém, pode ser ob-
após as medidas de antibioticoterapia e subsequente servada no sulco mamário como um grupo de pápulas
acalmia local, está indicado o tratamento cirúrgico. ou placas, às vezes estendendo-se à parede torácica. O
Quando se trata do primeiro episódio de inflamação, terciarismo pode apresentar alterações difusas, a mama
na sequência ao tratamento clínico, aguarda-se a evo- é dura e indolor, podendo apresentar reação do mamilo.
lução natural do processo, esperando-se que não haja O tratamento consiste em cuidados de higiene, na cura
recorrência; diante de nova agudização, recomenda-se da doença-base e, às vezes, na mastectomia.
novo tratamento clínico e depois cirurgia. A cirurgia
na vigência de inflamação e sepse leva à alta morbida-
de e a frequentes recidivas.
Desde a descrição inicial por Urban, em 1951, vá- Mastite tuberculosa
rias formas de tratamento já foram propostas, da sim- É entidade muito rara. Haagensen, em 1986, esti-
ples drenagem a formas extremamente radicais, como mou que apenas 700 casos foram descritos na literatura.

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273
31 Afecções benignas da mama

A doença ocorre mais comumente em mulheres, Algumas vezes, os esfregaços citológicos não
geralmente é secundária a um foco distante, é disse- possibilitam o diagnóstico, por apresentarem campos
minada (via retrógrada) por linfáticos cervicais ou com detritos celulares, porém, demonstram células in-
axilares ou ainda é hematogênica. O sintoma mais co- flamatórias com linfócitos e histiócitos.
mum é um nódulo simples na mama. As massas múl- Os sinais radiológicos mais característicos são as
tiplas são raras. calcificações vesiculares, em forma de anel ou punti-
O diagnóstico é feito em bases clínicas e na pes- formes, e o espessamento da pele. O tratamento con-
quisa do bacilo em culturas e exame anatomopatológi- siste em medidas usuais como analgésicos, anti-infla-
co. Confirmado o diagnóstico, a paciente deve receber matórios não hormonais e calor local. O quadro clínico
o tratamento específico para tuberculose. deve regredir após o tratamento e as mamografias tor-
nam-se normais. A presença de nódulo inalterado ou
alterações radiológicas persistentes torna obrigatória
a biópsia excisional.
Outras mastites não lactacionais
Ainda podem ser citadas como formas raras
de mastites específicas a sarcoidose e a mastite por
fungos e parasitas. Provocam nódulos às vezes indis- Outras
tinguíveis do carcinoma. A sarcoidose é uma doença
multissistêmica de natureza idiopática, que se carac-
teriza pela presença de granulomas não caseosos que
Mamilos supranumerários (politelia)
envolvem linfonodos de diversos órgãos. A biópsia Constituem numa anomalia congênita que ocorre
excisional confirma o diagnóstico e o tratamento é em ambos os sexos com frequência de 1 para 500 pes-
dirigido às manifestações sistêmicas da doença. As soas. Podem estar associados com outras doenças con-
parasitoses e fungos provocam mastites de corpo es- gênitas, como anomalias vertebrais, arritmias cardíacas
tranho e são excepcionais. ou anomalias renais. A localização mais frequente é
imediatamente abaixo da mama normal. O tratamento
cirúrgico está indicado na presença de descarga, tumor
ou formação cística ou por motivos estéticos.
Doença de Mondor
É uma doença incomum que ocorre mais em
mulheres de meia-idade. Caracteriza-se por trom-
boflebite superficial envolvendo classicamente as Mama supranumerária (polimastia)
veias toracoepigástricas e/ou suas confluentes. A A polimastia resulta da crista mamária embrio-
etiologia pode ser primária ou secundária a traumas nária que deixa de sofrer regressão normal. A localiza-
locais ou desconhecida. O diagnóstico é feito pela pre- ção mais comum é ao longo de uma linha que se situa
sença de dor aguda e cordão fibroso e doloroso na re- entre a axila e a sínfise púbica. A importância dessa
gião da veia trombosada. Apresenta tensão lateral na alteração é a necessidade potencial de se investigar ou-
parede do tórax, depressão e retração local. Pode ha- tras anomalias a ela associadas.
ver sinais inflamatórios, simulando carcinoma, o que
aponta a importância da doença de Mondor. Casos ra-
ros têm sido relatados em sítios atípicos, como braços,
abdome e pescoço. Tecido mamário acessório (ectópico)
O tratamento consiste no uso de analgésicos É a persistência de tecido mamário ao longo da
e anti-inflamatórios; geralmente não deixa nenhu- linha láctea e é mais comum na axila. Em geral, é uma
ma sequela. anomalia congênita bilateral e, muitas vezes, sem a pre-
sença de aréola ou mamilo. Torna-se evidente na puber-
dade ou na gravidez. Alguns autores recomendam sem-
pre a exérese, uma vez que, durante a lactação, o tecido
Esteatonecrose mamário acessório pode se tornar muito doloroso.
Consiste na necrose das células aDIPAosas ma-
márias e está relacionada, na maioria das vezes, a um
trauma ou ato cirúrgico prévio. Em alguns casos, a ne-
crose inicial é seguida por fibrose. Forma-se uma área Hipertro昀椀a juvenil
de tecido mais denso, ocasionando um tumor endure- Consiste no aumento progressivo do volume mamá-
cido e mal delimitado com retração de pele que poderá rio ao longo da adolescência, persistindo na maturidade.
ser confundido com uma patologia maligna. Embora o comprometimento bilateral e simétrico seja a

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274
Ginecologia

regra, podem existir casos unilaterais mais raros. Inicial- homem. Na grande maioria dos casos, ela é de etiologia
mente, a hipertrofia juvenil foi atribuída ao aumento da idiopática e pode ser classificada como fisiológica ou en-
concentração plasmática de estrona ou estradiol, mas a dógena. O evento desencadeante da ginecomastia é a al-
dosagem desses hormônios não mostrou correlação clí- teração do metabolismo dos hormônios esteroides, obser-
nica. A diminuição da progesterona plasmática, frequen- vada principalmente no período neonatal, na adolescência
temente associada, ou a possível existência de receptores e na senescência. Fatores como a aromatização periférica
altamente responsivos aos hormônios que regulam o cres- intensificada dos androgênios para estrogênios, com o au-
cimento e o desenvolvimento das mamas (estrogênios e mento da aDIPAosidade, contribuem para o aparecimento
progesterona) podem ser importantes fatores etiológicos. de tecido mamário glandular feminino no homem.
O tratamento vai depender da preferência da Estão implicados na etiopatogênese da gineco-
paciente e pode-se fazer a opção pela cirurgia plásti- mastia fatores como doenças que levam a aumento de
ca reconstrutora. Atualmente, está em estudo o uso hormônios (tumores testiculares, distúrbios endócri-
de moduladores de receptores para hormônios como nos, doenças do fígado, insuficiência renal, distúrbios
da nutrição), drogas que inibem a ação da testosterona
o tamoxifeno.
ou com ação estrogênica e drogas cujo mecanismo é
idiopático (metildopa, verapamil, isoniazida).
Na grande maioria dos casos, o diagnóstico é clí-
Hipoplasia mamária nico, guiado pela inspeção e palpação. A palpação visa
distinguir a consistência mais firme em relação ao tecido
É a falta de desenvolvimento completo da mama.
aDIPAoso. A mamografia, a ultrassonografia e a punção
Pode ser congênita ou por manipulação iatrogênica aspirativa por agulha fina podem auxiliar no diagnóstico
(traumatismos, incisões, abscessos, lesões infecciosas ou da natureza do aumento volumétrico da mama no ho-
radioterapia) no broto mamário, na infância ou no perí- mem. O diagnóstico diferencial é feito com fibroadeno-
odo pré-puberal. Não são recomendados procedimentos ma, adenose esclerosante, esteatonecrose e carcinoma.
cirúrgicos em fase de desenvolvimento incompleto da
O tratamento deve ser específico e sempre ba-
mama para evitar lesões definitivas e irreversíveis. seado na etiologia desencadeadora do processo. No
recém-nascido, o aumento transitório da mama, de-
corrente da ação de estrogênios placentários, desapa-
rece espontaneamente em poucos dias. Também pode
Amastia haver aumento na puberdade, em geral entre 12 e 15
É a ausência de origem congênita de uma ou am- anos, muitas vezes unilateral. A grande maioria re-
bas as mamas e é mais comum na forma unilateral. A gride no período de um a dois anos. Nesses casos, a
amastia unilateral, associada à agenesia dos músculos orientação quanto à natureza benigna da lesão pode
peitorais grande e pequeno e a malformações do mem- ser suficiente. Quando a ginecomastia persiste após os
bro superior ipsilateral, é conhecida como síndrome 18 anos, trazendo desconforto físico ou emocional, a
de Poland. ressecção cirúrgica deve ser indicada.
O tratamento cirúrgico varia de acordo com o volu-
me da glândula e a posição do mamilo na aréola. A inci-
são clássica para a ginecomastia pura é a periareolar. Nos
Telarca prematura casos de mamas de grande volume, a lipoaspiração asso-
Consiste no desenvolvimento precoce isolado das ciada é uma das técnicas com bom resultado estético.
mamas, sem outros sinais de maturação sexual. Esse
desenvolvimento é geralmente transitório em meninas
abaixo de oito anos de idade. Como as dosagens hor-
monais com frequência estão normais, a hipersensibi-
lidade do tecido mamário a pequenas concentrações de
estrogênios, presentes em pré-púberes, tem sido suge-
rida como causa. Não há necessidade de tratamento e
a conduta é expectante. O cuidado é para que não se
realizem manobras intempestivas como extirpação do
broto mamário e consequente amastia iatrogênica.

Ginecomastia
Denomina-se ginecomastia a presença de desen- Figura 31.5 Ginecomastia: presença de glândulas
volvimento de tecido mamário glandular feminino no mamárias femininas em homem.

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275
31 Afecções benignas da mama

O tamoxifeno é altamente eficiente para o alívio


Mastalgia de mastalgia cíclica, com melhora dos sintomas em
A dor mamária ou mastalgia é um sintoma muito 90% dos casos. Infelizmente, seus efeitos colaterais
frequente e, para a maioria das mulheres, trata-se de não são desprezíveis e constam especialmente de on-
uma condição autolimitada que necessita apenas de das de calor e irregularidade menstrual. Cerca de 10 a
orientação médica como tratamento. Sua importância 20% das mulheres abandonam o tratamento devido a
deve-se ao fato de que a maioria das mulheres, em al- seus efeitos colaterais. Recomenda-se 10 mg por dia,
gum momento de sua vida, já experimentou algum epi- de forma continuada, geralmente por 3 a 6 meses.
sódio de dor mamária intensa, que prejudicou sua ati-
Os diuréticos são empregados com a finalidade
vidade diária. Apesar de inúmeras classificações terem
de reduzir a retenção de sal e água quando é evidente
sido propostas para a dor mamária, adotamos a divisão
o edema perimenstrual. Contudo, estudos controla-
entre mastalgia cíclica (relacionada ao ciclo menstrual),
dos mostraram resultados conflitantes sobre sua efi-
acíclica (não relacionada ao ciclo) e a dor extramamária
ciência. Na prática, são recomendados nos casos em
(representada por afecções em outros órgãos ou teci-
que fica patente uma relação direta entre a congestão
dos, com irradiação referida para a mama).
mamária e a intensidade dos sintomas. Os diuréticos
A dor mamária cíclica inicia-se no período pré- são prescritos nos dias que antecedem a menstruação,
-menstrual (fase de maior ingurgitamento mamário) preferindo-se os diuréticos leves, como os tiazídicos.
com remissão dos sintomas junto à menstruação. En-
tretanto, nos casos mais intensos, a dor pode persistir
durante todo o ciclo. Classificação da dor mamária
Nas mastalgias cíclicas, lembramos que, em Mastalgia cíclica
80% dos casos, apenas a orientação verbal do pro- Mastalgia acíclica
fissional de que a paciente não apresenta nenhum Mastites
tipo de condição maligna é suficiente para seu alí- Traumas
vio. Devem ser ainda explicadas à paciente a origem Cistos mamários
funcional e não neoplásica da mastalgia, a ausência de Dor de etiologia extramamária
elevação de risco para câncer e a evolução natural es- Neurite intercostal
perada do sintoma. Síndrome de Tietze
O uso de sutiã reforçado que limite a mobilização Doença de Mondor
mamária também ajuda a reduzir a dor e é útil reco- Tabela 31.3
mendar esse uso nos dias que precedem a menstrua-
ção para todas as mulheres com mastalgia cíclica.
Naquelas pacientes com dor mamária cíclica que
Para casos refratários à orientação verbal, exis- também desejam a contracepção segura, os anticon-
tem inúmeras opções de baixo custo e sem efeitos cepcionais orais estão indicados. Geralmente, não há
colaterais que produzem com frequência bons re- interferência na intensidade do sintoma e pode existir
sultados, mas que têm sua eficiência farmacológica até melhora do quadro.
questionada, posto que parecem atuar principal-
Na menopausa, existe um alívio espontâneo dos
mente como placebo. Nesse patamar, estão o ácido
sintomas. A introdução de terapia hormonal geral-
linolênico e diversas vitaminas (a mais usada é a E).
mente faz reavivar o quadro, traduzindo um espelho
O ácido gamalinolênico é um produto fitoterápico,
da ação estrogênica, que costuma levar também ao au-
extraído de uma flor (prímula da tarde) ou da folha-
mento de densidade do tecido mamário à mamografia.
gem de uma vegetação chamada borragem. Por ser
essencial, não é produzido no organismo e requer su- O diagnóstico diferencial da dor mamária deve
plementação nutricional. Ele é prescrito na dose de ser realizado, lembrando-se de outras condições que
180-360 mg/dia, é encontrado em produtos naturais podem promover dor na região mamária, quase sem-
disponíveis no mercado farmacêutico, quase sempre pre não cíclica, sem reforço pré-menstrual e de etiolo-
em conjunto com alguns outros ácidos graxos poli- gia musculoesquelética. São elas:
-insaturados, como ácido oleico e linoleico. A duração € Nevralgias intercostais, geralmente consequen-
do tratamento é variável e geralmente recomenda-se tes de problemas de coluna cervicodorsal.
que seja mantido alguns meses após o desapareci-
€ Síndrome de Tietze, inflamação das cartilagens
mento dos sintomas, o que ocorre com frequência
da junção costocondral, é caracterizada por dor
depois de três meses de uso do medicamento. Não
à compressão da segunda e terceira articulações
raras vezes, associa-se ao tratamento um analgési- paraesternais.
co comum ou anti-inflamatório não hormonal com
ação analgésica, inclusive de uso tópico, nos dias pré- € Traumas de parede torácica.
-menstruais (exemplo: DIPAirona, diclofenaco). € Neuromas, decorrentes de cirurgias torácicas.

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276
Ginecologia

Essas patologias não respondem à manipulação hormonal e requerem ser tratadas com anti-inflamatórios
não hormonais e até infiltração local de corticoides e substâncias anestésicas.

Mastalgia cíclica

Primeiro passo

Orientação verbal - Melhora em 80% dos casos

Segundo passo

Ácido linoleico (efeito placebo)

Terceiro passo

Tamoxifeno
Figura 31.6 Tratamento para a mastalgia cíclica.

AS PESSOAS PODEM SER DIVIDIDAS EM 3 GRUPOS:


As que FAZEM as coisas acontecerem.
As que OBSERVAM as coisas acontecerem.
As que se QUESTIONAM sobre o que aconteceu.
Autor desconhecido

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CAPÍTULO

32
Cancêr de mama

Introdução Estimativa INCA 2016


Localização primária Casos novos %
O câncer de mama é o tumor maligno ginecoló- Mama feminina 57.960 28,1%
gico de maior incidência em nosso meio. É a segunda Cólon e Reto 17.620 8,6%
causa de morte por câncer nos EUA, perdendo ape- Colo do útero 16.340 7,9%
nas para o CA de pulmão. Corresponde à principal Traqueia, Brônquio e Pulmão 10.890 5,3%
causa de morte por câncer em mulheres. Nas últi- Glândula Tireoide 5.870 2,9%
mas décadas, ocorreu em praticamente todo o mundo
Estômago 7.600 3,7%
um aumento significativo da incidência de câncer de
Corpo do útero 6.950 3,4%
mama. Atualmente, estima-se que sejam diagnostica-
Ovário 6.150 3,0%
dos aproximadamente 1.200.000 novos casos por ano
no mundo. Linfoma não-Hodgkin 5.030 2,4%
Leucemias 4.530 2,2%
Em termos mundiais, o câncer de mama é res-
Sistema Nervosos Central 4.830 2,3%
ponsável por 20 a 25% de todas as neoplasias malig-
Cavidade Oral 4.350 2,1%
nas na mulher e por 15 a 20% das mortes por câncer.
O número de novos casos de câncer de mama espera- Pele Melanoma 2.670 1,3%
dos para o Brasil em 2008 foi de 49.400, com um risco Esôfago 2.860 1,4%
estimado de 51 casos a cada 100 mil mulheres. Bexiga 2.470 1,2%
Linfoma de Hodgkin 1.010 0,5%
Na região Sudeste, o câncer de mama é o mais
Laringe 990 0,5%
incidente entre as mulheres, com risco estimado de
68 novos casos por 100 mil. Sem considerar os tumo- Todas as Neoplasias sem pele* 205.960
res de pele não melanoma, este tipo de câncer é tam- Todas as Neoplasias 300.870
bém o mais frequente nas mulheres das regiões Sul Tabela 32.1 (*) Todas as neoplasias exceto pele não mela-
(67/100.000), Centro-Oeste (38/100.000) e Nordeste noma. Fonte: MS/INCA/Estimativa de Câncer no Brasil, 2016.
(28/100.000). Na região Norte, é o segundo tumor MS/INCA/Coordenação de Prevenção e Vigilância/Divisão
mais incidente (16/100.000). de Vigilância.
278
Ginecologia

volvimento de carcinoma de mama ao longo da vida de


Etiologia uma mulher é de cerca de 12%. Mulheres que nascem
Os fatores que apresentam capacidade de au- com mutações em BRCA1 apresentam, para cada
mentar a incidência dessa neoplasia estão descritos na faixa etária, risco bastante aumentado de desen-
tabela a seguir. volver câncer de mama. Estudos referem taxas apro-
ximadas de 3% aos 30 anos, 19% aos 40, 50% aos 50,
54% aos 60 e 85% aos 70 anos de idade. Além disso,
Fatores de risco mutações nesse gene aumentam para percentuais
I. Histórico familiar entre 15% e 45% o risco de câncer de ovário.
Pacientes com parentes de 1º grau com câncer O câncer de mama hereditário ocorre em 5 a 10%
bilateral na pré-menopausa: risco relativo de 9,5x dos casos e, em geral, está associado à recorrência fa-
Pacientes com parentes de 1º grau com câncer miliar. Em famílias com recorrência vertical de câncer de
bilateral na pós-menopausa: risco relativo de 5,5x mama, a frequência de mutações em BRCA1 e BRCA2 é
Pacientes com parentes de 1º grau com câncer na da ordem de 52% e 32%, respectivamente. Já em famí-
pré-menopausa: risco relativo de 3x lias em que existe grande quantidade de membros
Pacientes com parentes de 1º grau com câncer na portando câncer de mama e de ovário, os números
pós-menopausa: risco relativo de 1,5x são de 81% para BRCA1 e 14% para BRCA2. Entre-
II. Patologias prévias tanto, naquelas famílias em que, além do câncer de mama
habitual, existam também casos de câncer de mama em
Lesões proliferativas com atipia: risco relativo de 5 vezes
membros do sexo masculino, a porcentagem de mutações
Hiperplasia atípica: risco relativo de 11 vezes
germinativas do gene BRCA2 sobe para 76%.
III. Fatores hormonais (estrogênio e progesterona)
Nenhum dos testes hoje disponíveis para avaliar
Sexo feminino, principal fator de risco: 1 caso sexo
a suscetibilidade genética a neoplasias é apropriado
masculino/100 casos sexo feminino
para a aplicação na população em geral.
Mulher com menarca precoce e menopausa tardia tem
risco relativo aumentado O teste para mutações nos genes BRCA1 e
BRCA2 é definido como uma importante ferramenta
Mulheres ooforectomizadas na pré-menopausa apre- para a avaliação de risco de desenvolvimento de cân-
sentam risco relativo menor
cer de mama em algumas poucas circunstâncias. A
Precocidade de gravidez é fator de proteção (até 30 primeira dessas situações se aplica aos parentes de
anos) pacientes com câncer de mama que foram diagnostica-
IV. Idade dos como portadores de mutação em um dos dois genes.
Faixa etária > 45 a 55 anos O teste, nesses casos, pode discernir se o familiar tem um
V. Fatores ambientais alto risco de também desenvolver a doença ou encontra-
Ingestão de ácidos graxos saturados -se sob um risco semelhante ao da população em geral.
Exposição a agentes químicos A segunda circunstância na qual existe de-
Etilismo manda para o teste genético é aquela em que pessoas
com ascendência ashkenazi identificam familiares que
VI. Fatores genéticos
tiveram câncer de mama em idade precoce, antes dos 50
Gene BRCA1: alta prevalência para a doença em anos, ou que tiveram câncer de ovário em qualquer ida-
grupos familiares
de. Estatisticamente, esse grupo de pessoas apresenta
Gene BRCA2: 5 a 10% relacionados a este fator; 25 a alta probabilidade de portar mutações germinativas em
30% associados a câncer abaixo dos 30 anos BRCA1 e BRCA2 e o teste negativo também as livra de
Tabela 32.2 um programa específico de prevenção.
Infelizmente, até o momento, a repercussão do
conhecimento de que determinada paciente tem alte-
Hereditariedade e aplicação de ração nos testes genéticos ainda é muito limitada. Ain-
da faltam estudos mais definitivos sobre o real alcance
testes genéticos para identi昀椀car e da cirurgia profilática (devido à grande dificuldade de
acompanhar suscetibilidade ge- ressecção completa da glândula mamária) e também
nética pela mutação dos genes com relação ao uso dos antiestrogênicos (tamoxifeno)
com intuito preventivo. Há de se considerar que cerca
BRCA1 e BRCA2 de 80% das mulheres portadoras de câncer mamário
Dados epidemiológicos da população americana não apresentam nenhum dos fatores de risco conhe-
evidenciam que uma em cada oito mulheres que nas- cidos. Dessa forma, o risco de câncer de mama deve
cem deve, no decorrer da vida, desenvolver câncer de ser considerado em todas as mulheres, principalmente
mama. Assim, o risco médio estimado para o desen- naquelas com idade superior a 50 anos.

SJT Residência Médica – 2016


279
32 Câncer de mama

estudo realizado na Rússia não mostrou benefício al-


Carcinogênese
gum do AEM em relação à detecção e à mortalidade,
A teoria mais aceita hoje é a de que o câncer de evidenciando, inclusive, maior número de pacientes
mama surge como resultado de mutações do DNA
procurando consultas médicas. Embora existam evi-
em linhagens de células indiferenciadas da mama.
dências de que o autoexame gere um excesso de con-
Em um modelo simplificado, o câncer de mama se ori-
sultas indevidas e preocupações descabidas em mu-
ginaria de tecido mamário normal, passaria por eta-
lheres de países como o Canadá – onde o acesso aos
pas intermediárias, transformar-se-ia em carcinoma
in situ e, posteriormente, invadiria a membrana basal, serviços médicos está garantido a todas as mulheres
determinando um carcinoma invasor. –, questiona-se, em termos de saúde pública, o grau
do benefício se o autoexame não fosse mais preconi-
zado, principalmente em países como o Brasil, no qual
o acesso aos serviços de saúde é precário.
Detecção precoce do
câncer de mama
O câncer de mama é definido como precoce
quando diagnosticado nos estádios clínicos I e II da
UICC (União Internacional contra o Câncer), podendo
ser tratado com a conservação da mama e permitindo
resultados de cura em torno de 75%, quando não há
envolvimento metastático dos linfonodos axilares.
Fazem parte da detecção do câncer de mama o
exame clínico das mamas e o rastreamento mamo-
gráfico, métodos esses que se complementam, pois
isoladamente nenhum deles é capaz de identificar as
mulheres portadoras de câncer de mama. Apesar das
controvérsias sobre o impacto que cada um deles exer-
ce sobre as taxas de mortalidade, existem benefícios
em relação à sobrevida, tratamentos menos mutilado-
res e melhor qualidade de vida.
Para a detecção precoce do câncer de mama na
população geral, as recomendações vigentes são:
€ mamografia anual, a partir dos 40 anos de idade;
em mamas radiologicamente densas, preconiza-
-se a associação com ultrassonografia;
€ exame físico anual, por médicos e enfermeiros, a
partir dos 25 anos;
€ autoexame mensal, a partir dos 25 anos.

Para as mulheres de alto risco hereditário de


câncer de mama, a primeira mamografia deve ser so-
licitada dez anos antes da idade em que a parente de
primeiro grau teve câncer de mama, e depois anual-
mente, sempre em conjunto com a ultrassonografia.
Nesses casos, a indicação conjunta da ressonância
magnética é útil e, idealmente, pode ser considerada,
mas, na prática, além de caro, este exame encontra-se
disponível em poucos centros.

Autoexame das mamas (AEM)


Estudos realizados na Finlândia e no Reino Uni-
do mostraram os benefícios do autoexame como fator
de redução das taxas de mortalidade. No entanto, um

SJT Residência Médica – 2016


280
Ginecologia

Modelos de cálculo de risco


Existem na literatura algumas tentativas de se
propor escores que combinam diversos parâmetros
de risco. O que ficou mais conhecido foi o modelo
matemático proposto por um estatístico nortea-
mericano chamado Gail, que, em função de alguns
poucos dados, fornece a probabilidade de a mulher
vir a apresentar câncer de mama nos cinco anos se-
guintes e durante a vida toda. Os parâmetros con-
siderados no teste são: idade, número de parentes
de primeiro grau com câncer de mama, nuliparida-
de ou idade do primeiro parto, idade da menarca,
número de biópsias prévias e diagnóstico prévio de
hiperplasia atípica.
O modelo é disponível na forma de calculadora
de bolso. As fórmulas matemáticas são calculadas em
instantes e as informações desejadas de risco apare-
cem na tela. Esse método tem sido validado em inú-
meras casuísticas, especialmente para mulheres acima
de 40 anos e câncer não hereditário. Geralmente, ad-
mite-se como risco muito elevado o índice de Gail
superior a 1,6 nos próximos cinco anos (<http://
brca.nci.nih.gov>).
Figura 32.1 Autoexame das mamas.
Um outro modelo bastante conhecido é o de
Claus, particularmente útil para mulheres com histó-
rico familiar de câncer de mama. Ele leva em conside-
Exame clínico das mamas ração a idade da paciente e a idade de aparecimento do
Como ocorre com o autoexame da mama, os traba- câncer de mama nos parentes de primeiro e/ou segun-
lhos da literatura colocam em dúvida a eficácia do exa- do graus afetados e prevê o risco cumulativo de câncer
me clínico da mama como procedimento redutor da taxa de mama até os 80 anos.
de mortalidade. Faz exceção nesse aspecto o trabalho
conhecido como NBSS-2, que comparou dois grupos de
mulheres, entre 50 e 59 anos, distribuídas aleatoriamen-
te para realizar mamografia associada ao exame clínico
ou só o exame clínico. Os benefícios encontrados da de-
Diagnóstico
tecção subclínica desapareceram com o passar dos anos
e, no final do estudo de 13 anos, foi igual em ambos os
grupos, com o mesmo índice de mortalidade.
História clínica
Uma história clínica cuidadosa é pré-requisito
para avaliação do risco de câncer de mama. Se a mu-
Rastreamento mamográ昀椀co lher apresenta uma queixa principal, esta será com
A recomendação geral é de se fazer triagem ma- maior frequência um nódulo. Ainda hoje, a maioria
mográfica a partir dos 40 anos. Há indícios de que dos diagnósticos de câncer de mama é feita por meio
as pacientes mais jovens com risco aumentado e com da descoberta de um nódulo pela própria paciente.
mamas densas à mamografia possam se beneficiar do
estudo ultrassonográfico complementar.
Exame clínico
A frequência das mamografias anormais por
ocasião da primeira triagem é a mesma para os dife- Um exame clínico efetuado por um médico fami-
rentes grupos etários. Entretanto, a probabilidade de liarizado com o diagnóstico das doenças mamárias é
uma mamografia anormal resultar em um diagnós- parte essencial da avaliação de uma paciente que te-
tico de câncer, que é de 17 a 19% nas mulheres com nha qualquer queixa ou alteração mamária.
mais de 60 anos, cai para cerca de 4% nas mulheres O exame clínico deverá observar as seguintes
de 40 a 49 anos. etapas:

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281
32 Câncer de mama

Inspeção estática Essa evolução ocorreu em consequência do surgimento de


aparelhos especiais de radiografia e equipados com tubos
Essa etapa requer uma iluminação adequada e de raios X com foco fino e grades móveis, que possibilitam
exposição do pescoço, de áreas supraclaviculares e a obtenção de imagens magnificadas e com compressão
do tórax. É importante verificar a pele em busca de localizada. Concorreu também na melhoria das imagens
qualquer alteração na pigmentação, no espessamento obtidas com o uso de filmes radiográficos especiais, cuja
ou qualquer evidência de obstrução linfática. A ins- revelação passou a ser feita em processadoras específicas.
peção dos complexos mamilo-areolares evidenciará a O treinamento de pessoal especializado, capaz de utilizar
presença ou não de retração que, se existente, deverá tal tecnologia, também foi um fator importante na melho-
ser caracterizada como recente ou presente há muitos ria da realização e interpretação do exame.
anos. Devem ser identificadas também qualquer erup-
ção, ulceração ou crosta no mamilo. As lesões mamárias não palpáveis podem ser cal-
cificações, nódulos ou áreas densas assimétricas:

Inspeção dinâmica
Nessa etapa, que envolverá a realização de deter- Calci昀椀cações
minados movimentos, como a elevação dos braços ou Mesmo com a análise minuciosa de suas caracterís-
a pressão das mãos sobre os quadris, poderão ser nota- ticas, a classificação das calcificações em malignas e be-
das retrações mamárias, quando houver envolvimento nignas nem sempre é fácil. Apesar disso, é fundamental
da fáscia do músculo peitoral. procurar separar as calcificações certamente relaciona-
Ainda com a paciente assentada, deverá ser feita das a processos benignos, pois assim evitam-se procedi-
a palpação das regiões supraclaviculares e axilares. mentos invasivos desnecessários e há uma diminuição
dos custos tanto financeiros quanto psicológicos.
Cerca de 40% dos carcinomas não palpáveis
Palpação das mamas apresentam calcificações agrupadas como único
sinal suspeito de malignidade. Como essas calcifi-
A palpação das mamas deve ser realizada com a
cações podem apresentar-se com dimensões extre-
paciente em decúbito dorsal. Recomenda-se repetir o
mamente reduzidas, muitas vezes há necessidade de
exame na posição em que a paciente relata ter notado
magnificação (ampliação de imagem) tanto para de-
a alteração, caso esta não seja encontrada durante o
tecção quanto para avaliação da extensão tumoral.
exame inicial. Em primeiro lugar, examina-se a mama
assintomática. É importante que as mamas sejam com-
pletamente examinadas, incluindo a cauda axilar. Ao
ser encontrada qualquer anormalidade, deve-se confe- Nódulos e densidades de aspecto maligno
rir com a paciente se é aquilo que a incomoda, pois pode
Geralmente, os nódulos só se tornam palpáveis
existir mais de uma alteração na mesma mama.
quando têm pelo menos l cm de diâmetro. Em condi-
ções excepcionais, podem ser detectadas lesões meno-
res, dependendo do tamanho da mama e da localiza-
Expressão dos ductos galactóforos ção periférica ou superficial da alteração.
Após a palpação, realiza-se a expressão bilateral As lesões que apresentam contornos maldefini-
das mamas e verifica-se a existência ou não de descarga e dos, estriados ou espiculados são mais comumente
suas características (se vem por um ou mais ductos, sua associadas ao carcinoma mamário, mas podem tam-
coloração, quantidade, facilidade de saída e, se possível, bém corresponder a hiperplasia ductal esclerosante
o setor mamário com o qual tem correspondência). É (cicatriz radial), necrose gordurosa, fibroadenoma
importante separar as descargas papilares espontâneas hialinizado e abscesso. Sua percepção pode ser difícil,
daquelas só obtidas por meio da expressão da papila. As principalmente se apresentarem dimensões reduzidas
primeiras são mais relacionadas a processos patológicos ou ocorrerem em mamas radiologicamente densas.
e as segundas, a processos fisiológicos da mama.
Em contrapartida, alguns tumores malignos, como
os carcinomas mucinoso, medular, papilífero e alguns car-
cinomas ductais bem diferenciados, apresentam-se com
Exames complementares contornos bem-definidos, o que sugere benignidade.
Tem sido muito importante em nosso meio a uti-
Mamogra昀椀a lização da categorização dos achados imaginológicos
O aperfeiçoamento de técnicas radiológicas espe- da mama, por meio do modelo proposto pelo American
cíficas para o estudo da mama tem contribuído decisiva- College of Radiology – Sistema BI-RADS (breast imaging
mente para a detecção mais precoce do câncer de mama. reporting and data system).

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282
Ginecologia

ao mamógrafo convencional, apresentando ambos


Ultrassonogra昀椀a
idêntica precisão de localização, porém, existem
Depois da mamografia, a ultrassonografia re- vantagens e desvantagens inerentes a cada um dos
presenta hoje o método mais eficaz na avaliação das métodos estereotáxicos.
alterações mamárias. Tal importância levou à sua
inclusão definitiva no arsenal da propedêutica ma- A estereotaxia pode ser útil tanto através de
mária, a ponto de se poder afirmar que um moder- biópsias por fragmento quanto para marcação pré-
no serviço de mastologia não pode prescindir de um -cirúrgica, quando for necessária a remoção de área al-
aparelho de ultrassonografia operando em conjunto terada, com nódulo ou microcalcificação. Nesse caso,
com um de mamografia. muitos métodos têm sido preconizados e o mais utili-
zado para a marcação do local da biópsia é a colocação
O ideal seria que a avaliação das mamas fosse fei-
de reparo metálico.
ta por uma equipe com bastante entrosamento, num
mesmo local e numa mesma oportunidade, com todas É fundamental radiografar a peça cirúrgica, no
as atenções voltadas para as alterações apresentadas, peroperatório, a fim de assegurar a retirada da lesão
sejam elas clínicas, mamográficas ou ecográficas. suspeita e também para orientar o anatomopatologis-
As principais indicações de ultrassonografia ta quanto à sua localização.
são citadas a seguir:
€ Avaliação de nódulos palpados durante o exame
clínico ou visualizados pela mamografia para de-
finição de seu caráter sólido ou cístico.
Diagnóstico histopatológico
€ Nódulos não palpáveis. O relatório anatomopatológico deve conter to-
dos os elementos necessários para a adequada condu-
€ Assimetria focal do parênquima mamário.
ção de cada paciente, pois esses elementos são impor-
€ Nódulos palpáveis em mulheres jovens, abaixo
tantes sob o ponto de vista prognóstico e terapêutico.
dos 30 anos.
€ Mama na gravidez e na lactação.
€ Dor localizada na mama.
€ Pacientes com mastite, para afastar a possibilida- Características da neoplasia
de de abscessos.
Tamanho do tumor
€ Útil ainda como guia para aspiração de cistos
ou biópsia de nódulos sólidos e localização pré- O tamanho do tumor está relacionado com o
-cirúrgica de nódulos não palpáveis. crescimento tumoral e, juntamente com o envolvi-
Deve-se ressaltar, entretanto, que a ultrassono- mento axilar, representa um dos principais fatores na
grafia não substitui a mamografia em nenhuma cir- estimativa de recidiva e de desenvolvimento metastá-
cunstância e não pode ser usada para rastreamento. tico no câncer de mama.
Para fins de estadiamento, a medida da neopla-
sia deve ser dada pelo maior diâmetro do componente
invasivo. A medida macroscópica deve ser confirmada
Biópsia
pela medida microscópica. No caso de discrepância,
Se a lesão apresenta características suspeitas de predomina a medida avaliada na microscopia. No caso
malignidade ou se suas características não permitem de tumores multifocais ou multicêntricos, a medida é
uma classificação mais precisa, o ideal é que ela seja dada pelo maior tumor. É importante relatar presen-
submetida a exame citológico e anatomopatológico. ça e porcentagem do componente in situ, porém, para
As técnicas disponíveis para esse fim são a citologia fins de estadiamento, leva-se em conta apenas o com-
por agulha fina, a biópsia por fragmento (core biopsy/
ponente invasivo.
mamotomia) e a biópsia cirúrgica.
Para a aplicação de qualquer uma dessas técnicas
na abordagem de lesões subclínicas, é necessário, em
primeiro lugar, localizar a lesão, o que pode ser feito Tipo histológico
pela ultrassonografia (no caso de nódulos) ou pela ma- A identificação do tipo histológico segue a padro-
mografia (no caso de microcalcificações). nização do Armed Forces Institute of Pathology (Afip)
O advento da estereotaxia por meio da ma- e da Organização Mundial de Saúde (OMS). Dentro do
mografia veio facilitar a localização e a abordagem grupo de carcinomas invasivos, é importante a identi-
das lesões mamárias não palpáveis. Atualmente, ficação dos subtipos especiais puros (mais de 90% do
existem aparelhos de uso exclusivo para estereo- componente especial), pois tais neoplasias têm me-
taxia e também unidades estereotáxicas adaptadas lhor prognóstico.

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283
32 Câncer de mama

Adenocarcinoma ductal (78%) Doença de Paget da mama


Tende a ser unilateral. O carcinoma ductal in- Trata-se de um eczema do mamilo que pode es-
vasivo pode ocorrer com ou sem componentes cirro- tar associado ao carcinoma ductal nas mulheres. Tem
sos. Quase todos os cânceres de mama em homens bom prognóstico se detectado antes da formação de
pertencem a esse tipo. O adenocarcinoma ductal massa.
não invasivo (algumas vezes denominado carcino-
ma ductal in situ ou carcinoma intraductal) ocorre
geralmente sem fazer massa, pois não existe com- Grau histológico
ponente cirroso.
Recomenda-se a utilização do grau histológico
combinado de Nottingham (Scarff, Bloom e Richard-
son, modificado por Elston-Ellis), que inclui:
Carcinoma lobular (9%) € Percentual de diferenciação tubular.
Cerca de metade dos casos de carcinoma lobular € Avaliação do pleomorfismo nuclear.
são encontrados in situ sem que haja qualquer sinal de € Índice mitótico.
invasão local (esta doença é considerada pré-maligna
€ Invasão vascular peritumoral nos vasos sanguí-
por alguns autores e vem sendo denominada de neo-
neos ou linfáticos.
plasia lobular). O carcinoma lobular está associado
a um risco aumentado de câncer de mama bilateral
(cerca de um terço dos casos).
A forma clássica da doença é frequentemente bi- Avaliação linfonodal
lateral, mas apresenta um prognóstico melhor do que A presença de metástases axilares é um fator
o carcinoma intraductal infiltrante. As variantes de prognóstico independente no câncer de mama e
células em anel de sinete ou sólidas apresentam um elas estão associadas a uma redução de sobrevida
prognóstico pior do que o carcinoma intraductal em dez anos.
infiltrante devido à grande propensão a metastizar
A presença de metástases e o número de gânglios
sob a forma de infiltrado nodular ou difuso no re-
envolvidos têm importância prognóstica.
troperitônio, com uma reação desmoplásica proe-
minente (fibrótica). Uma das questões mais discutidas no momento
em relação aos gânglios axilares é a de saber se vale a
pena procurar metástases ocultas em casos de carci-
noma de mama “axila-negativos” por meio de técnicas
Comedocarcinoma (5%) complementares como imuno-histoquímica ou reação
Caracteriza-se pela grande quantidade de tumo- em cadeia da polimerase (PCR). O significado das mi-
res e pequenas células no interior dos ductos, apresen- crometástases e de células tumorais isoladas em gân-
tando debris centrais. glios, especialmente as que são identificadas apenas
por técnicas complementares, é assunto sobre o qual
existe um amplo debate na literatura.
Carcinoma medular (4%) Enquanto as macrometástases (> 2 mm) são
facilmente detectáveis, tanto na biópsia do linfonodo
Caracterizado pela presença de células indiferencia-
sentinela quanto nos demais linfonodos, as micro-
das associadas a um importante infiltrado linfocítico.
metástases (< 2 mm) são mais difíceis de serem
identificadas nos exames rotineiros.
O significado prognóstico das micrometástases
Carcinoma coloide (3%) e das metástases ocultas no linfonodo sentinela ain-
O ducto encontra-se bloqueado por células carci- da é pouco conhecido. As pacientes com metástases
nomatosas com desenvolvimento de cistos proximais. maiores que 2 mm, se comparadas a pacientes com
micrometástases (< 2 mm), apresentam redução na
sobrevida livre de doença, mas não na sobrevida
global. As pacientes com metástase identificada em
Carcinoma in昀氀amatório (1%) avaliação histológica com coloração pela hematoxili-
É o de pior prognóstico. Os linfáticos surgem na-eosina (HE) menor do que 2 mm não apresentaram
abarrotados de células tumorais, produzem alterações diferenças na sobrevida global e livre de doença em re-
na mama e na pele e mimetizam uma infecção. lação às pacientes com linfonodo sentinela negativo.

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284
Ginecologia

Biópsia do linfonodo sentinela O estadiamento do câncer de mama é baseado na


classificação TNM, que incorpora tanto o aspecto clínico
A biópsia do linfonodo sentinela tem crescido ra- como o anatomopatológico. O tumor pode ser estadia-
pidamente como uma alternativa ao esvaziamento axi-
do no pré-operatório utilizando-se critérios clínicos e no
lar tradicional para o estadiamento do câncer de mama.
pós-operatório utilizando-se critérios anatomopatológi-
Essa biópsia é considerada um procedimento sensível e
cos. Para o estadiamento clínico, utiliza-se o tamanho do
específico para predizer o acometimento axilar.
tumor (T), o estado dos linfonodos regionais (N) e a pre-
O procedimento é baseado na identificação e retira- sença ou ausência de metástases a distância (M).
da do linfonodo sentinela (LS), que é o primeiro linfo-
nodo a drenar a mama. O LS pode ser identificado pelo
cirurgião pela injeção de corantes vitais ou radiofármacos,
seguida de linfocintilografia e uso de detector portátil de
radiação (sonda). O exame cito-histológico, feito por pa-
tologista, pode indicar ou não a presença de metástases.
Trata-se de uma nova modalidade de abordagem das pa-
cientes com lesões pequenas e alguns serviços a limitam
para lesões menores do que 3 cm e sem adenomegalia axi-
lar. Deve ser realizada por equipe multidisciplinar treinada
(mastologista, patologista e médico nuclear).
A biópsia é guiada por um corante azul (azul-pa-
tente), injetado na mama no início do ato cirúrgico, que
é captado pelo sistema linfático. Dessa forma, os canais Figura 32.2 Estadiamento linfonodal no câncer de
linfáticos de drenagem e o linfonodo sentinela são co- mama – observar as vias de drenagem linfática da mama.
rados, funcionando como facilitadores de identificação
e biópsia deles mesmos. As injeções são feitas distribuí-
das em três ou quatro pontos e com volume total de 2 a Estadiamento
4 mL. O tempo ideal para a coloração dos linfono- O estadiamento do câncer de mama é baseado no
dos sentinelas é em torno de 20 minutos. sistema TNM, no qual:
Em relação à cirurgia radioguiada, o corante azul T – Tamanho do tumor
identifica menor número de linfonodos sentinela, per- N – Nível de comprometimento de linfonodos
manecendo pouco tempo nestes e acarretando a colora- M – Metástases
ção de linfonodos secundários. Além disso, esse corante Tumor
interfere na faixa de absorvência do oxímetro de pulso T0 – Sem evidência de tumor primário
(falsa dessaturação), associado ou não à coloração azul- Tis – Carcinoma in situ
-esverdeada da paciente, cuja urina também pode apre- T1 – < 2 cm
sentar coloração semelhante no pós-operatório. T1a – < 0,5 cm
O anatomopatológico do linfonodo sentinela, T1b – > 0,5 cm - 1 cm
dada sua importância prognóstica, deve ser cuidado- T1c – > 1 cm - 2 cm
so, feito por patologista treinado e seguindo as reco- T2 – > 2 cm - 5 cm
mendações mínimas dos consensos de especialistas. T3 – > 5 cm
A linfadenectomia axilar deve ser realizada se T4 – Qualquer tamanho com extensão direta para a pare-
o LS for positivo ou se não houver disponibilidade de torácica ou pele (excluindo músculo peitoral)
da técnica. T4a – Extensão para parede torácica
T4b – Extensão para a pele (edema, ulceração, nódulos
satélites)
T4c – T4a + T4b
T4d – Carcinoma inflamatório
Estadiamento Linfonodos
N0 – ausência de metástases em linfonodos regionais
Logo após o diagnóstico, deve-se avaliar a pa- N1 – linfonodos ipsilaterais móveis
ciente para classificar a doença, objetivando colocar N2a – linfonodos ipsilaterais aderidos entre si ou a outras
cada caso em um dos subgrupos com prognóstico se- estruturas
melhante e determinar o tratamento. N2b – linfonodo mamária interna ipsilateral
A finalidade do estadiamento do câncer de mama N3
é determinar a extensão anatômica da doença e a ten- N3a – linfonodo ipsilateral infraclavicular
dência à progressão do tumor, de tal modo que possa N3b – linfonodo mamária interna ipsilateral e axilares
ser instituída uma terapia apropriada. N3c – linfonodo ipsilateral supraclavicular

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285
32 Câncer de mama

Estadiamento (cont.)
Metástases
Tratamento
M0 – Ausência de metástases a distância Recomenda-se que o tratamento do câncer de
M1 – Metástases a distância mama seja feito em centros de referência que tenham
Tabela 32.3 equipe multidisciplinar que inclua cirurgião, cirurgião
plástico, oncologista clínico, radioterapeuta, patolo-
gista e imaginologista, além de outros especialistas da
Estadiamento área da saúde, como fisioterapeuta, enfermeiro, assis-
Estádio 0 Tis N0 M0 tente social e psicólogo.
Estádio 1 T1 N0 M0 Segue-se uma linha geral de conduta, baseada na
Estádio IIA T0 N1 M0 individualização de cada caso, no estadiamento da do-
T1 N1 M0 ença e nos fatores prognósticos.
T2 N0 M0
Estádio IIB T2 N1 M0
T3 N0 M0
Estádio IIIA T0 N2 M0 Neoplasia lobular in situ
T1 N2 M0
T2 N2 M0 (carcinoma lobular in situ)
T3 N1,2 M0 O procedimento padrão atual para a neoplasia lo-
Estádio IIIB T4 Qualquer N M0 bular in situ é a biópsia excisional, suficiente para o diag-
Qualquer T N3 M0 nóstico e tratamento dessa condição, que é somente um
Estádio IIIC Qualquer T N3 M0 fator de risco para o desenvolvimento de carcinoma ma-
Estádio IV Qualquer T Qualquer N M1 mário e exige vigilância clínica e mamográfica rigorosa.
Tabela 32.4 Pacientes com esse tipo de achado anatomopatológico
têm 25% de chances de desenvolver carcinoma invasor,
tanto ductal quanto lobular, em ambas as mamas. A pa-
Recomendações mínimas para o estadiamento ciente deverá ser conscientizada da grande possibilidade
Anamnese e exame Rotina de vir a desenvolver um câncer invasivo e da importância
físico completos de seu comprometimento com um acompanhamento ri-
Exame bioquímico e Rotina (marcadores tumorais goroso, que deverá constar de autoexame mensal, exame
hematológico (sérico) não estão indicados) clínico semestral e mamografia anual.
Raio X de tórax Em geral, não indicado para EC
I; facultativo para EC II e/ou
com características histológicas
desfavoráveis; recomendado Carcinoma ductal in situ
para EC III e/ou exame físico
anormal Para o carcinoma ductal in situ, a mastectomia ou
Exame de imagem do Em geral, não indicado para EC o tratamento conservador com radioterapia são vistos
abdome superior I; facultativo para EC II e/ou como alternativas comparáveis em termos de resulta-
com características histológicas do. A ausência de margem de segurança e a presença de
desfavoráveis; recomendado comedonecrose acentuada são fatores de risco de reci-
para EC III, com testes de fun- diva local diante de tratamentos conservadores. A mas-
ção hepática ou exame físico tectomia simples é um tratamento curativo para 98%
anormais dos casos, mas certamente representa um procedimen-
Cintilografia óssea Facultativa se houver ausência de to excessivamente mutilante para a maioria dos casos.
sintomas e marcadores de lise ós-
A radiografia do espécime cirúrgico, a pintura da
sea estiverem normais; recomen-
peça operatória e a mensuração das margens são ele-
dada para EC III
mentos essenciais no manejo dessas lesões.
Raio X do esqueleto Se houver sintomas localizados
(TC ou RM para a co- ou áreas suspeitas na cintilogra- Os tumores com diâmetro inferior a 2 cm e
luna vertebral) fia óssea margens livres de comprometimento podem ser
Biópsia de lesão(ões) Casos selecionados tratados pela ressecção segmentar seguida de ra-
suspeita(s) dioterapia complementar. Para esses casos, foi des-
PET Casos selecionados e como al- crita uma taxa de sobrevida global em 15 anos de 96%.
ternativa à biópsia de lesões É importante ressaltar que, até para casos de tu-
suspeitas mores menores que 4 cm e margens de ressecção li-
Tabela 32.5 vres, a conduta conservadora com radioterapia é ainda

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286
Ginecologia

aceitável, levando em torno de 10% de recidiva local. O protocolos recomendam que esse exame seja o mais
fator determinante na extensão da ressecção é a rela- cuidadoso possível, para evitar as altas taxas de falso-
ção entre o tamanho do tumor e o tamanho da mama. -negativos (até 25%) ou perdas de material e artefatos
Indicam-se cirurgias radicais da mama, segui- induzidos por congelamento, que poderão comprome-
das ou não de reconstrução mamária, para tumores ter o exame pós-operatório da peça incluída em parafi-
com impossibilidade de obtenção de margens livres na. A sensibilidade do exame intraoperatório depende
em razão da extensão ou de multicentricidade. do tamanho da metástase e a sensibilidade é alta para
as macrometástases.
A linfadenectomia de nível I (base da axila) ou a
dissecção do linfonodo sentinela deve ser realizada em O Colégio Americano de Patologia (CAP) reco-
casos de comedonecrose ou alto grau nuclear (GIII), menda que na avaliação intraoperatória seja feito um
devido a possibilidades de microinvasão e envolvi- exame macroscópico cuidadoso. Cada linfonodo deve
mento axilar. ser medido e, na sequência, seccionado em seu eixo
longitudinal em fatias de 0,5 a 2 mm de espessura. De
Recomenda-se, após a cirurgia, avaliar o uso de cada fatia deve-se fazer o exame citológico de imprint
hormonioterapia adjuvante, com tamoxifeno 20 mg/ corado pelo HE, Papanicolau ou Diff-Quik. Essa téc-
dia, por cinco anos. Um estudo clínico, com cinco anos nica é preferível ao corte de congelação, para se evitar
de seguimento, mostrou redução da média anual de artefatos e gastos significantes de tecido.
recorrências invasoras pós-cirurgia conservadora e
radioterapia de 1,6% para 0,9% (risco relativo: 0,56 e Recomenda-se, de rotina, a realização de radiote-
redução do risco absoluto: 0,7%). rapia complementar na mama, sendo opcional o refor-
ço no leito tumoral.
Nos casos em que a relação tumor/mama não
permite a realização de cirurgia conservadora com
Carcinomas invasores bom resultado estético, a mastectomia com linfade-
Os tumores em que a relação tumor/mama per- nectomia (ou biópsia de linfonodo sentinela) deve
mitam podem ser tratados com ressecção segmentar ser indicada. As técnicas modificadas, com preserva-
seguida de linfadenectomia axilar (ou biópsia de lin- ção de um ou ambos os músculos peitorais, são as
fonodo sentinela) e radioterapia. Os resultados onco- mais empregadas, pois asseguram resultados seme-
lógicos são semelhantes àqueles tratados com mas- lhantes à radical, facilitam a reconstrução e reduzem
tectomia radical, preenchendo os pré-requisitos que a morbidade.
norteiam o tratamento cirúrgico do câncer de mama, Sempre que se indica uma mastectomia em pa-
que são: máximo controle locorregional, estadiamen- cientes com boas condições clínicas, deve-se discutir a
to, prognóstico com menor morbidade e mutilação. perspectiva de reconstrução mamária. A reconstrução
É fundamental, para indicar tratamento conser- plástica não interfere no prognóstico oncológico das
vador do câncer de mama, ter exames de imagens que pacientes e condiciona maior equilíbrio e melhor qua-
demonstrem o tamanho do tumor e sua relação com a lidade de vida.
mama, tumor único e avaliação de margens cirúrgicas. Atualmente, uma nova perspectiva tem se fir-
O grande problema da cirurgia conservadora é mado para essas pacientes, que inicialmente não
que podem ocorrer recidivas locais, com prejuízo emo- eram candidatas a uma terapia conservadora do
cional e repercussão negativa no prognóstico oncoló- câncer de mama devido ao tamanho da lesão: a re-
gico. A recidiva local depende do grau de agressividade alização de quimioterapia neoadjuvante, com o ob-
do tumor, do diâmetro tumoral e do comprometimen- jetivo de reduzir o volume tumoral e possibilitar o
to microscópico das margens cirúrgicas. A avaliação tratamento conservador. Os tumores T1-3 N0-1, que
das margens pode ser feita no intraoperatório, opor- foram randomizados para cirurgia seguida de quatro
tunidade em que pode-se modificar a extensão da ci- ciclos de Adriamicina e Ciclofosfamida (AC) ou qua-
rurgia e contribuir para reduzir a incidência de recidi- tro ciclos de AC antes da cirurgia, após cinco anos
va local após as cirurgias conservadoras. de seguimento, não indicaram diferenças na taxa de
sobrevida livre de doença ou de sobrevida global. A
Quando se verificam margens comprometidas no cirurgia conservadora foi possível em 67,8% das pa-
pós-operatório, recomenda-se a reintervenção cirúrgica. cientes que haviam feito quimioterapia neoadjuvante
Procede-se à biópsia do linfonodo sentinela e em apenas 59,8% daquelas que foram inicialmente
(LS) na mesma oportunidade da cirurgia mamária, para a cirurgia. Não houve diferença na recorrência
podendo-se realizar seu estudo intraoperatório. A local entre os dois grupos de pacientes. Entretanto,
avaliação intraoperatória tem a vantagem de permitir naquelas pacientes que somente tiveram indicação
ao cirurgião completar a dissecção axilar nas pacien- de cirurgia conservadora após a redução dos tumores
tes linfonodo sentinela positivos, evitando-se um se- pela quimioterapia neoadjuvante, observou-se maior
gundo procedimento cirúrgico. No entanto, os novos taxa de recidiva local (14,5% versus 6,9%).

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32 Câncer de mama

O esquema quimioterápico utilizado deve ser de quatro linfonodos axilares comprometidos e em


baseado em regimes que contenham antraciclinas tumores centrais ou mediais, pode-se incluir os linfo-
(doxorrubicina ou epirrubicina) associadas a taxanes nodos da cadeia mamária interna, principalmente nos
(AT) ou ciclofosfamida e fluorouracil (FAC, FEC, AC) três primeiros espaços intercostais, uma vez que a pro-
administrando-se de três a quatro ciclos de acordo babilidade de comprometimento é de cerca de 30%.
com a resposta. A resposta à quimioterapia neoad-
juvante é um fator preditivo de sobrevida livre de
doença e sobrevida global. Cirurgia: SEMPRE
ressecção RADIOTERAPIA
segmentar

Radioterapia
Com Com biópsia
Após a cirurgia conservadora, a conduta geral é esvaziamento de linfonodo
irradiar-se toda a mama, independentemente do tipo axilar sentinela
histológico, idade, uso de quimioterapia e/ou hormo-
nioterapia e mesmo com as margens cirúrgicas livres. Figura 32.3 Possibilidades cirúrgicas no câncer de
mama.
O reforço de dose no leito tumoral (boost) deve
ser indicado para as pacientes com menos de 50 anos,
com mais de 25% de carcinoma in situ na peça cirúrgi-
ca, na presença de margens menores que 1 cm, com-
prometidas ou desconhecidas, e em casos de tumores
com alta agressividade local.
Com relação aos carcinomas ductais in situ, se a
opção for por cirurgia conservadora, as pacientes de-
vem ser submetidas à radioterapia em toda a mama.
O papel da radioterapia pós-mastectomias tem
sido controverso, mas algumas publicações recomen-
dam essa indicação. Figura 32.4 Mulher mastectomizada à direita, sem
reconstrução.
Os fatores considerados consensuais, bastan-
do somente a presença de um deles para a indicação
de radioterapia pós-mastectomia, são:
€ Tumores maiores ou iguais a 5 cm (somar com Quimioterapia
biópsia prévia).
A quimioterapia adjuvante é recomendada para as
€ Pele comprometida. pacientes sem evidência de metástase, com carcinoma
€ Grau III. ductal ou lobular invasivo, com linfonodos positivos ou
tumor acima de 1 cm, devendo ser considerada em mu-
€ Dissecção axilar inadequada (menos que 10 lin-
fonodos). lheres com menos de 40 anos e com tumores entre 0,6 e
1 cm e com invasão angiolinfática ou grau 3.
€ Invasão extracapsular linfonodal (mesmo em
um único linfonodo). Pacientes consideradas de baixo risco – sem
necessidade de quimioterapia adjuvante e risco de
€ Margem comprometida (menor que 1 cm).
morte menor que 10%:
€ Quatro ou mais linfonodos comprometidos. € Tumor menor/igual 0,5 cm.
Se houver utilização de quimioterapia com an- € Tumor entre 0,6 e 1 cm na ausência de fatores
tracíclicos no período pós-operatório, tanto nas cirur- adversos (grau 3, invasão angiolinfática, idade
gias conservadoras quanto nas mastectomias, deve-se jovem, Her 2 positivo).
protelar o início da radioterapia para o término da te-
€ Tumor entre 1 e 2 cm GH1 GN1 e na ausência
rapêutica sistêmica, não devendo ultrapassar o perío-
dos fatores adversos citados anteriormente.
do de seis meses da cirurgia.
Pacientes de risco intermediário de morte (10
A indicação de irradiar as drenagens linfáticas é a
a 20%):
mesma tanto para as pacientes submetidas a cirurgias
conservadoras quanto para as pacientes submetidas a € Tumor entre 0,6 e 1 cm e qualquer um dos fato
mastectomias. A presença de um único linfonodo com- res adversos citados anteriormente.
prometido deve ser suficiente para indicar a irradiação € Tumor entre 1 e 2 cm, Her 2 negativo e qualquer
da fossa supraclavicular homolateral. Existindo acima um dos fatores adversos citados anteriormente.

SJT Residência Médica – 2016


288
Ginecologia

Pacientes de alto risco de morte (acima de


Neoadjuvante
20%):
A QT neoadjuvante aumenta significativamen-
€ Linfonodos positivos.
te as chances de cirurgia conservadora, sem qualquer
€ Linfonodo negativo e tumor acima de 2 cm. efeito adverso no risco de RL ou na sobrevida. Respos-
€ Linfonodo negativo e tumor acima de 1 cm com tas patológicas completas são observadas em 10 a 30%
Her 2 positivo. dos casos e têm sido associadas a melhor prognóstico.
Tumores com Rh(-) parecem ser mais responsivos. Em
geral, os regimes à base de ANT são preferidos, mas a
Adjuvante adição de um taxano aumenta os índices de resposta.
Antraciclinas (ANT): as ANT resultam em um Pacientes não respondendo (20 a 30%) ou progredindo
ganho absoluto de sobrevida de aproximadamente 4% (< 5%), após alguns ciclos de ANT, podem beneficiar-se
em relação ao esquema CMF. Esse ganho é indepen- da utilização de um taxano (± 50% irão responder).
dente da idade, da situação dos linfonodos axilares e A quimioterapia neoadjuvante está indicada
do tratamento hormonal. No entanto, no estudo con- em toda doença localmente avançada, caracteriza-
duzido pelo INT 0102, o ganho foi de apenas 1 a 2% da por:
em pacientes com LA(-), sugerindo que o benefício € Tumores maiores que 5 cm.
possa ser pequeno em pacientes com menor risco de € Linfonodos supraclaviculares acometidos ou sta-
recidiva. A maior desvantagem das ANT é o risco de tus axilar N2.
insuficiência cardíaca (± 1%) e leucemia não linfocíti- € Acometimento da pele ou da parede torácica.
ca tardia (± 0,3 a 1,2%). Em pacientes com risco car-
diovascular importante e/ou baixo risco de recidiva, o
€ Carcinoma inflamatório da mama.
CMF continua sendo uma escolha aceitável e de baixo
custo. Em um estudo randomizado, a combinação de
docetaxel e ciclofosfamida (CT) mostrou-se marginal-
mente superior ao regime AC, ambos por um total de
quatro ciclos, tornando-se o primeiro uma excelente
opção para pacientes não candidatas a um tratamento
contendo uma ANT. Em pacientes com Rh(-), o regime
AC x 4 foi considerado equivalente ao CMF x 6; a su-
perioridade das ANT sobre o CMF tem sido mais cla-
ramente demonstrada com regimes de duração mais
longa, como CEF x 6 ou E x 4 → CMF x 4.
€ Taxanos: em pacientes com maior risco de
recidiva, a adição de um taxano a um regime
baseado em ANT parece resultar em um ga-
nho absoluto de 3 a 5% em termos de redução Figura 32.5 Paciente com câncer de mama local-
do risco de recidiva. Parece haver, também, mente avançado, acometendo pele.
um ganho de sobrevida, mas um seguimento
mais longo é necessário para tais conclusões. € Trastuzumab: em cinco estudos randomiza-
Desconhece-se atualmente qual é o melhor dos, a utilização do anticorpo monoclonal anti-
agente ou esquema de administração. Mas -Her-2 trastuzumab (TZB) resultou em uma re-
dução gratificante (aproximadamente 50%) do
os esquemas sequenciais têm ganho terreno,
risco de recidiva em pacientes com tumores Her-
especialmente em função de sua melhor to-
2(+). O efeito secundário mais temido é a car-
lerância hematológica. De maneira geral, os
diomiopatia, que, além de infrequente (< 5%), é
regimes combinando ANT e taxanos devem
geralmente reversível. O TZB deve ser iniciado
ser considerados mais tóxicos do que regimes somente após a última administração de ANT,
baseados em ANT e/ou CMP. concomitante ou sequencialmente aos taxanos,
€ QT dose densa: resultados do estudo INT C9741 se estes forem utilizados por uma duração total
sugerem que o regime ACx4 → paclitaxel x 4 deve de um ano. Esquemas mais curtos estão atual-
ser administrado a cada duas semanas, com su- mente em investigação.
porte de fator de crescimento. Com base em uma € Lapatinibe: apesar de todo o avanço promovido
análise de subgrupo, o benefício desse esquema pela introdução do trastuzumabe ao tratamen-
parece ser restrito a pacientes com Rh(-). Resul- to do câncer de mama HER-2 positivo, 66-88%
tados semelhantes têm sido relatados no contexto dos pacientes com droga isolada e 20-50% dos
neoadjuvante. pacientes com associação de quimioterapia não

SJT Residência Médica – 2016


289
32 Câncer de mama

respondem ao tratamento. Além disso a maioria


dos pacientes inicialmente responsivos desenvol- Hormonioterapia
ve resistência secundária em um período de 1 ano.
O lapatinibe (GW572016) é uma molécula peque-
na capaz de inibir a tirosinoquinase associada às
Adjuvante
proteínas do HER-1 e HER-2. Apresenta uma A terapêutica hormonal teve grande impulso
boa biodisponibilidade oral. Atualmente o papel em função da possibilidade de dosagem dos recepto-
do lapatinibe na neoadjuvância vem sendo testa- res hormonais de estradiol e progesterona no tumor
do em grandes estudos de fase III na tentativa de primário, permitindo, assim, identificar o grau de hor-
oferecer o benefício do duplo bloqueio da via do mônio, a dependência do tumor e instituir a terapêuti-
HER-2 e reduzir a toxicidade dos esquemas com ca mais racional (Tabela 32.6) em pacientes com linfo-
associação da quimioterapia. O lapatinibe é uma nodos comprometidos, o que propiciou uma redução
droga muito bem tolerada e tem como principais de 30% na taxa de mortalidade.
efeitos adversos rash e diarreia, clinicamente sig-
nificativos em 10 a 15% dos casos quando usado
de forma isolada ou em combinação com a cape- Hormonioterapia
citabina. Nenhum estudo demonstrou toxicidade Receptores hormonais Resposta clínica (%)
cardíaca, mesmo em associação ao trastuzumabe. RE + RP + 80
€ Pertuzumabe: é um anticorpo monoclonal hu- RE + RP - 55
manizado que se liga à molécula de HER-2 atra- RE - RP + 20
vés de seu subdomínio II e impede a dimerização RE - RP - 10
com outros receptores da família HER (HER-3, Tabela 32.6 RE: receptor de estrógeno. RP: receptor
HER-1 e HER-4). Este epítopo é diferente do li- de progesterona.
gado ao trastuzumabe (subdomínio IV), e estu-
dos de fase II já sugeriam que a ação dos dois
anticorpos ocorria de forma sinérgica, acrescen- Estudos recentes em pacientes com recepto-
tando um benefício extra à taxa de resposta e so- res (+) mostraram resultados semelhantes entre a
brevida livre de progressão. quimioterapia adjuvante com CMF (ciclofosfamida,
metotrexato e fluorouracil) e supressão ovariana (oo-
forectomia ou supressão com análogos de GnRH). En-
tretanto, a qualidade de vida das pacientes mais jovens
Outros agentes após a ooforectomia é pior após a castração, ao contrá-
rio da quimio, que é transitória. O uso combinado da
€ Bevacizumabe: foi o primeiro agente antian-
quimio-hormonioterapia deve ser evitado, optando-se
giogênico a ser aprovado em muitos países para
o tratamento do câncer de mama metastático
pela hormonioterapia após a quimioterapia.
HER-2 negativo. Trata-se de um anticorpo mo- Os inibidores de aromatase de terceira geração
noclonal humanizado que se liga seletivamente vêm apresentando resultados pouco superiores ao ta-
ao VEGF-A (uma isoforma da família do VEGF) moxifeno no tratamento adjuvante do carcinoma com
e impede sua ação sobre o VEGFR 1 e 2. receptores positivos. A indicação consensual é para
€ Sunitinibe: agente antiangiogênico, porém com mulheres na pós-menopausa, de alto risco para fenô-
múltiplos alvos, exerce seus efeitos antagonizan- menos tromboembólicos ou como segunda opção às
do a atividade das tirosinoquinases dos domí- pacientes com recidivas após tamoxifeno.
nios intracelulares dos VEGFR. Foi o primeiro Na impossibilidade de dosar os receptores, julga-
inibidor de tirosinoquinase testado em um estu- mos válido instituir a terapêutica hormonal em pacien-
do de fase III, porém seu resultado foi inferior
tes idosas ou naquelas com tumores bem-diferenciados
em termos de taxas de resposta e sobrevida livre
histologicamente ou tipos especiais como coloide, lo-
de progressão em relação à quimioterapia.
bular, papilar e tubular, uma vez que a concentração de
€ Sorafenibe: também é uma molécula antiangio- receptores nesse grupo de pacientes é alta.
gênica que age através da inibição das tirosino-
quinases associadas aos receptores dos fatores de A droga de escolha utilizada, conforme consen-
crescimento endotelial e derivado de plaquetas. so da Asco (2004), é o tamoxifeno, que tem efeito
Em um estudo de fase II randomizado, apresen- antiestrogênico na célula neoplásica. A droga tem
tou aumento da taxa de resposta e sobrevida li- poucos efeitos colaterais e pode ser administrada por
vre de progressão em primeira e segunda linhas um longo período. Ela deve ser utilizada na dosagem de
paliativas. Entretanto esse benefício vem acom- 20 mg/dia em pacientes com positividade de receptores
panhado por um grande aumento de toxicidade de estrogênio e/ou progesterona por tempo mínimo de
não hematológica, principalmente pelo aumen- 24 meses. O uso isolado da droga com adjuvante em pa-
to de síndrome mão-pé, que pode chegar até a cientes na pós-menopausa com axila positiva propiciou
45% grau 3 ou maior. redução de 30% na taxa de mortalidade.

SJT Residência Médica – 2016


290
Ginecologia

É importante realçar que a ablação ovariana ou citarabina 50 mg, inicialmente 2 a 3 vezes por se-
(cirúrgica, radioterápica ou por meio de análogos do mana, com redução gradual da frequência em função
GnRH) nas pacientes pré-menopausadas está associa- da resposta. A citarabina lipossomal permite adminis-
da à redução do risco de recidiva e morte na ausência trações menos frequentes. Ocasionalmente, a RT ou
de utilização da quimioterapia. um tratamento sistêmico podem ser úteis.
O uso do tamoxifeno é relacionado a um acrés- Em pacientes com doença sistêmica evolutiva e/
cimo na incidência de câncer de endométrio, assim, ou pouca chance de resposta a uma nova linha de tra-
é recomendável a realização anual da ecografia en- tamento, não existe indicação para tratar o SNC e a RT
dovaginal em suas usuárias. Depressão, ansiedade e deve ter um papel puramente paliativo.
dificuldades de ajustamento familiar, social e sexual
são condições bastante frequentes quando se trata do
diagnóstico e tratamento do câncer de mama e, mui-
tas vezes, vêm requerer intervenções específicas de Plexopatia axilar
toda a equipe multidisciplinar.
Metástases para linfonodos axilares, infra ou
supraclaviculares devem ser agressivamente tratadas,
Neoadjuvante pois podem resultar em plexopatia axilar e/ou com-
pressão vascular, o que compromete a qualidade de
Em pacientes pós-menopáusicas (POM), a uti-
vida das pacientes. Se as chances de resposta à HT não
lização de HT com estádio um IA aumenta as chances
forem excelentes, pode-se optar diretamente pela QT,
de cirurgia conservadora em relação ao tamoxifeno. As
na tentativa de obtenção de uma resposta rápida. A RT
candidatas ideais são pacientes com tumores com forte
pode ser uma opção em certos casos, preferencialmen-
expressão de Rh que tenham ou não recusado ser can-
te como tratamento de consolidação.
didatas a uma QT neoadjuvante (por exemplo, idosas) e
que desejam um tratamento cirúrgico conservador.

Recidiva na parede torácica


Metástases ósseas A recidiva na parede torácica pode comprometer
Pacientes com metástases ósseas líticas sintomá- gravemente a qualidade de vida. Em geral, um trata-
ticas e, em geral, que estejam recebendo tratamento mento sistêmico (HT, se houver chance de resposta
sistêmico, devem receber um agente bisfosfonato para razoável, senão, QT) deve ser proposto como primeira
controle da dor óssea e redução do risco de complicações intenção, embora a ressecção completa seja desejável,
esqueléticas. Os agentes atualmente disponíveis são o normalmente em um segundo momento. A RT tam-
pamidronato, o zoledronato e o ibandronato – este pode bém pode ser considerada, em geral, como um trata-
ser utilizado por via oral. Os bisfosfonatos estão também mento de consolidação.
indicados no controle da hipercalcemia maligna.

Pacientes com disfunção


Metástases cerebrais e me- hepática
ningite carcinomatosa Nesse contexto, a administração semanal de pe-
A disseminação para o SNC tem sido vista mais quenas doses de uma antraciclina (por exemplo, epir-
frequentemente, talvez em função da disponibilidade de rubicina 25 mg/m2) ou de um taxano (em geral, pacli-
tratamentos sistêmicos mais eficazes. O prognóstico pa- taxel) parece ser mais segura do que a administração
rece ser mais favorável quando isso ocorre precocemente a cada três semanas (com as tabelas de ajuste de do-
no curso da doença, na ausência de doença sistêmica ou ses, a toxicidade pode ser imprevisível). O vinorelbine
quando esta última está bem-controlada (como geralmen- também pode resultar em toxicidade imprevisível. A
te é visto em pacientes Her-2[+] que recebem TZB). Nesses opção mais segura, nesses casos, pode ser o emprego
casos, o tratamento deve ser agressivo: cirurgia em caso de de 5-FU infusional ou de capecitabine.
metástases cerebrais únicas seguida em geral de RT holo- Em pacientes com disfunção hepática severa
craniana. Outra excelente opção é a radiocirurgia, embora devido à presença de metástases, uma resposta te-
essa técnica ainda não esteja amplamente disponível. rapêutica rápida é crucial. Uma boa opção, nesses
A meningite carcinomatosa pode apresentar-se casos, é a associação de um derivado de platina (cis-
com sintomas neurológicos inespecíficos. O tratamen- platina, carboplatina ou oxaliplatina) ao 5-FU infu-
to clássico é a QT intratecal com metotrexato 12,5 mg sional ou à capecitabine.

SJT Residência Médica – 2016


291
32 Câncer de mama

tamente reconhecidos por médicos adequadamen-


Comorbidade cardiovascular te preparados, conhecedores da história natural da
Pacientes com comorbidades cardiovasculares doença e dos sítios mais frequentes de metástases.
significativas têm maior risco de cardiomiopatia, com Apenas 15% das pacientes têm diagnóstico de reci-
as ANT e com o TZB, de síndromes coronarianas, com diva feito por seus médicos durante o seguimento,
o 5-FU infusional (pouco estudado com o capecitabi- estando assintomáticas.
ne) e de arritmias com os taxanos. Esses fatos devem
O índice de recidiva local após tratamento con-
ser considerados na escolha do tratamento.
servador (tumorectomia e esvaziamento axilar, se-
guido de radioterapia) é de cerca de 10 a 15%, sendo
menor ainda para as pacientes submetidas a mastec-
tomia. Tal problema ocorre mais nos três primeiros
Seguimento anos após a terapia primária. Na maioria das pacien-
tes submetidas à mastectomia, as recidivas locais são
O seguimento deve ser entendido como um con- detectadas apenas pelo exame clínico. Já nas pacien-
junto de medidas a serem implementadas logo após o tes submetidas a tratamento conservador, uma signi-
tratamento inicial necessário, visando, além do obje- ficativa proporção poderia ter sua recidiva detectada
tivo primário do rastreamento de recidivas, servir de pela mamografia, o que aumentaria suas chances de
suporte para as pacientes e suas famílias, orientando- tratamento e controle da doença apenas com uma res-
-as a assumir uma atitude mais adequada diante do secção local.
problema. O seguimento ideal seria aquele capaz de Infelizmente, a realidade é diferente em relação às
detectar recidivas locais e a distância com precocida- recidivas a distância, as quais, quando detectadas, mes-
de, limitando suas repercussões; detectar precoce- mo com extensão mínima, traduzem uma doença incu-
mente um novo tumor primário; detectar e abordar de rável, que indica que sua descoberta precoce não tem
modo satisfatório os efeitos colaterais do tratamento influência alguma na melhoria da sobrevida, causando
e fornecer um suporte psicossocial adequado. óbito independentemente do tratamento instituído.
Há um mito por parte das pacientes e dos mé- Os sintomas mais importantes de alerta quanto
dicos, em geral, de que, se a recorrência fosse detec- a recidivas do câncer de mama são: dor óssea persis-
tada precocemente, haveria maior chance de controle tente, dificuldade respiratória, cefaleia e surgimento
da doença, remissão completa e, portanto, de maior de nódulos. Em pacientes submetidas a tratamento
sobrevida. Esse pensamento fez com que se tentas- conservador, deve-se atentar para mudanças na pele,
se estabelecer programas de seguimento que melhor cicatriz e aspectos gerais da mama tratada, sendo de
se adequassem ao problema específico do câncer de importância fundamental o ensino e estímulo do au-
mama, a maioria dos quais incluíam história clínica, toexame mensal.
exame físico, hemograma completo, raios X de tórax,
cintilografia óssea, provas de função hepática, fosfata- Não há benefício em termos de aumento de
se alcalina e marcadores tumorais (antígeno carcino- sobrevida e qualidade de vida quando se comparam
embriogênico e CA 15-3). aquelas acompanhadas de modo intensivo com exa-
mes complementares com aquelas que seguiram um
Infelizmente, a realidade é que o seguimento
programa mínimo, basicamente clínico.
das pacientes tratadas de câncer de mama mostrou-se
muito dispendioso e, o que é pior, sem qualquer alte-
ração nos resultados finais de sobrevida.
No nosso meio, 66% das pacientes têm sobrevi-
da de dez anos. Os óbitos ocorridos são relacionados Câncer de mama na
a metástases ósseas e pulmonares e a estádios mais gravidez e lactação
avançados.
Conquanto o câncer de mama seja o câncer
mais frequentemente observado na gravidez e no
puerpério, sua incidência é baixa, sendo encon-
Recidiva trado em aproximadamente 0,03% das gestações.
Apenas 1 a 2% de todos os cânceres de mama são
Análises de sobrevida indicam que a maioria diagnosticados na gravidez ou no puerpério. Não
das recorrências do câncer de mama é detectada no existem evidências implicando o período gestacio-
contexto de sinais e sintomas. Cerca de 75% das nal na etiologia ou evolução desse tipo de câncer.
pacientes desenvolvem alterações entre uma con- O exame cuidadoso da mama antes da gestação ou
sulta e outra, problemas que geralmente são pron- em seu início é importante para detectar alterações,

SJT Residência Médica – 2016


292
Ginecologia

antes que o ingurgitamento dificulte o diagnóstico. Sobrevida aproximada em cinco anos de


A mamografia é ineficaz na gravidez e na lactação acordo com o estádio clínico AJCC
devido ao aumento da densidade do parênquima
Estádio Sobrevida relativa em 5 anos
mamário. O ultrassom serve para diferenciar mas-
0 100%
sa sólida de cística, mas também é de difícil avalia-
I 98%
ção no período gestacional devido ao estado celular
hiperproliferativo. As biópsias também se tornam IIA 88%
mais difíceis devido ao aumento da vasculariza- IIB 76%
ção, do risco de infecções e também da ocorrência IIIA 56%
de fístulas lácteas. Tudo isso leva a um retardo no IIIB 49%
diagnóstico, o que resulta no fato de que cerca de IV 16%
70% dos casos tenham linfonodos axilares compro- Tabela 32.7
metidos e 25% sejam inoperáveis ao diagnóstico.
A par de todas as dificuldades, deve-se salientar a
necessidade de que o obstetra fique atento à possi-
bilidade de ocorrência do câncer de mama durante o
pré-natal, discutindo com os mastologistas os casos
Anexo
duvidosos e cuidando para que um diagnóstico pre-
coce seja feito. As opções terapêuticas variam, de-
pendendo do estágio da doença e da gravidez. A do-
Recomendações sobre o
ença ressecável, nos primeiros seis a sete meses tratamento cirúrgico do câncer
de gestação, deve ser tratada com mastectomia, de mama
pois a radioterapia estará contraindicada. Dian-
te de gestações mais avançadas, pode-se realizar
€ O tratamento conservador deve ser oferecido às
a tumorectomia e a dissecção axilar, adiando a pacientes, resguardando-se as considerações so-
radioterapia para depois do parto. O atraso no bre a relação tamanho do tumor versus tamanho
diagnóstico parece ser o único motivo para o prog- da mama acometida.
nóstico ruim dessas pacientes, pois, comparando- € A tumorectomia ou ressecção segmentar (qua-
-se estádio por estádio, elas apresentam evoluções drantectomia) deve, sempre que possível, ser re-
similares às de pacientes que não estão grávidas. A alizada com monitorização intraoperatória pelo
quimioterapia pode ser considerada nas fases avan- patologista, para assegurar margens cirúrgicas
çadas da gravidez, mas em geral deve ser adiada livres de neoplasia.
para após o parto.
€ O tratamento cirúrgico deve ser precedido por
minucioso exame clínico das mamas e um ade
quado estudo mamográfico bilateral.
€ Deve ser obtida autorização e consentimento da
Fatores prognósticos paciente por escrito após uma ampla discussão e
explicação das alternativas terapêuticas.
No câncer de mama não metastático (CMNM), o
fator prognóstico mais importante é o número de lin- € O procedimento cirúrgico conservador inde-
fonodos axilares (LA) afetados. Outros fatores de pior pende do local em que o tumor se encontra.
prognóstico incluem idade < 35 anos, ausência de Rh € A radioterapia pós-operatória faz parte do trata-
no tumor, hiperexpressão e/ou amplificação do Her-2, mento conservador.
alto grau de proliferação celular e tamanho do tumor. € As cirurgias radicais estão indicadas em to-
Outros fatores que podem ocasionalmente ser levados
dos os casos que não se enquadrem nos cri-
em consideração são: índices proliferativos, como ploi-
térios estabelecidos para tratamento conser-
dia do DNA, fração de fase S e Ki-67, marcadores de
vador, quando forem a opção da paciente e
invasividade (ativador do plasminogênio do tipo uro-
também quando houver impossiblidade de
quinase [uPA] e inibidor de ativação de plasminogênio
seguimento adequado.
[PAI-1]), assim como a presença de invasão linfovascu-
lar (ILV). É possível que, em um futuro próximo, cer- € As mastectomias radicais modificadas, opera-
tos padrões de expressão de genes (“cartas genéticas”) ções de Patey e Madden, são as mais indicadas
sejam também utilizados como marcadores prognós- para o tratamento radical do carcinoma invasivo
ticos no CM. da mama.
A Tabela 32.7 mostra a sobrevida aproximada em € A mastectomia radical à Halsted tem lugar quan
cinco anos, de acordo com o estádio clínico (AJCC). do existe extenso comprometimento muscular.

SJT Residência Médica – 2016


293
32 Câncer de mama

Contraindicações do tratamento Aspectos técnicos das


conservador mastectomias radicais
€ Multicentricidade. € Nas mastectomias, as incisões transversas deve-
rão ser adotadas sempre que possível.
€ Microcalcificações suspeitas e difusas.
€ Deverão ser evitadas as incisões em direção à axila.
€ Dificuldade de seguimento adequado.
€ Os retalhos cutâneos deverão ser delgados.
€ Contraindicações de radioterapia.
€ As margens de segurança deverão ser respeitadas.
€ Componente intraductal extenso (contraindica- € A drenagem a vácuo deverá ser sempre adotada.
ção relativa).
€ As incisões da cirurgia e do dreno deverão ser
incluídas no campo da radioterapia, cujos limites
são a linha médio-axilar e o esterno.
Aspectos técnicos do tratamento € Os três níveis axilares deverão ser identificados,
de modo a facilitar o adequado processamento
conservador anatomopatológico.
€ As incisões devem localizar-se preferencialmen- A mastectomia radical (Halsted) não é mais re-
te sobre o tumor, respeitando-se os padrões on- alizada pela sua agressividade cirúrgica sem aumento
cológicos, porém, sem se descuidar dos padrões da sobrevida das pacientes. Atualmente, realiza-se a
estéticos. mastectomia radical modificada, que pode ser:
€ As incisões da tumorectomia ou ressecção seg- Patey: remove a mama, o músculo peitoral me-
mentar (quadrantectomia) e do esvaziamento nor e a linfadenectomia axilar completa.
axilar deverão ser separadas, exceto quando o Maden ou Auchincloss: remove a mama e linfa-
tumor for localizado no quadrante superoexter- denectomia axilar completa.
no (QSE), situação em que poderá haver uma Mastectomia simples: extirpação da mama sem
única incisão. esvaziamento axilar.
€ A drenagem deverá ser a vácuo, em especial a da
axila.
€ A incisão da ressecção segmentar deve ser sem-
Quimioprevenção
pre incluída no campo de radioterapia.
Existem controvérsias entre europeus e america-
€ A pele deverá sempre ser ressecada quando o
nos quanto ao uso do tamoxifeno para quimiopreven-
tumor estiver próximo a ela, como é o caso dos ção primária.
tumores superficiais.
Em 1998, a Food and Drug Administration
€ Do mesmo modo, a aponeurose do músculo pei- (FDA) aprovou a utilização do tamoxifeno para a re-
toral maior deverá ser ressecada nos casos em dução da incidência do câncer de mama em mulheres
que o tumor for situado profundamente. saudáveis norteamericanas com risco para a doença.
€ As margens da peça cirúrgica deverão ser identi-
Isso ocorreu após resultados de um projeto que en-
volveu 13.388 mulheres com idade igual ou superior
ficadas para estudo anatomopatológico.
a 35 anos, sendo aquelas com idade entre 35 e 59
anos de risco preditivo de câncer de mama em cinco
anos igual ou superior a 1,66%, ou seja, presença de
Dissecção axilar mutações gênicas BRCA 1 ou BRCA 2, dois ou mais
parentes com carcinoma de mama na pré-menopau-
A dissecção axilar tem grande importância, pois sa, biópsia prévia revelando hiperplasia atípica ou
fornece dados para o estadiamento e o prognóstico, carcinoma lobular in situ ou carcinoma de mama
cuja análise poderá influir na indicação de tratamento prévio, segundo o modelo de Gail. Observou-se que
sistêmico e radioterapia. o tamoxifeno reduziu o risco de câncer invasivo em
49%. A diminuição do risco ocorreu em todas as fai-
€ A linfadenectomia axilar, a princípio, deverá ser
xas etárias e foi de 44% em mulheres com 49 anos ou
radical, extraindo os três níveis axilares.
menos, 51% naquelas com idade entre 50 e 59 anos
€ A ressecção do músculo peitoral menor fica a e 55% nas mulheres com 60 anos e mais. A droga
critério do cirurgião. Ela pode proporcionar um também reduziu o risco de câncer não invasivo em
melhor esvaziamento axilar, mas não é impres- 50%. Particularmente, foi importante a observação
cindível para tal.

SJT Residência Médica – 2016


294
Ginecologia

de que o tamoxifeno reduziu em 69% a incidência de temente do risco, a não ser em ensaios clínicos
câncer invasivo com receptores de estrogênio posi- controlados, até que seja nitidamente comprovado
tivos, entretanto, não houve diferença na incidência o seu benefício para a saúde como um todo ou para
do câncer invasivo com receptores negativos entre os a sobrevivência.
grupos placebo e tamoxifeno. Diferentemente do tamoxifeno, o raloxifeno
Entretanto, outros dois estudos, um inglês não reduziu a incidência de câncer não invasivo de
e um italiano, de tamanho amostral menor que o mama (CDIS e Clis). Inibidores de aromatase, deri-
americano e de diferentes características de ris- vados do ácido retinoico, agentes anti-inflamatórios,
co, não conseguiram os mesmos resultados, de tal fitoquímicos e estatinas são agentes preventivos po-
forma que na Europa não está indicado o uso de tenciais, e outros estão atualmente sendo avaliados
tamoxifeno em mulheres saudáveis, independen- em experiências clínicas.

COMPAIXÃO
é a capacidade de imaginar inteiramente o que é ser outra pessoa,
a força que constroi uma ponte que liga a ilha de um indivíduo à ilha do outro.
É a capacidade de pisar fora de nossa perspectiva, de nossas limitações e de nosso ego,
e de ficar atento ao mundo oculto de uma outra pessoas,
de maneira vulnerável, encorajadora, crítica e criativa.
John O’donohue

SJT Residência Médica – 2016


CAPÍTULO

33
Anticoncepção – planejamento
familiar

Introdução Métodos comportamentais


Planejamento familiar é a atividade informativa Os métodos comportamentais apresentam baixa
desenvolvida com o intuito de dar condições ao casal eficácia (alto índice de Pearl) e incluem:
de escolher quantos filhos ter e quando os ter, evitan- € Coito interrompido: consiste na retirada do
do uma gravidez indesejada por meio do método con- pênis imediatamente antes da ejaculação, para
traceptivo que mais agrade a esse casal, desde que não que ela ocorra fora do canal vaginal. Além de
seja contraindicado. apresentar altas taxas de falha (o líquido seminal
pode conter espermatozoides), favorece ejacula-
Para fins didáticos, os métodos anticoncepcio- ção precoce e impotência sexual.
nais podem ser classificados em transitórios ou defi- € Abstinência sexual periódica: consiste em
nitivos. Esses últimos são representados pelas esteri- evitar o coito nos períodos férteis. Apresenta al-
lizações cirúrgicas, ou seja, laqueadura e vasectomia. tas taxas de falha e requer conhecimento amplo
Os transitórios, por sua vez, compreendem todas as do ciclo menstrual, além da regularidade deste.
outras formas de anticoncepção e podem ser divididos São subdivididos em:
em métodos naturais ou comportamentais, métodos
a) método rítmico (tabelinha ou Ogino
de barreira (feminino e masculino), métodos hormo-
Knaus): baseado nos 12 últimos ciclos menstruais,
nais e dispositivos intrauterinos (DIU).
constata-se o mais longo e o mais curto. Considera-
A eficácia dos meios contraceptivos pode ser me- -se como início do período fértil o dia, dentro do ciclo,
dida por vários índices, sendo o mais usado e conhe- correspondente ao valor da redução de 18 do número
cido o índice de Pearl, que representa a razão entre o de dias do ciclo mais longo, e como fim desse período,
número de gestações de um determinado período com o dia correspondente ao número resultante da redu-
uso de um método anticoncepcional específico pelo ção de 11 do número de dias do ciclo mais longo. No
número de ciclos ou meses daquele período. período considerado fértil, faz-se a abstinência sexual.
296
Ginecologia

b) método de Billings: baseado na análise do


muco cervical, que se torna mais fluido e filante no
período periovulatório. A mulher deve observar carac-
terísticas do muco desde a menstruação e interromper
a atividade sexual assim que se iniciar as mudanças do
muco seco, retomando-as apenas quatro dias após o
pico de filância.
c) temperatura basal: após a ovulação, a mulher
apresenta aumento da temperatura basal entre 0,3ºC
e 0,8ºC. A abstinência deve durar desde a menstrua-
ção até três dias após a elevação da temperatura basal,
ou seja, envolve um longo período. Figura 33.4 Anel vaginal.
d) método sintotérmico: é a combinação dos
métodos anteriores.

Progestagênios utilizados em anticoncepção

Derivados da Derivados da Derivados da


19-nortestosterona 17-hidroxi-progesterona espironolactona

Noretisterona Acetato de ciproterona Drospirenona


Noretinodrel Clormadinona
D,L-norgestrel Acetato de
Levonorgestrel medroxiprogesterona
Diacetato de etinodiol Figura 33.5 Dispositivos intrauterinos.
Linestrenol
Norgestrel
Gestodeno

Figura 33.1 Progestagênios utilizados em anticon-


cepcionais hormonais.

Obs.: Nem todos estão disponíveis no Brasil e


nem todos são usados em anticoncepção oral.

Figura 33.6 Condom.

Figura 33.2 Contraceptivos hormonais orais.

Figura 33.3 Contraceptivo parenteral. Figura 33.7 Diafragma.

SJT Residência Médica – 2016


297
33 Anticoncepção – planejamento familiar

Como vantagens desse método, temos: (cont.)


Métodos de barreira Como desvantagens, podemos citar:
Os métodos de barreira podem ser penianos € Menor eficácia do que outros métodos para prevenir

(condom masculino) ou vaginais (diafragma, esponja, gestação


creme, espermicidas e condom feminino). Os méto- € Necessita de aceitação e cooperação do parceiro
dos de barreira apresentam eficácia inferior a 80% e € Necessita de uso adequado e frequente
não devem ser utilizados isoladamente como métodos € Pode romper ou deslocar durante o ato sexual – nesse
contraceptivos de maneira contínua. caso, é recomendada anticoncepção de emergência
para evitar gestação
€ Pode haver alergia ao látex – recomenda-se a troca
pelo preservativo feminino (de plástico)
Condom € Alguns cremes vaginais podem danificar o preservati-
Condom (ou camisinha), seja masculino ou fe- vo, por exemplo, cremes com miconazol
minino, é o único método que oferece proteção eficaz Tabela 33.1
contra doenças sexualmente transmissíveis.

Camisinha masculina Camisinha feminina


Trata-se de um capuz de látex descartável que A camisinha feminina é uma bolsa cilíndrica
envolve o pênis, apresentando formas, cores e textu- também descartável feita de plástico fino (poliu-
ras variáveis. Alguns são lubrificados com silicone ou retano), transparente e suave, do mesmo compri-
lubrificantes à base de água e outros são revestidos mento que o preservativo masculino, porém, com
com espermicidas. dois anéis flexíveis, um em cada extremidade. É
introduzida via vaginal e apresenta a vantagem de
Dessa forma, o condom masculino evita que o es-
poder ser colocada algumas horas antes da relação
perma entre no trato genital feminino e também evita
sexual. Durante a relação, o pênis penetra no inte-
que infecções no sêmen, no pênis ou na vagina sejam
rior do condom feminino e, no interior deste, será
transmitidas de um parceiro para o outro. A camisinha
depositado o sêmen com respectivos espermato-
apresenta tamanha impermeabilidade a ponto de im-
zoides ou possíveis vírus. Assim como o condom
pedir a passagem de micro-organismos tão minúscu-
masculino, se usada corretamente, previne DSTs,
los como o vírus da hepatite B (40 nm) ou o HIV (125
além de haver o efeito contraceptivo por sua im-
nm). Os preservativos masculinos, quando usados
permeabilidade. A eficácia anticoncepcional do
corretamente, reduzem significativamente o risco de
transmissão do vírus HIV em 80 a 95%. método varia de 5 a 21%.

No seu uso perfeito, a taxa de gravidez é de 3% A camisinha feminina é pré-lubrificada com lu-
em 12 meses. Esse uso correto envolve não só a ade- brificante à base de silicone. A taxa de gravidez é de 21
quada colocação, para evitar perdas de sêmen pelas em 100 mulheres após o primeiro ano de uso, usado
bases mal ajustadas e ruptura do material pela pre- da maneira mais comum, e de cinco em 100, quando
sença de ar, mas também a imediata retirada após a usado correta e constantemente.
ejaculação, pois a perda, ainda que parcial, da ere- Como é feita de poliuretano, pode ser usada em
ção, permite a saída do sêmen pelas bordas do pre- indivíduos com alergia ao látex.
servativo. A colocação deve ser feita no momento
do ato sexual.
Algumas pessoas apresentam alergia ao látex, o
que pode ser um problema para seu uso.

Como vantagens desse método, temos:


€ Previne gestação e DST
€ Fácil manuseio
€ Facilmente disponível e acessível
€ Não altera a fertilidade
€ Praticamente não há efeitos colaterais (apenas alergia a
látex) Figura 33.8 Camisinha feminina.

SJT Residência Médica – 2016


298
Ginecologia

Efeitos colaterais (cont.)


Vantagens do método
€ É controlado unicamente pela mulher
€ Não há efeitos hormonais
€ Pode ser inserido antes da relação, não causando
interrupção do ato sexual.
€ Algum grau de proteção contra DSTs
Desvantagens do método
€ Necessária a realização da medida do diafragma por
equipe treinada
€ Muitas mulheres sentem-se desconfortáveis com a
manipulação vaginal, podendo considerar a inserção
Figura 33.9 Inserção da camisinha feminina. e remoção difíceis
€ Não há boa segurança contraceptiva
€ Não há segurança efetiva contra DSTs
Como vantagens, podemos citar:
Tabela 33.3
€ Mais resistente do que o látex da camisinha masculina
€ Protege gravidez e DSTs
€ A mulher controla seu uso
€ Não há contraindicações
€ Não há necessidade de retirar imediatamente após a
ejaculação
Nas desvantagens, salientamos:
€ É mais caro do que o condom masculino
€ A mulher necessita tocar e entender os órgãos genitais,
podendo ser considerada difícil por algumas mulheres
€ Pode causar barulho no momento da relação
€ O pênis pode entrar inadequadamente (fora do anel)
€ Os anéis podem provocar desconforto
Tabela 33.2

Diafragma
Trata-se de um dispositivo contraceptivo circular
de látex ou silicone, em forma de calota, que cobre o
colo uterino. Deve ser usado juntamente com esper-
micidas para aumento da eficácia. Existem em vários
tamanhos e um médico treinado deve realizar a medi- Figura 33.10 Posicionamento adequado do diafragma.
da para escolha do tamanho adequado a cada vagina.
O mecanismo de ação é o bloqueio da entrada do es-
perma pelo colo do útero. A eficácia é dependente do usu-
ário. Em uso perfeito, a taxa de sucesso anticoncepcional
Esponja anticoncepcional
é de mais de 90%, mas, na média, fica em torno de 84%. Trata-se de uma esponja descartável de poliure-
Deve ser colocado na vagina 2 horas antes da re- tano, em forma de cogumelo, impregnada de material
lação sexual e lá permanecer por 6 a 8 horas pós-coito. espermicida.
Relações sexuais sucessivas são possíveis, mas a cada É umedecida e colocada no fundo da vagina, ocluin-
uma delas é preciso reforçar a dose de espermicida. do o colo do útero, e lá pode permanecer por 24 horas.
Pode ser reutilizado e é contraindicado se houver
Sua eficácia varia de 73 a 91%.
infecções do trato genital ou malformações na vagina.
A fertilidade não é interrompida com seu uso.
Oferece pouca proteção contra DSTs, de modo que não
deve ser recomendado com tal finalidade. Espermicidas
Correspondem a substâncias químicas que ina-
Efeitos colaterais tivam os espermatozoides. Seus representantes são o
€ Irritação vaginal ou peniana nonoxynol-9 (mais usado), o octoxinol-9 e o menfegol.
€ Lesões vaginais na inserção Existem em várias apresentações, mas a forma mais
€ Síndrome do choque tóxico (raro) usada é em gel.

SJT Residência Médica – 2016


299
33 Anticoncepção – planejamento familiar

Usados isoladamente, apresentam eficácia me- Monofásicas: todos os comprimidos apresen-


nor (78 a 90%), porém, são muito úteis como coadju- tam a mesma dose;
vantes de outros métodos contraceptivos de barreira. Bifásicas: os comprimidos apresentam duas co-
lorações diferentes, com doses hormonais diferentes
do mesmo hormônio, e devem ser tomados na ordem
indicada pela embalagem;
Contracepção hormonal Trifásicas: os comprimidos, de três colorações
diferentes, apresentam o mesmo hormônio em três
Define-se como contracepção hormonal a admi- doses diferentes e devem ser tomados na ordem indi-
nistração de progestagênios isolados ou associados aos cada na embalagem.
estrogênios com a finalidade de impedir a gravidez. As pílulas bi e trifásicas tentam reproduzir as flu-
Podemos dividir os métodos contraceptivos hor- tuações hormonais dos ciclos menstruais e são mais
monais de acordo com a via de administração: oral usadas em casos de sangramentos no intermeio das
(combinado monofásico, bifásico e trifásico, minipílu- cartelas. As pílulas mais usadas são as monofásicas.
Podem ser de uso contínuo ou com pausas.
la, pós-coital), injetável (mensal e trimestral), subcu-
tâneo (implantes), vaginal (anel), transdérmico (ade- Os contraceptivos orais combinados também po-
sivo) e intrauterino (DIU com liberação hormonal). dem ser classificados pela dose estrogênica – são deno-
minados pílulas de alta ou baixa dose (alguns conside-
Sua ação não se resume em inibir o eixo hipotála-
ram as pílulas de 15 mcg como de ultrabaixa dose) – ou
mo-hipófise-ovariano. A progesterona exógena, além pelo progestagênio – denominados de primeira, segun-
de inibir a liberação de LH, atua diminuindo a moti- da ou terceira geração. As pílulas de primeira geração
lidade tubária, tornando o muco mais espesso, o que (disponíveis no mercado brasileiro) são aquelas que
dificulta a ascensão de espermatozoides e promove contêm levonorgestrel associado a 50 mcg de etiniles-
a redução na produção de glicogênio no endométrio, tradiol. Doses menores de etinilestradiol associado ao
tornando-o mais hostil. O estrogênio inibe o FSH, progestagênio levonorgestrel caracterizam as pílulas de
potencializa o efeito da progesterona e permite uma segunda geração. Na presença de desogestrel ou gesto-
estabilização do endométrio, mantendo uma mínima deno, as pílulas são denominadas de terceira geração.
proliferação deste e evitando sua atrofia e sopotting.
O etinilestradiol é o estrogênio usado em to-
Todos esses contraceptivos hormonais, quando das as pílulas, variando apenas sua dose.
utilizados da maneira correta, apresentam alta eficácia. Os progestagênios das pílulas são provenientes de
três grupos: os derivados da 17-alfa-hidroxiprogestero-
na (17-OH-P), os derivados da 19 nortestosterona e os
derivados da espironolactona (ver tabela a seguir). Os
Anticoncepção oral derivados 19-nor apresentam leve efeito androgênico
Estima-se que 100 milhões de mulheres são usu- e podem favorecer obesidade, dislipidemia e diabetes
árias desse método, que se caracteriza por sua elevada em pessoas predispostas; os derivados 17-OH, ao con-
eficácia. Em nosso país, estima-se que 20% das mulheres trário, apresentam efeito antiandrogênico e podem ser
em idade fértil utilizem anticoncepção oral hormonal. úteis em casos de hirsutismo, acne ou SOP; já os deriva-
dos da aldosterona não levam ao incômodo da retenção
Quando lançado, na década de 1960, sua com- hídrica, minimizando o ganho de peso.
posição era de 150 mcg de estrogênio mais 10 mg de
progestagênio. Atualmente, essa dose não é mais pro- A pílulas contendo apenas progesterona podem ser
duzida por ser muito elevada e responsável por muitos as minipílulas, usadas na concomitância da amamenta-
efeitos colaterais, como trombose, infarto do miocárdio ção, ou as de desogestrel, indicadas principalmente em
casos de endometriose. Seu uso é contínuo, sem pausas.
e AVC, dado que o estrogênio pode levar ao aumento de
fatores de coagulação e alteração da tríade de Virchow,
como veremos adiante. A partir de então, a produção OH

começou a ser cada vez com doses mais baixas (50 mcg, C ≡ CH Alta dose
30 mcg, 20 mcg e até 15 mcg de etinilestradiol). > 50 mcg

Atualmente, existem pílulas de associação de


estrogênio e progesterona (também chamadas de an- Etinilestradiol Baixa dose
HO 35 mcg
ticoncepcionais orais combinados) ou apenas de pro- 30 mcg
gesterona. 20 mcg
15 mcg
As pílulas combinadas contêm um estrogênio e
um progestagênio em diferentes doses e esquemas po- Figura 33.11 Pílulas de alta e baixa dose de acordo
sológicos, sendo, dessa forma, classificadas em: com a dose estrogênica.

SJT Residência Médica – 2016


300
Ginecologia

A Figura 33.12 apresenta os diferentes progesta- aumento do apetite, hirsutismo, ganho de peso cons-
gênios e sua classificação por geração. tante, atrofia mamária, hemorragia intermediária, se-
borreia e queda de cabelo. Desses, o mais incômodo é
PROGESTAGÊNIOS
a presença de hemorragias intermediárias (spotting),
pela atrofia endometrial que produzem. Podem ainda
17-OH-P 19-nor-testosterona 17α espironolactona
promover elevação da resistência insulínica e seu uso
crônico associa-se à perda de massa óssea.
acetato 1a geração drospirenona Os anticoncepcionais hormonais podem se respon-
de ciproterona noretisterona sabilizar, ainda, pela elevação dos níveis de colesterol.
diacetato de etinodiol
acetato
de clormadinona 2a geração
norgestrel Efeitos sobre o sistema reprodutor
levonorgestrel
*Ovários:
3a geração € Certo grau de maturação folicular
desogestrel
gestodene € Fibrose do estroma transitória
€ Diminuição na incidência de cistos funcionais
Figura 33.12 Classificação dos progestagênios das
*Miométrio:
pílulas.
€ Hipotrofia (diminui o número de receptores estrogê-
nicos)
*Endométrio:
E昀椀cácia € Proliferação do estroma com edema localizado
€ Arteríolas espiraladas pouco desenvolvidas
O índice de Pearl dos anticoncepcionais orais
€ Atrofia endometrial
combinados varia entre 0,2/100 mulheres/ano, no uso
*Colo uterino:
perfeito, a 3/100 mulheres/ano, no uso típico. Desse
€ Hiperplasia polipoide adenomatosa
modo, podemos observar claramente que a eficácia do
€ Ectopia
método é individual, baseada na maneira correta do
uso da pílula, sendo a orientação fundamental para o *Vagina:
€ Vaginite, principalmente pela Candida albicans
objetivo da anticoncepção.
*Vulva:
Se usada corretamente, oferece proteção no pri- € Alterações tróficas
meiro ciclo de uso, todavia, é mais prudente usar um *Mamas:
método de barreira concomitante nos primeiros dias. € Modificações no volume
Algumas medicações podem interagir com anti- € Aumento na sensibilidade (10%)
concepcionais, diminuindo sua eficácia por competição *Lactação:
enzimática. As principais são: fenitoína, barbitúricos, € Redução no volume e duração
carbamazepina, rifampicina, ampicilina e griseofulvina. € Maior concentração de proteínas, lipídios e compo-
nentes inorgânicos
€ Ginecomastia
*Galactorreia e hiperprolactinemia:
Efeitos colaterais € Nos casos de anticoncepcionais orais de altas dosa-
O principal efeito colateral associado ao estrogê- gens
nio é o aumento dos fatores de coagulação II, V, VII, Tabela 33.4
VIII, IX, X e XII, proporcionado por estímulo hepá-
tico de primeira passagem por esse órgão. Ainda por Efeitos sobre outros órgãos e sistemas
esse efeito, pode levar a aumento da pressão arterial. *Fatores de coagulação:
Além disso, se associa a outros sinais e sintomas, tais Estrogênio
como cefaleia, náuseas, vômitos, tonturas, cãibras, ir- € Aumento dos fatores II, V, VII, VIII, IX, X e XII
ritabilidade, nervosismo, meteorismo, ganho de peso, € Diminuição da antitrombina III (anticoagulante)
edema pré-menstrual, ingurgitação venosa, mastal- € Aumento do número, adesividade e agregação plaque-
gia, cloasma, queda da libido e alterações do humor. tária
Esses sintomas são variáveis de pessoa para pessoa. € Aumento do tromboxano (vasoconstritor)
€ Diminuição da prostaciclina (vasodilatadora)
Já os progestagênios apresentam a redução da
velocidade do sangue intravascular como principal Progesterona:
€ Reforça o calibre do vaso
efeito colateral, além de outras alterações, principal-
€ Diminui a velocidade do fluxo sanguíneo
mente cutâneas, como fadiga, depressão, alteração da
€ Aumenta a prostaglandina
libido, hipomenorreia, amenorreia, acne, exantema,

SJT Residência Médica – 2016


301
33 Anticoncepção – planejamento familiar

Efeitos sobre outros órgãos e sistemas (cont.)


€ Melhora relativa da acne, seborreia, hirsutismo e
artrite reumatoide em alguns casos;
*Doença vascular cerebral:
€ Riscos 2 a 4 vezes maior € A fertilidade retorna assim que interrompida a
€ Fatores de risco associados (hipertensão arterial e cartela;
fumo) € Pode prevenir a anemia ferropriva;
*HAS: € Podem aumentar o prazer sexual por diminuir
€ Maior incidência (2,5 a 3 vezes), relação com idade e
a preocupação com a possibilidade de gravidez.
peso
€ Reversível após suspensão do ACO
€ Efeito mineralocorticoide do progestagênio Contraindicações
*Metabolismo dos carboidratos:
€ Diminui a tolerância à glicose Contraindicações
€ Aumento da resistência periférica à insulina As três principais contraindicações dos contraceptivos
€ Redução do número de receptores de insulina hormonais são: câncer de mama, fenômenos trombo-
*Metabolismo dos lipídios: embólicos e hepatopatias.
Estrogênio: Entre as outras contraindicações, temos:
€ Diminui o colesterol e o LDL Absolutas: Neoplasia hormônio dependente ou suspeita
€ Aumenta o HDL € Câncer de mama declarado ou suspeito
€ Tromboflebite ou doença tromboembólica, ou ante-
Progesterona:
€ Derivados do pregnana não alteram as lipoproteínas
cedente
€ Doença coronariana, cerebrovascular ou ocular
€ Derivados 19-nor diminuem HDL e aumentam LDL
€ Sangramento uterino anormal não diagnosticado
*Fígado:
€ Gravidez declarada ou suspeita
€ Queda reversível da função excretora hepática
€ HAS severa
(1:10.000)
€ Diabetes insulino-dependente grave
*Vias urinárias:
€ Hepatopatias agudas ou crônicas
€ Maior ocorrência de ITU
€ Fumantes acima dos 35 anos
*Sistema imune:
€ LES
€ Estrogênio deprime a resposta imune
€ Hipercolesterolemia primária ou familiar
€ Progesterona estimula a resposta imune
€ Valvulopatias
*Tireoide:
€ Elevação da tiroxina circulante Relativas: Fatores de risco para tromboembolismo
€ Antecedente de icterícia
€ Diminuição da captação de T3 circulante
€ Epilepsia
*Pele:
€ Psicoses e neuroses graves
€ Maior frequência de fotossensibilidade, rosácea,
€ HAS leve ou moderada
eczema e cloasma (3 a 4% das usuárias)
€ Diminuição da seborreia, melhora da acne € Insuficiência renal e cardíaca
€ Mola hidatiforme recente (até beta-hCG ficar negativo)
Tabela 33.5
€ Hiperprolactinemia
€ DM moderado
Efeitos bené昀椀cos Tabela 33.6
Apesar dos inúmeros efeitos colaterais já citados,
a mulher e a indústria farmacêutica não desistem da Orientações sobre o uso adequado
utilização dos contraceptivos hormonais, pois trazem
inúmeros benefícios: A maioria dos anticoncepcionais hormonais
orais combinados devem ser iniciados nos primei-
€ Ciclos menstruais mais regulares;
ros sete dias do ciclo menstrual, utilizados por um
€ Alívio da dismenorreia, da TPM e do fluxo período de 21 dias consecutivos seguidos por uma
abundante; pausa de sete dias. Se a escolha for uma pílula de
€ Risco menor de DIPAa (33 a 50%) pelo muco baixa dosagem, é recomendável iniciar no primeiro
espesso; dia. Para as pílulas de dose ultrabaixa, a pausa cos-
€ Diminui o risco de gravidez ectópica; tuma ser de apenas quatro dias. Quanto mais pre-
coce for o início do uso da pílula em relação ao ciclo
€ Reduz a incidência de moléstia trofoblástica;
menstrual, melhor é a eficácia nesse ciclo. Não po-
€ Rápida regressão de cistos ovarianos funcionais; demos esquecer que a omissão de um comprimido
€ Reduz o risco de câncer endometrial, doenças diminui a eficácia e aumenta a ocorrência de spot-
benignas da mama e câncer de ovário; ting (sangramento irregular).

SJT Residência Médica – 2016


302
Ginecologia

No caso de esquecimento de um compri- progesterona. Podem usar pílulas com 35 mcg de


mido por menos de 24 horas, deve-se utilizar levonorgestrel ou de 50 mcg de linestrenol, conhe-
imediatamente a drágea, utilizando a pílula se- cidas como minipílulas, ou pílulas de doses maio-
guinte no mesmo horário regular. Após 24 ho- res de progesterona, como as de desogestrel, além
ras, preconiza-se a ingestão de duas drágeas no de existir a possibilidade de injetáveis, como ve-
horário regular e tomar o restante das pílulas remos adiante. Essas serão usadas a partir do ter-
de maneira habitual. ceiro mês pós-parto. O uso de anticoncepcionais
Caso haja esquecimento de mais de dois com- somente com progestogênio não afeta a amamen-
primidos, deve-se orientar a utilização de métodos tação, tampouco o crescimento e o desenvolvimen-
de barreira durante sete dias, tomando as pílulas to do recém-nascido.
restantes de forma habitual. A suplementação alimentar reduz a frequência
Devemos suspender o uso dos ACOs nos casos de das mamadas e diminui a eficácia do método LAM.
tromboembolismo, HAS, cirurgias iminentes, imobili- Por essas razões, impõe-se a troca das minipílulas por
zação prolongada, hepatite e gravidez. formas combinadas após seis meses, quando há intro-
dução de outros alimentos ao bebê, ou em qualquer
Após um aborto provocado ou espontâneo, deve época em que isso ocorrer. Pílulas de doses mais altas
ser iniciada nos primeiros sete dias ou em qualquer de progesterona podem ser continuadas, pois têm efi-
outro momento, desde que tenhamos certeza de que cácia maior (97%).
a usuária não esteja grávida.
O uso da minipílula é contínuo, sem necessidade
Após o parto, o uso da pílula anticoncepcional é de pausa entre uma cartela e outra.
dependente de amamentação.
As mulheres que não amamentam podem iniciar
o uso da pílula combinada após o período de abstinên-
cia sexual (quarentena), sem necessidade de esperar a
menstruação, uma vez que pode ocorrer ovulação pré- Anticoncepção hormonal
via e possível gravidez. parenteral
As mulheres que amamentam adequadamente e € Muito eficiente: índice de falha ao redor de 0,5
pretendem continuar este hábito não devem fazer uso a 2,6%.
de anticoncepcionais com estrogênios até seis meses Os anticoncepcionais injetáveis podem ser ape-
pós-parto, pois diminuem a produção de leite. Para es- nas de progesterona (injetáveis trimestrais) ou com-
sas, o adequado é o uso de progesterona isoladamente, binados (injetáveis mensais). Diferentemente das pí-
como veremos a seguir. lulas, em que apenas um tipo de estrogênio é usado
€ Quantidade que passa pelo leite é inferior a 1% (etinilestradiol), nos injetáveis existem formulações
dos níveis séricos da mãe. com três tipos: valerianato, cipionato e enantato de
estradiol. Nestes, o estrogênio é natural, diferente-
mente das pílulas, nas quais é sintético.

Progestágenos na lactação Além da facilidade de serem tomadas, a grande


vantagem desse tipo de anticoncepção é que não apre-
As mulheres que amamentam exclusivamente da senta primeira passagem pelo fígado.
forma natural apresentam hiperprolactinemia, com
modificação da função cíclica do eixo hipotálamo-hi-
pofisiário, levando à anovulação. Vantagens
Ação dos hormônios por tempo mais prolongado, não
O método de amenorreia da amamentação se
interferem no ato sexual
baseia no uso da amamentação natural como método
€ Custo relativamente baixo
contraceptivo. A sucção frequente por parte do bebê
envia impulsos nervosos ao hipotálamo materno, que € Não há interrupção por causas irrelevantes
responde alterando a produção dos hormônios hipo- € Bom para pacientes “esquecidas”
talâmicos, ou seja, eleva-se a produção de prolactina,
Desvantagens
que inibe liberação de LH e FSH e isso leva à anovu-
lação e à amenorreia. Quando usado corretamente, o € Necessidade de maior controle médico
LAM tem eficácia de 98% para prevenir gravidez nos € São invasivos e/ou duradouros
primeiros meses do pós-parto. € Podem acompanhar irregularidades menstruais
Como forma de garantir a contracepção, as € Classificação de acordo com a via de administração
mulheres com amamentação exclusiva e eficaz,
ainda assim, devem fazer uso de contraceptivos de Tabela 33.7

SJT Residência Médica – 2016


303
33 Anticoncepção – planejamento familiar

Injetáveis mensais Injetáveis trimestrais


São feitos apenas à base de progesterona, no Bra-
Comercializados no Brasil: sil, especificamente de acetato de medroxiprogestero-
Mecanismo de ação semelhante ao do anticon- na, e possuem alta eficácia.
cepcional oral:
€ Perlutan = 150 mg acetofenido de diidroxipro-
gesterona + 10 mg enantato de estradiol Acetato de medroxiprogesterona:
€ 
Mesigyna = 50 mg enantato de noretisterona + € Posologia: 150 mg a cada três meses.
5 mg valerato de estradiol € Primeira aplicação: dentro dos primeiros dias do
ciclo menstrual. Se o início for após o oitavo dia
do ciclo, outro método deve ser utilizado nas pri-
E昀椀cácia meiras 48 horas.
Extremamente alta: índice de falha de 0,1 a 0,3% € Alta eficácia: índice de falha de 0,2 a 0,7%.
durante o primeiro ano de uso.

Efeitos colaterais
Indicações € Amenorreia – acontece com a maioria das mu-
lheres e muitas consideram o efeito benéfico, en-
€ Mulheres “esquecidas”; tretanto, pode permanecer por mais de um ano
€ Pacientes com náuseas e vômitos com uso do após a suspensão do método, o que acontece em
ACO; 55% das mulheres;
€ Síndromes de má absorção; € Sangramento escasso e infrequente assim como
nas pílulas, a progesterona isolada pode ocasio-
€ Pacientes gastrectomizadas ou com bypass
nar atrofia endometrial e promover spottings.
intestinal;
€ Alteração na frequência, duração e quantidade
€ Pacientes psiquiátricas não colaborativas; de sangramento.
€ Alternativa ao ACO. € Ganho de peso: 0,5 a 2 kg ao final de um ano de uso.
Como não tem primeira passagem hepática, pro- € Aumento de tecido aDIPAoso.
duz menos efeitos sobre a pressão arterial, sendo uma
€ Cefaleia, depressão, diminuição da libido,
boa opção em hipertensas.
dores e distensão abdominal.
€ Redução da densidade mineral óssea – o
efeito é reversível após descontinuidade
Contraindicações do uso do método.
Por possuírem a mesma base dos anticoncepcio- € Alguns estudos mostram alteração do metabolis-
nais orais, as contraindicações de ambos os métodos mo lipídico com aumento do LDL e diminuição
são praticamente as mesmas. do HDL.
€ Elevam à resistência periférica a ação da insulina.

Efeitos secundários
Vantagens
€ Alteração do ciclo menstrual – sangramento
prolongado, amenorreia ou spotting; € Longa duração;
€ Ganho de peso; € Não inibe a lactação;
€ Cefaleia e vertigem;
€ Diminui incidência de DIPAa pela maior hostili-
dade do muco cervical;
Esses problemas tendem a desaparecer com a
€ Diminui a incidência de vaginite por Candida
manutenção do método, mas, caso persistam por mais
albicans;
de três meses, deve-se considerar a substituição por
outra forma contraceptiva. € Previne a anemia (pela amenorreia ou hipome-
norreia);
Os injetáveis mensais tendem a manter a regu-
€ Anemia falciforme (pode evitar crises de falci-
laridade do ciclo menstrual e, se não o fazem, é por
zação).
diferenças em velocidade de absorção. Geralmente, há
rápido retorno da fertilidade, ou seja, logo após três € Diminui a chance de câncer de endométrio.
meses da última aplicação. € Ajuda a reduzir sintomas de endometriose.

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304
Ginecologia

Principais indicações formato semelhante a um quadrado, mas com cantos


arredondados, que mede aproximadamente 4,5 x 4,5
€ Anemia falciforme;
cm. É feito de poliéster transparente, flexível e im-
€ Lactação; permeável, o que impede a interferência da umidade
€ Pré-menopausa; (transpiração, piscina) e de impurezas nos hormônios.
€ Endometriose. Cada adesivo contém 0,60 mg de etinilestradiol
e 6 mg de norelgestromina e libera na circulação san-
guínea 20 e 150 mcg dos respectivos hormônios a cada
Contraindicações 24 horas. Por serem absorvidos por meio da pele e não
€
passarem pelo fígado antes de exercer sua ação, ao
Diabetes mellitus;
contrário do que ocorre com a administração de hor-
€ Jovens com desejo de gestação a curto prazo; mônios por via oral, as doses totais são significativa-
€ Hipertensão grave; mente menores.
€ Sangramento uterino anormal; Deve ser trocado a cada sete dias por três sema-
€ História de câncer de mama; nas e, durante a quarta semana, ocorre a “pausa”, na
€ Dislipidemia grave ou histórico de infarto, AVC
qual a mulher deve menstruar. O índice de falha é de
ou doença coronariana. 0,8 gestações a cada 100 mulheres/ano de uso.
Não se recomenda o uso antes dos 16 anos. Apresenta indicações e contraindicações, bem
como efeitos adversos, semelhantes aos injetáveis
Retorno à fertilidade: cerca de cinco meses
mensais.
após o final do efeito contraceptivo, portanto, após
oito meses. Mas, como dito, essa configuração pode se
prolongar.

Implantes
Os implantes são bastões de 4 cm de comprimen-
to por 2 mm de diâmetro colocados no subcutâneo da
face interna do antebraço, pouco acima do cotovelo,
no sulco entre o bíceps e o tríceps. Eles contêm um
progestagênio, o etonogestrel cristalino, na dose de
68 mg, com liberação contínua. A taxa de liberação in
vitro foi de 60 a 70 mcg/dia nas semanas 5 e 6 pós-
-colocação, reduzindo para 35 a 40 mcg/dia no final do
Figura 33.13 Anticoncepcional transdérmico.
primeiro ano, para 30 a 40 mcg/dia no final do segun-
do ano e para 25 a 30 mcg/dia ao término do terceiro
ano. Está aprovado para até três anos de uso.
Os efeitos colaterais, indicações e contraindica- Anel vaginal
ções são coincidentes com os dos injetáveis trimestrais.
Contém 2,7 mg de etinilestradiol e 11,7 mg de
etonogestrel, com liberação diária de 15 mcg de eti-
nilestradiol e 120 mcg de etonorgestrel. Para usar um
E昀椀cácia anel vaginal, a mulher o introduz na vagina com os
Em três anos, a taxa de gravidez foi de zero em dedos, colocando-o na posição que lhe for mais con-
2.362 mulheres. Dessas, 16% descontinuaram o mé- fortável. O melhor encaixe se dá na parte superior da
todo no primeiro ano e 8%, no segundo ano, a maioria vagina. Deve ser colocado na vagina entre o primeiro
por alterações no padrão de sangramento. O retorno e o quinto dia do ciclo e mantido por três semanas,
da ovulação ocorre em média três semanas após a re- quando é retirado e então há a pausa de uma semana,
tirada do implante. período no qual a mulher menstrua. A eficácia é seme-
lhante à do anticoncepcional oral. O nome comercial
é Nuvaring. Não interfere nas relações sexuais e a
maioria dos homens não o sente. Caso seja deslocado,
Anticoncepcional transdérmico basta reintroduzi-lo. Apresenta a vantagem da troca
O adesivo anticoncepcional transdérmico, dispo- apenas após 21 dias, todavia, requer manipulação de
nível no mercado brasileiro com o nome de Evra, tem genitais e conhecimento da anatomia, o que pode res-
uma superfície de contato de 20 cm² de área, com um tringir seu uso em algumas mulheres.

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305
33 Anticoncepção – planejamento familiar

E昀椀cácia
No primeiro ano de uso, a taxa de gravidez com
DIU de cobre é de 0,6 a 0,8 por 100 mulheres. Os es-
tudos clínicos demonstram que esse é o método de
menor taxa de descontinuidade (em um ano, a cada
100 mulheres, apenas 12 trocam o método, sendo as
causas mais frequentes o sangramento aumentado e
Figura 33.14 Anel vaginal. Método para inserir e o
anel da vagina. a dor). O DIU com levonorgestrel apresenta taxa de
gravidez de 0 a 0,2 por 100 mulheres em cinco anos.

Dispositivo intrauterino
(DIU)
Cerca de 100 milhões de mulheres utilizam DIU. O
DIU nada mais é do que um corpo estranho intrauteri-
no que estimula uma reação inflamatória no endométrio
(endometrite asséptica), tornando-o hostil e cheio de
macrófagos que podem fagocitar espermatozoides em
ascensão. Além disso, possui ação espermicida e provoca Figura 33.15 Imagem dos fios do DIU (seta) se exteriori-
reações bioquímicas que interferem no transporte desses zando pelo orifício do colo uterino ao exame especular.
espermatozoides no aparelho genital. Alguns, como será
explicitado a seguir, liberam progesterona, o que faz com
que, além dos efeitos citados, ocasionem anovulação, re-
dução do peristaltismo tubário e espessamento do muco
cervical, elevando a eficácia anticoncepcional.

Tipos
DIU com cobre – feito de plástico e revestido com
filamento de cobre.
DIU que libera hormônio – feito de plástico e re-
vestido por cápsula que libera pequenas quantidades Figura 33.16 Imagem ultrassonográfica evidencian-
de levonorgestrel. do a presença do DIU de cobre dentro do útero (seta).

Os DIUs com cobre mais usados são o TCu 380A


e o Multiload 375 (menor proporção). Os números que
acompanham o modelo se referem à superfície de cobre Inserção
presente. Foi constatado que quanto maior for esta su- A colocação do DIU é feita via vaginal, pelo ori-
perfície, maior será o número de íons de cobre liberados fício do colo uterino, após avaliação clínica de ano-
na cavidade uterina. Esses íons interferem na vitalidade malias uterinas e histerometria para verificação da
e na motilidade dos espermatozoides, além de diminu- profundidade de inserção. Não há necessidade de uso
írem a sobrevida do óvulo no trato genital. O mais usa- de anestesia de condução e o melhor momento para a
do, TCu 380A, pode permanecer inserido por até dez introdução é o período menstrual, quando o orifício
anos, quando deve ser retirado ou substituído. encontra-se mais aberto, o que reduz os incômodos, e
O DIU com levonorgestrel possui, na haste vertical quando há certeza da ausência de gravidez.
do T, uma cápsula que contém o hormônio levonorges- As principais complicações no momento da in-
trel na quantidade de 52 mg, liberado constantemente serção são:
em pequenas quantidades na cavidade uterina. Uma par-
€ Dor;
te do levonorgestrel é absorvida e passa para a circulação
€ Reação vagal;
sistêmica, podendo, por isso, provocar efeitos colaterais,
como acne e pele gordurosa. Podem ser mantidos por até € Sangramento de causa desconhecida;
cinco anos. O alto custo ainda limita seu uso. € Laceração do colo uterino;

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306
Ginecologia

€ Perfuração da parede do útero; não são visualizáveis, a gestação deve ser acompanhada
€ Bacteremia transitória (deve-se fazer uso de an- com cuidados redobrados, pois o risco de corioamnioni-
tibioticoprofilaxia na introdução de DIU em pa- te e ruptura prematura de membranas com consequente
cientes com doenças valvares). interrupção prematura da gravidez aumenta muito.
A Tabela 33.8 traz as contraindicações do uso de DIU,
mas é preciso lembrar que ele promove uma comunicação
do meio vaginal, onde está o fio-guia para futura retirada, Usuárias de DIU com DIPAa
com o intrauterino, de modo que favorece infecções do
O DIU não causa infecção, mas favorece que uma
trato genital superior, como DIPAa. Desse modo, não deve
infecção do trato genital inferior ascenda ao superior,
ser colocado em mulheres com promiscuidade sexual, pas-
com a consequência de doença inflamatória pélvica, sal-
sado recente de DIPAa ou infecção vulvovaginal vigente.
pingite e pelviperitonite, como foi explicado anterior-
mente. As chances dessa complicação estão diretamen-
te relacionadas ao comportamento de risco para DSTs.
Complicações durante o uso Muito embora alguns autores recomendem a manu-
€ Expulsão; tenção do DIU em casos de DIPAa leve, o manual de anti-
€ Dor pélvica e dismenorreia; concepção da Febrasgo (Federação Brasileira das Associa-
€ Sangramento anormal: menorragia e hiperme- ções de Ginecologia e Obstetrícia) orienta a remoção do
norreia; dispositivo diante do diagnóstico de DIPAa confirmado.
€ Infecção.
O risco de gravidez ectópica em mulheres que A Organização Mundial da Saúde (OMS) consi-
usam DIU é obviamente menor do que naquelas que derou as seguintes categorias de usuárias de DIU
não usam nenhum método anticoncepcional, acre- Categoria 4: contraindicações absolutas
ditando-se que, diante da falha do método, há mais € Gravidez confirmada ou suspeita
chance de a gravidez ser ectópica. € Infecção pós parto ou pós-aborto

A dismenorreia e aumento do sangramento va- € DIPAa atual ou nos últimos 3 meses

ginal estão mais relacionados ao uso de DIU de cobre, € Cervicite purulenta


sendo que os efeitos colaterais específicos dos DIUs € Sangramento vaginal sem diagnóstico
medicados são devidos à progesterona, e incluem: € Tuberculose pélvica
€ Antecedente pessoal de DIPAa por duas ou mais
€ Spotting;
vezes
€ Amenorreia;
€ Câncer de colo uterino, endométrio, ovário ou coriocar-
€ Sensibilidade mamária;
cinoma
€ Acne; € Alterações anatômicas do útero que impeçam a colo-
€ Dor abdominal; cação do DIU
€ Cefaleia; Categoria 3: riscos que habitualmente superam
os benefícios
€ Náuseas;
€ Sangramento menstrual aumentado
€ Edema.
€ Pós-parto entre 3 e 28 dias
Como a absorção de progesterona para a circulação € Risco aumentado de DSTs
é baixa, os efeitos sistêmicos são menos comuns (sensi- € Alto risco de contrair HIV
bilidade mamária e acne acometem 14% das mulheres). € Aids
As alterações locais mais frequentes, como spottings e € Doença trofoblástica benigna
amenorreia, estão presentes em 20% das usuárias no Categoria 2: riscos menores que os benefícios
primeiro ano e em 50% delas em cinco anos. € Idade menor que 20 anos
€ Nuliparidade
€ Anemia ferropriva, talassemia, anemia falciforme

Usuárias de DIU com atraso € Pós-parto e pós-aborto de 2º trimestre


€ Mioma ou problemas anatômicos que alteram a
menstrual cavidade uterina
€ História de DIPA sem gravidez anterior
Caso uma mulher apresente atraso menstrual na
€ Vaginite sem cervicite
vigência de uso do DIU, a conduta inicial é verificar se há
€ Endometriose
gravidez ou não, por meio da dosagem da gonadotrofina
€ Dismenorreia severa
coriônica no sangue. Se esta for positiva, o dispositivo
deve ser removido, pois a taxa de abortamento cai de 50 € Doença cardíaca valvular complicada (fibrilação auri-

para 25% com a remoção. Se os fios de reparo do DIU cular, risco de tromboembolismo)

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307
33 Anticoncepção – planejamento familiar

A Organização Mundial da Saúde (OMS) conside- previnem a gravidez em ¾ dos casos e reduzem a chan-
rou as seguintes categorias de usuárias de DIU ce de gestação em uma relação desprotegida no meio
(cont.) do ciclo de 8% para 2%.
Categoria 1: uso sem restrições Os efeitos colaterais principais são náuseas, vô-
€ Mais de 4 semanas pós-parto sem infecção mitos, cefaleia, tonturas, mastalgia, diarreia, dor ab-
€ Após aborto de primeiro trimestre sem infecção dominal e irregularidade menstrual, que tendem a
€ Idade acima de 35 anos desaparecer em alguns dias.
€ HAS, diabetes, doenças tromboembólicas, cardio-
vasculares isquêmicas, cardiopatia valvular, doenças
hepáticas, obesidade e hiperlipidemias Esquemas
€ Antecedente de gravidez ectópica e DIPA com gravidez € ACO contendo 50 mcg de etinilestradiol + 50 mg
posterior de levonorgestrel, duas drágeas seguidas de mais
€ Cefaleia duas após 12 horas (método de Yuzpe);
€ Doenças da mama
€ Levonorgestrel 0,75 mg, 1 comprimido a cada
€ Epilepsia
12 horas, em duas ingestões ou os dois compri-
€ Antecedente de cirurgia abdominal ou pélvica
midos em uma única ingestão, lembrando que a
As associações de duas ou mais condições podem ele-
administração do levonorgestrel em dose única
var a categoria
ou a cada 12 horas tem resultados semelhantes.
Tabela 33.8
O esquema com uso apenas de progestagênio
causa menos náuseas e vômitos e é mais eficaz.
É importante orientar a paciente que o uso
Anticoncepção pós-coital desse método provoca antecipação do fluxo sanguí-
neo, sendo comum alterações no padrão de sangra-
ou de emergência mento do ciclo tratado. Em caso de persistência,
deve ser afastada a possibilidade de gravidez.

Anticoncepção oral de Composição dos anticonceptivos de emergência


emergência Anticoncepcionais orais de Nomes comerciais
Também conhecida como pílula do dia seguin- progestagênios
te, é uma medida de urgência que tenta prevenir uma Levonorgestrel 0,75 mg Postinor 2; Norlevo;
gravidez não programada em casos de coito único não Pozato; Nogravid
protegido, protegido com condom que se rompeu e em Levonorgestrel 1,5 mg Postinor Uno
casos de estupro. Deve ser um método contraceptivo Método de Yuzpe- Nomes comerciais
excepcional e não rotineiro. combinado
Levonorgestrel 0,25 mg e Evanor; Neovlar;
O método ajuda sobremaneira a prevenir a gra- etinilestradiol 0,05 mg Normamor;
videz indesejada, presente em mais de 2 milhões
Levonorgestrel 0,15 mg e Microvlar; Nordette; Ciclo
de mulheres no Brasil, seja por uso inadequado dos etinilestradiol 0,03 mg 21; Gestrelan; Ciclon;
métodos anticoncepcionais, seja por falta de conhe- Levogem
cimento e acesso a estes. Em torno de 25% das ges- Tabela 33.9 Nota: os nomes comerciais são apenas
tações são indesejadas, e, destas, 50% terminam em exemplos, existem outros produtos com a mesma com-
abortamento provocado. posição.
Essas pílulas atuam de três formas:
€ Inibindo a ovulação, se utilizada na primeira fase
do ciclo; Dispositivo intrauterino
€ Alterando a função lútea por ação direta no cor- Uma alternativa para a anticoncepção de emer-
po amarelo, impedindo decidualização do endo- gência é a introdução dos dispositivos intrauterinos,
métrio para gestação;
especialmente após 72 horas do coito. Podem ser in-
€ Interferência na dinâmica dos espermatozoides seridos até cinco dias após a relação sexual, quando
e/ou tuba. apresentam boa eficácia na prevenção da gravidez
Devem ser utilizadas até 72 horas após a re- indesejada. São usados geralmente em casos de vio-
lação sexual, mas é melhor que seja administrada o lência sexual, quando sua introdução dever ser acom-
mais rápido possível, para um melhor resultado, pois panhada de uso de antibiótico, geralmente doxiciclina
sua eficácia diminui com o passar do tempo. Assim, 100 mg VO 12/12 horas por 21 dias.

SJT Residência Médica – 2016


308
Ginecologia

RU-486
Também conhecida como pílula do aborto, tem como princípio ativo o mifeprostone, um derivado 19-no-
retisteroide sintético que apresenta efeito antiprogestogênico. Assim, liga-se a receptores de progesterona,
principalmente no endométrio, impedindo a ação desse hormônio e o amadurecimento endometrial para a
gravidez (decidualização).
No Brasil, pode ser usada para qualquer mulher até cinco dias pós-coito e é uma opção melhor que o DIU para
nulíparas. Entretanto, apresenta eficácia variando de 82 a 94% até o dia anterior à data da próxima menstruação
esperada. Porém, após o quinto dia posterior à relação sexual, a permissão de uso segue a legislação vigente, isso
porque, nesse período, passa a ser um abortivo. A dose é única, de 600 mg via oral.

Critérios de eligibilidade

Organização Mundial de Saúde (OMS)


Qualquer mulher pode fazer uso da anticoncepção oral de emergência, desde que não esteja grávida.
Caso ocorra gravidez, as pílulas não provocam qualquer efeito adverso para o feto.

Principais anticoncepcionais encontrados no mercado e suas respectivas formulações:


Orais bifásicos
Etinilestradiol 0,04 mg/0,03 mg + desogestrel 0,025 Gracial 22 ativas
mg/0,125 mg EE 0,04 mg + desogestrel 0,025 mg - 7 comp
EE 0,03 mg + desogestrel 0,125 mg - 15 comp
Orais trifásicos
Etinilestradiol 0,03 mg/0,04 mg/0,03 mg + levonor- Trinordiol, 21 ativas
gestrel 0,05 mg/0,075 mg/0,125 mg Triquilar EE 0,03 mg + LNg 0,05 mg - 6 comp
EE 0,04 mg + LNg 0,075 mg - 5 comp
EE 0,03 mg + LNg 0,125 mg - 10 comp
Etinilestradiol 0,035 mg/0,035 mg/0,035 mg + noretis- Trinovum 21 ativas
terona 0,5 mg/0,75 mg/1 mg EE 0,035 mg + norestiterona 0,5 mg - 7 comp
EE 0,035 mg + norestisterona 0,75 mg - 7 comp
EE 0,035 mg + noretisterona 1 mg - 7 comp
Pílula vaginal
Etinilestradiol 0,05 mg + levonorgestrel 0,25 mg Lovelle 21 ativas
Tabela 33.10

Orais monofásicos
Mestranol 0,1 mg + noretindrona 0,5 mg Biofim 21 ativas + 7 placebos
Megestran
Etinilestradiol 0,05 mg + linestrenol 1 mg Anacyclin 21 ativas + 7 placebos
Etinilestradiol 0,05 mg + levonorgestrel 0,5 mg Anfertil 21 ativas
Primovlar
Etinilestradiol 0,05 mg + levonorgestrel 0,25 mg Evanor 21 ativas
Neovlar
Etinilestradiol 0,0375 mg + linestrenol 0,75 mg Ovoresta 22 ativas
Etinilestradiol 0,03 mg + levonorgestrel 0,15 mg Microvlar 21 ativas
Nordette
Levordiol
Ciclo 21
Normamor
Levogen

SJT Residência Médica – 2016


309
33 Anticoncepção – planejamento familiar

Orais monofásicos (cont.)


Etinilestradiol 0,03 mg + desogestrel 0,15 mg Microdiol 21 ativas
Etinilestradiol 0,03 mg + gestodeno 0,075 mg Gynera 21 ativas
Minulet
Tâmisa 30
Etinilestradiol 0,03 mg + gestodeno 0,075 mg Gestinol 28 28 ativas
MicropilR28
Etinilestradiol 0,035 mg + acetato de ciproterona Diane 35 21 ativas
2 mg Selena
Etinilestradiol 0,02 mg + gestodeno 0,075 mg Femiane 21 ativas
Harmonet
Diminut
Gestrelan
Micropil
Tâmisa 20
Ginesse
Etinilestradiol 0,02 mg + desogestrel 0,15 mg Mercilon 21 ativas
Femina
Minian
Malú
Etinilestradiol 0,015 mg + gestodeno 0,060 mg Minesse 24 ativas
Mirelle
Siblima
Etinilestradiol 0,015 mg + gestodeno 0,060 mg Mínima 24 ativas + 4 placebos
Adoless
Etinilestradiol 0,03 mg + drospirenona 3 mg Yasmin 21 ativas
Etinilestradiol 0.02 mg + drospirenona 3 mg Yas 24 ativas
Tabela 33.11

Esterilização de昀椀nitiva
As esterilizações constituem cirurgias definitivas com o intuito de romper dutos de passagem de gametas, o
que impede a fertilização, ou seja, o encontro entre óvulo e espermatozoide.
Podem ser masculinas, as vasectomias, e femininas, com ampla sinonímia, que inclui: laqueadura tubária,
ligadura tubária, ligadura de trompas ou anticoncepção cirúrgica.

Esterilização feminina
Quanto aos tipos de esterilização definitiva feminina, temos:
Salpingectomia parcial: é o tipo mais comum de esterilização e consiste na retirada de parte da trompa.
A técnica mais utilizada é a de Pomeroy (Figura 33.17).

Figura 33.17 Laqueadura de Pomeroy: apreensão


da tuba na altura do istmo. Eleva-se a trompa neste
ponto, formando uma angulação acentuada. Uma liga-
dura é feita, deixando uma alça de aproximadamente 1
cm. A ligadura promove um estrangulamento da alça
formada e consequente squemia. Secciona-se a alça a
aproximadamente 0,5 cm da ligadura.

SJT Residência Médica – 2016


310
Ginecologia

Anéis: são colocados em volta de uma pequena


Esterilização masculina
alça de trompa, com o uso de um aplicador. O mais
usado é o anel de Yoon. A esterilização masculina consiste na ligadura
dos ductos deferentes. Apresenta alta eficácia e as
Grampos: essa técnica é a que causa menor lesão
complicações são pequenas, como dor e edema locais.
nas trompas. Os mais utilizados são os grampos de Fil-
Assim como a laqueadura, pode ser revertida em situ-
shie e de Hulka-Clemens.
ações especiais, com taxa de sucesso de aproximada-
As vias de acesso para a realização da cirurgia mente 45%.
podem ser videolaparoscopia, laparotomia ou vaginal,
por meio da abertura do fundo de saco posterior.

Legislação
No Brasil, os critérios de eligibilidade são base-
ados na Lei sobre Planejamento Familiar. Somente é
permitida a esterilização voluntária nas seguintes si-
tuações (Fonte: Diário Oficial, nº 10, seção 1, 15 de
janeiro de 1996):
I. Em homens e mulheres com capacidade civil ple-
na e maiores de 25 anos de idade ou, pelo menos, com
dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo
de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o
ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa
Figura 33.18 Aplicação dos grampos na tuba para
interessada acesso a serviço de regulação da fecundida-
esterilização definitiva.
de, incluindo aconselhamento por equipe multidiscipli-
nar, visando desencorajar a esterilização precoce;
II. Risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro
E昀椀cácia concepto, testemunhado em relatório escrito e assina-
No primeiro ano após o procedimento, a taxa do por dois médicos.
de gravidez é de 1 em cada 200 mulheres. As taxas de § 1º – É condição para que se realize a esterili-
arrependimento variam bastante, de 2 a 13%, depen- zação o registro de expressa manifestação da vontade
dendo da idade e das circunstâncias nas quais o proce- em documento escrito e firmado, após a informação a
dimento foi realizado. respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos cola-
terais, dificuldades de sua reversão e opções de contra-
cepção reversíveis existentes.
Benefícios § 2º – É vedada a esterilização cirúrgica em mu-
lher durante os períodos de parto ou aborto, exceto
€ É permanente;
nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas
€ Não interfere nas relações sexuais nem no prazer sucessivas anteriores.
sexual;
€ Não apresenta riscos à saúde;
§ 3º – Não será considerada manifestação da
vontade, na forma do § 1º, se expressada durante
€ Pode reduzir o risco de doença inflamatória pélvica.
ocorrência de alterações na capacidade de discerni-
Em casos especiais, é possível tentar-se a reanas- mento por influência de álcool, drogas, estados emo-
tomose tubária, com taxas de sucesso ao redor de 50%. cionais alterados ou incapacidade mental temporária
ou permanente.
§ 4º – A esterilização cirúrgica como método
Efeitos adversos contraceptivo somente será executada através da la-
queadura tubária, vasectomia ou de outro método
Além do fato de ser, em sua maioria, um método cientificamente aceito, sendo vedada por meio de his-
irreversível, considera-se que pode causar a síndrome terectomia e ooforectomia.
pós-laqueadura, que consiste no aumento do fluxo
menstrual. Postula-se que isso seja decorrente de al- § 5º - Na vigência de sociedade conjugal, a esteri-
teração da irrigação do ovário e consequente mudan- lização depende do consentimento expresso de ambos
ça na produção hormonal. Isso porque parte do fluxo os cônjuges.
sanguíneo para os ovários advém de vasos e ramos de § 6º - A esterilização cirúrgica em pessoas abso-
uterinas, que acompanham as trompas e são secciona- lutamente incapazes somente poderá ocorrer median-
dos com a ligadura destas. te autorização judicial, regulamentada na forma da lei.

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CAPÍTULO

34
Fertilização assistida

ria de Gametas (Gift), Transferência Tubária de


Introdução Embriões (TET) e Injeção Intracitoplasmática de
Espermatozoide (ICSI). De maneira mais ampla, a
O nascimento de Louise Brown, em 1978, na fertilização assistida engloba também técnicas menos
Inglaterra, foi o marco inicial do sucesso das Técnicas
complexas como a Inseminação Intrauterina (IIU).
de Reprodução Assistida (TRA). A partir daí, as espe-
ranças de milhares de casais em todo o mundo, que Este capítulo tem por objetivo proporcionar in-
antes não tinham chances de conseguir uma gravidez formações a respeito das diversas técnicas de reprodu-
pelos métodos naturais foi crescente. Houve, então, ção assistida, tanto da parte clínica como laboratorial.
um rápido desenvolvimento científico no campo da
reprodução humana. Maior conhecimento da biolo-
gia dos gametas, da fecundação e da implantação dos
embriões, assim corno o desenvolvimento de comple- A legislação e as TRA
xas técnicas laboratoriais aumentaram as chances de
sucesso das TRA. Enquanto a maioria dos casais com Apesar de existirem alguns projetos em anda-
dificuldades para engravidar irá atingir seu objetivo mento, em nosso país ainda não existem leis que regu-
com tratamentos básicos em infertilidade, uma parce- lamentam o uso das TRA. Os profissionais da área se
la deles irá se beneficiar apenas com as técnicas mais orientam pela resolução nº 1.358192, do Conselho fe-
complexas de Fertilização Assistida. deral de Medicina, e RDC nº 33, da Anvisa. Essas reso-
O termo Fertilização Assistida, de maneira mais luções podem ser consultadas no site do CFM (<www.
estrita, se refere apenas àqueles procedimentos em cfm.org.br>) e no da Anvisa (<www.anvisa.org.br>).
que, com a ajuda de alta tecnologia, será facilitado Os projetos de lei em andamento podem ser consul-
o encontro do óvulo com o espermatozoide, como a tados no site da Sociedade Brasileira de Reprodução
fertilização in vitro (FIV), Transferência Intratubá- Humana: <www.sbrh.med.br/legislacao.asp>.
312
Ginecologia

A IIU pode ser realizada com amostra de sêmen


Inseminação intrauterina fresco ou após descongelamento, logicamente após
beneficiamento das amostras.
A inseminação intrauterina é uma técnica que con-
siste em injetar dentro do útero espermatozoides origina- A realização de IIUH para tratamentos de
dos de sêmen previamente tratado em laboratório; não se casais com sêmen de má qualidade tem mostrado
deve realizar a inseminação intrauterina com sêmen fres- resultados pouco satisfatórios e a tendência atu-
co porque: 1) o líquido seminal possui substâncias como as al nesses casais tem sido a indicação de TRA mais
prostaglandinas, que podem causar contralidade uterina e avançadas, como a FIV convencional ou com mi-
dor; e 2) a cavidade uterina é isenta de micro-organismos, cromanipulação, dependendo da gravidade das al-
enquanto o sêmen pode conter bactérias e fungos. A fe- terações no sêmen. A indicação principal da Iiud é
cundação ocorrerá de maneira natural, nas tubas uterinas. a azoospermia não obstrutiva (ausência de esper-
O embrião migrará espontaneamente para a cavidade matozoides no epidídimo ou na biópsia testicular),
uterina onde se implantará e a gravidez seguirá seu curso algumas doenças genéticas e gestante Rh negati-
normal. A inseminação intrauterina pode ser homóloga va gravemente sensibilizada. O desenvolvimento
(Iiuh), quando é utilizado o sêmen do próprio casal, ou das técnicas de micromanipulação de gametas tem
heteróloga (IIUD), quando se utiliza sêmen de doadores permitido que casais com oligozoospermia (baixa
de um banco de gametas. A Iiud será discutida no final do contagem de espermatozoides) e/ou astenozoos-
capítulo, na seção Banco de Gametas. permia (alteração na motilidade dos espermato-
zoides) grave ou azoospermia obstrutiva (ausência
de espermatozoides no ejaculado, com presença de
Inseminação intrauterina espermatozoides na biópsia testicular) se benefi-
ciem com a ICSI, que permite que apenas um es-
permatozoide fecunde um óvulo e se consiga uma
Homóloga (IIUH): Heteróloga (IIUD): gravidez clínica.
Sêmen do marido Sêmen do doador

Fertilização in vitro
(FIV)
Estimulação da ovulação
Na ausência de fator ovulatório, a inseminação
intrauterina com sêmen de doador (Iiud) pode ser
Convencional Micromanipulação: Outras técnicas:
injeção Transferência
realizada durante um ciclo menstrual natural. Entre-
intracitoplasmática intrafalopiana de zigoto tanto, a literatura tem mostrado que, independente-
de espermatozoide: (ZIFT) mente da indicação da Iiuh, os resultados em ciclos
(ICSI) Transferência
naturais são desanimadores e estas pacientes devem
tubária de embrião
(TET) sempre ser submetidas à estimulação ovariana. O ob-
Transferência jetivo da estimulação ovariana nos casos de Iiuh é a
falopiana de obtenção de um a três folículos de boa qualidade. Os
gametas (GIFT)
esquemas de estimulação podem variar de acordo com
Figura 34.1 TRA mais utilizadas. a resposta da paciente.
Os principais esquemas utilizados são:
€ citrato de clomifeno (Clomid, Serofene, Indux)
Indicações na dose de 50 a 100 mg/dia, em dose única diária,
por cinco dias consecutivos, iniciando-se do ter-
A IIU deve ser realizada na ausência de fatores
ceiro ao quinto dia do ciclo menstrual;
tuboperitoniais (com a certeza de que a tubas uteri-
nas estão pérveas), em ciclos ovulatórios e na presen- € gonadotrofina humana (contendo concen-
ça de cavidade uterina normal. trações iguais de LH e FSH: Menogon,
Merional, Menopur) na dose de 75 a 150 UI/
Principais indicações para a IIUH: dia, em dias consecutivos ou alternados, a par-
€ esterilidade sem causa aparente; tir do terceiro dia do ciclo menstrual. A dose
€ endometriose estádio I e II – da American Socie- poderá ser reajustada de acordo com a respos-
ty for Reproductive Medicine (ASRM); ta da paciente, avaliada pela ultrassonografia
transvaginal (US);
€ fator cervical ou imunológico;
€ hormônio folículo-estimulante (FSH) recombi-
€ impossibilidade de ejaculação vaginal; nante (Gonal F, Puregon) na dose de 37,5 a
€ fator masculino leve (oligoastenozoospermia leve). 150 UI ao dia.

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313
34 Fertilização assistida

€ Atualmente, com a preocupação cada vez meio de cultivo, é possível fazer soluções com
maior de evitar gestações múltiplas, tem-se densidades variadas. Um gradiente de densidade
procurado atingir o desenvolvimento de folí- descontínua é produzido, colocando-se em um
culos de boa qualidade e em menor número. A tubo de plástico de 15 mL duas ou três camadas
obtenção de mais de quatro folículos pode ser de concentrações diferentes, uma em cima da
indicação de cancelamento, devido à grande outra. Por exemplo:
chance de resultar em gestação múltipla. € 1,5 mL de solução de Percoll a 40% sobre 1,5
mL de solução de Percoll a 90%. A amostra de
sêmen é então pipetada delicadamente sobre esta
A paciente deverá ser monitorizada por ultras- coluna de densidade e centrifugada;
sonografia (US), por via transvaginal. A US deverá
€ no pellet ficarão as células funcionalmente normais;
informar sobre o número, tamanho e evolução dos
folículos, assim como relatar a espessura e aspecto € os espermatozoides imóveis e anormais e os leu-
endometriais e a presença de muco cervical. Os exa- cócitos presentes ficarão entre as camadas de
mes, geralmente, iniciam-se no décimo dia do ciclo e 40% e 90%. O pellet é isolado e lavado com meio
são realizados em dias alternados até que os folículos de cultura para que os espermatozoides sejam
alcancem diâmetro médio de aproximadamente 18 usados na inseminação;
mm. Nesse período, o endométrio deverá apresentar € este método é indicado para pacientes com oli-
espessura superior a oito milímetros e aspecto pe- gozoospermia ou astenozoospermia leve.
riovulatório. A paciente receberá, então, uma injeção
intramuscular de hCG (Choragon, Choriomon), na
dose de 5000 UI/mL. Esta injeção irá simular o pico
endógeno de LH, promovendo a ruptura folicular após
Procedimento
32 a 36 horas aproximadamente. Uma outra opção é o A IIU é realizada em regime ambulatorial e não
uso de uma injeção de LH recombinante (Ovidrel), na requer nenhum preparo especial por parte da pacien-
dose de 250 ug. te. O momento adequado da realização é cerca de 24 a
36 horas após a injeção de hCG. O ideal é que a inse-
minação seja realizada pouco antes da ovulação. Em-
bora alguns trabalhos sugiram a realização de duas IIU
Preparo do sêmen no mesmo ciclo, uma no dia do hCG e outra no dia
seguinte, as taxas de gravidez são semelhantes ao se
O preparo do sêmen para IIU é feito frequente-
mente por uma das duas técnicas descritas a seguir: comparar ciclos em que foram realizadas uma ou duas
inseminações. Portanto, a realização de duas insemi-
€ Swim-up: a amostra de sêmen é diluída em meio nações no mesmo ciclo não estaria indicada por não
de cultivo suplementado com soro da própria apresentar melhores resultados, além de ter maior
paciente ou soro sintético a 10%. A amostra é en-
custo e oferecer desgaste para a paciente.
tão centrifugada a 3008, por duas vezes, usando
um tubo cônico de plástico de 15 mL não tóxico O sêmen deve ser colhido por automanipulação
e estéril. O sobrenadante será descartado e no e, a seguir, processado no laboratório. No caso de Iiud,
fundo do tubo haverá uma concentração de cé- o banco de gametas deverá ser previamente avisado
lulas, o pellet, que será diluído em 1 mL de meio do provável horário da IIU. Quando o sêmen já estiver
de cultivo, centrifugado e incubado a 37ºC por preparado, a paciente será colocada em posição de lito-
pelo menos 45 minutos em tubo de plástico de tomia e a amostra beneficiada será injetada dentro do
5 mL. O tubo, com as células situadas no pellet, útero por cateter apropriado. O procedimento é prati-
é colocado obliquamente inclinado, permitindo camente indolor, não sendo necessária a utilização de
que haja a subida dos espermatozoides para o lí- anestesia. A paciente poderá se queixar apenas de leve
quido (técnica do swim-up – “nadar para cima”). desconforto abdominal. É aconselhável que a paciente
No fundo do tubo ficarão os espermatozoides
permaneça em repouso por alguns minutos, podendo,
imóveis e outras células e, na superfície, estarão
em seguida, retornar a suas atividades habituais. Qua-
os melhores espermatozoides a serem usados
torze dias após a IIU, caso não ocorra a menstruação,
na inseminação. Essa técnica (deve ser utilizada
quando a amostra de sêmen possui valores nor- a paciente deverá realizar uma dosagem sérica de hCG
mais em seus parâmetros espermáticos, de acor- para diagnóstico de possível gravidez.
do com os critérios de normalidade da OMS. Mulheres portadoras de vaginismo devem ser
€ 
Gradiente de Percoll : é baseado na diferença monitoradas por ecografia transabdominal e a inse-
de gravidade entre os espermatozoides e entre es- minação deve ser realizada intravaginal, com sêmen
tes e outras células presentes no sêmen. Percoll fresco, sem o emprego de espéculo. O sêmen é colo-
é uma suspensão de partículas de sílica cobertas cado em uma seringa, é liquefeito e injetado por uma
com polivinilpirrolidona. Ao diluir Percoll em pequena sonda na vagina.

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314
Ginecologia

10% e, na maioria das vezes, resulta em gesta-


ções bigemelares e, mais raramente, em trige-
melares ou quadrigemelares. As complicações
relacionadas à gestação múltipla serão discuti-
das no tópico de FIV;
€ Síndrome de hiperestímulo ovariano
(SHEO): ocorre em menos de 1% dos ciclos in-
duzidos, apresentando se, na maioria das vezes,
em sua forma leve. Raramente ocorre quando
se utiliza apenas o citrato de clomifeno, sendo
mais comum nos casos em que se utilizam doses
elevadas de gonadotrofinas. Na suspeita de risco
de desenvolvimento de Sheo, altos níveis de es-
trogênio ou desenvolvimento de número grande
de folículos, deve-se avaliar o cancelamento do
Figura 34.2 Injeção intrauterina por meio de cateter ciclo e da injeção de hCG. A Sheo será abordada
acoplado à seringa com sêmen. mais detalhadamente no tópico de FIV.

Resultados Fertilização in vitro e


A taxa de gravidez após Iiuh alcança valores mé-
dios de 4 a 20% por ciclo quando o sêmen apresenta transferência de embriões
número e motilidade satisfatórias e a paciente não
apresenta alterações tubárias. Essa taxa é cumulativa A fertilização in vitro (FIV) é a técnica de re-
até seis ciclos e não aumenta após esse período. Após produção assistida em que o óvulo é fertilizado
seis ciclos de IIU, deve-se avaliar a indicação de pro- pelo espermatozoide em laboratório. Os avanços
cedimentos mais complexos como a FIV convencional da medicina no último século levaram a um maior
ou ICSI. Nos casos de esterilidade sem causa aparente, conhecimento da biologia reprodutiva e permitiram
a taxa de gravidez em um ciclo de hiperestímulo com que se aspirasse um folículo ovariano e se coletasse
gonadotrofinas sem IIU é, em média, de 10%; ao se fa- oócito que seria fertilizado por espermatozoide pre-
zer IIU em ciclo natural, essa taxa fica em torno de 4% viamente beneficiado. O embrião resultante pode,
e, associando-se IIU com hiperestímulo, a taxa de gra- então, ser transferido para o útero materno, levan-
videz pode chegar a 20%. Pacientes jovens apresentam do a uma gravidez normal. Em 1969, foi realizada a
chances estatisticamente melhores de engravidar que primeira fertilização in vitro bem-sucedida de um
pacientes mais velhas (acima dos 35 anos), sendo esse oócito de hamster. Quase dez anos após, em 1978,
fato bem-determinado nos casos de Iiud na ausência Steptoe e Edwards reportaram o nascimento do pri-
de fator feminino de infertilidade. meiro recém-nascido humano concebido por FIV re-
sultante da fertilização de um único óvulo aspirado
em um ciclo natural.
Complicações
€ Infecção pélvica: é rara e ocorre quando pató-
genos do trato genital inferior são levados para Indicações
a cavidade uterina durante o procedimento ou
A indicação inicial da FIV foi para infertilidade
quando patógenos presentes no sêmen se proli
feram no trato genital feminino. É uma compli-
por fator tubário. Essa indicação se alargou e, atual-
cação rara e não ocorre quando a IIU é realizada mente, ela é indicada a pacientes com endometriose,
na ausência de infecção genital feminina e quan- principalmente em casos mais avançados; na esteri-
do o sêmen é previamente tratado. A presença de lidade sem causa aparente (Esca) que não respondeu
infecção genital por si só já seria uma contrain- às técnicas mais simples de tratamento; e na infer-
dicação ao procedimento; tilidade por fator masculino. Na indicação por fator
€ Gestação múltipla: ocorre principalmen- tubário, incluem-se pacientes com obstrução tubária
te quando um grande número de folículos se por sequelas de doença inflamatória pélvica ou outras
desenvolveu. Uma maneira de se evitar esta infecções pélvicas, endometriose com distorção da
complicação seria o cancelamento de ciclos anatomia ou pacientes submetidas à salpingotripsia
com mais de quatro folículos. A incidência de bilateral que não apresentam os pré-requisitos para
gestações múltiplas após IIU está em torno de cirurgia de recanalização.

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315
34 Fertilização assistida

Pela OMS, contagens após beneficiamento aci- utilização de ciclos naturais apresenta as vantagens
ma de 5 milhões de espermatozoides/mL poderão se de baixo custo e mantém ausente o risco da síndrome
beneficiar de IIU. Com contagens após beneficiamen- do Hiperestímulo Ovariano e gestações múltiplas. Em
to entre 2 e 5 milhões/mL, pode-se indicar FIV. Nos contrapartida, apresenta índices extremamente bai-
casos abaixo de 2 milhões, a melhor indicação será a xos de gravidez, o que levou a maioria dos centros de
ICSI. Nos casos de azoospermia obstrutiva, isto é, o reprodução a abandonar esse método.
paciente produz espermatozoides, mas eles não estão
presentes no ejaculado, indica-se FIV com micromani-
pulação de espermatozoides obtidos por punção dos
epidídimos ou deferentes. Nos casos de azoospermia FIV em ciclos hiperestimulados
secretora, com produção de número muito baixo de Antes do início do hiperestímulo ovariano,
espermatozoides, a biópsia testicular pode recuperar promove-se uma dessensibilização dos receptores
alguns espermatozoides que sejam viáveis para micro- hipofisários com o uso de análogos do GnRH. O
manipulação. O desenvolvimento científico não tem uso geralmente resulta em um crescimento folicu-
sido promissor no sentido de se realizar micromani- lar mais homogêneo e impede o desencadeamento
pulação com células precursoras de espermatozoides do pico endógeno do LH, que poderia levar a uma
aspiradas do testículo e maturadas in vitro. ovulação precoce.
Apesar de o fator tubário ainda constituir a prin- Os agonistas, inicialmente, causam uma estimu-
cipal indicação para as técnicas de reprodução assisti- lação hipofisária (efeito flare), seguida de dessensibili-
da, a prevalência destas varia de acordo com a popu- zação (diminuição do número de receptores de GnRH
lação estudada. Em países menos desenvolvidos e nas nas células hipofisárias); esse efeito paradoxal dos
populações de baixo poder socioeconômico, as seque- análogos do GnRH culmina com um bloqueio parcial
las de infecções pélvicas apresentam prevalência ainda da secreção das gonatrofinas e, portanto, evita o apa-
maior. Não existem estudos suficientes que comparem recimento do pico ovulatório de LH. Os antagonistas
resultados entre IIU e FIV para casais com Esca. A ten- também podem ser usados para bloquear o pico en-
dência tem sido realizar alguns ciclos de IIU antes de dógeno de LH; estes provocam bloqueio imediato dos
se optar por FIV. receptores do GnRH.
Os esquemas de estimulação ovariana que utili-
Número de zam os agonistas são divididos, basicamente, em dois
Técnica de reprodução grupos:
espermatozoides após
assistida recomendada
beneficiamento € esquema curto de análogo (flare-up): é indi-
Acima de 5 milhões Inseminação intrauterina  cado principalmente para pacientes com idade
Entre 2 e 4 milhões Fertilização in vitro  mais avançada ou que apresentaram resposta
Abaixo de 2 milhões Micromanipulação – ICSI ovariana pobre em ciclos anteriores. O análogo,
que começa no primeiro ou no segundo dia do
Tabela 34.1 Técnica de reprodução assistida a de-
ciclo menstrual, promove o aumento das gona-
pender do número de espermatozoides
dotrofinas endógenas (efeito flare) que irão ini-
ciar o crescimento folicular e, posteriormente,
Indicações de FIV promove um bloqueio da hipófise e queda das
Causas Porcentagem gonadotrofinas endógenas. O análogo é mantido
Tubária 65,6 até a época da injeção do hCG;
Endometriose 16,8 € esquema longo de análogo: inicia-se o aná-
Outras causas femininas 3,9 logo na metade da fase lútea do ciclo anterior,
Masculina 8,13 com base no fato de que a dessensibilização
Inexplicada 5,6 completa ocorre dentro de 10 a 12 dias após
o início do uso e mantém-se até dias após a
Tabela 34.2
injeção do hCG. Tem sido o esquema mais
utilizado e que apresenta as melhores taxas
de gravidez. No esquema longo, pode-se uti-
FIV em ciclos naturais lizar o agonista em forma de depósito ou em
pequenas doses diárias. Apesar de a taxa de
Requer que a paciente esteja ovulando normal- gravidez ser semelhante, o uso da forma de
mente. Pacientes com idade mais avançada e/ou índi- depósito resulta em uma estimulação ovariana
ces séricos de Hormônio Folículo Estimulante (FSH) mais demorada, requerendo maior número de
> 12 UI/mL no terceiro dia do ciclo apresentam me- ampolas de gonadotrofina, o que eleva o custo
nores chances de sucesso nesses procedimentos. A final do tratamento.

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316
Ginecologia

Esquema longo € FSH recombinante: Puregon, frasco-ampo-


GnRHa GnRHa la de 50, 100, 150 UI ou canetas de 200, 300
hMG/FSH e 600 UI; e Gonal F, frasco-ampola de 75 e
14 dias antes
150 UI e canetas de 300, 450 e 900 UI em que
se pode selecionar a quantidade de droga ad-
Esquema curto
GnRHa
ministrada. As gonadotrofinas recombinantes
hMG/FSH são produzidas por engenharia genética e são
Figura 34.3 Esquema longo e esquema curto do uso administradas preferencialmente via SC, a
de análogos de GnRH. partir do momento em que se identifica o blo-
queio central pelo análogo do GnRH. O blo-
queio pelo GnRH é visto por meio de medida
Os agonistas disponíveis no mercado atual-
da espessura endometrial via ultrassonografia
mente são:
endovaginal realizada após iniciada a mens-
€ nafarelina (Synarel, 400 a 800 mg/dia), para ins- truação – medidas menores que 4 mm suge-
tilação intranasal (IN), em duas doses diárias; rem hipoestrogenismo consequente ao blo-
€ leuprolide: apresentado na forma de depósi- queio do estímulo gonadotrófico aos ovários.
to (Lupron Depot 3,75 mg, Lectrum 3,75 e No protocolo curto, essa avaliação é feita no
7,5 mg), com liberação lenta durante 28 dias, segundo dia do ciclo menstrual.
e na forma de uso diário (Lupron SC 2,8 mg,
Tanto o HMG como o FSH recombinante são
Release SC, 3,5 mg), que deve ser utilizado dia-
riamente em injeções subcutâneas (SC);
capazes de promover uma indução satisfatória da
ovulação. Apesar da existência de vários estudos
€ triptorelina (Neo Decapeptyl 3,75 mg), apresen-
comparando os resultados dos ciclos utilizando essas
tado na forma de depósito, em injeção intramus-
drogas, não há superioridade comprovada de uma
cular (IM), com liberação lenta por 28 dias;
sobre a outra. Um maior conhecimento da fisiologia
€ goserelina (Zoladex 3,6 mg), apresentado em do ciclo menstrual tem levado ao desenvolvimen-
forma de depósito e utilizado em injeção subcu-
to de outros esquemas de estimulação da ovulação,
tânea com liberação lenta por 28 dias.
inclusive associando-se o FSH ao LH recombinante
Os antagonistas do GnRH são empregados após (Luveris) no início do ciclo. Baseados na premissa
o recrutamento inicial de folículos, quando estes atin- de que o Hormônio do Crescimento (GH) tem um
gem cerca de 8 mm de diâmetro (por volta do sexto papel importante na fisiologia ovariana, alguns auto-
dia de estimulação). Apesar de ser um esquema curto e res sugerem seu uso em pacientes que estão se sub-
simples, a literatura atual mostra a tendência a utilizá- metendo à TRA. Entretanto, a literatura ainda não
-los em más respondedoras e na presença de idade ma-
apresentou evidências suficientes que comprovem o
terna avançada. Os antagonistas de GnRH disponíveis
benefício desses esquemas.
no mercado são o cetrorelix (Cetrotide) e o ganirelix
(Orgalutran). Pode-se utilizar a dose de 0,25 UI diá-
rios. O uso de doses diárias permite um emprego de
quantidades menores de gonadotrofinas na indução Drogas que simulam o pico de LH
do estímulo ovariano.
São utilizadas para promover a maturação do
As drogas indutoras da ovulação são utilizadas oócito (reinício da divisão meiótica e extrusão do
para promover o recrutamento e crescimento de múl-
primeiro corpúsculo polar) e a ativação de proteínas
tiplos folículos. As principais drogas utilizadas são:
enzimáticas que promoverão o rompimento folicu-
€ gonadotrofina da mulher menopausada lar e a dispersão do cumulus. É aplicada quando o
(HMG): Menogon, 75 UI; Merional 75 e 150 diâmetro folicular médio atingir aproximadamente
UI. É obtida da urina da mulher menopausada
18 mm à US. Sabe-se que a ovulação ocorrerá apro-
e apresenta concentrações semelhantes de FSH
ximadamente 32 a 36 horas após a injeção e a cole-
e LH. É utilizada na forma de injeções intra-
musculares (IM) diárias. O ajuste da dose é feito ta ovular deve preceder a ovulação. Esse pico pode
individualmente, com base na monitorização ul- ser induzido pelo uso do hCG urinário, extraído da
trassonográfica; urina de mulheres grávidas e utilizado na dose de
10.000 UI (Choragon, Choriomon) e, mais recen-
€ FSH ultrapuríficado: urofolitropina (Fostimon
75 UI e 150 UI, Menopur 75 UI). É obtido da temente, pelo uso do hCG recombinante, derivado
urina da mulher menopausada, por emprego de da engenharia genética e utilizado na dose de 250 ug
técnicas químicas especiais, resultando apenas em (Ovidrel). Não existem evidências de diferença no
FSH. É utilizado na forma de injeções intramus- resultado clínico das TRA ao se utilizar hCG recombi-
culares (IM) ou subcutâneas (SC) diárias; nante ou urinário.

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317
34 Fertilização assistida

A coleta por via transvaginal é realizada com a


Coleta ovular paciente em jejum, em posição de litotomia. O pro-
A coleta ovular é o procedimento que retira o lí- cedimento pode ser realizado sob anestesia geral
quido folicular dos folículos ovarianos. Nos esquemas venosa, ou, mais raramente, sob bloqueio anestési-
em que se utiliza a estimulação ovariana, ela é reali- co locorregional. A coleta é realizada em ambiente
zada em média 32 a 36 horas após a injeção do hCG. cirúrgico, que geralmente se localiza junto ao labo-
As primeiras coletas realizadas eram feitas por ratório de reprodução. O líquido folicular é entregue
via laparoscópica. A paciente era submetida a uma ao biólogo, que o examina sob visão microscópica à
anestesia geral e os oócitos eram coletados pela procura de oócitos. Após a coleta, a paciente perma-
nece em repouso durante algumas horas, retornando
punção dos folículos ovarianos sob visualização en-
depois a seu domicílio.
doscópica. O aprimoramento técnico da ultrasso-
nografia permitiu que a coleta ovular pudesse ser
realizada orientada pela US. Utiliza-se a via trans-
vaginal, por meio de uma agulha com lúmen simples Sistemas de cultivo por oócito
ou duplo, de 17 a 19 gauge, que é colocada dentro
de um guia, acoplado à sonda vaginal do aparelho Existem basicamente dois tipos de sistema de
de US. A agulha é conectada a uma bomba de suc- cultivo para oócito:
ção que aspira o líquido folicular e o oócito, a uma € em placas de quatro poços (contendo 1 mL de
pressão máxima de 100 mmHg. Esse procedimento meio de cultivo em cada poço);
é realizado com visualização direta pelo monitor da € microgotas sob óleo colocadas em discos de Pe-
US (Figura 34.4). tri. Este sistema de microgotas é muito usado,
pois o óleo funciona como uma barreira impe-
dindo a mudança de pH do meio de cultivo e
a penetração de partículas e micro-organismos
vindos do meio ambiente.

Meio de cultivo
O meio de cultivo para FIV deve refletir o mais
próximo possível o líquido no qual o oócito e o futu-
ro embrião se encontram em circunstâncias naturais.
Esse meio de cultivo é constituído de aminoácidos, sais
minerais e proteínas. Existem vários tipos de meios de
cultivo formulados e comercialmente disponíveis para
embriões humanos usados em FIV, inclusive meios
mais elaborados, que podem cultivar embriões até a
Figura 34.4 Imagem ultrassonográfica do ovário evi- fase de blastocisto.
denciando múltiplos folículos; quando esse pool folicular Uma vez escolhido o meio de cultivo a ser usado,
atingir a média de 18 mm, o hCG deve ser administrado. este deve ser colocado, um dia antes da coleta ovular,
em estufa apropriada com saturação de 5% ou 6% de
CO2 (dependendo do meio de cultivo utilizado), em
uma temperatura de aproximadamente 37ºC, para
que se estabilize e mantenha um pH em torno de 7,4.
É importante ressaltar que todo o material usa-
do, assim como o meio de cultivo escolhido, tem que
ser de alta qualidade, estéril, não tóxico e testado para
embrião humano.

Maturação oocitária
A maturação oocitária sofre influência do surgi-
mento natural do LH ou da injeção artificial de hCG.
Em torno de 25 horas após o pico de LH ou da inje-
Figura 34.5 Coleta ovular. ção de hCG, surge a vesícula germinal do oócito. Esta

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318
Ginecologia

continua seu desenvolvimento e completa a primeira


Inseminação
divisão meiótica, quando surge o primeiro corpúscu-
lo polar. Os grânulos corticais migram do citoplasma Em FIV convencional, oócitos são inseminados
para a membrana celular, o cumulus (camada de célu- com aproximadamente 100 mil a 200 mil espermato-
las foliculares que envolve o oócito) se torna viscoso zoides/mL, se usada placa de quatro poços. Quando
e as células do cumulus em torno do oócito adquirem se usa microgota, utilizam-se 20 mil espermatozoides
um aspecto radial. Nesse período, o oócito inicia a para gotas de 20 µl e 30.000 espermatozoides para go-
segunda divisão meiótica chegando à metáfase II e tas de 30 µl. Essa concentração pode variar porque é
completando seu processo de maturação ao ser pun- determinada com base na avaliação morfológica, na
cionado para FIV. Esse processo acontece dentro de motilidade e na quantidade de espermatozoides exis-
tentes no ejaculado.
32 horas após o aparecimento do início do pico do LH
ou da injeção de hCG. Antes de os espermatozoides serem colocados
junto com os oócitos, é necessário que a amostra de
Após a aspiração folicular, realizada por meio de
sêmen seja processada para a retirada do líquido semi-
ultrassom transvaginal, o líquido folicular é examina-
nal. O líquido seminal contém fatores que impedem
do em lupa estereoscópica para a verificação da pre-
a capacitação dos espermatozoides. Esses devem so-
sença de oócito. O complexo cumulus-corona-oócito
frer o processo de capacitação para que ocorra a reação
(oócito envolto por camadas de células foliculares
acrossômica na interação com o oócito.
expandidas com aspecto radial) pode ser visto a olho
nu, porém, para a identificação do grau de maturida- Os métodos mais comuns usados em FIV para a
de do oócito, este complexo pode ser espalhado em capacitação dos espermatozoides são: swim-up e gra-
placas de Petri e observado em microscópio. Depois, diente de Percoll, já descritos anteriormente.
devem ser lavados em meio de cultivo e incubados Após a capacitação dos espermatozoides, ocorre
rapidamente. Os oócitos são muito sensíveis à luz e a reação acrossômica, que acontece por ocasião da in-
às alterações de temperatura, portanto, devem ser teração do espermatozoide com o oócito. Esta fusão
manipulados com rapidez. do oolema (membrana plasmática do oócito) com a
membrana plasmática do espermatozoide desenca-
A classificação é feita de acordo com o tamanho
deia a ativação do oócito, ocorrendo a reação cortical
e a viscosidade do cumulus, com o grau de dispersão
(bloqueio à polispermia) e o término da divisão meió-
das células do cumulus e da corona e com a fase de sua
tica do oócito.
maturação:
A presença dos pró-núcleos masculino e femini-
€ oócítos em metáfase II: são caracterizados
no é visualizada in vitro, 18 a 24 horas após a insemi-
pela presença do primeiro corpúsculo polar no
espaço perivitelino. Cumulus é grande, disperso
nação, significando que ocorreu a fertilização.
e com viscosidade. As células do cumulus e da A porcentagem de fertilização gira em torno de
corona radiada estão expandidas. Este oócito é 60 a 80%, dependendo dos parâmetros do sêmen, da
pré-ovulatório e está pronto para ser fertilizado; qualidade do meio de cultivo usado e do cuidado na
€ oócitos em metáfase I: não possuem corpús- manipulação dos gametas.
culo polar ou vesícula germinal. As células do Existem algumas razões para que não ocorra a
cumulus e da corona radiada estão pouco expan- fertilização, por exemplo, deficiência de receptores na
didas, apesar de o cumulus ser grande, disperso zona pelúcida, oócitos imaturos, oócitos com número
e possuir viscosidade. São oócitos em estágio in- anormal de cromossomas etc.
termediário de maturidade;
Uma pequena porcentagem de oócitos fertiliza-
€ oócitos em pró-fase: são oócitos imaturos. dos possui mais de dois pró-núcleos. A porcentagem
Possuem vesícula germinal, as células da corona de oócitos com três pró-núcleos gira em torno de 5 a
radiada são compactas e as células do cumulus, 10% dos oócitos fertilizados e 90% deles formam esses
não tão expandidas e com pouca viscosidade. três pró-núcleos devido à penetração de mais de um
Não possuem corpúsculo polar; espermatozoide. Uma das razões para a penetração
€ oócitos pós-maduros: possuem as células do de mais de um espermatozoide é a alta concentração
cumulus e da corona radiada escuras e com tetas. de espermatozoides durante a inseminação. Oócitos
Possuem muita viscosidade. imaturos ou muito maduros também podem contri-
Dependendo do grau de maturidade dos oó- buir para a polispermia. A fecundação pode envolver
citos, estes devem ser incubados em estufa de CO2 um óvulo ou um espermatozoide binucleado, levando
a 37ºC por um período de duas a seis horas após a à formação de três pró-núcleos.
aspiração folicular, antes de serem inseminados. Os Esses zigotos podem dar origem a embriões mor-
mais imaturos devem permanecer incubados por um fologicamente normais, porém, não viáveis e, portan-
período maior. to, eles não devem ser transferidos para a paciente.

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319
34 Fertilização assistida

O aparecimento de um único pró-núcleo se deve a alguns fatores, tais como assincronia no aparecimento
dos pró-núcleos, o pró-núcleo materno ou paterno não se desenvolveu, houve aumento da temperatura ou houve
trocas osmóticas repentinas ativando o oócito. Pode ocorrer uma ruptura precoce dos grânulos corticais e, conse-
quentemente, uma reação da zona pelúcida, impossibilitando a penetração espermática.
Esses zigotos podem dar origem a embriões anormais, a maioria deles inviáveis, com riscos de gravidez
molar e aborto espontâneo.

Cultivo do embrião
Após a verificação dos dois pró-núcleos, é necessário que o oócito seja transferido para um meio de cultivo
fresco, aquecido a 37ºC e com pH equilibrado em estufa de CO2.
Esses oócitos serão colocados em placas de quatro poços ou microgotas sob óleo e ficarão em estufa de CO2,
incubados até o dia seguinte, quando serão acessados para a verificação da clivagem ou divisão embrionária. Nes-
se dia (segundo dia após a coleta ovular), os embriões estarão com quatro a seis células ou blastômeros.
Esses embriões poderão ser transferidos. No quinto ou sexto dia de cultivo após a coleta ovular, os embriões
estarão em estágio de mórula ou blastocisto. A escolha do tempo de cultivo para os embriões depende da quanti-
dade de zigotos obtida e da qualidade desses embriões.

Figura 34.6 Desenvolvimento embrionário.

Figura 34.7 Classificação embrionária.

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320
Ginecologia

€ grau 1: os blastômeros são simétricos e não há espermatozoides e embriões com facilidade, pois seu
fragmentação. Citoplasma claro e homogêneo; sistema provê uma percepção delicada e bem-con-
€ grau 2: os blastômeros são simétricos, porém, trolada em três planos e possui ainda um alcance de
há 10 a 20% de fragmentação; movimento ajustável. O procedimento da microma-
€ grau 3: os blastômeros são assimétricos e desi-
nipulação é feito utilizando-se microscópio invertido,
guais e existe 20 a 50% de fragmentação; equipado com micromanipuladores hidráulicos e mi-
cropipetas encaixadas em porta-pipetas controladas
€ grau 4: os blastômeros são assimétricos e existe por microinjetores.
mais de 50% de fragmentação.
Espermatozoides podem ser obtidos por mas-
Após essa classificação, os embriões são seleciona- turbação ou, em casos especiais de obstrução do epi-
dos para transferência. Terão preferência os embriões dídimo, por microcirurgias como Microaspiração do
de graus 1 e 2; os graus 3 e 4 também podem ser trans- Esperma do Epidídimo (Mesa) ou Aspiração Percutâ-
feridos, mas a taxa de implantação pode diminuir. nea do Epidídimo (Pesa). Espermatozoides dos testí-
A determinação do número de embriões a serem culos podem ser obtidos mediante biópsias testicula-
transferidos para cada paciente depende de alguns fa- res ou aspirações com agulhas finas, mesmo em casos
tores como idade da paciente, causa da infertilidade e de azoospermia não obstrutiva, com interrupção da
qualidade embrionária. espermatogênese.
Em pacientes jovens, o número de embriões trans- Existe uma condição rara, denominada ejacula-
feridos não pode exceder três. Mesmo assim, elas corre- ção retrógrada, em que os espermatozoides são cole-
rão o risco de gravidez múltipla. Em pacientes acima de tados da bexiga após masturbação ou eletroejaculação
37 anos, o número de embriões transferidos pode ser (sonda colocada no reto que promove ejaculação).
maior, tendo em vista que os oócitos de mulheres aci- Atualmente, a micromanipulação é uma técnica
ma de 40 anos não são de boa qualidade. Esses oócitos muito flexível e pode também ser usada em diversos
podem fertilizar, mas os embriões não terão um bom outros procedimentos, tais como:
desenvolvimento e serão bem-fragmentados.
€ assisted hatching: consiste em fazer uma aber-
tura na zona pelúcida para facilitar a saída do
embrião (eclosão ou hatching). Essa abertura
pode ser feita de forma mecânica, química ou
com a utilização de laser e é realizada quando o
embrião possui oito ou mais células. Esse pro-
cedimento tem sido utilizado em pacientes mais
velhas (> 39 anos) e naquelas com falhas repeti-
das de implantação. Entretanto, seu emprego é
controverso e, de acordo com as evidências mais
recentes, não deve ser usado;
€ remoção de fragmentos: as interações celula-
res entre os blastômeros podem sofrer interferên-
cias quando ocorre a formação de fragmentos,
os quais podem prejudicar o processo de com-
Figura 34.8 Representação da fertilização in vitro. pactação das células, dificultando a blastulação.
Podem-se remover esses fragmentos realizando-
-se uma abertura na zona pelúcida, como a des-
crita anteriormente e, a seguir, com o auxílio de
Injeção intracitoplasmática uma micropipeta de calibre apropriado, remover
os fragmentos entre os blastômeros. Uma pipeta
de espermatozoide (ICSI) de apreensão (holding) mantém o embrião fixo
com uma leve sucção. Esse procedimento deve
ser realizado de preferência quando o embrião
Este método revolucionou o tratamento de infer-
possuir de quatro a oito blastômeros. Sua utiliza-
tilidade masculina grave. Nesse procedimento, usam-
ção é ainda experimental;
-se técnicas de micromanipulação, injetando-se um
único espermatozoide dentro do citoplasma do oócito € biópsia embrionária pré-implantação (PGD):
para alcançar a fertilização. os embriões são examinados visando à detecção de
alterações genéticas antes da ocorrência de gravi-
O propósito da micromanipulação é transformar dez. As alterações genéticas podem ser classificadas
os movimentos grosseiros da mão em micromovi- em: anormalidades cromossômicas numéricas e
mentos. Micromanipuladores permitem ao operador estruturais, alterações no DNA ou mutações gené-
trabalhar com estruturas microscópicas como oócito, ticas e desordens multifatoriais. As técnicas de pes-

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321
34 Fertilização assistida

quisa com genética molecular incluem Fish (Fluo- diminui a motilidade dos espermatozoides e permite
rescent in Situ Hybridization), usada para detectar sua imobilização e aspiração. O PVP também lubrifica a
alterações cromossômicas numéricas (aneuploi- pipeta e impede a aderência de espermatozoides dentro
dias) e estruturais. A reação em cadeia da polime- dela. Em torno desta gota são colocadas várias outras
rase (PCR – Polymerase Chain Reaction) permite gotas de meio de cultivo sob óleo, onde ficarão os oóci-
a identificação de doenças monogênicas. Embora tos. Esta placa é feita um dia antes da realização da ICSI,
as técnicas de diagnóstico genético tenham melho-
para que haja o equilíbrio de pH e temperatura.
rado sensivelmente (1,8% de erros diagnósticos),
ainda se recomenda a realização de diagnóstico O espermatozoide é, então, aspirado com a pi-
pré-natal (amniocentese ou biópsia vilocorial) para peta do micromanipulador e levado para a gota, que
confirmação dos achados da biópsia pré-implan- contém o oócito a ser injetado. O oócito é mantido
tação. Deve-se ressaltar que o PGD é um procedi- fixo por pressão negativa exercida por uma pipeta de
mento caro e invasivo, que não aumenta as taxas de apreensão (holding). A pipeta, com o espermatozoide,
gravidez ou de nascidos vivos. Além disso, os pos- atravessa a zona pelúcida penetrando o oolema (mem-
síveis efeitos da biópsia sobre o embrião-feto ainda brana plasmática do oócito) até alcançar o centro do
não foram completamente elucidados. oócito onde o espermatozoide é injetado.
A biópsia também pode ser feita do primeiro cor- Os oócitos são examinados para evidenciar a
púsculo polar, em embriões de quatro a oito células e fertilização 14 a 20 horas após a injeção, quando os
em estágio de blastocisto. dois pró-núcleos poderão ser visualizados. As etapas
seguintes de cultivo embrionário seguem o modelo da
FIV convencional.
Preparo dos oócitos
Os oócitos são coletados e cultivados como para
FIV convencional, porém, para serem injetados com o Transferência de embriões
espermatozoide, é necessário que o complexo cumulus-
Geralmente as transferências são feitas nos dias
-corona seja removido por meio da exposição de 0,05
2 e 3 ou 5 e 6 após a coleta ovular.
a 0,1% de hialuronidase por 15 a 30 segundos, segui-
do do uso de pipetas de Pasteur, afiladas em chama,
de maneira que se consigam diâmetros de diferentes
tamanhos para a remoção das células da corona. Os
oócitos devem estar em metáfase II para a realização
Transferência no dia 2
da injeção intracitoplasmática. (36 a 48 horas após a inseminação)
Os embriões estarão no estágio de duas a quatro
células e, menos comumente, seis a oito células tam-
bém podem ser observadas. A vantagem de transferir
Preparo do sêmen embriões nesse estágio é basicamente relacionada ao
O método usado para a preparação do sêmen de- tempo de exposição ao meio externo, que pode exercer
pende da qualidade da amostra usada. influências sobre as condições de cultivo quando há flu-
Para micromanipulação, o método mais usado é tuações de CO, temperatura e umidade do ar, correndo-
o de gradiente de densidade, porém, um número sig- -se o risco de contaminação por micro-organismos.
nificativo de espermatozoides deve estar presente na
amostra para que espermatozoides móveis com morfo-
logia adequada sejam encontrados no final da prepara-
ção. Espermatozoides coletados via aspiração do epidí- Transferência no dia 3
dimo ou biópsia testicular geralmente têm contagem e Os embriões estarão no estágio de seis a oito cé-
motilidade baixa. Essas amostras podem ser centrifu- lulas e, mais raramente, no de 10 a 12 células.
gadas e o pellet restante adicionado ao meio de cultivo
para facilitar a localização dos espermatozoides. A escolha de transferir os embriões no dia três é
feita quando existe uma quantidade maior de embri-
ões de mesma qualidade. Esperar mais um dia pode
ser mais fácil para selecionar os melhores embriões.
Preparo das placas para a
realização da ICSI
A ICSI é feita cm placas de Petri contendo micro- Transferência no dia 5 ou 6
gotas sob óleo. No centro da placa, é colocada uma gota Os embriões estarão nos estágios de mórula ou
com solução viscosa de PVP (Polyvinylpyrrolidone), que blastocisto.

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322
Ginecologia

A vantagem de se transferir embriões neste es- O procedimento da transferência é simples e in-


tágio deve-se ao fato de ser possível selecionar melhor dolor, dispensando o uso de anestesia. A paciente é
os embriões, ou seja, quando se tem um número gran- colocada em posição de litotomia e os embriões, pre-
de de oócitos, a capacidade de eles alcançarem o es- viamente colocados em um cateter, são transferidos
tágio de blastocisto está relacionada à sua qualidade. para dentro do útero (Figura 34.9). Os cateteres de
Cerca de 50% dos embriões de FIV e ICSI atin- transferência mais utilizados são o Tom Cat e o ca-
gem o estágio de blastocisto, o que permite melhor teter de Frydman. A transferência é realizada por
seleção embrionária. médico e as taxas de sucesso das TRA estão direta-
mente relacionadas à experiência do profissional. A
As taxas de implantação são maiores nesse está- orientação do procedimento pela ultrassonografia
gio do que nos estágios de quatro a oito células. Pelo transabdominal facilita a transferência, mas não au-
fato de essas taxas serem maiores, não há necessidade menta as taxas de gravidez.
de se transferir muitos embriões, o que reduz o núme-
ro de gravidez múltipla. O congelamento de embriões
também fica restrito porque o número de embriões
que alcançam o estágio de blastocisto é menor, con-
sequentemente, será menor o número de embriões a
serem congelados.
Para que o embrião alcance o estágio de blasto-
cisto, é necessário que o cultivo seja feito em microgo-
tas sob óleo, evitando contaminação do meio externo,
uma vez que os embriões ficarão incubados por um
período maior. O tipo de meio de cultivo deve ser mais
elaborado e conter substâncias que estimulem a divi-
são e facilitem o desenvolvimento do blastocisto.
Figura 34.9 Transferência de embriões.
Os embriões selecionados para transferência se-
rão colocados em um cateter próprio, previamente es-
colhido, acoplado a uma seringa de insulina contendo
quantidades mínimas de meio de cultivo. Serão aspi- Suporte de fase lútea
rados, aproximadamente, três quantidades de 10 mL Nos ciclos em que se realiza estimulação ovaria-
de meio de cultivo, com intervalos de ar entre esses na, principalmente quando se utilizam gonadotrofinas
volumes. Os embriões ficarão no meio, nos intervalos e análogos de GnRH, pode-se desenvolver uma insufi-
de ar. O início e o fim do cateter conterão meio de cul- ciência relativa de fase lútea que irá diminuir a taxa de
tivo para a proteção do embrião. implantação ou aumentar a incidência de abortamen-
tos precoces. Essa insuficiência de fase lútea parece ser
decorrente de um desequilíbrio nos níveis de FSH, LH,
Transferência embrionária estradiol e progesterona que ocorre na fase folicular do
ciclo. Torna-se necessário, então, que se faça uma re-
A transferência embrionária poderá ser reali- posição de fase lútea nessas pacientes. Essa reposição
zada no mesmo local da coleta, junto ao laborató- se inicia cerca de 48 horas após a coleta e é mantida até
rio. O número de embriões a serem transferidos cerca de oito a dez semanas de gravidez, quando então
será determinado pela equipe juntamente com o a placenta assumirá sua função hormonal completa.
casal. A ocorrência de gestações múltiplas, geral- As drogas utilizadas na reposição da fase lútea são:
mente acompanhadas por piores resultados perina-
€ hCG: (Choragon Choriomon) em ampolas de
tais, tem sido uma das mais temidas complicações
1.000, 2.000, 5.000 UI, aplicadas de 2 em 2, 3 em
das TRAs. Apesar de a transferência de um núme-
3 ou 4 em 4 dias, respectivamente;
ro maior de embriões resultar em maior chance de
gravidez, a tendência mundial tem sido diminuir € progesterona micronizada (Utrogestan 100
a quantidade de embriões transferidos. Para con- ou 200 mg; Evocanil 100 ou 200 mg) em óvulos
seguir bons resultados, apesar da transferência de uso vaginal, na dose de 600 mg/dia, em três
doses diárias;
de poucos embriões, esforços têm sido feitos para
melhorar a qualidade embrionária. Existem vários € progesterona suspensão oleosa, ampolas de
projetos de lei em tramitação, mas nenhuma lei que 100 mg, em injeções IM de 12/12 horas, na dose
rege as TRAs. A resolução 1358/92, do Conselho Fe- de 200 mg/dia;
deral de Medicina, permite a transferência de, no € progesterona em gel vaginal a 8% (Crinone),
máximo, quatro embriões por ciclo. em dose única diária.

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323
34 Fertilização assistida

submetidas aos programas de ovodoação apresentam


Congelamento de oócitos e taxas de gravidez semelhantes às da idade da doadora
de tecido ovariano dos óvulos e não às da idade da receptora dos embriões.
O congelamento de oócitos e de tecido ovariano Com relação à morbidade materna, a literatura
pode oferecer a possibilidade de formação de bancos mostra que a gravidez resultante das TRA apresenta a
de doação e proporcionar opções de fertilidade a mu- mesma morbidade das gestações naturais, desde que
lheres que, por razões médicas, possam perder prema- se façam ajustes com relação à idade da paciente e ao
turamente a função ovariana. número de fetos. As TRA, por si sós, não representam
Enquanto o congelamento de espermatozoides indicação para o parto por via abdominal, apesar de a
e embriões é um procedimento usual em reprodução cesariana ser mais comum nesse grupo de pacientes.
assistida, as técnicas de congelamento de oócitos e de Acredita-se que isso ocorra por maior valorização da
tecido ovariano necessitam ser mais estudadas e es- gravidez nesses casos, tanto pelo casal como pela equi-
truturadas para serem usadas com segurança e con- pe médica envolvida.
fiabilidade. O oócito em metáfase II é extremamente Com relação aos conceptos nascidos das TRA, já
frágil devido ao tamanho e arranjo dos cromossomos. existe um consenso de que a taxa de malformações e os
Durante o processo de congelamento e descongela- índices de crescimento e desenvolvimento dessas crian-
mento, o fuso meiótico pode ser danificado pela for- ças sejam semelhantes aos encontrados em crianças
mação de gelo intracelular, acarretando uma instabili- provenientes de fecundação natural, quando se faz um
dade nos cromossomos, destruição dos microtúbulos ajuste com a idade materna, número de conceptos por
(essenciais à extrusão do corpúsculo polar), migração gravidez e prematuridade. O número de alterações cro-
dos pró-núcleos e citocinese. Pode também ocorrer mossômicas ligado às depleções do cromossomo Y são
alteração das glicoproteínas, acarretando rigidez da mais frequentes em casais que se submeteram às técni-
zona pelúcida e, consequentemente, falha da implan- cas de micromanipulação por uma azoospermia não obs-
tação. Existe grande preocupação dos efeitos causados trutiva ou oligoastenospermia grave. Isso, provavelmen-
por esses danos aos futuros embriões. te, se deve ao fato de que esses pais apresentam maior
A técnica de congelamento de tecido ovariano incidência dessas alterações e isso tem de ser exposto ao
envolve congelamento de folículos primordiais ima- casal quando esses métodos lhe forem oferecidos.
turos. Esses folículos são multicelulares e heterogê- Como a gravidez múltipla é mais prevalente em
neos, portanto, mais difíceis de serem congelados. gestações oriundas de FIV, as crianças nascidas por
Constantemente, são realizados estudos no intuito esse método apresentarão maior morbidade devido a
de melhorar os métodos de coleta desses tecidos: ta- esse fator. A presença de gestação múltipla é conside-
manho ideal a ser retirado, melhor crioprotetor a ser rada uma complicação das TRA e devem-se promover
utilizado e protocolo mais adequado no congelamento esforços para diminuir a prevalência dessas gestações.
e na maturação in vitro desses folículos. Maturar folí- Como relatado anteriormente, a obtenção de embriões
culos primordiais in vitro seguido de técnicas de FIV de melhor qualidade e em estágios mais desenvolvidos
é uma opção altamente desejável, mas é uma técnica
permite que se transfira um número menor de embri-
que necessita de longo tempo de cultivo e condições
ões, o que diminui as chances de uma gravidez múltipla.
de cultura ideais para se obter resultados confiáveis.
Portanto, o congelamento de oócitos e de tecido
ovariano ainda é um procedimento experimental que
necessita ser estabelecido com segurança para ser ofe-
recido como técnica de fertilização assistida.
Complicações
As principais complicações das TRA são as gesta-
ções múltiplas e a Síndrome de Hiperestímulo Ovaria-
no (Sheo). As gestações múltiplas já foram discutidas
Resultados das TRA anteriormente.

Os resultados da American Society of Reproduc-


tive Medicine (ASRM) mostraram que, nos ciclos rea-
lizados em 2003, 37% de pacientes abaixo de 35 anos Síndrome de Hiperestímulo
resultaram em bebês vivos. Essa porcentagem cai para
31% em pacientes entre 35 e 37 anos, 21% entre 38 e Ovariano
40 anos, 11% entre 41 e 42 anos e 4% em pacientes aci- A Sheo é uma condição iatrogênica que pode ocorrer
ma dos 42 anos. A deterioração da fecundidade com a quando se utilizam drogas indutoras de ovulação. A pre-
idade se relaciona mais com a qualidade dos óvulos do valência da Sheo em sua forma leve está em torno de 10%
que com os fatores endometriais, visto que pacientes e, em suas formas mais graves, ocorre em menos de 1%

SJT Residência Médica – 2016


324
Ginecologia

dos ciclos e pode significar risco de vida para a paciente. A preservada por videolaparoscopia e a fertilização
fisiopatologia da Sheo ainda não foi totalmente elucidada, ocorre in vivo. O embasamento da Gift é o de que,
mas parece estar relacionada com o sistema resina-angio- nesse procedimento, o embrião atingiria a cavi-
tensina e liberação de substâncias vasoativas pelo ovário, dade endometrial em um período mais fisiológico
sob a ação do hCG. Entre essas substâncias, o fator de cres- que na FIV, o que aumentaria as taxas de implan-
cimento vascular endotelial (VEGF) parece ser o principal tação. As principais indicações para Gift seriam a
agente. Essa condição se caracteriza por um aumento na endometriose (estádios I e II), a infertilidade por
permeabilidade capilar, com passagem de fluidos do espa-
fator cervical e a esterilidade sem causa aparente
ço intravascular para o chamado “terceiro espaço”, resul-
(Esca). Esse método tem sido pouco utilizado pelos
tando em um acúmulo de líquidos nesses espaços e em
hemoconcentração. Apesar de a síndrome se manifestar diversos centros de reprodução, que têm indicado
apenas no período pós-ovulatório desses ciclos estimula- preferencialmente a FIV.
dos, alguns sinais e sintomas podem predizer o apareci-
mento dela. Pacientes jovens, magras, portadoras de Sín-
drome do Ovário Policístico (SOP), com nível elevado de
estradiol e grande número de folículos e oócitos coletados Doação de gametas
estão mais propícias a desenvolver a Sheo. Esquemas de
estimulação com doses muito elevadas de gonadotrofinas A legislação sobre doação de gametas varia de
também apresentam maior chance de desenvolvimento acordo com o país. No Brasil, a doação de gametas
da Sheo. Na sua forma mais leve, esta síndrome se mani- é regulamentada pela resolução 1.358/92, do Conse-
festa como um aumento no volume ovariano e desconfor- lho Federal de Medicina, e pela resolução de diretoria
to abdominal que irão se resolver espontaneamente, sen- colegiada (RDC) nº33, da Anvisa, que estabelecem
do necessário apenas que se faça observação da paciente e a obrigatoriedade do anonimato dos doadores e re-
oriente-a para permanecer em repouso. Em suas formas
ceptores. A escolha do doador é de responsabilidade
mais graves, a Sheo pode evoluir com ganho de peso acen-
do centro e a utilização da gravidez de substituição,
tuado, ascite, derrame pleural e peripericárdico, hemocon-
centração, tromboembolismo, oligúria, insuficiência renal quando indicada, é permitida com preferência da
aguda e óbito. Nos casos mais graves, é necessária a inter- receptora biológica por pessoas da mesma família e
nação da paciente com monitorização rigorosa e manu- sem fins lucrativos.
tenção do equilíbrio hemodinâmico e hidroeletrolítico. Na O risco de consanguinidade é evitado caso seja
suspeita do aparecimento de Sheo após a injeção do hCG, limitado a não mais que 25 gravidezes provenientes
desaconselha-se a transferência dos embriões nesse ciclo. de um único doador (sêmen ou oócito), numa popula-
Eles devem ser criopreservados para serem transferidos ção de 800 mil, entretanto, a resolução 1.358/92, do
posteriormente. Quando se suspeita da possibilidade de CFM, define que, na região de localização da unida-
se desenvolver a Sheo (presença de altos níveis de estra-
de, deve-se evitar que um doador produza mais que
diol ou grande número de folículos), deve-se suspender a
duas gestações, de sexos diferentes, numa área de um
administração do hCG ou dar o hCG e não fazer a trans-
ferência de embriões (realizar o congelamento embrioná- milhão de habitantes. Em caso de doação de óvulos,
rio). Na presença de gravidez, a Sheo pode se manifestar essa possibilidade é diminuída pela recomendação da
antes do atraso menstrual e, nesses casos, ela é mantida ASRM de se limitar a seis o número de ciclos de doação
via produção endógena pelo hCG. Alguns estudos têm por doadora.
mostrado que o uso de albumina intravenosa na época da
coleta pode prevenir o desenvolvimento das formas seve-
ras de Sheo em pacientes de alto risco. Outra estratégia
para prevenir a síndrome seria o chamado coasting, que
consiste em uma diminuição (primeira dose de gonado-
Doação de óvulos
trofinas durante o estímulo em pacientes que apresentem Diversos trabalhos descrevem uma boa taxa de
maior risco). sucesso de doação de oócitos mesmo em pacientes cujo
tratamento ocorra até vários anos após a menopausa
natural. Utilizamos a doação compartilhada, durante
a qual o casal receptor doa a medicação necessária à
Transferência intrafalopia- realização da FIV ou ICSI para o casal doador. Parte
dos óvulos é doada ao casal receptor, caso haja número
na de gametas (Gift) suficiente de oócitos para doação. Realiza-se sincroni-
zação dos ciclos doadora-receptora, preparando-se o
A Gift é um método de reprodução assistida endométrio das receptoras com estradiol e progeste-
em que os óvulos e os espermatozoides são trans- rona. Os casais assinam um termo de consentimento
feridos para a trompa uterina anatomicamente livre e esclarecido.

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325
34 Fertilização assistida

tite B e C, sífilis, citomegalovírus, HTLV, heredograma,


Casal receptor cariótipo, aconselhamento e avaliação especializada
Dentre as pacientes que podem se beneficiar da (ultrassonografia pélvica, histeroscopia, espermogra-
doação de óvulos, destacam-se aquelas que apresen- ma com swim-up e dosagens hormonais). Embora não
tam idade maior que 40 anos, FSH alto (basal e/ou tes- seja obrigatório, o screening é facilitado caso a paciente
te do clomifeno), menopausa prematura, má respos- seja também doadora de sangue, pois utilizaremos os
ta à hiperestimulação ovariana controlada para FIV resultados recentes de exames sorológicos.
convencional, falência ovariana pós-quimioterapia
ou radioterapia, ooforectomia bilateral, agenesia ou Em se tratando de doadoras acima de 34 anos,
anomalia uterina grave (útero substituto), risco signi- sua idade deve ser revelada ao casal receptor, devido
ficativo de transmissão de doenças genéticas à prole a riscos genéticos e alterações na taxa de sucesso da
e risco muito aumentado de gravidez para a paciente. gravidez relacionados à idade.
Realiza-se a sorologia para sífilis, hepatite B, hepa-
tite C, HIV e citomegalovírus. Demais exames comple-
mentares poderão ser necessários de acordo com a ava-
liação clínica. O parceiro da receptora deve ser submetido Doação de sêmen
a exames laboratoriais como espermograma, sorologia
para sífilis, hepatite B, hepatite C, citomegalovírus e HIV. O fator masculino tem um papel importante en-
tre as causas de infertilidade e as indicações para o uso
Caso o casal receptor exija, realiza-se o congela- de sêmen de doador destacam-se: azoospermia, oli-
mento do(s) embrião(es) por um período de seis meses
gozoospermia grave ou outras anormalidades impor-
(quarentena), com sua liberação após novos testes so-
tantes do sêmen ou fluido seminal; doenças genéticas;
rológicos na doadora, devido a pequeno risco teórico
disfunção ejaculatória grave não corrigível; mulher Rh
de soroconversão. Entretanto, tal procedimento pode
negativa gravemente isoimunizada com marido Rh
diminuir a taxa de implantação. Receptoras com ida-
de superior a 45 anos devem ser submetidas à ampla positivo; falha de fertilização em técnicas de repro-
avaliação médica, incluindo risco cardiovascular. Para dução assistida; infertilidade masculina imunológica;
esses casos, sugere-se consulta prévia com especialista oligoastenozoospermia grave em que não seja preferi-
em pré-natal de alto risco. da ou não esteja disponível a ICSI.
Geralmente inicia-se a administração de progeste-
rona um dia antes ou no dia da coleta de oócitos, poden-
do ser administrada via oral ou vaginal. Não há diferen- Recrutamento de doadores
ça na concentração sérica em ambas as vias, contudo,
a vaginal resulta em concentração endometrial maior. Durante o recrutamento de doadores de sêmen,
Metodologia semelhante é aplicada para transferência realiza-se entrevista médica, avaliação do espermo-
sincronizada de embriões criopreservados. grama, sorologia para HIV, vírus da hepatite B e C,
sífilis, citomegalovírus e HTLV. Outros exames pode-
rão ser necessários de acordo com o histórico clínico.
O paciente deverá ter idade entre 21 e 40 anos, sem
Casal doador histórico familiar de doenças genéticas e, se possível,
Realiza-se entrevista médica e screening infecto- já com prole saudável anterior.
contagioso e genético para a seleção de casais doadores. Espera-se um período de seis meses (quarente-
Pesquisa-se história sexual pregressa, uso de drogas, na) após o qual se repete a propedêutica infectoconta-
transplante, histórico familiar de doenças, entre outros. giosa antes da liberação do uso do sêmen congelado e
Critérios de seleção de doadoras: idade entre 21 e sua utilização para a inseminação artificial homóloga
34 anos, pacientes com indicação de FIV ou ICSI, sendo (pacientes candidatos à quimioterapia, radioterapia e
então submetidas à sorologia para HIV, vírus da hepa- vasectomia) ou heteróloga (sêmen de doador).

Desperdicei mais de 9.000 arremessos em minha carreira. Perdi quase 300 partidas.
Em 26 ocasiões fui encarregado de fazer o arremesso que daria a vitória à equipe... e errei.
Fracassei repetidas vezes em minha vida. Por isso mesmo tive sucesso.
Michael Jordan

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