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SJT-MED - Preparatório para Residência Médica

Gastroenterologia 1 - Esôfago, Estômago e Duodeno. São Paulo: SJT-MED Editora, 2021.

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SUMÁRIO

ANATOMIA E FISIOLOGIA DO ESÔFAGO............................6 Outras doenças motores do esôfago.................................... 25


Anatomia...........................................................................................6 Quadro clínico.............................................................................. 25
Histologia..........................................................................................7 Diagnóstico.................................................................................... 25
Esfíncteres Esofágicos..................................................................8 Tratamento.....................................................................................26
Vascularização.................................................................................9 Esôfago em quebra-nozes (EQN).............................................26
Arterial...............................................................................................9 ANÉIS E MEMBRANAS ESOFAGEANAS.............................28
Venosa...............................................................................................8 Anéis esofágicos...........................................................................28
Linfática...........................................................................................10 Quadro clínico.............................................................................. 29
Inervação........................................................................................10 Diagnóstico.................................................................................... 29
Fisiologia do esôfago...................................................................10 Tratamento.................................................................................... 30
Deglutição.......................................................................................10 As membranas esofágicas........................................................ 30
Atividade motora..........................................................................11 Epidemiologia............................................................................... 30
Divertículo de Zenker..................................................................11 Etiopatogenia................................................................................ 30
DIVERTÍCULOS ESOFÁGICOS.................................................12 Diagnóstico.................................................................................... 30
Quadro clínico...............................................................................12 Tratamento.....................................................................................31
Diagnóstico.....................................................................................12 DOENÇAS DO REFLUXO GASTROESOFÁGICO (DRGE)........32
Tratamento.....................................................................................13 Fisiopatologia.................................................................................32

Outros divertículos do esôfago................................................13 Fisiopatologia................................................................................ 33

Divertículos epifrênicos..............................................................14 Quadro Clínico.............................................................................. 33

Divertículos parabrônquicos.....................................................14 Diagnóstico.................................................................................... 34

Tratamento.....................................................................................14 Tratamento.................................................................................... 36

DISMOTILIDADE ESOFÁGICA................................................16 DRGE e gravidez............................................................................37


Introdução......................................................................................16 ESÔFAGO DE BARRETT........................................................... 39
Disfagia............................................................................................16 HÉRNIA DE HIATO......................................................................41
Etiologia e fisiopatologia.............................................................16 Classificação...................................................................................41
História clínica...............................................................................17 Quadro clínico...............................................................................42
Exames complementares...........................................................17 Diagnóstico.....................................................................................42
Diagnóstico diferencial...............................................................17 Tratamento.....................................................................................42
Acalasia............................................................................................19 SÍNDROME DE MALLORY WEISS......................................... 44
Etiologia...........................................................................................19 Patogenia....................................................................................... 44
Fisiopatologia e patologia..........................................................19 Quadro clínico.............................................................................. 44
Quadro clínico...............................................................................20 Tratamento.................................................................................... 44
Diagnóstico.....................................................................................20 PERFURAÇÃO DE ESÔFAGO.................................................. 46
Tratamento.................................................................................... 23 Etiologia.......................................................................................... 46
Endoscopia digestiva alta.......................................................... 23 Quadro clínico...............................................................................47
Outras causas de acalasia..........................................................24 Diagnóstico.....................................................................................47

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Tratamento.....................................................................................47 Inervação....................................................................................... 67
Perfuração cervical..................................................................... 48 Histologia....................................................................................... 68
Perfuração torácica..................................................................... 48 HELICOBACTER PYLORI......................................................... 69
Perfuração abdominal................................................................49 Patogenia....................................................................................... 69
TUMORES BENIGNOS DO ESÔFAGO................................. 50 Quadro clínico...............................................................................70
Leiomioma..................................................................................... 50 Diagnóstico.....................................................................................71
Cistos de duplicação do esôfago.............................................51 Tratamento.................................................................................... 72
Schwannomas...............................................................................52 GASTRITES................................................................................... 73
Hemangiomas................................................................................52 Gastrite erosiva/hemorrágica...................................................74
Outras lesões.................................................................................52 Gastrite crônica autoimune.......................................................74
CÂNCER DE ESÔFAGO............................................................. 53 Tratamento.....................................................................................76
Fatores de risco............................................................................ 53 Gastrite eosinofílica.....................................................................76
Apresentações.............................................................................. 54 Gastrite flegmonosa................................................................... 77
Carcinoma Escamoso do Esôfago (CEC)............................... 54 Gastrite linfocítica....................................................................... 77
Adenocarcinoma.......................................................................... 54 Gastrite de refluxo alcalino....................................................... 77
Neoplasias da Junção Esôfagogástrica ( JEG)....................... 54
Doença de Menétrier..................................................................78
Quadro clínico.............................................................................. 54
ÚLCERA PÉPTICA....................................................................... 79
Diagnóstico.................................................................................... 55
Epidemiologia............................................................................... 79
Estadiamento................................................................................ 55
Fisiopatologia................................................................................ 79
Tratamento.................................................................................... 57
Fatores de defesa........................................................................ 79
Pacientes T1N0 e T2N0 do esôfago........................................ 57
Fatores agressores...................................................................... 80
Pacientes com displasia de alto grau ou carcinoma invasivo
Etiologia...........................................................................................81
com invasão até a lâmina própria da mucosa (t1a)................ 58
Tipos de úlcera..............................................................................81
Pacientes t3-4 ou n+................................................................... 58
Úlcera duodenal............................................................................81
Pacientes com comorbidades importantes que
Úlcera gástrica...............................................................................81
limitam a realização de cirurgia............................................... 58
Quadro clínico.............................................................................. 82
Tratamento do adenocarcinoma da JEG............................... 58
Diagnóstico.................................................................................... 83
Pacientes com metástase à distância................................... 58
Tratamento.................................................................................... 84
Prognóstico................................................................................... 58
HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA.......................................... 86
ESOFAGITES INFECCIOSAS.....................................................59
Esofagite por cândida..................................................................59 Etiologia.......................................................................................... 86

Esofagite por herpes virus........................................................ 60 Quadro clínico.............................................................................. 86

ESOFAGITE EOSINOFÍLICA.................................................... 62 Tratamento.....................................................................................87

Quadro clínico.............................................................................. 62 Varizes de esôfago...................................................................... 89

Diagnóstico.................................................................................... 62 Lesão de Dieulafoy...................................................................... 89

Tratamento.................................................................................... 63 Angiodisplasias............................................................................. 90

Dieta................................................................................................ 63 Hemobilia....................................................................................... 90

Tratamento endoscópico.......................................................... 64 Fístula aortoentérica.................................................................. 90

ANATOMIA E FISIOLOGIA...................................................... 65 Pseudocisto pancreático e pseudoaneurisma................... 90

Divisão do estômago.................................................................. 65 Estômago em melancia...............................................................91

Camadas do estômago.............................................................. 66 Úlcera de Cameron......................................................................91


Vascularização.............................................................................. 66 Sangramento digestivo de origem obscura..........................91
Drenagem venosa....................................................................... 67 CÂNCER DE ESTÔMAGO..........................................................93
Drenagem linfática...................................................................... 67 Fatores de risco.............................................................................93
Zonas linfáticas D2...................................................................... 67 Classificação anatomopatológica........................................... 94

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Classificação microscópica....................................................... 94 Diagnóstico.................................................................................. 100
Classificação macroscópica...................................................... 94 Tratamento.................................................................................. 100
Classificação de Borrman......................................................... 94 TUMOR NEUROENDÓCRINO DO ESTÔMAGO............ 102
Quadro clínico.............................................................................. 94 VOLVO GÁSTRICO................................................................... 104
Diagnóstico.................................................................................... 95 Tipos de volvo gástrico............................................................ 104
Estadiamento................................................................................ 95
Quadro clínico............................................................................ 104
Tratamento.................................................................................... 95
Diagnóstico.................................................................................. 105
Critérios de ressecabilidade..................................................... 96
Tratamento.................................................................................. 105
Tratamento paliativo................................................................... 96
BEZOAR....................................................................................... 107
Prognóstico................................................................................... 96
Manifestações clínicas............................................................. 108
Paciente com câncer gástrico precoce................................. 96
Diagnóstico.................................................................................. 108
GIST................................................................................................. 99
Tratamento.................................................................................. 108
Epidemiologia............................................................................... 99
Etiopatogenia................................................................................ 99 OBESIDADE E CIRURGIA BARIÁTRICA............................ 109

GIST familiar.................................................................................. 99 Gastrectomia vertical................................................................110

Tríade de Carney.......................................................................... 99 BGYR...............................................................................................110

Neurofibromatose....................................................................... 99 Complicações clínicas................................................................111


Quadro clínico.............................................................................. 99 Complicações cirúrgicas...........................................................111

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1
CAPÍTULO 1
ANATOMIA E FISIOLOGIA
DO ESÔFAGO

ANATOMIA O esôfago cervical tem cerca de 5 cm de com-


primento, e começa abaixo do esfíncter esofá-
O esôfago é um órgão tubular e, essencial-
gico superior e vai até o nível da primeira vérte-
mente, uma víscera muscular com proporções
bra torácica. Está localizado atrás da traqueia e
variáveis entre a musculatura lisa e esquelética,
destacando ainda a presença de dois esfíncte- diante da região pré-vertebral, ocupando a linha
res, o superior (EES) e o inferior (EEI). média, é a posição mais profunda do pescoço.

O comprimento do esôfago em cadáveres adul- Em relação com o esôfago cervical destacam-


tos varia de 25 a 30 cm. A medida obtida por -se os nervos laríngeos recorrentes, direito e
endoscópio, em adultos, demonstra que a tran- esquerdo, além da artéria carótida direita e
sição esofagogástrica se encontra a 40 cm dos esquerda e das veias jugulares internas direita
dentes incisivos, iniciando-se no nível da sexta e esquerda.
vértebra cervical e terminando no estômago,
O esôfago torácico mede de 16 a 18 cm de com-
no nível da décima primeira vértebra torácica,
sendo dividido em três porções (Figura 1.1). primento. Pode ser dividido em três partes, o
esôfago torácico superior, médio e inferior. À
direita, é cruzado pelo arco da veia ázigos.
15 cm
Região cervical É característico que o esôfago torácico supe-
3 a 5 cm
rior tem um trajeto ligeiramente para a direita
23 cm enquanto que o esôfago torácico inferior
Mediastino tem trajeto à esquerda, cruzando o brônquio
16 a 18 cm
esquerdo, posteriormente.

32 cm O esôfago torácico tem relação direta com a


coluna dorsal (nível entre a quarta e a décima
Região abdominal primeira vértebra torácica), a aorta descen-
40 cm 3 cm
dente, a veia ázigos e o ducto torácico e com
Figura 1.1 - Divisões do esôfago. segmentos da reflexão pleural.

PREPARATÓRIO PARA RESIDÊNCIA MÉDICA.

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 7

Os nervos vagos, um de cada lado, paralelos


ao esôfago, formam um plexo visível ao seu
redor e, na altura do hiato esofágico, saem com
dois troncos principais. Pela rotação gástrica, o
tronco esquerdo do vago localiza-se mais ante-
riormente, e o tronco direito, mais posterior-
mente, quando passam ao estômago.

O esôfago abdominal mede aproximadamente


1 a 2 cm de comprimento e entra obliquamente
no estômago formando o ângulo de His.

Figura 1.2 - Correlação anatomotomográfica. A: corte transversal do tórax


na altura da bifurcação traqueal. B: TC mostrando (a) aorta ascendente, (b)
aorta descendente, (c) carina, (d) esôfago, (e) artéria pulmonar.

O esôfago apresenta quatro locais de estrei-


tamento anatômico bem definidos, onde as
estruturas adjacentes produzem impressões:
cricofaríngeo, na origem do esôfago, onde há
compressão pelo músculo cricofaríngeo; aórtico,
no nível do arco da aorta, na altura da quinta Figura 1.3 - Estreitamentos do esôfago.

vértebra torácica; brônquico, no cruzamento do


brônquio fonte esquerdo; e diafragmático, no
HISTOLOGIA
nível do hiato diafragmático, na altura da décima
vértebra torácica, distante 38 cm da arcada den- A parede esofágica apresenta, na sua parte
tária. Esses estreitamentos são sedes de afec- interna, uma camada formada por mucosa
ções esofágicas, principalmente a obstrução e submucosa caracterizando-se um epitélio
por corpo estranho. escamoso estratificado não ceratinizado, com

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8 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

pregas longitudinais paralelas em toda a exten- esôfago terminal, normalmente, é constituído


são do esôfago. de musculatura lisa pura.

Chama-se atenção para o fato de que a sub- As doenças motoras do esôfago geralmente
mucosa é a porção mais resistente da parede envolvem a musculatura estriada no terço
esofágica, elemento importante nas anasto- superior, ou a musculatura lisa no esôfago ter-
moses esofágicas. minal de maneira isolada, e raramente há um
comprometimento difuso do esôfago.
A parte externa, que é muscular, é constituída
A adventícia do esôfago é formada por tecido
por uma camada circular interna e uma camada
conectivo aureolar frouxo, com fibras elásti-
longitudinal externa. Entre a camada circular e
cas originárias das outras estruturas medias-
a longitudinal do esôfago, existem os chama-
tínicas. Não existe a presença de uma serosa,
dos plexos mioentéricos, seja na musculatura
como em outros segmentos do tubo digestivo.
lisa, seja na estriada, os quais são responsáveis
Esse fato prejudica a segurança das anastomo-
pela mobilidade coordenada da deglutição.
ses esofágicas, ao mesmo tempo que facilita a
O esôfago cervical tem continuidade com propagação das células tumorais para outras
fibras do esfíncter esofágico superior e fibras estruturas anatômicas.
provenientes da cartilagem cricoide e é cons- A transição da mucosa esofágica para a
tituído, em sua totalidade, por musculatura mucosa gástrica se faz com a mudança do epi-
estriada. No esôfago torácico existe uma télio escamoso do esôfago para epitélio cilín-
mescla de fibras musculares estriadas e lisas, drico do estômago, mudança identificada pelo
com prevalência da musculatura lisa à medida clareamento brusco na cor da mucosa, o que
que o esôfago vai se tornando mais caudal. O determina a chamada linha Z.

Figura 1.4 Camadas do esôfago.

ESFÍNCTERES ESOFÁGICOS

O músculo cricofaríngeo separa a faringe do esôfago e forma o esfíncter esofágico superior que
mede aproximadamente 3 a 5 cm de comprimento, e tem função de evitar a eructação, com
regurgitação de conteúdo esofágico.

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 9

Na face posterior, na transição das fibras do A irrigação arterial do segmento torácico é


constrictor inferior da faringe e do cricofaríngeo, feita por ramos que nascem direto da aorta e
apresenta-se uma zona de fraqueza (triângulo de por ramos esofágicos das artérias intercostais
Killian) por onde surge o divertículo de Zenker. e bronquiais.

Já o esfíncter esofágico inferior está localizado O segmento inferior do esôfago é suprido pela
nos 3 ou 4 cm distais do esôfago e caracteriza- artéria frênica inferior e pela artéria esofago-
-se por um segmento de musculatura lisa, com cardiotuberositária, que é ramo da artéria gás-
tônus basal, sendo caracterizado como uma trica esquerda. Funcionalmente, essas artérias
zona de alta pressão da camada muscular do tendem a uma vascularização do tipo terminal.
esôfago, e tem como função evitar a regurgita-
ção de conteúdo do estômago para o esôfago.
A pressão de repouso normal do esfíncter
esofágico inferior é de 10 a 30 mmHg, porém
flutua de minuto a minuto em geral, essas flu-
tuações têm pequena amplitude, de 10 a 20
mmHg, porém grandes flutuações ocorrem,
e essas estão relacionadas com a atividade
motora migratória do estômago.
O tônus desse esfíncter é influenciado por
um grande número de fatores, entre os quais
estão os alimentos, fumo, drogas e hormônios.
Gastrina, polipeptídio pancreático, motilina e
bombesina aumentam o tônus.
Secretina, colecistoquinina, polipeptídio intes-
tinal vasoativo, glucagon e progesterona redu-
zem o tônus.
Alimentos ricos em proteínas o elevam; gordu-
ras, chocolate e etanol o reduzem. Entre outras
substâncias e medicamentos, a histamina, os
antiácidos, a metocloparamida, a domperidona,
Figura 1.5 - Vascularização arterial do esôfago.
cisaprida e a prostaglandina F2α produzem
aumento na pressão esfinctérica, ao passo que
VENOSA
a teofilina, as prostaglandinas E2 e I2, a seroto-
nina, a meperidina, a morfina, a dopamina, os Na submucosa esofágica, existe um fino plexo
bloqueadores de canais de cálcio, o diazepam e venoso microscópico que drena para outras
os barbituratos produzem sua redução. veias da submucosa, mais calibrosas, que
estão situadas de maneira regular ao redor da
VASCULARIZAÇÃO circunferência esofágica, formando uma rede
longitudinal paralela a toda a extensão do esô-
fago. Essa rede venosa paraesofágica se comu-
ARTERIAL nica com os sistemas porta e sistêmico no nível
dos três segmentos esofágicos.
A vascularização arterial da porção cervical do
esôfago é feita pelas artérias tireoideas inferio- O terço superior, através das veias tireoideas
res (Figura 1.5). inferiores, drena para a veia cava superior.

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10 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

O terço médio também drena para a veia INERVAÇÃO


cava superior através dos sistemas ázigos e
hemiázigos. A inervação intrínseca do esôfago é feita pelos
plexos mioentéricos de Meissner e Auerbach.
No terço inferior do esôfago, no nível da união
esofagogástrica, a drenagem venosa faz-se Existem conexões entre esses dois plexos que
pelo sistema porta através da veia gástrica apresentam comunicações com o vago. O supri-
mento motor do esôfago nasce do núcleo motor
esquerda.
dorsal do nervo vago e do núcleo do nervo aces-
Quando existe hipertensão portal, esses vasos sório espinhal. As conexões parassimpáticas
submucosos aparecem como varizes mais des- estabelecem-se por meio dos vagos.
tacadas no esôfago terminal. Todos os três sis-
A porção superior do esôfago é inervada pelos
temas venosos possuem anastomoses entre
nervos laríngeos recorrentes. Os nervos vagos
si, permitindo o desvio do sangue no caso de
descem paralelamente ao esôfago, um de cada
haver obstrução em qualquer um deles. lado, formando um plexo visível ao seu redor.
Na altura do hiato esofágico, o vago esquerdo
orienta-se anteriormente, e o vago direito, pos-
teriormente, quando alcançam o estômago. O
esôfago recebe fibras simpáticas dos gânglios
simpáticos cervicais e da cadeia simpática torá-
cica. A inervação simpática é pouca entendida.

FISIOLOGIA DO ESÔFAGO
A função básica do esôfago é transportar o
material deglutido da boca ao estômago e,
ocasionalmente, em direção contrária. Possui
um esfíncter em cada extremidade com a fina-
lidade principal de mantê-lo vazio.

O fluxo retrógrado do conteúdo gástrico é


Figura 1.6 - Drenagem venosa do esôfago. impedido pelo esfíncter esofágico inferior, e a
entrada de ar a cada inspiração, pelo esfíncter
esofágico superior, que normalmente perma-
LINFÁTICA
nece fechado em virtude da contração tônica
Os linfáticos do esôfago torácico superior e do músculo cricofaríngeo.
médio drenam principalmente para o pes-
coço e mediastino superior, e a drenagem DEGLUTIÇÃO
linfática do esôfago inferior faz-se principal-
É uma resposta neuromuscular, envolvendo
mente para os gânglios abdominais: linfono-
ações voluntárias e involuntárias. Tem início
dos gástricos e celíacos.
com o movimento voluntário da língua, que ori-
Existem outras divisões e nomenclaturas das gina uma onda peristáltica involuntária, a qual
cadeias linfáticas, todas no sentido de identi- percorre rapidamente a faringe, alcançando
ficar e facilitar a dissecção, principalmente nas o esfíncter esofágico superior, produzindo um
cirurgias radicais de câncer de esôfago. relaxamento rápido e coordenado, seguido por

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 11

uma contração pós-deglutição. A respiração é É chamado divertículo verdadeiro quando é


suspensa nessa fase da deglutição. Uma vez ini- formado por todas as camadas corresponden-
ciada, a sequência da deglutição é involuntária. tes às da víscera afetada.
Pseudodivertículo ocorre quando a parede
ATIVIDADE MOTORA perde uma ou mais das suas camadas. Por
exemplo, o divertículo de Zenker é formado
A peristalse do esôfago evidencia-se logo após apenas por mucosa e submucosa, caracteri-
a contração da faringe ultrapassar o esfíncter zando, assim, um pseudodivertículo.
esofágico superior. A contração peristáltica, Quanto à etiopatogenia, os divertículos classi-
dirige-se da porção cranial, estriada, para a cau- ficam-se em:
dal, lisa. Essas ondas peristálticas têm duração
• Divertículos de pulsão ocorrem como alte-
entre 3 e 4,5 segundos e alcançam amplitude
ração secundária a uma incoordenação
máxima de 60 a 140 mmHg no esôfago inferior.
motora ou como parte das manifestações
Essa onda iniciada pela deglutição é denomi- de um distúrbio motor do esôfago, com
nada peristalse primária. formação de pseudodivertículos;
Os nervos extrínsecos coordenam a motilidade • Divertículos de tração ocorrem como resul-
esofagiana involuntária com os eventos asso- tado de processo inflamatório com retra-
ciados à deglutição voluntária. Durante a deglu- ção cicatricial dos tecidos periesofágicos e
tição voluntária, os esfíncteres esofágicos supe- formação de divertículos verdadeiros.
rior e inferior relaxam, permitindo a entrada e a
saída do bolo alimentar, respectivamente.
DIVERTÍCULO DE ZENKER
Peristaltismo secundário é uma contração pro-
No divertículo de Zenker, o ponto de hernia-
gressiva do corpo esofágico que não é indu-
ção corresponde ao ponto de transição entre o
zida por deglutição, mas, usualmente, ou por
constrictor inferior da faringe e o músculo cri-
distensão produzida por bolo não completa-
cofaríngeo, conhecido com triângulo de Killian.
mente propelido pela peristalse primária, ou
por conteúdo gástrico refluído. Corresponde ao mais comum entre todos os
divertículos esofageanos (70-75% dos casos).
Um mecanismo local intramural pode, às vezes,
produzir peristaltismo na musculatura lisa do
esôfago – é a peristalse terciária, que não deve
ser confundida com as contrações terciárias,
descoordenadas ou simultâneas, no corpo do
esôfago, responsáveis pelo clássico aspecto de
saca-rolhas no esofagograma com bário.

A função dos esfíncteres é coordenada com a


função do corpo esofágico e com a atividade da Figura 2.1 - Ponto de herniação do divertículo de Zenker.
orofaringe e do estômago, que são contíguos
A etiologia do divertículo de Zenker está asso-
ao esfíncter esofágico superior e ao esfíncter
ciada à disfunção do músculo cricofaríngeo. A
esofágico inferior, respectivamente.
incoordenação entre o relaxamento do EES e a
Divertículo é uma formação sacular, em fundo contração da faringe, leva ao aumento da pres-
cego, revestida de epitélio e que tem comuni- são sobre o triângulo que Killian, predispondo
cação com uma víscera oca. à formação do divertículo.

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2
CAPÍTULO 2
DIVERTÍCULOS ESOFÁGICOS

Trata-se de um divertículo falso, pois é com- DIAGNÓSTICO


posto somente pela herniação da mucosa
através das fibras posteriores do cricofaríngeo, A história e o exame físico sugerem o diagnós-
localizando-se mais comumente à esquerda. tico que é corroborado por exames radiográ-
Os divertículos são considerados verdadeiros ficos baritados (esofagograma, padrão-ouro),
somente quando há a protrusão de todas as que delimitam o divertículo.
camadas da víscera. A endoscopia digestiva alta (EDA), apesar de ser
O divertículo de Zenker aumenta em incidência um método que permite uma boa visualização do
com a idade, 70 a 80% ocorrem em pacientes divertículo, deve ser evitada visto o risco de per-
com mais de 60 anos de idade e a proporção furação do divertículo durante o procedimento.
entre homens e mulheres é de 2:1.

QUADRO CLÍNICO
Disfagia e regurgitação do alimento ingerido
são as grandes marcas dessa condição.

Quando o saco faríngeo se torna suficiente-


mente volumoso a ponto de reter o alimento,
os pacientes desenvolvem os sintomas mais
clássicos de tosse persistente, regurgitação
pós-prandial, aspiração e halitose.

Alguns divertículos se tornam tão volumosos


que os pacientes passam a realizar várias mano-
bras, tais como aplicar pressão sobre o pescoço
e tossir repetidamente para esvaziá-los.

Disfagia por obstrução do esôfago é sintoma mais


tardio e ocorre quando o divertículo se torna tão
grande a ponto de comprimir o esôfago.

As complicações do divertículo de Zencker


incluem: carcinoma no divertículo (carcinoma
epidermoide, embora seja muito raro), forma-
Figura 2.2 - Divertículo de Zenker. O estudo radiológico contrastado, em
ção de fístula, ulceração péptica, abscesso pul- duas incidências (A e B), da faringe e do esôfago cervical durante a degluti-
ção, o qual é conhecido por deglutograma, mostra grande formação sacular
monar, pneumonia aspirativa e hemorragia. na transição faringoesofágica, caracterizando a presença da afecção.

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TRATAMENTO resolução da disfagia a longo prazo, e com uma


morbidade de 5% e sem mortalidade.
O tamanho do divertículo de Zenker é um fator
importante para a indicação de seu tratamento. As principais indicações do tratamento endos-
cópico do divertículo de Zenker são:
• Se <2 cm, indica-se miotomia isolada;
• Pacientes com comorbidades que limitem
• Se entre 2-5 cm indica-se a diverticulecto-
a abordagem cirúrgica;
mia endoscópica ou miotomia com diver-
ticulopexia; • Pacientes com abordagem cirúrgica cervi-
• Se >5 cm é indicada a miotomia com diver- cal prévia ou radioterapia cervical, visto a
ticulectomia. formação de fibrose que limita a dissec-
ção cirúrgica.
O tratamento endoscópico do divertículo de
Zenker consiste em seccionar o septo presente
entre o saco diverticular e a luz do esôfago,
utilizando a eletrocoagulação ou grampeador
cirúrgico.

A recidiva da disfagia é considerada uma com-


Figura 2.3 - Figura esquemática sequencial do tratamento cirúrgico do
divertículo de Zenker. plicação tardia causada pela secção incompleta
As complicações do tratamento cirúrgico incluem do septo ou por estenose cicatricial. Diante
fistulização e infecção de ferida operatória. dessa situação, uma nova abordagem com rea-
O tratamento endoscópico é um procedimento bertura do septo deve ser considerada ou dila-
de baixo risco, com uma eficácia de 93% de tações com sombras nos casos de estenose.

Figura 2.4 Vista endoscópica de orifício diverticular faringoesofágico (divertículo de Zenker)

OUTROS DIVERTÍCULOS DO ESÔFAGO • Parabrônquicos (esôfago médio): quando


estão localizados próximos à bifurcação
Os divertículos são classificados de acordo traqueal;
com: o local, a espessura da parede e o meca- • Epifrênicos (supradiafragmáticos): quando
nismo de formação. Surgem comumente em surgem a partir dos 2-4 cm distais do esô-
três locais diferentes: fago.
• Faringoesofágicos: quando ocorrem na Divertículo verdadeiro contém todas as camadas
junção da faringe com o esôfago; da parede esofágica normal, incluindo mucosa,

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submucosa e muscular, enquanto um divertículo fístula e interposição de tecidos normais adja-


falso consiste apenas em mucosa e submucosa. centes. Se tiver disfunção motora concomi-
tante, a miotomia ampla deve ser considerada.
DIVERTÍCULOS EPIFRÊNICOS
O esofagograma baritado é o melhor método
Geralmente, surgem dentro dos 4 a 8 cm da diagnóstico. A EDA é solicitada no início do qua-
JGE e são de pulsão, surgindo por causa de dro quando da queixa de disfagia para se ava-
uma disfunção motora do esôfago em 50% dos liar a etiologia.
casos, ou por obstrução distal mecânica.

Além das alterações motoras primeiras, a hér-


nia de hiato e a acalasia também se associam
aos divertículos epifrênicos, e os sintomas se
confundem em meio a essas patologias.

Os sintomas atribuídos aos divertículos epifrê-


nicos são inexpressivos ou mínimos, e o diag-
nóstico é feito por meio de raio-X contrastado
casual. Embora raramente apresentem sinto-
mas, às vezes provocam disfagia secundária a
restos alimentares ali alojados.

A EDA permite diagnóstico diferencial e exclu-


são de neoplasia. Já a manometria permite
detectar a verdadeira disfunção que originou a
formação do divertículo. Figura 2.5 - Divertículo de tração no terço médio do esôfago e composto por
todas as camadas da parede.

DIVERTÍCULOS PARABRÔNQUICOS

São geralmente de tração e incluem todas as


camadas da parede, sendo, portanto, divertí-
culos verdadeiros.

Estão associados com doença granulomatosa


mediastínica (por exemplo: tuberculose, his-
toplasmose). Usualmente decorrem de fibrose
e cicatrização ganglionar próxima da carina,
que retraem a parede do esôfago, formando
o divertículo.

São caracteristicamente pequenos, com ponta Figura 2.6 - Divertículo epifrênico. Geralmente, achado incidental próximo
delgada e plana virada para cima, na direção à junção esofagogástrica.

dos linfonodos adjacentes parabrônquicos


e subcarinais. TRATAMENTO

Raramente causam sintomas e precisam de Em princípio, o tratamento é clínico, pois medi-


tratamento. Uma comunicação fistulosa entre das de ressecção do divertículo são condena-
o esôfago e o trato respiratório exige secção da das ao insucesso.

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A cirurgia só está indicada para os casos com Hérnia hiatal ou um EEI incompetente asso-
sintomas clínicos importantes e quando tiver- ciados a divertículos epifrênicos de indicação
mos estudo adequado da motilidade do esô- cirúrgica também devem ser reparados na
fago e do EEI. mesma operação.

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3
CAPÍTULO 3
DISMOTILIDADE ESOFÁGICA

INTRODUÇÃO DISFAGIA
Funcionalmente, o esôfago é dividido em três
Disfagia é a dificuldade de deglutir. É o principal
regiões: EES, corpo e EEI, que estão sob o con-
sintoma presente na totalidade dos distúrbios
trole do SNC e sistema nervoso entérico, e é motores do esôfago. Não é sintoma específico,
na avaliação da disfunção dessas estruturas sendo resultante tanto de distúrbios da função
que podemos classificar diferentes distúrbios esofágica como de lesões anatômicas intrínse-
motores, como listado na Tabela 3.1. cas, ou de compressões extrínsecas.

Classificação dos distúrbios motores


primários do esôfago ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA

Acalasia A disfagia pode ser dividida em dois tipos prin-


Espasmo esofágico difuso cipais:

Esôfago hipercontrátil Disfagia orofaríngea: quando acomete a fase


oral e/ou faríngea da deglutição (também
Esôfago em quebra-nozes
conhecida como disfagia alta). Os doentes fre-
Esfíncter esofágico inferior hipertenso
quentemente identificam o esôfago cervical
Esôfago hipocontrátil como a principal área acometida e podem ter
Motilidade esofágica ineficaz associados sinais como engasgos, tosse, pneu-

Esfíncter esofágico inferior hipotenso


monias aspirativas e regurgitação nasal.

Tabela 3.1 Classificação dos distúrbios motores primários do esôfago


As causas principais são:

Antes de apresentar os principais distúrbios • Doenças neurológicas agudas e crônicas:


motores do esôfago, vale a pena iniciar este capí- acidente vascular cerebral (AVC), trauma-
tulo com a discussão sobre a principal queixa tismo cranioencefálico, doença de Parkin-
clínica nas esofagopatias, que é a disfagia, cha- son, esclerose múltipla;
mando atenção para os principais aspectos que • Doenças musculares: miastenia gravis, dis-
dizem respeito à abordagem diagnóstica. trofias musculares.

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 17

Disfagia esofageana: compromete a fase eso- EXAMES COMPLEMENTARES


fágica da deglutição (também conhecida como
disfagia baixa). Os doentes referem sensação Videodeglutograma: é o exame mais completo
utilizado para a avaliação da disfagia orofaríngea,
do alimento “entalado” em algum lugar atrás
sendo útil tanto para anormalidades anatômicas
do esterno, o que ocorre alguns segundos
quanto funcionais da deglutição.
após a deglutição.
Esofagograma: pode ser útil em disfagia baixa
As principais causas são:
sugestiva de espasmo ou alteração motora
• Obstrução mecânica intrínseca: câncer de (funcional ou não obstrutiva).
esôfago, estenose péptica; Endoscopia digestiva alta: primeiro exame a
• Obstrução mecânica extrínseca: aneu- ser solicitado na investigação da disfagia. Tem
risma de aorta, massa mediastinal, como vantagens a visualização direta do esô-
aumento de átrio esquerdo; fago e a capacidade de realizar biópsias.

• Alterações na motilidade: levam à dificul- Manometria: medida da pressão do esfíncter


dade na passagem do alimento pelo esô- esofágico inferior, fundamental para um diagnós-
fago (espasmo esofágico). tico preciso do distúrbio motor esofágico.

HISTÓRIA CLÍNICA DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Achados importantes da propedêutica são: Corpo estranho: a obstrução causada por ali-
mento é uma causa frequente de disfagia, com
• Avaliar a evolução temporal do sintoma:
os sintomas instalando-se geralmente após a
agudo, subagudo ou crônico;
ingestão de carne, levando à obstrução total
• Quais alimentos causam disfagia: sólidos,
do esôfago. De modo geral, os doentes têm
líquidos ou ambos;
alguma anormalidade esofageana precedendo
• Sintomas contínuos, progressivos ou o quadro. O tratamento é endoscópico.
intermitentes;
AVC: é a causa mais comum de disfagia oro-
• Doenças previamente diagnosticadas:
faríngea aguda, acometendo de 22 a 65% dos
câncer, história de radioterapia, doenças
doentes; a disfagia é um marcador de mau
neurológicas, autoimunes, história de
prognóstico, aumentando o risco de aspira-
cirurgia bariátrica;
ção, desnutrição, institucionalização após a
• Interrogar todos os medicamentos ingeri- alta e óbito. A aspiração é um agravante da
dos recentemente; disfagia e está relacionada ao aumento da
• Dor à deglutição: indica um componente morbidade e da mortalidade e ao aumento
inflamatório associado, tal como esofagite dos custos durante a internação nos doentes
(química, infecciosa); com AVC agudo.
• Dor torácica ou retroesternal: pode se Perfuração esofágica: pode ser não traumá-
assemelhar à angina e pode indicar uma tica (90% dos casos envolve o esôfago distal),
alteração motora do esôfago (refluxo, relacionada ao trauma, ingestão de cáusti-
espasmo) ou perfuração esofágica; cos, corpo estranho ou iatrogênico (cirurgia,
• Questionar sintomas de outros sistemas: procedimentos endoscópicos), ou ainda pode
perda de peso, anorexia, vômitos, diar- ser consequência de vômitos incoercíveis (sín-
reia, tremor, artrite etc.; drome de Boerhaave).

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18 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

Causas de disfagia orofaríngea e dados para suspeição diagnóstica

Doenças neuromusculares (80%)

Acidente vascular cerebral Sintomas de início súbito associados ao deficit neurológico focal
Tumores intracranianos Sintomas progressivos e déficit neurológico focal
Sintomas neurológicos diversos não explicados por lesão cerebral
Esclerose múltipla
única
Doença de Parkinson Estágio avançado da doença
Demência de Alzheimer Estágio avançado da doença
Deficits motores assimétricos progressivos, com envolvimento de
Esclerose lateral amiotrófica
neurônios motores superiores e inferiores

Fraqueza proximal progressiva com aumento de enzimas musculares


Polimiosite e dermatopolimiosite
e presença de autoanticorpos
Anormalidades estruturais e doença localizada
Divertículo de Zenker Regurgitação de comida não digerida e mau hálito
Sintomas progressivos, sem déficits neurológicos associados e com
Tumores de orofaringe
fatores de risco presentes (tabagismo e etilismo)

Faringite/abscesso retrofaríngeo ou
Dor em orofaringe, odinofagia, febre
periamigdaliano
Iatrogênicas
Alterações anatômicas após cirurgia Pós-operatório de cirurgia de pescoço ou orofaringe
Medicações Neurolépticos, sedativos
Radiação Alterações anatômicas e funcionais devido à radioterapia
Tabela 3.2 Causas de disfagia orofaríngea e dados para suspeição diagnóstica

3.1- Disfagia orofaríngea (alta).

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 19

Figura 3.2 – Disfagia esofágica (baixa).

ACALASIA América Latina são áreas de grande prevalên-


cia de acalasia. A maior prevalência ocorre no
Caracteriza-se principalmente por aperistalse Brasil, na Argentina e na Venezuela. No Brasil, a
no corpo do esôfago associada, ou não, por endemia localiza-se no Rio Grande do Sul, Per-
aumento da pressão basal do esfíncter eso- nambuco, Minas Gerais, Goiás, Bahia e Piauí.
fagiano inferior e relaxamento incompleto No Brasil existem cerca de 8 milhões de chagá-
desse esfíncter. sicos e 40% desses apresentam megaesôfago.
É o distúrbio primário da motilidade esofa-
FISIOPATOLOGIA E PATOLOGIA
giana mais comum, com uma incidência de 0,4-
1,1 por 100 mil indivíduos e uma prevalência de
Na doença de Chagas, o que ocorre é a destruição
6 casos em 100 mil indivíduos por ano.
dos plexos mioentéricos de Auerbach (substrato
fisiopatológico da acalasia), havendo evidências
ETIOLOGIA
também de degeneração de fibras aferentes
vagais e do núcleo dorsal motor do vago.
No Brasil predomina a acalasia secundária à
doença de Chagas. Outras doenças que foram No esfíncter esofágico inferior, há aumento da
associadas às anormalidades motoras seme- pressão basal do EEI com ausência do relaxa-
lhantes à acalasia incluem amiloidose, sarcoi- mento, com perda dos neurônios inibitórios do
dose, neurofibromatose, esofagite eosinofílica, plexo mioentérico e a via excitatória colinér-
neoplasia endócrina múltipla tipo 2B, síndrome gica está preservada, e na ausência dos meca-
de Sjögren juvenil, pseudo-obstrução intesti- nismos inibidores.
nal idiopática crônica e doença de Fabry.
No corpo do esôfago, ocorre perda da peris-
Zonas endêmicas de doença de Chagas (cau- talse, traduzida por ausência de contrações ou
sada pelo Trypanosoma cruzi) em toda a contrações simultâneas.

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20 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

Com o evoluir do processo, o esôfago vai se de acalasia para câncer do esôfago, o tipo his-
dilatando, surgindo então o megaesôfago, que tológico mais comum é o carcinoma epider-
é uma alteração anatômica consequente a um moide em 3% dos casos.
distúrbio funcional.
DIAGNÓSTICO
Na forma chagásica, as anormalidades do
relaxamento esfincteriano são semelhantes
Para estabelecer o diagnóstico é necessário
às da idiopática, no entanto, a pressão basal
a manometria, para confirmar as alterações
do EEI costuma ser menor do que a da acala-
motoras, e estudo contrastado do esôfago,
sia idiopática.
para avaliar a sua morfologia, além de endos-
copia para excluir diagnóstico diferencial (prin-
QUADRO CLÍNICO
cipal é o câncer de esôfago), e também para
Disfagia é o principal sintoma, presente em rastreio de neoplasia precoce de esôfago,
pelo menos 90% dos casos, e tipicamente visto que a acalasia é condição de risco para o
piora lentamente com o tempo e ocorre com desenvolvimento de câncer esofágico.
progressão inicialmente de alimentos sólidos Os achados manométricos diagnósticos da
e depois para líquidos também. Ela é referida acalasia são:
como sensação de entalo precordial. Pode ser
• Relaxamento incompleto do esfíncter eso-
relatada também como dor torácica, em cerca
fágico inferior;
de 25% dos pacientes, e pode se confundir com
• Aperistalse nos dois terços distais do esô-
dor anginosa.
fago;
É comum a realização de manobras para aju-
• Pressão do EEI em repouso elevada – a
dar na progressão do bolo alimentar, tal como
perda de neurônios inibitórios em pacien-
elevação dos braços, extensão da cabeça e
tes com acalasia pode fazer com que as
principalmente ingestão de líquidos (efeito de
pressões LES em repouso subam para
coluna-d'água).
níveis hipertensivos (acima de 45 mmHg).
A regurgitação ocorre com frequência, em torno Na Classificação de Chicago, obtida através do
de 80%, sobretudo à medida que a doença pro- estudo manométrico, a acalasia é subdividida em
gride, o que justifica nesses pacientes episódios três tipos de acordo com padrão manométrico:
de pneumonia de aspiração, e classicamente é
descrito a regurgitação de alimentos não digeri- • Tipo I (acalasia clássica): É caracterizado
dos, ingeridos horas ou dias antes. por falha da peristalse em 100% das con-
trações e não há pressurização esofágica;
A presença de pirose, observada em até 40%
• Tipo II (acalasia com pressurização): Apre-
dos pacientes, é presente pela esofagite pela
senta falha da peristalse em 100% das
estase alimentar, que chega a ser até mais
contrações, com pressurização pan-eso-
intensa que a esofagite de refluxo.
fágica em ≥20% de deglutições;
A perda de peso é, assim como a disfagia, lenta
• Tipo III (acalasia espástica): A degluti-
e progressiva, que marca um achado e ajuda
ção resulta em contrações ou espas-
a diferenciar o quadro da acalasia da clínica de
mos anormais, que obliteram o lúmen.
paciente com neoplasia de esôfago.
É definido pela presença de fragmentos
A ocorrência de carcinoma de esôfago é dez preservados de peristalse distal ou con-
vezes mais frequente em quem tem acalasia do trações prematuras por pelo menos 20%
que na população geral. Uma vez progredindo das deglutições.

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O estudo contrastado do esôfago permite ava-


liar o esvaziamento do meio de contraste pelo
esôfago e ainda avaliar a morfologia, principal-
mente o diâmetro e o eixo do esôfago que vão
definir o tratamento. Alguns sinais clássicos
descritos são:

• Retenção do meio de contraste no esôfago;


• Dilatação do diâmetro do esôfago e afila-
mento distal (sinal do bico de pássaro);
• Nível hidroaéreo no mediastino na posi-
ção ereta, representando material estag-
nado no esôfago;
• Ausência da bolha gástrica.
Através dos achados do esofagograma o aco-
Figura 3.3 - A pressão manométrica altera-se com a deglutição de um bolo
metimento da doença pode ser dividido em
de 8 mL (WS). A distância (cm) das narinas é mostrada nos traçados. Os
traçados proximal e distal são os esfíncteres esofageanos superior (EES) e
graus pela Classificação de Mascarenhas:
inferior (EEI), respectivamente. Imediatamente depois de uma deglutição,
a pressão no EES cai transitoriamente. Logo depois, a pressão do EEI cai e Grau I – Dilatação até 4 cm de diâmetro trans-
continua baixa até que a contração peristáltica passe do EES, siga pelo corpo
esofageano e feche o EEI. verso. Podem ser notadas ondas terciárias e
retardo de esvaziamento esofagiano;

Grau II – Dilatação entre 4 e 7 cm de diâme-


tro transverso, observando-se nível liquido
de bário e resíduos alimentares, hipotonia e
ondas terciárias;

Grau III – Dilatação entre 7 a 10 cm de diâme-


tro, grande retenção de contraste, atividade
motora reduzida e afilamento distal;

Grau IV – Dilatação maior que 10 cm ou dolico-


esôfago.

Já a classificação de Resende baseia-se na


retenção do contraste e na atividade contrátil
do esôfago:

Grau I - Retardo no esvaziamento do esôfago e


retenção do contraste;

Grau II - Nível de bário mais resíduos, hipotonia


e ondas terciárias;
Figura 3.4 - Motilidade do esôfago no paciente com acalasia. No exame
radiológico, observa-se retenção de contraste no esôfago e dilatação. No Grau III - Grande retenção de contraste. Afila-
exame manométrico, não há relaxamento do esfíncter inferior, e a contra-
ção provocada pela deglutição de água (D) é síncrona (simultânea), isobárica mento distal. Hipotonia;
(mesma pressão) e de baixa amplitude. A contração é síncrona, porque há
retenção de líquidos no esôfago, o que causa o registro simultâneo e igual
em todos os locais de medida da pressão. Grau IV - Dolicomegaesôfago.

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Figura 3.5 - Classificação de Resende para megaesôfago chagásico.

Figura 3.6 - Esofagografia evidenciando sinal de “bico de pássaro”, ou ponta de lápis, no megaesôfago.

Figura 3.7 - Radiografia do tórax de um paciente com acalasia avançada, mostrando


alargamento do mediastino e um nível hidroaéreo no nível do arco aórtico (seta).

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deve sempre ser cogitada, bem como contato significativamente os índices de positividade
com o triatomíneo ou transfusões de sangue. dos resultados dos exames.

Na fase aguda, após 4 a 8 semanas do início


ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA
dos sintomas, é possível demonstrar a pre-
sença de T. cruzi no sangue periférico, por meio A EDA não é solicitada para diagnóstico, mas
de processos diretos, a fresco ou após colora- sim para diagnóstico diferencial. É importante
para descartar outras patologias, sobretudo
ção, com ou sem concentração; isso se conse-
neoplasias.
gue com esfregaço, em gota espessa.
Em razão da associação do megaesôfago com
Na fase crônica, utilizam-se as provas sorológi-
o CEC de esôfago, é recomendada a realiza-
cas como a reação de fixação do complemento ção, a cada 2 anos, da EDA, de preferência
(de Guerreiro-Machado), imunofluorescência e associada à cromoscopia e lugol, métodos que
hemaglutinação. A realização de mais de uma aumentam a sensibilidade para pesquisa do
dessas provas em ocasiões diferentes aumenta carcinoma escamocolunar.

Características essenciais do diagnóstico


• Disfagia;
• Retenção de alimento ingerido no esôfago;
• Evidência radiológica de ausência de peristalse primária, dilatação do corpo do esôfago
e estreitamento da junção cardioesofágica;
• Peristalse primária ausente por manometria e cinerradiografia.
Tabela 3.3

TRATAMENTO Bloqueadores dos canais de cálcio e nitratos


são descritos como opção terapêutica, embora
O objetivo da terapia para a acalasia é aliviar
estudos tenham taxas de eficácia variáveis.
os sintomas, eliminando a resistência à saída
Seu uso é evitado devido ao risco de efeitos
causada pelo EEI doente. Uma vez aliviada a
obstrução, o bolo alimentar, apesar do corpo adversos, incluindo hipotensão grave e compli-
esofágico aperistáltico, é propelido com auxílio cações isquêmicas.
da gravidade.
A cardiomiotomia laparoscópica de Heller é
Para auxiliar na indicação do tratamento é uti- considerada por muitos como o tratamento
lizado a classificação de Pinotti que divide os primário apropriado de pacientes com acala-
pacientes em:
sia incipiente ou não avançada, ou mesmo nos
• Incipiente: Grau I – Dilatação endoscópica pacientes com megaesôfago avançada sem
ou cardiomiotomia cirúrgica; dolicoesôfago.
• Não avançado: Grau II - Dilatação endos-
A técnica de Heller consiste na realização de
cópica ou cardiomiotomia cirúrgica;
miotomia longitudinal ao longo do esôfago dis-
• Avançado: Graus III e IV - Cardiomiotomia
cirúrgica ou esofagectomia. tal, por cerca de 7 cm, aliado à confecção de
válvula antirrefluxo, promovendo alívio inicial
As opções de tratamento são dilatação pneu-
mática por endoscopia, toxina botulínica, dos sintomas é alcançado em 90% dos pacien-
cardiomiotomia cirúrgica, POEM (miotomia tes, e manutenção da ausência da disfagia em
endoscópica per oral) e esofagectomia. 57% dos casos após 6 anos.

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24 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

As indicações de dilatação do EEI, com adesão


da maioria dos autores, incluem:

• Megaesôfago de graus I e II;


• Pacientes já submetidos à cardiomioto-
mia, com recidiva dos sintomas;
• Idosos e pacientes sem condições cirúrgicas.
Os pacientes que obtiverem resposta satisfa-
tória com dilatação no primeiro tratamento
podem ser candidatos a novo tratamento com
dilatação. No entanto, os pacientes que não
responderem bem ao primeiro tratamento
dificilmente obterão sucesso no segundo.

A principal complicação da dilatação pneumá-


Figura 3.8 - Cardiomiotomia a Heller.
tica do cárdia é a perfuração esofágica, devido
A esofagectomia subtotal com reconstrução à sua gravidade e à necessidade de diagnóstico
com tubo gástrico é indicada para os casos de precoce, com início de tratamento imediato,
megaesôfago avançado com dolicoesôfago, ou para um bom prognóstico. Ocorre em cerca
seja, o grau IV. Além dessa indicação, a esofa- de 1 a 6% das dilatações e apresenta-se em
gectomia é realizada também em pacientes geral com dor torácica persistente, podendo
com lesão pré-maligna e na falha do trata- ser acompanhada de desconforto respiratório,
mento com cardiomiotomia a Heller. taquicardia e enfisema subcutâneo.
O tratamento endoscópico inclui injeção de toxina A miotomia endoscópica oral (POEM), é um
botulínica, a dilatação pneumática e o POEM. método endoscópico para realizar a miotomia
A injeção de toxina botulínica é utilizada para do EEI. Tem resultados semelhantes à mioto-
bloquear a liberação de acetilcolina no nível do mia cirúrgica, porém ao contrário da miotomia
EEI, restaurando assim o equilíbrio entre neu- cirúrgica, que é combinada com a fundoplica-
rotransmissores excitatórios e inibitórios. Este tura para evitar o refluxo, o POEM não inclui
tratamento tem valor limitado com apenas nenhum procedimento antirrefluxo. A reco-
30% dos pacientes com alívio da disfagia após mendação para indicação do POEM seria em
1 ano. Este tratamento pode causar uma rea- pacientes com recidiva dos sintomas pós-mio-
ção inflamatória ao nível da junção gastroeso- tomia cirúrgica, em que já fora realizada vál-
fágica, dificultando a miotomia subsequente. vula antirrefluxo.
Este tratamento seria indicado em pacientes
com comorbidades que não são candidatos à OUTRAS CAUSAS DE ACALASIA
dilatação ou cirurgia.

A dilatação pneumática é o tratamento reco- A acalasia idiopática é a forma mais comum


mendado nos casos nos quais a cirurgia não é nos países desenvolvidos. A história clínica
apropriada. Um balão é insuflado ao nível da e os aspectos diagnósticos são semelhantes
junção gastroesofágica para romper as fibras aos observados na acalasia chagásica, lem-
musculares, deixando a mucosa intacta. A taxa brando, no entanto, que, na forma idiopática,
de sucesso é de 70 a 80%, obtendo resultados somente os neurônios inibitórios do esôfago
ainda melhores com dilatações seriadas. distal são acometidos.

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 25

A pseudo-obstrução intestinal crônica é uma É uma causa relativamente incomum de dor


alteração motora difusa do TGI caracterizada torácica de origem esofageana. É também
por sinais e sintomas recorrentes de obstru- reconhecido como pseudodiverticulose espás-
ção intestinal, na ausência de uma obstrução tica ou esôfago em “conta de rosário”. Acomete
mecânica. Embora afete basicamente o intes- mais frequentemente as mulheres (50-60 anos
tino delgado, a pseudo-obstrução pode atingir de idade), principalmente aquelas que pos-
outras porções do TGI e raramente pode cursar suem distúrbios psiquiátricos associados.
com acalasia. Em geral, não existe peristalse A etiopatogenia é pouco conhecida e, mais
no esôfago, que é eventualmente substituída recentemente, tem-se dado atenção ao papel
por contrações esofageanas simultâneas e da rede neural inibitória nas disfunções moto-
espontâneas. O EEI também está monometri- ras do esôfago.
camente anormal e pode lembrar a disfunção Caracteriza-se por espasmos intensos com con-
vista na acalasia, com pressão elevada e altera- trações não peristálticas do esôfago. Diferente
ção do relaxamento na deglutição. da acalasia, existe bom relaxamento do EEI e
pode ainda estar associado com refluxo GE.
Insuficiência suprarrenal familial é um distúr-
bio raro e caracteriza-se pelo início, na infân-
cia, de hipoglicemia recorrente e aumento da
QUADRO CLÍNICO
pigmentação, secundário ao hipocortisolismo, A dor retroesternal é o principal sintoma, presente
com aparecimento tardio de disfagia secundá- em 80-90% dos casos, que pode ser confundido
ria à acalasia. Pode haver, ainda, hiponatremia com angina. Ela é autolimitada e pode ocorrer em
secundária a uma deficiência parcial de mine- repouso, ou ser iniciada pela deglutição, ou pela
ralocorticoide e, com frequência, existe produ- ingestão de alimentos frios ou quentes.
ção deficiente de lágrimas desde o nascimento, A disfagia é intermitente, súbita, com parada
o que se acredita ser uma manifestação de transitória do alimento, frequentemente acom-
inervação autonômica desordenada. Esse raro panhada de forte dor retroesternal baixa.
distúrbio é considerado uma herança autossô-
De forma menos frequente, o EED pode estar
mica recessiva.
associado à doença do refluxo gastroesofágico
Acalasia pós-vagotomia é uma complicação (DRGE) e, nesses casos, pirose e regurgitação
rara que se atribui à ressecção do vago cervical vêm associadas ou dominam o quadro clínico.
ou torácico. Acredita-se que isso esteja rela-
cionado com a interrupção das fibras vagais DIAGNÓSTICO

pós-ganglionares que inervam o EEI. É consi-


A manometria, método padrão-ouro, mostra
derado um distúrbio tipicamente transitório, ondas de alta amplitude e repetitivas com rela-
mas um pequeno número de pacientes pode xamento normal do EEI na maioria dos pacientes.
desenvolver um distúrbio irreversível da moti-
Alguns agentes estimuladores foram submeti-
lidade do esôfago.
dos à avaliação de sua utilidade em aumentar
a resposta diagnóstica da manometria esofa-
geana por provocarem as alterações manomé-
OUTRAS DOENÇAS MOTORES tricas do espasmo do esôfago.
DO ESÔFAGO O diagnóstico manométrico requer a presença
Espasmo esofageano difuso (EED) de contrações simultâneas em pelo menos

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26 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

20% das deglutições, visto que as contrações nitroglicerina, que atuam relaxando a muscu-
simultâneas são absolutamente incomuns em latura lisa.
indivíduos saudáveis.
Pode-se associar também antidepressivos tri-
O esofagograma baritado é normal em 50% cíclicos, como a amitriptilina, 25 a 50 mg na
das vezes, mas pode mostrar divertículos e hora de dormir.
espasmos segmentares, que são contrações Deve-se ainda esclarecer ao paciente sobre a
simultâneas não peristálticas, vistas ao exame benignidade da condição que o mesmo apre-
contrastado com aspecto em “parafuso ou senta, e, se houver suspeita, realizar logo no
saca-rolhas”; no entanto, esse achado não é início do seguimento investigação de síndro-
patognomônico do EED. mes coronarianas.

Em pacientes com sintomas com impacto sig-


nificativo na qualidade de vida e que o trata-
mento clínico não foi efetivo pode-se indicar
abordagem cirúrgica, onde é feita uma eso-
fagomiotomia longa, desde o nível do arco da
aorta até imediatamente acima do EEI, que
deve ser preservado. Se tiver refluxo GE signifi-
cativo associado, um procedimento de válvula
antirrefluxo pode ser adicionado.

Figura 3.9 - Esôfago em “saca-rolhas” é um distúrbio neuromuscular sinto-


mático, com espasmos difusos.

Figura 3.11 Miotomia ampla por via torácica no paciente com EED.

ESÔFAGO EM QUEBRA-NOZES
(EQN)
Critérios manométricos para o diagnóstico
de esôfago em quebra-nozes incluem evidên-
cia de peristalse normal, com contrações de
Figura 3.10 - EED: as deglutições de água desencadeiam ondas simultâneas grande amplitude no esôfago distal, superio-
e repetitivas de pressão no esôfago distal.
res a 180 mmHg, que também podem ter uma
duração aumentada.
TRATAMENTO
Observa-se que, em torno de 35-40% dos pacien-
O tratamento é essencialmente clínico, com tes com EQN, há associação com DRGE, aspecto
bloqueadores do canal de cálcio, nitratos e importante durante a orientação terapêutica.

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 27

No que diz respeito ao quadro clínico, a dor Quanto aos procedimentos diagnósticos e tera-
torácica é a principal queixa, com característi- pêuticos segue-se a mesma orientação des-
crita no EED.
cas similares à descrita no EED, entrando tam-
bém no diagnóstico diferencial de dor torácica
de origem coronariana.

A disfagia é o segundo sintoma observado nes-


ses pacientes e ocorre em 10-30% dos pacien-
tes, tendo caráter intermitente, localização na
maioria das vezes no esôfago cervical, podendo
ser tanto para sólidos quanto para líquidos. A
pirose é relatada em 14-45% dos pacientes, e,
Figura 3.12. Esofagomanometria de paciente com esôfago em Quebra
nesse grupo, é necessário investigar DRGE. Nozes. Presença de ondas de elevada amplitude em esôfago distal.

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4
CAPÍTULO 4
ANÉIS E MEMBRANAS
ESOFAGEANAS

Anéis e membranas são patologias pouco fre- surgimento de quadros disfágicos e impacta-
quentes, sendo geralmente achados de exa- ção de corpos estranhos.
mes radiológicos ou endoscópicos. Manifestam-se nos exames radiológicos como
Constituem-se como projeções endoluminais constrição anelar móvel, dependente dos
do esôfago, de forma circunscrita, podendo movimentos respiratórios e da contração ou
relaxamento da musculatura esofágica. Podem
ocasionar estreitamento de sua luz. Podem
passar despercebidos ao exame endoscópico,
cursar com quadros de disfagia intermitente,
pois dificilmente oferecem obstáculos ou resis-
de longa data, a sólidos e líquidos. De caráter
tência à passagem do aparelho.
benigna, sua etiologia é discutida, podendo ser
congênita ou adquirida. Apresentam-se revestidos por mucosa esca-
mosa, tanto em sua face proximal como distal.
Estudos manométricos demonstram a pre-
sença de contrações peristálticas de elevada
ANÉIS ESOFÁGICOS
amplitude no corpo do esôfago, com pressão e
Os anéis são estreitamentos anulares e simé- relaxamento normais no nível do EEI.
tricos encontrados no terço distal do esôfago.
O anel do tipo B - denominado anel esofá-
São geralmente constituídos de camadas de gico mucoso ou de Schatzki - é constituído
mucosa e submucosa e raramente de camada por estrutura mucosa no nível da junção
muscular. Podem ser divididos em dois tipos. escamocolunar. Trata-se de anel de diâmetro
O tipo A, denominado anel muscular (anel de constante e independente das manobras res-
piratórias. Caracteriza-se como linha divisória
Templeton), é revestido por tecido epitelial
entre o revestimento escamoso e o colunar,
escamoso, sendo comumente encontrado a
demarcando o final do esôfago tubular.
cerca de 2 cm a 3 cm acima da junção escamo-
colunar, junto à margem proximal do esfíncter Encontra-se com maior frequência em adul-
esofágico inferior (EM). tos e idosos, o que não afasta a possibilidade
de ser diagnosticado em crianças ou de ser
Autores atribuem como origem uma exacer- congênito, com sintomatologia tardia. A etio-
bação da estrutura muscular fisiológica no logia do anel de Schatzki não está totalmente
nível da margem proximal da ampola frênica. esclarecida. É difícil determiná-la, porque,
Embora raros, podem ocasionar redução não havendo refluxo clinicamente evidente e
significante da luz do órgão, possibilitando ocorrendo mais frequentemente em jovens,

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 29

pode-se inclusive aceitar a possibilidade de disfagia. Para fazer-se o diagnóstico por endos-
etiologia congênita. Sabe-se que, em quase copia digestiva, o médico deve ser experiente
sua totalidade, é enfermidade adquirida, e ter informações sobre a clínica apresentada,
tendo como causa a agressão repetida do epi- pois as alterações endoscópicas são discretas e
télio esofágico por refluxo. podem passar despercebidas.
O estudo da motilidade esofágica por intermé-
QUADRO CLÍNICO dio da manometria também auxilia no diagnós-
tico evidenciando contrações com amplitude
Assim como em outras numerosas doenças
alta, longa duração e múltiplos picos de contra-
esofágicas, a disfagia é o principal sintoma, com
ção, com esfíncter esofágico inferior normal.
característica de ser intermitente para sólidos e
líquidos e evolução progressiva com intervalo No diagnóstico diferencial, devem-se excluir as
de vários anos, tornando-se, assim, crônica. lesões esofágicas extrínsecas, estenose péptica,
Outra característica dela é sua sensação que distúrbios motores e carcinoma de esôfago, os
ocorre em qualquer segmento do esôfago torá- quais podem ser facilmente identificados com
cico, mesmo sendo o anel de localização baixa. os exames anteriores.

Queimação retroesternal (pirose) é sintoma fre-


quente em pacientes portadores de anel esofá-
gico em razão da associação com a doença do
refluxo gastroesofágico. Outra manifestação
é a impactação de alimentos sólidos no local
do anel, principalmente em homens idosos.
Alguns pacientes podem referir regurgitação e
broncoaspiração associados à disfagia.

DIAGNÓSTICO

O exame que pode fornecer mais detalhes


do anel esofágico é a fluoroscopia esofágica.
Mesmo não sendo o primeiro exame a ser
solicitado, deve ser realizada quando a histó-
ria clínica sugere e a endoscopia digestiva alta
Figura 4.1 - Anel de Schatzki ao EED.
é normal.

Há relato de incidência de 20% de anel em pacien-


tes com disfagia, quando investigado com exame
contrastado do esôfago. Por meio da videofluo-
roscopia e deglutograma estuda-se todo o esô-
fago durante a deglutição, simula-se a ingestão
de alimentos líquidos pastosos e sólidos e visua-
liza-se o ponto de estenose. É excelente meio de
visualização do anel e pode também definir o seu
diâmetro, determinação importante na escolha
do melhor método de tratamento.
A endoscopia digestiva alta deve ser solicitada,
principalmente, para excluir causa maligna da Figura 4.2 - Anel de Schatzki à EDA.

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30 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

TRATAMENTO A disfagia parece relacionada não apenas


pela presença de membrana esofágica, mas
Quando se trata a doença do refluxo, o quadro também por contração muscular inadequada
clínico se estabiliza e muito poucas vezes há devido à deficiência de ferro. Isso levaria à
necessidade de se atuar sobre o anel. Quando tal redução da propulsão do bolo alimentar pelo
necessidade se faz presente, a dilatação endos- músculo cricofaríngeo e incoordenação da
cópica pré-operatória quase sempre é suficiente musculatura lisa esofágica.
para se obter qualidade de vida boa permanente.
DIAGNÓSTICO

AS MEMBRANAS ESOFÁGICAS Além dos achados de exame clínico, caracte-


rísticos da síndrome de Plummer-Vinson e a
Membrana esofágica é definida como estru-
associação com a deficiência de ferro, outros
tura fina que consiste de pregas de mucosa
exames auxiliam no seu diagnóstico.
que se projetam parcial ou totalmente no
lúmen esofágico. O estudo contrastado do esôfago nem sempre
demonstra a membrana esofágica, podendo,
Pode ser de origem congênita ou adquirida e
muitas vezes, passar despercebida no pri-
localizar-se em qualquer lugar do esôfago. Nor-
meiro exame.
malmente é recoberta por epitélio escamoso.
Geralmente, a membrana é única, mas pode A endoscopia geralmente faz o diagnóstico na
haver duplas ou múltiplas. totalidade dos casos. A membrana tem aparên-
cia acinzentada, fina, com pequenas arteríolas
e vênulas e com lúmen centralizado ou late-
EPIDEMIOLOGIA
ralizado. Algumas vezes, o anel é tão fino que
As mais comuns são localizadas no esôfago pode ser rompido facilmente com a ponta do
cervical e fazem parte de síndrome Plummer endoscópio. Outras vezes, a membrana pode
Vinson. São mais frequentes no sexo feminino apresentar-se elástica e complacente.
(80% a 90%), entre 40 e 70 anos de idade, sendo
incomum antes dos 30 anos de idade.

Caracteriza-se por associar-se à anemia ferro-


priva, queilite angular, pele seca, glossite, oni-
codistrofia, perda de peso e disfagia. Ocorre
mais frequentemente entre europeus (norte
da Europa).

As membranas do esôfago superior incidem


em cerca de 5% a 15% dos pacientes com dis-
fagias e podem ser achados endoscópicos em
até 1,3% de pacientes assintomáticos.

ETIOPATOGENIA

A etiopatogenia da síndrome e das membranas


é desconhecida, tendo sido propostos vários
mecanismos como fatores genéticos, nutricio-
nais, autoimunes e infecciosos. Figura 4.3 - Membrana esofágica à EDA.

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 31

Figura 4.4 - Membrana esofágica ao EED.

TRATAMENTO

Pode ser tratada efetivamente por meio de suplementação de ferro e dilatações endoscópicas.
Em muitos casos, apenas a reposição de ferro pode resolver. Todavia, em casos de obstrução
significativa do lúmen esofágico, a dilatação impõe-se.
Usualmente uma sessão de dilatação é suficiente para alívio dos sintomas, mas, ocasionalmente,
são requeridas múltiplas sessões, como no presente caso. Controle endoscópico anual é necessá-
rio, visto que a doença é considerada fator de risco para neoplasias de faringe e esôfago.

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5
CAPÍTULO 5
DOENÇAS DO REFLUXO
GASTROESOFÁGICO (DRGE)

A doença do refluxo gastroesofágico é a doença Embora a DRGE ocorra em todas as faixas etá-
orgânica mais comum do TGI. É afecção crô- rias, a prevalência dessa condição clínica, bem
nica decorrente do fluxo retrógrado anormal como de suas complicações como estenoses e
do conteúdo gastroduodenal para o esôfago úlceras, é maior entre indivíduos idosos.
e/ou órgãos adjacentes a ele, acarretando um
Alguns estudos sugerem que a evolução da
espectro variável de sintomas esofágicos e/ou
doença do refluxo seja diferente entre homens
extra esofágicos, associados ou não a lesões
e mulheres. A esofagite de refluxo é mais pre-
teciduais (complicações).
valente (3:1) em homens. Já entre as mulheres,
Tem prevalência mundial estimada de 20%, durante a gravidez, a prevalência de pirose
sendo que 25-70% fazem uso de IBP de alcança 40 a 80% das pacientes.
forma inapropriada.
A participação de fatores genéticos condicio-
No Brasil, a incidência estimada é de 11,9% da nando a ocorrência de doença do refluxo ainda
população (20 milhões), acometendo todas as não é conhecida, muito embora sintomas de
faixas etárias e ambos os sexos. refluxo sejam mais comuns entre familiares de
pacientes do que entre controles.

FISIOPATOLOGIA Barreira fisiológica ao refluxo


Existem vários fatores que podem estar rela- gastroesofágico
cionados, podendo destacar aqueles associa- Elementos Elementos
dos à perda da proteção pelos fatores de bar- anatômicos funcionais

reira (relaxamento transitório do EEI – principal Entrada oblíqua do Esfíncter esofágico


causa, hérnia hiatal, hipotensão do EEI, dimi- esôfago no estômago inferior (EEI)
nuição do clearance pelo esôfago) e ação dos
Roseta da mucosa gás- Ondas peristálticas do
fatores que favorecem o refluxo (pressão intra- trica ao nível do cárdia esôfago
gástrico, retardo do esvaziamento gástrico,
incompetência do piloro que permite o refluxo Elementos de fixação do
Ação da gravidade
estômago
de conteúdo duodenal).

Os fatores de risco envolvidos são aqueles asso- Pilar direito do Secreção de bicarbonato
diafragma e muco na saliva
ciados ao aumento da pressão intra-abdominal,
sendo o principal a obesidade (87% dos pacientes Resistência do epitélio
Prega de Gubaroff
com IMC>35 tem queixa de pirose), destacando esofágico
ainda os pacientes com abdominoplastia prévia. Tabela 5.1

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 33

Fatores agressivos Fatores predisponentes


Gravidez;
Hérnia hiatal;
Esclerose sistêmica progressiva;
Ácido clorídrico; Gastrinoma (Zollinger Ellison)**;
Pepsina; Secreção biliopancreática Obesidade;
Drogas (anticoncepcionais, bloqueadores de canal de cálcio,
nitratos)
Pós-cirúrgico****.
Tabela 5.2

FISIOPATOLOGIA Nestes pacientes estão presentes sintomas típi-


cos como pirose, regurgitação e epigastralgia.
A DRGE ocorre como consequência da expo-
A pirose ocorre em geral após a alimentação,
sição da mucosa esofágica ou supraesofágica
especialmente se a refeição for copiosa, rica
a conteúdo intragástrico, contendo agentes
em gordura, condimentada e ácida (cítricos),
agressores como ácido, pepsina, sais biliares e
sendo caracterizada como a sensação de quei-
enzimas pancreáticas.
mação retroesternal que se irradia do manú-
A magnitude da exposição da mucosa esofá- brio do esterno à base do pescoço, podendo
gica ao conteúdo intragástrico depende da atingir a garganta.
frequência dos episódios de refluxo gastroeso-
A regurgitação ácida significa o retorno de con-
fágico, do volume e da agressividade do con-
teúdo ácido ou alimentos para a cavidade oral.
teúdo refluído, do tempo de contato do ácido
Situações que elevam a pressão intra-abdomi-
com a mucosa esofágica e da resistência teci-
nal podem também exacerbar o sintoma, e,
dual a esse conteúdo agressivo.
por outro lado, a ingestão de antiácidos ou até
Tradicionalmente, considera-se que há refluxo mesmo água podem aliviá-lo.
quando o pH esofágico cai abaixo de 4. Esse
A duração e a frequência dos sintomas devem
limiar é clinicamente relevante, pois a pirose
ser pesquisadas. É consenso que pacientes que
ocorre com pH inferior a 4, e a atividade pép-
apresentam sintomas com frequência mínima
tica diminui rapidamente acima desse nível. O
de duas vezes por semana, com história de 4 a
término de um episódio de refluxo é conside-
8 semanas, devem ser considerados como pos-
rado habitualmente como o ponto em que o
síveis portadores da DRGE.
pH esofágico sobe acima de 4.
Apesar desses sintomas sugerirem a presença
QUADRO CLÍNICO da afecção, vale salientar que outras doenças
podem cursar com um desses sintomas. Con-
Doença com importante impacto na qualidade tudo, quando os dois sintomas estão associa-
de vida e pode ser dividida em síndrome esofá- dos, a chance do paciente com tais queixas ser
gica e extra esofágica. portador da DRGE é superior a 90%.

Síndrome esofágica, podendo ser classificada A intensidade e a frequência dos sintomas


como doença do refluxo erosiva (DRE), paciente da DRGE são fracos preditores da presença
com EDA alterada, e doença do refluxo não ou gravidade da esofagite, mas a duração da
erosiva (DRNE), paciente com EDA normal mas doença está associada ao aumento do risco
pHmetria anormal. para o desenvolvimento do esôfago de Barrett.

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34 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

Na abordagem inicial do paciente, é funda- Complicações esofageanas na DRGE


mental considerar a idade e a presença ou
• Hemorragia digestiva (< 2% dos casos);
não de manifestações de alarme. A investiga-
ção diagnóstica imediata por meio do exame • Úlcera;
endoscópico é particularmente importante • Estenose, se presente pesquisar Barrett;
nos pacientes acima de 40 anos de idade, • Esôfago de Barrett, substituição do epité-
bem como nos que apresentam manifesta-
lio pavimentoso estratificado por meta-
ções de alarme (disfagia, odinofagia, anemia,
plasia.
hemorragia digestiva, emagrecimento). A
presença de história familiar de câncer, náu- Em alguns pacientes, a exposição prolongada
seas e vômitos, sintomas de grande intensi- ao ácido, e talvez por lesão alcalina, ocasiona
dade ou de ocorrência noturna também deve uma mudança no epitélio da mucosa do esô-
ser considerada. fago (pavimentoso) para um epitélio cilíndrico
Na síndrome extra-esofágica, sintomas atípi- metaplásico que, posteriormente, evolui para
cos são observados, como dor torácica, rou- displasia e câncer. As células na junção esca-
quidão, tosse crônica, erosão dentral, sensa- mocolunar funcionam como um prolonga-
ção de globus. mento para cima da JGE na EDA.

Atualmente, alguns pacientes podem ser


ainda classificados como hipersensibilidade DIAGNÓSTICO
ao refluxo, que são pacientes com sintomas
O diagnóstico se faz inicialmente a partir dos
típicos, mas com pHmetria e impedânciopH-
metria normais. sintomas típicos, com relato de dois episódios
por 4 a 8 semanas por (sensibilidade de 82%)
Sinais e sintomas da DRGE associado à terapia empírica com IBP como
triagem (sensibilidade de 97%).
Esôfago Gastrointestinais A EDA tem sensibilidade de 50% e é indicada
na presença de sinais de alarme (anemia, HDA,
Pirose* Meteorismo
perda de peso, disfagia ou >45 anos de idade) e
Regurgitação Saciedade precoce
em pacientes refratários ao tratamento clínico,
Disfagia Eructações
além de também na avaliação de complica-
Odinofagia Náuseas
ções pela DRGE.
Dor torácica** Hemorragia digestiva
A avaliação dos achados endoscópicos pode
ser avaliada pela classificação de Los Angeles:
Orofaringe Pulmonar
A) Erosões menores que 5 mm e que não se
Sialorreia juntam;
Globus B) Erosões maiores que 5 mm e que não se
Aspiração e pneumonias
Rouquidão; tosse crô- juntam;
nica Síndrome de morte Asma
súbita do lactente C) Erosões confluentes, acometendo <75% da
Fibrose pulmonar
Laringite crônica circunferência;
Carcinoma (?)
D) Erosões confluentes, acometendo >75% da
Tabela 5.3 circunferência.

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTOMAGO E DUODENO.indd 34 11/03/2021 12:47:43


GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 35

Figura 5.1 - Classificação de Los Angeles para avaliação endoscópica de DRGE.

São achados patognomônicos de DRGE a pre- total de refluxo ácido >6% ou escore de DeMe-
sença de esofagite, sendo patognomônico ester>14,7.
quando esofagite erosiva grau C ou D de Los A impedâncio-pHmetria permite um aumento
Angeles ou Esôfago de Barrett Longo (>3 cm). de sensibilidade em relação à pHmetria por
A Phmetria de 24 horas tem sensibilidade permitir avaliar também o refluxo não ácido.
60-70% e é indicada nos pacientes que irão O Esofagograma é exame útil para avaliar a
para cirurgia ou em situações de dúvida diag- morfologia do esôfago, permitindo evidenciar
nóstica, como nos pacientes com sintomas atí- hérnia hiatal e excluir diagnóstico diferencial
picos. Confirma o diagnóstico quando tempo como acalasia.

Vantagens e desvantagens dos principais métodos diagnósticos


Método Vantagens Desvantagens
Avaliação de presença e grau de esofagite,
Ausência de achados não exclui o
Endoscopia presença de complicações e afecções asso-
diagnóstico
ciadas
Não avalia
Avaliação de presença, intensidade e
padrão do refluxo presença de esofagite e as complica-
pHmetria esofágica
ções do refluxo
prolongada
Não avalia a ocorrência de refluxo
“não ácido”
Estudo radiológico Avaliação morfológica do esôfago. Avaliação
Não identifica esofagite
contrastado do esôfago de estenoses, ulcerações e hérnia hiatal
Parâmetro de predição de evolução da
doença
Manometria Diagnóstico de distúrbios motores específi- Não avalia a capacidade real de trans-
esofágica cos do esôfago porte do conteúdo alimentar
Identificação do esfíncter esofágico inferior
para a pHmetria
Impedanciometria Acompanhamento dos movimentos anteró-
Disponibilidade restrita
esofágica grado e retrógrado do conteúdo alimentar
Tabela 5.4

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36 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

TRATAMENTO com resultados satisfatórios mesmo na esofa-


gite intensa.
Os objetivos do tratamento da DRGE são aliviar
Os pacientes com hipersensibilidade ao refluxo
sintomas, cicatrizar as lesões, prevenir recidi-
podem ser tratados com orientação quanto à
vas e complicações.
sua condição e associa-se antidepressivos.
O tratamento é clínico em 85% dos casos, em
Os pacientes candidatos ao tratamento cirúr-
15% dos pacientes é necessário o tratamento
gico são:
cirúrgico.
• Efeitos colaterais dos medicamentos;
O tratamento clínico consiste em uso de medi-
• Pouca satisfação com tratamento clínico;
camentos e medidas comportamentais, sendo a
principal a orientação de perda de peso (perda • Persistência dos sintomas com pHmetria
de 4 kg já melhora em 75% o escore de sinto- anormal apesar de dose máxima de IBP.
mas). Outras medidas são evitar deitar-se após Quando indicada a abordagem cirúrgica, a
refeições, elevar a cabeceira da cama e cessar recomendação é realizar pHmetria para confir-
uso de produtos que induzam os sintomas. mar o diagnóstico, e manometria para excluir
distúrbios motores.
O tratamento medicamentoso envolve o con-
trole da acidez do suco gástrico com uso de ini- A abordagem cirúrgica recomendada é através
bidores da liberação de HCl no estômago e de de confecção de fundoplicatura, que tem evi-
antiácidos, sendo a principal opção os inibido- dência de ser melhor que o tratamento a curto
res de bomba de próton (IBP) em dose plena, e médio prazo, porém tem evidencia de reci-
indicado com uso diário por 8 semanas, com diva dos sintomas em 15% dos casos, porém
posterior desmame. A dose única diária de 20 em geral com menor intensidade.
mg de omeprazol, lansoprazol 30 mg, panto- A fundoplicatura realizada de rotina é à Nissen,
prazol 40 mg, rabeprazol 20 mg e esomepra- que consiste na confecção de válvula de 360º,
zol 40 mg mantém o pH intragástrico em torno devendo ser feita sem tensão para evitar dis-
de 5 durante 24 horas e diminui o volume em fagia pela própria válvula, com a hiatoplastia,
cerca de 60%, porém não atuando no EIE. para correção do defeito do hiato esofágico.

Dentre os antiácidos destaca-se o sucralfato, O tratamento cirúrgico tem por objetivo atuar
uma droga que atua localmente ligando-se ao em três fatores bastante importantes na fisio-
ácido, à pepsina e à bile, com bom e rápido patogenia da DRGE:
controle dos sintomas. A absorção sistêmica Relaxamento espontâneo do EEI: as valvu-
do sucralfato é mínima e poderia eventual- loplastias alteram o relaxamento receptivo do
mente ser utilizada durante a gravidez. Tem fundo gástrico, reduzindo, de forma significativa,
como efeito comum a constipação. a ocorrência de relaxamento espontâneo do EEI
O uso de procinéticos é comum, apesar de dados que é, atualmente, aceito como o principal distúr-
conflitantes, sendo indicados para pacientes com bio esfincteriano em pacientes com DRGE.
predominância de sintomas de retardo do esva- Tônus pressórico do EEI: com a realização das
ziamento (empachamento ou plenitude). valvuloplastias, espera-se potencializar a ação
A utilização dos antagonistas da histamina do EEI, por elevação do seu tônus pressórico.
diminui bastante, visto a superioridade no Posicionamento do EEI: aceita-se que a exis-
controle dos sintomas pelos IBPs, porém ainda tência de um segmento esofágico posicionado
é listada como opção no tratamento da DRGE, abdominalmente seja fator importante na

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 37

contenção do RGE. A realização de hiatoplastia apertada ou distúrbio da motilidade esofágica


(redução do calibre do hiato diafragmático do não diagnosticado no pré-operatório.
esôfago) tem por objetivo assegurar a existên-
cia de um segmento de esôfago abdominal.

Fundoplicatura à Nissen

Os pacientes com melhor resposta são os com


sintomas típicos e os pacientes com sintomas atí-
picos com boa resposta ao tratamento clínico.

Se DRGE com indicação cirúrgica e dismotili-


dade do corpo esofágico, a recomendação é
realizar fundoplicatura parcial para evitar dis-
fagia no pós-operatório.

Pacientes com IMC>35 com DRGE têm alto


risco de complicações pós-operatórias, com
recidiva da hérnia hiatal e migração da válvula,
Figura 5.2 - Fundoplicatura à Nissen.
devendo-se ser evitada. Nos pacientes com
obesidade grau II ou mais e DRGE, há indicação
de gastroplastia com bypass gástrico em Y de
Roux para controle dos sintomas.

Os motivos da recidiva são por falha técnica,


quando recidiva precoce, ou por envelheci-
mento e ganho de peso, quando recidiva tardia.

As complicações associadas são disfagia, em


19% dos casos, e gas bloating (flatulência, dis-
tensão abdominal e dificuldade de eructação
ou vômito).
Figura 5.3 - Aspecto da fundoplicatura à EDA.
O gas bloating é uma complicação específica
da técnica de Nissen. Pode ocorrer em até Técnicas de fundoplicaturas
10% dos pacientes no pós-operatório imediato,
Técnica de Belsey-Mark IV – Via toracotomia
mas tende a diminuir de intensidade com o
Técnica de Dor – Anterior parcial
tempo. Uma válvula confeccionada de forma
Técnica de Toupet – Posterior parcial
muito apertada parece ser a causa dessa com-
plicação. Se o desconforto com a distensão Técnica de Lind – Posterior parcial

abdominal e a dor epigástrica forem significa- Técnica de Nissen – Posterior total


tivos, em geral é indicado uso de antifiséticos, Tabela 5.5

como dimeticona.
DRGE E GRAVIDEZ
A ocorrência de disfagia discreta é muito comum
no pós-operatório imediato. Pode ser resultante As mulheres grávidas têm maior prevalência
do edema decorrente da dissecção local. Caso de DRGE. A embebição gravídica, associada a
seja intensa ou se persistir além do terceiro fatores mecânicos, facilita o RGE. Em razão de
mês, pode significar falha técnica na confecção restrições medicamentosas e caso as medidas
da válvula, migração da válvula, hiatoplastia não farmacológicas sejam insuficientes, dá-se

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38 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

preferência para antiácido ou sucralfato, por serem pouco absorvidos. Se necessário, emprega-
-se antagonistas da histamina, dos quais a cimetidina, a ranitidina e a famotidina são seguros. A
nizatidina deve ser evitada pela falta de estudos de segurança adequados em seres humanos.
Os agentes procinéticos, especialmente a metoclopramida, devem ser usados quando há sinto-
mas atípicos e/ou dismotilidade.
Quanto aos IBP, há poucos estudos clínicos prospectivos sobre a segurança em grávidas, fica
então seu uso restrito aos casos de insucesso com as medicações anteriores, em pacientes
muito sintomáticas ou com doença grave à EDA.

Fármacos empregados em grávidas com DRGE

Droga Classificação* Comentários


Antiácido
Base - Al, Ca++, Mg Não classificados Aceitáveis na gravidez
Trissilicato de Mg Não classificados Evitar uso prolongado
Sucralfato B Aceitável pela mínima absorção
Bloqueadores H2
Cimetidina B Aceitável e eficaz na gravidez
Ranitidina B Aceitável e eficaz na gravidez
Famotidina B Aceitável e eficaz na gravidez
Nizatidina B Não usar: problemas em estudos em animais
Procinéticos
Metoclopramida B Sem teratogenicidade em animais ou humanos
IBP (inibidor de bomba protônica)
Lansoprazol B Sem teratogenicidade em animais, estudos limitados em humanos
Efeitos embriotóxicos e fetotóxicos em animais, relatos
Omeprazol C
semelhantes em humanos
Tabela 5.6

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6
CAPÍTULO 6
ESÔFAGO DE BARRETT

O esôfago de Barrett é a substituição do epi- de displasia. Pacientes com displasia de baixo


télio escamoso estratificado, que normalmente grau progridem para câncer em torno de 0,54%
reveste o esôfago distal, por epitélio colunar. O ao ano, e nos com displasia de alto grau, 4 a 8%
epitélio metaplásico é adquirido como conse- ao ano.
quência da doença crônica do refluxo gastro- Outros fatores de risco de desenvolver câncer
esofágico e predispõe ao desenvolvimento do são sexo masculino, pacientes idosos e pacien-
câncer. tes com longos segmentos de Barrett.
O epitélio colunar metaplásico se instala Os portadores do esôfago de Barrett apresen-
durante a cicatrização da esofagite erosiva com tam, em geral, as mesmas manifestações clíni-
refluxo ácido contínuo, pois o epitélio colunar cas dos pacientes com DRGE não complicada.
é mais resistente ao dano produzido por ácido Porém, a duração dos sintomas acima de 5
pepsina que o epitélio escamoso. O epitélio anos e as queixas noturnas de regurgitação e
metaplásico é um mosaico de diferentes tipos pirose indicam maior prevalência da moléstia.
epiteliais, incluindo células caliciformes e célu- Cerca de 6 a 20% dos casos podem ser comple-
las colunares, que possuem características de tamente assintomáticos.
células tanto secretórias quanto absortivas.
O diagnóstico do EB é feito por endoscopia
Quanto à extensão, o EB pode ser caracteri- digestiva alta, em que se visualiza, no esô-
zado como curto (quando tem menos de 3 cm fago distal, área de cor salmão, semelhante à
de extensão) ou longo (quando superior ou mucosa gástrica, e por confirmação histológica
igual a 3 cm). do epitélio colunar com presença de metapla-
Apresenta incidência expressiva, variando sia intestinal.
de 22,6 a 376 casos identificados por 100 mil O diagnóstico é confirmado histologicamente
endoscopias realizadas. É mais comum em por meio de biópsias, que devem ser realizadas
homens brancos, obesos (4:1), e sua incidên- a cada 2 cm, nos quatro quadrantes.
cia aumenta com a idade média de 55 anos
São sugeridas algumas padronizações de des-
e DRGE de longa duração (> 10 anos). Hérnia
crições endoscópicas. Dentre elas, destaca-se
hiatal volumosa e DRGE mais graves são fatores
a Classificação de Praga, que avalia a altura do
de risco associados.
epitélio colunar circunferencial, sendo o crité-
As estimativas do risco de progressão do esô- rio C, e avalia altura das projeções digitiformes
fago displásico de Barrett para adenocarci- acima do epitélio circunferencial, sendo o cri-
noma esofágico variam com base no grau basal tério M.

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40 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

• Orientações dietéticas.
Apesar de não haver estudos fundamentados em
evidências sobre a utilidade das orientações com-
portamentais e dietéticas, atesta‑se, na prática
clínica assistencial, a relevância de tais medidas.

São indicações para o tratamento cirúrgico do


esôfago de Barrett:

• Formas complicadas, como nos pacientes


que apresentam estenose e/ou úlcera;
• Progressão da extensão do Barrett a des-
peito do tratamento clínico.
Figura 6.1 - Paciente com esôfago de Barrett com
Classificação de Praga C2M3. Se houver presença de displasia de baixo ou de
Recomenda‑se, para o rastreamento do câncer alto grau, confirmado por dois patologistas, é
do esôfago em pacientes com EB sem displasia inicialmente otimizada a terapia para a DRGE
identificável, a realização de exames endoscó- e deve-se então repetir a endoscopia em 3
picos a cada 3 anos. Nos pacientes com displa- meses, e se houver persistência do achado de
sia, a avaliação endoscópica/histológica deve displasia é geralmente tratada com terapia de
ser realizada anualmente. erradicação endoscópica, que inclui o uso de
O tratamento clínico da DRGE, complicada por técnicas de ablação endoscópica e ressecção
esôfago de Barrett ou não, baseia‑se em três endoscópica.
medidas fundamentais:
Se carcinoma com estádio até T1a (invasão até
• Emprego de drogas antissecretoras – lâmina própria da mucosa) a terapia de erradi-
os inibidores de bomba de próton (IBP) cação endoscópica é suficiente. Se estádio T1b
representam as melhores opções; (invasão da submucosa) ou mais, a recomenda-
• Orientações comportamentais; ção é realizar esofagectomia.

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7
CAPÍTULO 7
HÉRNIA DE HIATO

Hérnia de hiato refere-se à protusão de ele- hérnia com saco de hérnia e é caracterizada
mentos da cavidade abdominal através do por um deslocamento do fundo gástrico atra-
hiato esofágico do diafragma. É a anormali- vés de um defeito na membrana fenoesofá-
dade mais diagnosticada por esofagograma gica. É dividida em tipos II, III e IV.
nos EUA, sendo estimado que 10% da popula- A hérnia tipo II resulta de um defeito localizado
ção americana sejam portadores de hérnia hia- na membrana fenoesofágica, onde o fundo
tal. Dos doentes com hérnia hiatal, 5% têm gástrico serve como ponto principal de hér-
refluxo. As mulheres são de duas a quatro nia, enquanto a JEG permanece fixa ao nível do
vezes mais suscetíveis a desenvolver uma hiato esofágico.
hérnia paraesofágica do que os homens.

CLASSIFICAÇÃO
As hérnias de hiato são divididas em hérnias
por deslizamento e hérnias paraesofágicas.

Hérnia por deslizamento – É definida como tipo


I, caracterizada pelo deslocamento da junção
esofagogástrica (JEG) acima do diafragma. O
estômago permanece em seu alinhamento Figura 7.2 - Hérnia Hiatal tipo II.

longitudinal usual e o fundo permanece abaixo As hérnias do tipo III têm elementos das hér-
da JEG. É o tipo mais comum. nias dos tipos I e II, com deslocamento da JEG
acima do hiato esofágico, e deslocamento tam-
bém do fundo gástrico acima da JEG.

Figura 7.1 - Hérnia Hiatal tipo I.

Hérnias paraesofágicas ou por rolamento -


Uma hérnia paraesofágica é uma verdadeira Figura 7.3 - Hérnia Hiatal tipo III.

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A hérnia de hiato tipo IV está associada a um DIAGNÓSTICO


grande defeito na membrana fenoesofágica e é
O diagnóstico pode ser realizado através de
caracterizada pela presença de outros órgãos
que não o estômago no saco de hérnia (por radiografia de torax simples, EDA ou tomo-
exemplo, cólon, baço, pâncreas ou intestino grafia, porém o melhor método é o estudo
delgado). contrastado do esôfago-estômago-duodeno
(EED), que é um exame dinâmico com ingestão
Estima-se que mais de 95% das hérnias de
pelo paciente de meio de contraste que des-
hiato são do tipo I, com hérnias do tipo II, III
e IV (paraesofágicas) representando aproxima- taca alterações anatômicas. A tomografia pode
damente 5%. acrescentar informações principalmente nos
casos de hérnias gigantes, com visualização de
outros órgãos abdominais herniados.

Figura 7.4 Hérnia Hiatal tipo IV

QUADRO CLÍNICO
A presença de hérnia diafragmática não é sufi-
ciente por si só para estabelecer diagnóstico de
refluxo GE. Da mesma maneira, ter hérnia hia-
tal isoladamente não implica tratamento cirúr-
gico de imediato.

A maioria das pequenas hérnias hiatais do tipo


I são assintomáticas. Pacientes com grandes
hérnias do tipo I podem apresentar sintomas
dispépticos, sendo os mais comuns a pirose, a
regurgitação e a disfagia.

Muitos pacientes com hérnias do tipo II, III e IV


(paraesofágico) são assintomáticos. Os sinto-
mas mais comuns são dor epigástrica ou pleni-
tude pós-prandial, náusea e vômito.

A maioria das complicações são relacionados


à hérnia paraesofágica, sendo mais comuns
o volvo gástrico e sangramento (úlcera de
Figura 7.5 - Radiografias de tórax, uma anteroposterior
Cameron). (A) e uma lateral (B), mostrando o estômago em posição intratorácica.

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 43

Figura 7.6 - Hérnia hiatal tipo 1. A junção esofagogástrica (seta) Figura 7.7 - Hérnia hiatal tipo 2. A junção esofagogástrica (seta)
se desloca para o tórax. permanece na posição normal.

TRATAMENTO pois o risco de desenvolver complicações que


exijam cirurgia urgente é inferior a 2% ao ano,
O tratamento dos pacientes com hérnia de
além de que o risco diminui exponencialmente
hiato tipo I consiste, em geral, no controle dos
sintomas dispépticos de forma semelhante ao após os 65 anos de idade, e a taxa de mortali-
que é feito no tratamento clínico da DRGE. dade do reparo eletivo de hérnia paraesofágica
é de aproximadamente 1,4%.
A cirurgia está indicada se houver sintomas
refratários ou complicações, sendo a hiatoplas- O reparo cirúrgico eletivo da hérnia paraeso-
tia com fundoplicatura o procedimento indicado. fágica é classicamente indicado em pacientes
Em pacientes com hérnia paraesofágica assin- jovens, visto o longo tempo para o desenvolvi-
tomáticos, a recomendação é seguimento clí- mento de complicações. Nesses casos é indi-
nico, sem necessidade de exames de imagem, cada também a hiatoplastia com fundoplicatura.

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8
CAPÍTULO 8
SÍNDROME DE MALLORY WEISS

A síndrome de Mallory-Weiss consiste em lace- por episódios de vômitos recorrentes, podem


rações lineares, não perfurantes, similares às permitir que o conteúdo gástrico seja forçado
fissuras, na mucosa e submucosa da junção para o interior da cárdia não relaxada, produ-
esofagogástrica e no esôfago inferior. A causa zindo lacerações.
mais comum para a laceração mucosa é o
esforço para vomitar e/ou vômitos persis-
tentes, geralmente como consequência de QUADRO CLÍNICO
episódios de ingestão alcoólica abusiva.
A síndrome é mais prevalente nas quarta
A síndrome também pode ser associada aos e quinta décadas de vida, e os homens são
vômitos secundários às várias causas, como mais acometidos do que as mulheres. A
náuseas de viagem, uremia, enxaqueca, pan- manifestação clínica principal é a hemorragia
creatite e medicamentos. gastrointestinal alta, que ocorre, na maioria
Hérnia hiatal tem sido encontrada em 17 a das vezes, em associação com o esforço para
37% em diferentes séries. vomitar ou vômitos. Dor ou hematoquezia são
extremamente raras.
Através da investigação com endoscopia
digestiva alta demonstrou-se que a síndrome O melhor método para se fazer o diagnóstico é
de Mallory-Weiss responde por cerca de 5 a a endoscopia.
10% dos pacientes com sangramento gastroin-
testinal alto significativo.
TRATAMENTO
O sangramento é geralmente leve e autoli-
PATOGENIA mitado. Assim, em quase 90% dos pacientes
Quando um indivíduo vomita, o piloro se fecha, com síndrome de Mallory-Weiss, a hemorra-
e o cárdia e o esôfago se dilatam. O conteúdo gia cessa espontaneamente.
gástrico é então forçado de encontro à junção Quando a avaliação endoscópica inicial evi-
gastroesofagiana. dencia a presença de sangramento ativo, está
O conteúdo gástrico é então ejetado por um indicado tratamento adicional, como eletroco-
súbito aumento da pressão intra-abdominal, agulação, clipagem ou injeção de substâncias
devido à contração dos músculos abdominais vasoconstritoras. O tratamento endoscópico é
e à descida do diafragma. Distúrbios na coor- eficaz e seguro, com controle do sangramento
denação desses eventos, como, por exemplo, em 86 a 100% dos pacientes.

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 45

A compressão da junção gastroesofágica pela A operação, que consiste no simples fecha-


insuflação do balão de Sengstaken-Blakemore mento da laceração mucosa por uma incisão
não deve ser recomendada, pois, além de anterior alta na parede gástrica, está reser-
pouca eficácia, está associada a risco de perfu- vada para os poucos pacientes que não res-
pondem ao tratamento conservador dentro de
ração esofagogástrica.
24 horas.
A arteriografia com embolização seletiva
A recorrência de sangramento após trata-
deve ser reservada para pacientes de alto mento clínico e endoscópico é de 0 a 10%. A
risco que apresentam sangramento intenso maioria dos casos de ressangramento ocorre
e sem condições adequadas para um proce- dentro das primeiras 24 horas, sendo indi-
dimento cirúrgico. cada observação durante esse período.

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9
CAPÍTULO 9
PERFURAÇÃO DE ESÔFAGO

A perfuração esofágica foi primeiro descrita mortalidade é maior nas perfurações espon-
por Boerhaave em 1724 após observação de tâneas e nas lesões do esôfago torácico.
evolução desfavorável em paciente com múlti-
plos vômitos. Em 1947, Barrett descreveu o pri-
meiro tratamento cirúrgico para uma perfura- ETIOLOGIA
ção identificada por uma radiografia de tórax.
As perfurações esofágicas têm como causas prin-
A partir dessa descrição, surge a possibilidade cipais a espontânea (síndrome de Boerhavee), a
de intervenção pelo cirurgião para alterar o iatrogênica, por ingestão de corpo estranho, ou
desfecho desfavorável dessa condição. Desde por trauma.
a primeira descrição da condição clínica e seu Antigamente, se relatava que a principal causa
tratamento cirúrgico, temos grande avanço em era a espontânea, porém estudos mais recen-
métodos diagnósticos e tratamentos minima- tes demonstram que, hoje, a principal causa
mente invasivos (endoscópicos e laparoscópi- é a iatrogênica por lesões acidentais durante
cos); entretanto, a perfuração persiste como procedimento endoscópico.
diagnóstico associado a grande morbidade e
Lesões acidentais ocorrem em 1% dos proce-
mortalidade.
dimentos endoscópicos, apesar do percentual
Conforme estudo demográfico do Reino Unido pequeno em vista do grande número de exa-
observa-se a importância de um centro de mes endoscópicos realizados atualmente, e
grande experiência para a melhor condução torna a perfuração iatrogênica relativamenteo
dos casos com impacto em resultado final– comum.
tempo de internação e mortalidade. Além Alguns procedimentos endoscópicos têm risco
disso, observa-se transição epidemiológica, ainda maior de perfuração como a esclerose
considerando a causa iatrogênica a mais pre- de varizes esofagianas, até 3% dos pacientes;
valente dentre as etiologias com o crescimento passagem de próteses endoscópicas, de 7-15%;
das intervenções endoscópicas. e dilatação endoscópica, em torno de 7%; esta
A mortalidade associada às lesões traumá- última associada principalmente às estenoses
ticas do esôfago ainda é elevada e mantém e à acalasia.
relação com a etiologia, a localização da lesão Os ferimentos por arma de fogo ou arma branca
e o tempo decorrido entre seu diagnóstico e comumente provocam mais lesão na porção
seu tratamento. Em relação à etiologia, a cervical. Sheely et al. avaliaram 700 pacientes

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 47

com ferimentos cervicais e 39 (5,5%) tiveram o A endoscopia em geral é contraindicada pelo


esôfago atingido. Cornwell et al. relatam lesões risco de ampliar a perfuração durante a dis-
do esôfago torácico em 0,7% de 1.961 casos de tensão do esôfago. Porém, quando a causa da
ferimentos torácicos por arma de fogo. perfuração estiver associada ao exame endos-
cópico, o diagnóstico durante o mesmo proce-
dimento é essencial. Assim, já se permite uma
QUADRO CLÍNICO análise da extensão da perfuração, há possibi-
lidade de locar sonda nasoenteral para garan-
Muitas vezes, a perfuração não é detectada,
tia de via nutricional e instituir tratamento
e a sintomatologia leva algum tempo para
aparecer. A história clínica é o primeiro dado endoscópico, como uso de clipe endoscópico.
a sugerir a lesão, mostrando na endoscopia
paciente com visualização de perfuração, ou
relato de ter ingerido algum corpo estranho,
ou de trauma cervical, ou mesmo de vômitos
recorrentes.

A dor torácica, a disfagia e o desconforto res-


piratório são sintomas frequentes associados
a sinais clínicos de infecção. Ao exame físico
percebe-se empastamento e a enfisema sub-
cutâneo.

DIAGNÓSTICO
Como avanço na área de diagnóstico, a ferra- Figura 9.1 -Tomografia com achado de
extravasamento do meio de contraste.
menta mais empregada é a tomografia cervical
tórax e abdome com contraste oral hidrosso-
lúvel demonstrando extravasamento (perfu-
ração livre ou contida), sinais de perfuração
(pneumomediastino, pneumoperitôneo, des-
continuidade da parede esofágica) e acome-
timento/relação com estruturas adjacentes,
sendo, portanto, o exame mais importante
para o manejo.

A radiografia de tórax sugere o diagnóstico em


90% dos casos. Porém, nas pequenas perfura-
ções, as radiografias podem se apresentar nor-
Figura 9.2 - Esofagograma com extravasamento
mais, se realizadas logo após o acidente. de contraste em perfuração de esôfago.

O esofagograma contrastado, principalmente


nas lesões torácicas, em muitas casuísticas é o
exame de rotina, visto permitir orientar o tra-
TRATAMENTO
tamento ao definir o local da lesão e se existe Considerando os algoritmos já propostos,
drenagem natural para a pleura ou para o pró- sobretudo por Abbas e Scheweirt, o escore de
prio esôfago. Pittsburgh possuiria grande papel na indicação

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48 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

de procedimentos cirúrgicos para tratamento. Entretanto, com base em nossos dados, há consi-
derações importantes em relação à localização anatômica da perfuração e se no exame de ima-
gem a perfuração se apresenta contida.

Parâmetros avaliados no escore de Pittsburgh

1 ponto 2 pontos 3 pontos

> 75 anos de idade Febre(> 38.5 °C), Neoplasia

Taquicardia (> 100 bpm) Extravasamento do meio de contraste Hipotensão

Leucocitose (>10.000 WBC/ml) Insuficiência respiratória

Derrame pleural Tempo até o diagnóstico > 24 horas

Tabela 9.1

Os pacientes com 0-2 pontos têm baixo risco


de complicações. Aqueles de 3-5 pontos têm
médio risco e os com >5 pontos têm altas taxas
de morbimortalidade.

Os princípios do tratamento consistem em


antibioticoterapia, controlar o foco da infec-
ção, garantir suporte nutricional e, sempre
que possível, restaurar a continuidade do tubo
digestivo.

As opções de tratamento são:

• Clínico
• Consiste de jejum oral, suporte nutricio-
nal (dieta enteral ou parenteral) e antibio- Figura 9.3 - Uso de clipe para tratamento de perfuração de esôfago.

ticoterapia.
Baseado no quadro clínico e nas opções tera-
• Endoscópico
pêuticas, segue o fluxograma de atendimento:
• Clipe endoscópico (quando a perfuração
ocorre durante a EDA);
PERFURAÇÃO CERVICAL
• Passagem de endoprótese (principal-
mente quando tumor perfurado); • Perfuração contida: tratamento clínico;

• Vácuo endoscópico (principalmente em • Perfuração não contida: cirurgia com


deiscência de anastomose). sutura e drenagem.
• Cirúrgico
PERFURAÇÃO TORÁCICA
• Conservador – Rafia e drenagem;
• Drenagem e derivação (esofagostomia e • Perfuração contida: tratamento clínico;
gastrostomia);
• Perfuração não contida e diagnóstico em
• Drenagem em Tubo T; <24 horas em paciente estável: cirurgia
• Esofagectomia. com sutura e drenagem torácica;

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 49

• Perfuração não contida e diagnóstico em >24 horas em paciente estável: esofagectomia;


• Perfuração não contida e doença esofágica prévia (estenose ou acalasia) em paciente está-
vel: esofagectomia;
• Perfuração não contida e paciente instável: drenagem e exclusão esofágica ou drenagem
em T.

PERFURAÇÃO ABDOMINAL
• Perfuração não contida em paciente com acalasia: cirurgia com sutura, miotomia contrala-
teral e fundoplicatura;
• Perfuração não contida em paciente sem acalasia: cirurgia com sutura e fundoplicatura.

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10
CAPÍTULO 10
TUMORES BENIGNOS DO
ESÔFAGO

Uma variedade de lesões esofágicas benignas LEIOMIOMA


é encontrada durante a avaliação endoscópica
Leiomioma é o tipo de tumor mais comum do
ou radiológica do esôfago.
esôfago com incidência de 1:100 mil habitantes.
Muitos são incomuns, não causam sintomas Ocorrem mais frequentemente dos 20 aos 69
e não têm potencial maligno. No entanto, eles anos de idade, com pico de incidência na quinta
podem representar um desafio para estabele- década, sendo mais comum em homens.
cer diagnóstico e tratamento precisos.
Cerca de metade dos tumores são menores
Constituem 0,8% das neoplasias esofageanas, que 5 cm e apenas 5% destes tumores crescem
sendo o leiomioma o mais comum (60%), 20% a ponto de serem denominados gigantes, com
são cistos, e 5% são pólipos. diâmetros maiores do que 10 cm.

Classificação Morfológica dos


É encontrado mais frequentemente no seg-
tumores benignos do esôfago mento inferior do esôfago (56%), seguido
Intralumial pelo médio (33%) e pelo superior (11%). Deles,
Pólipos 97% são de crescimento intramural e 3% de
• Lipoma aspecto polipóide.
• Fibrovascular Leiomioma é um tumor mesenquimal assim
• Fibrolipoma como o GIST, diferindo na análise imuno-histo-
• Fibroneuroide
química em que se percebe receptores positivos
Submucoso
para a SM-actina e desmina, enquanto o GIST
• Hemangioma expressa receptores para CD34, CD117 e DOG1.
• Tumor de células granulares
• Neurofibroma, neurinoma
A maioria dos pacientes são assintomáticos.
Lesões > 5 cm podem se tornar sintomáticas,
• Intramural
causando disfagia, dor retroesternal e/ou com-
• Leiomioma
• Tumor estromal gastrointestinal
pressão de vias respiratórias.
• Rabdomiomas O diagnóstico é suspeitado após exame endos-
Localização extraesofágica cópico com achado de lesão subepitelial, com
• Cistos mucosa íntegra, sendo o ultrassom endoscó-
• Duplicações pico considerado o exame de maior acurácia.
Tabela 10.1 Nos casos sintomáticos é indicada tomografia

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 51

de tórax para avaliar o tamanho da lesão e sua cirúrgica, sendo possível a enucleação das
relação com as estruturas adjacentes. lesões pequenas, enquanto que os grandes
tumores exigem esofagectomia.

CISTOS DE DUPLICAÇÃO DO
ESÔFAGO
Os cistos de duplicação são anomalias congê-
nitas que surgem durante o desenvolvimento
embrionário inicial.

São mais frequentemente encontrados no


intestino delgado proximal, embora também
possam ser encontrados no esôfago, estô-
mago e cólon.

Estima-se que os cistos de duplicação do esô-


fago ocorram em 1 em 8.000 nascidos vivos, e
são definidos por três critérios:
Figura 10.1 - Esofagograma com falha de enchimento circunscrita,
bem delimitada, sem comprometimento da mucosa.
• São envolvidos pela parede esofágica;
• São cobertos por duas camadas muscula-
res;
• Contêm epitélio escamoso ou um reves-
timento compatível com o encontrado no
esôfago embrionário.
Até um terço desses cistos contêm mucosa
gástrica heterotópica, e aproximadamente
80% dos cistos não se comunicam com o lúmen
esofágico.

Ocorrem mais comumente no aspecto lateral


direito do esôfago devido à dextrorotação do
estômago durante a embriogênese.

Os cistos de duplicação esofágica frequente-


mente causam sintomas, ao contrário dos cis-
tos de duplicação em outras partes do trato
gastrointestinal. Como resultado, aproxima-
damente 80% são diagnosticados antes dos 2
anos de idade.

Devido à compressão de estruturas adjacen-


Figura 10.2 - A: aspecto endoscópico de lesão sub-epitelial esofágica volu- tes, elas geralmente causam disfagia (70%), dor
mosa; B: nota-se, à EE, lesão hipoecoica, de muscular própria, septada, sem
reforço sonoro posterior, compatível com leiomioma. epigástrica (20%), dor retroesternal (10%) e sin-
Nos pacientes assintomáticos, a conduta tomas respiratórios, incluindo tosse e estridor.
é expectante com seguimento clínico. Nos A hematêmese também foi relatada em um
casos sintomáticos é então indicada ressecção paciente com duplicação tubular comunicante.

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52 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

A ressecção cirúrgica é geralmente necessá- Na endoscopia, eles parecem nodulares, macios,


ria para cistos que causam sintomas. Devido vermelho-azulados e geralmente empalidecem
ao baixo risco de malignidade, não se realiza quando pressionados com pinças de biópsia.
endoscopia de vigilância nos assintomáticos. Eles devem ser diferenciados do sarcoma de
Kaposi, que pode ter uma aparência endoscó-
pica semelhante.
SCHWANNOMAS Hemangiomas esofágicos são geralmente
Schwannomas são tumores benignos raros que encontrados incidentalmente. Quando sinto-
máticos, costumam ser associados a sangra-
surgem de elementos perineurais da célula de
mentos e disfagia.
Schwann nos nervos periféricos.
Nos casos sintomáticos a ressecção é indicada,
Os schwannomas esofágicos sintomáticos cos-
podendo ser realizada por endoscopia, nas
tumam apresentar disfagia, mas a dispneia
lesões pequenas, ou por cirurgia.
tem sido documentada em tumores que com-
primem a traqueia.

Enquanto a maioria dos tumores é benigna, OUTRAS LESÕES


schwannomas malignos foram descritos.
Paraceratose esofágica tem sido associada ao
Pequenos tumores benignos podem ser trata- carcinoma de esôfago e orofaringe.
dos por enucleação, enquanto tumores sinto-
Papilomas esofágicos têm sido associados ao
máticos grandes requerem ressecção cirúrgica.
carcinoma espinocelular de esôfago em alguns
relatos. Sendo assim, é recomendada a ressec-
ção dessas lesões à endoscopia.
HEMANGIOMAS
Os adenomas esofágicos são quase sempre
Hemangiomas esofágicos são raros, com pre- encontrados em áreas de esôfago de Barrett.
valência na população geral de 0,04%, com Assim, seu manejo é semelhante ao trata-
base em uma série de autópsias. mento do esôfago de Barrett com displasia.
Embora geralmente solitárias, múltiplas lesões Tumores de células granulares, embora raras,
podem ser observadas na doença de Osler-We- são lesões com potencial maligno, sendo indi-
ber-Rendu ou na síndrome de Klippel-Trénaunay. cada ressecção endoscópica de todos as lesões.

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11
CAPÍTULO 11
CÂNCER DE ESÔFAGO

O carcinoma esofágico apresenta dois tipos Persistência de alimentos no terço inferior do


histológicos distintos mais frequentes, o Ade- esôfago, irritação crônica e proliferação do
nocarcinoma e o Carcinoma epidermóide. epitélio aumentam o risco da ocorrência do
Ambos são tumores agressivos, com elevada câncer. No Brasil, a acalasia deve-se principal-
taxa de letalidade. mente à doença de Chagas. Em geral, o câncer
ocorre após 17 anos do diagnóstico de acalasia
O adenocarcinoma e o carcinoma epidermóide
e pode persistir após a cirurgia de correção.
são responsáveis por aproximadamente 95%
dos casos de câncer do esôfago. Tilose: é uma doença hereditária caracterizada
por hiperqueratoses palmar e plantar e papilo-
Nos países desenvolvidos tem predominância
matose de esôfago; acompanha-se de câncer
do adenocarcinoma, enquanto no restante do
espinocelular em 95% dos doentes acima de 65
mundo, o carcinoma epidermóide segue como
anos de idade.
o mais prevalente.
Ingestão de substâncias cáusticas: aumenta
o risco de neoplasia e é responsável por 1 a
FATORES DE RISCO 4% dos cânceres de esôfago. Ocorre principal-
mente no terço médio (três quartos dos casos).
Fumo e álcool: são os principais fatores de
risco no Ocidente. A associação entre os dois Doença de Plummer-Vinson: caracterizada
aumenta o risco em relação a cada um dos por anemia ferropriva, presença de membra-
fatores isoladamente (25 a 100 vezes). nas no esôfago e disfagia intermitente a sóli-
dos; é rara atualmente.
Esôfago de Barrett (transformação do tecido
escamoso do terço inferior do esôfago em Nutrição: o baixo nível socioeconômico e as
tecido colunar – metaplasia gástrica ou deficiências de vitaminas A e C, de molibdênio,
intestinal): é uma condição pré-neoplásica zinco e ferro são considerados fatores de risco.
que pode evoluir para o adenocarcinoma de Agentes infecciosos: a infecção pelo Papiloma-
esôfago. Quanto maior for a extensão do epi- vírus (HPV) 16 ou 18, à semelhança do obser-
télio colunar ao longo do esôfago, maior será o vado para o câncer de colo de útero, também
risco relativo de ocorrência de neoplasia. pode ser fator de risco.

Acalasia: em pacientes com acalasia, o risco Outros: no sul do Brasil, assim como na Argen-
de desenvolvimento do câncer é cerca de 14 a tina, no Paraguai e no Uruguai, a ingestão de
16 vezes maior em relação à população geral. chá quente (chimarrão) desde a infância é

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54 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

responsável pelo aumento da incidência de a. Tipo I: lesão que se origina entre 5 cm e 1 cm


câncer de esôfago. acima da JEG. Tratamento conforme neopla-
sia de esôfago, com realização de esofagec-
tomia subtotal;
APRESENTAÇÕES b. Tipo II: origina-se entre 1 cm acima da JEG
e 2 cm abaixo da JEG. Tratamento conforme
CARCINOMA ESCAMOSO DO neoplasia de esôfago, e a ressecção cirúrgica
ESÔFAGO (CEC) varia se a lesão infiltra em direção cranial no
esôfago (esofagectomia subtotal) ou direção
O carcinoma epidermóide ainda é mais comum
caudal no estômago (gastrectomia total com
que o adenocarcinoma nos países em desen-
esofagectomia distal);
volvimento.
c. Tipo III: Origina-se entre 2 cm e 5 cm abaixo
O CEC surge localizado principalmente no
da JEG. São seguidas conforme protocolos
esôfago torácico, em 60% dos casos no terço
de tratamento de neoplasia de estômago.
médio e em 30% no terço distal. Como fatores
de risco destacam-se3: o consumo de tabaco,
o consumo de álcool e a associação com HPV.

São fatores de risco menos frequentes: a tilose


palmoplantar, síndrome de Plummer-Vinson
(disfagia, anemia ferropriva e membranas eso-
fágicas) e acalasia. Os negros têm 5 vezes mais
chance de CEC do que qualquer outro grupo
socioeconômico, afetando mais os homens
que as mulheres.

ADENOCARCINOMA

Câncer de esôfago mais comum nos EUA, com


brancos tendo risco 4 vezes maior, e homens
têm risco 8 vezes maior que as mulheres. Figura 11.1 - Classificação dos tumores segundo Siewert. I: Tumores do
esôfago distal. II: Tumores da região da cárdia. III: Tumores subcárdicos.

Os fatores de risco que mais se destacam são:


obesidade, tabagismo, DRGE e esôfago de Bar-
ret, associados em 70% dos casos.
QUADRO CLÍNICO
As formas precoces, cerca de 5% de todos os
NEOPLASIAS DA JUNÇÃO casos, são assintomáticos, permanecendo
ESÔFAGOGÁSTRICA (JEG) assim até o crescimento da lesão na maior
parte dos casos.
São os casos de adenocarcinoma de esôfago
O principal sintoma é a disfagia, que ocorre a
que foram descritos como tumores com epi-
partir de acometimento de dois terços da cir-
centro proximal ou distal à JEG.
cunferência do esôfago. A obstrução esofa-
Foi elaborada a Classificação de Siewert que giana resulta em perda de peso progressivo,
orienta e norteia o tratamento: regurgitação e aspiração. Caracteriscticamente

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 55

a evolução dos sintomas é rápida, diferen-


ciando de outras condições como a acalasia.

A ausência de camada serosa e a extensa


drenagem linfática mediastinal é responsá-
vel pelo achado de metástases linfonodais
em pelo menos 75% dos pacientes com carci-
noma esofágico.

A disseminação à distância para fígado e pul-


mões são as mais comuns.

Como em qualquer outro carcinoma epider-


moide, pode haver hipercalcemia na ausência
de metástasses ósseas (PTH-like secretado por
células tumorais). A hipercalcemia pode resul- Figura 11.2 - A: esofagograma baritado mostrando lesão ulcerada no terço

tar em uma emergência oncológica. médio do esôfago. B: espécime cirúrgico correspondendo à topografia da
lesão radiológica.

Acantose nigricans é paraneoplasia de câncer


do tipo adenocarcinoma.

Fases mais avançadas da doença podem propi-


ciar manifestações decorrentes do comprome-
timento de estruturas adjacentes como tosse
com expectoração produtiva (fístula esofago-
brônquica e/ou aspiração), dor torácica e rou-
quidão (invasão de nervos laríngeos recorren-
tes com paralisia de pregas vocais).

DIAGNÓSTICO
O diagnóstico é obtido por meio de biópsia por
endoscopia digestiva alta (EDA) que determina
a presença e a localização da lesão.

No rastreio de CEC de esôfago, como em Figura 11.3 - EDA evidenciando lesão infiltrativa e vegetante obliterando da
pacientes com acalasia, a cromoendoscopia luz do esôfago.

utilizando solução de lugol é útil na identifica-


ção de lesões precoces.
ESTADIAMENTO
A análise se dá da seguinte forma:
Os exames solicitados de rotina são TC de
• Áreas não coradas (lugol negativas - amare-
tórax, abdome e pelve e PET/CT, e, nos casos
ladas ou róseas): mucosa gástrica ectópica,
de lesão de esôfago proximal ou médio, bron-
esôfago de Barrett, carcinoma espinocelu-
coscopia.
lar, neoplasia intraepitelial ou esofagite;
• Áreas lugol positivas (coradas - marrons ou A tomografia computadorizada (TC) do tórax
pretas): esôfago normal, granulações bran- e abdome é útil na detecção de metástases
cas e leucoplasias. hepáticas e pulmonares.

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56 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

O PET tem maior sensibilidade para o diagnós- nula. Abaulamento móvel da via respiratória
tico de doença à distância e avaliação de linfo- não é sinal de inoperabilidade.
nodos acometidos. Nos pacientes com neoplasia precoce pode
ser realizado a ultrassonografia endoscópica,
Em tumores do esôfago torácico médio e pro-
método mais eficaz para definir a profun-
ximal (acima da carina), a broncoscopia pode
didade da lesão (T) com acurácia de 85%. A
ser necessária com o objetivo de diagnosticar
USE permite também a avaliação dos linfono-
ou excluir invasão da árvore traqueobrônquica dos periesofágicos com acurácia de 70 a 79%. A
ou a fistulização. Quando há abaulamento fixo, PAAF pode melhorar a acurácia do método
desvio de eixo ou invasão, a ressecabilidade é (superior a 90%).
Câncer de esôfago por estágio patológico
Tis: Carcinoma in situ
T1: Tumor invade a lâmina própria ou submucosa
T1a: Tumor invade a mucosa ou lâmina própria
T1b: Tumor invade a submucosa
T2: Tumor invade a muscular própria
T3: Tumor invade a adventícia
T4: Tumor invade as estruturas adjacentes.

N0 Sem metástase linfonodal


N1 de 1 a 2 linfonodos acometidos
N2 de 3 a 6 linfonodos acometidos
N3 mais de 7 linfonodos acometidos

M0 Sem metástase à distância


M1 Metástase à distância
Tabela 11.1

A disseminação do câncer de esôfago pode se A disseminação linfonodal pode ocorrer para


fazer por contiguidade, continuidade, por via cadeias cervicais, torácicas e abdominais, inde-
linfática e hematogênica, estas últimas ocor- pendente da topografia do tumor. A Escola
rem principalmente no fígado, pulmão, suprar- Japonesa particulariza a disseminação linfono-
renal e ossos. dal de acordo com a localização do tumor.

Figura 11.4 - Sítios de metástases linfonodais do câncer


de esôfago, de acordo com a localização.

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 57

Figura 11.5 - PET (tomografia com emissão de pósitron), em um paciente com metástases decorrentes de um adenocarcinona da junção esofagogástrica.
Observe as múltiplas áreas de lesões líticas no esqueleto, nos linfonodos e tecidual.

TRATAMENTO
O tratamento varia de acordo com o estadia-
mento do paciente.

PACIENTES T1N0 E T2N0 DO ESÔFAGO

A cirurgia com esofagectomia subtotal e


reconstrução com tubo gástrico é o tratamento
definitivo. Sendo hoje o padrão a esofagecto-
mia por videolaparoscopia, videotoracoscopia
e anastomose cervical.

Esofagectomia transhiatal é indicada para


pacientes com mais comorbidades e maior
Figura 11.6 - Este câncer esofágico circunferencial com 1,2 cm de profun- risco de complicações.
didade atingiu todas as camadas da parede do esôfago e apresenta uma
margem externa irregular, indicando penetração da adventícia (T3). A estru-
tura hipoecoica nitidamente demarcada com 1 cm logo adjacente ao tumor Na esofagectomia, a reconstrução se rea-
é compatível com uma metástase para um linfonodo regional (N1). A aorta
descendente (Ao) está visivelmente separada do tumor. liza com confecção do tubo gástrico, e a

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58 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

anastomose esofagogástrica pode ser reali- Os pacientes com Siewert I e II esofagecto-


zada em região intratorácica, menos compli- mia subtotal com gastrectomia proximal, com
cações, mas mais graves ou cervical, tem mais reconstrução com tubo gástrico e anastomose
deiscência, mas mais fácil de tratar, depen- esôfago gástrica, com linfadenectomia toráica
dendo da quantidade de esôfago ressecada e e abdominal.
de acordo com a localização do tumor. Os pacientes com Siewert IIII são tratados com
esofagectomia distal com gastrectomia total,
PACIENTES COM DISPLASIA DE ALTO GRAU com anastomose esofagojejunal linfadenecto-
OU CARCINOMA INVASIVO COM INVASÃO mia abdominal.
ATÉ A LÂMINA PRÓPRIA DA MUCOSA (T1A)
PACIENTES COM METÁSTASE À DISTÂNCIA
A opção é a abordagem endoscópica com res-
secção da mucosa esofágica (EMR) ou esôfago A opção é por tratamento com quimioterapia
dissecção da mucosa (ESD). É sugerido em paliativa.
lesões com diâmetro ≤ 2 cm e ocorre apenas
A disfagia, quando sem associação com fís-
em menos de um terço da circunferência da tula, pode ser controlada com radioterapia. Na
parede esofágica, podendo ser associado à obstrução esofágica pelo tumor sem resposta
terapia de ablação por radiofrequência com com radioterapia ou com fístula esofágica, a
erradicação de até 90% da displasia. passagem de prótese endoscópica permite ao
paciente alimentar-se por via oral.
PACIENTES T3-4 OU N+
Pacientes que têm boa performance status e
que não toleram a presença da prótese, a rea-
Tratamento inicial com quimiorradioterapia
lização de cirurgia com confecção de tubo gás-
com intuito neoadjuvante e após esofagecto-
trico sem ressecção esofágica é opção válida.
mia. A QRt permite maior chance de ressecção
completa do tumor após a redução tumoral O principal local de recorrência é ganglionar,
(“down-size”) e, eventualmente, regressão do 42% isoladamente, e 23% com recidiva em
outros sítios concomitantes. É mais comum
estadiamento final.
em pacientes com acometimento linfonodal ao
estadiamento inicial, sendo a maior parte das
PACIENTES COM COMORBIDADES
IMPORTANTES QUE LIMITAM A recidivas ocorrendo nos primeiros 2 anos.
REALIZAÇÃO DE CIRURGIA Metástase à distância ocorre em até 40%, sendo
os sítios mais comuns os pulmões, o fígado e os
Quimiorradioterapia definitiva, sem realiza- ossos, principalmente em pacientes com inva-
ção de esofagectomia. Esse procedimento tem são vascular ou comprometimento nodal.
possibilidade de cura, porém com resultados
inferiores à ressecção cirúrgica. PROGNÓSTICO

TRATAMENTO DO ADENOCARCINOMA As taxas de sobrevida global em 5 anos são


DA JEG 34,4% para doença localizada e 17,1% para
doença metastática. Tais resultados, ainda
A abordagem cirúrgica do adenocarcinoma da aquém do desejado, devem-se principalmente
junção esofagogástrica (JEG) varia de acordo à disseminação precoce do tumor e à doença
com a classificação de Siewert. avançada na época do diagnóstico.

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12
CAPÍTULO 12
ESOFAGITES INFECCIOSAS

ESOFAGITE POR CÂNDIDA Uma abordagem diagnóstica alternativa, par-


ticularmente útil em pacientes com AIDS, é
Embora a Cândida seja considerada flora nor-
tratar com antifúngicos sistêmicos com base
mal no trato gastrointestinal de humanos, ela
na história do paciente. A odinofagia por can-
pode causar doenças quando existe um dese-
didíase deve melhorar em alguns dias. Se os
quilíbrio imune.
sintomas não melhorarem em 3-5 dias, EDA
Diferentes espécies de Cândida podem criar e biópsia devem ser realizadas devido ao alto
síndromes clínicas, embora a infecção por C. risco de coinfecção.
albicans seja a mais comum. Parece ser impor-
A probabilidade de coinfecção com agentes
tante identificar o tipo de levedura, pois algu-
virais chega a quase 50%. As infecções por Cito-
mas espécies são mais resistentes aos antifún-
megalovírus e Herpes Simplex são encontradas
gicos do que outras.
em pacientes infectados por HIV com AIDS
A candidíase esofágica é mais comum em avançada quando a contagem de CD4 é <200
pacientes com doenças hematológicas malig- células / ml.
nas, uso de esteróides ou AIDS. Uma caracte-
O diagnóstico diferencial da candidíase eso-
rística da esofagite por Cândida é a odinofagia
fágica inclui etiologias infecciosas virais, mas
ou dor retroesternal ao engolir.
também esofagite induzida por medicamentos
O diagnóstico de esofagite por Cândida geral- e condições como esofagite eosinofílica.
mente é feito quando lesões semelhantes às
A duração do tratamento da candidíase orofa-
placas mucosas brancas são vistas à EDA. A
ríngea é de 1 a 2 semanas. Curiosamente, nem
biópsia confirmatória mostra a presença de
todo paciente com uma resposta clínica alcan-
leveduras e pseudo-hifas com invasão de célu-
çará uma resposta micológica.
las mucosas.
As considerações para a escolha do tratamento
da candidíase incluem principalmente a gravi-
dade da infecção, eficácia do medicamento,
facilidade de administração e custo.

O tratamento da primeira candidíase orofarín-


gea em pacientes sem AIDS envolve pastilhas
antifúngicas locais ou soluções de nistatina, 4
vezes ao dia, por 4-14 dias. Se o paciente não
Figura 12.1 - Paciente com esofagite por Cândida. responder ao tratamento tópico, a terapia

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preferida é o fluconazol oral, com dose de ata- podem ter herpes labial ou úlceras orofarín-
que de 200 mg, depois 100 mg diariamente. geas coexistentes.

Os sintomas clínicos remitem em mais de 90% O diagnóstico de esofagite por vírus Herpes
dos pacientes que usam essa terapia. Estudos Simplex é geralmente com base em achados
mostram que a resposta clínica e micológica é endoscópicos confirmados por exame histo-
melhor com fluconazol do que com nistatina e patológico.
até mesmo com itraconazol oral.
Lesões típicas são úlceras pequenas, com
A recorrência é um problema frequente se os menos de 2 cm, no esôfago distal. Essas úlce-
fatores de risco subjacentes, como o uso de ras são bem circunscritas e têm uma aparência
esteroides ou quimioterapia, ainda estiverem “semelhante a um vulcão”.
presentes. Nesses pacientes, a terapia profilá-
tica com 100 mg de fluconazol uma vez ao dia
é preferida.

Em pacientes com imunossupressão é neces-


sária terapia com duração de 2 a 3 semanas. O
medicamento recomendado é fluconazol oral
com uma dose de ataque de 400 mg seguido
por 200 uma vez (verificar com o médico).
Outros medicamentos incluindo equinocandi-
nas ou anfotericina B também são aceitáveis.

A terapia intravenosa pode ser necessária ini-


cialmente em pacientes com doença grave que
não podem fazer terapia oral.
Figura 12.2 - Paciente com esofagite por HSV.

A indicação para terapia com anfotericina B


Para a biópsia devem ser puncionadas as bor-
é em caso de candidíase esofágica durante a
das da úlcera onde há maior chance de positivi-
gravidez.
dade do teste. Os achados histológicos incluem
células gigantes multinucleadas, com núcleos
ESOFAGITE POR HERPES VIRUS em vidro fosco e inclusões eosinofílicas.

A infecção pelo vírus Herpes Simplex (HSV) do O tratamento da esofagite HSV depende da
esôfago é geralmente observada em pacientes condição imunológica subjacente do paciente.
com deficiência de imunidade, mas ocasional- A resolução espontânea geralmente ocorre
mente pode ser visto em pessoas saudáveis. após 1 a 2 semanas em pacientes sem imuni-
Isso está principalmente relacionado ao HSV dade prejudicada, embora alguns possam res-
tipo 1, embora HSV-2 também foi relatado. ponder mais rapidamente se tratados com um
curto período de aciclovir oral, 400 mg/ 3 vezes
Esofagite pelo HSV ocorre com mais frequência
por dia, durante 1 a 2 semanas.
em receptores de transplantes de órgãos sóli-
dos e medula óssea. Geralmente por consequ- Pacientes com imunodeficiência devem ser
ência da reativação com disseminação. tratados por mais tempo com um curso de
terapia oral de aciclovir, 400 mg/5 vezes ao dia,
Os pacientes geralmente se queixam de odino-
durante 2 a 3 semanas.
fagia e/ou disfagia. Febre e dor torácica retro-
esternal podem estar presentes em cerca de Pacientes com odinofagia grave podem exi-
50% dos indivíduos. Os pacientes também gir hospitalização para terapia parenteral de

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 61

aciclovir 5 mg/kg 3 vezes ao dia, durante 1 a 2 Cerca de 10–20% dos casos de esofagite por
semanas. CMV ocorre por reativação do vírus latente

Pacientes que não respondem à terapia prova- quando o sistema imunológico do hospedeiro
velmente estão infectados com um vírus cepa fica comprometido.
resistente ao aciclovir. Nesse caso, o trata- Os últimos 10–20% representam superinfec-
mento com foscarnet pode ser a opção. ção. Apresenta-se com febre, odinofagia e náu-
ESOFAGITE POR CMV sea, e ocasionalmente é acompanhada por dor
em queimação subesternal. A EDA geralmente
O Citomegalovírus (CMV) é, como o HSV, um
revela grandes úlceras solitárias e profundas
membro da família Herpesviridae. Esofagite
no esôfago distal.
por Citomegalovírus é observada em pacientes
que foram submetidos a transplante, aque-
les em diálise de longo prazo, infectados com
HIV ou aqueles com terapia de esteróides de
longa duração.

Até agora, nenhum caso foi relatado em hospe-


deiros imunocompetentes.

O tempo médio de desenvolvimento da eso-


fagite por CMV após o transplante de órgão
sólido é até 6 meses. Pacientes submetidos a
Figura 12.3 - Paciente com esofagite por CMV.
transplante de medula óssea podem desenvol-
ver doença por CMV em média de 3 meses ou Uma biópsia confirmatória demonstra destrui-
até muito antes. ção de tecido e a presença de inclusão intranu-
clear ou intracitoplasmática.
Estudos mostram que até cerca de 80% da
população mundial é CMV-positiva. O tratamento da esofagite por CMV envolve
terapia de indução por 3 a 6 semanas. O trata-
A infecção por Citomegalovírus é uma consequên-
mento de manutenção é controverso.
cia de três mecanismos possíveis.
Em geral, ganciclovir intravenoso 5 mg / kg
Cerca de 60% representa infecção primária
ou foscarnet 90 mg / kg é recomendado para
que, em pacientes com imunidade normal,
indução.
causa poucos ou nenhum sintoma, e o CMV
pode persistir em uma forma latente na maio- Terapia de manutenção com valganciclovir oral
ria dos órgãos do corpo. 900 mg, 2 vezes ao dia, parece ser uma opção.

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13
CAPÍTULO 13
ESOFAGITE EOSINOFÍLICA

A esofagite eosinofílica representa uma deglutição são os sintomas mais comumente


doença esofágica local, imunomediada, crô- relatados. Em crianças e bebês, os sintomas
nica, caracterizada clinicamente por sintomas mais comuns relatados são sintomas seme-
relacionados à disfunção esofágica e histolo- lhantes aos do refluxo, vômitos, dor abdomi-
gicamente por inflamação com predominân- nal, recusa de comida e falta de crescimento.
cia de eosinófilos.

A incidência de EEo aumentou e atualmente


varia amplamente de 1 a 20 novos casos por DIAGNÓSTICO
100 mil habitantes por ano. As taxas de preva-
Os achados endoscópicos por si só não esta-
lência variam entre 13 e 49 casos por 100 mil
belecem um diagnóstico confiável de EEo. Seu
habitantes.
valor para avaliar a atividade da doença precisa
Rinite, asma e eczema são significativamente de uma avaliação mais aprofundada. Devem
mais comuns em pacientes com EoE em ser feitas pelo menos seis biópsias de locais
comparação com a população em geral. No diferentes, com foco em áreas com anormali-
entanto, ainda não está provado que a atopia dades endoscópicas da mucosa.
predispõe à EEo.
O limite aceito para densidade de eosinófilos
Outras causas sistêmicas e locais de eosinofilia para o diagnóstico de EoE é de 15 eosinofilos/
esofágica devem ser excluídas. Logo, as mani- HPF (tamanho padrão de 0,3 mm2) na mucosa
festações clínicas ou dados patológicos não esofágica, considerado como a concentração
devem ser interpretados isoladamente. Outras
máxima nas amostras examinadas.
doenças associadas com infiltrado eosinofí-
lico, como doença do refluxo gastroesofágico, A coloração com hematoxilina-eosina (HE) é
doença de Crohn esofágica, acalasia, gastroen- suficiente para avaliação histológica de EoE na
terite eosinofílica, distúrbios do tecido conec- prática clínica de rotina.
tivo e infecções esofágicas. Além do pico da contagem de eosinófilos,
características histológicas adicionais podem
incluir microabscessos de eosinófilos, hiper-
QUADRO CLÍNICO plasia da zona basal, espaços intercelula-
Em crianças mais velhas e adultos com dis- res dilatados, estratificação da superfície de
fagia de alimentos sólidos EoE, impactação eosinófilos, alongamento papilar e fibrose da
de alimentos e dor torácica associada à não lâmina própria.

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 63

Os IBPs são considerados por muitos como a


primeira opção para tratar pacientes com eosi-
nofilia esofágica e sintomas esofágicos40.

Em geral, a dose recomendada é de 1 mg/kg/


dose, 2 vezes ao dia, até a dose máxima no
adulto por pelo menos 8 a 12 semanas18. Após
esse período, a repetição da endoscopia é
recomendada para verificar se há persistência
de eosinófilos no esôfago. Se houver mais de
15 eos/hpf e sintomas após o tratamento com
IBP, recomenda-se dieta ou esteroides.

Se houver menos de 15 eosinófilos/hpf, pode


ser possível reduzir a dose e manter o IBP ape-
nas uma vez ao dia.

Os corticosteroides sistêmicos induzem res-


posta clínica e histológica. Entretanto, devido
ao seu perfil de efeitos colaterais, eles não são
recomendados para o tratamento da EEo.
Figura 13.1 - Achados endoscópicos frequentes na esofagite eosinofílica. A:
sulcos longitudinais (furrows); B: pontilhado brancacento (white specks); C: Corticosteroides tópicos deglutidos, inclusive
ondulações transversais delgadas (felinização); D: mucosa granulosa e frágil
(crêpe paper) com lacerações superficiais pela passagem do endoscópio; E: fluticasona e budesonida viscosa, mostraram
estenose tubular lisa (esôfago de pequeno calibre); F: ondulações transver-
sais grosseiras (corrugations). boa resposta clínica e histológica. A budeso-
nida viscosa pode ser preparada misturando-
-se com sucralose (pacotes de grama por 1 mg
TRATAMENTO de budesonida). Os pacientes devem evitar
O tratamento clínico atual da EEo inclui três Ds: a ingestão de alimentos e líquidos por pelo
drogas, dieta e dilatações. menos 30 minutos após tomar a medicação.

Clínico Exclusão antigênica Genérica Dieta elementar


Baseada em testes alérgicos (prickly
Específica
patch skin tests)
Fluticasona spray 500-1.000 µg 2x/dia,
Terapia imunomoduladora Corticoides tópicos
6-8 semanas
Metilprednisolona 1,5 mg/kg/dia, 4
Corticoides sistêmicos
semanas

Montelucaste início gradual, 10-100 mg/1


Inibidores de leucotrienos
x dia
até alívio dos sintomas, manutenção
20-40 mg/dia
Anticorpos monoclonais Mepolizumabe
Endoscópico Dilatação com Savary-Gilliard em casos selecionados de estenoses
Tabela 13.1

DIETA

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64 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

Atualmente, existem três opções para o manejo oleaginosas, frutos do mar) alimentos alergêni-
dietético da EEo. O primeiro tipo é uma dieta cos comuns tem se mostrado eficaz.
elementar, que consiste na eliminação com-
pleta de todos os alérgenos alimentares, é uma
fórmula baseada em aminoácidos por 6 a 8 TRATAMENTO ENDOSCÓPICO
semanas. No caso de remissão da doença, isso
A dilatação endoscópica com balões ou bougies
seria seguido pela reintrodução de alimentos
individuais ou grupos de alimentos para iden- guiados por fio-guia é um procedimento seguro
tificar os alimentos culpados. A grande maioria e eficaz para o tratamento de estenoses esofá-
dos pacientes (> 90%) apresenta boa resposta gicas em pacientes com EEo.
clínica e histológica com a dieta elementar.
Uma alta taxa de complicações foi relatada em
Outra opção de tratamento dietético é uma pequenas séries de casos até 2006, mas estu-
dieta de eliminação orientada por teste, que dos recentes demonstraram um baixo risco de
consiste em usar as informações dos testes perfurações (menos de 1%) quando as precau-
de alergia (IgE específica para alimentos, teste
ções usuais são tomadas, inclusive dilatação
cutâneo de punção e/ou teste de Atopia) para
lenta e gradual.
orientar a dieta. Apenas alimentos identifi-
cados como potencialmente alergênicos são Recomenda-se tratamento clínico concomi-
excluídos da dieta. tante (IBPs, esteroides, dieta) para reduzir a
A eliminação empírica da dieta de quatro (leite, chance de recorrência da estenose ao tratar a
trigo, soja e ovos) ou seis (trigo, leite, soja, ovos, inflamação esofágica subjacente.

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14
CAPÍTULO 14
ANATOMIA E FISIOLOGIA

O estômago tem origem do intestino anterior relacionado superiormente com o diafragma e,


a partir da quinta semana de gestação e sua lateralmente, com o baço.
principal função é preparar os alimentos para a
O corpo do estômago representa a sua maior
digestão e a absorção.
porção. O corpo também contém a maior parte
O período inicial da digestão exige que os das células parietais e tem como limites, à
alimentos sólidos sejam armazenados por direita, a curvatura menor, relativamente reta,
horas enquanto são reduzidos e decompos- e à esquerda a curvatura maior, mais longa.
tos em metabólicos básicos, sofrendo essa
Na incisura angular, a curvatura menor abrup-
ação no estômago.
tamente se angula para a direita, sendo nesse
ponto que o corpo do estômago termina e o
antro começa.
DIVISÃO DO ESTÔMAGO
Outro ângulo anatômico importante (ângulo de
O estômago é dividido em cinco partes (cárdia,
His) é aquele que o fundo forma com a borda
fundo, corpo, antro e piloro), destacando ainda
esquerda do esôfago.
dois reparos anatômicos importantes (ângulo
de His e incisura angular).

A região mais proximal do estômago é cha-


mada cárdia e faz continuidade com o esô-
fago. Imediatamente proximal à cárdia está um
esfíncter esofagiano inferior fisiologicamente
competente.

Distalmente, o piloro conecta a parte distal do


estômago (antro) à parte proximal do duodeno.
Apesar de o estômago ser fixo na junção gas-
troesofagiana (GE) e no

piloro, sua porção medial mais larga é móvel.

O fundo representa a parte mais superior do


estômago, e é flácido e distensível. Ele está Figura 14.1

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66 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

CAMADAS DO ESTÔMAGO
É composto de quatro camadas principais:

• Mucosa (epitélio superficial, lâmina pró-


pria, muscular da mucosa);
• Submucosa (camada mais resistente da
parede gástrica);
• Muscular própria (composta de três cama-
das de músculos lisos);
• Serosa.
Exceto pela estrita área das pequena e grande
curvaturas e por uma pequena área posterior
na cárdia proximal e no antro pilórico distal, o
estômago é revestido pelo peritônio. O peri-
tônio forma a serosa, a camada mais externa
do estômago.

Abaixo desta está a muscularis própria, mais


espessa, que é composta de três camadas de Figura 14.2

rnúsculo liso. A camada média de músculo liso


é circular, e é a única camada muscular com-
pleta da parede gástrica.
VASCULARIZAÇÃO
A irrigação arterial provém primordial-
No piloro, essa camada muscular média circu-
lar torna-se progressivamente mais espessa e mente do tronco celíaco. A artéria gástrica
funciona como um verdadeiro esfíncter anatô- esquerda origina-se do tronco celíaco e irriga
mico. A camada muscular externa é longitudi- a porção superior direita do estômago. A
nal e contínua com a camada externa do mús- artéria gástrica direita origina-se da artéria
culo liso esofagiano longitudinal. hepática, dirige-se ao longo da pequena cur-
vatura e irriga a porção inferior direita do
Dentro das camadas da rnuscularis externa
encontra-se um rico plexo de nervos anatômi- estômago.
cos e de gânglios, denominado plexo mioenté- O fundo é suprido pelas artérias gástricas
rico de Auerbach. curtas que se originam da artéria esplênica.
A submucosa é uma camada de tecido conjun- A grande curvatura tem sua porção supe-
tivo rica em colágeno, que é a camada mais
rior irrigada pela artéria gastroepiplóica
resistente da parede gástrica. Além disso, ela
esquerda, que se origina da artéria esplê-
contém uma rica rede anastomótica de vasos
nica, e a porção inferior recebe sangue pela
sanguíneos e de linfáticos, além do plexo de
artéria gastroepiplóica direita, que se ori-
Meissner de nervos autonômicos.
gina da artéria hepática.
A mucosa consiste em epitélio superficial,
lâmina própria e muscular da mucosa. A lâmina As veias gástricas direita e esquerda drenam
própria representa urna pequena camada de a pequena curvatura diretamente à porta, as
tecido conjuntivo e contém capilares, vasos, veias gástricas curtas drenam o fundo gástrico
linfáticos e nervos necessários para o suporte e a veia gastroepiplóica esquerda drena a parte
da superfície epitelial. superior da grande curvatura, desembocando

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 67

na veia esplênica. A veia gastroepiplóica direita Apesar de os linfonodos mencionados ante-


drena a parte inferior da grande curvatura riormente drenarem áreas diferentes do estô-
para a veia mesentérica superior. A drenagem mago, permanece amplamente reconhecido
que os cânceres gástricos podem se metasta-
linfática é paralela ao suprimento arterial.
tizar para qualquer um dos quatro grupos de
A vascularização ocorre através de ramos pri- linfonodos, independentemente da localização
mários ou secundários do tronco celíaco: do câncer.

• Artéria esplênica; Além disso, o extenso plexo submucoso de lin-


fáticos é responsável pelo fato de que, frequen-
• Artéria hepática própria;
temente, existem evidências microscópicas de
• Artéria gástrica esquerda. células malignas a vários centímetros da mar-
gem de ressecção da doença macroscópica.

Dentre as quatro zonas de linfonodos, divi-


dem-se as cadeias linfáticas, sendo 7 estações
perigástricas, cadeia D1, e outras cadeias linfá-
ticas (de 8 a 12), cadeia D2.

Figura 14.3 - Vascularização do estômago.

DRENAGEM VENOSA
A veia gastroepiplóica direita drena para a veia
mesentérica superior.
Figura 14.4 - Zonas linfáticas perigástricas (D1). I: paracárdicos direito. II:
paracárdico esquerdo. III: pequena curvatura. IV: grande curvatura. V: arté-
As veias gástricas direita e esquerda drenam ria gástrica direita. VI: vasos gastroepiplóicos direito. VII: Artéria gástrica
esquerda.
diretamente na veia porta, tendo comunicação
com as veias esofágicas inferiores, que no con- ZONAS LINFÁTICAS D2
texto de hipertensão portal tem importância
na patogênese das varizes esofagogástricas. 8. Ao longo da artéria hepática comum;

9. Em volta do tronco celíaco;

10. No hilo esplênico;


DRENAGEM LINFÁTICA
11. Ao longo da artéria esplênica;
Em geral, a drenagem linfática do estômago
12. Artéria hepática própria.
faz um paralelo com a vasculatura e, essencial-
mente, drena para quatro zonas de linfonodos.
INERVAÇÃO
Todas as quatro zonas de linfonodos drenam
para o grupo celíaco e para o ducto torácico. Parassimpática: nervo vago:

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68 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

a. Nervo vago esquerdo – anterior ao esô-


fago. Fornece ramos à porção anterior do
estômago, junto à curvatura gástrica menor
(nervo de Latarjet); ramo hepático ao fígado;
vesícula e árvore biliar. O nervo de Latarjet
emite seis ramos para o estômago, junto à
incisura angular, os quais são conhecidos
como “pata de corvo” ou “pata de ganso”.

b. Nervo vago direito – posterior ao esôfago.


Inerva a porção posterior do estômago
(nervo de Latarjet posterior) e dá ramo celí-
aco para o pâncreas, intestino delgado e
cólon direito.
Figura 14.5
Tronco vagal esquerdo – anterior

Tronco vagal direito – posterior HISTOLOGIA


Simpática: via nervos esplâncnicos maiores A mucosa gástrica consiste em um epitélio
(sexto ao décimo), que terminam no gânglio glandular colunar.
celíaco; as fibras pós-gangliônicas seguem ao
As funções das glândulas, e as células que
longo das artérias gástricas. O simpático, de revestem as glândulas, variam de acordo
modo geral, modula a fisiologia secretora e com a região do estômago na qual elas são
motora do estômago. encontradas.

Células Localização Função


Parietal Corpo Secreção de ácido e de fator intrínseco
Principal Corpo Pepsina
Epitelias superficial Difuso Muco, bicarbonato, prostaglandinas
Enterocromafins (ECL) Corpo Histamina
G Antro Gastrina
D Corpo, Antro Somatostastina
Tabela 14.1

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15
CAPÍTULO 15
HELICOBACTER PYLORI

Bactéria gram negativa espiralada, móvel na neutraliza o ácido clorídrico e permite que a
mucosa gástrica, sendo uma das mais poten- bactéria sobreviva no meio ácido.
tes produtoras de urease dentre as bactérias.
A motilidade da bactéria provida por seus fla-
O H. pylori tem distribuição cosmopolita, e esti- gelos tem um papel central na colonização
ma-se que cerca de metade da população mun- do estômago e permite que ela se mova pelo
dial esteja infectada com soroprevalência, é muco gástrico e alcance as células epiteliais.
igualmente encontrada em homens e mulheres.
A maioria das cepas da H. pylori expressa a
A prevalência da infecção aumenta com a citotoxina vacuolizante (vacA), que é incor-
idade, mas é nos primeiros 5 anos de idade porada pela célula epitelial do hospedeiro e
que ocorre mais comumente a infecção, sendo induz apoptose. A citotoxina não é essencial
caracterizada a transmissão fecal-oral, oral-o- para a colonização gástrica, porém é asso-
ral e iatrogênica. ciada à doença mais grave. Cepas produto-
Assim, em países em desenvolvimento a taxa ras de vacA são mais comumente isoladas de
de infecção chega a 80%, e em países indus- pacientes com úlcera péptica, atrofia gástrica
trializados chega a 50%; logo, entende-se que a e câncer gástrico.
infecção é inversamente proporcional ao nível Já o gene cagA codifica a proteína cagA. Pacien-
socioeconômico. tes com úlcera duodenal, gastrite atrófica
A transmissão interpessoal é considerada a e carcinoma gástrico são mais comumente
mais importante, conforme é evidenciado em infectados com cepas cagA-positivas do que
estudos com famílias que moram em condi- cagA-negativas. As cepas cagA-positivas são
ções de aglomeração. Estudos utilizando tipa- mais virulentas, associadas a maior grau de
gem de DNA confirmaram que membros de infiltração de polimorfonucleares neutrófilos e
uma mesma família tendem a ser infectados produção de interleucina-8.
pela mesma cepa de bactéria. Patologia do Helicobacter pylori
Toxinas
VacA
PATOGENIA CagA

H. pylori expressa uma série de proteínas, Resposta imune

entre elas a urease. A urease hidroliza a ureia Produção de citocinas


Recrutamento de células inflamatórias
em dióxido de carbono e amônia. A amônia

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70 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

Patologia do Helicobacter pylori


Produção de imunoglobulinas
Secreção ácida
Hipocloridria inicial
Hipercloridria a longo termo
Gastrina sérica elevada
Diminuição da produção de gastrina
Secreção de bicarbonato
Redução da secreção duodenal de bicarbonato
Tabela 15.1

Os mecanismos responsáveis pela lesão gastrointestinal induzida pelo H. pylori permanecem


sem ser completamente elucidados, mas foram propostos três mecanismos potenciais:

1. Produção de produtos tóxicos que causam lesão tecidual local;

2. Indução de uma resposta imune na mucosa local;

3. Níveis de gastrina aumentados, com um resultante aumento na secreção ácida.

Figura 15.1 Resumo dos possíveis mecanismos pelos quais o H. pylori pode dar origem à anormalidades gástricas. D: célula da somatostatina; ECS: célula
símile a entercromafin; G: célula G; IFN: interferon; IL: interleucina; P: célula parietal; SMF: somatostatina; FNT: fator de necrosetumoral.

QUADRO CLÍNICO
Não está claro se a história natural do H. pylori ocorre diferentemente em partes diferentes do
mundo. Os fatores genéticos do hospedeiro, as cepas do H.pylori envolvidas e fatores ambientais
interagem entre si e todos os infectados têm gastrite crônica ativa.

A eliminação espontânea da infecção é incomum.

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 71

Apresenta-se associada às condições benignas (doença ulcerosa péptica, gastrite aguda e crô-
nica), representando 90% das úlceras duodenais e 75% das úlceras gástricas, e às condições
malignas (adenocarcinoma gástrico e linfoma gástrico).

Figura 15.2 História natural da infecção pelo H. pylori

DIAGNÓSTICO O teste respiratório é baseado na produção


de urease pela H. pylori na mucosa gástrica.
A infecção pelo H. pylori pode ser diagnosticada Nele, é utilizada ureia marcada com C14, e na
por métodos invasivos e não invasivos. presença da urease, é formado dióxido de car-
Métodos não invasivos bono marcado com C14, que é expirado. A sensi-
bilidade e especifidade do teste é de 90%, e sua
1. Teste respiratório: exame mais indicado
principal indicação é a pesquisa do H. pylori
para diagnóstico em paciente sem indica- após o tratamento para sua erradicação.
ção de EDA;
A endoscopia deve ser solicitada para os
2. Sorologia: não faz diagnóstico de infecção pacientes com dispepsia sem resposta com tra-
atual. É utilizado para estudos epidemioló- tamento clínico otimizado e se sinais de alarme
gicos. (disfagia, perda de peso, vômitos persistentes,
Métodos invasivos: Necessita de Endoscopia + anemia ferropriva, sangramento crônico, se
mais de 50 anos de idade).
biópsia.
O teste da urease é o mais amplamente uti-
1. Cultura: custo alto e demora, frequente-
lizado pela sua rapidez e economia, sua sen-
mente não está disponível;
sibilidade e especificidade são de 98%, mas
2. Teste da urease: padrão-ouro visto acurácia falsos-negativos podem ocorrer sob o uso
associada à rapidez e economia. de IBP’S ou sob antibioticoterapia.

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Métodos diagnósticos
Teste Sensibilidade Especificidade Comentários
Não invasivo
Utilizado em estudos epidemiológicos, não é usado na
Sorologia 88-99 (%) 86-95 (%)
prática clínica
Análise da ureia Sua principal indicação é o seguimento após a terapia
90-97 (%) 90-100 (%)
respiratória de erradicação
Ensaio rápido de O mais utilizado (padrão-ouro); falso-negativo com uso
89-98 (%) 93-98 (%)
urease recente de IBP, antibióticos ou compostos de bismuto
Histologia 93-99 (%) 95-99 (%) Exige processamento de patologia e coloração
Demorado, dispendioso e depende de experiência
Cultura 77-92 (%) 100 (%)
Permite determinar a sensibilidade aos antibióticos
Tabela 15.2

TRATAMENTO • Doença ulcerosa péptica complicada;


• Linfoma MALT;
Estudos indicam que a antibioticoterapia
visando à erradicação da H. pylori acelera a • Gastrite atrófica;
cicatrização da úlcera e diminui a recidiva, tal- • Pós-ressecção por câncer gástrico;
vez por aumentar a resistência da mucosa con- • Pacientes com parentes de primeiro grau
tra os mecanismos agressivos. com câncer gástrico;
A escolha do esquema terapêutico, entre • Uso crônico de AAS ou AINEs.
muitos disponíveis, deve recair sobre os que O tratamento para erradicação tem como
se acompanham de índices de cura de pelo esquema de primeira Linha:
menos 80%.
• Tempo: 14 dias.
A combinação de um IBP com amoxilina e Amoxacilina 1g, 2 vezes ao dia, + Claritro-
claritromicina vem sendo a associação mais micina 500 mg, 2 vezes ao dia, +Omepra-
utilizada atualmente, embora a de outros fár- zol 20 mg, 2 vezes ao dia.
macos, como subcitrato de bismuto coloidal
• Alternativo – Tempo: 10 – 14 dias.
e amoxilina, ou tetraciclina, ou claritromicina,
metronidazol ou tinidazol, associados a um IBP, Omeprazol 20 mg, 2 vezes ao dia, + Metro-
seja a segunda mais frequente. O tratamento nidazol 400 mg, 3 vezes ao dia, + Tetraci-
deve durar 14 dias. clina 500 mg, 4 vezes ao dia, + Subcitrato
de bismuto 240 mg, 2 vezes ao dia.
O tratamento é indicado conforme os critérios
O tratamento tem taxa de erradicação de 82%,
do Consenso de Maastrich V:
sendo necessário após o tratamento realizar
• Dispepsia; teste para confirmar erradicação após 1 mês
• Úlcera duodenal ou gástrica; do término do tratamento.

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16
CAPÍTULO 16
GASTRITES

O termo gastrite deve ser reservado para a Neste estágio, a mucosa gástrica se mostra
inflamação da mucosa gástrica documentada fina e os vasos sanguíneos nitidamente visí-
histologicamente, decorrente de injúria de veis. A presença de metaplasia intestinal
origem diversa, em geral associada a uma res- (conversão das células gástricas para um
posta inflamatória aguda, crônica ou mista, e fenótipo de intestino delgado) é um fator
que se expressa clinicamente como uma sín- de risco para câncer gástrico.
drome dispéptica.
De acordo com o local de acometimento, a gas-
As causas mais comuns de gastrite aguda são trite crônica se classifica em:
infecciosas. O H. pylori pode desencadear um
I. Gastrite crônica Tipo A: envolvimento predo-
quadro agudo de gastrite. O micro-organismo minante do corpo, doença autoimune, forma
penetra na camada de muco e se multiplica menos frequente de gastrite, e que pode se
em contato íntimo com as células epiteliais do apresentar com anemia perniciosa, asso-
estômago. O epitélio responde com depleção ciada aos anticorpos circulantes contra célu-
de mucina, esfoliação celular e alterações rege- las parietais (90%) e fator intrínseco (50%).
nerativas iniciais. Este quadro pode se expres-
sar clinicamente por dor epigástrica súbita, II. Gastrite crônica Tipo B: envolvimento pre-
náuseas e vômitos. Se não houver tratamento, dominante do antro, relacionado ao Hp. A
o quadro evoluirá para gastrite crônica. conversão para pangastrite ocorre em torno
de 20-25 anos de idade. Esta forma de gas-
A gastrite crônica é definida como um pro- trite (pangastrite) tem maior incidência em
cesso inflamatório que histologicamente se indivíduos acima de 70 anos de idade e se
caracteriza por um infiltrado celular formado associa a um número menor de micro-orga-
por linfócitos e plasmócitos. A evolução do nismo H. pylori.
processo inflamatório poderá ser estadiada
em duas etapas: III. Gastrite crônica Tipo AB: pangastrite.

1. Gastrite superficial, em que o processo infla- Classificação de Sidney para as gastrites


matório está confinado à lâmina própria da O sistema Sydney surgiu da necessidade de
mucosa superficial, com as glândulas gástri- uniformizar as diversas terminologias utiliza-
cas íntegras, separadas por edema e infiltra- das. Procurou-se definir o aspecto endoscó-
dos celulares. pico, histológico e etiológico, sempre que pos-
sível.
2. Gastrite atrófica, em que o infiltrado inflama-
tório se aprofunda na mucosa, distorcendo Uma das consequências práticas deste sistema
e destruindo progressivamente as glându- foi a inclusão da realização de biópsias nas
las, com evolução para atrofia gástrica, em endoscopias para investigação de doença gas-
que as estruturas glandulares se perdem troduodenal. Os fragmentos devem ser obtidos
e há escassez de infiltrados inflamatórios. do corpo (grande e pequena curvatura), incisura

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e antro (grande e pequena curvatura). A impor- apresentar maior risco de sangramento e per-
tância da histologia estaria no diagnóstico dife- furação, especialmente do duodeno.
rencial das causas de gastrites, avaliação da
Nos casos de trauma cranio-encefálico há
intensidade do processo inflamatório, identifi- maior risco de LAMG, denominando-se úlce-
cação ou não de atrofia e/ou metaplasia intesti- ras de Cushing. Essas são particularmente
nal e investigação de infecção pelo Helicobacter agressivas, em razão da hipersecreção ácida
pylori. Apesar disso, a realização das biópsias decorrente da hipergastrinemia e, em geral,
não é rotina para todos os endoscopistas. profundas. As úlceras de Cushing provocam
O diagnóstico endoscópico deve estar de hemorragias e perfurações com mais frequên-
acordo com os termos descritivos convencio- cia do que qualquer outra forma de gastropa-
nados. Deve-se também avaliar a intensidade tia de estresse.
dos achados (leve, moderada e intensa) e sua Para evitar hemorragia e perfuração, não se
distribuição topográfica, para posteriormente deve subestimar a importância da identifica-
estes dados serem correlacionados com os ção dos pacientes verdadeiramente de alto
achados histológicos. risco, dando início, nesses casos, à profilaxia
contra a gastrite de estresse.
Classificação de Sidney revisada
Divisão endoscópica Álcool: este quadro é mais bem caracterizado
Topografia Tipo Intensidade como gastropatia alcoólica, uma vez que não
Pangastrite Enantematosa Leve há obrigatoriamente um processo inflamató-
Gastrite do antro Erosiva plana Média rio, e sim um processo de regeneração epitelial
Erosica elevada em resposta a um agente agressor.
Atrófica
Hemorrágica
Gastrite do corpo Por refluxo Intensa
Com hiperplasia GASTRITE CRÔNICA
de pregas muco- AUTOIMUNE
sas
Tabela 16.1
Conhecida também como gastrite tipo A, aco-
mete corpo e fundo gástricos, raramente
atingindo o antro.
GASTRITE EROSIVA/ Caracteriza-se por uma atrofia seletiva, parcial
HEMORRÁGICA ou completa das glândulas gástricas no corpo
Esta forma de gastrite se associa a algumas e fundo do estômago, ocorrendo uma substi-
tuição, parcial ou completa, das células superfi-
situações específicas:
ciais normais por mucosa tipo intestinal (meta-
AINE (anti-inflamatórios não esteroides): plasia intestinal). Por quase não ser acometida
associados às petéquias, erosões e úlceras na nesta região, a mucosa antral mantém sua
mucosa gástrica; as erosões são superficiais e estrutura glandular normal e apresenta células
raramente sangram de forma significativa. endócrinas hiperplásicas.
Estresse (LAMG: lesão aguda de mucosa Funcionalmente, a atrofia das glândulas gástri-
gástrica): observada em doentes criticamente cas do corpo se associa à hipocloridria (atro-
enfermos; a fisiopatologia parece estar ligada à fia parcial) ou, em casos avançados, acloridria,
isquemia da mucosa. Esta é uma causa de HDA secundária à redução da massa de células parie-
em UTI, que acomete cerca de 20% dos pacien- tais; paralelamente, há um decréscimo tam-
tes. Nos queimados, obervam-se lesões únicas, bém na secreção de fator intrínseco, podendo
chamadas de úlceras de Curling, que parecem ocasionar a redução da absorção de vitamina

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 75

B12 e o aparecimento de manifestações clínicas Supercrescimento bacteriano. Sendo a


da anemia perniciosa. A preservação funcional imensa maioria das bactérias ingeridas des-
da mucosa antral resulta em estimulação cons- truída em ambientes com pH < 3, é aceito
tante das células G com hipergastrinemia. que pacientes com hipocloridria ou acloridria
tenham concentrações aumentadas de bac-
Estudos em famílias de portadores de gastrite
térias no intestino delgado. Por fim, cumpre
atrófica demonstram uma incidência aumen-
tada de gastrite em parentes de primeiro lembrar que o supercrescimento bacteriano
grau, sugerindo uma base genética, sendo intestinal pode ocasionar a ligação do com-
a anemia perniciosa a expressão final da plexo fator intrínseco-vitamina B12 às bactérias,
gastrite crônica autoimune do corpo, hoje prejudicando sua absorção, além da eventual
considerada como determinada por um gene produção de análogos de vitamina B12 pelos
autossômico único. micro-organismos, competindo assim com a
absorção da vitamina B12.
A maior parte dos portadores desse tipo de
gastrite apresenta anticorpos anticélula parie- Hipergastrinemia. Os efeitos tróficos da
tal e antifator intrínseco, com a prevalência de hipergastrinemia têm sido associados à hiper-
tais anticorpos aumentando com a gravidade plasia das células enterocromafins-like (ECL)
das lesões. presentes nas glândulas oxínticas e no desen-
volvimento, em casos avançados, de tumores
Os eventos fisiopatológicos da gastrite
carcinoides gástricos. Sua prevalência na
autoimune se relacionam com as consequên-
anemia perniciosa oscila entre 2 e 9%, e a
cias da reduzida secreção ácida da mucosa
maior parte deles é pequena, frequente-
oxíntica. Redução moderada na secreção ácida
mente múltipla, endocrinologicamente silente
habitualmente não é acompanhada de efei-
e benigna, embora se estime que até 28% dos
tos clínicos, porém em casos extremos, pode
casos possam se tornar invasivos localmente,
ocasionar diferentes problemas, que serão
e até mesmo ocasionar metástases à distância.
aqui discutidos:
Absorção de ferro. Embora os níveis de ferro
Absorção de vitamina B12 . A perda das células
sérico, hemoglobina e ferritina de pacientes
parietais pode ser acompanhada de deficiên-
idosos portadores de gastrite atrófica sejam
cia de fator intrínseco. Em condições normais,
semelhantes aos controles sem gastrite atró-
o fator intrínseco é secretado em quantidades
fica, alguns estudos sugerem que a absorção
superiores às necessidades, para promover
de ferro, em sua forma de íon ferroso ou fér-
uma ótima absorção do complexo de vitamina
rico, sofra influência do pH gástrico, prejudi-
B12 fator intrínseco por receptores especializa-
cando sua absorção. Deve-se ainda ressaltar
dos localizados no íleo. Dessa maneira, a maior
que, além de eventual má-absorção, a carên-
parte dos portadores de gastrite autoimune
cia de ferro às vezes observada na gastrite
secreta quantidades de fator intrínseco capa-
autoimune do corpo pode resultar de perdas
zes de manter uma absorção normal de vita-
sanguíneas associadas à inflamação gástrica
mina B12.
crônica e à perda de ferro em pacientes com
Embora o mecanismo principal nesses indi- turnover aumentado das células mucosas.
víduos seja a deficiência de fator intrínseco
A gastrite autoimune é assintomática do
decorrente da relativa ausência de células
ponto de vista gastrointestinal, advindo sin-
parietais, a falta de ácido e pepsina pode tam-
tomas hematológicos e/ou neurológicos na
bém contribuir para o quadro, já que sua pre-
ocorrência de anemia perniciosa.
sença é necessária para liberar a vitamina B12
dos alimentos, permitindo assim sua ligação ao O diagnóstico da gastrite crônica autoimune
fator intrínseco. do corpo é eminentemente histopatológico. À

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76 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

endoscopia, quando se insufla ar no estômago, anterior, como urticária, asma ou rinite), ali-
o pregueado mucoso do corpo se desfaz total mentares (alguns alimentos podem desen-
ou parcialmente e observa-se uma mucosa de cadear sintomas intestinais) e a presença de
aspecto liso, brilhante e delgado, com os vasos parasitas têm sido considerados.
da submucosa facilmente visualizados.
Três formas de apresentação têm sido descri-
Anticorpos anticélula parietal e anti-fator tas, considerando a intensidade e a localização
intrínseco, embora presentes em até 90% do infiltrado: acometimento predominante da
dos portadores de anemia perniciosa, com mucosa, ou da parede muscular, ou da serosa.
frequência estão ausentes em portadores Nas formas de acometimento mucoso predo-
apenas de gastrite atrófica, sem alterações minante, o antro é mais frequentemente
hematológicas. acometido, e, endoscopicamente, as pregas
A gastrina sérica encontra-se comumente estão espessadas, podendo haver nodosida-
elevada, embora em pequeno número de casos des e ulcerações.
possa mesmo estar normal ou reduzida, quando A sintomatologia inclui naúseas, vômitos, diar-
a atrofia atinge também o antro gástrico. reia, dor abdominal e perda de peso.
O diagnóstico é geralmente estabelecido
TRATAMENTO pela demonstração de infiltrado eosinofí-
lico na lâmina própria, associado à eosinofi-
A gastrite crônica autoimune do corpo é assin-
lia importante no sangue periférico.
tomática na maioria dos pacientes e, dessa
forma, não requer tratamento. A presença, Anemia ferropriva, hipoalbuminemia e redu-
entretanto, de anemia perniciosa exige a repo- ção das imunoglobulinas séricas também são
sição de vitamina B12, por via parenteral, na observadas como consequência de perdas
dose de 200 mg por mês, durante toda a vida. proteicas por meio do epitélio lesado.

Tal terapêutica corrige as alterações hemato- Nos casos de acometimento predominante


lógicas, embora não interfira na histologia da da parede muscular, o diagnóstico histológico
mucosa gástrica. A presença de deficiência pode ser difícil, já que a biópsia convencional
de ferro obriga a investigação cuidadosa para é muitas vezes normal; assim, é necessária
neoplasias de estômago e cólon antes de mera a realização de biópsias envolvendo toda a
terapêutica de reposição. Diarreias frequentes parede gástrica.
podem sugerir a ocorrência de supercresci- Aos exames radiológico e/ou endoscópico se
mento bacteriano. observam rigidez e estreitamento antral,
com mucosa praticamente normal.
O acometimento predominante da serosa é
GASTRITE EOSINOFÍLICA o mais raro, sendo a ascite com alto teor de
Eosinófilos e leucócitos são normalmente eosinófilos (12 a 95%) a principal forma de
encontrados na mucosa e submucosa do trato expressão clínica.
digestivo superior.
Embora a presença de alergia seja difícil de
A gastroenterite eosinofílica é uma afec- documentar, a eliminação de determinados
ção rara, caracterizada por infiltrado eosino- alimentos suspeitos pode, às vezes, produzir
fílico denso na parede do estômago e intes- resultados duradouros.
tino delgado.
A consulta com imunoalergologista e a realiza-
Embora sua etiologia seja desconhecida, ção de testes cutâneos podem auxiliar na iden-
fatores alérgicos (50% têm história de atopia tificação de alérgenos.

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 77

GASTRITE FLEGMONOSA GASTRITE DE REFLUXO


Doença rara, mas potencialmente fatal. ALCALINO
As bactérias associadas a essa condição são Termo que designa uma lesão de mucosa, pro-
Streptococcus, Staphylococcus, E. coli, Proteus e duzida pelo refluxo do conteúdo duodenal ou
Haemophilus. jejunal para o estômago.
Este quadro tende a ocorrer mais frequente- Tal condição é encontrada com mais frequên-
mente em idosos, alcoólicos, pacientes com cia depois de uma vagotomia e antrectomia
Aids e após polipectomia. por úlcera, com anastomose de Billroth tipo
O quadro inflamatório costuma ser difuso, aco- I ou II.
metendo toda a mucosa gástrica, e a evolução Encontra-se, histologicamente, hiperplasia das
pode ser para necrose gástrica e óbito. A não glândulas foveolares, ilhas de histiócitos con-
resposta aos antibióticos e o retardo na indi- tendo lipídios e, às vezes, dilatações glandu-
cação cirúrgica podem resultar em êxito fatal lares císticas, com edema da lâmina própria e
para a maioria dos casos. inflamação crônica de mínima a leve.

Embora mais frequente em gastrectomiza-


dos, a síndrome também pode ser encon-
GASTRITE LINFOCÍTICA
trada depois de gastroenterostomias e piloro-
Caracteriza-se por intenso infiltrado linfocitá- plastias.
rio, com envolvimento primário no corpo do
Excepcionalmente, é encontrada em pacientes
estômago. Este quadro já foi descrito em asso-
sem cirurgia gástrica prévia, embora existam
ciação com espru celíaco.
trabalhos mostrando uma certa frequência em
Sua etiologia não é conhecida, e os sintomas colecistectomizados.
são inespecíficos. No exame endoscópico,
A síndrome é caracterizada por dor epigástrica
alguns pacientes apresentam pregas gástri-
associada a vômitos biliosos, sendo clássico o
cas espessadas, que por vezes são recobertas
achado de ausência de melhora após o vômito,
por nódulos e depressão central.
que a diferencia da síndrome da alça aferente.
Esta forma de doença é também conhecida
O diagnóstico baseia-se, fundamentalmente, no
como gastrite varioliforme. O aspecto mais
quadro clínico, na endoscopia e na histologia,
importante da conduta é a exclusão do lin-
sendo imprescindível a realização de biópsia.
foma ou de outras formas específicas de
gastrite. A endoscopia digestiva alta mostra, além de
moderada ou grande quantidade de bile no
Bloqueadores dos receptores H2, cromoglicato
estômago, sinais de processo inflamatório da
de sódio e corticosteroides são, às vezes, ten-
mucosa gástrica. Verificam-se, então, edema
tados em casos especiais. A erradicação do H.
e hiperemia importantes, que costumam ser
pylori proporciona uma redução significativa
mais intensos ao redor da anastomose.
dos linfócitos intraepiteliais e na inflamação da
mucosa oxíntica, melhorando também a sinto- O tratamento envolve uso de procinéticos para
matologia dispéptica. otimizar o esvaziamento gástrico, mas com
resultados ruins.
Em algumas situações, a prednisona, em
doses iniciais de 20 a 40 mg ao dia, com redu- O tratamento com melhor resultado é a deri-
ção progressiva, é capaz de induzir e manter vação cirúrgica com gastrojejuno anastomose
remissões por períodos prolongados. em Y de Roux.

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com possível presença de edema periférico e


presença de sangue oculto nas fezes.
Existem relatos de regressão espontânea da
doença, assim como casos raros de ocorrência
familiar.
Os achados radiográficos incluem espes-
samento das pregas gástricas do fundo e do
corpo do estômago, geralmente poupando o
antro.
Esses achados são confirmados pelo estudo
gastrointestinal superior com bário, por ultras-
sonografia e endoscopia.
Histologicamente, a mucosa gástrica é
hipertrófica com alongamento das de-pres-
sões gástricas e atrofia glandular, com hiper-
plasias foveolares acentuadas, dilatações císti-
cas, que podem penetrar na submucosa.

O tratamento da doença de Ménétrier requer


Figura 16.1 - Gastrectomia subtotal. A: coto gástrico residual com conteúdo
biliar, mucosa com edema e enantema. B: anastomose gastrojejunal tam- melhor sistematização e a princípio limita-se a
bém apresentando edema e enantema.
reposição proteica e a manutenção do estado
nutricional.
DOENÇA DE MENÉTRIER A abordagem cirúrgica representada pela gas-
Também conhecida como gastrite de pregas trectomia total ou parcial deve ser reservada
gástricas grandes e hipertrofiadas. Consi- para as complicações graves como a hemor-
deram-se pregas gástricas grandes as que não ragia de vulto ou recidivante, a obstrução, a
se achatam com a insuflação de ar durante a hipoproteinemia grave ou na associação com
endoscopia. o câncer gástrico.

A maioria dos pacientes com doença de Naqueles pacientes em que a doença esteja
Ménétrier é do sexo masculino (H/M = 3:1), associada ao Helicobacter pylori ou ao Citome-
com idade entre 30 e 60 anos e cujas mani- galovírus está indicada a terapêutica específica
festações clínicas são perda ponderal, dor para estes microorganismos, uma vez que nes-
epigástrica, vômitos, diarreia, anorexia, tas circunstâncias são descritos casos de invo-
dispepsia, hematêmese, hipoalbuminemia, lução da doença em resposta ao tratamento.

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17
CAPÍTULO 17
ÚLCERA PÉPTICA

A lesão ulcerada péptica representa uma solu- A incidência de doença ulcerosa gastroduo-
ção de continuidade da mucosa que ultra- denal é de aproximadamente 1 a 2 por 1 mil
passa os limites da muscularis mucosae. Ao habitantes por ano. Dois terços dos pacientes
contrário da úlcera, a erosão não ultrapassa a com úlcera são homens, e a doença é mais
muscularis mucosae da parede gástrica e, em comum em fumantes.
razão de seu caráter superficial, mantém ele- O risco de recorrência da doença após a cura
mentos glandulares em sua base que favore- inicial é alto. Mais de 50% dos pacientes têm
cem uma rápida cicatrização, sem sequelas. úlcera recorrente dentro dos 12 meses de
É resultado do produto do desequilíbrio entre cura na ausência de tratamento. A terapia
fatores de proteção (fluxo sanguíneo, prosta- supressora de ácido, usada como manutenção,
glandinas, mucosa, muco, bicarbonato e cap- reduz a taxa de recorrência.
tação H+).
Teve evolução mudada drasticamente com intro-
dução dos IBP e estudos sobre o H. pylori, com
FISIOPATOLOGIA
declínio da incidência. Porém, a necessidade de De modo geral, pode-se afirmar que a lesão
tratamento cirúrgico para perfuração perma- péptica ocorre quando existe um desequilíbrio
nece estável, pelo crescente uso de AINEs. entre os fatores de agressão e de defesa, acar-
retando, deste modo, dano à mucosa quando
Os principais fatores de risco são a infecção
os fatores agressores preponderam.
pelo H. Pylori e AINE, destacando outros como:
tabagismo, alcoolismo, sexo masculino, fatores
genéticos e estados hipersecretivos (ZE, Infec- FATORES DE DEFESA
ções gástricas, crack).
A defesa epitelial pode ser, didaticamente, divi-
dida em três níveis:

EPIDEMIOLOGIA 1. Pré-epitelial: constituída por muco e bicar-


bonato produzidos pelas células epiteliais e
Em países ocidentais, úlceras duodenais ocor- fosfolipídeos, que têm diversas funções, como:
rem mais frequentemente do que úlceras
gástricas. A idade predominante na qual a a. Diminuir ao máximo a difusão de íons H+;
úlcera duodenal ocorre é entre 20 e 50 anos, b. Tornar a superfície epitelial mais viscosa
enquanto que a úlcera gástrica ocorre mais e hidrofóbica; c) Liberar fatores de cresci-
comumente em pacientes com mais de 50 mento, prostaglandinas E2 e óxido nítrico
anos de idade. que promovem a divisão celular, fazendo

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80 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

com que as células superficiais lesiona- A diminuição das prostaglandinas provoca


das sejam repostas. aumento da aderência de neutrófilos, fazendo
2. Epitelial: formada pela resistência celular com que essas células liberem substâncias
que previne a acidificação e pela restituição pró-inflamatórias lesivas para a mucosa. Os
celular que faz com que a superfície epitelial AINE produzem ainda diminuição da produção
seja reparada rapidamente. de muco, de bicarbonato e da formação do
tampão mucoso.
3. Subepitelial: representada pelo fluxo san-
guíneo da mucosa, que carreia nutrientes O ácido produzido pelas células parietais tem
e tampões, especialmente bicarbonato de mecanismos de controle bastante complexos.
sódio, e pela adesão leucocitária, que pre- O principal estímulo para sua produção é a
vine a adesão e a liberação de substâncias hipoglicemia, associada a outros como visão,
pró-inflamatórias. cheiro e sabor que estimulam, por intermédio
de vias vagais colinérgicas, as células G e ECL
FATORES AGRESSORES que, por meio de seus produtos, gastrina e
histamina, estimulam produção de ácido pelas
Os fatores agressores são representados por
células parietais. Mecanismos contrarregula-
ácido clorídrico, pepsina, sais biliares, anti-in-
dores, no entanto, são desencadeados simul-
flamatórios não esteroides (AINE) não especí-
taneamente, no sentido de manter o equilíbrio
ficos e pelo Helicobacter pylori. Cada elemento
da secreção ácida.
tem sua ação deletéria sobre a mucosa, exer-
cida por diversos mecanismos fisiopatológicos. O principal hormônio inibitório da secreção
Os AINE causam lesão gastroduodenal prin- ácida é a somatostatina produzida pelas célu-
cipalmente por que bloqueiam tanto a ciclo- las D. O ácido produzido, além de atuar dire-
xigenase 1 quanto a 2, levando à inibição da tamente sobre a mucosa, lesando-a, ativa o
produção de prostaglandinas, substâncias fun- pepsinogênio, levando à formação de pepsina,
damentais no controle da circulação em nível uma enzima proteolítica de alto poder lesivo
pós-epitelial. para a mucosa gastroduodenal.

Figura 17.1

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 81

ETIOLOGIA específica nem desenvolveram doença ulce-


rosa. O risco estimado para o desenvolvimento
Atualmente se reconhece que a maioria das de doença ulcerosa durante uma colonização
úlceras pépticas estão associadas à colonização persistente por H. pylori é de 5 a 15%, ou seja,
por H. pylori. Os estudos clínicos iniciais sobre três a oito vezes maior que o risco para pacien-
a associação entre o H. pylori e a doença ulce- tes que são negativos para H. pylori.
rosa relataram que aproximadamente 85% dos
A segunda principal causa é o uso de AINEs
pacientes com doença ulcerosa gástrica e 95%
(anti-inflamatórios não esteroidais). Outras
dos pacientes com doença ulcerosa duodenal
causas de destaque são por uso de drogas
estavam colonizados por H. pylori.
(crack/cocaína), uso de AAS, corticoterapia,
A maioria das pessoas que eram positivas para estado hipersecretivo (por exemplo, gastri-
H. pylori não apresentavam nenhuma queixa noma) e hérnia hiatal.

Figura 17.2

TIPOS DE ÚLCERA ÚLCERA GÁSTRICA

São três formas de apresentação da doença Representa 20% das úlceras pépticas, com H.
Pylori em 75%, porém com achado de neopla-
ulcerosa péptica: úlcera esofágica (discutido
sia em 10% dos casos, tendo como complica-
em DRGE), gástrico e duodenal.
ção mais comum a perfuração.

ÚLCERA DUODENAL São classificadas em cinco tipos:

• Tipos I – É a mais comum, localizada em


A úlcera duodenal é mais comum, ocorrendo pequena curvatura de antro e corpo dis-
em 95% dos casos no bulbo duodenal com H. tal. Tem hipo ou normocloridria;
pylori presente em 90% dos casos. • Tipo II – Localizada em antro distal e asso-
ciada à úlcera duodenal. Tem hipercloridia;
A associação é comum: 40% dos pacientes com
• Tipo III – Úlcera pré-pilórica. Tem hiper-
úlcera gástrica têm ou tiveram úlcera duodenal.
cloridia;
Associa-se com hipercloridria, com secreção • Tipo IV - Localizada em pequena curva-
diminuída de bicarbonato, aumento na secre- tura de corpo proximal. Tem hipo ou nor-
ção noturna e diurna de ácido. mocloridria;

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• Tipo V – Localizada em grande curvatura, e é associada a uso de medicações como AINEs.

Figura 17.3 - Úlcera gástrica.

Figura 17.4

QUADRO CLÍNICO A hemorragia é a complicação mais comum


observada clinicamente em cerca de 15 a 20%
Podemos classificar como: dos casos. Essa porcentagem se eleva quando
se incluem os pacientes que apresentam san-
1. Não complicada – Que corresponde a paciente
gramento oculto.
com síndrome dispéptica.
As úlceras de parede posterior de duodeno ten-
Os sintomas mais comuns associados são: epigas-
dem a ter sangramentos importantes devido às
tralgia (sintoma mais comum - 80 a 90%), empa-
lesões de ramos ou mesmo da própria artéria
chamento pós prandial e plenitude gástrica.
gastroduodenal. Clinicamente, a hemorragia do
2. Complicada – Apresenta-se como hemorra- tubo digestivo alto se expressa com hematê-
gia, perfuração ou obstrução. mese, melena ou hematoquezia.

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A pefuração é a complicação mais séria da sintomas passou a ter menor ênfase do que no
úlcera (em até 7% dos pacientes). As úlceras são passado. A endoscopia permite não apenas a
ditas perfuradas quando se estendem através caracterização da lesão, como a obtenção de
das paredes muscular e serosa, permitindo tecido para análise histopatológica.
comunicação entre a luz da víscera e a cavidade
As úlceras por estresse costumam ser superfi-
abdominal, e denomina-se penetrante quando
ciais, com bordas intensamente hiperemiadas,
é bloqueada pelas vísceras vizinhas.
bem definidas e abruptas. Diferem das úlce-
As úlceras localizadas em parede anterior e nas ras pépticas por não apresentarem indícios de
curvaturas geralmente perfuram em peritônio deformidade ou convergência de pregas, pela
livre, instalando-se o quadro de peritonite, intensidade do processo inflamatório perifé-
com toda a gama de manifestações próprias rico e pela rapidez com que cicatrizam quando
do abdome agudo. As úlceras de parede pos- da remissão da condição subjacente. Devido a
terior penetram, em geral, no pâncreas (úlcera essas características, a endoscopia é o exame
terebrante), originando quadro de pancreatite.
de escolha para o diagnóstico da úlcera péptica.
Nesses casos, a dor irradia-se para o dorso,
com caráter transfixante, ou para os flancos. As úlceras gástricas merecem maior atenção
na observação e descrição de suas caracterís-
Cerca de 60% das perfurações de úlceras pép-
ticas, já que podem estar associadas à maligni-
ticas localizem-se no duodeno, e o diagnóstico
dade. Câncer gástrico precoce pode se apre-
geralmente simples, em função da exuberân-
sentar como úlcera de aspecto benigno.
cia de sinais peritoneais, que surgem quando
o conteúdo visceral causa irritação química na Mais de 95% das úlceras duodenais encon-
superfície parietal do peritônio, traduzida por tram-se no bulbo, especialmente em sua
dor e contratura involuntária ao exame físico. porção mais proximal, sendo raramente
maiores que 1 cm. São habitualmente bem
A obstrução é a mais rara das complicações (1
a 2% dos pacientes), presente em geral durante delimitadas e por vezes alcançam a camada
a atividade da lesão. É comum a do tipo parcial muscular própria.
no duodeno e, em menor frequência, do piloro Atualmente, a classificação de Sakita é a
ou da região pré-pilórica. mais utilizada em nosso meio e divide os
A obstrução pode ocorrer por espasmos, pro- achados da lesão em três etapas: A (active),
cesso inflamatório e edema, hipertrofia mus- H (healing) e S (scar).
cular e/ou retração fibrosa. Na fase ativa, a úlcera atinge o seu maior diâ-
A estase gástrica é acompanhada de alteração metro, com acentuado depósito de fibrina em
da ritmicidade e da característica da dor, sín- sua base e borda bem delimitada, com forma
drome hipoestênica, náuseas e vômitos. usualmente arredondada ou ovalada. A fase
A1 é caracterizada pelo acentuado edema da
Quando a obstrução é secundária à fibrose, a
borda da úlcera, que é frequentemente ele-
tendência do quadro é agravar-se gradativa-
vada. Na fase A2 observam-se redução do
mente, e quando é por edema periulceroso,
edema e do perfil da borda, dando lugar à for-
os sintomas surgem repentinamente, durando
poucos dias e recrudescendo com a terapêutica. mação de halo enantemático, podendo haver
discreta convergência de pregas.

DIAGNÓSTICO Na fase de cicatrização H1, observa-se dimi-


nuição do diâmetro da base, habitualmente
Com a difusão da endoscopia digestiva na inves- com adelgaçamento do depósito fibrinoso e
tigação da dispepsia, o diagnóstico baseado em marcada convergência de pregas. Na fase H2,

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as alterações cicatriciais são mais evidentes e a 1. Cuidados dietéticos - cessar álcool e fumo,
base da úlcera frequentemente assume forma evitar alimentos que reproduzam sintomas;
linear ou estrelada, preservando discreto 2. Drogas antissecretoras - inibidor de bomba
depósito de fibrina. de próton, por exemplo, omeprazol, por 4-6
O estádio S1 é caracterizado pela ausência de semanas (alguns pacientes até 12 semanas)
com intuito de controle de sintomas e cica-
base com fibrina, dando lugar à área deprimida
trizar a úlcera;
linear com intenso enantema. A cicatrização se
completa na fase S2 com redução do enan- 3. Erradicação do H. Pylori, se presente (o trata-
tema, aspecto esbranquiçado da linha cicatri- mento de primeira Linha é Amoxacilina 1g,
cial, correspondendo à reparação epitelial. 2 vezes ao dia, + Claritromicina 500 mg, 2
vezes ao dia, +Omeprazol 20 mg, 2 vezes ao
Classificação das úlceras pépticas dia, por 14 dias);

Fases Descrição da úlcera 4. Drogas pró-cinéticas - se sintomas predomi-


Base recoberta por fibrina espessa, com restos nantes de retardo de esvaziamento gástrico
necróticos ou depósito de hematina. Bordas (domperidona, bromoprida).
A1 bem definidas, a pique, escavadas, edemacia-
das, com hiperemia; geralmente não há con- Se refratário ao tratamento clínico com persis-
vergência de pregas para a lesão
tência dos sintomas e da úlcera recomenda-se
Base limpa e clara, recoberta por fibrina; bor
a abordagem cirúrgica.
das bem definidas, regulares, sem edema; halo
A2 das bem definidas, regulares, sem edema; halo As opções de cirurgia para refratariedade clí-
de hiperemia em torno. Pode apresentar con-
vergência de pregas nica são:
Superficial; fina camada de fibrina na base; • Vagotomia: indicada nas úlceras com hiper-
H1
hiperemia; nítida convergência de pregas
cloridria (tipo II, III e duodenal). Pode ser
Semelhante à fase anterior, com camada de
H2
fibrina mais tênue no centro da área deprimida
troncular (que necessita de piloroplastia),
“Cicatriz vermelha” - nítida convergência de
seletiva ou superseletiva (mais recidiva);
S1 pregas em tecido deprimido, hiperemiado, sem • Antrectomia com vagotomia: procedimento
depósito de fibrina mais mórbido, mas com menos recidiva.
“Cicatriz branca” - área ou linha esbranquiçada
S2 recoberta por mucosa; convergência de pre-
gas; ausência de hiperemia

Tabela 17.1

Figura 17.5

TRATAMENTO
Nas formas não complicadas é recomendado: Figura 17.6

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 85

dupla, ou seja, a combinação de dois dos três


métodos endoscópicos (método de injeção,
térmico ou mecânico).

A abordagem cirúrgica, com ligadura do


vaso sangrante, é indicada se falha da EDA
ou sem condições clínicas para EDA, ou se
houver recidiva após uma segunda interven-
ção endoscópica.

2. Perfuração: Tratamento é através da abor-


dagem cirúrgica, com ráfia da úlcera com uso
de manobra do tampão de Graham (sobre-
posição de segmento de omento sobre a
ráfia da úlcera).

Se úlcera gástrica, deve-se realizar biópsia


das paredes da úlcera para análise pelo risco
de ser neoplasia.
Figura 17.7 3. Obstrução: Quando por fibrose, o trata-
Nas formas complicadas o tratamento varia de mento necessita de abordagem cirúrgica
acordo com o tipo de complicação. com piloroplastia.

1. Hemorragia: Tratamento é através de hemos- Quando por edema, tem bons resultados
tasia por endoscopia, sendo ideal a terapia com tratamento clínico.

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18
CAPÍTULO 18
HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA

A hemorragia digestiva é uma emergência sangramentos pelas varizes esofágicas e gás-


comum, com expressivas taxas de morbidade tricas, que resultam mortalidade de 25-30%.
e mortalidade.
Causas frequentes de HDA
Entende-se por hemorragia digestiva toda perda
Úlcera péptica 50%
sanguínea que ocorre da boca ao ânus. Define-
Erosões gástricas 23-25%
-se como Hemorragia Digestiva Alta (HDA),
Síndrome de Mallory-Weiss 5-15%
todo sangramento que ocorre no território
Varizes por hipertensão portal 10-20%
do tubo digestivo acima do ângulo de Treitz
Malformações arteriovenosas 7%
(flexura duodenojejunal). Trata-se de uma das
Tabela 18.1
causas mais frequentes de atendimentos de
urgência nos prontos-socorros. Sua incidência
Causas raras de HDA
varia de 50 a 160 casos por 100 mil habitantes/
Pólipos gástricos
ano; só nos Estados Unidos, a prevalência da
Gastropatia hemorrágica e erosiva
HDA é de, aproximadamente, 170 casos por 100
Fostula aortodigestiva
mil adultos, por ano, com um custo total esti-
Divetículo (esôfago-estômago-duodeno)
mado em 750 milhões de dólares.
Tumor gástrico benigno (leiomiomas)
Sua mortalidade varia muito de acordo com Tumor duodenal maligno
as causas do sangramento (5 a 20% de morta- Pseudocisto de pâncreas - Wirsungrafia
lidade geral). É duas vezes mais incidente em Esofagite de refluxo
homens do que em mulheres, cerca de metade Discrasias sanguíneas
dos casos ocorre em pessoas com mais de 60 Sepse
anos de idade. Uremia
Hemobilia
Doença de Osler-Weber-Rendu (teleangiectasia
ETIOLOGIA hemorrágica hereditária)
Tabela 18.2
Em cerca de 80% dos casos de hemorra-
gia digestiva alta se dá por úlcera péptica,
varizes de esôfago ou síndrome de Mallory-
-Weiss.
QUADRO CLÍNICO
A causa mais comum de HDA são as úlceras O quadro clinico é caracterizada por epigastral-
gástricas e duodenais, 35%. Em seguida são os gia, hematêmese (50%) e melena (80%).

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 87

O sangramento agudo gera hipotensão, taqui- hepatoesplenomegalia, ascite, aranhas vascu-


cardia e palidez muco-cutânea, e em casos gra- lares, circulação colateral, eritema palmar e
ves, choque e FMOS. massas abdominais.

O hematócrito costuma baixar em 1 a 3 dias Na avaliação inicial do paciente deve-se fazer


desde o início do sangramento. a aferição da pressão arterial e da frequência
cardíaca, diurese, frequência respiratória e
Na anamnese é importante levar em conta os
nível de consciência para estimar o volume
antecedentes de úlcera péptica, uso de medi- de sangramento e estadiar conforme a clas-
camentos (ácido acetilsalicílico, outros anti-in- sificação de choque hemorrágico do Colé-
flamatórios não esteroides), hipertensão por- gio Americano de Cirurgiões. Pacientes
tal, sangramento digestivo prévio e vômitos com choque grau I e II, têm bom prognós-
persistentes. No exame físico, deve-se pesqui- tico, sem necessidade de transfusão. Já os
sar a presença de lesões vasculares cutâneas pacientes com choque grau III e IV necessi-
ou mucosas, sinais de doença hepática crônica, tam frequentemente de hemotransfusão.

Perda estimada Pressão


Classe FC (bpm) PA (mmHg) FR (irpm) Sensório
de sangue Pulso
I < 750 ml (15%) < 100 Normal Normal 14-20 Ansiedade leve
II 750-1500 ml (15-30%) 100-120 Normal Reduzida 20-30 Ansiedade moderada
III 1500-2000 ml (30-40%) 120-140 Reduzida Reduzida 30-40 Ansioso e/ou confuso
IV > 2000 ml (> 40%) > 140 Reduzida Reduzida > 35 Comatoso, letárgico
Tabela 18.3

TRATAMENTO O recomendado é infusão de omeprazol


em bolus de 80 mg, seguido por 40 mg EV 12/12
O manejo inicial é a tentativa de estabilização
horas, devendo manter o IBP IV em altas doses
que inclui rotina ATLS, objetivando:
por 72 horas nos casos de UP com Forrest IA,
• Avaliar perviedade da via aérea, visto IB, IIA e IIB.
que alguns pacientes podem evoluir com A antibioticoprofilaxia é recomendada nos
insuficiência respiratória por aspiração pacientes cirróticos para evitar peritonite bac-
de sangue; teriana espontânea, sendo utilizada ceftria-
• Obter dois acessos periféricos calibrosos. xona intravenosa (1g/dia) por 7 dias ou cipro-
A ressuscitação volêmica é feita com infusão floxacino 400 mg intravenoso, 2 vezes ao dia,
de soluções cristaloides com meta de PAS por 7 dias.
(pressão arterial sistólica) de 90 a 100 mmHg e Ainda nos pacientes cirróticos que apresen-
FC (frequência cardíaca) menor que 100 bpm. tam HDA varicosa é recomendada a infusão de
A hemotransfusão tem como meta a manu- droga vasoativa com intuito de vasoconstric-
tenção de Hb sérico >7 g/dL, devendo evitar ção esplâncnica. As opções são o octreotide e
transfusão liberal por se associar com mais a terlipressina (melhor se Insuficiência renal).
complicações. A endoscopia deve ser realizada dentro de 24
A administração endovenosa precoce de IBP horas, pois permite o diagnóstico, a hemostasia
é recomendada, com o IBP antes da EDA dimi- e a classificação de risco de ressangramento.
nui a necessidade de intervenção endoscópica, Nos pacientes com sangramento por úlcera
porém não reduz ressangramento, necessi- péptica, o endoscopista pode estratificar o
dade de cirurgia ou mortalidade. achado pela classificação de Forrest.

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88 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

Tipo de lesão Ressangramento


Sangramento ativo
IA Sangramento em jato 100%
IB Sangramento0 em porejamento 55% (17-100%)
Sangramento recente
IIA Vaso visível 43% (8-81%)
IIB Coágulo aderido 22% (14-36%)
IIC Mancha de hematina plana 10% (0-13%)
Sem sinais de sangramento
III Úlcera com fundo limpo 5% (0-10%)
Tabela 18.4 - Classificação de Forrest.

Figura 18.1 - Classificação de Forrest.

As úlceras Forrest Ia, Ib ou IIa são um fator A monoterapia não é recomendada, devendo
de risco isolado para ressangramento, neces- se associar dois métodos.
sitando intervenção endoscópica. O mais
Em caso de recidiva de sangramento após
comum são as úlceras IIc ou III, presentes em
terapia endoscópica inicial, uma segunda EDA
mais de 50%, não tendo benefício no uso de
pode ser realizada com método terapêutico
terapia endoscópica.
diferente do utilizado antes.
Nas úlceras IIb a terapia endoscópica é contro-
versa, uma vez que a terapia intensiva com IBP Se sem sucesso na nova tentativa de endosco-

de forma isolada possa ser suficiente. pia, deve-se proceder com medidas de resgate
que variam conforme etiologia:
O tratamento endoscópico pode ser dividido
em métodos de: 1. HDA não varicosa: indicada cirurgia com liga-
dura do vaso sangrante.
• Injeção;
• Térmicos; 2. HDA varicosa:

• Mecânicos. • Balão de Sengstaken–Blakemore;

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 89

• TIPS (derivação intra-hepática portos-


sistêmica transjugular).
• Cirurgia:
• Esplenectomia com desconexão
ázigo-portal nos pacientes com
esquistossomose;
• Derivação porta-cava nos pacientes
com hipertensão portal e cirrose.

VARIZES DE ESÔFAGO
Quando avaliamos os pacientes com hepatopa-
tia crônica, cerca de 30% daqueles com doença
compensada e 60% dos com doença descom-
pensada apresentam varizes gastroesofágicas.

Cerca de 30% desta população irá sangrar em


algum momento da evolução da doença, sendo
que a taxa de ressangramento destes pacien-
tes em um ano é de 70%. A mortalidade dos Figura 18.2

pacientes com sangramento é de 30% a 50%.

A hipertensão portal ocorre com pressão


LESÃO DE DIEULAFOY
acima de 5 mmHg, e o nível crítico de pres-
são é quando o gradiente de pressão venosa A lesão de Dieulafoy é caracterizada por uma
portal for superior a 12 mmHg. artéria anômala, calibrosa, na submucosa
da parede do trato gastrointestinal, asso-
O tratamento endoscópico engloba duas
ciada a um pequeno defeito na mucosa, que
modalidades: escleroterapia endoscópica
pode erodir e se manifestar como sangra-
(EE), onde uma série de substâncias podem ser
mento digestivo, frequentemente de vulto.
utilizadas para esclerosar o endotélio vascular
(etanolamina 2,5-5%, tetradecilsulfato de sódio Sua incidência varia entre 0,3 e 6,7% das
1-3%, polidocanol 0,5%-1%, morruato de sódio causas de hemorragia gastrointestinal. No
5%) e ligadura elástica (LE) por estrangula- entanto, na ausência de sangramento ativo ou
mento do vaso varicoso. de estigmas de sangramento recente, essas
lesões podem não ser diagnosticadas e contri-
Quando o sangramento for de varizes, se a buir para que essa incidência seja subestimada.
EDA não estiver prontamente disponível ou o
tratamento farmacológico e endoscópico não Ocorre mais comumente no estômago proxi-
apresentar sucesso, pode ser colocado balão mal, grande curvatura para a face posterior,
de Sengstaken-Blakemore como método entre 61 a 82%, predominando a cerca de 6
temporário de hemostasia, permitindo que cm da junção gastroesofágica, mas lesões
semelhantes têm sido descritas no antro, esô-
a equipe otimize os recursos ou transfira o
fago, duodeno, jejuno, ceco, cólon e reto.
paciente para outra unidade. Possui eficácia
de cerca de 70 a 90% no controle do episódio Do ponto de vista histológico, são caracteri-
agudo, mas até metade dos casos volta a san- zadas como um vaso hipertrófico, sem pro-
grar após a retirada do dispositivo. cesso inflamatório ou ulceração da mucosa

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adjacente. A apresentação típica é de um HEMOBILIA


homem (homem/mulher = 2/1) de idade
mais avançada, com várias comorbidades, A hemobilia consiste na comunicação entre a
com hematêmese súbita e maciça, melena e árvore biliar e o sistema vascular. As causas
instabilidade hemodinâmica. mais comuns incluem traumatismo, cálcu-
los biliares, colecistite, abscessos hepáticos,
O procedimento diagnóstico de escolha é a
lesão após biópsia hepática, rompimento
endoscopia digestiva alta com sucesso entre
de aneurismas da artéria hepática e da veia
49 e 92%. Contribuem para o baixo índice de
porta e neoplasias.
diagnóstico endoscópico a presença de grande
quantidade de sangue na luz do órgão, locali- O quadro clássico de hemorragia digestiva acom-
zação das lesões em áreas de difícil acesso, o panhado de cólica biliar e icterícia deve levar à
tamanho das lesões, a falta de suspeita da LD suspeita diagnóstica (tríade de Sandblom).
quando o sangramento não for ativo ou não
O diagnóstico pode ser realizado pela endos-
houver estigmas de sangramento e até falta de
conhecimento médico a respeito delas. copia, com a visualização de sangramento
oriundo da ampola de Vater, ou angiotomogra-
Com o advento da endoscopia e das técnicas
fia com evidência de blush arterial em meio ao
de terapêutica endoscópica na hemorragia
parênquima hepático.
digestiva, essas passaram a ser o tratamento
de escolha em LD, com uma taxa de sucesso O tratamento de escolha consiste na emboliza-
de mais de 90%, com recidiva de 11 a 22%, mas ção seletiva angiográfica.
com redução significativa do número de hemo-
transfusões e da mortalidade.
FÍSTULA AORTOENTÉRICA
Pode ocorrer em áreas onde há linha de sutura
ANGIODISPLASIAS de anastomoses gastrointestinais próximas
São mais comuns em pacientes idosos ou aos vasos calibrosos ou em pacientes que são
naqueles que possuem síndromes congê- submetidos à colocação de próteses aórticas.
nitas ou telangiectasia hemorrágica here-
Devido ao grande volume sanguíneo envolvido
ditária (síndrome de Osler-Weber-Rendu).
nesse tipo de fístula, o quadro costuma ser
Procedimentos mais agressivos novamente
dramático em virtude da hemorragia maciça,
são exceção, pois geralmente são sangramen-
sendo o tratamento cirúrgico de emergência a
tos de pequeno porte com quadros hipovolê-
única opção.
micos leves.
Devido ao processo infeccioso local junto às
A parada do sangramento promovida pela
próteses é necessária a remoção dessas, deven-
endoscopia digestiva alta, seja por meio da
do-se, portanto, promover novamente a vascu-
injeção de substâncias esclerosantes ou até
larização distal por meio de derivação extra-a-
mesmo da ablação da lesão, acompanha-se
natômica, além do fechamento da fístula.
de índices de sucesso próximos a 100%.

Nos raros casos em que a técnica endoscópica


falha, ou quando o sangramento ocorre por
PSEUDOCISTO PANCREÁTICO E
inúmeras lesões, a ressecção pode ser neces-
sária, e a gastrectomia total é indicada nos
PSEUDOANEURISMA
casos em que há lesões sangrantes difusas São vários os mecanismos envolvidos na etio-
por todo o estômago. patogenia da HDA nos casos de pancreatite.

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 91

O processo inflamatório autodigestivo nesses ÚLCERA DE CAMERON


casos pode promover lesões na parede de
São erosões ou úlceras da mucosa gástrica em
artérias pancreáticas ou naquelas próximas ao
pacientes portadores de hérnia hiatal volumosa.
pâncreas, como esplênica, pancreaticoduode-
nal e gastroduodenal, levando à formação de A forma de apresentação mais comum é de
pseudoaneurisma. anemia ferropriva por sangramento crônico,
entretanto pode apresentar-se com hemorra-
A presença da HDA ocorre quando ele rompe gia digestiva alta aguda.
para dentro do estômago, duodeno ou, menos
A etiologia não é bem definida, e as hipóteses
habitualmente, para o ducto pancreático
relacionadas são a isquemia, o refluxo ácido e
(hemosuccus pancreaticus).
o traumatismo mecânico.
Outro mecanismo de sangramento ocorre
O tratamento é clínico, por meio da administra-
quando um pseudocisto promove erosão de
ção de bloqueadores de bomba de prótons e,
estrutura adjacente, promovendo sangra-
se falhar, deverá ser considerado o tratamento
mento para o interior do estômago ou duo-
operatório, geralmente para correção de hér-
deno e consequentemente HDA, a qual na nia hiatal.
maioria das vezes é de grau leve.

Uma vez suspeitando-se de HDA causada


por pseudocisto ou pseudoaneurisma pan- SANGRAMENTO DIGESTIVO DE
creático, a tomografia é o exame de eleição, ORIGEM OBSCURA
definindo o diagnóstico e permitindo ava-
A hemorragia digestiva média tem origem entre
liação anatômica que ajudará na estratégia
o ângulo de Treitz e a válvula ileocecal. Frequen-
terapêutica. temente apresenta-se como hemorragia obs-
O tratamento cirúrgico nesses casos é muito cura, que é definida como hemorragia com ori-
difícil, não só pela distorção anatômica, como gem no trato gastrointestinal aguda ou crônica,
também pelo difícil acesso aos vasos próximos cuja causa é desconhecida após realização de
do pâncreas, em virtude do processo inflama- endoscopia digestiva alta e colonoscopia.
tório causado pela pancreatite. Neses casos, o O método diagnóstico ideal para esclareci-
tratamento é feito pela embolização com a mento do foco hemorrágico não está definido,
oclusão da artéria acometida. devendo ser avaliado caso a caso. A recomenda-
ção inicial é repetir a endoscopia alta e colonos-
copia para reavaliar possível lesão sangrante
ESTÔMAGO EM MELANCIA que possa ter passado despercebida no exame
inicial, aumentando significativamente a sensi-
Corresponde à ectasia vascular de antro gás-
bilidade da investigação com essa estratégia.
trico. Acomete indivíduos idosos por volta dos
70 anos de idade. Porém, visto a limitação anatômica, os exames
endoscópicos convencionais (esofagogastro-
O tratamento é feito através da EDA com duodenoscopia e colonoscopia) não estabele-
emprego de métodos de termocoagulação, cem o diagnóstico do sangramento de origem
com o laser e, mais recentemente, ligadura obscura.
elástica.
As lesões de intestino delgado são, em geral,
Na falha do tratamento, a gastrectomia parcial identificadas por cápsula endoscópica ou ente-
deve ser considerada. roscopia, sendo o método escolhido de acordo

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92 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

com os recursos disponíveis na instituição e do tolerância maior, habilidade de visualização de


status clínico do paciente. todo o intestino delgado e para determinar a
rota inicial da enteroscopia, se anterógrada ou
Vários trabalhos em diferentes centros compa-
retrógrada.
raram a porcentagem diagnóstica entre cáp-
sula endoscópica e enteroscopia com duplo Na vigência de sangramento com instabilidade
balão, e demonstraram semelhança nos resul- hemodinâmica, a angiografia é o método de
tados diagnósticos, devendo-se utilizar a cáp- escolha, devendo antes ser realizada angioto-
sula inicialmente, por não ser invasiva, com mografia para orientar a topografia da lesão.

Figura 18.3 - Fluxograma no atendimento de paciente com HDA.

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19
CAPÍTULO 19
CÂNCER DE ESTÔMAGO

O câncer gástrico é o quarto tipo mais comum neutrófilos são eventos suspeitos de potencial
de câncer e a terceira causa mais frequente de carcinogênico.
morte no mundo, sendo responsável por 10%
Condições que intercorrem com teor de ácido
do total de casos de óbito do planeta. clorídrico diminuído no estômago, como a gas-
A forma mais comum é o adenocarcinoma trite crônica e a anemia perniciosa, estão
em 95% dos casos, sendo outras neoplasias associadas com maior risco de câncer gástrico.
comuns o GIST, tumor neuroendócrino e lin- A gastrite crônica cursa com extensa metapla-
foma gástrico. sia intestinal da mucosa gástrica, que constitui
a base para as alterações displásicas e, no longo
Tem tendência de redução da incidência,
prazo, induzem o aparecimento do carcinoma
sendo mais comum em negros e nos homens,
gástrico do tipo intestinal de Lauren. Os porta-
em uma proporção 2:1, com pico de incidência
dores de anemia perniciosa oriunda de atrofia
entre 50-70 anos de idade.
de mucosa gástrica (que é substituída por meta-
Classicamente se descreve como mais comum plasia de mucosa intestinal) têm prevalência de
o acometimento de lesões distais do estômago, adenoma e carcinoma gástricos três a quatro
mas há uma elevação de casos de lesões proxi- vezes maior que a população normal.
mais, principalmente de cárdia.
Tem-se demonstrado a participação de
vários genes na carcinogênese gástrica, seja
por mutação (ras, APC, p53), deleção (APC,
FATORES DE RISCO p53, DCC, E-caderina), transcrição anormal
Os principais fatores de risco: dieta com baixo (CD44) ou amplificação (erbB, C-erbb2, K-sam,
teor de proteína, operação gástrica prévia (Bill- c-met). Mutações do gene p53 estão entre as
roth II principalmente), infecção pelo Helicobacter mais comumente encontradas nos tumores
pylori, pólipos adenomatosos e tabagismo. humanos. O gene p53 atua no ciclo celular,
interrompendo a divisão celular e estimulando
Com a infecção pelo H. pylori, o micro-orga-
a apoptose quando há um dano no DNA celular
nismo passa a ser fonte de inflamação ativa,
durante a replicação. É, por isso, denominado
durando décadas se não erradicado. Embora
o guardião do genoma.
os efeitos do micro-organismo sobre o micro-
ambiente da cavidade gástrica não sejam Etiologia e fatores de risco

completamente entendidos, um aumento da Alimentos defumados ou compostos de nitrosamina


Dieta pobre em proteínas e vitaminas
replicação celular e uma constante atração dos

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94 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

Etiologia e fatores de risco O tipo difuso apresenta-se com padrão infiltra-


tivo, acomete mais mulheres em idade jovem,
Fumo: (1,5-3%) e álcool
do tipo sanguíneo A, e está associado à pre-
Fator genético: Grupo sanguíneo A (10-20% maior
sença de células em anel de sinete, que demar-
que a população geral)
cam um pior desfecho no tratamento.
Anemia perniciosa: (20 vezes mais que a população
O tipo intestinal é um tumor mais diferenciado,
geral)
acomete mais homens, em especial idosos, e
Acloridria e gastrite atrófica evolui principalmente de lesões pré-malignas.
Pólipos gástricos (pólipos adenomatosos - ocorrên-
cia no estômago de 10-20%: pólipos > 2 cm, 40% de
CLASSIFICAÇÃO MACROSCÓPICA
risco de malignização: pólipos < 2 cm, 1,5% de risco

Gastrite atrófica crônica: embora associada com Para classificação macroscópica destaca-se
câncer gástrico, parece não ser condição precursora a classificação de borrman e classificação da
direta sociedade japonesa de endoscopia digestiva,
Úlcera gástrica crônica: risco menor que 1% de esta última voltada para os casos de câncer
desenvolver carcinoma. Não é considerada como gástrico precoce.
fator de risco real
Cirurgia gástrica prévia: as ressecções gástri- CLASSIFICAÇÃO DE BORRMAN
cas para doença benigna estão associadas com
o aumento do risco de câncer gástrico, principal- I. Lesão polipoide ou vegetante, bem delimitada;
mente associado à cirurgia Bilroth II (gastrectomia II. Lesão ulcerada, bem delimitada, de bordas
com anastomose jejunal). Risco de 5% geralmente elevadas;
após 15 anos da cirurgia inicial. A etiologia provável
parece estar associada à gastrite crônica secundária
III. Lesão ulcerada, infiltrativa em parte ou em
Helicobacter pylori - 60-80% dos casos de câncer
todas as suas bordas. É a forma mais comum;
gástrico estão associados à Helicobacter pylori e IV. Lesão difusamente infiltrativa, não se notando
parece que o papel da bactéria estaria asso- limite entre o tumor e a mucosa normal, com
ciado ao seu potencial inflamatório, levando pior prognóstico;
à proliferação epitelial, ao erro mitótico, à
V. Não se encaixa nas outras classificações.
mutação celular e, finalmente, ao câncer. Os
portadores de Helicobacter pylori com CagA
(proteína associada com citotoxidade) apre-
sentam maior risco
Tabela 19.1

CLASSIFICAÇÃO
ANATOMOPATOLÓGICA

CLASSIFICAÇÃO MICROSCÓPICA Figura 19.1 Classificação de Borrmann

A classificação microscópica mais utilizada é a QUADRO CLÍNICO


de Lauren, onde o adenocarcinoma do estô-
mago pode ser subdividido em dois tipos: o A queixa clínica é relacionada aos sintomas
difuso e o intestinal. do trato digestivo alto (plenitude gástrica,

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 95

sangramento digestivo alto ou baixo, náusea e DIAGNÓSTICO


vômitos), ou a sintomas constitucionais (perda
de peso, anorexia e astenia). O paciente deve ser submetido à endoscopia
digestiva alta, pela qual será realizada biópsia
Tumores proximais envolvendo a junção gas-
de lesões suspeitas.
troesofágica frequentemente se apresentam
com disfagia.
ESTADIAMENTO
Tumores distais antrais podem se apresentar
como uma obstrução do trato de saída. É realizado com tomografia computadorizada
Até 15% dos pacientes podem desenvolver hema- de tórax, abdome e pelve com contraste, que
têmese, e 40% dos pacientes estão anêmicos. tem sensibilidade para acometimento linfono-
dal de 65-97%.
Sinais clínicos de doença avançada são ascite,
linfonodo de Virchow (linfonodomegalia supra- A TC tem boa sensibilidade para avaliar lesões
clavicular esquerda), Nódulo da irmã Maria José com extensão além da serosa, porém com
(metástase cutânea periumbilical), prateleira baixa sensibilidade para lesões precoces, que
de Blumer (Implantes peritoneais no fundo de tem como melhor exame a ultrassonografia
saco de Douglas). endoscópica.

Câncer de estômago por estágio patológico

Tis: Carcinoma in situ


T1: Tumor invade a lâmina própria ou submucosa
T1a: Tumor invade a mucosa ou lâmina própria
T1b: Tumor invade a submucosa
T2: Tumor invade a muscular própria
T3: Tumor invade a subserosa
T4: Tumor perfura a serosa (T4a) ou invade estraturas adjacentes (T4b).
N0 Sem metástase linfonodal
N1 de 1 a 2 linfonodos acometidos
N2 de 3 a 6 linfonodos acometidos
N3 mais de 7 linfonodos acometidos
M0 Sem metástase à distância
M1 Metástase à distância

Tabela 19.2

TRATAMENTO A opção é pelo tratamento com quimiotera-


pia neoadjuvante, e em seguida indicada a
1. Pacientes sem linfonodo acometido e sem gastrectomia (total ou parcial a depender da
invasão da serosa (T1/T2N0) localização da lesão).

A opção é pela abordagem cirúrgica como A Qt neoadjuvante tem intuito de promover


tratamento, sendo realizada a gastrectomia Dowstaging tumoral, aumentar a chance de
(total ou parcial a depender da localização ressecção R0.
do tumor) e com linfadenectomia D2. A abordagem cirúrgica deve responder
2. Pacientes com linfonodo acometido ou inva- alguns princípios:

são da serosa em diante (T3/T4, N+) • Margem de 5 cm proximal e distal;

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• Linfadenectomia D2 e omentectomia; A gastrenteroanastomose é utilizada quando


• Ressecção de órgãos adjacentes, se neces- há obstrução do piloro.
sário. Na impossibilidade da realização da gastroen-
teroanastomose opta-se pela jejunostomia,
CRITÉRIOS DE RESSECABILIDADE para manter a nutrição do paciente se ainda
houver intuito de tratamento oncológico.
A abordagem cirúrgica deve ser indicada respei-
tando critérios clínicos, anatômicos e biológicos.
PROGNÓSTICO
Pacientes com boa performance status (ECOG
0 ou 1) tem boas condições de suportar o tra- A taxa de sobrevida em 5 anos depende do
tamento. Já os pacientes com ECOG 2 ou mais envolvimento ou não de gânglios linfáticos
devem ser discutidos com equipe multidiscipli- adjacentes. Caso haja envolvimento desses lin-
nar para se avaliar o risco/benefício e a possi- fonodos, a taxa de sobrevida em 5 anos fica em
bilidade de tratamento paliativo para controle torno de 15%.
dos sintomas.
As taxas de recorrência após a gastrectomia
Do ponto de vista anatômico deve-se avaliar permanecem em alta, variando de 40 a 80%,
através dos exames de imagem pré-opera- com a maior parte das recorrências sendo
tórios a relação do tumor com as estruturas documentadas nos primeiros 3 anos.
adjacentes. Ainda que se perceba a invasão
Os locais mais comuns de recorrência locorre-
por contiguidade de órgãos como fígado ou
pâncreas, é possível a ressecção multivisceral, gional são o remanescente gástrico na anasto-
porém com pior desfecho. Nesse contexto é mose e no leito gástrico e nos linfonodos regio-
comum a realização de tratamento neoadju- nais, e os locais mais comuns de metástase são
vante em que é possível a regressão da lesão, o fígado, pulmão e osso.
no entanto há progressão da lesão durante o
tratamento quimioterápico, e a abordagem PACIENTE COM CÂNCER
cirúrgica pode ser fútil. GÁSTRICO PRECOCE
Carcinomas são considerados irressecáveis se
São pacientes com adenocarcinoma que infil-
houver evidência de envolvimento peritoneal
tra até no máximo a submucosa, independente
ou metástases à distância, ou doença local-
do acometimento linfonodal (T1, qualquer N).
mente avançada, com invasão de estruturas
vasculares. Tem baixa incidência no Brasil visto ausência de
programas de rastreio, sendo o mais comum
em países como Chile e Japão.
TRATAMENTO PALIATIVO
Muitos pacientes são assintomáticos, sendo o
A paliação tem como objetivo diminuir os sinto- diagnóstico realizado quando é feita a endos-
mas e o desconforto do paciente. copia digestiva de rastreio.
Nos pacientes sem possibilidade de trata- Para esse quadro é indicada avaliação macros-
mento cirúrgico curativo, é indicado, em geral,
cópica através das orientações da Sociedade
quimioterapia paliativa.
Japonesa de Endoscopia Digestiva, observando
Em situações de complicação pelo tumor é pas- maior chance de disseminação linfonodal nas
sível realização de tratamento cirúrgico. lesões com forma ulcerada.

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 97

Classificação da sociedade japonesa de


endoscopia digestiva

Tipo I – tipo protruso, que se apresenta como


crescimento nodular ou papilar.

Tipo II – ainda subdividido em:

IIA. Aparece como elevação plana, que causa


espessamento discreto da mucosa nor-
mal duas vezes ou mais;

IIB. Aparece como lesão plana no nível da


mucosa não neoplásica;

IIC. Apresenta-se como plano, superficial e dis-


cretamente deprimido. Figura 19.4 Lesão tipo IIA (plana elevada)

Tipo III – caracteriza-se por escavações seme-


lhantes às úlceras, que podem ser tomadas por
úlceras benignas.

Existem formas macroscópicas combinadas,


das quais as mais frequentes são o IIc + III e o
IIa + IIc.

Figura 19.5 LESÃO IIb (plana)

Figura 19.2 Câncer gástrico precoce

Figura 19.6

Na suspeita de neoplasia precoce é recomen-


dado, além da tomografia de tórax e abdome,
a ultrassonografia endoscópica, método mais
específico para avaliar acometimento da
Figura 19.3 Lesão tipo I (elevada) parede gástrica, com alta acurácia.

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Figura 19.7 Representação esquemática das camadas ecográficas da parede gástrica. EUS: ultrassonografia endoscópica

Figura 19.8 Ecoendoscopia mostrando imagem de tumor infiltrante (T) no fundo gástrico, que penetra todas as paredes do estômago.

É possível a realização de ressecção endoscópica dos pacientes com câncer gástrico precoce
como tratamento curativo, devendo respeitar alguns critérios: tumor <2 cm, com lesão bem dife-
renciada, não ulcerada, sem invasão angiolinfática ou perineural e sem acometimento linfonodal,
observando sobrevida de 90% em 5 anos.

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20
CAPÍTULO 20
GIST

Os GISTs originam-se primariamente das célu- GIST. Essa mutação causa estímulo à prolife-
las de Cajal na musculatura do trato gastroin- ração celular sem controle. Em torno de 4%
testinal, e representam os tumores mesenqui- não expressam a proteína Kit, observando-se
mais mais frequentes do tubo digestório e 50% mutação em outro receptor tirosina quinase
de todas as lesões submucosas observadas com atividades semelhantes ao Kit, denomi-
durante endoscopia digestiva alta ou baixa. nado de Receptor do Fator de Crescimento Ati-
É um tumor gastrointestinal raro, que acomete vado Plaquetário (PDGFRa).
especialmente o estômago, potencialmente Em alguns casos são associados às síndromes
maligno, mas de comportamento benigno em genéticas:
80% dos casos.

As células intersticiais de Cajal são conside-


radas geradores de atividade espontânea de GIST FAMILIAR
marca-passo para o músculo intestinal, sendo
O padrão de herança é autossômico dominante.
responsáveis pela motilidade intestinal, apre-
Identificou-se mutação no KIT e do PDGFRα.
sentando características tanto de músculo liso
quanto de diferenciação neural, expressando o
receptor KIT (CD117).
TRÍADE DE CARNEY
Jovens mulheres que apresentam paraganglio-
EPIDEMIOLOGIA mas extra-adrenais funcionantes, condromas
pulmonares e lesões submucosas do estômago.
Representa 80% dos tumores mesenquimais do
trato digestivo e 5% de todos os sarcomas. É mais
comum no estômago (70%), seguido pelo intes-
tino delgado (20-30%), intestino grosso (10%) e NEUROFIBROMATOSE
outros locais da cavidade abdominal (5%). Seis a 9% dos casos apresentam mutações no
Tem incidência semelhante entre homens e KIT e/ou PDGFRα.
mulheres, ocorrendo entre 40 - 70 anos de
idade, com o dobro da incidência em negros.
QUADRO CLÍNICO
A apresentação clínica é muito variada. Mui-
ETIOPATOGENIA tos são assintomáticos (69%), com diagnósti-
Está associado às mutações do KIT, que estão cos ocasionais obtidos por métodos radioló-
presentes em até 96% dos pacientes com gicos e ou endoscópicos. Quando localizados

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100 GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO.

no delgado é mais fácil observar quadros A tomografia é primordial para avaliação do


suboclusivos. tumor e seu estadiamento. A ressonância pode
ser utilizada, apesar da TC ser eficaz.
Em 33% apresentam quadro de anemia crô-
nica de padrão ferroprivo, devido à hemorra-
gia digestiva visível ou oculta, e dor abdominal
ocorre em 19%.

Existem casos ainda relatados de pacientes


que se apresentam com hipoglicemia devido à
síndrome paraneoplásica com produção pelo
tumor de fator de crescimento semelhante à
insulina (IGF II).

Outras manifestações podem estar presen-


Figura 20.1. Lesão subepitelial em antro gástrico. Paciente com GIST gástrico
tes no GIST familiar, como hiperpigmentação
cutânea na face, no períneo, no pescoço, nos
dedos das mãos, nas axilas e nos joelhos e,
menos frequentemente, urticária pigmentosa
ou mastocitose cutânea difusa na infância.

O padrão de metástases difere dos outros sar-


comas de partes moles. O GIST normalmente
metastatiza para o fígado, omento e a cavidade
peritoneal. Raramente ocorre disseminação
para pulmões, local comum de metástases de
leiomiossarcomas e outros sarcomas de partes
moles. A presença de linfonodomegalias com-
prometidas em geral é decorrente de invasão Figura 20.2. Lesão subepitelial em corpo gástrico com ulceração central.
por contiguidade. Paciente com GIST gástrico

TRATAMENTO
DIAGNÓSTICO
A ressecção cirúrgica completa ainda se
O consenso atual é que o diagnóstico de GIST
constitui no tratamento padrão para o GIST
exige exame de imagem (EDA e TC) e biópsia
não metastático, pois é a única modalidade
da lesão com evidência de características mor-
capaz de proporcionar cura. Não está esta-
fológicas celulares típicas e imunohistoquímica
belecida qual a extensão ideal da margem
positiva para c-Kit (CD117 e DOG1).
cirúrgica, porém há consenso de que não é
À EDA o achado é de lesão subepitelial. Logo, é necessária margem ampla para ressecção
necessário para biópsia guiada a realização de completa da lesão.
ultrassom endoscópico. Observa-se à EDA uma
As lesões com suspeita de invasão de órgãos
protusão endofítica da parede gástrica coberta
adjacentes devem ser tratadas por cirurgia
por mucosa habitual, podendo, porém, estar
radical por meio da ressecção em monobloco
presente ulceração central e sangramento, e ao
dos órgãos acometidos.
ultrassom endoscópico a descrição é de lesão
que cresce entre a terceira camada (camada A presença de metástase linfonodal não tem
muscular). sido reconhecida como fator prognóstico, não

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GASTROENTEROLOGIA 1 - ESÔFAGO, ESTÔMAGO E DUODENO. 101

havendo subsídio na literatura que corrobore a Nos casos de doença metastática ou recidi-
realização de linfadenectomia de rotina. vada é recomendado uso de Qt com inibidor
Após a análise da peça cirúrgica é avaliado o de tirosina Kinase durante 1 ano, e se houver
potencial de malignadade do tumor. resposta favorável é indicada ressecção como
resgate cirúrgico.
A predição do comportamento biológico do
GIST é problemática, pois o potencial de malig- Nos pacientes com lesão localmente avançada
nidade varia conforme localização (estômago (consideradas as com mais de 5 cm) ou nos
tem melhor prognóstico), tamanho e índice pacientes com lesão irressecável, é possível a
mitótico (por 50CGA). Outro importante fator realização de terapia neoadjuvante com o ini-
prognóstico é se houve fratura do tumor bidor da tirosina kinase (por exemplo, imatinib)
durante a cirurgia, determinando uma grande por 8 a 12 semanas. Nesses casos foi possí-
chance de recidiva peritoneal. vel reduzir o volume tumoral e diminuição de
Nos casos de risco intermediário ou alto é reco- complicações intraoperatórias. Após a cirurgia
mendado uso de quimioterapia com inibidor é recomendado manutenção da quimioterapia
da tirosina kinase (por exemplo, imatinib), no por mais 2 anos. Houve ganho de sobrevida
período de 3 anos. global, alcançando 77% em 5 anos.

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21
CAPÍTULO 21
TUMOR NEUROENDÓCRINO
DO ESTÔMAGO

São neoplasias derivadas das células entero- com necessidade de altas doses de antiácido
cromafins-like do corpo gástrico. para controle.

Os TNEs gástricos são classificados em três No diagnóstico é necessária avaliação endos-


tipos clínicos bem definidos, com prognóstico cópica, com evidência de gastrite hipertrófica,
e abordagem distintas: avaliação laboratorial, com achado de gastrina
elevada (>1.000), B12 normal e pH gástrico <4, e
Tipo I
avaliação por tomografia ou ressonância para
Tipo mais comum, representando de 70-80% a localização do tumor produtor de gastrina, e
dos casos. Estão associados à gastrite crônica no insucesso da localização por estes métodos,
atrófica autoimune. é possível uso de PET-CT ou cintilografia.
Os achados mais comuns são anticorpos anti- O tratamento é a polipectomia gástrica, mas
células parietais, gastrina elevada (em torno de principalmente a ressecção do tumor, que
500), B12 baixo, pH gástrico ~7 e gastrite atrófica. varia conforme a localização.
O exame diagnóstico é a endoscopia com poli- Os locais mais comuns são o colédoco distal, a
pectomia, que permite o estudo histológico e segunda e a terceira porção duodenal além da
imunohistoquímico para definição da presença cabeça do pâncreas, que definem o triângulo
da neoplasia e da sua graduação conforme de Passaro.
taxa de mitoses e do Ki-67.
Tipo III
O achado da EDA é de múltiplas e pequenas
O TNE gástrico tipo III corresponde a 10 a 15%
lesões com comportamento pouco agressivo e
dos NET’s, apresentando um alto potencial
bom prognóstico.
metastático.
O tratamento é o seguimento endoscópico a
Podem apresentar-se com síndrome carci-
cada ano, com realização de polipectomia.
noide já ao diagnóstico (devido às metástases
Tipo II hepáticas), e tem baixa sobrevida visto o alto
potencial de malignidade.
São ligados à síndrome de Zollinger-Ellison
(gastrinomas), tumores produtores de gastrina O achado endoscópico é de lesão única e ulce-
e tem associação com síndromes genéticas, rada, semelhante ao achado do adenocarci-
principalmente a NEM-1. noma gástrico.

Os sintomas são os achados de múltiplas O tratamento, quando possível, é a gastrecto-


úlceras pépticas com dispepsia significativa mia com linfadenectomia.

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Classificação de TNES gástrico


Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3
Frequência (%) 70-80 5-8 15-20
Tamanho < 1-2 cm < 1-2 cm > 2 cm
Número Múltiplo Múltiplo Único
Forma Polipoide Polipoide Ulcerado
Clínica Gastrite crônica atrófica Gastrinoma/NEM 1 -
Gastrina Elevada Elevada Normal
Metástase (%) 2-10 10-30 24-50%
Morte relacionada com o tumor (%) 0 < 10 25-30
Características gerais relacionadas com os TNEs gástricos.

Tabela 21.1 Classificação de TNES gástrico

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22
CAPÍTULO 22
VOLVO GÁSTRICO

O estômago normal tem grande mobilidade, A associação com defeitos diafragmáticos é


mas permanece em uma posição habitual comum.
devido tanto à sua continuidade com a cárdia e
O tipo mesentérico-axial é caracterizado por
o duodeno e a ação de muitos ligamentos (por
uma rotação em torno do eixo transverso do
exemplo, gastrofrênico, gastroesplênico, gas-
estômago, que leva à obstrução antropilórica.
tro-hepático e gastrocólico).
A resolução parcial e espontânea da torção é
A ausência ou distensão desses ligamentos
comum.
é necessária para que ocorra o volvo. Além
das alterações ligamentares, outras etiologias O volvo gástrico primário representa 30% dos
podem ser envolvidas na gênese do volvo. casos relatados na literatura e é mais comum
em adultos, embora tenha sido inicialmente
Congênito ou adquirido (por exemplo, pós-
descrito em crianças. Nesses casos de volvo
-operatório), aderências ou lesões (úlceras ou
primário, os pacientes apresentam flacidez ou
tumores) podem fornecer uma base para a
agenesia ligamentar.
rotação gástrica.
O volvo gástrico secundário pode ocorrer
O volvo gástrico é mais provável de ocorrer na
após a rotação em torno de uma base ponto
quinta década de vida e ocorre com a mesma
formado por uma doença associada. Úlceras
frequência em ambos os sexos.
gástricas e neoplasia podem retrair a pequena
curvatura, predispondo à rotação. A hérnia de
hiato é o distúrbio mais comum relacionado ao
TIPOS DE VOLVO GÁSTRICO volvo gástrico. Nesses casos, a rotação ocorre
O volvo organoaxial ocorre quando há uma ao redor do anel de hérnia. Outros fatores pre-
rotação em torno do eixo longitudinal do estô- disponentes incluem esplenomegalia, disten-
mago (cardio-piloro). Este é o tipo mais comum são do cólon e aderências pós-operatórias.
na literatura mundial, e tem a maior taxa de
predisposição ao estrangulamento visceral.

Ocorre rotação anterior da grande curvatura


QUADRO CLÍNICO
gástrica levando à face posterior do estômago Sua apresentação clínica pode ser de forma
para uma posição anterior. A obstrução ocorre aguda ou crônico, em geral com queixas pre-
no piloro e na cárdia. dominantemente dispépticas.

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O volvo gástrico crônico responde pela maioria confirmar o volvo gástrico, permite informa-
dos casos (89,5%). Seus sintomas incluem dor ções que auxiliam na estratégia cirúrgica.
epigástrica incomum que começa após refei-
A radiografia simples também pode definir o
ções seguidas de distensão abdominal, vômi-
diagnóstico, demostrando uma víscera disten-
tos e até disfagia.
dida, com nível líquido, localizada no tórax ou
O volvo gástrico agudo ocorre em 30 a 60% dos abdome superior.
pacientes. A apresentação súbita de volvo gás-
O estudo radiológico contrastado com bário do
trico agudo inclui dor epigástrica que se irradia
trato gastrointestinal superior confirma o diag-
para as costas e região escapular. Náusea sem
conseguir vomitar e distensão abdominal são nóstico e demonstra o eixo de rotação do volvo.
comuns na apresentação inicial.

A tríade de Borchardt, dor epigástrica, dis-


tensão abdominal e dificuldade ou impossi-
bilidade de passagem de sonda nasogástrica
sugerem o quadro de obstrução gástrica. Esta
tríade é observada em até 50% dos casos.

Casos graves apresentam-se com hemorragia


digestiva e até isquemia do estômago. Taxas de
mortalidade variando de 12 a 50% são descri-
tas para casos agudos.

Figura 22.2 SEGD: volvo gástrico com o estômago ultrapassando o dia-


fragma através de um defeito paraesofágico (uma grande hérnia paraeso-
fágica). A grande curvatura e a pequena curvatura do estômago estão em
posição contrária.

TRATAMENTO

O volvo gástrico agudo é considerado uma


emergência. Mesmo que o estômago não esteja
Figura 22.1 Patogênese do volvo gástrico. 1A e 1B: vo0lvo mesenteroaxial;
2A e 2B: volvo organoaxial; 3A: volvo organoaxial com rotação gastroeso- encarcerado e os sintomas sejam vagos, o volvo
fágica até a junção pilórica; 3B: volvo organoaxial, com rotação da região
anterior e superior do antro e rotação axial inferior do fundo gástrico. requer pronto reconhecimento e conduta tera-
pêutica imediata com a intenção de prevenir
DIAGNÓSTICO sua evolução para isquemia gástrica aguda.

O exame diagnóstico de preferência é a Inicialmente, um tratamento conservador,


tomografia computadorizada, que além de com a descompressão do estômago pode ser

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tentada a passagem de uma sonda nasogás- EDA, é indicada abordagem cirúrgica de urgên-
trica. A redução do volvo agudo pode até ser cia. Se houver sucesso com a descompressão
conseguida com essa intervenção isolada. No não cirúrgica, deve-se planejar a cirurgia como
entanto, em metade dos casos não é possí- tratamento definitivo de forma eletiva.
vel a passagem de sonda, principalmente no
A correção do volvo gástrico pode ser feita por
volvo organoaxial, que apresenta obstrução
cirurgia aberta ou laparoscopia. Os objetivos
da cárdia. No tipo mesenteroaxial, em que a
da cirurgia são: a redução do volvo, fixação
cárdia permanece aberta, esse procedimento
do estômago na sua posição intra-abdominal
é mais factível.
habitual (gastropexia) e a prevenção da sua
No contexto da urgência e no insucesso do tra- recorrência com a reparação dos fatores pre-
tamento conservador, a redução endoscópica disponentes, ou seja, dos defeitos diafragmáti-
do volvo pode ser tentada, a princípio, como
cos e alterações intra-abdominais.
medida temporária, evitando cirurgia de urgên-
cia, permitindo a abordadgem definitiva para O procedimento cirúrgico geralmente inclui
uma cirurgia eletiva em melhores condições. O a realização de fundoplicatura para tratar
procedimento deve ser realizado sob fluorosco- doença do refluxo gastroesofágico preexis-
pia com o objetivo de observar a anatomia gás- tente, prevenir possível refluxo gastroesofágico
trica e assegurar que o estômago não seja mais pós-operatório e fixar o estômago no abdome.
torcido, agravando potencialmente a situação. No caso da presença de necrose, gastrecto-
Se não houver possibilidade de redução do mia parcial ou total podem ser necessárias. A
volvo nem por descompressão com SNG ou por recorrência do volvo no pós-operatório é rara.

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23
CAPÍTULO 23
BEZOAR

Os bezoares gástricos são corpos estranhos frequência no sexo feminino, sendo encontra-
pouco comuns formados por conglomerados dos em cerca de 90% dos pacientes.
de substâncias ingeridas que se acumulam Quanto à idade, 80% compreendem menores
com o tempo no estômago. de 30 anos, e o grupo etário mais frequente
Podem ser constituídos por uma variedade situa-se dos 10 aos 20 anos, geralmente
de substâncias, sendo as mais comuns: fibras em pacientes com transtornos emocionais
vegetais (fitobezoar), cabelo (tricobezoar), deri- ou retardo mental. O tamanho é variável e
depende do tempo de evolução e do hábito de
vados de produtos do leite (lactobezoar), medi-
tricofagia. O maior tricobezoar já relatado tinha
camentos (farmacobezoar), areia, cimento e
3,2 kg e 62 cm. Os tricobezoares se compõem
outros corpos estranhos intactos.
de cabelo e substâncias vegetais e compreen-
Os bezoares gástricos são mais comuns após dem cerca de 3% do total de casos reportados
cirurgias gástricas, mas em pacientes que não na literatura médica.
são submetidos à cirurgia, quase sempre são
A perda do mecanismo regulador de evacua-
acompanhados de distúrbios psiquiátricos,
ção gástrica favorece a estase e a retenção de
como a tricotilomania (compulsão de arran- alimentos, com o consequente acúmulo de
car os próprios cabelos) e a tricofagia (hábito fibras vegetais. A gastrite resultante aumenta a
de engolir o cabelo). Eles também ocorrem, produção de muco, que colabora para a forma-
embora raramente, em pacientes diabéticos ção e o crescimento do fitobezoar.
(com fisiologia gástrica alterada), com distro-
O uso de opiáceos, a distrofia muscular e a
fia muscular miotrófica e em alguns casos em
neuropatia alcoólica são fatores predisponen-
terapia com cimetidina.
tes, com mecanismo parecido com a gastro-
Apresentam-se com maior frequência (mais paresia diabética.
de 70%) no sexo masculino, favorecidos pela Os lactobezoares são descritos em lactentes que
ingestão de determinados alimentos, defei- recebem leite artificial insuficientemente dilu-
tos no mecanismo de esvaziamento gástrico ído ou que estão recebendo leite espesso como
e antecedente de cirurgia gastrointestinal. tratamento antiemético, e também naqueles
Os tricobezoares foram os tipos mais comuns tratados com atropina ou seus derivados.
de bezoar antes do advento das modernas Os farmacobezoares são compostos por
técnicas cirúrgicas e ocorrem com maior medicamentos, sendo os mais frequentes:

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antiácidos (gel hidróxido de alumínio, sucral- O fitobezoar aparece geralmente como uma
fato), colestiramina, fórmulas enterais, prepa- massa amarela, verde ou marrom, frequen-
rados de psillium, nifedipina, teofilina, aspirina temente associada às ulcerações. Os tricobe-
tamponada etc. zoares tendem a ser maiores, pretos ou mar-
rom-escuros, caracterizados por uma massa
coberta por muco, que pode se estender por
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
toda a câmara gástrica e até o intestino delgado.
Os sinais e os sintomas dos bezoares são geral-
mente inespecíficos e variam de acordo com a TRATAMENTO
sua localização.
A conduta varia de acordo com a composição
Os bezoares podem se apresentar com sinto- e o tamanho do bezoar. Os fitobezoares são
mas de obstrução intestinal alta com dor abdo- efetivamente tratados sem cirurgia na maioria
minal, náuseas, vômitos, anorexia, distensão dos casos.
abdominal, perda de peso, dispepsia e intole-
Os bezoares gástricos pequenos podem ser
rância alimentar. extraídos endoscopicamente, e alguns fitobe-
Em alguns casos, eles se comportam como zoares podem ser eliminados por métodos
uma subobstrução intestinal crônica e com enzimáticos ou tratados conjuntamente.
halitose intensa pelo material em putrefação Dos métodos enzimáticos descritos, destaca-
no estômago. mos a dissolução do bezoar com papaína ou
Úlceras gástricas com hemorragia ocorrem em acetilcisteína, associada à metoclopramida
ou à cisaprida nos pacientes com retardo no
cerca de 20% dos casos, particularmente se o
esvaziamento gástrico. A enzima mais efetiva
bezoar é um fitobezoar mais abrasivo. A perfu-
é a celulase, que apresenta um índice de dis-
ração gástrica ou intestinal com peritonite é
solução de 83 a 100%, sendo, porém, de difícil
menos frequente.
obtenção.
A obstrução intestinal é a complicação mais
O tratamento endoscópico dos fitobezoares
comum e requer cirurgia. Tem sido relatado é efetivo. O bezoar pode ser fragmentado de
que cerca de 60% dos fitobezoares podem cau- vários modos e então removido, auxiliado por
sar quadros de obstrução intestinal. lavagem do estômago, por meio de grande
overtube.
DIAGNÓSTICO Os tricobezoares são mais resistentes ao tra-
tamento do que os fitobezoares. Nenhuma
Histórias de antecedentes de transtornos psi-
lavagem ou terapia enzimática tem sucesso e
cológicos ou retardo mental, tricotilomania,
geralmente são tão volumosos que não é pos-
tricofagia e áreas de alopecia facilitam o diag- sível sua rotura endoscópica pelos métodos
nóstico no caso dos tricobezoares. habituais, requerendo, frequentemente, extra-
A endoscopia digestiva alta é o método diag- ção cirúrgica.
nóstico mais efetivo e permite confirmar o Os lactobezoares e farmacobezoares são tra-
diagnóstico pela visualização direta de uma tados mediante jejum de 24 horas, hidratação
massa gelatinosa, irregular, de volume variável, endovenosa e eliminação da causa, sendo rara
dependendo do tipo e do tamanho. a necessidade da rotura endoscópica.

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24
CAPÍTULO 24
OBESIDADE E CIRURGIA
BARIÁTRICA

Obesidade é definida como acúmulo anormal em tratamentos prévios, podemos indicar


de gordura, que pode produzir riscos à saúde, ainda tratamento medicamentoso ou trata-
acometendo no Brasil, mais da metade da mento cirúrgico.
população. O tratamento medicamentoso está indicado
O diagnóstico é feito através do cálculo do quando:
índice de massa corpórea, obtido dividindo- • Falha em perder peso com o tratamento
-se o peso em kg pelo quadrado da altura em não farmacológico;
metros (IMC=peso/Altura2).
• IMC maior ou igual a 30 kg/m2; ou

IMC Classificação • IMC maior ou igual a 25 ou 27 kg/m² na


< 18,5 Baixo Peso presença de comorbidades.
18,5 - 24,9 Peso Normal Os medicamentos mais utilizados no Brasil são
25,0 - 29,9 Pré-obesidade a sibutramina, o orlistate e topiratamo. Consi-
30,0 - 34,9 Obesidade Grau I dera-se sucesso no tratamento clínico da obe-
35,0 - 39,9 Obesidade Grau II sidade uma perda de peso de 5% mantida.
> 40,0 Obesidade Grau III
O tratamento cirúrgico para obesidade está
Tabela 24.1 indicado quando:
A obesidade resulta da interação de genes,
• Falha no tratamento clínico após 2 anos;
ambiente, estilos de vida e fatores emocionais.
• Obesidade instalada há mais de 5 anos;
Dentre todos os fatores, o principal é a diminui- • Se doença psiquiátrica, etilismo ou uso de
ção dos níveis de atividade física e o aumento drogas – avaliação de psiquiatra autori-
da ingestão calórica, que são fatores determi- zando cirurgia;
nantes ambientais mais fortes, ocasionando a
• Se IMC>40 (obesidade grau III) ou IMC>35
obesidade exógena.
(obesidade grau II) associado às comor-
O tratamento da obesidade tem foco na modi- bidades.
ficação dos hábitos de vida, relacionadas com Dentre as comorbidades destacam-se DM, sín-
orientações nutricionais para diminuir o con- drome da hipoventilação da obesidade, HAS,
sumo de calorias na alimentação e exercí- síndrome coronariana, Insuficiência cardíaca,
cios para aumentar o gasto calórico, porém a osteoartrose, infertilidade, hérnia lombar e
depender do estágio da obesidade e de falha esteatohepatite não alcoólica.

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Desde 2017 é autorizado pelo CFM a realização Cirurgia segura com menor curva de aprendi-
de cirurgia bariátrica em pacientes com IMC zado do que o BGYR perda do excesso de peso
entre 30 e 35 com diabetes de difícil controle (PEP%) de até 67%.
(insulinodependente, doses altas e controle Sua principal desvantagem é um efeito refluxo-
inadequado), visto potencial de melhora da gli- gênico e no menor controle da diabetes Mellitus.
cemia com a cirurgia bariátrica.
É melhor em adolescentes, pacientes que
As cirurgias bariátricas classicamente são divi- fazem uso de imunossupressão via oral (pela
didas em restritivas, disabsortivas e mistas, disabsorção presente no BGYR), pacientes com
sendo atualmente divididas em cirurgias deri- hérnia gigante de parede abdominal (dificul-
vativas (bypass gástrico em Y de Roux) e não dade de mobilização das alças para o BGYR) e
derivativas (gastrectomia vertical). em pacientes com pólipos gástricos.

Apesar de ainda se discutir sobre o efeito res-


tritivo e disabsortivo, o entendimento hoje é
que o impacto da cirurgia bariátrica sobre a
perda de peso decorre muito mais das altera-
çõe enterohormonais.

Os principais enterohormônios são o PYY, GLP-


1, a oxintomodulina e a grelina.
Figura 24.1 - Gastrectomia vertical.
O GLP1, PYY e oxintomodulina têm efeito de
inibir o apetite, sendo hormônios anorexigêni-
cos, tendo ainda efeito de estimular o esvazia- BGYR
mento gástrico.
Apresenta perda do excesso de peso que varia
A grelina é um hormônio produzido no estô- de até 78%, com tendência a melhor controle
mago promovendo o estímulo ao apetite e à da diabetes Mellitus.
fome. Este hormônio é considerado um forte
É confeccionada uma bolsa gástrica de 30-40
orexígeno (estimula fome).
ml, com desvio do trânsito intestinal (100 cm
Sendo assim, os níveis de grelina ficam aumen- de alça alimentar e 100 cm de alça biliopancre-
tados no jejum prolongado e caem no período atica), com preservação do remanescente gás-
pós-prandial. trico, diferentemente da gastrectomia vertical.

Hoje, os procedimentos recomendados pelo O efeito da cirurgia leva a um rápido esvazia-


CFM são a gastrectomia vertical e o Bypass mento da bolsa para o jejuno e aumento da
gástrico em Y de Roux (BGYR). liberação de GLP1 e PYY, que inibem apetite e
tem efeito estimulante da produção de insulina
pelas células beta do pâncreas.

GASTRECTOMIA VERTICAL Tem como desvantagens o risco de hérnia


interna, anemia ferropriva ou megaloblástica.
Procedimento com ressecção de 80% do estô-
mago, sendo o remanescente, tubulizado, pre- É melhor indicado em pacientes superobesos
servado apenas em sua pequena curvatura, tem (IMC>50) ou com DRGE.
cerca de 150 ml. Seu principal mecanismo é ente- O critério de sucesso da cirurgia é a perda de
rormonal com a queda da produção de grelina. 50% do excesso de peso, sustentada por 2 anos.

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digestiva é possível tentar hemostasia por


endoscopia. Se houver hemorragia intra-abdo-
minal com instabilidade ou persistente, o tra-
tamento é através de reabordagem cirúrgica.

As deiscências ocorrem em até 7% dos casos,


em geral no sétimo dia de pós- operatório,
mais comumente no ângulo de His e na área de
intersecção de duas linhas de grampeamento.
O melhor exame é a tomografia computadori-
zada com contraste via oral e via endovenosa,
que permite confirmar o diagnóstico e ainda
orientar a terapêutica.

O tratamento inicial envolve jejum via oral,


hidratação adequada, drenagem e antibiotico-
terapia. A reoperação é reservada para casos
não responsivos ao tratamento conservador
ou demasiado graves à apresentação (choque
séptico) ou se liquido livre à tomografia.
Figura 23.2 - Bypass gástrico em Y de Roux. Fístula gastrogástrica é complicação do BGYR, e
consiste da comunicação anormal entre a bolsa
gástrica e o estômago excluído, com incidência
COMPLICAÇÕES CLÍNICAS de até 6,0%. O sintoma mais comum dela é o
Deficiência nutricional (principalmente ferro, ganho de peso inadequado. Todos devem ser
vitaminas do complexo B, ácido fólico, cálcio, tratados com IBP, independentemente dos sin-
ferro e zinco). tomas. A abordagem possível é através de EDA,
com plasma de argônio, ou por cirurgia, com a
Tromboembolismo venoso, com incidência 0,2-
excisão ou exclusão do trajeto fistuloso.
2,4% de TVP e 1-2% de embolia pulmonar, sendo
esta última responsável por 30-50% da morta- A úlcera marginal é complicação do BGYR,
lidade operatória, principal causa de óbito no sendo descrito como alteração endoscópica
pós-operatório precoce de cirurgia bariátrica. mais comum, com incidência de até 16%. Os
fatores de risco são exposição da mucosa jeju-
Rabdomiólise, que consiste em lesão da mus-
nal ao ácido, bolsa gástrica grande, tensão/
culatura esquelética, com a liberação de subs-
isquemia da anastomose, tabagismo, etilismo
tâncias intracelulares potencialmente tóxicas
e H. pylori. O tratamento envolve cessar taba-
na circulação, decorrente do efeito do peso
gismo e etilismo, tratar H. pylori se presente,
associado à imobilização prolongada e à longa
otimizar tratamento antipirético. Se persistên-
duração da cirurgia.
cia, opta-se por rebordagem com reconfecção
da anastomose com vagotomia troncular.
A hérnia interna tem incidência que varia em
COMPLICAÇÕES CIRÚRGICAS
torno de 10%, sendo mais comum nos dois pri-
Sangramento ocorre em até 4%, sendo mais meiros anos pós BGYR. A hérnia interna pode
comum no BGYR decorrente de sangramento ocorrer pelo orifício no mesocolon transverso,
na linha de grampo ou por algum vaso na pelo espaço de Petersen ou pela brecha do
área de anastomose. Se houver hemorragia mesentério da jejunojejuno anastomose, mais

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comum. O quadro clínico pode ser agudo com tomografia de abdome com contraste venoso,
obstrução intestinal ou crônico com dor abdo- e o tratamento é com cirurgia para fechar a
minal recorrente. O diagnóstico é realizado por brecha da hérnia

Figura 23.3 - Hérnia interna.

Síndrome de Dumping Precoce: relacionada Síndrome de Dumping Tardia: relacionada a um


à ingesta de alimentos com alto teor de car- estímulo hiperinsulínico após absorção rápida
boidratos simples associado ao esvaziamento do material ingerido, levando a sintomas neu-
rápido do estômago ao jejuno. Ao chegar ao roglicopênicos pela hipoglicemia. Em geral
jejuno e ao íleo, este alimento com alta osmo- ocorre horas após a refeição. Os sintomas
laridade leva a um grande desvio de fluxo san- são semelhantes ao dumping precoce. O tra-
guíneo ao sistema mesentérico, ocasionando tamento envolve evitar alimentos com açúcar,
sintomas por uma hipovolemia relativa. Em evitar ingerir líquidos com alimentos sólidos e,
geral ocorre minutos após a refeição. nos casos refratários, faz-se o uso da acarbose.

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