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As linguagens gráfico-visuais e suas formas de tradução e adaptação narratológica:

a obra literária virando história em quadrinhos

Prof. Ricardo Jorge de Lucena Lucas

Nossa pesquisa se divide em duas etapas, das quais a primeira está concluída: avaliar as
diferentes possibilidades de adaptação narratológica de textos verbais para a linguagem
quadrinística, respeitadas as especificidades de cada um desses sistemas semióticos. A
segunda etapa consiste na análise das diferentes formas de mediação e de recepção das
adaptações literárias quadrinizadas nas escolas de Fortaleza, bem como as formas de
construção do sentido mobilizadas em torno desse objeto. Para essa segunda etapa,
visamos a “percepção narratológica” da recepção em relação ao objeto analisado. Isso
significa que certas convenções ditas narratológicas são tão susceptíveis a processos de
ressignificação por parte da recepção quanto o são os códigos e os textos. Em suma: a
percepção dos modos de contar de uma história (ficcional ou factual) depende das
diversas competências dos sujeitos sociais. Obviamente, essa percepção depende também
do projeto pedagógico adotado por cada escola e da postura do professor em sala de aula,
o que nos leva a outra questão: a linguagem quadrinística é vista nas escolas apenas como
uma forma (simplista ou simplória) de transmissão de conteúdos ficcionais para os alunos
ou é percebida como uma técnica de informação e de comunicação que pode ser
trabalhada com os alunos? Neste caso, vamos nos valer das ideias de autores como
Gregory Bateson e Eliseo Verón a respeito das imagens de si e do outro nas superfícies
textuais desses textos, a fim de percebermos se os alunos são convidados a participar de
uma interação simétrica ou se sua relação com o material adotado é uma relação
complementar.

O ponto de partida de nossa análise teórica foi construído a partir de dois autores:
Gérard Genette (s.d., 1983), cujos conceitos narratológicos (frequência, modo, voz etc.)
são resgatados, revisitados, questionados e/ou aprofundados particularmente por André
Gaudreault (no âmbito cinematográfico) e Albert Laffay (1966), que apresenta pela
primeira vez o conceito de “mostrador de imagens”. Na esfera quadrinística, autores como
Groensteen (2011), Miller (2007), Varillas (2009) e Munilla (2004) retomam a
conceituação de Genette e/ou questionam e/ou adaptam-na. Há ainda as obras de Matt
Madden (2006), que exemplificam, a partir dos Exercícios de Estilo de Raymond
Queneau, diferentes modos de narrar (ou melhor: mostrar) quadrinisticamente uma
mesma história, e de Caraballo (2010) que propõem uma narratologia visual específica
aos quadrinhos.

Para efetivar a nossa pesquisa em sua primeira parte, analisamos algumas


sequências de adaptações literárias em quadrinhos, em confronto com seus originais
(Divina Comédia, de Dante Alighieri, por Seymour Chwast; Grande Sertão: Veredas, de
Guimarães Rosa, por Eloar Guazzeli e Rodrigo Rosa). Tal análise se deu por
determinados trechos que, do ponto de vista narratológico, pareçam pertinentes de serem
analisados. Ou seja: trabalhamos com sequências, na mesma acepção trabalhada Jullier
em L’Analyse des Séquences (2004). Em seguida, analisamos elementos paratextuais
(capas e contracapas) de títulos de coleções comumente adotadas em escolas (Literatura
Brasileira em Quadrinhos, Clássicos Nacionais em HQ, Grandes Clássicos em Graphic
Novel), a fim de percebermos como se dá, nestes espaços, a construção das imagens
propostas dos seus diferentes leitores/usuários (alunos, professores, leitores em geral).

A partir dessas considerações, pretendemos compreender como professores e alunos


percebem o nosso objeto de análise. Nossa hipótese é que as escolas adotam as adaptações
literárias quadrinizadas ora como uma espécie de “facilitador de alfabetização” (no caso
de crianças em fase de alfabetização), ora como uma espécie de “substituto econômico”
do livro original (no caso de adolescentes que se preparam para seleções de acesso a
universidades e faculdades) e não mais que isso. Como questiona o pesquisador francês
Pierre Fresnault-Deruelle, “trata-se de servir as HQs (e quais?) ou de se servir delas, como
e por quê?” (FRESNAULT-DERUELLE, 2009: 45). Na prática, os quadrinhos em geral,
como forma de linguagem e de expressão, continuam tendo um caráter marginal na
escola, exceto quando eles são dotados de qualidades históricas (quando se referem a
personagens históricos reais), literárias (no caso das adaptações) ou de “eficiência
pragmática” (idem, pois é mais prático e rápido ler a versão quadrinizada de A Divina
Comédia feita por Seymour Chwast do que o texto original de Dante Alighieri).

A partir do material adotado nas escolas, passaremos à etapa de discussões com alunos e
professores em seis instituições de ensino médio da cidade de Fortaleza (três públicas e
três privadas), ora individualmente, ora com uso de grupo focais (BAUER & GASKELL,
2002; DUARTE & BARROS, 2006), a fim de avaliar os modos de percepção (gêneros,
personagens, estruturas narrativas, aspectos narratológicos) desses agentes sociais. Sendo
assim, será necessária também uma revisão crítica das teorias e estudos de recepção e
mediação, a partir de algumas obras que as apresentam ou as revisitam (por exemplo,
DAYAN, 1997; ESCOSTEGUY & JACKS, 2005; ESQUENAZI, 2006;
NIGHTINGALE, 1999; OROZCO GÓMEZ, 2006; OROZCO GÓMEZ & GONZÁLEZ
REYES, 2012; SAINTOUT & FERRANTE, 2006). A partir daí, serão mais bem
delimitados os aspectos principais desse processo de interação junto a estudantes e
professores.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

GENETTE, Gérard. Discurso da narrativa. Lisboa: Vega, s.d.

GROENSTEEN, Thierry. Bande dessinée et narration – système de la bande dessinée 2.


Paris: PUF, 2011.

MILLER, Ann. Reading bande dessinée – critical approaches to French-language comic


strip. Bristol/Chicago: Intellect, 2007.

MUNILLA, Miguel Ángel Muro. Análisis e interpretación del cómic: ensayo de


metodologia semiótica. Logroño: Universidad de la Rioja, 2004.

NIGHTINGALE, Virginia. El estudio de las audiencias – el impacto de lo real. Barcelona:


Paidós, 1999.

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