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LP

EM.11.LP.3.30.65.P-3321

Sequência Didática do Professor


Campo artístico-literário
Leitura e
Interpretação

Ensino Médio Texto Dramático: Do séc. XVI ao XX

Habilidade
FOCO
• (EM13LP52) Analisar obras significativas época, gênero do discurso etc.), de forma
das literaturas brasileiras e de outros a ampliar as possibilidades de construção
países e povos, em especial a portuguesa, de sentidos e de análise crítica e produzir
a indígena, a africana e a latino-america- textos adequados a diferentes situações.
na, com base em ferramentas da crítica • (EM13LP06) Analisar efeitos de sentido
literária (estrutura da composição, estilo, decorrentes de usos expressivos da lingua-
aspectos discursivos) ou outros crité- gem, da escolha de determinadas palavras
rios relacionados a diferentes matrizes ou expressões e da ordenação, combinação
culturais, considerando o contexto de e contraposição de palavras, dentre outros,
produção (visões de mundo, diálogos com para ampliar as possibilidades de constru-
outros textos, inserções em movimentos ção de sentidos e de uso crítico da língua.
estéticos e culturais etc.) e o modo como • (EM13LP10) Analisar o fenômeno da varia-
dialogam com o presente. ção linguística, em seus diferentes níveis
(variações fonético-fonológica, lexical, sin-
tática, semântica e estilístico-pragmática)
Habilidades e em suas diferentes dimensões (regional,
RELACIONADAS histórica, social, situacional, ocupacional,
• (EM13LP01) Relacionar o texto, tanto na etária etc.), de forma a ampliar a compreen-
produção como na leitura/escuta, com são sobre a natureza viva e dinâmica da
suas condições de produção e seu con- língua e sobre o fenômeno da constituição
texto sócio-histórico de circulação (leitor/ de variedades linguísticas de prestígio e
audiência previstos, objetivos, pontos de estigmatizadas, e a fundamentar o respeito
vista e perspectivas, papel social do autor, às variedades linguísticas e o combate a
preconceitos linguísticos.
.
LP Campo artístico-literário | Texto Dramático:
Leitura e
Interpretação Do séc. XVI ao XX
Ensino Médio

Ponto de
PARTIDA

Observem com atenção as imagens a seguir. Depois, conversem e respondam o que elas são ou representam.

Disponível em:
www.iqe.org.br/surl/?39f334 Disponível em: Disponível em:
Acesso em: 3 ago 2021 www.iqe.org.br/surl/?df7dc0 www.iqe.org.br/surl/?f99a20
Acesso em: 3 ago 2021 Acesso em: 3 ago 2021

Disponível em: Disponível em:


www.iqe.org.br/surl/?6618ed FREIRE, Marcelino. Muribeca. Produção www.iqe.org.br/surl/?ee0534
Acesso em: 3 ago 2021 de alunos do Ensino Médio. Acesso em: 3 ago 2021

Orientação ao
PROFESSOR

INTRODUÇÃO
Nesta SD, busca-se estudar comparativamente três textos dramáticos escritos em épocas diversas, realizando um percurso retros-
pectivo de leitura que vai do século XX, com a peça Eles não usam black tie, de Gianfrancesco Guarnieri, ao século XIX, com o texto
dramático de Martins Pena, Juiz de paz na roça, ao século XVI, com A Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente.

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Texto Dramático 3


Orientação ao
PROFESSOR

Nos fragmentos selecionados desses textos dramáticos, escritos para serem encenados, busca-se analisar o modo peculiar de sua
composição, a verossimilhança e a coerência na construção das cenas sucessivas, os perfis de personagens, a técnica do diálogo
teatral, instruído pelas rubricas do autor, assim como as manifestações de linguagem, situadas em tempos e lugares diferentes, na
reconstrução de ambientes, entre outros aspectos.
Mais uma vez, o sucesso desse estudo com os estudantes do Ensino Médio – leitores do século XXI, cuja idade, em geral, situa-se
entre 15 e 18 anos – reside no esforço e na motivação para ler e buscar compreender esses textos, a linguagem usada, os modos
de vida e de relacionamento social, os espaços e ambientes onde circulam as personagens, suas aspirações, entre outros aspectos.
É também importante a compreensão da relevância dos temas abordados para as épocas em que foram escritos, assim como a
caracterização dos tipos de personagens e situações narradas nesses textos dramáticos.
Esta SD tem, portanto, a finalidade de ampliar a reflexão dos alunos sobre as características relativas à ficcionalidade, à literarie-
dade, à narratividade e à verossimilhança, além de explorar os elementos que estruturam, em geral, um texto dramático: enredo,
conflito, personagens, espaço, tempo.
A mobilização de conhecimentos prévios dos alunos (de mundo, textuais e linguísticos), os aprendidos, inclusive em outras SDs sobre
os gêneros com estrutura narrativa, é condição para um melhor aproveitamento do material; por isso nada pode ser desconsiderado,
principalmente nas colocações orais em vários momentos da aprendizagem.
É importante também que os alunos sejam incentivados, na medida do possível, a ler integralmente essas obras, que não podem
ser substituídas pelos poucos fragmentos selecionados para esta SD.

Ponto de
PARTIDA

O objetivo da atividade é mobilizar os conhecimentos prévios dos alunos por meio da apresentação das imagens, sugere-se que,
além delas, você também tenha em mãos peças de teatro publicadas em livro ou vídeos com cenas de peças conhecidas dos
alunos, a fim de que eles possam ter subsídios para discutir e realizar as atividades propostas, além de ampliar seu conhecimento
de mundo sobre o tema e gênero textual trabalhado.
As imagens podem ser analisadas individualmente, mas é importante que o aluno perceba que juntas constroem um mosaico, per-
mitindo que uma ofereça subsídio para “ler” a outra e, assim, sucessivamente. É importante, ainda, que o aluno perceba que há uma
linha, espaço e tempo, a ser observada. Aqui, vale lembrar, novamente, da tal aprendizagem em espiral. Em 3, por exemplo, temos
uma propaganda, uma chamada para o último dia de apresentação de uma peça, cujo título, com certeza, deve ser de conhecimen-
to do aluno. Nesse momento, não é relevante se esperar que saibam quem é Paulo Autran, mas você pode, se houver curiosidade/
interesse, falar sobre sua representatividade na história do teatro brasileiro. Já em 4, também temos mais um ícone do teatro
brasileiro: Sérgio Brito. A foto “congela” o momento de uma das suas muitas performances em peças nas quais atuou. A imagem 5
traz o recorte da adaptação de um conto para o teatro (produzido por alunos do Ensino Médio). Ao observarem a imagem, espe-
ra-se que o aluno, com os conhecimentos já construídos em anos anteriores, identifique as “marcas” características desse gênero
textual, que será retomado e desenvolvido nas atividades seguintes. A leitura da imagem 1 será complementada já na Atividade 1,
quando se falará do teatro de arena.
Durante a leitura/discussão sobre as imagens surgirão palavras como “teatro”, “peça de teatro”, ou apenas “peça”, “drama” etc. Aqui,
vale questionar os alunos sobre o porquê de o gênero ser chamado de “texto dramático”. E, para alimentar ainda mais a conversa,
você pode, também, fazer algumas perguntas para saber qual a relação dos alunos com o teatro... Já foram ao teatro? Qual, quan-
do, o que foram assistir? O que os levou/motivou a ir? No bairro/comunidade em que vive, há um teatro, uma companhia teatral?...
Embora simples e sem subestimar os conhecimentos já construídos pelos alunos, as perguntas permitem retomar o assunto,
considerando que eles estão no ensino médio e, portanto, mais “maduros” para refletir e se posicionar sobre o assunto. É preciso
reconhecer, também, que ir ao teatro, ainda é uma iniciativa da escola, ou seja, é ela quem, em geral, proporciona o acesso dos alu-
nos à cultura, de maneira geral. Há também as iniciativas do teatro na escola, que acontecem em duas situações: a escola contrata
as companhias para a apresentação da peça no espaço escolar, em geral, improvisado para que o evento ocorra ou os professores
promovem a montagem de peças pelos próprios alunos. Essas experiências devem ser apontadas e discutidas, pois facilitarão a
leitura dos textos dramáticos presentes na SD.

4
Atividade 1 Orientação ao
PROFESSOR
Para refletir sobre as características de um texto dramático, inicialmente,
você vai assistir a um vídeo (1) com uma cena teatral de Eles não usam black-tie, Para finalizar, você pode fazer um
texto escrito por Gianfrancesco Guarnieri, encenado pela amostra da “SALADA registro com a síntese da conversa
CÊNICA”, no SENAC-PIRACICABA. sobre a leitura das imagens, a fim de
que as colocações mais relevantes
e/ou as que trouxeram mais dúvidas
possam ser retomadas durante a
realização das atividades seguintes.

Para relembrar...
O Gênero Dramático faz parte de um
ASH, Alan. [CENA] ELES NÃO USAM BLACK-TIE. 2013. dos três gêneros literários, ao lado
(5m51s). Disponível em: www.iqe.org.br/surl/?0b3d7e. do gênero lírico e épico. No entanto,
Acesso em: 11 maio 2020.
o gênero dramático, como o próprio
nome indica, são os textos literários
Agora, assista a outro trecho de um vídeo (2) em que esse mesmo texto não feitos com o intuito de serem ence-
aparece representado, mas lido dramaticamente por atores da turma 20 do curso nados ou dramatizados. Do grego, a
Técnico em artes dramáticas, do Senac. (Youtube, 20 de set de 2010) palavra “drama” significa “ação”.
Como ainda estamos no início
da SD, o ponto de partida apenas
sinaliza para o desenvolvimento
da habilidade foco EM13LP52 e da
relacionada EM13LP01.

CASSIANO, Edi. Leitura Dramática:Eles não usam Black-tie. Atividade 1


2017. (9m59s). Disponível em: www.iqe.org.br/surl/?5b98a4
Acesso em: 11 maio 2020.
Para ampliar o conhecimento e a re-
flexão sobre a leitura integral da peça
Eles não usam black-tie, sugere-se

?
ao professor que, além da leitura do
quadro – Você sabia? – assista com
seus alunos a mais um vídeo sobre
Você a peça, em que se comentam e se
SABIA? REPRESENTAÇÃO TEATRAL E LEITURA
veem trechos de duas encenações
DRAMATIZADA
da peça: a original, de 1958, e outra
“O ator não interpreta. O ator é. O ator faz. Esta forma de expressar o mais recente.
personagem tem que vir da compreensão dele e do material que o ator tem
– é seu próprio material, sua memória, sua observação, seus sentimentos,
sua verdade, que ele empresta ao personagem que “vai tomando corpo”,
GLOBO. Globo Teatro: relembre a
nascendo, acontecendo até se tornar pleno e conseguir o mais importante peça 'Eles não usam Black-Tie'.
do teatro – a contracena. [...] Ouvir faz parte do reagir que é a base da 2013. (4m). Disponível em:
contracena, que mantém viva a história acontecendo ali e agora na frente www.iqe.org.br/surl/?78604f
Acesso em 11 maio 2020.
do espectador, resgatando fábula e emoção.
Podemos ter um gesto, uma expressão facial, mas não a fisicalidade
total, necessária para dar vida ao personagem e verdade à história.
Portanto a fala, a voz, a entonação, a intenção, o subtexto têm que ser
fortemente definidos para que tenhamos uma leitura viva e que permita
ao ouvinte criar seu espetáculo em seu imaginário com toda a vivacida-
de como ele estivesse ali sendo encenado naquele momento. [...] Uma
leitura dramatizada bem feita é capaz de ser tão prazerosa quanto um
espetáculo, guardadas as suas respectivas origens, diferenças e similari-
dades – literatura dramática e teatro”.

NAZARETH, Carlos Augusto. Disponível em: www.iqe.org.br/surl/?398138 Acesso em: 11 mar. 2017.

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Texto Dramático 5


Agora, comente com seus colegas:

Que diferenças relativas à dramatização do texto escrito é possível perceber


entre os dois vídeos e as duas cenas?

Nessa sequência didática, você vai ler, retrospectivamente, três textos dramáticos de autores que escreveram em língua
portuguesa em distintas épocas – os brasileiros Gianfrancesco Guarnieri (século XX) e Martins Pena (século XIX), e o
português Gil Vicente (século XVI) – para refletir sobre os modos de composição desse gênero, os temas abordados, entre
outros aspectos.

Orientação ao Atividade 2
PROFESSOR

Atividade 2
?
Você
Na atividade 2, é recomendável que SABIA? ELES NÃO USAM BLACK-TIE
os alunos, após a leitura integral Esse texto dra-
da peça, possam assistir ao filme mático, escrito
homônimo, de 1981, dirigido por Leon pelo italiano naturalizado bra-
Hirszman, proveniente de outra mídia, sileiro (1934-2006), tinha como
em que se mantém o texto dramático nome original O Cruzeiro Lá no
original de Gianfrancesco Guarnieri. Alto, mas foi assim rebatizado
pelo diretor José Renato, numa
O Teatro de Arena de São Paulo foi provocativa referência ao
nome de um dos mais importantes Teatro Brasileiro de Comédia
Eles não Usam Black-Tie, Teatro de Arena, 1958. Registro
grupos teatrais brasileiros (1953- (TBC) e a seu público paulistano fotográfico Hejo.
1972), pois promoveu a renovação e sofisticado.
a nacionalização do teatro brasilei- A peça estreou em 22 de fevereiro de 1958 no Teatro Brasileiro de Comé-
ro. Em seu espaço, com cerca de 90 dia, pequeno espaço improvisado em uma garagem na Rua da Consolação,
lugares, hoje denominado Teatro de em São Paulo. Tinha músicas de Adoniram Barbosa e seus atores eram, na
Arena Eugênio Kusnet, apresenta- época, inexperientes ou estrangeiros: Lélia Abramo, Eugênio Kusnet, Riva
ram-se espetáculos de importantes Nimitz, Miriam Mehler, Celeste Lima, Francisco de Assis, Milton Gonçalves,
diretores e dramaturgos brasileiros Herique César, Flávio Migliaccio, Xandó Batista, além do próprio Gianfran-
como José Renato Pécora, Augusto cesco Guarnieri.
Boal e Gianfrancesco Guarnieri. “A peça trata de uma greve operária, colocando em cena moradores de
A observação da foto é interessan- uma favela e seus problemas socioeconômicos. O texto faz um recorte
preciso de um momento altamente dramático: o jovem operário Tião fura
te, pois a disposição das cadeiras
o movimento grevista, pois, tendo engravidado a namorada, teme perder
em semicírculo deixa um espaço
o emprego na hora em que mais necessita dele. As consequências de sua
reduzido no centro, onde os atores atitude são dolorosas e ele é obrigado a enfrentar não apenas seu pai, o
se movimentam, encenando a peça; líder grevista, mas também sua própria namorada, que o impele à frente de
uma fileira de cadeiras vazias faz luta e o abandona”.
a separação do espaço cênico da
plateia; o cenário se reduz a alguns
caixotes dispostos no círculo. Esse Eles não usam black-tie. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.
São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: www.iqe.org.br/surl/?83acce
teatro “de arena”, de certa forma reto- Verbete da Enciclopédia. Acesso em: 11 mar. 2017.
ma os antigos e majestosos teatros
gregos e romanos da Antiguidade.
Em 1981, a peça foi transformada em um filme nacional, com o mesmo
nome, dirigido por Leon Hirszman, sendo protagonizado pelo próprio
Gianfrancesco Guarnieri e Fernanda Montenegro.

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Leiam, agora, um trecho da peça “Eles não usam black-tie”.
Texto 1

ELES NÃO USAM BLACK-TIE

Tião – Papai...
Otávio – Me desculpe, mas seu pai ainda não chegou. Ele deixou um recado comigo, mandou dizer pra você que
ficou muito admirado, que se enganou. E pediu pra você tomá outro rumo, porque essa não é casa de fura-greve!
Tião – Eu vinha me despedir e dizer só uma coisa: não foi por covardia!
Otávio – Seu pai me falou sobre isso. Ele também procura acreditá que num foi por covardia. Ele acha que você
até que teve peito. Furou a greve e disse pra todo mundo, não fez segredo. Não fez como o Jesuíno que furou
a greve sabendo que tava errado. Ele acha, o seu pai, que você é ainda mais filho da mãe! Que você é um traidô
dos seus companheiro e da sua classe, mas um traidô que pensa que tá certo! Não um traidô por covardia, um
traidô por convicção!
Tião – Eu queria que o senhor desse um recado a meu pai...
Otávio – Vá dizendo.
Tião – Que o filho dele não é um “filho da mãe”. Que o filho dele gosta da sua gente, mas que o filho dele tinha
um problema e quis resolvê esse problema de maneira mais segura. Que o filho é um homem que lhe quer bem!
Otávio – Seu pai vai ficá irritado com esse recado, mas eu digo. Seu pai tem outro recado pra você. Seu pai acha
que a culpa de pensá desse jeito não é sua só. Seu pai acha que tem culpa.
Tião – Diga a meu pai que ele não tem culpa nenhuma.
Otávio – Se eu tivesse te educado mais firme, se te tivesse mostrado melhor o que é a vida, tu não pensaria em
não ter confiança na tua gente...
Tião – Meu pai não tem culpa. Ele fez o que devia. O problema é que não podia arriscá nada. Preferi tê o desprezo
do meu pessoal pra poder querer bem, como eu quero querer, a tá arriscado a vê minha mulhé sofrê como minha
mãe sofre, como todo mundo nesse morro sofre!
Otávio – Teu pai acha que tem culpa!
Tião – Tem culpa de nada, pai!
[...]
Tião – Não posso ficá, Maria... Não posso ficá! ...
Maria (Para de chorar. Enxuga as lágrimas) – Então, vai embora... eu fico. Eu fico com Otavinho... Crescendo aqui,
ele vai tê medo... e quando tu acreditá na gente... por favor, volta! (sai)
Tião – Maria, espera! (correndo, segue Maria. Pausa.)
Otávio (entrando) – Já acabou?
Romana – Vai falar com ele, Otávio... vai!
Otávio – Enxergando melhó a vida, ele volta. (retorna ao quarto. Entram Chiquinho e Teresinha)
Chiquinho – Sabe, mãe, aquele samba...
Teresinha – O samba do “Nós não usa black-tie”.
Chiquinho – Tá tocando no rádio...
Romana – O quê?
Teresinha – O samba do Juvêncio, aquele mulato das bandas do Cruzeiro!
Chiquinho – Ele tá chateado à beça. O samba tá com o nome de outro cara. (sai correndo)
Teresinha – Eu fiquei com pena do Juvêncio. Tá perto da bica, chorando! Chiquinho! (sai)
Romana, sozinha. Chora mansamente. Depois de alguns instantes, vai até a mesa e começa a separar o feijão.
Funga e enxuga os olhos...

GUARNIERI, Gianfrancesco. Eles não usam black tie. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987.

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Orientação ao
PROFESSOR
Do novo ao já
CONHECIDO CATEGORIAS NARRATIVAS DO TEXTO
Um teatro de arena típico da Anti- DRAMÁTICO
guidade pode ter formato oval ou Como todo texto pertencente ao conjunto dos gêneros com
circular, é rodeado de degraus a estrutura narrativa, o texto dramático contém: enredo (a ação, o
céu aberto.
conflito, o clímax e o desfecho), personagens (protagonistas, anta-
Um exemplar é o Teatro antigo de gonistas, secundárias ou coadjuvantes), espaço (lugar, ambiente,
Taormina, construído no século meio social ou cultural) e tempo.
III a.C, na ilha italiana da Sicília.
No entanto, é preciso distinguir o espaço representado ou alu-
dido em que ocorre a narrativa, do espaço cênico, ou seja, o lugar
(palco – espaço de representação) onde se movem as persona-
gens e que cria o ambiente para o desenrolar da ação dramática
por meio de som, luz, cenário, vestimentas etc. Convém distinguir
também o tempo de representação (curto e necessário para a
apresentação do conflito/ desenrolar dos acontecimentos/ desfe-
cho) do tempo representado (correspondente ao tempo da ação
ou à época retratada, recriada pelos atores).
Disponível em: www.iqe.org.br/surl/?dfd11b
Acesso em: 11 maio 2020. Em geral, não há um narrador que conduz o enredo; este pode
ser percebido pela sequência de falas das personagens, pela
mudança de cenários ou de caracterização de personagens, entre
Texto 1 outros elementos.
A leitura das informações cons-
tantes do quadro "Do novo ao já
conhecido" situa o texto dramático
no agrupamento dos gêneros com 1. Há, no Texto 1, um narrador e foco narrativo?
estrutura narrativa em função de
suas características temáticas,
estilísticas e composicionais
(enredo: conflito/clímax/desfecho),
personagens (protagonistas, se-
cundárias, coadjuvantes), espaço 2. Como se dá a passagem do tempo no Texto 1?
e tempo. Enfim: trata-se de um
gênero narrativo porque apresenta
as características de ficcionalida-
de, narratividade, verossimilhança
e literariedade. 3. É possível identificar em que espaço ocorrem os diálogos entre personagens?
1. Diferentemente de outros gêneros Justifique.
desse agrupamento, em geral,
não se percebe no texto dramáti-
co a presença de um narrador, de
foco narrativo. A responsabilidade
pelo andamento sequencial e
lógico do texto está na sequência 4. Conhecendo-se o resumo do enredo dessa peça teatral, é possível identificar
coerente das cenas e das falas de o conflito no Texto 1? Explique.
personagens (diálogos, monólo-
gos, apartes), na movimentação
de personagens, na alteração/
manutenção de cenários, nas
rubricas orientadoras dos atores,
direção e arte.

8
5. Quem são as personagens que dialogam no Texto 1? É possível identificar
Orientação ao
quais delas são protagonistas, antagonistas ou secundárias? PROFESSOR

2. No fragmento selecionado,
percebe-se que há uma lógica
sequencial, pois a conversa de Tião

?
com Otávio precede a conversa de
Tião com Maria, ou seja, o tempo
representado, nesse caso, corres-
Você ponde ao curto tempo dos diálogos
SABIA? COMPOSIÇÃO DO TEXTO DRAMÁTICO travados entre personagens: Tião e
O texto dramático é constituído por um texto principal, que Otávio; depois, Tião e Maria. Como
compreende as falas dos atores, e um texto secundário, a peça tematiza uma greve operária
chamado de rubricas, que indica aos atores, ao diretor e à produção (arte, no final da década de 1950, suben-
figurino etc.) detalhes imprescindíveis da cena. tende-se que esse tempo histórico
O texto principal apresenta três tipos de falas, que podem ser em prosa corresponde ao comportamento
ou poesia: o monólogo (a personagem fala consigo mesma, expondo os de personagens, à vestimenta,
seus pensamentos e sentimentos); o diálogo (as personagens conversam ambientes etc. da época retratada
entre si) e os apartes (comentários de uma personagem que não são (meados do século XX).
ouvidos pelos seus interlocutores, mas sim pelo público).
3. Os diálogos entre Tião e Otavio,
O texto secundário abrange: a listagem inicial das personagens; os Tião e Maria, ocorrem no interior
nomes das personagens no início de cada fala; as informações sobre
da casa de Otávio conforme se
a estrutura da peça (divisão em atos, cenas ou quadros); as indicações
pode perceber nas expressões
sobre o cenário e o vestuário das personagens; as orientações sobre
movimentos, gestos e entoação de voz das personagens. assinaladas a seguir: “ E pediu pra
você tomá outro rumo, porque
O texto dramático apresenta-se dividido em atos (corresponde à mudança
essa não é casa de fura-greve!”;
de cenários) e cenas ou quadros (corresponde à entrada ou saída de uma
“Enxergando melhó a vida, ele
ou mais personagens).
volta. (retorna ao quarto. Entram
Chiquinho e Teresinha)”; “Depois
de alguns instantes, vai até a mesa
Texto de autoria da equipe técnica do IQE.
e começa a separar o feijão.”
4. O conflito do texto 1 reside justa-
6. Como é possível reconhecer o texto principal do Texto 1? Há diálogos, mente em Tião ter furado a greve e
monólogos e apartes? o pai dele, Otávio, não aceitar essa
decisão, expulsando-o de casa.
5. No Texto 1, dialogam entre si
Tião, o protagonista, e Otávio,
nesse caso, seu antagonista. Em
seguida, dialogam Tião, o protago-
nista, e Maria, uma personagem
7. Identifique dois exemplares diversos de texto secundário, copie-os e secundária; depois, Romana e as
comente-os. crianças, Chiquinho e Teresinha,
também secundárias.
6. Com base nas informações do
quadro "Você sabia?" relativas às
características de composição do
texto dramático, verifica-se que
o texto principal está localizado
8. Há indicações relativas à entonação de voz, gestos, deslocamentos etc. das nos diálogos entre personagens
personagens no Texto 1? (Tião, Otávio, Maria, Romana,
Chiquinho e Teresinha). Não há
monólogos nem apartes.
7. Há texto secundário na citação
dos nomes que antecedem todos

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Texto Dramático 9


9. O Texto 1 caracteriza-se como
Orientação ao
PROFESSOR A) tragédia.
B) comédia.
os diálogos (Tião, Otávio, Maria, C) tragicomédia.
Romana, Chiquinho e Teresinha),
nas rubricas entre parêntesis, D) farsa.
que indicam o comportamento E) auto.
de personagens: (Pará de chorar.
Enxuga as lágrimas); (sai);
(correndo, segue Maria. Pausa.); ?
(entrando); (retorna ao quarto.
Entram Chiquinho e Teresinha); Você
(sai correndo); (sai) e na frase SABIA?
final: Romana, sozinha. Chora
mansamente. Depois de alguns
instantes, vai até a mesa e O uso da máscara como elemento cênico sur-
começa a separar o feijão. Funga giu no teatro grego, por volta do século V a.C.
e enxuga os olhos... As máscaras que simbolizam o teatro são uma
8. Entre as rubricas mencionadas alusão aos dois principais gêneros da época,
na questão anterior, algumas são Tragédia tragédia e comédia, mas há outros tipos.
relativas a comportamentos de Tipos de textos dramáticos
Acontecimentos trágicos, geralmente com
personagens - (Pará de chorar.
finais funestos, cujos temas são relativos às
Enxuga as lágrimas); Chora mansa-
paixões humanas, com personagens heroicas.
mente.; Funga e enxuga os olhos...
Representação de acontecimentos humorísti-
– e também relativos a seus
cos, com caráter jocoso e satírico, em temas
deslocamentos - (sai); (correndo, Comédia
do cotidiano, de que participam personagens
segue Maria.); (entrando); (retorna estereotipados, que fazem rir.
ao quarto. Entram Chiquinho e
Teresinha); (sai correndo); (sai). Representação que conjuga elementos trágicos e
Tragicomédia
Apenas (Pausa.) é uma indicação cômicos.
para toda a cena e não para uma Representação de curta duração, que surgiu
personagem específica. no século XIV, de caráter crítico, tem diálogos
Farsa
9. Com base no quadro – Você simples e personagens caricaturais envolvi-
sabia? – sobre os tipos de textos das em situações cômicas, burlescas.
dramáticos, em função do tema, Tendo surgido na Idade Média, são textos
pode-se afirmar que o Texto 1 Auto curtos de temática cômica, geralmente
tem elementos que o identificam formados por um único ato.
a uma (A) tragédia.
10. A correta resposta à é (C) fala de
si em terceira pessoa (ele) porque Texto de autoria da equipe técnica do IQE.

não quer falar com o filho, Tião.


11. A coloquialidade da linguagem
presente no fragmento está em INSTRUÇÃO: Releia o início do Texto 1 para responder às questões 10 e 11.
(A) frase iniciada por pronome
oblíquo (me desculpe), elipse de
fonema vocálico intermediário
Tião – Papai...
(pra) e de fonema /r/ no infinitivo
verbal (tomá). Otávio – Me desculpe, mas seu pai ainda não chegou. Ele deixou um
12. A resposta correta à é (D) teve recado comigo, mandou dizer pra você que ficou muito admirado, que
coragem – trabalhou durante a se enganou. E pediu pra você tomá outro rumo, porque essa não é
greve. casa de fura-greve!
13. A correta resposta é (E) o deses-
pero de ambos.

10
10. É possível entender que Otávio
A) recusa-se a falar com Tião porque não é seu pai verdadeiramente.
B) manda o pai de Tião embora de casa porque ele furou a greve.
C) fala de si em terceira pessoa (ele) porque não quer falar com o filho, Tião.
D) é sincero quando pede desculpas a Tião pela ausência de seu pai.
E) transmite a Tião um recado do seu pai ausente pedindo para ele ir embora.

11. A linguagem coloquial pode ser observada no emprego de


A) frase iniciada por pronome oblíquo (me desculpe), elipse de fonema vocálico intermediário (pra) e de fonema /r/ no
infinitivo verbal (tomá).
B) vocabulário afetivo (papai) e elipse de fonema vocálico intermediário (pra) e de fonema /r/ no infinitivo verbal (tomá).
C) frase iniciada por pronome oblíquo (me desculpe) e de vocabulário afetivo (papai).
D) emprego de pronomes de primeira pessoa (me, comigo) e elipse de fonema vocálico intermediário (pra).
E) emprego de pronomes de terceira pessoa (ele, você) e de fonema /r/ no infinitivo verbal (tomá).

12. Assinale a alternativa que, respectivamente, substitui as expressões grifadas na frase abaixo sem perda de sentido.

Ele acha que você até que teve peito. Furou a greve e disse pra todo mundo, não fez segredo.

A) teve vontade – solidarizou-se com a greve.


B) teve força – descansou durante a greve.
C) teve ânimo - denunciou a greve.
D) teve coragem – trabalhou durante a greve.
E) teve fé – renunciou à greve.

13. Releia o trecho a seguir.

Tião – Não posso ficá, Maria... Não posso ficá! ...


Maria (Pará de chorar. Enxuga as lágrimas) – Então, vai embora... eu fico. Eu fico com Otavinho... Crescendo aqui,
ele vai tê medo... e quando tu acreditá na gente... por favor, volta! (sai)

O emprego de reticências nesse trecho contribui para expressar


A) a indignação de Tião.
B) a resistência de Maria.
C) as dúvidas de Maria.
D) as esperanças de ambos.
E) o desespero de ambos.

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Texto Dramático 11


Atividade 3 De um texto ao outro

14. Compare o vídeo (1), a encenação a que você assistiu em Ponto de Partida, ao Texto 1 (Eles não usam black-tie): a que
conclusões você chega sobre o desenrolar do enredo, quem são as personagens, o espaço e a passagem do tempo?

Orientação ao
PROFESSOR

Atividade 3 DE UM TEXTO AO OUTRO


14. A questão solicita uma comparação entre a encenação e o texto escrito de Eles não usam black-tie: pelo conteúdo do vídeo,
percebe-se que a cena é anterior ao Texto 1 e o tempo de representação é de menos de 6 minutos: entram no espaço cênico
dois atores (Maria e Tião), encharcados pela chuva; a casa é rudimentar (não há cadeiras para sentar); Tião fala pela janela com
o sambista Juvêncio que canta lá fora (música de fundo); serve-se de café, senta-se ao lado de Maria no chão; conversam sobre
comentários feitos por outros sobre Tião; Maria conta que está grávida; conversam sobre casamento e onde morar. Como se
percebe, no vídeo (1) restam apenas as falas dos atores representando a cena do texto dramático: a passagem do tempo está
marcada na progressão dos diálogos e pelo cessar da chuva.

Atividade 4

?
Você
SABIA? Martins Pena (1815-1848)
Dramaturgo brasileiro, introdutor da comédia de costumes no teatro no Brasil, e um dos principais autores
do Teatro no Romantismo do país, no século XIX.
Em 1838, a peça “O Juiz de Paz na Roça”, de sua autoria, foi apresentada no Teatro de São Pedro de Alcântara, pela
companhia de teatro João Caetano. Escreveu sátiras, farsas, dramas e comédia, explorando em suas peças a vida no Rio
de Janeiro, colocando em cena as questões do cotidiano da Corte, as rivalidades políticas, os abusos das autoridades, as
irregularidades comerciais, os casamentos por interesse etc.
Suas principais obras são: “A Família e a Festa na Roça” (1840), “O Caixeiro da Taverna” (1845), “O Judas em Sábado
de Aleluia” (1846), “Os Irmãos das Almas” (1846), “Quem Casa Quer Casa” (1847), “D. Leonor Teles” (1839), “O Noviço”
(1853) e “O Inglês Maquinista” (1871).
O juiz de paz na Roça (1838)
Primeira obra teatral de Martins é uma comédia de costumes em um ato com 23 cenas, representada em 4 de outubro de
1838, no Teatro de São Pedro de Alcântara (RJ), pela companhia teatral de João Caetano.
A peça satiriza os costumes rurais, focalizando a família de Manoel João (incluindo o negro Agostinho) e José da Fonseca,
que formam o núcleo mais importante da peça.
O juiz de paz, que dá título à comédia, é um corrupto que usa sua autoridade e inteligência para lidar com a inocência
dos roceiros, e os cômicos casos que trazem para ele resolver. O escrivão obedece às ordens do juiz, mas surpreende-se
com algumas de suas decisões.

FRAZÃO, Dilva. Martins Pena. Ebiografia, c2020. Disponível em: www.iqe.org.br/surl/?3fb526 Acesso em: 11 maio 2020. (Adaptado)

12
Texto 2

O JUIZ DE PAZ NA ROÇA

PERSONAGENS
JUIZ DE PAZ
ESCRIVÃO DO JUIZ (DE PAZ)
MANUEL JOÃO, lavrador (Guarda Nacional)
MARIA ROSA, sua mulher
ANINHA, sua filha
JOSÉ (DA FONSECA), amante de Aninha.
INÁCIO JOSÉ, JOSÉ DA SILVA, FRANCISCO ANTÔNIO, MANUEL ANDRÉ, SAMPAIO - lavradores.
TOMÁS, JOSEFA (JOAQUINA), GREGÓRIO - negros
(A cena é na roça)
ATO ÚNICO
CENA I

Sala com uma porta no fundo. No meio uma mesa, junto à qual estarão cosendo MARIA ROSA E ANINHA.
MARIA ROSA - Teu pai hoje tarda muito.
ANINHA - Ele disse que tinha hoje muito que fazer.
MARIA ROSA - Pobre homem! Mata-se com tanto trabalho! É quase meio-dia e ainda não voltou. Desde as quatro
horas da manhã que saiu; está só com uma xícara de café.
ANINHA - Meu pai quando principia um trabalho não gosta de o largar, e minha mãe bem sabe que ele tem só a
Agostinho.
MARIA ROSA - É verdade. Os meias-caras agora estão tão caros! Quando havia valongo eram mais baratos.
ANINHA - Meu pai disse que quando desmanchar o mandiocal grande há-de comprar uma negrinha para mim.
MARIA ROSA - Também já me disse.
ANINHA - Minha mãe, já preparou a jacuba para meu pai?
MARIA ROSA - É verdade! De que me ia esquecendo! Vai aí fora e traz dous limões. (ANINHA SAI) Se o Manoel
João viesse e não achasse a jacuba pronta, tínhamos campanha velha. Do que me tinha esquecido! (ENTRA ANINHA)
ANINHA - Aqui estão os limões.
MARIA ROSA - Fica tomando conta aqui, enquanto eu vou lá dentro. (SAI)
ANINHA - (SÓ) - Minha mãe já se ia demorando muito. Pensava que já não poderia falar com senhor José, que
está esperando-me debaixo dos cafezeiros. Mas como minha mãe está lá dentro, e meu pai não entra nesta
meia hora, posso fazê-lo entrar aqui. (CHEGA À PORTA E ACENA COM O LENÇO.) Ele aí vem.

CENA II

Entra José com calça e jaqueta branca.


JOSÉ - Adeus, minha Aninha! (QUER ABRAÇÁ-LA.)
ANINHA - Fique quieto. Não gosto destes brinquedos. Eu quero casar-me com o senhor, mas não quero que me
abrace antes de nos casarmos. Esta gente quando vai à Corte, vem perdida. Ora, diga-me, concluiu a venda do
bananal que seu pai lhe deixou? Se o senhor agora tem dinheiro, por que não me pede a meu pai?
JOSÉ - Dinheiro? Nem vintém!

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Texto Dramático 13


Orientação ao
PROFESSOR
ANINHA - Nem vintém! Então o que fez do dinheiro? É assim que me
ama? (CHORA.)

Atividade 4 JOSÉ - Minha Aninha, não chores. Oh, se tu soubesses como é bonita
a Corte! Tenho um projeto que te quero dizer.
Texto 2 ANINHA - Qual é?
Esta atividade versa sobre um JOSÉ - Você sabe que eu agora estou pobre como Jó, e então tenho
fragmento do texto dramático Juiz de pensado em uma cousa. Nós nos casaremos na freguesia, sem que
paz na roça, de Martins Pena, datado teu pai o saiba; depois partiremos para a Corte e lá viveremos.
do século XIX, o que já faz supor
ANINHA - Mas como? Sem dinheiro?
outro contexto histórico-social, outros
costumes, outra linguagem. O quadro JOSÉ - Não te dê isso cuidado: assentarei praça nos Permanentes.
– Você sabia? – traz informações
ANINHA - E minha mãe?
básicas sobre o autor, suas obras e
a síntese da peça teatral que se vai JOSÉ - Que fique raspando mandioca, que é ofício leve. Vamos para a
estudar nesta Sequência Didática. Corte, que você verá o que é bom.
Segundo Alfredo Bosi (História ANINHA - Mas então o que é que há lá tão bonito?
Concisa da Literatura Brasileira. JOSÉ - Eu te digo. Há três teatros, e um deles maior que o engenho do
São Paulo; Cultrix, 1970, p.164):
capitão-mor.
“O intuito de Martins Pena era fazer
ANINHA - Oh, como é grande!
rir pela insistência na marcação de
tipos roceiros e provincianos em JOSÉ - Representa-se todas as noites. Pois uma mágica... Oh, isto é
contato com a Corte. O tom passa cousa grande!
de cômico ao bufo, e a represen-
ANINHA - O que é mágica?
tação pode virar farsa a qualquer
momento: o labrego de Minas JOSÉ - Mágica é uma peça de muito maquinismo.
ou o fazendeirão paulista seriam ANINHA - Maquinismo?
fonte de riso fácil para o público
JOSÉ - Sim, maquinismo. Eu te explico. Uma árvore se vira em uma
fluminense, e o nosso autor não
perde vaza para explorar-lhes a lin- barraca; paus viram-se em cobras, e um homem vira-se em macaco.
guagem, as vestes, as abusões”. ANINHA - Em macaco! Coitado do homem!
Seria também, muito interessante JOSÉ - Mas não é de verdade.
que os alunos pudessem ler inte-
ANINHA - Ah, como deve ser bonito! E tem rabo?
gralmente essa peça, visto que dela
se extraíram apenas três cenas. JOSÉ - Tem rabo, tem.
15. A leitura do Texto 2 indica tratar-se ANINHA - Oh, homem!
do início da peça O Juiz de paz na
JOSÉ - Pois o curro dos cavalheiros! Isto é que é cousa grande! Há
roça: a apresentação das perso-
uns cavalos tão bem ensinados, que dançam, fazem mesuras, saltam,
nagens é um texto secundário que
falam, etc. Porém o que mais me espantou foi ver um homem andar
também informa o local em que a
narrativa se passa (na roça). em pé em cima do cavalo.

16. Não há narrador no Texto 2, nem ANINHA - Em pé? E não cai?


foco narrativo, tal como em geral JOSÉ - Não. Outros fingem-se bêbados, jogam os socos, fazem exer-
se apresentam os textos dra- cício e tudo isto sem caírem. E há um macaco chamado o macaco
máticos. O andamento do texto Major, que é cousa de espantar.
está na sequência coerente das
cenas e das falas de personagens ANINHA - Há muitos macacos lá?
(diálogos, monólogos, apartes), na JOSÉ - Há, e macacas também.
movimentação de personagens,
ANINHA - Que vontade tenho eu de ver todas estas cousas!
na manutenção do cenário, nas
rubricas orientadoras dos atores, JOSÉ - Além disto há outros divertimentos. Na Rua do Ouvidor há um
direção e arte. cosmorama, na Rua de São Francisco de Paula outro, e no Largo uma

14
Orientação ao
PROFESSOR
casa aonde se veem muitos bichos cheios, muitas conchas, cabritos
com duas cabeças, porcos com cinco pernas etc.
ANINHA - Quando é que você pretende casar-se comigo? 17. Na CENA I, as ações praticadas
por Maria Rosa (a mãe) e Aninha
JOSÉ - O vigário está pronto para qualquer hora. (a filha) são sequentes: ambas
ANINHA - Então, amanhã de manhã. conversam na sala; Aninha sai
a pedido da mãe para buscar
JOSÉ - Pois sim. (CANTAM DENTRO.)
limões; volta à sala; em seguida,
ANINHA - Aí vem meu pai! Vai-te embora antes que ele te veja. Maria Rosa sai, deixando Aninha
JOSÉ - Adeus lá, não falte! (SAI JOSÉ) só com seus pensamentos. O
tempo representado é de alguns
minutos. Na CENA II, também o
PENA, Martins. O Juiz de paz na roça. Disponível em tempo decorrido é linear e o tem-
www.iqe.org.br/surl/?7b3227 Acesso em: 10 mar. 2017.
po representado corresponde a
alguns minutos: José (o namora-
do) entra na sala, tenta conven-
15. A inicial lista de personagens com a indicação de lugar faz parte do texto
cer Aninha a fugir com ele para
secundário?
a Corte; José sai da sala com a
aproximação do pai de Aninha.
Nas duas cenas, a marcação
temporal é feita nas rubricas,
pois elas contêm as informações
sobre as ações sequentes das
16. No Texto 2, há um narrador e foco narrativo?
personagens (entra, sai etc.).
18. Na CENA I, as personagens que
dialogam são Maria Rosa (a mãe,
personagem secundária) e Aninha
(a filha); na CENA II, José (o namo-
17. Qual a relação da divisão em cenas (unidades da ação dramática), as rubricas rado) e Aninha, são os protagonis-
e a sequência temporal no Texto 2? tas de uma relação amorosa.
19. No Texto 2, há diálogos entre a
Maria Rosa e Aninha (CENA I) e
entre José e Aninha (CENA II). Ao
final da CENA I, há um monólogo
de Aninha, mas não há apartes.
18. Quem são as personagens que dialogam no Texto 2? Relacionando-as com
20. As rubricas em itálico do Texto
a lista que antecede o ATO ÚNICO pode-se identificar seus papéis?
2, iniciam as cenas com informa-
ções sobre lugar e o que fazem
as personagens; as rubricas den-
tro de parêntesis estão em letras
maiúsculas e têm a finalidade de
indicar entradas e saídas de cena
19. No texto principal do Texto 2, há diálogos, monólogos e/ou apartes?
das personagens.
Exemplifique.
21. A correta resposta é (D) “Fique
quieto. Não gosto destes brin-
quedos. Eu quero casar-me com
o senhor, mas não quero que me
abrace antes de nos casarmos”.
20. A distinção de rubricas em itálico e em letras maiúsculas, dentro de parêntesis, Nesse trecho, se percebe que,
servem a que finalidade? naquela época, era adequado
que uma moça devesse manter o
pretendente à distância.

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Texto Dramático 15


21. O trecho que demonstra que O juiz de paz na roça é uma comédia de costumes, ou seja, em que os tipos humanos, as
situações de época e os hábitos são relativos ao contexto social, é:
A) Pobre homem! Mata-se com tanto trabalho! É quase meio-dia e ainda não voltou.
B) Se o Manoel João viesse e não achasse a jacuba pronta, tínhamos campanha velha. Do que me tinha esquecido!
C) Minha Aninha, não chores. Oh, se tu soubesses como é bonita a Corte! Tenho um projeto que te quero dizer.
D) Fique quieto. Não gosto destes brinquedos. Eu quero casar-me com o senhor, mas não quero que me abrace antes
de nos casarmos.
E) Há uns cavalos tão bem ensinados, que dançam, fazem mesuras, saltam, falam, etc.

22. A figura de linguagem existente na frase – “Você sabe que eu agora estou pobre como Jó, e então tenho pensado em
uma cousa”. – é
A) metáfora.
B) metonímia.
C) antítese.
D) personificação.
E) comparação.

23. Leia os trechos do Texto 2.


I- Meu pai disse que quando desmanchar o mandiocal grande há-de comprar uma negrinha para mim.
II- Outros fingem-se bêbados, jogam os socos, fazem exercício e tudo isto sem caírem.
III- Porém o que mais me espantou foi ver um homem andar em pé em cima do cavalo.
IV- Nós nos casaremos na freguesia, sem que teu pai o saiba; depois partiremos para a Corte e lá viveremos.
Há referência à situação social e política do século XIX apenas em
A) I e II.
B) II e III.
C) I e IV.
D) I, II e III.
E) II, III e IV.

Orientação ao
PROFESSOR

22. Tem como resposta correta a alternativa (E) comparação, pois nessa frase José compara sua pobreza à de Jó, personagem
bíblica.
23. A alternativa (C) I e IV, está correta, pois em I se faz menção a “comprar uma negrinha”, portanto era tempo de escravidão no
Brasil; em IV, o termo “Corte” também é relativo ao período colonial.

16
Atividade 5 De um texto ao outro

Leia e compare outras duas cenas de O juiz de paz na roça.

CENA III

ANINHA, (SÓ) Como é bonita a Corte! Lá é que a gente se pode divertir, e não aqui, aonde só se ouve os sapos
cantarem. Teatros, mágicos, cavalos que dançam, cabeças com dous cabritos, macaco major.... Quanta cousa.
Quero ir para a Corte!
[...]
CENA IX

Sala em casa do JUIZ DE PAZ. Mesa no meio com papéis; cadeiras. Entra o JUIZ DE PAZ vestido de calça branca,
rodaque de riscado, chinelas verdes e sem gravata.
JUIZ - Vamo-nos preparando para dar audiência. (ARRANJA OS PAPÉIS.) O escrivão já tarda; sem dúvida está na
venda do Manuel do Coqueiro... O último recruta que se fez já vai-me fazendo peso. Nada, não gosto de presos
em casa. Podem fugir, e depois dizem que o juiz recebeu algum presente. (BATEM À PORTA) Quem é? Pode en-
trar. (ENTRA UM PRETO COM UM CAICHO DE BANANAS E UMA CARTA, QUE ENTREGA AO JUIZ. JUIZ, LENDO A
CARTA:) “Ilmo. Sr. Muito me alegro de dizer a V.Sa. que a minha ao fazer desta é boa, e que a mesma desejo para
V.Sa. pelos circunlóquios com que lhe venero”. (DEIXANDO DE LER:) Circunlóquios... Que nome em breve! O que
quererá ele dizer? Continuemos. (LENDO:) “Tomo a liberdade de mandar a V.Sa. um caicho de bananas maçãs
para V.Sa. comer com a sua boca e dar também a comer à Sra. Juíza e aos Srs. Juizinhos. V.Sa há-de reparar na
insignificância do presente; porém, Ilmo. Sr., as reformas da Constituição permitem a cada um fazer o que quiser,
e mesmo fazer presentes; ora, mandando assim as ditas reformas V.Sa. fará o favor de aceitar as ditas bananas,
que diz minha Teresa Ova serem muito boas. No mais, receba as ordens de quem é seu venerador e tem a honra
de ser “Manuel André de Sapiruruca.” Bom, tenho bananas para a sobremesa. Ó pai, leva estas bananas para
dentro e entrega à senhora. Toma lá um vintém para teu tabaco. (SAI O NEGRO) O certo é que é bem bom ser juiz
de paz cá pela roça. De vez em quando temos nossos presentes de galinhas, bananas, ovos, etc., etc. (BATEM À
PORTA) Quem é?
ESCRIVÃO - (DENTRO) Sou eu.
JUIZ - Ah, é o escrivão. Pode entrar.

PENA, Martins. O Juiz de paz na roça. Disponível em


www.iqe.org.br/surl/?7b3227 Acesso em: 10 mar. 2017.

24. As características das personagens Aninha (CENA III) e do juiz de paz (CENA IX) que se podem perceber, respectiva-
mente, são:
A) corrupta – autoritário.
B) ambiciosa – corrupto.
C) ingênua - ambicioso.
D) fútil – desleixado.
E) caipira – vaidoso.

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Texto Dramático 17


25. A CENA III traz um monólogo de Aninha, que, estando só, fala consigo mesma.
Orientação ao
PROFESSOR Na CENA IX há também monólogo do juiz de paz no trecho:
A) Quem é? Pode entrar.
B) Circunlóquios... Que nome em breve! O que quererá ele dizer?
Atividade 5
C) Tomo a liberdade de mandar a V.Sa. um caicho de bananas maçãs.
D) V.Sa há-de reparar na insignificância do presente.
DE UM TEXTO AO OUTRO
E) Ah, é o escrivão. Pode entrar.
24. A correta resposta é (B) ambicio-
sa – corrupto, tendo em vista que
na CENA III, Aninha deseja ir para 26. Leia os trechos das CENAS III e IX a seguir:
a Corte gozar a vida; na CENA IX,
o juiz demonstra ser corrupto,
pois aceita presentes daqueles a
I - Se o Manoel João viesse e não achasse a jacuba pronta, tínhamos
quem deve julgar.
campanha velha. Do que me tinha esquecido!
25. Na CENA IX, há monólogo do
juiz em (B) Circunlóquios... Que II - Pensava que já não poderia falar com senhor José, que está
nome em breve! O que quererá esperando-me debaixo dos cafezeiros.
ele dizer? III - O último recruta que se fez já vai-me fazendo peso. Nada, não
26. A alternativa correta é (C) I e IV, gosto de presos em casa.
pois há termos empregados no IV - Toma lá um vintém para teu tabaco.
século XIX: jacuba e vintém.

Atividade 6 Observa-se emprego de léxico relativo à variação linguística histórica em


apenas
O quadro – Você sabia? – traz infor- A) I e II.
mações básicas sobre o dramaturgo
B) I e III.
Gil Vicente e suas obras, dentre
elas a Farsa ou Auto de Inês Pereira. C) I e IV.
Essas informações poderão ser
D) II e III.
complementadas pelo professor.
E) III e IV.

Atividade 6

?
Você
SABIA? Gil Vicente (provavelmente, 1465 – 1537)
A primeira obra do dramaturgo, “Auto da Visitação” (ou “Monólogo do vaqueiro”), data de 1502 e foi ence-
nada pelo próprio Gil Vicente na câmara da rainha D. Maria em comemoração ao nascimento de D. João,
futuro rei D. João III.
Sua obra é de transição entre a Idade Média e o Renascimento, pois parte dela tem temática medieval (valores religio-
sos) e a outra parte contém críticas à nobreza, ao clero e à burguesia, temas característicos do movimento Humanista.
Gil Vicente foi quem desenvolveu e fixou o gênero auto na dramaturgia de língua portuguesa, constituindo-se em rica
fonte para se entender a língua e sociedade portuguesa do século XVI, com seus pensamentos, costumes e vícios.
Suas principais obras são: “Auto Pastoril Castelhano” (1502), “Auto da Índia” (1509), “O Velho da Horta” (1512), “Auto da
Barca do Inferno” (1517), “Auto da Barca do Purgatório” (1518), “Auto da Barca da Glória” (1519), “Farsa de Inês Pereira”
(1523), “Auto Pastoril Português” (1523) e “Farsa do Juiz da Beira” (1525).

18
Orientação ao
PROFESSOR
Farsa ou Auto de Inês Pereira
Inês Pereira, bonita e solteira, sonha com um noivo educado e cavalheiro,
capaz de lhe dar uma vida feliz, por isso descarta um rico pretendente, Texto 3
Pero Marques, por ser um rústico camponês, que lhe fora apresentado por Esse nome dado por Gil Vicente ao
Lianor Vaz. Inês contrata dois judeus, Latão e Vidal, para encontrar um
texto dramático que se vai estudar
marido; eles lhe apresentam Brás da Mata, que se casa com ela, mas que
nessa SD já é demonstrativo da
logo se revela um tirano: tranca Inês em casa e a proíbe até de olhar pela
permeabilidade da classificação de
janela e de ir à missa.
peças teatrais do dramaturgo em
Brás parte para a guerra, mas ordena ao Moço que vigie Inês para que tipos, especialmente, farsa ou auto.
continue trancada dentro de casa. Brás morre, Inês casa-se com Pero De fato, a diferença que se pode
Marques, a quem engana com um antigo namorado, o falso Ermitão. No observar entre eles (Cf. quadro -
dia do encontro marcado entre eles, sem saber estar sendo enganado, Você sabia? - sobre Tipos de textos
Pero Marques leva Inês à ermida, atravessando um rio com a mulher nas dramáticos), é sutil, pois ambos são
costas, justificando o mote dessa comédia de costumes: “mais vale asno
textos da Idade Média, curtos, com
que me leve que cavalo que me derrube”.
temática cômica.
No entanto, a tradição de estudos
FRAZÃO, Dilva. Gil Vicente. Ebiografia, c2020. literários consagrou o título Farsa de
Disponível em:www.iqe.org.br/surl/?509415
Acesso em: 11 maio 2020. (Adaptado) Inês Pereira, conforme é citada essa
peça pelos estudiosos portugueses
SARAIVA, Antonio José e LOPES,
Você vai ler a apresentação de Farsa ou Auto de Inês Pereira, de Gil Vicente e Oscar. História da Literatura Portu-
seu trecho inicial (Texto 3) e, em seguida, o seu trecho final (Texto 4). guesa. Porto Editora- Portugal, 1973,
p. 193-222. Os autores alertam:
Texto 3
“Esta classificação do teatro
vicentino em autos pastoris,
moralidades, farsas, autos
FARSA OU AUTO DE INÊS PEREIRA cavalheirescos, autos alegóricos
(de tema profano) não passa de
A seguinte farsa de folgar foi representada ao muito alto e mui simples tentame aproximativo.
poderoso rei D. João, o terceiro do nome em Portugal, no seu Con- [...] Por outro lado, se analisarmos
a estrutura de peças, verificamos
vento de Tomar, era do Senhor de MDXXIII. O seu argumento é que
que os autos pastoris são farsas
porquanto duvidavam certos homens de bom saber se o Autor fazia
de assunto caracterizadamente
de si mesmo estas obras, ou se furtava de outros autores, lhe deram campestre; que as farsas mais
este tema sobre que fizesse: segundo um exemplo comum que dizem: desenvolvidas, como a Inês
mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube. E sobre este Pereira, constituem, exatamente
motivo se fez esta farsa. como os autos cavalheirescos,
formas de teatro de enredo; que,
As figuras são as seguintes: Inês Pereira; sua Mãe; Lianor Vaz; Pêro
enfim, só quanto ao tema se dis-
Marques; dous Judeus (um chamado Latão, outro Vidal); um Escudeiro tinguem facilmente as alegorias
com um seu Moço; um Ermitão; Luzia e Fernando. profanas das moralidades. Assim,
podemos dizer que encontramos
Finge-se que Inês Pereira, filha de (Falando) em Gil Vicente três formas de
hüa molher de baixa sorte, muito estrutura cênica: a farsa, simples
INÊS - Renego deste lavrar episódio característico de um
fantesiosa, está lavrando em casa,
E do primeiro que o usou; caso ou um tipo social-moral,
e sua mãe é a ouvir missa, e ela
que tem talvez o seu melhor
canta esta cantiga: Ó diabo que o eu dou,
exemplo em Quem tem farelos?
Canta Inês: Que tão mau é d’aturar. (autêntica Farsa do Escudeiro); o
auto de enredo com modalidades
Quien con veros pena y muere Oh Jesu! que enfadamento,
exemplificáveis pela Inês Pereira
Que hará quando no os viere? E que raiva, e que tormento, e pelo Amadis de Gaula; e o auto
Que cegueira, e que canseira! alegórico, quer religioso, como a
dos autos das Barcas, quer pro-
fano, como Frágua do Amor ou o
Triunfo do Inverno.” (p. 204-205).

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Texto Dramático 19


Orientação ao
PROFESSOR u hei-de buscar maneira Todas folgam, e eu não,
D’algum outro aviamento. Todas vêm e todas vão
Nesta SD, o texto dramático Farsa ou
Auto de Inês Pereira foi conservado
na língua original, conforme escrito Coitada, assi hei-de estar Onde querem, senão eu.
por Gil Vicente (século XVI), para que
Encerrada nesta casa Hui! e que pecado é o meu,
os alunos tenham a oportunidade de
conhecer com maior profundidade Como panela sem asa, Ou que dor de coração?
essa variação linguística históri-
Que sempre está num lugar?
ca. Por estar escrito em versos,
acredita-se não ser adequada sua Esta vida he mais que morta.
“tradução” para os alunos, o que E assi hão-de ser logrados Sam eu coruja ou corujo,
poderia destruir, possivelmente, suas
construções poéticas. Por outro lado, Dous dias amargurados, Ou sam algum caramujo
acredita-se que a tradução não seja Que eu possa durar viva?
propriamente necessária por ser
possível aos alunos compreenderem E assim hei-de estar cativa Que não sai senão à porta?
o sentido geral do texto. No entanto, Em poder de desfiados? E quando me dão algum dia
caso o professor ache importante,
poderá traduzir-lhes certos trechos Licença, como a bugia,
e palavras, ou sugerir a consulta Antes o darei ao Diabo Que possa estar à janela,
a dicionário etimológico em sites
Que lavrar mais nem pontada. É já mais que a Madanela
especializados, tais como o site:
Já tenho a vida cansada Quando achou a aleluia.
De fazer sempre dum cabo.
USP. GMHP: Grupo de Morfologia Histórica do
Português, s.d. Página inicial. Disponível em:
http://www.usp.br/gmhp/Dici.html.
Acesso em: 11 maio 2020. VICENTE, Gil. Farsa ou Auto de Inês Pereira. A Biblioteca Virtual do Estudante
Brasileiro. A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo. Disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000111.pdf
Acesso em: 15 mar. 2017.
27. A apresentação inicial, do pró-
prio Gil Vicente, e a lista prévia
das personagens constituem o 27. A apresentação inicial e lista de personagens faz parte do texto secundário?
texto secundário.
28. O itálico serve para destacar as
informações sobre as ações das
personagens e sua localização
nas rubricas do texto.
28. Para que foi usado o itálico nesse texto?
29. O texto principal é um monó-
logo de Inês Pereira, escrito em
estrofes com nove versos com
o seguinte esquema de rimas:
ABBACCDDC.
30. Na primeira estrofe, Inês adota 29. Como se apresenta o texto principal? Justifique.
um tom exasperado para dizer
que está enfadada, com raiva,
atormentada, cega e cansada; na
segunda estrofe se diz “coitada”;
presa, cativa em casa.
31. A resposta correta é (A) Finge-
se que Inês Pereira, filha de hüa 30. No Texto 3, Inês fala de si para si mesma, reclama. Como ela se caracteriza?
molher de baixa sorte, visto que
a expressão grifada está escrita
com a grafia do século XIV
(uma mulher).

20
31. O Texto 3 conserva sua linguagem original, tipificando a variação linguística histórica em relação à sintaxe, ao léxico e
à grafia do século XVI. O termo e/ou expressão grifada que constitui variação histórica é:
A) Finge-se que Inês Pereira, filha de hüa molher de baixa sorte.
B) E que raiva, que tormento, / Que cegueira, e que canseira!
C) Encerrada nesta casa / Como panela sem asa.
D) E assim hei-de estar cativa / Em poder de desfiados?
E) Todas folgam, e eu não, / Todas vêm e todas vão.

Texto 4

Põe-se Inês Pereira às costas do marido, e diz: PÊRO - "Pois assi se fazem as cousas."
INÊS - Marido, assi me levade. INÊS - "Bem sabedes vós, marido,
PÊRO - Ides à vossa vontade? Quanto vos amo.
INÊS - Como estar no Paraíso! Sempre fostes percebido
PÊRO - Muito folgo eu com isso. Pera gamo.
INÊS - Esperade ora, esperade! Carregado ides, noss’amo,
Olhai que lousas aquelas, Com duas lousas."
Pera poer as talhas nelas! PÊRO - "Pois assi se fazem as cousas"
PÊRO - Quereis que as leve? INÊS - "Bem sabedes vós, marido,
INÊS - Si. Uma aqui e outra aqui. Quanto vos quero.
Oh como folgo com elas! Sempre fostes percebido
Cantemos, marido, quereis? Pera cervo.
PÊRO - Eu não saberei entoar. Agora vos tomou o demo
INÊS - Pois eu hei só de cantar Com duas lousas."
E vós me respondereis PÊRO - "Pois assi se fazem as cousas."
Cada vez que eu acabar:
"Pois assi se fazem as cousas". E assi se vão, e se acaba o dito Auto.
Canta Inês Pereira:
INÊS - "Marido cuco me levades
E mais duas lousas."

VICENTE, Gil. Farsa ou Auto de Inês Pereira. A Biblioteca Virtual do Estudante


Brasileiro. A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo. Disponível em
www.iqe.org.br/surl/?e0cb62 Acesso em: 15 mar. 2017.

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Texto Dramático 21


32. A situação narrada no Texto 4 é característica de uma comédia de costumes?
Orientação ao
PROFESSOR Justifique.

Texto 4
32. A situação narrada no Texto
4 é típica de uma comédia de
costumes, em que se satirizam
tipos rudes, como Pero, mulheres 33. Releia as passagens do Texto 4:
ambiciosas e adúlteras, como
Aninha.
33. A resposta correta é (A) irônico, I - PÊRO - Muito folgo eu com isso.
pois, nesse caso, quando Inês
exclama “Oh como folgo com II - INÊS - Si. Uma aqui e outra aqui. / Oh como folgo com elas!
elas!”, está se referindo também
à estupidez do marido que, além
dela, aceita carregar mais duas
O contexto, aliado ao emprego da interjeição (Oh) e da pontuação exclamati-
pesadas pedras.
va, imprimem ao termo folgo, em II, sentido
34. No texto 4, percebe-se a sátira a
A) irônico.
tipos sociais como: Pêro (campo-
nês rústico e ignorante); Inês – e B) cômico.
Aninha, do texto 3 – (a solteira
C) redundante.
que deseja casar-se); os judeus
(Latão e Vidal); a casamenteira D) comparativo.
(Lianor Vaz). E) afetivo.
35. A alternativa correta é (B) uso
coloquial de linguagem no
diálogo entre marido e mulher, 34. As personagens do teatro vicentino são tipos ou alegorias, ou seja, são
sendo típico da época o uso de representações de grupos, de instituições ou de ideias, por isso servem a
pronomes e de formas verbais de uma finalidade moral preconcebida pelo autor.
2ª pessoa do plural. Com base no texto 4, justifique essa afirmação.
36. A resposta correta é (D) compara-
ção, visto que a frase dita por Inês
- Como estar no Paraíso! - responde
à pergunta feita pelo marido - Ides
à vossa vontade? -, ou seja: Estou
confortável, à vontade, como se
estivesse no Paraíso.
35. O modo de falar das personagens reproduz a maneira como as pessoas
Atividade 7 da época falavam, ao dirigirem a palavra a um interlocutor. No Texto 4, é
possível observar:
DE UM TEXTO AO OUTRO A) o uso de 2ª pessoa do plural nas formas verbais e alguma formalidade
37. Sugere que o aluno, numa linha na linguagem, típica da conversa entre os esposos de antigamente.
temporal, analise as semelhan- B) uso coloquial de linguagem no diálogo entre marido e mulher, sendo típico
ças e/ou diferenças temáticas e da época o uso de pronomes e de formas verbais de 2ª pessoa do plural.
estilísticas entre os três autores
e épocas estudadas. Em relação C) formalidade de linguagem, atestada pelo uso de pronomes e de formas
aos temas e ao tipo de finalidade verbais de 2ª pessoa do plural na conversa entre as personagens.
(fazer rir), é possível aproximar D) uso coloquial de linguagem em função de aparecerem formas verbais
os textos dramáticos de Martins de 2ª pessoa do singular e do plural.
Pena e de Gil Vicente, ambos
E) o uso de pronomes e de formas verbais de 2ª pessoa do plural, caracte-
cômicos, e satíricos, trazem per-
sonagens caricatos. Já o texto de rizando o emprego formal da linguagem, típico do século XVI.

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36. A figura de linguagem existente em Como estar no Paraíso! é:
Orientação ao
A) metáfora. PROFESSOR
B) sinestesia.
C) antítese. Gianfrancesco Guarnieri aborda
outro tema e situa-se como uma
D) comparação. tragédia. Também é interessante
E) metonímia. observar que a estrutura básica
do texto dramático foi mantida
nos textos dos três autores, ape-
sar de serem de épocas diversas:
o texto principal traz os diálogos
Atividade 7 De um texto ao outro e monólogos e apartes das
personagens; o texto secundário
traz a orientação das cenas,
37. Numa perspectiva temporal – do século XVI ao século XX –, estabeleça
atores etc., em itálico ou dentro
as relações temáticas ou estilísticas entre os autores Gil Vicente, Martins
de parêntesis; não há narrador; a
Pena e Gianfrancesco Guarnieri, a partir dos respectivos textos dramáticos
passagem do tempo é linear; há
estudados nesta Sequência Didática. pouca ou nenhuma alteração de
lugar/ambiente. No entanto, en-
quanto os textos de Martins Pena
e de Gianfrancesco Guarnieri são
escritos em prosa, o texto de
Gil Vicente é escrito em versos,
divididos em estrofes regulares,
mantendo o mesmo esquema
de rimas. Observa-se também
que a linguagem é coloquial nos
três autores e respectivos textos,
Atividade 8 Quem sabe diz em função dos tipos de temas e
personagens.

38. Com seus colegas, escolha um dos textos dramáticos desta Sequência
Didática para realizar uma leitura dramatizada, ou, se possível, outro trecho Atividade 8
das mesmas obras. Distribuam entre si as falas das diversas personagens,
realizem uma primeira leitura compreensiva das falas e, em seguida, QUEM SABE DIZ
ensaiem quantas vezes julgarem necessárias para que os diálogos, os 38. Propõe uma atividade oral de
monólogos e/ou apartes sejam ditos com adequação. Vocês devem: leitura, em que os alunos devem
a) ler com fluência, ritmo, respiração, pausas e entonação adequados à ler dramaticamente um dos
interpretação do texto e seus matizes na construção de seu sentido; fragmentos dos textos estuda-
dos. Se preferir, o professor e
b) manter postura, gestualidade e expressividade adequadas à situação
seus alunos poderão escolher
comunicativa. outros trechos que não apenas
os estudados nessa SD.
Os colegas, que constituirão a plateia, deverão: ouvir e apreender o sentido e A proposição da atividade
a interpretação do texto dramático, analisar a fluência, o ritmo, a respiração, as estabelece expectativas de
pausas e a entonação empregados na leitura dramatizada, tendo em vista os aprendizagem de leitura para os
objetivos de compreensão e interpretação do texto ouvido. que assumirem os papéis de per-
sonagens e, portanto, realizarem
a leitura dramatizada, e também
expectativas de aprendizagem
de escuta de textos para os
alunos que ouvirão/assistirão,
como seus espectadores.

Sequência Didática | Língua Portuguesa | Leitura e Interpretação de Textos | Texto Dramático 23


Sistematizando
APRENDIZAGENS

Nessa Sequência Didática, você refletiu sobre o gênero texto dramático, estudando suas características de composição
e de linguagem, analisando em retrospectiva alguns fragmentos de peças teatrais de épocas distintas: do século XX, Eles
não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri; do século XIX, O juiz de paz na roça, de Martins Pena; e do século XVI a Farsa
ou Auto de Inês Pereira, de Gil Vicente.
Teve, ainda, a oportunidade de fazer uma leitura dramatizada de um texto dramático e/ou, ouvindo-a, analisar a
pertinência de sua elocução.
O quadro, a seguir, sintetiza a caracterização do gênero texto dramático.

Autoria Explícita (um dramaturgo).

Suportes Livro.
Contexto

Leitor provável Apreciador de histórias, de narrativas de ficção.

Temas Muito variados.

Finalidade A depender do tipo (comédia, tragédia, tragicomédia, farsa, auto), pode fazer rir, chorar etc.

Título O título, em geral, anuncia o tema do texto dramático.

a) Lista de personagens; apresentação inicial; indicação de cenário.


b) Texto principal (diálogos, monólogos e apartes).
Partes do
Composição

c) Texto secundário (rubricas com marcações para o desenvolvimento da ação, a constituição


texto
do cenário, a movimentação das personagens etc.).
d) Divide-se em atos e cenas.

a) Narrativa escrita para ser encenada.


b) Contém: enredo, personagens, espaço, tempo (representado e de representação).
Características
c) Geralmente, não tem narrador.
d) Tipos: comédia, tragédia, tragicomédia, farsa, auto.
Linguagem

1. Presença de diálogos, monólogos, apartes.


2. Linguagem literária (figuras de linguagem).
3. Variação linguística.

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