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Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
O MUNDO ESTAVA um inferno.
Fumaça espessa. Cinzas. Calor escaldante.
Vhalla correu entre figuras feitas de sombras. Mais e mais
rápido, ela correu através da noite, de uma cena horrível para a
outra, como se estivesse correndo em direção ao fim do mundo. Os
espectros sombrios e sem rosto começaram a se aproximar dela,
impedindo-a, sufocando-a.
Lágrimas já manchavam suas bochechas quando ela estendeu a
mão para afastar o primeiro. A aparição soltou um grito de gelar o
sangue antes de ser dilacerada, dissolvendo-se em uma fumaça
que era semelhante ao vento. As pontas de seus dedos pousaram
na próxima - outro grito. Ela não queria continuar, mas seu coração
batia ao som de duas únicas palavras - mais rápido, mais rápido,
mais rápido..
Então Vhalla correu. Ela correu, e cada figura espectral com a
qual entrava em contato se dissolvia na escuridão que lentamente a
invadia. Nada podia impedir os gritos moribundos das pessoas das
sombras, gritos que ecoavam em sua própria alma - nem as palmas
das mãos pressionadas sobre seus ouvidos, nem mesmo seus
próprios gritos.
E de repente, silêncio.
Vhalla abaixou as mãos devagar, abrindo um olho e depois o
outro. Não havia nada atrás dela, nem aos lados; o caminho à sua
frente estava iluminado por uma única chama cintilante, que
consumia um edifício que desabou sobre si mesmo. Puxados por
uma força invisível, seus pés se arrastaram um centímetro após o
outro em direção aos escombros. Já era tarde demais. Ela chegava
tarde demais todas as vezes, todas as noites.
Vhalla começou a puxar os escombros para o lado, um grande
bloco de cada vez. As chamas lambiam suas mãos, mas não a
queimavam. Elas nem mesmo pareciam quentes. Ele estava lá
embaixo, esperando por ela, e Vhalla pegou nos braços o corpo
maltratado e ensanguentado de seu amigo morto, chorando até sua
garganta ficar ferida.
— Sareem, — ela soluçou no ombro sangrento dele. — Eu
prometo, na próxima vez serei mais rápida. Por favor, não espere
por mim.
As mãos dele ganharam vida, agarrando os braços dela. Com
uma força repentina, o homem inverteu as posições, batendo a
garota contra o chão, sua carcaça pressionando-a na rua de
paralelepípedos. Metade do rosto dele não passava de uma massa
nojenta e disforme que pingava sangue no ombro dela.
— Vhalla, — ele sibilou. Parte de sua mandíbula se foi e o osso
restante se moveu em uma inclinação estranha. — Por que você
não veio?
— Eu tentei! — Ela chorou, implorando. — Desculpe, Sareem,
desculpe!
— Você não estava lá. — O cadáver de seu amigo se inclinou
para frente, quase tocando seu rosto. — Você não estava lá, e eu
morri por sua causa.
— Eu sinto muito! — Vhalla gritou.
— Você estava com ele. — Seu aperto cortou a circulação do
sangue para os braços dela, e os dedos de Vhalla ficaram
dormentes. — Você estava com ele! — Ele a sacudiu. — Onde ele
está agora? Onde ele está agora? — Seu amigo de infância exigiu,
balançando seu corpo como uma boneca de pano, a cabeça dela
batendo no chão.
Ela acordou uma terceira vez e então uma quarta e uma quinta.
Sua mente estava fortemente munida com pesadelos. Daniel se
fora, e ela ouviu conversas abafadas do outro lado da porta. Vhalla
reconheceu instantaneamente uma voz como sendo a de Larel, e
esperou que a outra mulher deslizasse de forma silenciosa para
dentro do quarto.
— Larel, — ela sussurrou fracamente, sentindo o colchão
afundar para acomodar a nova pessoa.
— O que aconteceu? — Larel passou as mãos pelos cabelos de
Vhalla de forma amorosa.
— Aldrik... — Vhalla engasgou com o nome dele. — Ele e
Elecia... eles...
— Eles o que? — Larel persuadiu gentilmente.
Vhalla contou os acontecimentos que ocorreram mais cedo e
Larel ouviu obedientemente. Ela não disse nada, nem de bom, nem
de ruim, absorvendo toda a história. Vhalla teve outra crise de choro
quando recontou o momento em que viu Elecia e Aldrik juntos.
— Tenho certeza que ela é nobre. O jeito que age em torno dele,
o modo como o chama pelo nome... Tem alguma coisa ali, Larel. Eu
só... eu não queria ver. — Vhalla fungou audivelmente.
— Ela é, — disse Larel suavemente.
— Ela é o que? — Vhalla esfregou os olhos.
— Ela é nobre, — confirmou Larel.
— O que? — Vhalla ficou paralisada. — Como você pode ter
certeza?
Larel suspirou e desviou os olhos. Seja o que for que ela
estivesse prestes a dizer, Vhalla sabia que não iria gostar. — Ela
não começou a aparecer no palácio até que ele fosse mais velho,
durante os poucos anos em que estivemos muito distantes um do
outro. Ele passava muito tempo com ela quando Elecia estava por
perto. Não me lembrei disso até ouvir a recepção que ela teve aqui
nas Encruzilhadas. Ela é uma Ci'Dan, uma família nobre do Oeste
que tem laços com a coroa. Eu na verdade nunca estudei história -
essa é a área do Fritz -, mas sempre presumi que ela era uma noiva
em potencial, dada a idade dele quando ela apareceu.
— Você sabia. — Traição era como veneno em brasa. — Você
sabia e não me contou?
— Vhalla, me escute, — exigiu Larel, prendendo-a na cama com
um braço. — Me escute.
Vhalla parou de lutar, mas isso não impediu a raiva que pulsava
em suas veias. Todo mundo estava disposto a mentir e a enganá-la;
talvez o Príncipe Baldair estivesse certo.
— Eu não te contei porque não acreditava - e ainda não acredito
- que você tenha algo com o que se preocupar.
— Como você pode dizer isso? Ela é uma mulher nobre, o
conhece há anos - eu vi os dois juntos!
— Calma. — Larel tentou acalmar a histeria de Vhalla. —
Quando vocês estão juntos, Aldrik olha para você, e só para você.
— Ele passou muito tempo com ela.
— Passou mesmo, — Larel admitiu. — Mas ele nunca olhou
para ela da maneira como olha para você. Ele nunca fala com ela do
mesmo modo que fala com você. Vhalla, Aldrik gosta de você
profundamente, eu sei que sim.
— Você não sabe de nada, — murmurou Vhalla.
Larel apenas suspirou e esfregou as costas de Vhalla enquanto
a mulher mais nova chorava baixinho.
Vhalla ficou chocada quando, mais tarde, um mensageiro lhe
trouxe uma convocação Imperial. Era um cartão com três dobras
selado com o sol flamejante do Império em cera preta.
— Você vai abrir? — Larel perguntou após a décima volta de
Vhalla pelo quarto.
— Vou, — disse ela com falsa confiança.
— Hoje? — Larel teve a audácia de provocá-la.
Vhalla lançou um olhar furioso para a outra mulher, e Larel não
pareceu muito arrependida. A Ocidental não havia mudado seu
discurso de que Aldrik não tinha interesse em Elecia.
— Vou, — repetiu Vhalla, colocando o dedo sob o selo. Ela
respirou fundo e desdobrou o bilhete antes que suas mãos o
derrubassem por causa da tremedeira. — Sua presença é
requisitada, — ela leu em voz alta. — Príncipe Aldrik C. Solaris.
— Só isso? — Até Larel parecia surpresa.
— É melhor assim. — Vhalla jogou o bilhete em sua bolsa,
vasculhando as roupas no chão que nunca haviam entrado nas
gavetas. — É sério. Vou até lá e vou dizer a ele que sei de tudo.
— Vhalla, — Larel suspirou.
— Podemos acabar com essa farsa, e vou fazer o que for
necessário para que eu tenha a minha liberdade, — Vhalla jurou,
vestindo um conjunto de blusa limpa e calças justas.
Elas desceram as escadas em silêncio, Larel a assistindo sair da
estalagem e a vigiando durante todo o caminho até o hotel luxuoso
onde a família Imperial estava hospedada. Vhalla passou a
caminhada tentando proteger seu coração o máximo possível. Ela
imaginou cada costela como um muro de arame farpado no qual
nada poderia entrar ou sair. Ela faria o que Aldrik e o Imperador
precisassem e depois iria embora. Ela não queria nem mencionar o
que tinha visto. Afinal, não era da sua conta; ela que havia invadido
a privacidade dele.
Quando Vhalla chegou ao prédio reluzente na praça principal,
ela já havia feito um roteiro e repetido tantas conversas em sua
cabeça que se sentia preparada para todos os prognósticos
possíveis. Não importa o que, ela iria manter o controle e sair o mais
rápido possível. No entanto, nada disso impediu seu coração de
ameaçar explodir em sua gaiola espinhosa quando abriu a porta do
hotel, deixando Larel para trás.
— Como posso ajudar? — A mulher atrás do balcão perguntou
rigidamente.
— Tenho uma hora marcada com o príncipe herdeiro. — Vhalla
não se permitiu dizer o nome dele. — Vhalla Yarl, a Andarilha do
Vento.
A mulher pegou o mesmo livro-caixa que o homem da noite
anterior, e passou o dedo pelas páginas. — Ah, sim. Vá em frente -
segundo andar, ala direita, — a mulher instruiu desnecessariamente.
Vhalla já havia começado a subir as escadas.
Cada passo coincidia com as batidas em seus ouvidos. Cada
resquício de seu escasso bom senso gritava para deixar uma
mensagem dizendo que estava indisposta. Mas ela sabia que só
poderia fugir por pouco tempo. Dali a quatro dias eles estariam
cavalgando juntos, com Elecia também.
Vhalla fez uma pausa e respirou fundo, concentrando-se apenas
no som do ar se movendo. Ela podia fazer isso.
Chegando ao hall do segundo andar, ela parou. Vhalla afastou a
imagem de Elecia e Aldrik juntos no meio da noite e seguiu em
direção à porta. Com o resto de sua determinação, deu algumas
batidas curtas.
Foi um minuto tenso enquanto esperava; ela estava totalmente
preparada para sair correndo e explicar que achou que ele estava
fora. A maçaneta da porta girou. Aldrik estava contra a luz colorida
dos grandes círculos de vitrais que dominavam a parede oposta à
porta. Ele usava um casaco de couro preto que ia até os joelhos,
com uma única fileira de botões de ouro abertos contra a camisa de
algodão branca com colarinho alto por baixo. Calças bem ajustadas
caíam diretamente até pés descalços, observou Vhalla com
curiosidade. Seu cabelo estava arrumado novamente, e só a visão
dele já era dolorosa, porque agora contrastava drasticamente com o
homem desgrenhado que havia sido acordado de seu sono,
provavelmente dos braços de seu amor.
— Olá, Vhalla. — Ele parecia tão feliz em vê-la quanto ela se
sentia em relação à ele.
— Meu príncipe, — Vhalla desviou o olhar, incapaz de manter o
contato visual por mais tempo.
— Entre. — Ele deu um passo para trás e se virou.
Vhalla entrou no quarto, fechando a porta suavemente atrás de
si.
Era um cômodo espantoso. Tetos altos com mosaicos de
histórias clássicas, juntamente com alguns personagens que Vhalla
nunca tinha visto antes. Havia uma grande área de estar com duas
espreguiçadeiras que davam para um grande sofá, com uma mesa
entre eles. Um bar bem abastecido dominava o local à esquerda da
porta - Vhalla instantaneamente desejou algo forte - e uma grande
mesa com todos os tipos de papéis e garrafas abertas estava à
direita. Do outro lado, havia uma parede com portas de correr
abertas que revelavam um quarto adicional com uma cama grande e
forrada com cobertores e travesseiros. Talvez a característica mais
surpreendente fosse a janela, aquela que viu da praça. Era grande o
suficiente para que almofadas fossem empilhados no parapeito, e
parecia que podia acomodar facilmente quatro pessoas.
Vhalla deu outro passo hesitante, ficando instantaneamente
desconfortável no ambiente dele. Ela não pôde deixar de olhar para
a cama, perguntando-se se Elecia havia a compartilhado com ele na
noite anterior. Aldrik tinha ido até a mesa e estava mexendo nos
papéis.
— Você está quieta. — Ele a olhou pelo canto dos olhos.
— Desculpe, — ela respondeu, sem saber o que mais poderia
dizer.
— Sente-se, — ele ordenou de modo quase malcriado.
Vhalla avançou através da tensão entre eles, quase se afogando
nela antes de conseguir se sentar em uma das espreguiçadeiras.
Aldrik encontrou o papel pelo qual procurava, colocando-o na mesa
mais baixa diante do sofá enquanto se sentava em frente a ela. Eles
se entreolharam, esperando que alguém dissesse algo primeiro.
Vhalla engoliu em seco.
— Isso é para a demonstração? Para o seu pai? — Trabalho, ela
deveria focar no trabalho.
— Para o que mais seria? — Ele murmurou, suas palavras como
agulhas.
— É claro, — respondeu Vhalla fracamente.
— Meu pai vai querer que façamos um jogo de caça ao tesouro.
— Aldrik olhou para o pergaminho como se fosse a coisa mais
fascinante do mundo. — Baseado no que eu disse a ele que você é
capaz de fazer no atual momento, primeiro ele a fará Projetar até
uma pessoa, que lhe dirá um local e um item. Você reportará para
mim e me direcionará para algo - que eu não vou saber o que é até
o início da demonstração - com base nas instruções.
— Isso parece bastante simples. — Ela assentiu.
— Parece? — Aldrik arqueou uma sobrancelha para ela.
Vhalla se remexeu sob seu ceticismo. — Temos feito coisas
desse tipo há semanas.
— O que exatamente temos feito, Vhalla? — A voz de Aldrik
estava vazia, sem qualquer calor familiar.
Ela não sabia como responder. Ele não estava perguntando
sobre Projeção, ele estava perguntando sobre a dança que eles
vinham fazendo em torno de algo que os dois estavam aterrorizados
demais para nomear. Agora, parecia que ele estava a acusando.
— Deixa pra lá. — Aldrik levantou-se. — Não responda. Eu já
sei.
— O que? — Ela ficou de pé também. — O que você acha que
sabe?
— Você achou que eu não iria descobrir? — Ele estreitou os
olhos para ela.
— Descobrir o que? — A voz de Vhalla tinha um tom estridente
por causa da tensão que seus olhos evocavam nela.
— Você não foi a primeira que me usou para chegar até ele. —
Aldrik desviou o olhar com nojo.
— Do que você está falando?
— Você e Baldair.
O queixo de Vhalla despencou em puro choque. — O que?
— Eu peguei vocês dois juntos ontem à noite, de mãos dadas. —
Aldrik se esticou em sua altura máxima, sua linguagem corporal
imponente.
— De mãos dadas? — Vhalla hesitou. — Você quer dizer, ele
agarrando o meu pulso? Ele me segurando no lugar para que eu
fosse forçada a testemunhar você e Elecia? — Ela acusou,
apontando para o príncipe herdeiro.
— Elecia? — Aldrik parecia ter esquecido que a outra mulher
esteve com ele na noite passada.
— Você sequer ia me contar? — O lábio inferior de Vhalla
tremeu, e ela jurou que não iria perder o controle, que não choraria
na frente dele.
— O que Elecia tem a ver com isso? — A confusão afrouxou
seus ombros.
— Não. — Vhalla balançou a cabeça. — Chega, não posso mais.
Estou farta. — Ela se virou, partindo em direção à porta.
— Vhalla! — Ele disse num estalo. — Você me pediu para não
manter segredos, para dizer a verdade, e agora está me virando as
costas? — Aldrik riu sombriamente. — A ironia disso.
— A verdade? — Ela parou, a apenas dez passos da porta. Ela
deveria simplesmente ir embora. Mas algo a fez dar meia volta.
Vhalla o olhou em desalento. Tudo teria sido melhor se ele apenas
tivesse admitido. — A verdade é... a verdade é... — Algo dentro dela
se rompeu. — A verdade é que toda vez que fecho os olhos, tudo o
que vejo é você e ela! — A voz de Vhalla quebrou no meio da frase
e ela jogou os braços para cima em derrota. As lágrimas ardiam nos
cantos de seus olhos e ela fungou, mantendo-as afastadas.
— Por quê? — Aldrik deu um passo em sua direção.
— Porque - você sabe o porquê! — Ele realmente iria fazê-la
dizer?
— Por que você se importaria com Elecia se deseja o meu
irmão? — Sua voz estava perdendo o tom afiado, suas sondagens
se tornando mais exploratórias do que maldosas.
— Aldrik, — Vhalla cobriu os olhos com a palma da mão. —
Você é um idiota. — Ela deu uma risada derrotada. — Não quero o
seu irmão, meu estimado príncipe Aldrik C. Solaris. Nem toda
criatura com peitos pensa que o Príncipe Baldair é um deus entre os
homens.
— Então por que, por que você se importa? — Ele deu outro
passo para mais perto. Vhalla abriu a boca e a fechou, virando-se
para a porta. — Diga-me, porque Elecia importa? — Aldrik agarrou
seu cotovelo, impedindo-a de fugir do quarto.
— Por que ela importa? — Vhalla não tinha certeza se alguma
vez na vida já conhecera um homem que pudesse ser tão
assombrosamente esperto em relação a praticamente tudo e, ao
mesmo tempo, tão pateta quando se tratava da pessoa com quem
supostamente deveria estar mais conectado do que qualquer outra
no mundo. Ela se virou para encará-lo, arrancando o braço de seu
agarre. — Ela importa da mesma forma que os títulos importam. Da
mesma forma que o meu nascimento e o seu importam. Da mesma
forma que importa o motivo pelo qual seu irmão insiste em me
atormentar com histórias horríveis sobre você.
— Pare de evitar a minha pergunta! — Ele exigiu.
— Não estou evitando! — O resto de sua determinação se
quebrou e seu controle se perdeu. Lágrimas iriam cair a qualquer
momento, e se os dois iriam romper, eles poderiam muito bem ficar
em pedaços de uma vez. — Eu amo você, Aldrik!
Sua voz ecoou em ondas de choque que abalaram os dois. A
palma da mão de Vhalla voou para sua boca. Ela não teve a
intenção de dizer isso, e Vhalla o olhou com os olhos arregalados.
Ela observou seu rosto com atenção. Testemunhou as palavras
serem absorvidas lentamente, o choque que começou a surgir nos
olhos dele, que ergueu suas sobrancelhas e que fez seu queixo
despencar.
O coração de Vhalla disparou e ela sentiu um soluço suave subir
por sua garganta. Queria que ele dissesse algo, qualquer coisa. Se
ele a condenasse logo, poderia sair e finalmente seguir em frente e
superá-lo. Ela poderia deixar seus cabelos pretos e olhos escuros
para trás. Ela poderia deixar sua voz desaparecer de seus sonhos e
não mais permitir que sua figura a assombrasse à luz do dia.
A boca de Aldrik se fechou. Ele engoliu em seco.
Vhalla não podia mais tolerar o silêncio e agarrou a maçaneta da
porta como se fosse sua única tábua de salvação. Ela iria embora
agora, e deixaria tudo ficar quebrado.
O príncipe tinha outros planos, e ele a agarrou.
— Aldrik o qu... — Ela tinha apenas começado a dar meia volta,
e ele a girou o resto da distância que faltava.
As mãos dele soltaram seus braços e seguraram suas
bochechas em um único movimento fluido. Vhalla teve apenas meio
segundo para registrar o rosto de Aldrik se aproximando do seu. Ela
inalou bruscamente com o choque de sentir os lábios masculinos
contra os dela. Seu cheiro, sua respiração, o calor de suas mãos, a
sensação de sua boca, tudo isso violou os sentidos dela e Vhalla
fechou os olhos, inclinando-se para o beijo.
V HALLA suspirou baixinho, sua boca ainda gloriosamente tomada
pela dele. Algo clicou audivelmente de volta ao lugar, e de
repente sua cabeça silenciou o barulho dos últimos meses. As mãos
dele estavam quentes em suas bochechas, e elas contiveram as
lágrimas que insistentemente haviam conseguido escapar segundos
antes. Ela o sentiu se afastar um pouco, mas Vhalla empurrou a
cabeça para frente, roubando um último momento de seus lábios.
Os olhos dela se abriram e encontraram os dele. Apesar de ser
quem iniciou o beijo, ele parecia tão desnorteado quanto ela.
Ainda segurando seu rosto, Aldrik suspirou suavemente e se
inclinou para frente, para pressionar a testa contra a dela, seus
narizes mal se tocando. — Diga de novo...
Vhalla fechou os olhos. — Eu amo você, Aldrik. — Dizer isso em
voz alta, para ele, fazia surgir faíscas em seu peito.
Ele puxou o rosto dela novamente em direção a si, reivindicando
sua boca outra vez de modo feroz. As mãos de Vhalla ganharam
vida própria, combinando com a veemência dele. Elas pressionaram
contra o peitoral definido, as palmas correndo em direção aos
ombros. Vhalla enterrou os dedos no cabelo dele, na altura da nuca,
ansiosa para desfazer a aparência impecável do príncipe. Suas
unhas correram contra o couro cabeludo e as mãos dele caíram do
rosto dela para sua cintura.
Aldrik a puxou para mais perto e seus braços flexionaram. Ela
sentiu os quadris encontrarem os dele, e os seios roçarem contra o
comprimento quente do corpo masculino. Vhalla estremeceu - e ele
a apertou com mais força. Ela interrompeu o beijo por um momento,
respirando fundo de forma trêmula. Assim que abriu os olhos a boca
dele estava na sua novamente, e Aldrik aniquilou todos os
pensamentos dela somente com seu gosto e toque.
O tempo que se passou entre os dois não chegou nem perto de
ser suficiente, antes que ela sentisse o pescoço dele tensionar
contra os seus dedos e os lábios masculinos se afastarem dos seus.
Vhalla se conformou o mais graciosamente possível, mal se
contendo para não agarrá-lo e segurar sua boca contra a dela para
sempre.
Aldrik a olhou em adoração perplexa; ela nunca tinha visto um
rubor em suas bochechas antes, mas agora havia uma cor rosada e
suave nelas que parecia quase saudável na palidez natural de sua
pele. Seus lábios se separaram e ele respirou pesadamente. Uma
mão foi da cintura dela para o rosto, e ele acariciou sua bochecha
com as pontas dos dedos.
— Aldrik, — sussurrou, seus lábios em chamas. Ela ainda se
sentia embriagada pela proximidade dele; no entanto, sem a
distração imediata de sua boca, a confusão começou a voltar ao
cérebro dela. — Mas e Elecia? — Ela sussurrou - só esse nome fez
as bolhas felizes em seu estômago estourarem..
— Venha, — disse Aldrik, pegando as mãos dela enquanto a
levava de volta ao sofá. Desta vez, ela se sentou ao seu lado. —
Quem você acha que Elecia é?
— Eu não sei. — Vhalla não queria ficar fazendo joguinhos de
adivinhação, e suas teorias sobre Elecia eram tão extensas quanto
o Grande Caminho Imperial. Felizmente, Aldrik não insistiu.
— Elecia é minha prima.
— O que? — Vhalla perguntou em uma rápida inspiração.
Um sorriso conhecedor se curvou nos cantos da boca dele
diante de seu choque óbvio. — Minha mãe, como tenho certeza que
você sabe, era uma princesa Ocidental. Quando o Oeste foi
conquistado, seu pai foi destronado como rei. Mas, num esforço
para fazer uma transição pacífica, seu filho mais velho - meu tio
Ophain - foi nomeado como o Senhor do Oeste. Meu tio teve um
filho que mais tarde se casou com uma mulher Nortenha e teve uma
filha.
— Elecia? — Vhalla sussurrou, os olhos arregalados,
acompanhando a história mentalmente. Isso explicava tudo sobre a
mulher. Sua aparência, seu comportamento, sua proteção acerca de
Aldrik. Vhalla entendeu tudo.
Aldrik assentiu. — Ela nasceu quando eu tinha sete anos.
Fizemos uma viagem de volta ao Oeste pouco tempo depois, mas
ela era praticamente um bebê. Eu não a conheci bem até sermos
adultos, — continuou ele.
Houve um zumbido nos ouvidos de Vhalla e um alívio formigou
em sua pele. Elecia não era um interesse amoroso. Ela não era sua
prometida. Ela era da família dele.
— Pensei que você já soubesse.
— Como eu saberia? — Vhalla perguntou, com um toque de
exasperação. Ela leu muitos livros, mas não era como se tivesse
especificamente estudado linhagens e, por acaso, fosse se lembrar
dessa informação.
— Temos o mesmo sobrenome, — disse Aldrik, com
naturalidade.
— O que? — Vhalla o encarou por um segundo como se ele
fosse louco.
— Ci'Dan, o sobrenome da minha mãe.
O misterioso “C” finalmente tinha uma explicação.
— Aldrik Ci'Dan Solaris, — sussurrou Vhalla. — Então, o que ela
estava fazendo no seu quarto - à noite? — Vhalla se absteve de
comentar sobre o estado de vestuário extremamente informal deles.
— Ah, isso. — Aldrik desviou o olhar. — Eu não disse nada antes
porque estava preocupado que não fosse funcionar.
— O que? — Vhalla perguntou, imaginando qual seria a outra
coisa óbvia que ela poderia ter deixado passar.
— Elecia é uma Mestre da Terra. Ela é talentosa em muitas
coisas, mas cura é algo no qual minha prima tem um dom natural.
Ela lê corpos como se fossem livros. — Aldrik sorriu e se levantou.
— Vhalla, olhe para mim. — Ela apertou os lábios, sem ver nada
diferente. — Com sua visão mágica.
Vhalla mudou sua visão e viu algo diferente de tudo o que já
tinha visto antes. O corpo dele estava envolto em uma chama
branca e dourada, tão radiante que sua pele estava iluminada
fracamente. Ela nunca o tinha visto tão brilhante. Foi então que ela
percebeu o motivo. A mancha escura em sua lateral se foi.
Vhalla ficou de pé, estendendo a mão e colocando-a sobre a
cintura dele. Ela mudou sua visão de volta para o estado normal e
olhou para o rosto dele. Aldrik continuou a sorrir diante da surpresa
de Vhalla.
— V-você está curado? — Ela perguntou timidamente.
— Estou, — ele sorriu. — Foi um processo, no entanto; levou
quase dois dias de trabalho conjunto. Ela esteve aqui dia e noite.
Vhalla respirou devagar. Ela nunca tinha visto o príncipe sorrir
tanto. Risos borbulharam em sua garganta e escaparam como uma
melodia alegre. Desde que o conhecera, ele estava sofrendo com
essa ferida. Foi literalmente uma mancha escura na vida dele por
meses. Agora ele estava livre.
— Eu gostaria de poder ter ajudado, — disse suavemente.
— Eu não queria sobrecarregar você, — ele respondeu,
timidamente correndo os dedos sobre a bochecha dela. Eles
deixaram um rubor em seu rastro. — Especialmente depois da
tempestade de areia.
— Da próxima vez, pelo menos me diga, — disse ela com
firmeza.
— Eu prometo, — Aldrik jurou.
— Eu pensei... — Vhalla balançou a cabeça com uma pequena
risada. — Pensei que você estava com ela, — confessou, olhando
para longe.
— Achei que tudo era bastante óbvio para você, — ele disse
suavemente, espantado com a sua confusão. — Não apenas sobre
Elecia, mas... — Aldrik passou a mão pelo cabelo, percebendo com
um pequeno sorriso a bagunça que ela havia feito na parte de trás,
momentos antes. — ...em relação à tudo. Eu tinha certeza de que,
levando em conta o modo como eu agia só com você, você sabia.
Vhalla corou e olhou para os próprios pés. Larel havia tentado
contar a ela. Seria mentira se Vhalla dissesse que não havia tido
esperanças. Mas é claro que ela nunca pensou que fosse verdade.
Sempre havia uma explicação mais provável e conveniente. Algo
mais passou pela sua mente e seus olhos voltaram para os dele
com brusquidão.
— Se você está curado, então o Vínculo... se foi? — Ela sentiu
um pequeno pânico crescer em si.
Aldrik riu. — Ele ainda está aqui. Minhas mais sinceras
desculpas, Vhalla Yarl, mas, segundo o melhor conhecimento da
comunidade acadêmica de feiticeiros, estamos Vinculados por toda
a vida.
— Perdoe-me por não ter ficado arrasada por causa disso. —
Ela sorriu de orelha a orelha.
Ele riu e apertou sua mão levemente.
Vhalla se recostou no sofá com um suspiro aliviado. A última
meia hora a atingiu de uma só vez, e de repente ela se sentia
exausta. Aldrik voltou a se sentar ao seu lado, colocando o braço
atrás dela, suas laterais pressionadas juntas, e ela se inclinou na
direção dele instintivamente. Sua cabeça se apoiou no ombro
masculino e ela ficou satisfeita ao descobrir que ele não fez nenhum
movimento para se afastar.
— Vhalla, — ele sussurrou baixinho.
— Aldrik? — Ela respondeu, com os olhos se fechando a medida
que se permitia apreciar o calor dele.
— Você realmente quis dizer o que disse? Ou foi só uma coisa
do momento?
Vhalla sentou-se ereta para estudar o rosto dele. — O que?
— Mais cedo. — Aldrik desviou o olhar. — Você me disse aquilo,
sobre o que você sentia...
Vhalla fez uma pausa, hesitante. Ele estava dando a escolha à
ela? Ele estava pedindo-a que decidisse? O príncipe parecia
incapaz de encarar os olhos dela, e olhava através da sala para
nada em particular. Vhalla respirou fundo, vacilante. Estendendo a
mão, ela colocou as pontas dos dedos sob o queixo dele e guiou
seus olhos de volta para os dela.
— Aldrik, não foi um impulso, — Vhalla falou lenta e
deliberadamente. — Não foi nem a primeira vez que eu disse isso
em voz alta. — Ela sorriu suavemente com a sua surpresa.
— Quando? — Seus lábios mal se moveram.
— Quando eu admiti? Logo após a tempestade de areia. Quando
aconteceu? Muito antes disso. — Ela encolheu os ombros
levemente; era inútil tentar negar. Vhalla voltou a segurar a mão
dele, olhando para os dedos entrelaçados. Só a simples visão disso
a enchia de alegria.
— Eu tentei, — ele suspirou, a tristeza em sua voz contrastando
fortemente o tom de suas conversas anteriores. — Eu não esperava
por isso, e depois não queria que isso acontecesse. Tentei explicar
para você no dia do veredicto. Estar envolvida comigo de qualquer
modo que seja é perigoso.
— Eu não ligo. — A frase saiu de sua boca antes que tivesse
tempo de filtrá-la. Mas, quando ele balançou a cabeça, ela
descobriu que não se arrependia de ter dito.
Aldrik riu baixinho e se levantou. — Você é mesmo uma mulher
impossível.
— O sujo falando do mal lavado. — Vhalla deu a ele um sorriso
sarcástico.
Ela foi recompensada com o rico som de sua risada enquanto
Aldrik a ajudava a se levantar. — Eu preciso trabalhar, — ele
explicou com um olhar de desculpas.
— Em que? — Vhalla o enrolou, não estando pronta para ser
dispensada.
— Estratégia, planejamento para a adição de tropas, aquisição
de todas rações extras que talvez possamos precisar, — listou
Aldrik.
— Eu posso ajudar? — Vhalla ficou contente por não ter
pensado nas palavras antes, caso contrário não conseguiria tê-las
dito. Oferecer-se para ajudar o príncipe herdeiro em questões de
estado era algo muito atrevido, algo muito além de sua posição. Por
outro lado, beijá-lo também era. Vhalla mudou seu peso de um pé
para o outro, avaliando o olhar surpreso dele.
— Na verdade, — Aldrik pensou em voz alta, — você pode.
Aldrik a guiou até a mesa ansiosamente. Ele espalhou papéis
por toda a superfície e começou a dar a ela uma visão geral das
coisas. Vhalla ficou surpresa ao descobrir como era bom usar sua
mente de novo. Por meses ela esteve fora de sua zona de conforto,
longe dos livros e do conhecimento. Era como esticar um músculo
que esteve definhando por muito tempo.
Ele girou uma pena com pluma de corvo e ponta de ouro entre
os dedos enquanto falava, e Vhalla mordiscou pensativamente o
cabo uma outra pena sobressalente que ela esteve usando. Ela
descobriu que um ponto positivo sobre seu intelecto era o fato de
poder se concentrar no que Aldrik estava dizendo e nos dedos
hábeis dele ao mesmo tempo. Vhalla não deixou passar nada, nem
seu conhecimento, nem a percepção de quão ágeis eram suas
mãos longas.
— Quantas pedras equivalem ao peso de carne defumada que
está sendo fornecida pelo Oeste? — Aldrik perguntou do outro lado
da mesa.
— Duas mil, — respondeu Vhalla, escrevendo rapidamente os
números em uma nova lista como ele a instruiu.
— Isso não é suficiente, — ele murmurou. — Precisaremos pedir
mais aos lordes Ocidentais.
Vhalla parou sua pena, olhando para o príncipe de cabelos
escuros que estava perdido em pensamentos. Ela quase podia ouvir
as palavras ecoando em sua mente. — Eu sei como você poderia
conseguir mais.
— O que? — Aldrik olhou para cima, surpreso.
Ela respirou fundo, esperando que tivesse organizado seus
pensamentos bem o suficiente. — O Oeste sobrevive da coleta e da
pesca que vem do litoral, além de importações do Leste e do Sul. —
Ela lembrou de ter lido isso. — Você não pode pedir mais aos lordes
e ladies tão longe Deserto adentro. Eles provavelmente já estão
preocupados se vão sobreviver às baixas temporadas de comércio.
— Então, o que você propõe? — Aldrik apoiou as pontas dos
dedos na mesa, avaliando-a como príncipe.
Vhalla vacilou, mas apenas de modo breve. Ela sabia o que tinha
lido e o que tinha vivido. — Todo ano em Paca, Cyven, há um
Festival do Sol com porcos premiados. Eles são abatidos logo
depois e defumados no inverno para serem vendidos nas
Encruzilhadas. Faz parte de um tipo de migração de carne que
oferece suporte ao Oeste.
Os olhos de Aldrik brilharam, subitamente seguindo seu
raciocínio.
— O Império compra cerca de oitenta por cento desse afluxo no
mercado e você provavelmente conseguirá o resto dos recursos
para a guerra. Mas, para garantir que os lordes e ladies Ocidentais
não se preocupem com suas estocagens, você deveria enviar os
fazendeiros de volta ao Leste com ordens para retornar com mais
grãos e subsidiar o custo da viagem deles, — concluiu Vhalla.
— Sim, — Aldrik exalou, um sorriso largo se espalhando por
seus lábios. — A dupla rodada de negociações também deve ajudar
ambas as economias, tanto do Leste quanto do Oeste.
Ele estava rabiscando furiosamente, dobrando três cartas
rápidas e selando-as com um pouco de cera quente. Vhalla
observou seu selo dourado se mover, em choque. Ela tinha mesmo
feito isso?
— Eu preciso despachar isso imediatamente. — Aldrik foi até a
porta, parando brevemente para encará-la com o que Vhalla ousava
dizer ser admiração. — Quando eu voltar, gostaria de ouvir a sua
opinião sobre mais algumas coisas.
— Claro, meu príncipe. — Seu próprio sorriso interrompeu o
transe.
Aldrik voltou em tempo recorde e o trabalho deles outrora
silencioso ficou subitamente muito falante. Vhalla aprendeu rápido
que o príncipe queria que ela o desafiasse. Isso ia contra tudo o que
a haviam ensinado sobre se opor à palavra de um príncipe, mas
Aldrik encontrava um prazer enorme ao ser instigado. Ele dava tudo
de si, e Vhalla teve que recorrer a todos os livros que já lera sobre
geografia, história, economia e pessoas do Império para
acompanhá-lo à altura.
Foi emocionante e cansativo.
Vhalla colocou as mãos na base das costas e se alongou. O sol
começou a se pôr, transformando a sala em um caleidoscópio de
cores ricas projetadas pelo vitral. — Você alguma hora para de
trabalhar?
Ele sorriu para ela. Aldrik não conseguiu esconder sua alegria
durante toda a tarde, e nem Vhalla pôde. — Um Império não se
governa sozinho. — Ele bateu a pena na mesa duas vezes. — E
além do mais, sou três vezes mais produtivo com você por perto,
então devo tirar total proveito disso. Não fazia ideia de que estava
com uma estadista nata.
Vhalla corou.
— Está com fome? — Ele olhou para o vitral colorido por um
momento, antes de puxar o relógio do bolso. O tempo também tinha
passado despercebido por ele.
— Um pouco.
— O que gostaria? Vou arranjar qualquer coisa que você deseje.
— Aldrik pegou o casaco que havia jogado no chão em algum
momento da tarde e o vestiu.
— Qualquer coisa? — Perguntou.
— Eu sou o príncipe herdeiro, — ele sorriu.
— Mas que abuso de poder, — ela repreendeu
provocativamente.
Aldrik se endireitou, terminando de abotoar os botões no
pescoço. — As coisas que fazemos por amor. — Ele deu de
ombros, passando as mãos pelos cabelos.
Os olhos de Vhalla se arregalaram. Ela o olhou enquanto ele se
virava para encará-la, lutando com o significado daquelas palavras.
— Aldrik, — ela sussurrou.
Ele fez uma pausa, as mãos caindo frouxas em suas laterais. —
Comida?
— Me surpreenda. — Comida era a última coisa que passava na
mente dela.
Ele assentiu e saiu rapidamente do quarto.
Vhalla olhou para a porta em silêncio antes de se virar para uma
das velas na mesa. Ela observou a chama, perdendo-se em
pensamentos. O fogo parecia irradiar a essência dele, ecoando as
palavras de Aldrik a cada tremulação. Vhalla estendeu a mão,
passando-a por cima da vela distraidamente.
Aldrik voltou mais rápido do que ela havia esperado. — A comida
vai... — Suas palavras vacilaram. — O que você está fazendo?
— Ah, algo que as crianças se desafiam a fazer. Bem, crianças
que não são Domadoras de Fogo. — Vhalla riu, parando
rapidamente quando percebeu que a expressão atenta de Aldrik não
havia mudado. — Não dói, — explicou, imaginando que ele poderia
não ter idéia do quanto os não-Domadores de Fogo poderiam
aguentar quando se tratava do fogo.
— Você tem certeza? — Os olhos dele se voltaram para a mão
dela.
Vhalla voltou sua atenção para o membro em questão e ficou
chocada. Seus dedos tinham estado diretamente sobre a chama
durante toda a conversa, congelados no lugar desde o momento em
que ele a flagrou. Ela olhou, estupefata, vendo o fogo cintilar sobre
sua pele como nada além de um leve calor.
— O que... — ela sussurrou em confusão, afastando a mão da
vela. Vhalla olhou para os dedos; eles nem sequer estavam
vermelhos. Aldrik atravessou o cômodo, inspecionando também. —
Por que não me queimei?
— Provavelmente o Vínculo, — ele sussurrou, de repente
procurando um pedaço de pergaminho em branco para rabiscar. —
Você tem um pouco da minha magia em você e eu tenho um pouco
da sua em mim, talvez mais do que um pouco por causa da Ligação.
Não posso me queimar com minhas próprias chamas, então, pela
lógica, faz sentido que essa proteção possa se estender a você.
— Meu vento nunca afetou você como afeta os outros. — Ele a
considerou pensativamente, e Vhalla usou sua expressão em
branco como um convite para continuar. — O tornado na Noite de
Fogo e Vento.
Surpreendeu a si mesma a facilidade com que o infame evento
poderia rolar de sua língua. Ainda deixava um gosto amargo na
boca de Vhalla, a lembrança de algo horrível. Mas não mais a
repelia.
— Vamos testar? — Ela sugeriu. — Seu fogo é mais fácil que o
meu vento.
Aldrik estendeu uma mão em punho, abrindo-a e revelando uma
pequena chama, majoritariamente vermelha com um toque de
laranja. Ela sabia que ele podia fazer o fogo envolver a mão dela
com a mesma facilidade, mas ao invés disso a faísca permaneceu
na palma de sua mão. Ele a olhou, incerto, e Vhalla percebeu que o
príncipe estava esperando por ela.
Ela quis rir. As coisas não eram sempre assim entre eles? Aldrik
estendia o conhecimento, o poder, o desejo, em sua palma bem
diante dela. Mas ele nunca dava o passo seguinte, nunca forçava
nada disso sobre ela. Em todo o relacionamento deles, ele ficava
esperando. Toda vez, ela o encontrava.
Vhalla afundou seus dedos bravamente no calor convidativo.
Não era nada parecido com o vento, mas algo formigava no limite
de seus sentidos, algo que só poderia descrever como a essência
do fogo. Ela sorriu com reverência.
A mão de Aldrik se fechou de repente em torno da sua. Línguas
de fogo deslizaram entre os dedos, subindo ansiosamente pelo seu
braço, deixando um rastro de cócegas e chamuscando sua túnica.
Com a grande proximidade, elas lançavam uma impressionante
variedade de vermelhos, laranjas e amarelos sobre o rosto angular
do príncipe herdeiro. Ele ergueu a outra mão para a bochecha dela,
o fogo brilhando sob o polegar enquanto o mesmo corria sobre sua
pele.
Os olhos de Vhalla se fecharam, a magia dele esfregando contra
a sua como um sussurro convidativo. Foi uma sensação estranha e
deliciosa que rapidamente a fascinou e a dominou. Ela obedeceu
aos leves puxões que o príncipe dava em seu queixo, guiando-a
para frente e para cima. Os lábios de Aldrik pairaram praticamente
colados aos seus e Vhalla inalou fortemente, respirando fogo
imbuído com a essência crua dele.
Uma batida na porta assustou os dois, fazendo-os se afastarem.
As chamas desapareceram rapidamente. — Não se preocupe, —
ele sussurrou. — Sou sempre uma pessoa privada, para que
ninguém questione quando tenho um motivo para ser. — O príncipe
exibia um sorriso conspiratório. — Deixe isso, — ele disse em
direção à porta.
Vhalla passou os dedos pelos lábios. Comida era a última coisa
na qual ela pensava. Ela tinha encontrado um tipo diferente de
sustento.
Aldrik empurrou para dentro do quarto um carrinho com um
verdadeiro banquete, rapidamente fazendo um gesto em direção à
ele quando viu seu olhar faminto. Vhalla o olhou, testemunhando o
rubor instantâneo nas bochechas, as respirações mais curtas. Ela
sabia que se colocasse a mão sobre o peito dele, seu coração
estaria acelerado - acelerado na mesma velocidade que o dela.
— Vamos desperdiçar tanta comida. — Com uma risada leve, ela
afastou o momento quente.
Acabaram juntando as duas espreguiçadeiras, formando uma
plataforma sobre a qual jantaram. Aldrik estava sentado no canto
em que os recostos se encontravam, e Vhalla ocupava o lugar à sua
frente, a comida entre os dois. Ele mostrou a ela os diferentes
alimentos que cercavam os dois com uma precisão de especialista,
oferecendo informações sobre suas origens ou a melhor maneira de
apreciá-los. Eles conversaram sobre etiqueta durante as refeições e
as diferenças entre várias culturas.
— Você gosta mais do Oeste ou do Sul? — Ela perguntou entre
mordidas.
— Em relação a quê? Comida? — Ele pegou um pouco de arroz.
— Tudo, — ela especificou.
— Essa é uma escolha difícil. Feiticeiros são indubitavelmente
tratados melhor no Oeste; por consequência, sou geralmente mais
amado aqui. Mas cresci no Sul; meus laços aqui se dão apenas
através de visitas. O palácio é a minha casa. — Aldrik jogou a
pergunta de volta para ela. — E você? Leste ou Sul?
Vhalla mastigou a comida por um momento, para dar a si mesma
um tempo para pensar. — Na verdade, não é muito difícil... eu
venho de uma família muito pobre do Leste. — Vhalla olhou para a
comida; ela odiava os lembretes de quem realmente era em
momentos como este. Eles destruíam suas fantasias. — O palácio é
o meu lar também em quase todos os aspectos.
— Como é a casa onde você passou sua infância? — Aldrik se
esticou para pegar um prato.
A ideia de casa tinha um certo tipo de beleza agridoce. — Minha
casa é um lugar pequeno. É feita de pedra, com um telhado que
precisava muito ser substituído na última vez em que estive lá.
Temos um celeiro de madeira onde mantemos um cavalo para o
arado.
— Eu gostaria de conhecê-la, — ele disse casualmente. Vhalla
não pôde evitar rir, e ele franziu o cenho em sua direção. — Estou
falando sério.
— O príncipe herdeiro? Em Leoul? Na minha casa? — O riso de
Vhalla soou novamente. — Meu pai pode me deserdar se eu deixar
alguém como você entrar lá.
O resto da conversa foi descontraída e fácil entre eles. Os dois
tagarelaram, descansaram cercados por comida nas
espreguiçadeiras e na mesa, e conversaram até o cair da noite
sobre tudo e nada. Quando ficou claro que ambos estavam
satisfeitos, ele levantou para limpar os pratos e Vhalla o ajudou.
Velhos hábitos nunca morriam; era estranho ver o príncipe do reino
limpando sua própria bagunça sendo que ela estava lá. Ele insistiu
que poderia fazer isso sozinho - ela insistiu em ajudá-lo.
Ela rondava pelo quarto quando Aldrik voltou, tendo ido colocar o
carrinho no corredor para que a equipe de empregados cuidasse
dele. O lado de fora do vitral estava escuro e Vhalla sabia que era
tarde.
— Eu deveria ir, — ela sussurrou.
Aldrik a olhou em silêncio por um longo momento, segurando
ambas as suas mãos nas dele. — Fique.
— Aldrik? — Vhalla questionou.
— Fique aqui, — o príncipe afirmou. Vhalla mordeu o lábio, sem
saber o que ele realmente estava pedindo. — Aqui tem espaço mais
que suficiente. Elecia disse que as espreguiçadeiras são
confortáveis.
— Por quê?
— Porque eu quero você perto de mim. Não quero que vá
embora. — Sua franqueza a atravessou, e ela sentiu seu coração
começar a acelerar na mesma velocidade que antes.
— Eu não deveria. — Suas palavras eram fracas e débeis. Ele
estava mesmo pedindo o que ela achava que estava?
— Você está certa. — Ele assentiu, sua voz suave e profunda. —
Mas vai ficar, mesmo assim?
Vhalla tentou encontrar motivos para se opor. Fritz e Larel
certamente não se importariam, e haviam poucas pessoas que
notariam sua ausência. Ele não falou explicitamente sobre ela
compartilhar sua cama, mas isso aconteceria? Vhalla engoliu em
seco. Se sim, estava pronta para isso? Se não estivesse, sabia que
Aldrik não iria forçá-la. Todo o raciocínio de Vhalla apontava que
essa era uma decisão ruim.
Mas ela estava muito dominada pela proximidade dele.
— Vou. Vou ficar, — sussurrou.
Ele riu baixinho, balançando a cabeça. — É a primeira vez.
— Como assim?
— Que pedi a uma mulher que ficasse comigo estando
completamente incerto sobre como ela responderia. — Aldrik a
olhou, aliviado. Era uma coisa estranha de se dizer, mas Vhalla se
lembrou das palavras do Príncipe Baldair. Suas histórias sobre a
caçada, de seu irmão sabendo exatamente o que aconteceria,
exatamente o que até mesmo Vhalla faria. No entanto, parecia que
o infame príncipe ardiloso não havia calculado o que estava
acontecendo entre eles. Seu próprio alívio se espalhou sobre ela.
— Quantas vezes você pediu a uma mulher para ficar com você?
— Ela provocou de mansinho.
— Bem, — Aldrik parecia estar sem palavras. — Antes disso?
Não muitas, e nenhuma que fosse importante.
Vhalla sentiu um rubor surgir por todo o seu corpo. Ela deu um
pequeno passo para mais perto, fechando a distância entre eles.
Aldrik inclinou a bochecha em direção aos seus dedos atrevidos à
medida que faziam trilhas leves sobre as pronunciadas maçãs do
rosto dele. Vhalla delineou a sobrancelha masculina, depois desceu
para a pequena protuberância no nariz, o contorno da mandíbula;
ela queria se lembrar de todos os detalhes exatos. Seu polegar
roçou o canto dos lábios dele e ela percebeu que tinha se movido
sem nem pensar.
Aldrik inclinou a cabeça para encontrá-la no meio do caminho,
envolvendo-a em um beijo lento e significativo. Cada movimento de
cabeça, cada breve abertura de sua boca a fazia desejá-lo tanto que
ficava dolorida. Os dedos de Aldrik se enterraram em seus cabelos.
Ela foi puxada contra ele, suspirando em doce libertação ao sentir a
magia dele deslizar sobre sua pele mais uma vez.
O príncipe se afastou de repente.
Vhalla engoliu em seco, piscando desorientada. — Aldrik... —
Sua voz era estranha até para seus próprios ouvidos, o desejo
alterando-a.
— Eu amo você, Vhalla, — Aldrik se forçou a dizer.
Vhalla afastou a cabeça em choque, os olhos arregalados. Seu
coração batia enlouquecidamente e ela repetiu as palavras em sua
mente. — O que? — De alguma forma, ela havia inconscientemente
ignorado a ideia de que ele pudesse ter os mesmos sentimentos por
ela, que ela tinha por ele.
— Eu amo você, — ele repetiu, um fogo decidido iluminando
seus olhos. — É uma das piores coisas que eu poderia fazer, —
confessou Aldrik. — Juro pela Mãe, tentei não te amaldiçoar com
isso. Mas você é uma presença bonita e bastante persistente na
minha vida. E, pela primeira vez, o príncipe ardiloso está farto de ter
que fingir.
V HALLA REAJUSTOU A pilha de cobertores sobre ela. Sua cabeça
estava enevoada com o sono, enquanto ela rolava pela cama.
Dedos longos correram por seu cabelo, agarrando levemente nos
emaranhados. Ela se aninhou no travesseiro, sem abrir os olhos.
Vhalla estendeu a mão, buscando por Aldrik debaixo das cobertas,
encontrando-o, mas incapaz de tocá-lo. Seus olhos se abriram de
supetão.
— Bom dia. — Aldrik estava sentado ao seu lado, só que por
cima dos cobertores. Ele estava recostado nos travesseiros,
apoiado na cabeceira da cama. O joelho oposto estava dobrado,
uma prancha de madeira servindo de apoio para os papéis sobre
ela. Vhalla notou que os dedos da mão direita já estavam
manchados de tinta; ele deveria estar trabalhando já fazia algum
tempo.
— Bom dia, meu príncipe. — Ela sorriu em sua direção. Vhalla
lembrava de se enrolar com ele nas espreguiçadeiras para trocarem
mil beijos na noite anterior, mas não conseguia recordar de como os
dois haviam chegado na cama. No entanto, a dita cuja era uma
montanha de penugens fofas em que ela podia praticamente se
afundar; suas roupas ainda estavam no lugar; e ela não se lembrava
de tirar nada que a fizesse perder a cabeça, então não estava
particularmente preocupada com nada impróprio.
Vhalla se apoiou nos cotovelos, esfregando os olhos. As cortinas
do cômodo adjacente tinham sido levemente abertas, e os raios de
sol que cortavam através do ambiente diziam que já havia
amanhecido. — Que horas são?
Aldrik se remexeu. Ele usava apenas uma camisa de algodão -
preta, desta vez - e calça também preta. Vhalla refletiu sobre o fato
de nunca tê-lo visto com nada menos que mangas longas e calças
compridas, exceto pela noite com Elecia. Ele puxou um familiar
relógio de prata do bolso.
— Pouco depois das oito e meia. — Ele fechou o relógio e o
guardou.
— Pouco depois das oito e meia e você já está de pé e
trabalhando. E você também já tomou banho. — Ela notou que o
cabelo dele estava arrumado. — Você dorme? — O travesseiro
abafou o final de suas palavras quando ela voltou a enterrar a cara
nele.
— Normalmente, não muito. — Sua pena arranhava contra o
pergaminho.
— Normalmente? — Ela repetiu, virando o rosto para olhá-lo por
debaixo dos cobertores.
— Eu dormi bem ontem à noite.
— Como chegamos à cama? — Ela não pôde deixar de
perguntar.
— Eu te trouxe quando notei que você estava praticamente
desmaiada. Suponho que minha história sobre o Reino de Mhashan
fosse mesmo chata. — Aldrik olhou para ela pelo canto dos olhos.
Vhalla riu, culpada.
— Mas Elecia estava certa, — continuou ele. — Não posso
reclamar das espreguiçadeiras.
Vhalla ponderou a informação por um segundo. — Espere, — ela
fez uma pausa, — você dormiu no sofá? — Vhalla rolou de lado
para olhá-lo.
— É claro. — Sua testa franziu levemente. — Você achou que eu
fosse rastejar para a sua cama enquanto você dormia e depois
passaria a noite deitado ao seu lado sem a sua permissão?
Vhalla olhou para ele. Ela tinha assumido que adormecer em
seus braços depois de beijá-lo durante metade da noite fosse ser
permissão suficiente, mas ela notou o cavalheirismo na declaração.
No entanto, qualquer ternura sobre esse sentimento foi rapidamente
perdida quando soltou uma gargalhada.
— O que? — Ele perguntou, olhando-a estranhamente.
— Eu chutei o príncipe herdeiro para fora de sua própria cama.
— Ela rolou de costas com os risos. — Ah, essa é uma história que
eu gostaria de poder compartilhar com alguém.
Aldrik pegou os cobertores e os jogou sobre o rosto dela. —
Você é irritante de manhã, — disse ele com uma pitada de diversão.
Isso a fez ter uma crise de risadinhas. — Ah, me desculpe, ó
todo-poderoso Aldrik. — Vhalla sentou-se, tirando as cobertas de
cima de si. — Eu perturbo a sua rotina? — Vhalla colocou as mãos
na cama entre eles e se inclinou.
— Muitíssimo, — ele sorriu.
— Tudo bem, então eu devo ir embora imediatamente. — Vhalla
botou os pés para fora da cama.
Ela ouviu o farfalhar de seus papéis quando ele a alcançou e
agarrou seus ombros, puxando-a para o seu colo. Ele se inclinou e
seus lábios estavam nos dela. Vhalla suspirou baixinho; ela poderia
se acostumar a acordar desse jeito todos os dias.
— Eu não limpei minha boca ainda. — Ela rapidamente a cobriu
com a mão enquanto ele se afastava.
— Eu sei. Você está com bafo, também. O banheiro é ali. — Ele
sorriu e apontou para uma porta adjacente.
Vhalla o fuzilou com o olhar enquanto se levantava. Ela nunca
tinha conhecido um homem que pudesse ser tão escroto ao mesmo
tempo em que era tão bonito. No momento em que a porta do
banheiro se fechou, Vhalla reprimiu outra crise de risadinhas.
Era absolutamente insano o que estava acontecendo. Era
absolutamente insano o quão feliz ela estava. Vhalla cantarolou
enquanto passava a mão pela bancada. Era de mármore preto num
tom escuro, e a torneira era fundida em ouro. A banheira era grande
o suficiente para quatro pessoas sentarem-se confortavelmente,
como uma pequena piscina esculpida em pedra. Havia um armário
adjacente cheio de inúmeras roupas - mais do que ela sabia que ele
carregava consigo na viagem. O cômodo inteiro era tão opulento
quanto o próprio edifício, e Vhalla não podia acreditar que tinha
dormido ali.
Haviam alguns frascos no balcão. Ela notou um ou dois elixires
clericais quase vazios entre eles. Vhalla refletiu sobre qual deles o
príncipe usava nos cabelos, cheirando alguns que tinham o aroma
fresco de eucalipto, enquanto localizava o frasco para lavar a boca.
Vhalla passou um pouco de água no rosto e correu as mãos
molhadas pelos cabelos. Ele ficou domado e levemente arrumado
para trás por conta da umidade, e ela riu.
— Olha, eu sou você. — Vhalla abriu a porta.
Ele a olhou e depois voltou sua atenção para os papéis. —
Parece horrível, — ele murmurou.
— Ei, não seja malvado consigo mesmo, — ela riu levemente,
sentando-se em frente a ele no final da cama. — Eu acho que fica
bem atraente em você. — Vhalla passou os dedos pelos cabelos,
fazendo os fios voltarem à sua bagunça normal. Aldrik a olhou e não
disse nada, embora ela pudesse jurar que havia indícios de um
sorriso em seu rosto.
— Então, o que você fará hoje? — Ele perguntou.
— Não tenho certeza. Suponho que devo voltar e... ver o que
todo mundo está fazendo. — Vhalla deu de ombros.
— Você também virá hoje à noite? — Aldrik fez uma pausa,
buscando sua reação.
— Hoje à noite? — Ela não tinha pensado nisso.
— Sim, meu papagaio. — Ele sorriu com a carranca dela. —
Hoje à noite, você vai voltar? — Aldrik colocou seus papéis
cuidadosamente sobre os travesseiros que ela ocupava
anteriormente. Ele devolveu a pena para o tinteiro na mesa de
cabeceira.
— Você quer que eu volte? — Vhalla queria ouvi-lo dizer
diretamente.
— Quero. — Aldrik assentiu.
— Então eu vou.
— Você quer fazer isso? — Ele rebateu a pergunta.
— Claro que sim. — Aldrik pareceu aliviado por sua resposta. —
Estar perto de você é...
Houve uma batida na porta; os dois olharam para o outro
cômodo. Vhalla voltou-se para ele, e uma carranca profunda estava
gravada nas feições de Aldrik.
— Irmão? — Uma voz ecoou do corredor. — Você está
acordado?
— Fique aqui, — ele disse gentilmente para ela.
Vhalla assentiu em silêncio..
Aldrik tirou os pés de cima da cama e se levantou. Ele foi até a
porta e fez uma pausa breve. Envolvendo a mão na nuca dela,
Aldrik se inclinou para baixo e beijou sua testa levemente. Ela sorriu
para ele e o príncipe deu um sorriso cansado.
Ele fechou as portas deslizantes de papel atrás de si enquanto
saía do quarto. Vhalla caiu na cama com um suspiro contente. Ela
ficaria feliz em nunca mais deixar as Encruzilhadas. A guerra
poderia continuar do jeito que estava e o Imperador poderia voltar
ao Sul para governar. Vhalla ficaria feliz se ela e Aldrik pudessem se
esconder ali para sempre.
Ela prendeu a respiração quando ouviu a porta abrir.
— Bom dia, irmão. — Ela podia ouvir o príncipe Baldair entrando
na sala de estar enquanto falava, embora Vhalla estivesse bastante
certa de que ele não havia recebido permissão de seu irmão mais
velho.
— Baldair, — disse Aldrik secamente. Mesmo ela teve
dificuldade em imaginar aquela voz pertencendo ao homem que a
beijara momentos antes. — A que devo o... prazer?
— Não estou interrompendo nada, estou? — O irmão mais novo
perguntou.
— Obviamente não, — Aldrik suspirou. — Foi só para isso que
você veio?
— Ah não, os batedores chegaram. As forças Ocidentais se
juntarão a nós dentro de uma hora, duas no máximo. — Vhalla ouviu
a voz do Príncipe Baldair se aproximando.
— Ah, é? Excelente, então devo me preparar para a chegada
deles. — A voz de Aldrik também ficou mais alta.
Vhalla sentou-se. Ela deveria se esconder?
A sombra de Aldrik apareceu do outro lado das portas de papel
decoradas, bloqueando o caminho de seu irmão. — Se você me der
licença.
— Bom dia, Vhalla, — o Príncipe Baldair disse.
Seu estômago se transformou em pedra. Uma noite; ela tinha se
dado ao luxo de ter folga por uma noite e o mundo não podia lhe dar
nem isso.
— Você parece um grande tolo gritando com cômodos vazios, —
Aldrik pronunciou lentamente.
Ela se perguntou como ele mantinha sua compostura tão bem.
— Você parece um grande tolo, irmão, por ter sido pego com
algo tão simples, — retrucou o Príncipe Baldair. — Você escolheu
esse lugar por causa da segurança, pela manutenção de registros.
— Sua risada ecoou e Vhalla estremeceu, se perguntando como
tinha pensado algum dia que aquilo era um som encantador. — É
incrível que você tenha cometido um erro tão simples.
— E me diga, por obséquio, qual foi esse erro? — Aldrik rosnou.
O coração de Vhalla disparou. Ela não precisava vê-lo para
saber que sua mandíbula estava cerrada; ele poderia até mesmo
estar com a mão em punho. Aldrik estava dizendo ao irmão
exatamente o que Baldair queria ouvir sem usar uma única palavra.
— Uma Senhorita Vhalla Yarl foi registrada entrando aqui ontem
à noite, mas nunca houve um registro de saída, — proclamou o
Príncipe Baldair, quase de forma vitoriosa. Vhalla queria entrar em
pânico, mas a primeira emoção que a tomou foi uma curiosidade
estranha - o Príncipe Baldair estava investigando seu irmão. Não
era uma informação que ele poderia ter encontrado acidentalmente.
— Realmente, irmão, não é do seu feitio; foi negligente.
— Parece que a única coisa negligente é a manutenção de
registros, — tentou Aldrik.
Ela se perguntou se aquilo soava mais convincente para uma
pessoa que não fosse ela.
— O que vocês dois pensam que estão fazendo? — Príncipe
Baldair retorquiu. Claramente, ele não estava comprando as
mentiras que Aldrik estava disposto a vender.
— Nada com o que você precise se preocupar, — Aldrik rosnou.
Vhalla se encolheu, percebendo o que estava por vir.
— Ora essa? Sem mais negações? — O irmão de Aldrik o havia
pego em suas próprias palavras. — Não se deixe enganar por ele,
Vhalla.
Ela mordeu o lábio para não gritar e colocar o príncipe mais novo
em seu devido lugar.
— Chega disso. Fora, Baldair. — A paciência de Aldrik estava
quase no fim.
— Tudo bem, Aldrik, se você quer que seja assim. — Ela ouviu o
barulho das botas do príncipe Baldair desaparecendo lentamente. —
Mas você deve consultar o livro antes que o Pai tenha a chance de
ver.
— Obrigado, — disse Aldrik de má vontade.
Vhalla piscou. Ele estava agradecendo ao irmão, depois de tudo
aquilo? Ela não conseguia entender a razão.
— Vejo você em uma hora. — O barulho suave da porta se
fechando sinalizou a partida do príncipe mais jovem.
Aldrik abriu as portas deslizantes e Vhalla o olhou com
desespero. Ele percebeu suas emoções e atravessou o cômodo
rapidamente para se sentar ao seu lado, pegando suas mãos.
— Tudo bem. — Ele levou os nós dos dedos dela aos lábios. —
Está tudo bem.
— Mas... — ela protestou fracamente.
— Eu vou alterar o livro. Não será um problema. — Aldrik
segurou ambas as bochechas dela.
— Seu irmão? — Ela perguntou.
— Ignore-o, — Aldrik suspirou.
— Por que ele é assim? — Vhalla perguntou, permitindo que o
toque de seu príncipe a acalmasse.
— Temos uma longa história entre nós. Mas, por enquanto,
preciso ir alterar esse livro antes que esses registros possam cair
nas mãos do meu pai.
A julgar pela maneira como Aldrik falava, era uma longa história
que ela não ouviria tão cedo. — O que aconteceria se seu pai visse?
— Vhalla sabia que o Príncipe Baldair entretinha mulheres o tempo
todo. Embora dificilmente quisesse ser considerada esse tipo de
mulher, especialmente para Aldrik, parecia bastante injusto que um
irmão pudesse se safar de ter mulheres em seu quarto e o outro
não.
— Não se preocupe com isso, — ele suspirou.
— O que aconteceria? — Ela pressionou. — Aldrik, pare de não
me contar as coisas. Mesmo que você pense que é para o meu
próprio bem.
Ele desviou os olhos. — Preciso me preparar para a chegada
das tropas.
— O que aconteceria? — Ela perdeu a cabeça. Ele a olhou,
assustado. Vhalla respirou fundo, se acalmando. — Apenas me
diga.
— Depois que dei meu testemunho no seu julgamento, meu pai
falou comigo. — A voz do príncipe era fraca e seus olhos nunca
encararam os dela. — Ele perguntou se você seria um problema.
— Um problema? — Ela sussurrou. Algo no tom dele a enervou
mais do que toda a conversa com o Príncipe Baldair..
— Uma... distração das minhas obrigações. — Ele finalmente se
voltou para ela. — Eu sinto muito.
— Pelo quê? — Vhalla estava confusa.
O príncipe apenas suspirou e descansou a testa na palma da
mão. — Eu disse ao meu pai que via você pelo que era. Uma
ferramenta da qual precisávamos e nada mais. Que eu tinha você
na palma da minha mão, e que você faria o que eu dissesse. Que
isso - nós - não éramos nada além de um meio para esse fim. —
Seu peito se apertou com a fraqueza na voz dele. — Vhalla, eu
não...
— Eu sei. — Ela o interrompeu. Doía ouví-lo dizer isso, mas
sabia que ele só tinha feito o que achava que era melhor. Ou pelo
menos, era o que esperava. Ele a olhou com ceticismo, e ela
apertou sua mão levemente.
— Meu pai me disse que esperava mesmo que eu estivesse
certo, porque havia muita coisa sobre os meus ombros para que o
Império se exaurisse ou investisse muito em uma plebéia, não
importa quão magicamente especial ela fosse. — Aldrik revirou os
olhos para as declarações parafraseadas.
— Seu irmão estava lá, não estava? — Vhalla percebeu.
Aldrik deu um pequeno aceno de cabeça.
Se não por você, então por ele; as palavras do Príncipe Baldair
ecoaram em sua mente. Ele está usando você, Vhalla. Isso a fez
parar por um momento. Baldair teria visto todas as interações de
Aldrik com ela de uma perspectiva muito diferente da sua - sendo
ela o objeto de afeição do príncipe herdeiro.
— O que seu pai fará? Se ele...
— Se ele descobrir que você passou a noite comigo? — Aldrik
perguntou. — Ou que eu me apaixonei pela plebéia especial? — Ele
sorriu tristemente em sua direção.
— Ambos? — Vhalla lembrou a si mesma que agora não era
hora de ficar toda boba.
— Em relação ao primeiro, talvez eu consiga me safar. — Aldrik
beliscou a ponte do nariz. — Quanto ao segundo, não tenho tanta
certeza.
Vhalla assumiu que o que ele dissera sobre não ter tanta certeza
era verdade, embora algo sobre como seus olhos estavam distantes
a fizesse suspeitar que, na realidade, ele tinha um palpite. Ela
deixou pra lá; talvez fosse melhor deixar algumas coisas não ditas.
— Obrigada.
— Pelo quê?
— Por me dizer honestamente. — Não tinha passado
despercebido por Vhalla o quão difícil era para o príncipe fazer isso.
Aldrik riu e balançou a cabeça. Vhalla o puxou para mais perto e
ele obedeceu, inclinando-se para frente. Seus lábios se encontraram
de forma breve, mas foi o suficiente para tranquilizá-la sobre quase
tudo o que ela pensava que sabia sobre o mundo.
— Você precisa se preparar e ir alterar aquele livro.
Vhalla se levantou e ele agarrou seu pulso. — Você ainda vai
voltar hoje à noite?
Ela piscou com a sua pergunta. Depois de tudo o que ele havia
dito?
— Não sei se isso é realmente... — ela começou, sabendo muito
bem agora que não era apenas uma péssima idéia, mas também
uma idéia potencialmente perigosa.
— Há uma entrada secreta, — disse ele rapidamente.
Vhalla olhou incrédula em sua direção. — Se havia uma entrada
secreta, como é que eu não a usei para começo de conversa?
— Porque eu tinha um motivo para vê-la. — Um sorriso torto e
astuto repuxou seus lábios. — E porque eu não estava esperando
que você passasse a noite aqui.
Vhalla corou e desviou os olhos do rosto bonito dele. — Ainda é
uma má ideia, — sussurrou.
— Sempre será. — Aldrik levantou-se. A respiração dela
acelerou apenas com a proximidade dele. Ele colocou os dedos sob
seu queixo e trouxe seu rosto para cima gentilmente. — Se você
quiser tomar a decisão mais apropriada e amplamente aceita, então
vá embora agora, tenha piedade e termine isso antes que você me
seduza ainda mais. Porque posso prometer que isso nunca será
fácil - para nenhum de nós - e me recuso a te amar pela metade.
Mais uma vez, ela sentiu a escolha sendo colocada em suas
mãos. Os problemas não eram nada que Vhalla não tinha dito a si
mesma antes. Os desafios não eram nada que ela já não tinha
percebido. No entanto, ouvi-lo dizer tornou tudo ainda mais
aterrorizante. Ele parecia igualmente assustado, e se as dificuldades
o assustavavam, ela tinha todo o direito de ter medo. Mas ele
também tinha reconhecido isso, dizendo a ela que lutaria se ela
lutasse também. Havia mil coisas que Vhalla queria responder.
— Que horas? — Foram as únicas palavras que deixaram seus
lábios.
— Seis? — O rosto de Aldrik sorriu novamente, e Vhalla sentiu
um calor ao saber que tinha contribuído para isso.
— Combinado.
Aldrik assentiu e a guiou até a sala de estar, por trás do bar que
ocupava o espaço à esquerda da porta. Andando até uma prateleira,
Aldrik puxou uma garrafa e Vhalla ficou surpresa ao vê-la acoplada
à uma alavanca de metal escondida. Houve um clique em algum
lugar da parede, e ele puxou as prateleiras para revelar uma
passagem. À medida que eles desciam a curta distância, um ponto
de luz apareceu sobre o ombro masculino.
— Como você sabia que isso estava aqui? — Ela perguntou.
— Não gosto de me sentir como se pudesse ser encurralado em
algum lugar. Ficamos neste hotel no início da guerra, e insisti em
ficar sempre nele desde que o proprietário me mostrou essa
passagem, — explicou Aldrik quando chegaram ao térreo. — Seis,
— reafirmou.
Ela assentiu.
— Seja pontual, sou o único que pode abrir esta porta.
— Estarei aqui, prometo.
Ele pressionou os lábios na testa dela. — Cuide-se, não quero
ter que reduzir as Encruzilhadas à cinzas num ataque de fúria.
Vhalla riu baixinho, percebendo muito bem que talvez não fosse
apenas uma brincadeira. Ela sorriu para ele, divertida. — Cuide-se
você, não quero ter que mandar as Encruzilhadas pelos ares num
ataque de fúria. — Ela foi recompensada por seu atrevimento com a
risada dele e outro beijo firme.
Aldrik colocou a palma da mão na porta e empurrou. Vhalla
percebeu a verdade do que ele disse antes quando o metal onde a
fechadura ou maçaneta deveria estar começou a derreter em torno
de sua mão. O metal derretido se separou e a porta abriu. Vhalla
entrou na luz do dia. Ela não disse nada e ele assentiu, fechando a
porta que se camuflava na pedra da parede externa.
Vhalla esperou um momento, sua cabeça ainda rodando por
tudo o que havia acontecido. Respirando fundo, ela se virou e
começou a caminhada pelos becos ao redor do prédio, e depois de
volta à praça principal. Em algum lugar ao longo do caminho, se viu
incapaz de conter uma risada extasiada.
O hall de entrada do hotel estava silencioso, e Vhalla agradeceu
por poder subir as escadas de fininho e entrar no quarto. Vhalla
virou-se para a porta, encostando-se nela com um suspiro feliz. Se
isso era um sonho, nunca mais queria acordar.
— Fritz, levante-se; ela voltou. — Larel se agitou, despertando.
— O que vocês dois estão fazendo aqui? — Vhalla piscou para
as duas pessoas que ocupavam a sua cama.
— Fritz, levanta. — Larel empurrou o homem dormindo ao lado
dela.
— Larel, nããão... — Fritz puxou as cobertas sobre a cabeça.
— Ela voltou, — Larel sibilou.
Do nada, Fritz também estava sentado e prestando total
atenção.
— Bom dia, Fritz, Larel, — Vhalla os cumprimentou como se
fosse uma garota que foi apanhada pelos pais ao chegar tarde em
casa.
Fritz estava do outro lado do quarto em um segundo, com as
mãos nos ombros dela. — Você não me venha com “bom dia”. —
Ele a perscrutou. — Você passou a noite toda fora! Nós ficamos
preocupados!
Bem, isso explicava por que eles decidiram acampar em seu
quarto. — Sinto muito, — disse honestamente.
— Não podíamos nem perguntar a alguém porque, bem, não
sabíamos se... — Fritz olhou de novo para Larel.
— Se você tinha ficado com ele, — Larel terminou.
Fritz olhou boquiaberto para a mulher Ocidental, mas depois
voltou-se para Vhalla com um aceno de cabeça. — Então? —
Perguntou Fritz.
Até Larel a analisou interrogativamente.
Vhalla suspirou. Não era como se nunca tivesse planejado
contar a eles, ou que não esperava que os dois soubessem logo,
mas parecia que metade do mundo tinha descoberto seu segredo
logo depois das primeiras horas. — Sim, fiquei.
Fritz guinchou. Ele parecia vibrar de excitação. — Nos - conte -
tudo. — Ele pontuou as palavras, falando cada uma deles como se
fosse uma exigência.
— Ela não precisa nos contar nada, — repreendeu Larel. Ele
choramingou para a outra mulher.
— Sinto muito por fazer vocês se preocuparem, em primeiro
lugar, — se desculpou Vhalla. — Isso só meio que, tipo,
aconteceu… obviamente. — A excitação de Fritz colocou de volta a
sensação boba em seu peito. — Mas não há muito o que contar,
apesar de tudo. Nós não… — Vhalla corou, percebendo o que as
pessoas provavelmente pensariam. — Nós nem sequer dividimos a
cama. — Era uma meia verdade; eles não compartilharam a cama
durante a noite, mas ela dormiu em seus braços e acordou com ele
ao lado dela.
— Elecia? — Perguntou Fritz.
Vhalla balançou a cabeça. — Elecia Ci'Dan é sua prima meio-
Nortenha, meio-Ocidental. Aldrik Ci'Dan Solaris — explicou Vhalla.
Se seu rosto tinha se parecido com o deles diante da revelação do
fato, então não era de se admirar porque Aldrik se divertiu à suas
custas.
— É claro, — Larel gemeu e enterrou o rosto nas mãos. —
Somos tão burros.
— Então, se você não compartilhou a cama dele... o que vocês
fizeram? — Fritz parecia genuinamente confuso.
— Ele trabalhou, nós treinamos um pouco de magia... —
numerou Vhalla de forma vaga.
— Vocês são adoráveis, — disse Larel deliberadamente,
ganhando um olhar tanto dela quanto de Fritz. — Você vai voltar
hoje à noite, não é?
— Como você...? — Vhalla se perguntou se a mulher era
telepata.
— Você vai? — Fritz perguntou, chocado. Vhalla só pôde corar.
— Pela Mãe, essa é a coisa mais louca que eu já ouvi! Príncipe
Aldrik? O Senhor do Fogo? O príncipe das trevas? Aquele cuja
paciência é curta e a ira é longa?
— E o seu ponto é? — Vhalla olhou para ele.
— Ele está agindo como um homem normal! — Fritz riu.
Até Larel compartilhou um sorriso conspiratório. Vhalla escondeu
o rosto, envergonhada.
Vhalla evitou dar a eles mais detalhes. Ela já havia
acidentalmente revelado mais do que pretendia, e queria manter
algumas coisas privadas. Eles a pouparam de mais perguntas e
fizeram companhia à Vhalla enquanto ela enchia sua bolsa com
algumas coisas para a noite.
Horas depois, Vhalla estava entrando novamente em um beco
ao lado de um caminho de carroça. Ela olhou em volta - não havia
sequer uma alma por perto. O coração de Vhalla batia
nervosamente enquanto rezava para que tivesse chegado cedo o
suficiente e que não tivesse se desencontrado com ele.
A entrada da passagem se abriu e Aldrik exibiu um sorriso
animado. Vhalla entrou e ele fechou a porta, soldando-a. Vhalla
colocou as mãos nos quadris dele e se inclinou para cima. Ele
obedeceu, curvando a cabeça para baixo. Beijá-lo tinha inflamado
uma fome que vinha crescendo ao longo do dia. Agora que ela o
tinha, tudo o que queria era ele. Sua necessidade era insaciável.
O príncipe herdeiro suspirou suavemente em sua boca, um ruído
profundo retumbando no fundo de sua garganta, o qual ela
consumiu avidamente. Vhalla colocou as mãos no seu pescoço e
ele a pegou, levantando-a ansiosamente. Vhalla tentou usar o calor
da paixão entre eles para fundir seus corpos dos quadris ao peito.
Aldrik a apertou com mais força, seus dedos pressionando contra a
túnica de lã como se fosse fazer buracos na procura por sua pele.
Os lábios de Vhalla se separaram levemente, mas ele se afastou de
maneira rápida, sacudindo a cabeça.
— Não podemos. — Sua voz era deliciosamente rouca, fazendo-
a querer ficar ainda mais perto dele. — Não agora. Tem alguém que
eu quero que você conheça.
A curiosidade de Vhalla escondeu o ressentimento por terem tido
que parar o que haviam começado. Aldrik entrelaçou os dedos aos
dela enquanto subiam as escadas.
— Quero que você saiba, — ele disse suavemente, — que eu
confio nele completamente, então não se preocupe. Eu teria
contado antes, mas a presença dele também foi uma surpresa para
mim. — Ele não lhe deu a chance de perguntar sobre quem estava
falando quando Aldrik abriu a passagem que dava para o quarto.
Vhalla entrou primeiro, hesitante. Ela colocou a bolsa ao lado da
porta escondida, enquanto Aldrik colocava as prateleiras de volta no
lugar. Vhalla examinou o cômodo, seu olhar caindo sobre um
homem sentado no centro do sofá. Haviam papéis e livros de
registro espalhados sobre a mesa, e Vhalla percebeu
instantaneamente qual espreguiçadeira Aldrik ocupara antes, por
conta da pena com ponta de ouro e do pote de tinta que estavam
apoiados de modo abandonado.
O homem se levantou e Vhalla juntou as mãos, retorcendo os
dedos. Ele era tão alto quanto Aldrik, ou talvez até um pouco mais.
Seu cabelo preto era cortado bem curto e parecia levemente
arrepiado em direções estranhas. Ele tinha uma barba escura bem
aparada que corria ao longo de sua mandíbula e subia o queixo até
o lábio inferior. Nada disso foi o que a assustou, embora. Os olhos
dele eram como olhar para uma imagem refletida de um outro par
muito familiar, um que ela particularmente era apaixonada.
Aldrik andou atrás dela, colocando a palma da mão na base de
suas costas para ajudá-la a sair de seu torpor. O homem a estudou
com um olhar velado enquanto ela contornava o bar e atravessava a
sala até a área de estar. Aldrik estendeu a mão na direção do
homem.
— Vhalla, conheça Ophain Ci'Dan, irmão da minha mãe e
Senhor do Oeste.
Ela olhou para os dois homens; Aldrik tinha um sorriso relaxado,
e o outro homem continuava avaliando-a com interesse.
— Vhalla Yarl — disse o lorde lentamente, e sua voz estava
entre uma das mais profundas que ela já ouviu. — Eu estava
ansioso para conhecê-la.
V BUSCOU POR UMA SEGUNDA CONFIRMAÇÃO,, e Aldrik deu um
pequeno aceno de cabeça. O homem Ocidental estendeu a
mão aberta para ela e Vhalla tentou sorrir educadamente enquanto
aceitava o cumprimento. A pele do lorde era tão quente quanto a de
seu príncipe, e ela se perguntou se ele era um vislumbre do futuro
de Aldrik. Ele estava começando a ficar grisalho perto das orelhas,
mas isso o deixava com uma aparência bonita e imponente. Seus
ombros eram mais largos e pareciam ter mais músculos.
— Meu senhor, é uma honra conhecê-lo. — Vhalla disse a si
mesma para não ficar nervosa.
O homem assentiu e sentou em frente a ela com uma postura
relaxada, os braços abertos nas costas do sofá. Aldrik voltou à
espreguiçadeira que ocupava anteriormente. Vhalla sentou-se na
outra restante e cruzou as mãos no colo, tentando agir
educadamente e não retorcer os dedos.
— Não consigo me recordar de nenhuma outra vez em que uma
das primeiras palavras que saíram da boca do meu sobrinho foi o
nome de uma dama. Somado ao fato de ouvir o mesmo nome nos
lábios do Imperador e do outro príncipe, bem, nem preciso dizer que
não tive outra escolha a não ser conhecer essa mulher.
Vhalla não tinha certeza de como se sentia sabendo que era o
assunto de tantas conversas.
— Ainda assim, se nada disso fosse verdade, eu teria insistido
em conhecê-la de qualquer maneira. — Lorde Ophain apoiou os
cotovelos nos joelhos, cruzando as mãos entre eles e inclinando-se
para a frente. — Afinal, você é a primeira Andarilha do Vento no
Oeste em mais de cem anos que não foi trazida usando correntes.
— Bem, não sei se estou livre de correntes. — Vhalla não
conseguiu impedir que o comentário seco escapasse.
— Por quê diz isso? — Ele perguntou. Até Aldrik estava curioso.
Vhalla se concentrou no príncipe enquanto falava, rezando para
que ele não interpretasse errado suas palavras. — Sou propriedade
da coroa. Minhas correntes são invisíveis, mas igualmente pesadas.
A dor passou rapidamente pelos olhos de Aldrik, mas não houve
hostilidade diante da verdade que ela trouxe à tona.
— Bem que você me disse que ela tinha um pouco de fogo
dentro de si. — Lorde Ophain riu para Aldrik antes de voltar sua
atenção para a garota. — Eu conheço as acusações contra você. E
sei da magia que exerce. Mas o que eu quero conhecer mesmo é a
mulher por trás disso tudo.
Vhalla observou que ele usou a palavra “acusações” ao invés de
“crimes”.
— Bem, eu nasci em uma cidade Oriental chamada Leoul. Fica à
oeste e um pouco ao sul da capital de Cyven, Hastan. Cerca de três
dias de viagem da fronteira Ocidental, acho? — Vhalla nunca fez
essa viagem, mas tinha ouvido falar da jornada pelos agricultores.
— Quando tinha onze anos, fui trazida à capital pelo meu pai e
acabei trabalhando no palácio como aprendiz de biblioteca.
— O que explica como conseguiu entrar em contato com um
príncipe, — ponderou o lorde.
Vhalla assentiu, abrindo e fechando os dedos. — Sim, meu
senhor, embora tudo tenha sido bastante estranho e uma questão
de sorte.
— Não existe sorte, Vhalla. — Ela o instigou a continuar com seu
olhar curioso. — A Mãe nos dá um caminho a seguir até o fim de
nossos dias. Ele está repleto de encontros e despedidas, e nenhum
dos quais acontecem por acaso. — Ele fez uma pausa antes de
acrescentar: — Pelo menos é nisso que escolho acreditar.
Vhalla fez uma pausa, tentando decidir quanto daquela
afirmação curiosa considerava ser verdadeira. — Entendo, meu
senhor. — Ela não tinha certeza do que mais poderia dizer.
— Você é uma cética, — ele afirmou com um sorriso.
— Há muitas coisas que não entendo; seria presunçoso da
minha parte descartar qualquer uma delas de forma superficial —
replicou Vhalla, no que era tanto uma resposta verdadeira quanto
uma resposta educada.
— Tenho certeza de que se tornou mais sábia por conta dessa
atitude. Eu posso lhe oferecer uma prova, no entanto; você deveria
considerá-la. — Ela inclinou a cabeça, ouvindo atentamente. —
Acredito que, se essa teoria não fosse um fato, então alguns
Domadores de Fogo não poderiam usar esses caminhos para
perscrutar o futuro de uma pessoa.
— Domadores de fogo podem fazer isso? — Vhalla interveio
ansiosamente.
— Alguns. — Lorde Ophain assentiu.
— Muito poucos, — Aldrik zombou. — A maioria são charlatões
de lojas de antiguidades com truques baratos usando fumaças e
espelhos.
Vhalla decidiu então manter o incidente com a Domadora de
Fogo chamada Vi para si mesma.
— Ótimo. Já que meu sobrinho parece interessado em descartar
essa teoria... — O lorde olhou entre eles deliberadamente. — Os
laços que Vinculam duas pessoas a ficarem juntas são feitos das
mesmas linhas vermelhas do destino.
Os olhos de Vhalla se arregalaram. Lorde Ophain se permitiu um
sorriso satisfeito. Seu coração começou a acelerar e ela olhou para
Aldrik. Seu príncipe riu baixinho e balançou a cabeça.
— Não se preocupe, Vhalla. Eu confio nele — Aldrik reafirmou.
Ela olhou chocada para o príncipe e depois para Lorde Ophain.
Dizia muito sobre o relacionamento que esses dois compartilhavam
o fato de que Aldrik confiava à ele o conhecimento do Vínculo.
Vhalla começou imediatamente a se sentir mais confortável com
Senhor do Oeste.
— Nem mesmo ter Despertado e já formar um Vínculo. — Lorde
Ophain passou a mão pelo queixo. — Você é de fato uma criatura
curiosa. Estou verdadeiramente empolgado com a sua
demonstração de amanhã.
— É amanhã? — Vhalla perguntou para nenhum dos dois em
particular.
— Meu Pai me informou mais cedo. — Aldrik assentiu.
— Você já pensou em introduzi-la aos cristais, depois de tudo?
— Lorde Ophain perguntou a Aldrik.
— Não, e não diga uma palavra ao meu pai sobre isso, —
ameaçou o príncipe. — Pelo que ele sabe, ela não pode lidar com
eles sem o risco da mancha, como qualquer outro feiticeiro.
— E como você o fez acreditar nisso? — O Senhor do Oeste
pareceu impressionado.
— Eu disse a ele que tentei. — Aldrik deu de ombros. — Tenho
fornecido anotações cuidadosamente escritas baseadas nos meus
próprios registros para pintar a imagem que eu quero que ele veja.
— Inteligente, — elogiou lorde Ophain.
Vhalla ignorou a culpa que sentiu por alguma vez ter suspeitado
que Aldrik iria compartilhar as intimidades do Vínculo dos dois sem
cuidado. — Mas eu posso lidar com eles... — Vhalla lembrou das
pedras que o Ministro Victor usara em seu corpo depois que ela
Despertou. Elas haviam funcionado tão eficientemente com sua
magia que era como se tivessem sido feitas especialmente para ela.
Lorde Ophain sorriu de forma ampla para Aldrik, claramente
animado com sua admissão. O príncipe beliscou a ponte do nariz e
suspirou. — Vhalla, não repita isso fora deste cômodo.
— Por quê? — Ela perguntou.
— Você sabe como a Guerra das Cavernas de Cristal foi
iniciada? — Lorde Ophain perguntou a ela.
— Bem, meu pai foi um soldado durante a guerra... — Vhalla
pensou no que ele e sua mãe haviam lhe dito. Aldrik ficou
subitamente fascinado por um canto da sala, evitando a conversa
como se ela não estivesse acontecendo. — Ele disse que foi por
causa do caos contido nos cristais, que escapava e perturbava o
domínio e a ordem da Mãe. Que estávamos lutando contra a
escuridão. Eu li que também tinha algo a ver com feiticeiros se
intrometendo com forças que não deveriam.
— Mas por que eles estavam se intrometendo com essas
forças? O que os levou a estar lá?
Vhalla não tinha uma resposta para a pergunta do lorde.
— Tio, chega disso! — Aldrik estava de pé, as mãos cerradas em
punhos. Vhalla podia sentir o poder irradiando dele.
— Aldrik, relaxe. Sei quando uma história não é minha para
contar. — A voz do homem era severa, mas tinha um toque gentil.
Aldrik ficou rígido por mais um momento antes de suas mãos caírem
frouxamente ao lado do corpo. Seus olhos estavam cansados e
distantes quando ele bufou, caminhando irritado para o bar.
— As Cavernas de Cristal tem sido um enigma misterioso faz
muito tempo, — continuou Lorde Ophain, ignorando seu sobrinho
temperamental. — Alguns afirmam que é a porta para o reino
sombrio que o Pai construiu, para manter nosso mundo separado.
Outros teorizam que é a solidificação da magia bruta de quando os
Deuses criaram a vida. Não importa em que você escolha acreditar,
há algo sobre as propriedades das pedras que são encontradas lá,
algo que pode alterar as habilidades naturais de um feiticeiro. — O
lorde tomou um gole de sua bebida. — A guerra começou porque as
pessoas haviam retornado às Cavernas em outra tentativa
fracassada de reivindicar seus poderes em prol da própria ganância
egoísta - poderes que têm o potencial de distorcer até o mais forte
dos feiticeiros, ainda mais rápido do que os Comuns por causa das
Vias mágicas que ele carrega.
— O que isso tem a ver comigo? — Era uma história
interessante, mas ela não sabia por que era relevante.
— Por que o Oeste queria Andarilhos do Vento? — Lorde Ophain
respondeu sua pergunta com outra pergunta. Ela estava começando
a ver de onde Aldrik tinha tirado seu estilo de ensino.
— Pela magia, — disse Vhalla, incerta. Ela só tinha lido um livro
sobre isso.
— Para acessar as cavernas. — O lorde inclinou-se para a frente
com uma seriedade solene.
Aldrik ficou encarando sua bebida atrás do bar, ainda os
ignorando.
— Por que... — Sua voz tinha virado um sussurro.
— Porque os Andarilhos do Vento são os únicos, de todos os
feiticeiros ou Comuns, que não podem ser manchados pelos
cristais. — Lord Ophain finalmente deu a resposta que ela não
queria ver por si própria.
— Mas, então… — Vhalla olhou para Aldrik e capturou sua
atenção. — Você não quer que seu pai saiba porque não quer que
ele tenha esse poder.
— Se ele pode tê-lo ou não, é irrelevante. — Aldrik encheu o
copo antes de voltar ao seu lugar. — Não quero que você seja
usada por ninguém.
O coração de Vhalla nem pôde errar as batidas por conta das
palavras dele, sua mente estava muito sobrecarregada. Ela tinha um
poder que podia dar acesso a uma magia antiga ainda maior, capaz
de distorcer os corações, mentes e corpos dos homens. Vhalla
apertou as mãos com força. O Ministro Victor tinha pedido que ela o
trouxesse uma arma de cristal. Agora sabia o porquê, e a razão pela
qual tinha que ser ela em específico.
— Mas chega de aulas de história e de indagações sombrias —
Lorde Ophain tentou dispersar a nuvem carregada que agora
pairava sobre o cômodo. — Posso ter uma demonstração de suas
habilidades, especificamente dessa Projeção na qual ouvi falar,
antes de amanhã?
Vhalla acatou ao pedido e foi melhor assim. A admiração e a
animação que Lord Ophain teve em relação à sua magia ajudaram
Vhalla a superar as preocupações e medos invocados pelas
Cavernas de Cristal. A guerra tinha acabado e as pessoas haviam
aprendido suas lições quando se tratava dos cristais. Do mesmo
modo que Vhalla concordou com a decisão de Aldrik de manter em
segredo o fato de que eles não a afetavam negativamente, ela
também decidiu não se preocupar com isso.
Eles conversaram do jantar até a noite. Vhalla começou a
contribuir com mais bocejos do que com palavras em certo ponto da
conversa, e Aldrik finalmente notou a companhia cochilante que ela
era. — Você deveria ir descansar.
— Ah, não, estou bem. — Teria sido mais convincente se ela não
tivesse pontuado a afirmação com um bocejo.
— Você vai precisar da sua energia amanhã. — O príncipe se
levantou, oferecendo-lhe uma mão. — Durma um pouco.
Vhalla percebeu pela maneira com que Aldrik girou seu corpo,
que ele estava prestes a levá-la para o quarto. — Posso voltar para
a estalagem, — ela ofereceu rapidamente.
— Não, eu quero você aqui comigo. — Ele fez uma pausa. — Se
você ainda quiser isso também.
Vhalla sorriu suavemente com a última fala; de certa forma, era
adorável assistir um nobre nascido e criado na realeza tentar ser um
pouco menos principesco. — Claro que eu quero. — Ela apertou a
mão dele levemente. — Vou dormir aqui fora essa noite, — ela
ofereceu.
— Não. — Aldrik balançou a cabeça. — Eu e meu tio vamos ficar
até queimar todo o óleo das lamparinas. Não o vejo faz muito
tempo. Fique com a cama, será muito mais silencioso.
Vhalla assentiu e Aldrik renunciou seu agarre sobre ela, satisfeito
pela garota não estar indo embora. Vhalla virou-se para Lorde
Ophain quando o príncipe foi buscar sua bolsa atrás do bar. O
Senhor do Oeste tinha um sorriso conhecedor em seu rosto.
— Lord Ophain, foi um prazer conhecê-lo, — disse ela
sinceramente.
— Só posso dizer o mesmo, Vhalla. Uma amiga de Aldrik - é
uma amiga do Oeste. Te vejo amanhã.
Vhalla notou seu sorriso e não pôde evitar corar. Ansiosa demais
para esconder o constrangimento, ela pegou a bolsa das mãos de
Aldrik, deu-lhes boa noite e deslizou através das portas de correr
para o quarto escuro do outro lado. Duas chamas tremeluziram ao
lado da cama e no banheiro, pairando acima de um prato de metal
que havia sido posto estrategicamente. Vhalla fez uma anotação
mental para algum dia perguntar a Aldrik como Dominadores do
Fogo deixavam suas chamas à distância, mas, por agora, estava
agradecida pela luz.
Sabendo que o príncipe ia demorar, Vhalla decidiu tomar seu
próprio tempo, aproveitando o luxo do banheiro dele. A água saiu
bem quentinha e ela a deixou penetrar em seus ossos. O calor a
relaxou e evitou que a tensão em seus músculos se transformasse
em medo e preocupação diante da incógnita que a demonstração
iminente para o Imperador traria.
Seus dedos das mãos e dos pés estavam enrugados quando ela
emergiu. Secando-se e vestindo roupas de dormir básicas, Vhalla
arrastou os pés de volta para o quarto. Luzes fracas ainda
tremeluziam por trás das portas de correr, que não faziam quase
nada para bloquear a profunda ressonância das palavras de Aldrik.
— Gostaria de outro? — Ele perguntou, provavelmente de trás
do bar pelo jeito como sua voz soava.
— Não, temos um longo dia amanhã. Você deveria parar
também — alertou seu tio.
— Apenas uma saideira, — Aldrik assegurou.
— Você disse que era uma saideira há duas bebidas atrás. —
Havia um tom de sermão na voz de Lorde Ophain que fez Vhalla
sorrir levemente.
— Não me culpe por isso. — Ela ouviu Aldrik atravessando a
sala, o som de um móvel raspando no chão enquanto ele se
sentava pesadamente.
— Você sabe que eu vou. Principalmente se ainda estiver sob os
efeitos do álcool e não puder desempenhar o papel que precisa
amanhã — disse o lorde severamente. — Não acho que você vá
querer ser o motivo da demonstração dela dar errado.
— Eu nunca faria nada que pudesse colocá-la em risco, — disse
Aldrik afiadamente.
Vhalla deu um passo para mais perto das portas, o coração
acelerado. Sabia que não deveria estar ouvindo, que era uma
invasão da privacidade dele. Mas ela não conseguia evitar que seus
pés a carregassem até as portas de papel e madeira esculpida.
— Você diz como se já tivesse feito. — As palavras de Lorde
Ophain eram fortes, mas seu tom não era.
— Não se atreva a me dizer...
— O que? — O homem mais velho cortou o príncipe. — Que
você transmitiu claramente seu relacionamento com essa mulher
para os seus homens, os seus líderes, o seu pai, de todas as
pessoas?
Aldrik ficou calado.
— Ele mencionou o julgamento em uma correspondência. Me
pediu para vir e botar juízo na sua cabeça.
— E eu aqui pensando que você estava fazendo uma visita
amigável ao seu querido sobrinho. — Aldrik pontuou suas palavras
pousando o copo sobre a mesa com um pouco mais de força do que
o necessário.
— Seu pai me convocou aqui para rejeitar isso. Mas então você
também me convoca buscando o meu conselho e a minha
aprovação. Por que mais você a traria diante de mim como fez? —
Lorde Ophain tinha um ponto.
— Bem, — Aldrik perguntou finalmente, — qual é o seu
conselho?
— Faça dela uma protegida do Oeste. — Vhalla inalou
bruscamente com as palavras de Lorde Ophain. — Mande-a de
volta para Norin comigo para estudar na Academia de Artes
Arcanas. Coloque-a fora do alcance do seu pai, e do seu.
— Isso seria a coisa mais inteligente, não seria? — Aldrik
suspirou.
Vhalla agarrou seus dedos com tanta força que pensou que um
deles poderia quebrar. Ela deveria ficar feliz. Ser enviada a Norin
para estudar em uma das academias mais antigas do mundo -
embora fosse uma academia de feitiçaria -, deveria soar como um
sonho se comparado à marchar para a guerra.
Mas ela não estaria ao lado dele..
— Você não vai fazer isso, no entanto. — Lorde Ophain ouviu
algo nas palavras de Aldrik que Vhalla não tinha ouvido. O barulho
de gelo contra os copos de vidro encheu o silêncio. — O que essa
mulher é para você?
— Vhalla, eu preciso dela de tantas formas, que a Mãe me
ajude, — Aldrik gemeu. — Preciso dela como minha redenção,
preciso de sua bondade, preciso do seu perdão, preciso dos seus
sorrisos, preciso da sua humanidade, preciso da sua ignorância,
preciso da sua inocência e, sim... Mãe Sol, sim, preciso dela como
homem.
A respiração dela estava curta quando se inclinou para mais
perto da porta. O coração de Vhalla ameaçou parar de bater com as
palavras suaves de Aldrik.
— Você a ama.
Não era uma pergunta, mas Aldrik respondeu de qualquer
maneira. — Mais do que eu algum dia pensei ser possível.
— Aldrik, — disse o lorde cuidadosamente. — Você se meteu
numa situação e tanto, não é?
— Não sei o que fazer. — A voz dele soou fraca se comparada à
sua plenitude normal.
— Você sabe qual é o seu papel na vida, o seu dever para com
seu povo. — Vhalla não gostava de onde Lorde Ophain estava
chegando com sua lógica. — Algum dia você será Imperador e
ninguém poderá questionar suas decisões. Ninguém vai questioná-
las se sentirem que suas leis se originam da honra, da sensibilidade
e da compaixão. A coroa é um fardo pesado e você terá que fazer
escolhas entre os seus desejos e o seu Império.
— Sei de tudo isso, Tio. — A voz de Aldrik ficou abafada por um
momento, enquanto ele enterrava o rosto nas mãos. — Mas eu não
posso.
Vhalla soltou o fôlego que não tinha percebido que estava
segurando.
— Eu sei, — disse Lorde Ophain. — Você me lembra muito o
seu pai.
— O que? — A raiva de Aldrik surgiu rápido diante do
comentário.
— Acalme-se. — O lorde riu. — Você nunca os viu juntos, mas
ele estava perdido de amores pela sua mãe. Claro, ela também era
uma princesa, mas a escolha lógica teria sido uma de suas tias mais
velhas. Ele não deveria ser tão duro com você, até porque não é
como se tivesse sido imune à perseguir um coração roubado.
Vhalla piscou, ela nunca tinha ouvido nada sobre a mãe de
Aldrik. Ela deveria se afastar agora; este era certamente um
momento privado.
O lorde suspirou. — Ela era muito jovem, mais nova do que você
é agora...
— Chega — disse Aldrik baixinho. Houve uma longa pausa.
— Ainda temos um longo dia pela frente. — Soou como se
Ophain estivesse de pé. — E você tem uma mulher bonita em sua
cama, — ele acrescentou com uma risada.
Vhalla lutou contra um rubor.
— Onde ela ficará sem mim, — Aldrik parecia resoluto.
Vhalla lutou contra um desapontamento bem impróprio.
— Você e suas nobrezas. Você é um príncipe, Aldrik, as pessoas
esperam que se divirta quando ninguém está olhando. — A voz do
lorde diminuiu enquanto ele se dirigia para a porta. — É uma pena
que a sede do poder não tenha sido mantida no Oeste. Nosso povo
ficaria bastante satisfeito em aceitar uma mulher como ela como sua
princesa.
Vhalla tentou absorver o que o homem estava insinuando, o que
ele estava dizendo abertamente.
— Um passo de cada vez... — A voz de Aldrik desapareceu
quando ela caminhou até a cama.
Vhalla colocou as cobertas em volta de si. Seu sangue parecia
em chamas pela vergonha de ouvir uma conversa que não fora
destinada aos seus ouvidos. Mas essa não era a única coisa que a
fazia queimar. Ela queria tocá-lo, beijá-lo, deixar que ele soubesse
que ela se sentia do mesmo modo e ainda mais, e que nunca iria
deixar o mundo arrancá-lo de suas mãos necessitadas.
O som de madeira contra madeira preencheu o silêncio quando
a porta se abriu, e Vhalla sentou-se.
— Você está acordada. — As bochechas dele estavam
levemente coradas, e seus lábios se separaram.
— Estou. — Toda a eloquência abandonou Vhalla quando ela o
encarou.
— Eu... — Ele olhou entre ela e a área de estar na sala principal.
Vhalla viu o debate em seu rosto e colocou um fim nisso. —
Fique comigo.
— Eu não deveria. — Seu foco agora estava exclusivamente
nela e isso enviou faíscas para o seu peito.
— Você não deveria? Assim como não deveria me ter em sua
cama agora, ou me beijar ou me amar? Não estou, não estou
pedindo para… — Vhalla agarrou as cobertas e corou, forçando a si
mesma a agir como uma mulher, — ...para que você faça amor
comigo essa noite. Mas quero você perto de mim.
Aldrik suspirou profundamente, e Vhalla se preparou para vê-lo
partir para o outro cômodo. Mas ele atravessou o caminho até a
cama, rastejando sobre os lençóis nas mãos e nos joelhos em
direção à ela. Vhalla sentiu-se deliciosamente encurralada, presa
aos travesseiros diante de uma fera predatória.
As luzes se extinguiram magicamente quando ele a beijou, seu
peso atacando os sentidos dela. Vhalla passou a mão em volta do
pescoço masculino, segurando o rosto dele contra o seu. Aldrik
tinha gosto de licor doce e cada sonho sombrio e delicioso que ela
já teve. Ela queria entregar-se a ele, dar-lhe tudo o que tinha.
Quando se afastaram incontáveis beijos depois, não parecia nem
perto de ser o suficiente.
— Aldrik, — ela suspirou sem fôlego.
— Não, não vou. Você disse que essa noite não. — O príncipe
leu sua mente.
— Mas...
— Não, — Aldrik repetiu. Ele a pegou em seus braços e girou de
costas, puxando-a para cima dele. — Também não quero que você
pense que eu levo as mulheres para a cama de modo leviano.
— Você não precisa se preocupar com isso. Eu sei. — Vhalla
acariciou o estômago dele, sentindo através do tecido fino da
camisa as elevações dos músculos esculpidos por anos de serviço.
— Não ligo para quantas foram, ou por quê. Eu só quero estar aqui,
agora.
— Quantas você acha que foram? — Ele realmente parecia
divertido.
— Eu te disse, não me importo. — Os movimentos dela
congelaram.
— Ah-ah, Vhalla, eu praticamente inventei as respostas
evasivas. Você ainda tem muito o que aprender. — Ele colocou
alguns fios de cabelo atrás da orelha dela.
— Eu não sei, — Vhalla se resignou. Ela não queria ofendê-lo
com um palpite que passava muito longe do número real. Ele era
seis anos mais velho do que ela e, a julgar pelos comentários de
seu irmão, tinha sido significativamente mais ativo quando era mais
novo. — Oito? — Ela chutou um número, pensando que seria muito
baixo porque isso implicaria em menos de uma mulher por ano
desde a cerimônia de maioridade dele, aos quinze.
Sua risada ecoou na escuridão.
— Três.
— Três? — Ela repetiu. Era mais do que o seu total geral de um,
mas era bem menos do que estava esperando.
— Isso é uma repetição satisfeita, meu papagaio? — Ele
pressionou os lábios na testa dela.
— Suponho que sim. — Vhalla se remexeu, aproximando-se um
pouco mais dele. — É mais do que eu.
— Imaginei que sim.
— O que isso significa? — Vhalla bufou em um tom falsamente
ofendido.
— Eu usei a sua falta de experiência para te deixar
completamente desequilibrada, lembra? — Ele correu a mão pelo
braço dela para entrelaçar seus dedos.
— Dois nem é tanta diferença assim, — Vhalla murmurou, sem
saber como aquilo havia se tornado um competição.
— Dois. — Aldrik levou muito tempo para fazer uma matemática
simples. — Quer dizer que você já...
Foi a vez de Vhalla rir. — O Leste na verdade não compartilha as
noções Sulistas de vocês sobre o sangue virgem de uma mulher.
Sim, um homem.
— E cá estava eu pensando que estava te levando para o mal
caminho. — Vhalla ouviu o sorriso na voz dele e levou a mão à
bochecha masculina, sentindo como sua boca se curvava.
— Estou bastante certa de que está, — brincou Vhalla
levemente.
— Você está certa, — ele brincou também. — Eu quero comer o
seu coração ainda batendo.
— Se isso era tudo o que queria, deveria saber que eu dei ele a
você já faz um certo tempo. — Vhalla ficou confusa quando sentiu o
sorriso sair do rosto de Aldrik. — O que foi?
— Como você ainda não viu que eu não sou digno de você? —
Ele agarrou a mão dela, pressionando os lábios contra as pontas
dos dedos.
— Como você não viu que é digno disso e muito mais? — Vhalla
retrucou.
Ele deu uma bufada em diversão e apertou a mão dela com
força. — Eu te amo, Vhalla Yarl.
— Que sorte a minha. — Ela bocejou. — Porque eu te amo
também, meu príncipe herdeiro.
A respiração dele bagunçou seus cabelos levemente enquanto
Vhalla se pressionava para mais perto do príncipe, e ele encheu os
seus sentidos enquanto ela dormia.
E LA OLHOU PARA o rosto de um homem que era dolorosa e
terrivelmente familiar, e ainda assim completamente diferente.
Egmun usava o cabelo curto, bem rente à cabeça, embora as rugas
nos cantos dos olhos fossem mais suaves, as linhas ao redor da
boca mais leves, e ele usasse uma sombra de barba ao longo da
mandíbula. A visão do senador mais jovem deixou Vhalla em um
tipo de pavor cheio de fúria, e a emoção conflitou com o que seu eu
onírico estava sentindo - uma sensação tranquila de confiança.
Vhalla lutou com a visão, se debatendo para escapar, para
afastar Egmun. Ela puxou e forçou e se retorceu mentalmente até
algo se partir em seu pânico cru. Ela ficou do lado de fora do corpo
que antes ocupava, o que deveria ter sido seu corpo em todos os
sonhos anteriores.
Aldrik parecia não ter mais de quinze anos. Seu cabelo era mais
comprido, caído até os ombros e amarrado no pescoço. Uma franja
bagunçada emoldurava o seu rosto, e Vhalla olhou com uma
estranha mistura de amor e medo para o garoto de olhos
arregalados, sozinho naquele lugar escuro com um homem que ela
odiava mais do que qualquer um ou qualquer outra coisa.
O cômodo estava cheio de uma névoa que se misturava
sinistramente com a escuridão, tornando apenas certos detalhes
facilmente distinguíveis. Havia uma única chama tremulando no
espaço cavernoso e, onde quer que fosse, nem o teto e nem as
paredes eram visíveis pela luz. O chão era de pedra, incrustado com
o que pareciam ser cacos de vidro cintilante. Ela tentou olhar mais
de perto, mas um nevoeiro os cobria toda vez que tentava se
concentrar. Havia marcas antigas esculpidas sob seus pés,
espiralando em direção ao centro onde um homem estava
ajoelhado, amarrado e com os olhos vendados. Ele estremeceu e
balançou um pouco. O tecido que cobria seus olhos estava molhado
de lágrimas.
— Príncipe Aldrik. — Egmun deu um passo à frente. Ele usava
um casaco preto formal e calça escura; não havia sinal de sua
corrente Senatorial. — Um dia, você será Imperador. Sabe o que
isso significa?
— S-Sei.
Vhalla virou-se para a criança gaguejante.
— Então você sabe que a justiça caberá à você. — Egmun deu
outro passo à frente e o coração de Vhalla começou a acelerar,
sentindo-se desesperadamente presa. Ela não queria estar aqui, ela
não queria ver isso. — Foi o último pedido de sua mãe, que seu pai
lhe poupasse dessas funções pelo maior tempo possível.
— Da minha mãe? — Vhalla viu um triste lampejo de esperança
nos olhos do garoto com a menção da mãe que ele nunca
conheceu.
— Mas em breve você será um homem, não é? — Egmun
perguntou suavemente.
— Sim. — O menino príncipe respirou fundo, como se para
esticar-se em toda a sua altura por um momento.
— É bastante injusto, não? Que seu pai trate-o como uma
criança? — Vhalla observou o homem sorrir, e ela soube que esse
Aldrik ainda não havia aperfeiçoado seus poderes de percepção e
manipulação. Se ela podia ver Egmun pelo que realmente era
naquele momento, não tinha dúvidas de que o Aldrik adulto também
o faria. — Você está preparado para ser o príncipe herdeiro que
este reino precisa?
— Estou, — repetiu Aldrik, apesar de sua dúvida óbvia. Embora
o lugar estivesse frio, suor pontilhava sua testa.
— Então, meu príncipe, pela justiça, pela força de Solaris, pelo
futuro do seu Império, mate esse homem. — Egmun abaixou
dramaticamente sobre um joelho. Ele puxou a corda que prendia
uma espada curta ao seu próprio cinto, e estendeu a lâmina com
expectativa.
Vhalla não tinha certeza se era seu coração que estava
disparado, ou se era o do jovem Aldrik.
— Mas...
— Este homem roubou da sua família; é um crime e uma traição.
Ele não é um inocente — garantiu Egmun.
— Meu pai não deveria...
— Pensei que você fosse um homem e um príncipe. E não
alguém que recua diante da justiça ou do poder, Príncipe Aldrik. —
Egmun pareceu esticar os braços para estender a espada ainda
mais. — Por quê você está aqui?
— Para o meu pai, para conquistar o Norte, — disse Aldrik,
incerto. A guerra no Norte havia começado apenas quatro anos
atrás. Aldrik deveria ter vinte anos, e não ser uma criança.
— Com isso, todos irão se curvar diante de você. — Egmun
sorriu de modo encorajador, e Vhalla lembrou de uma serpente.
Aldrik pegou a espada, hesitante.
Não, sussurrou mentalmente. Foi inútil, e, é claro, ela não foi
ouvida. Aldrik virou-se para o homem ajoelhado.
— M-meu príncipe, m-misericórdia, por favor. P-pegue minha
mão pelo m-meu roubo. P-Poupe-me. — Vhalla ouviu a voz áspera
do homem através das lágrimas. Aldrik olhou de volta para Egmun.
— Ministro... — ele disse fracamente.
— Os culpados o dirão qualquer coisa, meu príncipe, para salvar
a própria pele. Isso também é uma lição. — Egmun voltou a ficar de
pé, e ele parecia estar prendendo a respiração.
Aldrik desembainhou a espada, passando a bainha de volta às
mãos ansiosas de Egmun. A lâmina brilhava como se emitisse luz
própria.
Egmun, pare. Vhalla gritou.
— M-misericórdia, — o homem implorou. Aldrik olhou para
Egmun em desalento.
— Mate-o, Aldrik.
Vhalla ficou boquiaberta com a repentina rispidez no tom de
Egmun. A paciência dele finalmente se esgotou. Aldrik não pareceu
notar. Ela só teve um momento para contemplar o que, exatamente,
deixava o senador tão ansioso antes que Vhalla visse o garoto
apertar a mandíbula com uma determinação sombria.
Não. Ela sentiu o terror de Aldrik, sua incerteza, sua esperança
juvenil, o fim eternamente invasivo de sua inocência, e sentiu-se a
ponto de chorar.
Aldrik levantou a lâmina. Ela pairou, apenas por um momento,
acima de sua cabeça. O jovem príncipe olhou para o homem
indefeso diante dele, a vida que ela sabia que estava prestes a ser
ceifada. Vhalla viu o flamejar da luz do fogo na superfície da espada
enquanto ele a descia desajeitadamente sobre a cabeça do homem.
Não, ela repetiu ao ver o indivíduo estremecer violentamente
com o balanço fraco e desajeitado da lâmina de Aldrik. Aldrik
levantou a espada novamente.
Não! Vhalla gritou quando ele abaixou a espada de novo, sangue
espirrando em seu rosto jovem e perfeito. Aldrik levantou a espada
novamente.