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Pochmann: O trabalho em novas dimensões

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7 de novembro de 2022

Precarização invade casas, rouba tempo livre e impõe vida débito-crédito. O labor na Era
Digital precisa ser regulado, mas também é essencial apostar em ações formativas, na
reindustrialização e no cuidado, em busca de ocupação plena

Por Marcio Pochmann


Publicado 07/11/2022 às 15:32
Atualizado 07/11/2022 às 15:34

O horizonte da centralidade da relação salarial perdeu força com a ruína da sociedade


industrial. Há mais de três décadas, o ingresso passivo e subordinado na globalização foi
acompanhado do reposicionamento do Brasil na Divisão Internacional do Trabalho,
interrompendo a industrialização nacional.

Com isso, a trajetória do assalariamento sofreu significativa inflexão, sobretudo no


segmento dos empregados protegidos por direitos sociais e trabalhistas. A partir de
então, o projeto de construção da sociedade centrada na valorização do trabalho que
fora implementado pela Revolução de 1930 passou a ser fortemente atacado.

Exemplo disso foi o desaparecimento da dualidade que comandava a composição do


governo federal demarcado pela polarização entre os ministérios da Fazenda, que
articulava os interesses do patronato industrial, e o do Trabalho, que integrava a
conveniência do mundo do labor. De um lado, o ministério da Fazenda passou a ser

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ocupado por representantes dos interesses especulativos e financeiros e, de outro, o
ministério do Trabalho ficou cada vez mais enfraquecido e atarefado pelas emergências
da falsa polarização neoliberal entre emprego ou direitos.

Neste primeiro quarto do século 21, por exemplo, o conjunto dos países se encontra
repartido no mundo entre produtores e consumidores de bens e serviços digitais. No
caso brasileiro, a decadência registrada no seu desempenho, que declinou para a 13°
economia do mundo, se mostra incompatível com o posto de quarto maior mercado
consumidor de bens e serviços digitais.

O desequilíbrio entre a estrutura produtiva envelhecida e a modernização do padrão de


consumo tem sido mantido pela via das importações de produtos com maior valor
agregado e conteúdo tecnológico, financiados pela dependência do modelo primário-
exportador. Em função disso, o tema do trabalho crescentemente secundarizado pela
nova relação débito-crédito, fundada na captura dos rendimentos variáveis (programas
públicos de transferências de renda, endividamento privado, ocupações gerais legais e
ilegais, monetização das redes sociais e outras) se impôs sob novas dimensões.

A primeira se relaciona à reconceituação do trabalho diante do avanço da Era Digital.


Diferentemente do que ocorria na sociedade industrial, o trabalho deixou de ser apenas
uma expressão do que se realiza fundamentalmente fora de casa, em locais
determinados (fábrica, escritório, banco, supermercado, canteiro de obra, lavoura e
outros) e por tempo previamente definido.

A digitalização crescente da sociedade amplia cada vez mais o horizonte do trabalho que
se encontra conectado em distintos locais e temporalidades. A escassa limitação
regulatória ocorre paralelamente à intensificação e extensão do trabalho precário, cujo
grau de exploração acompanha a sua desvalorização comparável à década de 1920.

Como dimensão promotora e protetiva, a regulação do labor seria um novo diálogo


temático com as reformas trabalhista de 2017 e previdenciária de 2019 – a definição do
padrão mínimo aceitável de regras, representação coletiva e solução de conflitos para o
conjunto do mundo do trabalho, para além do assalariamento formal.

Na dimensão educacional e formativa, é necessária a reorganização das bases


qualificadoras do trabalho atualmente existentes para atender ao longo da vida. A
responsabilidade compartilhada tripartite constitui o elemento convergente com a
redefinição formativa da identidade e pertencimento no mundo do trabalho.

Tudo isso converge com as novas fontes possíveis geradoras de ocupação. O


dinamismo que ocorre com a reindustrialização e a reestruturação geral dos serviços de
cuidado pode abrir a nova oportunidade da plena ocupação no Brasil.

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Tudo isso está no horizonte de possibilidades teóricas. A sua conversão em realidade
implica em compreender o trabalho de forma holística, com maioria política organizada.
Do contrário, a relação salarial prosseguirá perdendo a centralidade no interior do mundo
do trabalho.

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Marcio Pochmann

Economista, pesquisador e político brasileiro. Professor titular da Universidade Estadual


de Campinas (Unicamp). Foi presidente da Fundação Perseu Abramo de 2012 a 2020,
presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 2007 e 2012, e secretário
municipal de São Paulo de 2001 a 2004. Concorreu duas vezes a prefeitura de
Campinas-SP (2012 e 2016). Publicou dezenas de livros sobre Economia, sendo
agraciado três vezes com o Prêmio Jabuti.

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