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YAGO MAGALHÃES LOPES

RESENHA: Caminhos da intolerância no mundo ibérico do Antigo Regime

São Paulo
2021
YAGO MAGALHÃES LOPES

RESENHA: Caminhos da intolerância no mundo ibérico do Antigo Regime


Resenha crítica apresentada na disciplina de
História Ibérica I, do curso de História da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, para
avaliação do primeiro semestre.
Professora: Iris Kantor

São Paulo
2021
RESENHA: Caminhos da intolerância no mundo ibérico do Antigo Regime
A obra Caminhos da intolerância no mundo ibérico do Antigo Regime, publicada pela
editora Contra Capa em 2012, é um livro organizado pela pesquisadora Daniela Calainho, do
grupo Companhia das Índias - Núcleo de História Ibérica e Colonial nos Tempos Modernos,
da Universidade Federal Fluminense (UFF). O interesse pela leitura se justifica por conta das
discussões feitas em aula sobre as Inquisições ibéricas e das leituras feitas do Monitório do
Inquisidor Geral, de Diogo da Silva. Portanto, são buscadas considerações a respeito do papel
da Inquisição no engendramento de intolerâncias entre cristãos-novos e cristãos-velhos. No
livro, foram reunidos trabalhos de pesquisadores de diversas universidades brasileiras que
discutiram a intolerância em diversos âmbitos dos impérios ibéricos do mundo moderno.
A obra é dividida em quatro partes, cada uma possui diferentes trabalhos de diferentes
autores. A primeira, “Inquisição: ícone da intolerância”, trata de abordar a intolerância que
permeia nas denúncias e pormenores do Santo Ofício. Na segunda parte do livro, “Clero e
intolerância”, os autores se dedicam a expor conflitos entre as instituições da Igreja Católica,
como as ordens religiosas, e as demais forças do período, de modo a tirar considerações a
respeito da intolerância nos impérios ibéricos. Durante a terceira parte, “A intolerância no
oriente”, seus autores se aterão em apresentar o choque de culturas que se deu com a presença
de ordens religiosas e demais instituições portuguesas em contato com as diversas
organizações sociais do continente asiático. A última parte, “Intolerância, poder, sociedade e
representações”, diz respeito sobre as representações da nobreza na América portuguesa; o
papel das mulheres nas sedições e tensões sociais; reflexões acerca da imprensa nas colônias
do Império Portugues e outras análises. A seguir, serão apresentados alguns trabalhos que
compõem a obra dentro de suas respectivas partes, de modo a esclarecer algumas passagens
do livro ao leitor.
Durante a primeira parte, no capítulo “Uma visitação fora de seu tempo? O Santo
Ofício no Grão-Pará pombalino (1750-1774)”, o autor Yllan de Mattos, doutorando em
história pela UFF, tem como objetivo avaliar o motivo das visitações de Giraldo José de
Abranches, visitador do Santo Ofício, ao Grão-Pará, entre 1763 e 1769, pois as visitações da
Inquisição portuguesa não eram feitas com frequência devido ao caráter centralizador da
instituição. É mostrado que não há concordância de opiniões dos autores mencionados neste
capítulo no que diz respeito às visitações inquisitoriais na América portuguesa. Para alguns, o
motivo dessas visitações seria integrar as principais colônias ao Santo Ofício, para outros,
tinha o objetivo de perseguir os senhores de engenho e comerciantes que exerciam práticas
judaizantes. No que diz respeito a visitação setecentista, são levantadas hipóteses de José
Roberto do Amaral Lapa, autor responsável pela publicação dos manuscritos encontrados na
Torre do Tombo: em primeiro lugar, teriam a característica de controlar a riqueza dos
cristãos-novos; revigorar a fé católica; punir o clero e a população, que estavam “relaxados”;
e sondar o subconsciente da colônia.
Apesar do caráter motivador que levou Abranches a visitar o norte da América
portuguesa, é revelado que a visitação do Santo Ofício foi deixada em segundo plano em
favor do projeto pombalino, ou seja, da administração eclesiástica nas terras paraenses. Sua
relação com o projeto pombalino no norte da colônia, de acordo com Yllan de Mattos tinha o
objetivo de definir os territórios discutidos no Tratado de Madri de 1750 através das alianças
com chefes indígenas, garantindo também mão de obra barata na região e de modo a
introduzir escravos africanos ali.
Ainda em “Inquisição: ícone da intolerância”, em “A inquisição injuriada: Os insultos
contra a «limpeza de sangue» dos familiares do santo ofício no século XVIII”, Aldair Carlos
Rodrigues, doutor em História pela Universidade de São Paulo, procura esclarecer alguns
episódios de injúrias relacionadas ao “sangue infecto” contra os familiares da Inquisição na
América portuguesa setecentista.
Inicialmente, introduz a presença das três grandes religiões monoteístas presentes na
península ibérica e a formação de unidades políticas católicas que perseguem judeus e
muçulmanos, forçando os primeiros a se converterem ou expulsando-os de seus domínios.
Com a declaração de que havia cristãos-novos exercendo práticas religiosas judaizantes, as
unidades políticas católicas requereram bulas papais para a criação de inquisições com o
objetivo de neutralizar os transgressores da fé católica.
Desse modo, as instituições sociais passam a adotar estatutos de limpeza de sangue,
sobretudo em cargos ligados ao capital simbólico, ou seja, que conferem distinção social. A
ascendência judaica era a mais odiada naquele contexto. O autor expõe o Estatuto de Toledo
de 1449, na Espanha, como o precursor dos estatutos de limpeza de sangue, impedindo a
admissão de cristãos-novos em cargos municipais.
As ordens regulares seriam as primeiras a incorporar leis de pureza de sangue por
meio da bula papal Ad Regie Maiestatis, com o intuito de torná-las espaços elitizados. Além
da pureza de sangue, a bula também impediu o recrutamento de “portadores do defeito de
mecânica”, ou seja, pessoas que trabalhavam usando as mãos.
Em seguida, são apontados motivos para as questões sobre a pureza de sangue terem
seu apogeu entre o último quartel do século XVII e as três primeiras décadas do séc XVIII. As
hipóteses, de acordo com Fernanda Olival, são: o reforço do poder nobiliárquico com a
chegada de d. Pedro ao trono em 1667; as reações ao sacrilégio de Odivelas em 1671; e os
boatos sobre o perdão geral de 1674 e 1681. É ainda mencionado pela autora citada por
Rodrigues a relativa limitação da aplicação dos estatutos, pois ainda se encontravam presentes
apenas em cargos mais elevados das instituições, para ingressar nas universidades e no
serviço militar, não era necessário provar a “pureza de sangue”. Não havia também uma
normatização da aplicação dos estatutos.
No que se refere às familiaturas do Santo Ofício, é obrigatória a limpeza de sangue
durante a obtenção de sua habilitação. Se fosse provado que o candidato a familiatura fosse de
origem cristã-nova, mesmo que muito remota, seu pedido seria negado, pois os habilitados
ganhavam um atestado público de cristão-velho. Dessa forma, fica evidente que a distinção
social de crisão-velho era o principal fator pelo qual milhares de pessoas buscaram ser
familiares do Santo Ofício, sobretudo os comerciantes, que haviam ascendido socialmente.
De acordo com o autor do texto, é com a inflação do número de pessoas vinculadas
que a familiatura da Inquisição começa a ter o seu valor de “pureza de sangue” questionado. É
aqui que entram as injúrias contra os familiares citadas anteriormente. O autor busca
descrever como o tribunal do Santo Ofício reagia com relação às denúncias contra os
familiares. De acordo com uma denúncia feita contra o familiar da Inquisição Domingo
Álvares de Azevedo, o autor revela o não cumprimento dos regimentos do Santo Ofício, pois,
na ausência de provas concretas, Azevedo não foi condenado ou teve sua habilitação cassada.
O regimento do tribunal alegava que, mesmo em situações de boatos contra um dado familiar,
este tinha de ter sua habilitação suspensa. O não cumprimento do regimento, de acordo com o
autor, se dá por conta da alta no número de requisições das familiaturas, dessa forma, os
administradores inquisitoriais foram menos criteriosos ao admitir novos familiares. Com isso,
são apresentados diversos relatos de injúrias contra os habilitados, onde os injuriantes dizem
que a familiatura não é mais sinônimo de “limpeza de sangue”.
Além disso, o autor apresenta a concessão de habilitações através de subornos, são
mostradas fontes que provam a compra de familiaturas por moedas de ouro, evidenciando a
corruptibilidade das instituições do Santo Ofício, algo que é notado pelos injuriantes, pois já
não acreditavam mais na retidão do tribunal.
Ao final, são estabelecidas duas hipóteses: os injuriantes poderiam se sentir
ameaçados com a mobilidade social imposta pela admissão de familiares através da compra
ou ineficiência administrativa da Inquisição; ou eles acreditavam na “impureza de sangue”
dos injuriados e queriam zelar pela manutenção da separação entre cristãos-velhos e
cristãos-novos. Entre as duas hipóteses, pondera: a Inquisição falhou na habilitação dos
agentes familiares. Em todo caso, a habilitação de familiatura não garante genealogicamente a
pureza de sangue, mas apenas dentro das instituições vigentes.
Em “Mulheres bígamas: a busca por novas trajetórias”, quarto trabalho da primeira
parte, Michelle Trugilho Assumpção se dedica a apresentar a face inquisitorial voltada para a
defesa do catolicismo no plano moral e familiar do império ultramarino português, com
enfoque na perseguição a bigamia, onde o Santo Ofício concentrou mais esforços.
A autora aponta que o casamento perdeu suas características domésticas com a sua
sacralização pelo IV Concílio de Latrão, em 1215. Com isso, o concílio enfatiza o caráter
público da cerimônia, de modo que os casamentos sem a chancela da igreja são condenados.
Quanto aos casamentos consumados antes da chancela da igreja, a instituição os considera
legítimos, porém ainda assim, pecado. É com o IV Concílio de Latrão que são especificados
todos os trâmites para uma cerimônia matrimonial dentro dos moldes católicos, de forma a
uniformizar o novo sacramento. Visto isso, o casamento não poderia ser transgredido. Aqueles
que o violassem estariam cometendo um crime nos âmbitos temporal e espiritual, dificultando
a prática da bigamia. Todavia, a mesma não deixou de ser praticada em sua totalidade, e foi
perseguida pelas justiças secular e eclesiástica.
Ademais, é destacado que os bígamos contaram com a mobilidade da colonização para
cometer suas infrações. É também por isso que os denunciados são homens em sua maioria,
pois tinham mais mobilidade em sua vida pessoal. No que tange a bigamia feminina, de
acordo com a documentação apresentada pela autora, a maior parte das mulheres que
cometaram o delito fizeram-no por conta da violência doméstica ou por conta do abandono de
seus maridos, que saíam em longas viagens e não voltavam mais. Dessa forma, as mulheres se
casavam novamente, achando que haviam se tornado viúvas. Todavia, algumas mulheres
também abandonaram seus lares e cometeram o delito, mas em menor quantidade quando
comparadas ao número de homens.
O trabalho em questão mostra a agência feminina no período de atividade da
inquisição, mesmo sofrendo abusos e abandonos de seus antigos companheiros, são
apresentadas muitas mulheres ao longo do texto que desafiaram as instituições e as
autoridades misóginas do período.
Em “Inquisição: ícone da intolerância, ainda são tratadas questões sobre os seguintes
assuntos: a feitiçaria no Arcebispado de Braga, com documentos inquisitoriais revelando com
considerável nível de detalhamento os rituais realizados pelas bruxas, em especial Ana do
Frade; a comunidade cristã-nova de Leiria, com documentos da Inquisição sobre encontros de
pessoas que professavam a fé judaica secretamente e com análises a respeito da implicação do
perdão geral de 1605 na formação desses encontros; e ainda, reflexões a respeito da sodomia
sendo praticada por membros eclesiásticos e a intolerância da sociedade colonial perante o
“pecado nefando”.
Na segunda parte do livro, “Clero e Intolerância”, durante o texto “Guerra e heresia:
Anchieta e os luteranos da França Antártica” são abordadas as diferentes narrativas sobre os
franceses situados na França Antártica usadas pelo padre Anchieta em seus escritos. Em dado
momento, é construída uma narrativa centrada na cristandade dos portugueses e seu heroísmo,
enquanto todos os franceses, sem exceção, seriam protestantes, portanto, hereges e
demoníacos. Em outro momento, o padre pondera, alegando que entre os franceses na
Guanabara, há tanto hereges quanto bons católicos. Essa oscilação se verifica dadas as
circunstâncias da publicação dos escritos que insultam os franceses. Para isso, o autor do
texto, Luiz Fabiano de Freitas Tavares, doutorando em História pela UFF, emprega o conceito
de linguagem política empregado por Pocock e Skinner, onde a linguagem constitui um
conjunto articulado e significativo para aqueles que as compartilham, ou seja, por conta da
rivalidade luso-francesa na questão territorial e evangelizadora na região da Guanabara, a
linguagem usada por Anchieta na obra analisada não poderia abranger os grupos católicos da
França, era necessário que o padre desse caráter de guerra justa contra os hereges luteranos,
de modo a legitimar as ações portuguesas.
Dentro de “Clero e intolerância”, o trabalho “Aspectos de culturas políticas durante o
processo de formação da Congregação Beneditina (Portugal, c. 1560 - c. 1590)”, de Jorge
Victor Araújo de Souza, Doutor em História pela UFF, busca mostrar a importância da
expansão do império português além-mar para que os beneditinos ganhassem confiança e
fossem tolerados pelas instituições e autoridades temporais vigentes. O texto explicita a
influência dos poderes políticos dentro das ordens beneditinas e das instituições eclesiásticas,
de modo a deixar claro os motivos pelos quais os beneditinos se encontravam tão inseridos
nas pautas políticas filipinas.
O último trabalho da segunda parte, intitulado “As duas missões diplomáticas do
padre Antônio Vieira e o «Papel Forte»”, do autor Thiago Groh de Mello Cesar, mestre em
História pela UFF, tem como objetivo fazer reflexões acerca da carta enviada por Antonio
Vieira ao Superior Geral da Companhia Jesuíta em Portugal, onde faz considerações sobre os
holandeses que ocupavam a região de Salvador. É mencionado o amplo conhecimento que o
padre Antonio Vieira tinha sobre os holandeses e suas tropas, pois havia visto todas as suas
ocupações em territórios da América portuguesa, fato que levou o padre a ser enviado a duas
missões diplomáticas, uma em Haia, para coletar informações a respeito da diplomacia com
os holandeses, comprar navios para Portugal e estabelecer contatos com a comunidade judaica
portuguesa ali presente; e outra em Paris, de modo a acordar o casamento do Infante d.
Teodósio com a mademoiselle de Montpensier. Sua visita a Haia é importante por conta do
início do estabelecimento de seu contato entre os sefarditas, que tinham interesse econômico
nas colônias do império e faziam envios ao rei. Dada a superioridade do poderio militar
holandês perante o português, o padre Antônio Vieira recua com as negociações e começa a
escrever o “Papel Forte”, onde estabelece argumentos para a entrega dos territórios
nordestinos para o adversário holandês. A saída, de acordo com o documento, seria direcionar
os esforços portugueses para a luta contra os espanhóis. O autor não deixa de mencionar as
defesas aos judeus nesse documento. É mencionado que, ao final, o padre é tido em denúncias
da Inquisição como transgressor da fé católica ao defender a igualdade entre os judeus e
cristãos velhos.
O texto “Jesuítas e dojukus nas missões do Japão: infortúnio como reflexo de uma
mediação etnocêntrica (1549-1587)”, de Jorge Henrique Cardoso Leão, mestre em História
Social pela FFP e Uerj, trata analisar as mediações tentadas pelos jesuítas e pelos dojukus,
corpo de cristão autóctones, na tentativa de evangelizar a região do Japão, bem como entender
os planos dos jesuítas na região e a criação de intolerâncias em consequência dessas
estratégias.
Os dojukus exerceriam a função de intérpretes e auxiliares para os jesuítas, podendo
ser tradutores para catecismos; pregadores; condutores de rituais funerários; ajudantes em
hospitais etc. O autor informa que não é possível saber porque alguns japoneses se sujeitaram
à carreira de dojuku. Não há provas definitivas relacionadas à sua remuneração, além disso,
vinham de hierarquias variadas da sociedade.
Apesar da suposição com relação às habilidades do corpo autóctone, seus membros
muitas vezes não conseguiam lidar com a junção de duas culturas e línguas diferentes,
simplificando demasiadamente o conteúdo de suas pregações. Os jesuítas, por sua vez,
também explicavam aspectos culturais dos japoneses de acordo com sacramentos cristão,
gerando conflitos com a população local. Francisco Xavier, missionário jesuíta e co-fundador
dos dojukus, ao tomar conhecimento da mandala da flor de lótus da doutrina Zen, associou
sua divisão à santíssima trindade e pediu para que os inacianos pregassem aos japoneses que
parassem de adorar a “lei falsa”. Esse equívoco, assim como outros mais mencionados no
texto, fizeram com que os jesuítas fossem retalhados pelos líderes espirituais locais e pela
população gentia.
De modo a combater núcleos rebeldes não cristãos, os ikko-ikkis, o grande senhor de
terras chamado Oda Nobunaga estimulou a participação dos jesuítas, auxiliados pelos
dojukus, na difusão do cristianismo em seus domínios para estabelecer uma coesão política.
Nobunaga facilitou também as relações comerciais entre Portugal e Japão, bem como a
fundação de seminários católicos em seus domínios. A situação muda completamente com a
morte do daimyo, no contexto da unificação do território japonês. É escolhido o sucessor de
Oda Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi, que promove os últimos embates para a neutralização
de daimyos dissidentes e faz ofensivas contra as comunidades cristãs, que estavam sendo
acusadas de promover a instabilidade do território japonês. Em contrapartida, as missões
continuaram existindo, assim como os auxiliares japoneses, que fundaram seminários na
região mesmo com as ofensivas de Hideyoshi e dos bonzos. Mais tarde, em 1592, os
seminários foram institucionalizados.
O trabalho de Eduardo Borges de Carvalho Nogueira, mestre em história pela UFF,
intitulado “Destruição de pagodes e conversão de gentios: transformações culturais e sociais
da população hindu na Goa Quinhentista”, tem como foco as ações portuguesas entre os
reinados de d. Manuel e d. João III, de modo a compreender como a mudança de relações com
as populações locais de Goa interfere na consolidação de seu poder político na região através
da unificação da fé católica.
Para isso, o autor antecede a dominação portuguesa e comenta acerca da dominação de
Goa pelo Sultanato de Bijapur e das destruições aos pagodes hindus pelos muçulmanos. Os
pagodes são construções importantes para a autonomia dos hinduístas, pois são centros
ritualísticos que ligam os fiéis ao mundo espiritual, além de servirem como arquivos de
registros tributários, locais de encontro para reuniões das comunidades, centros educacionais
para as crianças etc.
São descritas divisões da organização social hindu, em especial as castas. A elite
social se dividia entre as castas militar e sacerdotal (kshatriyas e brâmanes). De acordo com o
autor, essas castas se assemelhavam por conta da produção de discursos que perpetuam sua
superioridade em relação às outras castas. Durante o domínio do sultanato, kshatriyas e
brâmanes se exilam em regiões afastadas e montanhosas.
A dominação portuguesa em Goa se inicia com a proposição de Afonso de
Albuquerque como salvador da região contra o domínio muçulmano, que repele o sultanato e
implanta as atividades da Coroa Portuguesa ali. No início do desenvolvimento das instituições
portuguesas, os líderes hindus foram aceitos com relativa tolerância, foram inclusive aceitos
em funções públicas da Coroa e reergueram seus pagodes. Os portugueses foram bem aceitos
pelos nativos durante esse período. Em contrapartida, a admissão das castas dirigentes em
cargos públicos fortalece ainda mais o abismo social entre estas e as castas inferiores.
A política portuguesa começa a mudar com a transferência da capital indiana do
Império Português para Goa. Agora, são impostas mais restrições sobre os povos autóctones.
Os brâmanes e kshatriyas são expulsos de seus cargos públicos e a população hindu é forçada
a se converter sob a justificativa de uma fé só no império, a fé católica. É aqui que entra o
papel das ordens religiosas, em especial a Companhia de Jesus, na destruição dos pagodes.
Consequentemente a casta dos brâmanes é duramente perseguida, de modo a fazê-los se
converterem ou serem expulsos das terras até então dominadas pela Coroa Portuguesa. Os
brâmanes também sofreram medidas econômicas especiais das ordens religiosas, pois
detinham poder econômico, de maneira a enfraquecer a casta. Todas as transformações da
região goesa tinham como objetivo obedecer as políticas de João III, que pretendia
uniformizar seus territórios politicamente a partir da uniformização das práticas religiosas.
Todavia, a perseguição portuguesa não impediu que fossem realizados cultos hindus
domésticos, é dessa forma que a religiosidade se manteve viva, além das influências goesas
nos cultos católicos da região.
“Convento Real de Santa Mônica de Goa e a Câmara Municipal: uma análise do
conflito na Goa Dourada”, de Rozely Menezes Vigas Oliveira, mestre em História Social pela
FFP e Uerj, busca analisar as tensões entre as casas de misericórdia, em especial o Convento
Real de Santa Mônica e a Câmara Municipal, bem como avaliar a importância do Convento
de Santa Mônica para a manutenção da fé católica na região goesa, principalmente para as
mulheres.
Tanto as casas de misericórdia quanto a Câmara Municipal eram grandes
influenciadoras do império. As primeiras eram responsáveis pela caridade, de modo a receber
doentes, órfãos e mulheres em seus domínios. A Câmara, por sua vez, se preocupava com o
cumprimento das leis, a segurança pública e a limpeza urbana. As duas instituições tinham
como objetivo, dentro da dinâmica do império, a manutenção da fé católica e das rotas
comerciais na região goesa.
É destacada a atuação do d. Frei Aleixo de Menezes em Goa, que é chamado por
Filipe III para governar a arquidiocese, pois havia ali tensões políticas e eclesiásticas,
principalmente entre as diferentes ordens religiosas. Com o objetivo de crescer em sua ordem,
Aleixo de Menezes intervém com ações caritativas na vida feminina da região, que era tida
como imoral. São criadas instituições femininas na região, como por exemplo o Convento de
Santa Mônica de Goa, que entra em conflito com a Câmara Municipal.
No princípio, a Câmara Municipal teria apoiado a criação do convento. Todavia, a
Coroa tinha como prioridade os âmbitos bélico e comercial, e não estava interessada em
promover a construção do convento. De todo modo, o frei Aleixo, através de sua posição
como governador, convoca um conselho que autoriza a construção da clausura.
Os motivos que dão origem ao conflito entre o convento e a Câmara Municipal se dão
com a queda gradual da Índia portuguesa. Mesmo durante a crise política do império, a casa
contava com grande crescimento econômico, o que gerou intolerância por parte de algumas
instituições. A câmara então se voltou contra o dito acúmulo de riquezas do convento, que
atraia mulheres solteiras e viúvas ricas, de modo a diminuir o número de casamentos na
região, algo que garantia a fixação de portugueses no território, e consequentemente a
manutenção do império. Com isso, a Coroa limita o contingente de freiras para cem, mas
concede ao convento o título régio. Mais tarde a instituição começa a declinar, com gastos
maiores que os ganhos, até o seu colapso.
A quarta e última parte do livro se inicia com “A construção da nobreza no Pará
setecentista”, de Rafael Ale Rocha, doutorando em história pela UFF, aqui é enquadrada a
elite nascente do Pará setecentista, que adota ideais do antigo regime para obter seus
privilégios, tal como o pertencimento a uma linhagem específica de guerreiros que libertaram
a região durante o período das invasões holandesas e os conflitos gerados a partir desse ponto.
O autor expõe que a nobreza passa a ser um produto de instrumentos legais e institucionais
estabelecidos pela Coroa Portuguesa, além de ser uma função que é responsável pela
manutenção do sistema estamental e que passa a ser uma qualidade de nascimento. A
evolução da elite em Belém vai acontecer também com base em instrumentos jurídicos e
institucionais. Essas estratégias tinham como objetivo principal alcançar exclusividades e
isenções que diferenciassem a nobreza dos demais grupos sociais, de modo a barrar a entrada
de pessoas com “sangue infecto” nas instituições da Coroa, que tinham ampla presença da
elite. É com a grande requisição dos cargos municipais por parte de diferentes âmbitos da
sociedade que as tensões começam a se formar. Desse modo, através da reivindicação de seus
privilégios, fortificados pelo argumento de que seus antepassados libertaram o Pará dos
holandeses e pelo poder legitimador da Coroa, as elites conseguiram manter suas instituições
livres de pessoas consideradas por elas desqualificadas.
O trabalho “Fidelidade secreta: comentários sobre as cartas e o processo de d. Duarte
de Bragança (1641-1649), de Gustavo Kelly de Almeida, relaciona um processo feito contra a
pessoa de d. Duarte de Bragança, relacionando-o com a restauração portuguesa. Descobre-se
que esse processo era uma maneira de penalizar o rei de Portugal, d. João IV, por conta de sua
rebeldia contra Castela. Sob julgamento, d. Duarte de Bragança nega qualquer envolvimento
com a rebelião de Portugal. Todavia, evidencia, através de uma confissão fora dos trâmites
formais, que omitiu informações a respeito da insurreição portuguesa para o rei da Espanha,
no qual devia fidelidade. Dessa forma, durante o período, Castela não teve pistas sobre as
relações de Duarte de Bragança com os rebeldes portugueses. O nobre portugês morreu em
cárcere castelhano, evidenciando a intolerância de Habsburgo até mesmo para com seus
súditos em nome de sua estabilidade política.
Em “Da sedução à sedição: as mulheres e o discurso político da rebelião na América
portuguesa”, de Alexandre Rodrigues de Souza, mestre em História pela UFF, são retirados
discursos a respeito da mulher amotinada. Eram as mulheres que começavam as rebeliões na
Europa moderna, visto que eram as primeiras a notar o aumento dos preços e a escassez de
mantimentos básicos, mas sua agência nos motins não se resume à passividade. São
apresentadas descrições de autores como Rocha Pita, que narra a participação violenta das
mulheres na Guerra dos Emboabas, que não aceitavam que os homens voltassem derrotados
para São Paulo, e os estimulavam de volta à guerra.
No texto seguinte, “Relatos reais, relatos fantásticos: considerações acerca da Ilha
Encoberta no Portugal seiscentista”, de Filipe Duret Athaide, mestre em história pela UFF,
encontram-se narrativas a respeito do aspecto maravilhoso dos relatos de naufrágios ali
apresentados, bem como menções sobre uma “Ilha Encoberta” onde estaria d. Sebastião com a
missão de reformar o mundo e imperar o mundo todo, de modo a converter os hereges. É
válido mencionar que a imagem da “Ilha” está presente no imaginário da população
seiscentista, pois os relatos de naufrágios eram amplamente difundidos, mesmo sob uma
população majoritariamente analfabeta. Essa concepção tem origem em obras clássicas e
medievais que possuem conteúdo fantasioso com relação a porções insulares habitadas por
seres mágicos, mas a característica de refúgio é herdada da mitologia céltica, que postulava a
existência de paraísos terrenos. De qualquer forma, esses mitos edênicos revelam, sobretudo,
a soberania de Portugal sobre as demais unidades políticas, pelo menos do ponto de vista dos
portugueses.
O próximo trabalho da última parte, chamado “O caso Isidoro da Fonseca. Reflexões
sobre a ausência de imprensa tipográfica na América portuguesa”, de Jerônimo Duque Estrada
Barros, salienta uma denúncia inquisitorial feita contra Antônio Isidoro, no Rio de Janeiro,
por conta de sua imprensa na região. No estudo, são mostrados dois diferentes discursos sobre
a ausência da tipografia na América portuguesa, o primeiro daria ênfase na ausência de uma
cultura letrada sólida na região, o que impediria a criação de empresas tipográficas. Em
contrapartida, dada a ação da Inquisição no fechamento da tipografia de Isidoro, o autor
revela que é preciso reformular o sentido desse discurso. Dessa forma, o segundo discurso
daria ênfase no perigo evidente para o Império Português de se formarem, legalmente, textos
e memórias autônomas, colocando as hierarquias que estruturam o império em risco. Assim se
justifica a ausência de imprensas tipográficas na América portuguesa.
“Aos pés de sua soberana: A intolerância como estratégia de um senhor e um apelo
escravo a tolerância real (1781-1813)”, de Mariana Guglielmo, mestre em História pela UFF,
faz considerações a respeito de Vicente dos Reis, um senhor de escravos que era, de acordo
com as afirmações apresentadas no texto, pouco violento com seus cativos mas que carregava
uma denúncia de violência feita pelo seu ex-escravo, Antonio Francisco Granjeiro, que, em
últimas consequências, vai até Lisboa, pedir sua alforria para a rainha d. Maria I. O senhor de
escravos, por meios legais, consegue retardar os encaminhamentos da alforria de Granjeiro,
alegando que o mesmo era um escravo desobediente e já não era mais sua propriedade,
estando sob a posse da Casa de Misericórdia de Angola.
Mesmo com a presença de provas contrárias, Francisco Granjeiro é enviado para
Angola. Não é possível saber através da documentação disponível se o homem consegue sua
liberdade. Em todo caso, sua astúcia e retórica, muito provavelmente advindas dos
pensamentos revolucionários que pairavam entre os escravos, principalmente por conta da
Revolução do Haiti, são motivadoras para que em documentos referentes ao seu caso fosse
avisado de antemão que ali permeiam “doutrinas perigosas”, pois ele monta seu requerimento
de forma única. Sua história é um exemplo da agência dos escravizados em favor de sua
própria liberdade no período analisado.
Em “Índios africanos e cristãos-novos na Guanabara: relações interétnicas no universo
cristão - século XVIII”, a autora Denise Vieira Demétrio, doutoranda em História pela UFF,
tem como objetivo salientar as particularidades de vivência da religião católica entre
cristãos-velhos e cristãos-novos, especialmente no que diz respeito à concessão de
compadrios aos seus escravos, visto que a densidade populacional dos negros era a maior da
América portuguesa, fato que fez a conversão dos escravos ser pensada pelas instituições.
De acordo com o texto, não é possível definir quais eram as grandes vantagens que os
escravos obtinham com a relação de compadrio entre seus senhores. O que se tem nota é mais
uma distinção atribuída ao valor de um escravo perante os outros, sua conversão ao
catolicismo, algo que poderia gerar conflitos entre os cativos. Os senhores por sua vez, com a
relação de apadrinhamento, ganham maior poder político através da submissão do escravo,
seja nas relações sociais ou através do serviço armado de seus cativos, gerando, além da
desigualdade social, a desigualdade simbólica.
No que se refere ao fator motivador da escolha da obra para a resenha, o texto “A
inquisição injuriada: os insultos contra a “limpeza de sangue” dos familiares do Santo Ofício
no século XVIII” elucida um tema obscuro no que diz respeito aos familiares da Inquisição, a
saturação nas requisições das familiaturas, que reduz o comprometimento dos administradores
do Santo Ofício na concessão de habilitações, desse modo invertendo o valor que essa
habilitação antes possuía para a Inquisição. Todavia, nessa passagem da obra, não é destacada
a importância anterior dos familiares para a instituição verificada, por exemplo, nos
Regimentos Dos Comissários E Escrivães Do Seu Cargo, Dos Qualificadores E Dos
Familiares Do Santo Ofício, documento passado para leitura nas aulas de História Ibérica I
que enfatiza a agência e importância desses membros para a imposição da moral católica na
vida social do Império Português. No geral, por se tratar de uma obra organizada em 2012,
com profissionais experientes na escrita da história, não existem ponderações cabíveis a
respeito de sua metodologia. O trabalho dos autores nela presentes se faz de modo a respeitar
as limitações das fontes disponíveis, mas sem limitar o nível de suas considerações a respeito
dos temas tratados.

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