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)u estiveram 1

.ofessoras da
aduação. Os
RATIO STUDIORUM E POLÍTICA CATÓLICA
se desenvol-
rticularrnen- IBÉRICA NO SÉCULO XVII
nvesrigações
ralrnenre em
serem rraba-
JOÃO ADOLtO Hi\NSEN
ustoricidade
e ongem - o

No século XVJJ, a cultura escolar jesuitrca sistematizada e ordenada pelo


Ratio Studrorum atque lnstitutio Societatis [esu", publicado em 1599, associava-
se à "política católica" portuguesa como um conjunto ele normas, que definiam
saberes a serem ensinados e condutas a serem inculcadas, e um conjunto de práti-
cas, que permitiam a transmissão desses saberes c a incorporação ele comporta-
mentos, normas e práticas". esse tempo, em seus colégios, a Companhia ele Jesus
divulgava () modelo cultural do cortesão e seus padrões distintivos, "discrição",
"agudeza", "prudência", "dissimulação honesta", como ideal de excelência hu-
mana. Na forma de uma arqueologia, este texto reconstrói elementos da estrutu-
ra, da função e do valor da cultura escolar jesuítica no século XVII, segundo as
categorias teológico-políticas do presente do seu tempo, evitando os anacronismos
decorrentes ela universalizaçâo retrospectiva de categorias ilurninistas c liberais'.

1. Ratio significa "plano" , "ordem", "regra", "razâo " crc.; institutio é "modo", "maneira". A cxpres-
são Ratio Studiorum atque lnstitutio pode ser rraduzida por Ordem e Maneira dos Estudos. Cf.
sobre o Ratio Studioruni, J. M. de Madureira S. J. A Liberdade dos Índios. A Companhia de Jesus
sua Pedagogia e seus Resultados. Trabalho apresentado no Congresso Internacional de História da
América. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1927, \'01. 1; Pe. Leonel Franca S. J. (introel. e trad.), O
Método Pedagógico dos [esuitas. O Ratio Studiorum, Rio ele Janeiro, AGIR, 1952; Manuel Pereira
Gomes S. j., Sto. lnácio e a Fundação de Colégios, Instituto Nun'Álvarcs (INA), s/l, Janeiro 1996.
2. A noção ele "cultura escolar" como conjunto de normas e práticas é exposta por Dominique Julia
em "La culture scolaire comme objet hisrorique ", texto mimcografado de uma conferência feita
pelo autor em Lisboa, em julho de 1993, no XV Intemational Standing Conference for Hisrory of
Educarion (ISCHE).
3. Os estudos brasileiros de educação costumam generalizar transisroricarnenre o valor de categorias
ilurninisras, como "elite", "liberdade", "igualdade", "direito", quando se ocupam do ensino

-,
14 I BRASIL 500 ANOS: TOPICAS Uvl HIST()RIA DA EDUCAÇAO

Em 1581, o Pe. Claudio Acquaviva , Geral da Companhia de Jesus, nomeou colégios


uma comissão de doze padres para "[ ... ] formular a ordem de estudos que se deve dades, q
guardar na Companhia:". No outono de 1583, os doze se reuniram em Roma. Os o caso di
gio Rom
cxplicira
jcsuítico, também universalizando as concepções Contemporâneas de "psicologia", "individno ", mesma,
H autoria ", "público.", "CdUC3Ç30") "ciência") "arte" crc. Ao fazê-lo, produzem anacronismos,
1599:0·
como a afirmação de que, passada a fase "heróica" da cutcqucse, no século XVI, o ensino jcsuirico
teria ficado mais e mais elitista e livrcsco, divorciando-se da realidade como origem de uma rradi- saberes
ção bacharelesca. Cf. a propósito, l.uiz Alves de Martes, Prunordios da Educação no Brasil, Rio Polanco
de Janeiro, Aurora, 1958; Fernando de Azevedo, A Cultura Brasileira. lntroduçáo ao Estudo da vmcias (
Cultura no Brasil, Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do Insriruro Brasileiro de Ceogr afia e Estatísti- das rnis:
ca. Comissão Censitária Nacional, 1943. Este texto recusa o pressuposto desses anacronismos, a
persona
explicação segundo a qual, no início da modernidac!e européia, a Pensinsula Ibérica teria escolhi-
do soluções reacionárias para as questões postas pelos Descobrimentos, pela Reforma e pela colo-
da devo 1
nização da América, em oposição às soluções progressistas da Inglaterra. O esquema é cvolucionisra , A e:
era pista e etnocênrrico, pois pressupõe uma história única, uma única rernporalida dc e Ulll único lher infc
sentido da experiência; universa liza a concepção posirivisra de "ciência"; genera liza as noções de suas línt
"igualdade" e "liberdade" para práticas que nâo as conheciam; não considera a eficácia prática da
mISSIOI1,
reatualizaçâo católica de Arisróteles e de Santo Tomás de Aquino, râ o adequados quanto o
o contrc
exper imentalisrno de Racon e as doutrinas políticas de Locke para teorizar e manter a hierarquia
c regular processos econômicos c políticos da dominação colonial, como o escravismo, a censura são e da
intelectual e o monopólio comercial. Por exemplo, o historiador português José Sebastião da Silva ceifo era
Dias afirma que "[ ... ] a posição mental dos jesuítas reílecre, ao que supomos, o estado de espírito sua equi
dominante e nas Congregações
na Universidade Religiosas [... ] As instituiçôes cultura is manti- outras n
nham-se fiéis, na verdade, ao ideal da 'especulação' e da 'controvérsia', mais atentas à ciência
rapidarr
livresca que à ciência experimental c à dialéctica da História". A afirmação parece recuperar o
juizo conrr.irio à Companhia de Jesus exposto no Compêndio J listórico do Estado da Uniuersida-
passagcI
de de Coinibra, publicado em 1772, no governo de D. José I, sendo ministro o Conde de Oeiras, como cc
Sebastião e Melo, Marquês de Pombal: "Nos Sextos (1593) e Sétimos Esrarurost 1653), que desde da manl
o :ln110 de mil quinhentos e noventa e oito até agora governárao a dita Universidade, n~o ha cousa sido mal
alg\lm3, que se possa aproveitar para objecto ele refórma. Muito pelo contrario se contém ncllcs
saram a
hurn doloso systema de ignorancia artificial, e de impossibilidade para se aprenderem as mesmas
também
Scicncias, que se fingio quererem-se ensinar; e huma Officina perniciosa, cujas máquinas fic,ír30
desde então sinistramente laborando para obstruirem todas as luzes naruracs dos fclices engenhos medieva
Porruguezes". Cf. José Sebastião da Silva Dias, - "Porruga l c a Cultura Européia (Séculos XVi a [antastii
XVIII)" Biblos, Lisboa, 1953,1'01. XXVIII, p. 382; Compêndio Histórico do Estado da Uni-
10 carta de
uersidaclc de Coiinbra no Tempo da Invasão dos Denominados Jesuítas e dos Estragos feitos nas
ro, depc
Sciencias I' nos Professores, e Directores que a regiam pelas Maquinaçôes e Publicaçôes dos Novos
Polanco
Estatutos por Elles Fabricados, Lisboa, Na Regia Officina Typografica, Anno MDCCLXXII
(1772), p. XIII. As críticas devem ser situadas no contexto de sua produção para se explicirar De~
historicamente sua particularidade. A sociedade portuguesa de Antigo Estado definia a pessoa de cateque
modo neo-escolástico, como concorrência simultânea de três faculdades ativas, memória, vontade cias e dr
e intelecto, difcrcnrcmcnte da concepção liberal da subjerividade individualizada psicologicamen- as espec
te e dotada de direitos na livre concorrência. A univcrs alizaçào tr ansistór ica de categorias
Acguav
ilurninistas aplicadas ao ensino jesuírico dos séculos XVI e XVII- como "individualidade psicoló-
gica", "classe", "progresso", "atraso", "razão") "formação" (Bildul1g), "literatura", Heiência"- dos os I
não considera essa especificidade e deve ser criricada como anacronismo.
4. Cit. por Dominique Julia, de Ia Ratio Studícn um" in Lucc Giard e Louis de
"Généalogie 5. Já era
Vaucelles (dirs.), Les iésuites à l'àge baroque (1540·1640), Paris, [erôrne Millon, 1995. Rom:

-
RATIU,\! STUDlORUM [POLÍTICA CATÓLICA ... ; 15

:SUS, nomeou colégios jesuíticos existentes já tinham um modas particular de estudar as humani-
.s que se deve dades, que em alguns deles era especificado como ratio ou regulamento interno. É
.m Roma. Os o caso do regulamento do Colégio de Messina, que existia desde 1548, Oll do Colé-
gio Romano, desde 1560, que foram enviados para Roma'. A orei em de Acquaviva
explicita uma das principais características da ação da Companhia de Jesus, a
i " ~(( indivíduo'» mesma, aliás, que modela a concepção de ensino exposta no Ratio Studiorum de
1 ;1I1J.cronlS!110S,
1599: o conhecimento deve ser produto da prática coletiva dos padres que repetem
) ensino jcsuíiico
-rn de uma rradi- saberes autorizados como aplicação imediatamente útil. A partir de 1547, o Pe.
.o no Brasil, Rio Polanco, secretário do Pe. Inácio de Loyola, tinha determinado que todas as' pro-
:10 ao Estudo da víncias da Ordem enviassem correspondência para Roma, relatando os sucessos
~rafia e Esraristi- das missões. A própria carta jesuitica, dirigi da ao Provincial, ao Rei e a outras
anacronismos, a
personalidades da aristocracia e do clero, era um elemento educativo no programa
ica teria escolhi-
da devo tio moderna.
)J'J113 c pela colo-

] é cvolucionisra , A exigência do Pe. Polanco tinha quatro objetivos básicos: o primeiro era co-
dade e um único lher informações sobre os povos com que se fazia contato, principalmente sobre
liza as noções de suas línguas, o que permitia a confecção de gramáticas e o treinamento de jovens
.icácia prática da
missionários, nos colégios da Europa, antes de irem para as missões; o segundo era
uados quanto o
O controle interno da Ordem por meio da regulação do tempo do cotidiano da mis-
lrer a hierarquia
ViS1110, a censura
são e das informações sobre os desânimos e crises que acometiam os padres; o ter-
ebastiáo ela Silva ceiro era o reforço do entusiasmo catequérico. Depois de censuradas por Polanco e
sraclo de espírito .sua equipe romana, as cartas eram rraduzidas para várias línguas e remetidas para
culturais ma nti- outras missões, de modo que padres do Brasil e de Angola, por exemplo, ficavam
ircn (as à ciência
rapidamente sabendo do que ocorria com padres da Índia e vicc-versa. Há várias
rcce recupcr;H o
passagens, em cartas de Nóbrega, que referem a leitura ele correspondência feita
o da Universida-
:onde de Oeiras, como edificação. Para ouvi-Ia, os padres ficavam acordados até duas ou três horas
1653), que desde da manhã, chorando de júbilo, como diz, desejando para si o destino dos que tinham
de, n.io lu cousn sido martirizados. O quarto objetivo era mundano: as elites letradas da Europa pas-
se contém nclles saram a demonstrar crescente interesse "etnográfico" não só pela carequesc, mas
'crcm as mesmas
também pelas novidades maravilhosas do Novo Mundo, relatadas segundo a ótica
tláquinas ficárâo
fel ices engenhos medieval das narrativas de Marco Polo sobre o Grão Cão Mongol, dos [abliaux
1 (Sén,]os XVI a [antastiques e das histórias sobre o Preste João e o Eldorado. Por exemplo, a 5a
, Est ado da Uni- carta de Nóbrega, que dá informações detalhadas sobre os índios do litoral brasilei-
tragos leitos nas ro, depois de cuidadosamente censurada e rraduzida em latim e alemão pelo Pe.
açües dos ?'\OlJ05
Polanco e seus auxiliares, foi editada pelo menos duas vezes, ainda no século XVI.
o MDCCLXXII
ara se explicitar
Desde 1547, a Companhia armazenava informações sobre o andamento da
finia a pessoa de catequese e do ensino em todas as missões. Por meio da comparação de experiên-
.emoria, vontade cias e da adaptação dos métodos de ensino a novas circunstâncias, considerando
psicologica 111(11- as especificidades locais dos colégios já existentes em várias partes do mundo,
:<1 de categorias
Acquaviva pretendia estabelecer uma regra universal, válida para todos em to-
lalidade psicoló-
» U . ~ '») dos os lugares. Aplicada ao ensino, asseguraria a unidade de pensamento e ação
ur;l , C1enCl3 -

ia rd e I.ouis de 5. Já eram conhecidos o ratio do Pe. Nadal (Colégio de Messina), o do Pe. Ledesma (Colégio
.n, 1995. Romano), o dos padres Correia c Lobo (Coirnbra e Lisboa), o do Pe. Ar aoz (Espanha) crc.
16 I BRASIL 500 ANOS: TÓPIC\S E.\1 HISTÓRIA DA EDUCAç.ÃO

dos padres, que deveriam" [... ] non solamente insegnar li bene disposti a ricevere ve no jui
Ia verità, ma anche convincere li repugnanti e inimici di quella "'. Evidentemente, Studiorui
os inimigos da verdade eram os luteranos, os calvinistas e heréticos em geral avaliado
quc, assim como Mclanchton, vinham organizando ginásios no mundo reforma- 1594, os
do. Por causa de vários problemas, o grupo de doze padres nomeado pelo Geral Roma, re
não levou o projeto adiante; em dezembro de 1584, Acquaviva nomeou outra.co- definitive
• missão de seis membros. Vinham de vários países, eram eruditos e experientes no Nápoles
ensino'. Deviam estabelecer uma fórmula de educação que uniformizasse a dou- Societati.
trina em questões especulativas e prescrevesse o modo de tratar as letras, as ar- até a dis:
tes c a teologia na prática. A comissão examinou cartas e consultas recebidas da normas c
Espanha, França, Itália, Alemanha e Portugal; estatutos e leis de colégios e uni- Heptado
versidades, principalmente ü livro manuscrito do Colégio Romano". Dois textos cias dos,
foram apresentados por ela em agosto de 1585. Um deles, De Delectu Opinionum, gio das A
era uma coleção de 597 proposições extraídas da Summa Theologiae, de Santo Colégio 1
Tomás de Aquino. Os seis sugeriam que as proposições deviam ser consideradas Algr
pelos professores da Ordem, embora não forçosamente seguidas por eles. O ou- mantido:
tro tratado, Praxis et Ratio Studiorum, ordenava as matérias ensinadas. Come- J111J11stra,
çando pela teologia (Escritura Santa, teologia escolásrica, controvérsia, casos
de consciência), passava pela filosofia e humanidades, até chegar ao mais bási-
co de todos os cursos, infima gramrnatica., a classe inicial de latim. io.cr.j.r
11. Confoi
Os textos produzidos- pelos seis padres eram provisórios, pois ainda deviam
previa I
ser examinados por todas as províncias da Ordem. A lentidão do processo de
Tinhar
redação do texto definitivo, que só sairia quinze anos depois, evidencia que fazia p
Acquaviva tentava evitar soluções acabadas, por isso determinava que se con- ser ern :
frontassem as várias experiências mundiais do ensino da Companhia, para se ex- (grami
trair "o melhor" de cada uma delas. Além disso, a Ordem tinha crescido Colégi
com o:
extraordinariamente: em 1556, quando morreu Loyola, tinha mil membros; em
errou 1
1600, oito mil. O grande aumento do número de padres tornava muito mais lenta obriga
a troca de informações". m.iticc
Em carta circular de 21 de abril de 1586, Acquaviva ordenou aos provinciais brasile
que o texto preparado pela comissão dos seis deveria ser examinado em cada Congr

Província por ci nco padres doutos, advertindo que era preciso: "[ ... ] nada definir Colégi
livro d
antes que os doutores de todas as Províncias, os nossos doutores, exponham o
tos. EI
que julgam de toda a questão [... ] para que O que é comparável no uso se compro- moral,
Colégi
para o

6. Cit. por Dominiquc ]ulia, op . cit., p. 116. Bahia

7. Francisco Rodrigues informa que os seis membros eram os padres Caspar Gonçalves (Portugal); Depoi:
oCatá
João Azor (Espanha); Diogo Tyrius (França); Pedro Buseu (Áustria); Anron Goyson (Alema-
nha) e Estêvão Tucci (Itália). Cf. Francisco Rodrigues S.]., História da Companhia de Jesus na ores CI

privad
Assistência de Portugal, Porto, Livraria Apostolado da Imprensa, 1938, vol. 11, t. lI, p. 19.
segunc
S. Francisco Rodrigucs S.]., o;;. cit., pp. 19-20.
res era
9. Dominique ]ulia, "La culrure scolaire cornme objer hisrorique", Lisboa, XV ISCHE, julho 1993,
de [esi
p. 10 (rnime o.)

=
RATlU?v15TUDIORU;\fEPOLÍTICACATÓUCA ... 117

sti a ricevere ve no juízO"IO. Um documento-síntese desses exames, Ratio atque Institutio


dentemente, Studiorum, ficou pronto em 1591. Acquaviva determinou que ele fosse aplicado e
os em geral avaliado nos colégios durante três anos. Entre novembro de 1593 e janeiro de
do reforma- 1594, os Provinciais levaram as várias emendas para a Congregação Geral, em
D pelo Geral Roma, reduzindo-se bastante o número das normas do texto original. O texto
ou outra co- definitivo, aprovado por Acquaviva em 8 de dezembro de 1598 e publicado em
perientes no Nápoles em janeiro de 1599 com o título de Ratio atque lnstitutio Studiorum
zasse a dou- Societatis Iesu, passou a organizar o ensino de todos os colégios da Companhia
letras, as a r- até a dissolução da mesma no século XVIII. Como foi dito, inclui os modi e as
recebidas da normas de regulamentos anteriores, como os do Colégio de Monraigu (1508); o
légios e uni- Heptadogma (1518), do Colégio de Santa Bárbara; e modelos e regras de experiên-
Dois textos cias dos vários colégios da Companhia, como o Colégio de Liége (1538), o Colé-
°tJinionum, gio das Artes ou Colégio Real de Coimbra (1548), o Colégio de Messina (1548), o
ae, de Santo Colégio Romano (1560), O Colégio Germânico (1560) etc".
onsideradas Alguns traços que tipificam a Companhia de Jesus desde a sua fundação são
r eles. O Oll- mantidos e sistematizados no Ratio Studiorum de 1599, caracterizando o ensino
Idas. Cornc- ministrado no século XVII. Um deles é a falta de originalidade ou o fato de o
.ersra, casos
o mais bási-
10. Cf. ]. M. de Madureir.i S. J, op . cit., p. 386.
incla deviam 11. Conformc o Pe. Ser afim Leite S. J., até 1599, os colégios brasileiros, fundados J partir de 1549,
previarn a carequcsc c :1 escola propostas inicialmente por Nóbrcga para o Colégio da Rahia.
processo de
Tinham cursos de ler e escrever, ensinando gramá rica, ou seja, latim. O estudo colegial do latim
'idcncia que fazia parte da Formaç.io básica de todo letrado e também habilitava os alunos dos seminários a
que se con- serem padres. Em 15.53, o Colégio de São Vicenre ensinava leitura, escrita, canto, flauta e latim
I, p::tr::t se ex- (gramática). A partir de 1554, o recém-chegado José de i\nchiera foi o professor de brim do
ha crescido Colégio de Piratininga. Com as Constituições de 1556, foi proibida a coabitação dos meninos
COlll os padres e criaram-se externatos. No final do século XVII, o Pc. Alexandre de Gusmão
rem bras; em
criou internatos, fundando o Seminário de 13elém da Cachoeira, na Bahia. O latim era a língua
:0 mais lenta
obrigatória em rodas as atividades; no teatro, permitia-se o LISO de português em diálogos dra-
máticos, mas não em tragédias e comédias. Por exemplo, em 1596, o Geral advertia o Provincial
s prOVl11Cial$ brasileiro de que as representações teatrais não estavam sendo feiras em latim. Em 1568, a
do em cada Congregação Provincial da Bahia propôs ao Geral a conveniência de se estudar dialérica no
nada definir Colégio da Bahia. O ClIfSO de artes (filosofia e ciências) começou em 1572. Lia-se no Brasil o
livro de texto Cursus Conirnbriccnsis, sendo extremamente comum o uso de manuais rnanuscri-
.xponham o
tos. Em 1593, o curso de artes da bahia tinha vinte alunos; em 1598, quarenta. A teologia
) se compro- moral, que então era conhecida como Casos de Consciência, foi ensinada a partir de 1556, no
Colégio de São Vicenre; a teologia dogmárica (ou especulariva) passou a ser ensinada em 1572
para os membros da Companhia de Jesus e, a partir de 1575, para exrernos. No Colégio da
Bahia havia quatro anos de leitura do De SU111ma Theologiae, de Santo Tomás de Aquino.
lves (Portugal); Depois de 1599, aplicou-se o Ratio Studioruin em todos os colégios brasileiros. Como no Ratio,
ovsori (Alerna- o Catálogo de 1757 do Colégio da Bahia divide os estudos em inferiores e superiores. Os inferi-
hia de Jesus na
ores eram gram5tica (latim), humanidades e retórica. Os estudos inferiores tinham uma cadeira
r. li, p. 19. privada (retórica c gramática) para os irmãos da Companhia e quatro classes públicas (primeira,
segunda e terceira de gramática; além da escola elementar para os meninos). Os estudos superio-
res eram teologia, filosofia c matemárica. (Cf. Scrafim Leite S.]., Breve História da Companhia
1E, julho 1993,
de Jesus no Brasil 1549-1760, Braga , Livraria AJ., s/d, pp. 39-58).
1g I BRASIL 500 i\~OS TÓPIC:\S DI HISTÓRL\ DA EDUCAçAO

Ratio Studlorurn ser um regulamento que inclui programaticarnente os cinqüenta mática era
anos precedentes de experiência pedagógica da Ordem, não rompendo com a tra- gerais da
dição do seu ensino, mas selecionando o que nela era considerado o melhor. A julgadas "
Companhia é uma ordem eminentemente n50 conternplariva e também o Ratio gramática
Studtorum de 1599 orienta o ensino das letras, artes e teologia no sentido de de- contratos
senvolver as capacidades de assimilar, transferir e aplicar conhecimentos como cimento d
intervenção nas questões do presente. Na situação contra-reformista do século pio, com;
XVII, tal intervenção não podia ser dissociada da prática das virtudes cristãs. gras gran
Assim, o sentido, por assim dizer, "final" das normas c práticas do Ratio Propéreio
Studtorum de 1599 é o da ortodoxia, seguindo-se com a máxima fidelidade a tra- era funda
dição e os textos canônicos autorizados pela Igreja a partir do Concílio de Trento. Contra-R
Para tanto, o Ratio prescreve Santo Tomás de Aquino em teologia escolásrica, obviamen
evita as inrerpr erações averr oisras de Arisróteles, segue em teologia positiva os Terêncio,
doutores aprovados pelas universidades católicas, sempre cuidando ne in studtis se interm
sit curiosus nec temerarius, ne propriae opinionts tenax (não ser nem curioso nem exercitaçê
temerário nos estudos nem defensor de opinião própria), mas visando, ao contrá- se em cor
rio, à humildade, modéstia, simplicidade e outras virtudes cristãs. PIarão, Is
A ênfase nos processos de ensino e de aprendizagem, mais que em conteúdos por meio
específicos, demonstra que o Ratio Studiorum não é propriamente um tratado Fund
teórico de pedagogia, mas um código prático de leis pedagógicas". Prescreve tre as out
que os conhecimentos são adquiridos por meio da exercitaçâo de modelos ou organizar
auctoritates, autoridades, cuja repetição, feita na forma ele exemplos, acontece sos. Desd
corno treinamento constante ela açâo e para a ação. Os mesmos processos inte- assumido
lectuais e técnicos são generalizados para todos os cursos, divididos em Estudos luterana
Inferiores, gramática, humanidades e retórica, e Faculdades Superiores, filosofia traditio,
e teologia. Ao rodo, o currículo ordenado pelo Ratio Studiorum rem doze classes. propagar
A aprendizagem elas matérias é graduada, considerando-se a idade dos alunos c O Studioru
nível dos cursos. Desde a classe inferior de gramática, os alunos aprendem as ciais, gUt
cerimônias e os ritos cristãos, que S30 sistematizados doutrinária e teoricamente a erudiçà
nos cursos de artes.iou filosofia, e teologia. Todos os cursos são orientados pelo tas recup
estudo de preceitos, estilos e eru diçào; ou seja, prescrições e regras das línguas, De Çrrat.
da retórica, elas letras, da filosofia e da teologia; exercícios COI11 os vários gêne- Cícero; e
ros rerórico-poéticos de represcntaçào das matéri as das h lima n idades, memori- da eloqü
zadas como tópicas ou lugares-comuns j<Í aplicados e desenvolvidos pelas várias Nas
autoridades estudadas; memorização de técnicas de falar e de escrever, além dos Pe. Polar
esquemas da própria arte da memória. cas ele re'
O Ratio deixa subentendido que os alunos já devem saber ler e escrever quan- Nadal a
do ingressam na classe dos Estudos Inferiores para começar a aprender a infima retórica
grammatica, os rudimentos de latim. Caso não o saibam, uma classe obrigatória
deve ser anteposta a todas as outras. Nos Estudos Inferiores, as classes de gra-
13. Aníba
Neocl.
14. "Na p
12. Francisco Rodrigucs S. J., op . cit., p. 25. da Ret

tr
RATIUi\! STUD]OFl;M I POLÍTICA CATÓLICA. I 19

· os cinqüenta matica eram divididas em três categorias: Ínfima, em que se estudavam regras
do com a tr a- gerais da sintaxe latina, princípios de grego e algumas das obras de Cícero
l o melhor. A julgadas "simples", como as cartas; Média, em que havia um estudo geral da
1bém o Ratio gramática latina e de obras de Cícero e Ovídio; no grego, estudavam-se nomes
.entido de de- contratos e verbos en, mi. Na terceira categoria, Suprema, supunha-se o conhe-
mentes como cimento ele toda a gramática latina e notícias da prosódia, aprendida, por exem-
sta do séc•.rlo plo, com a mctrificação de hcxârnetros; em grego, continuava o estudo das re-
rudes cristãs. gras gramaticais; eram lidos os romanos Cícero, Catulo, Virgílio, Ovídio,
cas do Ratio Propércio, Tibulo e os gregos São João Crisóstomo, Agapeto, Esopo etc. No caso,
lelidade a tr a- era fundamental o texto da Gramática Latina, do Pe. Manuel Álvares. Como a
:lio de Trento. Contra-Reforma insistia na oposição de vida beata e vida libertina, evitavam-se
a escolástica, obviamente os autores de gêneros baixos, como os cômicos latinos Plauto e
ia positiva os Terêncio, julgados imorais ou dissolventes. O curso de humanidades era uma clas-
o ne in studiis se intermediária, posta entre a de gramática e a ele retórica, que fornecia
n cunoso nem exercitações do estilo. Nele, além das preleções sobre Cícero, os alunos punham-
do, ao contra- se em contato com as obras de Salústio, César, Tiro Lívio, Virgílio e dos gregos
Platâo, Isócrates, Basílio, Gregório Nazianzeno e outras autoridades imitadas
em conteúdos por meio do exercício de composição de textos de prosa e poesia.
te um tratado Fundamental era o estudo de retórica. Esta não era apenas uma matéria en-
lS12. Prescreve tre as outras dos Estudos Inferiores, mas principalmente um modo de pensar e de
e modelos ou organizar todas as representações das matérias em todas as atividades dos cur-
)105, acontece sos. Desde a IV sessão do Concílio de Trento, em abril de 1546, a retórica tinha
.rocessos inte- assumido papel fundamental nas práticas católicas. Declarando herética a tese
)s em Estudos lurerana da sola scriptura, os bispos aí reunidos confirmaram a autoridade da
iores, filosofia traditio, a tradição, prescrevendo a pregação oral como modo privilegiado de
n doze classes. propagar a fé e combater a tese luterana da leitura individual da Bíblia. O Ratio
dos alunos ~ o Siuiliorum especifica que o curso de retórica deve dar conta de três coisas essen-
; aprendem as ciais, que então resumem e normalizam toda a educação, os preceitos, o estilo e
: teoricamente a erudição. Para ensinar as três em seus colégios espalhados pelo mundo, os jesuí-
rientados pelo tas recuperaram autoridades antigas, principalmente as Partições Oratórias e o
15 das línguas, De Ciratore, de Cícero; a Retórica para Herênio, elo Anônimo, então atribuída a
is vários gêne- Cícero; e a lnstitutio Cratoria, de Quintiliano, que fornecem regras ou preceitos
ades, 111c111ori- da eloqüência, além ela Rhetorica aristotélica.
os pelas várias Nas constituições feitas entre 1548 e 1550 para os colégios da Companhia, °
ever, além dos Pe. Polanco determinou que aos domingos fossem sustentadas conclusões públi-
cas de retórica e poética". Em 1552, o Pe. Inácio de Loyola enviou o Pe. jerônimo
escrever quan- Nadal a Portugal, com o fim ele organizar os colégios ela Companhia. Neles, a
ender a intima retórica ocupava quatro horas por dia, duas pela manhã e duas à tarde!". Aos
sse obrigatória
classes de gra- 13. Aníbal Pinto de Castro, Retórica e Teoriraçào Literária em l'ortuga]. Do Huntanisnio ao
Neoclassiosmo, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1973, p. 34.
14. "Na primeira da manhâ recitava-se ele cor um discurso de Cícero e o mestre explicava os preceitos
da Retórica. Na segunda, ocupava-se a primeira meia hora em repetições, e na correção de qual-

b-
zo I BRASIL 500 ANOS: TÓPICAS DI l-lISTC)RJA DA EDUCAÇAO

preceitos dos tratados de Cícero (De Oratore), Quintiliano (Institutio Oratoria), res principalrr
Arisróreles (Rhetorica) e Santo Agostinho (De Doctrina Christiana), juntavam-se Pomey. 1\5 reg
então novos títulos, que sintetizavam essas autoridades para os iniciantes". Os textos de Cíce
alunos portugueses e brasileiros estudavam retórica nas classes das Escolas Mcno- disposição 16.
uerborum , o c
gumcnros ou .
quer cornposiçào escrita pelos alunos, enquanto outros desenvolviam um rema breve dado pelo
figuras do esti
mestre, ou corrigiam o que um escrevera previamente no quadro, alternando a prosa com o verso;
durante a segunda meia hora explicava-se brevernenrc um passo poético, resumindo-se no fim do estudo dire
tudo quanto fora dito. De tarde, comentava-se, durante a primeira hora, um discurso de Cícero, repetição e irr
fazendo no fim ligeiras repetições, enquanto a segunda era consagrada ao estudo de autores humanismo de
gregos, como Demóstenes, Xenofonte, Homem, Pindaro, Eurípides, Sófocles e Tucidides". CL crudiçâo ". Le'
Aníbal Pinto de Castro, cit., p. 47. ar. prática jesuític
15. Data de 1562 o compêndio do jesuíta Cipriano Soares, De Arte Rhetorica Iibri Ires ex Aristotele,
lidade no rnan
Cicerone et Qllinliliano praccipue deprcnnpti ab codein Anctore rccogniti, et inultis in locis
locuplctati, que viria 3 ter cxrraordinrir ia difusão na Europa, no Brasil c no Oriente, com cerca tido, por exem
de cem edições (Cf. Aníbal Pinto de Casrro, op. cit., p. 36). Ao tratado de Cipriano Soares, do grego Aftôi
juntou-se, a partir de 1576, a Rhetorica Ecclcsiastica, do dominicano frei Luís de Granada. aprendiam a cc
Ambos os manuais fundamentam a eloqüência sacra portuguesa durante todo o século XVII e
por um texto t
ainda no XVIII. O frei Luís de Granada também é autor de uma Sylua Locorum C01JIIIILlniLlIH,
nado ora em e
um elenco doxográfico de tópicos da invenção retórica propostos para pregadores. Os lugares
são hierarquizados no senrido de "citações", dado a eles por Er asrno , sendo emprestados, em
ora figurado et
ordem decrescente, à Bíblia, ao Evangelho, às Epístolas de São Paulo, ao Apocalipse, depois, da chria, rerrn-
aos padres da Igreja latina (entre eles, Santo Agostinho aparece em primeiro lugar, acompanha- gem histórico,
do de Santo Ambrósio, São jcrõnirno, Tcrruliano, l.actâncio); depois, aos padres da Igreja gre- temunho e epi,
ga, aos padres do Deserto, aos escritores medievais, Isidoro de Sevilha; Hugues de Saint-Victor;
outras partes d
Beda, o Venerável; S30 Ecruardo ele Cl.ira val ele. As autoridades pag~s, Cícero, Arisrórelcs,
das partes, um
Ovídio, Va lcrio Máximo, Ma rc ia] crc. têm lugar restrito (CL Ma rc Furnar oli, L'âge de
l'éloquence. Rhctoriquc ct rcs litcraria de Ia Renaissance ali seuil de l'époque classique, Paris, um discurso à
Albin Michel, .J 994, p.145). Na América espanhola, o tratado do hei Diego de Valadés, preceitos c os ,
Rhetorica Cbristiana, de ql9, imitou o tratado do Frei Luís Granada c teve grande circulaç.io. ordens ela disp
Valadés repete as insrruçócs do Concílio quando afirma quc: "[ ... J o orador cristão não deve
buscar sua própria glória, mas a de Jesus Cristo, a quem deve desejar ter sempre freme aos olhos,
e buscar a edificaçãu de seu corpo místico que é a Igreja unanimemente católica". (Cf. E Diego mais adeyuadc
Valadés, Rhetorica Christiana, México, Fondo de Cultura Econômica, 1989, p. 65). Visando a coisas rnn is hUI

cdificação desse "corpo rnisrico ", Santo Agostinho linha adaptado à pregação, no 1)[> Doctrina plásticas ir 111m;

Christiana, 3S três grandes fllnçôes r crór ica s da eloqüência ciccr onia n a: doare (ensinar), Gilio escreve e
Delectare (agradar), nun/ere (persuadir). 0Ja adaptação, o doare ciceroniano torna-se o ofício história sacra (
do doctor, o dourar, que conhece a verdade; o deleciare, ofício elo defensor, que defende a Milano/Na poli
verdade; e o movere (Santo Agostinho prefere escrever (lectere), do debellator que, por meio da de pregador de
verdade, faz com que os pecadores se envergonhem. Na apropriação jesuírica da retórica antiga, crcer oru.i n o e ,
feita segundo a oposição contra-reformista de vida beata x vida libertina, Santo Agostinho e pnmerra à segi
outros padres da Igreja, como São jerônimo, que afirmara ter tido um sonho em que Cristo lhe ciceroniano, rn:
dizia que ele não era cristão porque ainda era ciceroniano, foram usados como critérios teológi- te, Deus, segun,
cos para a mora liz açào da retórica na aprendizagem c na prática das técnicas oratórias. Assim, o 16. "Regulae Proh
ensino jesuítico ela retórica e a pregação sacra feita pela Companhia realizam o ideal civilizatório (introd. c rra d.
exposto por Cícero no Grator, O do governo elas almas por meio da palavra. Nesse, as virtudes AGIR,1952.
e estilos associados ao doare e ao movere tendem a dominar os efeitos agradáveis e ornamentais 17. François de Da
do delectare. É o caso da clareza da disposição, proposta em termos de utilidade, ou da sublimitas p. 188.
in hunulitate, o estilo sublime no humilde, que Bernardo de Claraval havia doutrinado como o 18. Idem, ibidem,

ri
l\ATIUM STUDIOIWM E POLÍTICA CATÓLlC\ ... I 21

titutio Ora to ria ), res principalmente por meio de exercícios e de compêndios, como os de Soares e
~na), juntavam-se Porney. As regras do professor de retórica do Ratio Studiorum prescrevem que os
s iniciantes 15. OS textos de Cícero devem ser modelos para o estudo e o exercício da clocução e da
1S Escolas Meno- disposiçâo "; No caso, a eruditio correspondia à cognitio rerum e à cognitio
verborum, o conhecimento das coisas (res) da invenção (os lugares-comuns, ar-
gumentos ou tópicas), e das palavras (verba) da elocução (os ornatos, trapos e
erna breve dado pelo
I
.
a prosa com o verso;
figuras do estilo). Essa erudição era preferencialmente adquirida não por meio
resumindo-se no fim do estudo direto de manuais de história ou letras, mas pela leitura, explicação,
11 discurso de Cícero, repetição e imitação de autores. No século XVII, os jesuítas optaram por um
i o estudo de autores humanismo de cultura e de formação, opondo-se nitidamente ao humanismo de
:les e Tucídides", Cf. erudição I!. Levando sempre em conta que a finalidade de todo ensino é a ação, a
prática jesuítica da retórica aprendida como exercício visava desenvolver a agi-
ibri tres ex Aristotele,
lidade no manejo da erudição, principalmente a erudição doutrinária. Nesse sen-
iti, et multis in locis
o Oriente) C0111 cerca tido, por exemplo, um célebre tratado helenístico de retórica, o Progvmnasmata,
de Cipriano Soares, do grego Afrônio, foi muito usado nos colégios em exercícios com que os alunos
-ei Luís de Granada. aprendiam a construir uma frase com dois, três, quatro ou mais membros; a trans-
rodo O século XVII e por um texto em prosa para verso e vice-versa; a representar um tema determi-
t or urn Connnuniurn,
nado ora em estilo abundante, ora em estilo conciso, ora com sentido próprio,
egadores. Os lugares
Ido emprestados, em
ora figurado etc. O aluno aprendia a compor um discurso segundo as oito partes
) Apocalipse; depois, da chria, termo grego que significa "sentença" ou dito sentencioso de persona-
·0 lugar, acompanha- gCI1) histórico, preâmbulo, paráfrase, causa, contrário, similitude, exemplo, tes-
padres (13 Igreja gre- temunho e epílogo. Aprendia também a compor um cxórdio, uma pcroraçâo e
gues de Saint- Vicror;
outras partes do discurso para escrever, depois de dominar a técnica de cada uma
, Cícero, Aristóte!cs,
das partes, um texto à moda asiática de Cícero, um epigrama à moda de Marcial,
Furnaroli, L"âge de
)que classique, Paris, um discurso à moda atica de Sêneca et c!". Enquanto incorporava a erudição, os
,i Dicgo ele Valadés, preceitos e os estilos, exercitando-se nas várias tópicas da inuentio ; nas várias
vc grande circulação. ordens da dispositio e nos várioS-ornamentos da clocutio ; o aluno também era
dor cristão não deve
npre frente aos olhos,
tólica". (Cf. F. Diego mais adequado ao pregador, que revclaria com cle a presença sublime de Deus santificando as
89, p. 65). Visando a coisas mais humildes. A mesma crítica contra-reformista feita por preceptistas italianos das artes
ição, no De Doctrina plásticas ilmaniera de I'v1ichelangclo encontra-se na doutrina do scrm.io sacro. Giovanni Andrea
ia: docere (ensinar), Gilio escreve então que os pintores devem ser historiadores, imitando os casos narrados na
ano t or n a-se o ofício história sacra (Gilio, "Duc Dialogi", 1564 apud Pa o]a lhrocchi, Seritti d'i\rte dei Cinquecento,
?n50T, que defende a Milano/Napoli, Riccardo Ricciardi, 1971, t. I). Segundo as dnetivas cio Concílio, o novo tipo
it or que, por meio da de pregador deve fundir, na invenção oratória e na ação da pregação, os modelos do orador
ca da retórica antiga, ciceroniano e do doutor agostiniano. Ou seja, a retórica e <1 teologia, mas subordinando a
J, Santo Agostinho c primeira à segunda, para tornar a palavra não só eloqüente, persuasiva e eficaz, no sentido
:ho em que Cristo lhe ciceroniano, mas principalmente para fazer dela uma reve-laç.io substancial da sua Causa Eficien-
orno critérios tcológi- te, Deus, segundo as duas fontes autorizadas, a traditio e as Escrituras.
3S oratórias. Assim, o 16. "Regulae Professoris Rhetoricae, 6, 8" in Ratio Sutdiorurn, 1599 apu d Leonel Franca S. j.,
m o ideal civilizarório {introd. c trad.), O Método Pedagógico dos Jesuítas. O 'Ratio Stu diornm', Rio de Janeiro,
ra. Nesse, as virtudes AGIR,1952.
rdáveis e ornamentais 17. François de Dainville S.]., Lcdncation des iésuites (XVlc-XVIJIe siccles}, Paris, Minuit, 1979,
lade, ou da sublimitas p. 188.
a doutrinado como o 18. Idem, ibidem,

-L _
22 BRASIL 500 ANOS: TÓPICAS EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

treinado na pronuntiatio; a declamação, aprendendo a acompanhá-Ia de gestos Para (


dramáticos que faziam parte da actio retórica. O Pe. Nadal informa que o Pe. leção (/ect
Inácio de Loyola mandava os indivíduos que manifestavam dons oratórias exer- um texto (
citar voz e gestos nas ruínas da antiga Roma em presença de alguns ouvintes". preceitos (
Assim, a atividade teatral também teve ampla difusão nos colégios, associando- fazia um I
se ao ensino das técnicas orais da eloqüência sacra. O Ratio supervaloriza as que já tinl
chamadas "línguas clássicas" e a cultura letrada das autoridades antigas veicu- nhurna pr
lada nelas; nesse sentido, é central no ensino jesuítico o tratado de Quintiliano, versão aut
lnstitutio Oratoria. ta em ord
Nos Estudos Superiores, o curso de filosofia era dividido em três anos. No .nivel intel
primeiro, estudava-se lógica, metafísica geral e matemáticas elementares, com ocupado r
aulas em uma Academia de grego". No segundo ano, estudava-se cosmologia e mente cen
outras ciências. No terceiro, teodicéia e ética, astrologia (astronomia) e mate- ensino ]eSI
máticas superiores. A autoridade de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino domi- tópicos e I
nava em todos os assuntos. Quanto à teologia, finalizava todos os cursos anterio- nas antiga
res. Tinha quatro anos, cuja divisão seguia o sistema de Santo Tomás: teologia ca para 1-.
patrística ou positiva; teologia escolástica moral, por dois anos, com a casuística; memoriza
Sagrada Escritura ou exegese; instituições canônicas; hebreu, siríaco e outras lín- que tinha:
guas bíblicas. O curso de teologia era dado por dois ou ainda por três professo- OUVIrem :3
res. Nele, somente podiam ensinar os padres que tinham demonstrado conheci- de vezes e
mento pleno de Santo Tomás de Aquino. exercícios
Nas classes inferiores, antes do início da aula, um aluno fazia uma oração ção, o pre
breve, que o professor e todos os alunos ouviam ajoelhados, com a cabeça desco- das técnic
berta. Em seguida, o professor fazia o sinal-da-cruz e começava a lição. As re- apropriad
gras para o professor determinavam que ele devia exercitar a memória dos alu- pre apren
nos, cultivando-lhes o talento e encaminhando-os para a virtude cristã. Nas aulas sofia etc.,
de sextas-feiras e sábados, os alunos aprendiam e recitavam de memória a dOL!- • mentário,
trina cristã. Então, o professor os exortava a que orassem a Deus todos os dias, Aristótele
principalmente ao Rosário da Virgem. Também os exortava a fazer exame de exercício:
consciência todas as tardes, a receber freqüentemente os sacramentos, a evitar disputas,
más companhias e a detestar os vícios. Devia inculcar os hábitos de virtude em clusões. P
todos, mas sem parecer querer atrair os alunos para a Companhia. Caso algum feito de e:
deles demonstrasse inclinação para o sacerdócio, era enviado ao confessor. Nos dois alun-
sábados, à tarde, havia ladainhas da SantÍssima Virgem em sala de aula. A leitu- Todo
ra espiritual era muito recomendada, principalmente a vida de santos; como foi contra-re:
,.
dito, o professor devia abster-se cuidadosamente de ler escritores considerados dar aos o
imorais nas preleções. O tempo das aulas era dividido em duas horas e meia pela realizar t~
\ manhã e duas horas e meia à tarde. Falava-se latim em todas as atividades, me~ deve ser \
nos nas classes iniciais em que os alunos ignoravam a língua. como inst
I:I
19. Idem, p. 189.
20. Nesse tempo, "academia" também significa "reunião". A expressão "fazer uma academia"
significava" reunir-se". 21. Ratio 5

h
RATIUM STUDIORUM E POLÍTICA CAT6LICA --- I 23

ihá-Ia de gestos Para ensinar, ü professor aplicava três espécies básicas de atividades, a pre-
orrna que o Pc. leção (lectio), a repetição e a aplicação. A lectio consistia na exposição oral de
. oratórios exer- um texto determinado. Feita segundo a técnica tradicional do comentário, seguia
;uns ouvintes!". preceitos específicos, adequando-se ortodoxamente ao tema. Assim, o professor
os, associando- fazia um resumo de partes e do todo do texto, citava as autoridades canônicas
uperva loriza as que já tinham tratado do mesmo, resumia a matéria dessas autoridades, sem ne-
s antigas veicu- nhuma pretensão de inovar ou de ser original, mantendo-se rigorosamente fiel à
de Quintiliano, versão autorizada pela Igreja conciliar. A preleção devia ser clara, breve, dispos-
ta em ordem lógica, do mais simples para o mais complexo, adaptando-se ao
11três anos. No nível intelectual dos alunos. Realizada a preleção, grande parte do tempo era
ernentares, com ocupado por exercícios de memorização em que a repetição tinha lugar absoluta-
se cosmologia e mente central. A repetição é, efetivamente, um dos principais procedimentos do
nornia) e mate- ensino jesuítico, em que tudo se repete a todo momento, como técnica de inculcar
e Aquirio dorni- tópicos e normas. Trata-se de aprender um método de memorizar fundamentado
; cursos anterio- nas antigas artes da memória gregas e romanas, como a que é exposta na Retóri-
Iornás: teologia ca para Herênio; e, simultaneamente, de aprender as informações particulares
orn a casuística; memorizadas nele. Os alunos recitavam de memória para os decuriões as lições
aco e outras lín- que tinham aprendido nas preleções; alunos eram nomeados pelo professor para
ir três professo- ouvirem a recitação, recolherem composições, anotarem em cadernos o número
strado conheci- de vezes em que falhava a memória de cada estudante, quem não tinha feito os
.exercícios ou quem não entregara cópia dupla dos mesmos etc. Quanto à aplica-
zia uma oraçao ção, o professor devia prever a transferência dos conhecimentos memorizados e
a cabeça desce- das técnicas de memorização para novas circunstâncias e novos objetos, que eram
1 a lição. As re- apropriados ou adaptados pelos mesmos processos. Nesse sentido, os alunos sem-
erriór ia dos alu- pre aprendiam duas coisas: matérias várias, como latim, retórica, teologia, filo-
:ristã. Nas aulas sofia etc., c os modos ou procedimentos de aprendê-Ias, preleção, resumo, co-
nernória a dou- mentário, repetição, mernorização etc. No curso de filosofia, em que se discutia •
15 todos os dias, Aristóteles, e no de teologia, em que o modelo era Santo Tomás de Aquino, os
fazer exame de exercícios costumavam ser de quatro gêneros: repetições diárias das preleções,
nentos, a evitar disputas, preleções e atos solenes, em que eram defendidas publicamente as con-
s de virtude em clusões. A repetição diária durava uma hora e era feita com a supervisão do Pre-
lia. Caso algum feito de estudos. Nos dias de feriado e domingo, havia disputas, em que um ou
l confessor. Nos dois alunos defendiam os argumentos de um filósofo.
::le aula. A leitu- Todos os preceitos de ensino do Ratio Studiorum subordinam-se à finalidade
antos; como foi contra-reformista de combater as heresias e converter os gentios, ou seja, de "[ ... ]
es considerados dar aos outros todas as disciplinas congruentes com o nosso Instituto"21. Para
oras e meia pela realizar tal fim, o Ratio determina que haverá um Prefeito geral dos estudos, que
atividades, me- deve ser um homem polido, versado em letras, com O senso exato da sua tarefa
como instrumento do padre Reitor na ordenação dos estudos. Nos colégios gran-

.cr urna academia n

21. Ratio Studiorum, 115.


I
I

I
+
24 BRASIL SOO Al\:OS, TÓPICAS 1'.,1 HISTORIA DA FDUCAÇÃO

dcs, O cargo era dividido, havendo um Prefeito dos Estudos Inferiores e, por ve- dições hun
zes, um Prefeito dos recreios. Nesse sentido, as normas didáticas do ensino su- Omne que
bordinavam-se às normas disciplinares, que pressupunham e implicavam a virtu- que não e:
de típica da Companhia dejesus, a obediência irrestrita à autoridade, que havia luterana, a
sido redimensionada a partir do Concílio de Trento. diretarnern
No princípio do ano, °
professor entregava ao Prefeito a lista dos alunos em ção, que t
ordem alfabética, distinguindo níveis de aproveitamento - ótimo, bom, médio, du- que de mf
vidoso, fica na mesma classe, expulso - por meio dos números 1,2,3,4,5 e 6. A orações,.d
disciplina era manrida pela rigorosa observância do regulamento. Acreditava-se que do ministi
a esperança de honras e prêmios e o temor da desonra eram mais eficazes que a Católica".
vara. Os castigos previam a moderação, prescrevendo-se que o professor não devia ampliou a
ser precipitado em castigar nem excessivo na inquisição de faltas. Não devia bater cluía nece:
pessoalmente em ninguém - isso era atribuição do Corretor - e devia abster-se de das por es
ofender os alunos por palavras e ações. Como castigo, podia acrescentar alguma heresia, cc
coisa ao trabalho literário cotidiano. Os castigos graves e excepcionais, principal- da Igreja s
mente os de faltas cometidas fora da aula, e os alunos que se recusavam a sofrer as (3, 15): to
vergastadas do Corretor eram remetidos ao Prefeito. Exigia-se assiduidade e os alu- pós-concil
nos eram proibidos ele assistir a espetáculos públicos e jogos. Se algum faltava à das duas j
aula, outro era enviado a procurá-lo em sua casa; se não havia uma desculpa razoá- gregas,lal
vel, o falroso era castigado pela ausência. Os que faltavam sem causa por vários diálogo, a
dias consecutivos eram mandados ao Prefeito. Nos dias de confissão, para não atra-
palhar os estudos, iam confessar-se em grupos de três. Tomava-se especial cuidado
de que não fossem chamados por ninguém durante as aulas; evitando a confusão na
piedade
hora da saída, o professor os vigiava da tribuna ou junto à porta. propósi:
» ::.»
Enchiri,
Em X de abril de 1546, os bispos reunidos na IV sessão do Concílio de Trento XXXVI
declararam herética a tese sola (ide et sola scriptura, só com a fé e só com a escri- 23. Lutero,
Enquêtc
tura, da teologia r eforrnada ". Com ela, Martinho Lutero prescreve que o fiel deve
24. A encíc
.pôr-se em contato com Deus por meio da leitura solitária da Bíblia, dispensando a lirurgia
mediação do clero e dos ritos e cerimônias visíveis da Igreja. Condenando as "tra- quando
assíduo.
res podi
22. "O santo Concílio de Trcnro, ccurnênico c gera l, tendo sempre frente aos olhos o fim de conser- altar rei
var na Igreja, destruindo todos os erros, a pureza mesma do Evangelho que, depois de ter sido glória d
prometido antes pelos profetas nas Sancas Escrituras, foi publicado pela boca de Nosso Senhor fomes c
Jesus Cristo, Filho de Deus, em seguida por seus apóstolos aos quais ele deu a missão de anunciá- comum
10 a toda criatura como sendo a fonte de toda verdade salvífica e de toda disciplina dos costu- rindo-v.
coraçõe
mes; e considerando que esta verdade e esta regra moral estão comidas nos livros escritos e nas
tradições não escritas (in libris scriptis et sinc scripto traditionibusi que, recebidas da própria Apósro
boca de Cristo pelos apóstolos, ou pelos apóstolos a quem o Espírito Santo as havia ditado, e explic
transmitidas quase que de mão em mão (quasi per nianus traditaes, chegaram até nós; o Concí- e faros
lio, portanto, seguindo o exemplo cios Pais ortodoxos, recebe todos os livros tanto cio Anrigo oportui

quanto do Novo Testamento [...] assim como as tradições conccrnentes à fé e aos costumes, OSB, S,
como vindos da boca mesma de Cristo OLl ditadas pelo Espírito Santo e conservadas na Igreja 25. "La ESI
II Tradici,
Católica por uma sucessão contínua; ele as recebe e 3S venera com um igual respeito e uma igual
I
i
I
I
II
t
RA TlUA! STUD[OR UM E POLÍTICA CATÓLICA ". I 25

rores c, por ve- dições humanus ", Luter o afirma que desvirtuam a palavra ele Deus das Escrituras:
; do ensino SLl- Onme quod m scripturis 11011 habetur, hoc plane Satanae addimentum
est, Tudo
icavarn a virtu- que não está nas Escrituras é simplesmente uma adição de Satã23. Contra a tese
adc, que havia lurerana, a declaração conciliar confirmou a traditio como fonte autorizada vinda
diretamente "da boca mesma de Cristo". Conforme os bispos do Concílio, a tradi-
dos alunos em ção, que tinha sido conservada por sucessão contínua e passada adiante "quase
OIl1,média, du- que de mão em mão", é lima das duas fontes autorizadas cios ritos, palavras e
~, 3, 4, 5 e 6. A oraçôes.xías cerimônias, gestos e ações, do magistério, poder de instruir as almas,
.rcditava-se que do ministério, poder de santificá-Ias, e do governo, poder de dirigi-Ias, da Igreja
; eficazes que a Católica". A redefinição desta como comunidade de fé, magistério e autoridade,
essor r1C1O devia ampliou a communitas [ideiium, a comunidade dos fiéis, determinando que ela in-
'-Jão devia bater cluía necessariamente rodas as populações gentias das terras recentemente invadi-
.via abster-se de das por espanhóis e portugueses, onde as novas ordens fundadas para combater a
.scentar alguma heresia, corno a Companhia de Jesus, deviam exercer o magistério e o ministério
mais, principal- da Igreja segundo a ordem de São Paulo na Segunda Epístola aos Tessalonicenses
ivarn a sofrer as (3, ] 5): tenete traditiones, conservai as tradições. A Igreja Católica conciliar e
lu idade e os alu- pós-conciliar fez a defesa inrransigentemente "tradicionalista" da transmissão oral
algum faltava à das duas fontes da Revelação, a tradição e as Escrituras", recuperando técnicas
descul pa razoá- gregas, latinas e escolásticas do discurso, como o sermão, o debate, a diarribe, O
ausa por vários diálogo, a controvérsia, a suasória, o certame, a disputa etc., no ensino e na pro-
), para não arra-
.special cuidado
10 a confusão na
piedade. Se alguém 1150 receber inrciros esses livros e se desprezar com conhccimcruo de causa e
propósito essas rradiçóes, que seja an.itcma ". Cf. H. Dcnziger e A. Schonrnetzer,
deliberado
Enchiridion Svntbolorum, Dc [initionurn ct Decl arationum de Rebus Fidei ct Morum, Ed.
-ncílio de Trento XXXVI. J3'llcclona/FreiburfJRoma, Herder 1976, n. 1501,1'1'.364-365.

: só com a cscri- 2.1. Lurero, 1521, apu d Philippe [)oUOT, "Tradition et écriture. Une construction théologique" in
Fnquê:«. Usages de (" tradition. Paris, EHESS/CNRS/P:nenthescs, 2" semestre 1995, n. 2, p. 43.
'e que o fiel eleve
lLI. A encíclica de Pio XII, A1ediator Dei ct Honunem, de 20 de novembro de 1947, resume a
1, dispensando a
liturgia referente à traditio reconfirmada no Concílio ele Trenro: "A ação lirúrgica teve início
lenando as "tra- quando a IglTja foi divinamente criada. Os cristãos dos primeiros tempos, com efeito, eram
assíduos à pregação dos Apóstolos c ;1 comum fr3çiio elo pão c às orações. Sempre que os Pasto-
res podiam reunir os fiéis, aí erigiam urn altar, sobre o qual ofereciam o Sacrifício. F.m volta do

hos o fim de conser- altar realizam-se os demais ritos, pelos quais possam os homens santificar-se e a Deus prestar a

e, depois de ter sido glóri" Enue esses ritos os Sncrnrnenros ocupam o primeiro lugar, são as sete principais
devida.

ca de Nosso Senhor fomes da salvação. Vem em seguida a celebração do louvor divino por onde os fiéis também em

\ missão de anunciá- comunidade obedecem à exortação do Apóstolo Pa ulo: 'Em toda sabedoria ensinando e adver-
lisciplina elos cosru- tindo-vos a vós mesmos por salmos, hinos c cânticos espirituais, na graça cantando em vossos

livros escritos e nas corações a Deus'. Segue então a lição da lei, dos profetas, do Evangelho e das epístolas dos
ecebidas ela própria Apóstolos, a hornilia ou a pregação sacra pela qual o presidente da reunião recorda
e por último
ltO :15 hav ia ditado, e explica, para utilidade de iodos, os mandamentos do Divino Mestre, comemora os momentos
1111até nós; o Concí- e fatos principais ela vida de Cristo c a rodos os presentes anima com exortações e exemplos
rQS tanto do Antigo oportunos". Cf. Pio XlJ, jV!ediatoT Dei et Hornincm , 20/11/1947, rrad. D. Gabriel Bclrrão,

í fé e aos costumes, OSB, Salvador, Tipografia Beneciirina da Bahia, 1948, pp. 24-25.

»iservadas na Igreja 2.5. "I.a Escritura y Ia Tr adición contienen Ia Palabra de Dios )' son Ia rcgla primaria de Ia fe. La

respeito e uma igual Tradicion excede a Ia Escritura en cuanro que la interpreta y nos transmite verdades oscuramenre

i
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26 I BRASIL 500 ANOS: H')PICi\S E\I HISTORIA DA EOUCAç..l,.O

pag~\J1d;1 da fé. Contra a diretiva luterana, determinou que apenas teólogos autori- mente me
zados pelas duas fontes da Revelação poderiam ler e interpretar o Antigo e o Novo um enutac
Testamentos. A interpretação autorizada garantia o monopólio papal do sentido te a ti pré
profético da concordância alegórica, analógica ou figural esrabelccida segundo o pressupõe
modelei da allegoria in factis, a alegoria factual, da Parrisrica e da Escolástica, que ça, é antic
propõe a especularidade entre acontecimentos, ações e homens de ambos os Testa- da educaç
mentos para demonstrar que a verdade latente (fatens) no Antigo est::í. patente Ence
(patet) no Novo. A interpretação autorizada era repetida na fedia dos professores toS e medi
dos cursos de letras, artes e teologia regulados pelo Ratio Studiorum. A edição de irrestr ito;
um lndex, em 1558, deu início à censura de livros que visava a garantir a mesma Sebastião
ortodoxia . Na Espanha, em 1612, o Index publicado por Sandoval, o inquisidor da "políti
espanhol, proibia a Bíblia e todas as suas partes, impressas ou manuscritas, em Testamen
qualquer língua vulgar. Quanto a Portugal, subordinado à Espanha entre 1580 e a luz nat
1640, valia a mesma interdição. A primeira tradução integral da VlIIgata latina temporal
sairia no país apenas entre 1778 e 179026. A censura dos livros foi acompanhada de da pe~
da edição de textos autorizados, que davam publicidade aos clogmas fixados ou Roma err
confirmados no Concílio. Um desses dogrnas é fundamental na educação jesuítica: filósofo,
o da luz natural da Graça inata, oposto à tese reformada da lex peccati, a lei do .anglican.
pecado original. Segundo Luter o, o pecado original mancha irremediavelmente a No Cone
natureza humana, tornando os homens incapazes de discernir o uerurn Deum como aç:
absconditum, o verdadeiro Deus oculto. A conseqüência política dessa tese é a afir- predestir
mação de Cjlleos reis reinam por "direito divino" para impor ordem ii. irremediável
anarquia da humanidade incapaz de distinguir O Rem do Mal. A tese implica que, 27. Como
sendo enviados por Deus, os reis têm autoridade para legislar em matérias de po- desse i
der espiritual, dispensando a au ctoritas delegada por Cristo ao papa. Principal- mundc
mente por meio das missões e do ensino colegial e universitário da Companhiade SllblilT
pondE
Jesus, a Igreja pós-rridenrina divulgou em Portugal e em suas colônias do Brasil,
Simão
da África e da Ásia a doutrina do jesuíta Molina acerca da Graça inata, tentando
corno
urna nova conciliação entre a presciência divina e o livre-arbítrio humano em opo- aposte
sição ao agostinianisino defendido pelos dominicanos. A devoção jesu ítica é total- inimig
UITl in:
textos
por c.
contenidas cn cIla [... ] La Iglcsia excede a Ia Escritura y Tradición porque delimita cl Canon de distan
Ia Escritura y Ias verdaderas tracliciones, Ias conserva)' nos propone infa liblernentc su sentido, Mar a:

I En cambio, Ia Escritura y Ia Tradición excedeu a Ia Iglesia porque contienen Ia revcIación divina deve-s
[ ... 1 La Escritura, finalmenre, excede a Ia Tradición r a Ias dcfiniciones de Ia Iglesia por Ia pecar
95, 1.
i prerrogativa
norma
de Ia inspiración
nornians non norinanda
[... ] No bar, por tanto, en Ia teologia católica
en sentido absoluto, como prerendian
lugar para una
Ias protestantes". Cf. espiri
Ii Var gas-Machuca S. ]., Escritura, Tradiciôn e lglesia como regias de (e según Francisco Suárez, lutera

! Granada, Faculrad de teologia, 1967, pp. 27-28 apud D. Francisco Alva rcz, "Int roducción " in
Francisco Suarez S. J., Defensa de Ia ie Catolica y Apostolica contra Ias Errares dei /vtglicanisino,
[iáei,
é a ot

I 1970, vaI. I, p. XX.


26. Dominique julia, "Lecrures er Conrrc-Réforrne" in Guglielmo Cavallo c Roger Charrier (dir.),
nha,<
28. Por e
Hist oire de Ia lecture dans le monde occidental, Paris, Seuil, 1997, p. 287. John
\
I'

I
RATTUt'd STUD/()RUt\1 E POLÍTICA CATÓLICA.,

.ólogos autori- mente metódica e implica a idéia de ser útil, que faz do padre um missionário ou
ntigo e o Novo um enviado, no sentido cio verbo latino mtttere. Como diz Loyola: "Desenvolve-
pa] do sentido te a ti próprio, não para a fruiçâo, mas para a ação". A prescrição, que sempre
.ida segundo o pressupõe a presença de Deus e o aconselharnenro ela ação pela luz natural da Gra-
scolástica, que ça, é anticontcmplativa ou prática, específica da dcuotio moderna, e está na base
mbos os Testa- da educação ministrada nos colégios da Companhia de jesus".
o está patente Encerrado em 4 de dezembro de 1563, o Concílio de Trenro teve seus decre-
105 professores tos c medidas confirmados em maio de 1564. Em Portugal, a Coroa deu-lhes apoio
m , A edição de irrestr ito; em 7 de setembro de 1564, foram publicados solenemente pelo rei D.
'annr a mesma Sebastião, que cinco dias depois os declarou leis do reino. Na regulação jurídica
.l, o inquisidor da "política católica" da monarquia portuguesa, tcologemas do Velho e do Novo
anuscriras, em Testamentos, fundidos com enunciados de antigas doutrinas poliricas"', afirmam
a entre 1580 e a luz natural da Graça inata como critério da definição da natureza do poder
\lu/gata latina temporal dos reis, que imita o modelo do poder espiritual do papa. A infalibilida-
acompanhada de da pessoa mística do papa foi confirmada pelo Concílio e reconfirmacla por
nas fixados ou Roma em 1614, ano ela publicação ele Defensio [idei, do jesuíta Francisco Suárez,
:ação jesuitica: filósofo, teólogo, jurista e professor da Universidade ele Coimbra, contra a tese
eccati, a lei do anglicana do "direito divino dos reis" defendida pelo rei da Inglaterra, James L
ediaveimenre a No Concílio, jesuítas c dominicanos doutrinaram a "política católica" do Estado
uerum Deum como ação indissociável da ética cristã, opondo-se enfaticamente à doutrina da
ssa tese é a afir- predestinação, defendida por Lutero e Calvino, e ao ateísmo da doutrina política
à irremediável
se implica que,
27. Como novos apóstolos, os jesuítas demonstram () desejo de dar testemunho. Bom exemplo
natérias ele po-
desse imaginário é o do fundador d:l Ordem, Inácio de Loyola. Inicia lrnent e soldado em um
apa. Principal- mundo no qual os árabes infiéis expulsos de Granada em 1492 tinham sido substituídos pela
Companhia de Sublime Porta, o Império turco, sua conversão e estudos depois de adulto, em Paris, sua corres-
'Dias do Brasil, pondência com vá rios rei, europeus, até encontrar D. J030 1Il disposto a financiá-Io junto com
Simão Rodrigues c Francisco Xa vier, inrcgrarn-se nu programa ljUe constitui os não-cr isrâos
nata, tentando
como infiéis 0\1 p:lg30s, e, logo, COl1l0 i\ retomada do programa dos
heréticos c gcnrilidadc.
mano em opo-
apóstolos por Loyola é,:1o mesmo tempo, e Jlnbíbu;l, pois propôe que o infiel é um
impressionante
esuírica é total- inimigo da Fé que deve ser .ur.mca da dele pela força do fogo, se preciso; quanto ao pagão, é
um infeliz condenado ao Inferno, se a Fé não for levada a ele. Logo, pressuposto evidenciado nos
textos de Loyob, Nóbrega, Anchieta , Cnrdirn, Vieira , Simâo de Vasconcelos c outros jesuítas, é
por caridade que se pode impor :1 fé, pois é por amor é
ao próximo, mesmo guando
imita cl Canon de distantissimo, C0l110 acontece com o b.i rba ro rapuia e o selvagem rupi d'ls terras do Brasil c do
.mcnt e su sentido, Maranhâo e Grão-Pará, que se eleve aconselhá-Io ao Bem. Caso náo queira escolher O Bem,
, revelación divina eleve-se impô-Io pela força das armas, se necessário, como escreve Santo Agostinho, para I1JO se
: Ia Ig.esia por Ia pecar contra a caridade. Nos Exercícios Espirituais de Loyola - por exemplo, os de número 93,
.a lugar pua tina 95, 137, 138, 140, 143 - os infiéis são incluídos na perspectiva conquistadora. A conquista
pr otesta nces ". Cf. 'espiritual agora se faz por Deus, que evidentemente é católico, ou por Satã, que é calvinista ,
Francisco Suárez, lurerano, rnaquiavélico, judeu, árabe c turco. A devotio moderna, realizada a propaganda
como
"Inrroducción " in [idei, é fundamentalmente açâo e faz do padre um soldado. Por isso, a regra número um da Cia.
dei Anglicanismo, é a obediência irrcstrira, absoluta: "Na Cia. de Jesus só (' permitido desejar duas coisas, a cozi-
nha, ou a China e a Alemanha", ou seja, as tarefas humildes e o marrfrio entre pagãos e heréticos.
;er Charrier (dir.), 28. Por exemplo, Pla(50 (República), Arisróreles (Política); Santo Agosrinho (Cidade de Deus);
John de Salisbury (Policratiws), Santo Tomás de Aquin o (De Regno) ete.
28 I BRASIL SOO !\NOS: TÓPICAS EM HIST(lRI,\ DA EDUCAÇAO

de Maquiavel. Como os juristas reunidos em Trenro, Suárcz também afirma que essa [alt:
o pecado não corrompe totalmente a natureza humana e que a luz natural da para o I
Graça inata deve ser universalmente apregoada como critério definidor da legiti- ignorân(
midade dos códigos positivos inventados pelas comunidades humanas para go- missão c
ventar-se". Nessa pregação universal, o ensino tem importância absolutamente ensinadc
central c de modo algum se dissocia da realidade, como se costuma dizer implica v
anacr on icamenre. lnic
Historiadores da religião vêm demonstrando que os mártires e santos medie- homens
vais provinham quase sempre das elites aristocráticas; a partir do século XVI e vivendo
ainda no XVII, passaram a ser recrutados nos grupos comerciantes, entre oficiais rudavan
mecânicos e plebeus. esse sentido, Francisco Xavier e Sin1i10 Rodrigues, dois dos e Valênc
primeiros organizadores da Companhia de Jesus, entendiam que o missionário de- gens nes
via ser um homem simples. Não importava que não fosse letrado, mas sim que alunos;
fosse bem exercitado, C01110 dizia Francisco Xavier. Como o ferreiro N ugueira, cio aprendi:
Diálogo da Conversão do Gentio (1556), que o humor de Nóbrega faz tão simples Nas Co
que entende "amor ao próximo" por "amor ao que está perto". Nos dois enuncia- gal, em
dos assombrosos da sua primeira carta, datada de março de 1549, "Esta terra é savam c
nossa empresa" e "[ ... ] cá não são necessárias letras, mas virtudes e zelo de Nosso Os
Senhor", Nóbrega propunha que o tipo do padre letrado não era imediatamente flores e
necessário para a conversão do gentio do Brasil. Considerando a depravação dos ternos;
-costllmes do clero regular e dos colonos arnancebados com índias, afirmava que serem p
- somente os bons exemplos da moraliJade católica fornecidos pelos soldados de_ dos col
Cristo poderiam vingar, donde sua idéia de uma conversão operada antes .pclo Coimbi
_exemplo de vida virtuosa que por palavras. Universalizando a concepção neo- ros32, de
escolástica da unidade c coerência da alma humana, os jesuítas do século XVI afir- ou Coii
mavam que os tupis do litoral brasileiro eram "inconstantes", ou seja, incapazes légios p
de reter a letra da palavra divina come um programa definitivo e coerente ele vida, regulaç
sendo necessária a contínua prática de exemplos virtuosos p;na mantê-Ias reduzi-
dos e sujeitados aos portugueses. Além disso, também como decorrência imediata
dos votos de pobreza. dos anos iniciais da Companhia, parecia aos superiores da 30. "l...]
mesma que não seriam necessários estudos ou lições. f: necessário lembrar que Jesus
C:olh
31. O Pe
Porti
cidac
29. Depois das teses luter anas de Wittenberg (1517) e da decorrente cisão da Cristandade, Roma
passou a experimentar o que foi chamado de "incerteza teológica", estado caracterizado peja mesr
mcn.
necessidade de clareza das motivações da ação cristã, acompanhado da fundação de novas or-
dens religiosas e do fogo purificador da Inquisiçâo. Fica evidente. nos escritos brasileiros dos dava

padres Manuel da Nóbrega e José de Anchiera , no século XVI, além dos textos de outros agentes adm
GllS·
históricos, como é o caso da carta escrita por D. João 1II para seu embaixador em Roma, D.
Pedra i\1ascarcnhas, a obsessão de ser úti! para a Igreja, difundindo o catolicismo por meio da aos T

catequese e do ensino. O imaginário do pecado, o desejo de viver em Cristo e, principalmente, o intel


desejo ele morrer por ele, definem o programa de luta contra a heresia lurerana e calvinista e a que·
mensagem da verdade da fé para os gentios das terras recentemente conquistadas. É também 32. Até
neste sentido que se clá o ensino jesuítico. direi

h
R.ATlUM STUDIOIWi\f E POLÍTICA C\TÓLlC\ ... I 29

ém afirma que essa falta alegada por padres, princi palrnenre os padres e os irmãos leigos vindos
luz natural da para o Brasil no século XVI, de necessidade de estudos e lições não significava
lidar da legiti- ignorância da alta cultura letrada de então. Nesse tempo, as formas orais de trans-
iarias para go- missão dos saberes cuja primeira codificação é a escrita, como o direito canônico
absolutamente ensinado em Coimbra, a poesia e a prosa latinas, a filosofia arisrorélico-escolásrica,
.osturna dizer implicavam outra definição e ordenação do tempo, ela memória e dos signos.
inicialmente, quando os colégios ainda não tinham sido estabelecidos, os
: santos medie- homens que se alistavam na Companhia de Jesus estudavam em universidades,
I século XVJ e vivendo em colégios, à moda parisiense.· Em 1540, alguns futuros padres já es-
;, entre oficiais tudavam em Paris; em 1542, em Coimbra, Pádua e Lovaina; em 1544, em Colônia
igues, dois dos e Valência. O Pe. Polanco, secretário de Loyola, encontrava então várias desvanta-
nissionário de- gens nesse processo, afirmando que não havia assiduidade nem de mestres nem de
, mas sim que alunos; que faltavam exerciraçôes escolares; que não se via nenhum progresso na
) Nugueira, do aprendizagem etc. Em 4 de março de 1541, deliberou-se a fundação de colégios".
faz tão simples Nas Constituições de 1550 e na de 1552, apresentada pelo Pc. Nadal, em Portu-
s dois enuncia- gal, em 1553, as rendas e propriedades antes proibidas pelo voto de pobreza pas-
, "Esta terra é savam a ser destinadas ao uso e necessidades dos estudantes".
zelo de Nosso. Os dezessete colégios fundados pelos jesuítas no Brasil tinham Estudos Infe-
mediatameme riores e os cursos de humanidades, destinando-se basicamente a estudantes ex-
epravação dos ternos; nos seminários, que eram internatos, estudavam os alunos destinados a
, afirmavaque serem padres da Companhia deJesus. Os cursos de artes (basicamente, filosofia)
is soldados de dos colégios ele Portugal eram propedêuticos aos cursos da Universidade de
ida antes pelo Coimbra, mas o mesmo não ocorria com os cursos de artes elos colégios brasilei-
inccpção neo- ros", de modo que os alunos se viam obrigados a fazer o curso de novo, em Évora
.culo XVI afir- ou Coirnbra, ou a fazer exames de "equivalência". No caso da fundação dos co-
.eja, incapazes légios portugueses e brasileiros, desde a primeira metade do século XVI, c da sua
crente de vicia, regulação posterior por meio do Ratio Studiorum, de 1599, é preciso lembrar que
ntê-los reduzi-
meia imediata
SLJ periores da
30. "[ ... ) por tanto nos parcció a todo, dcscando Ia conservación y aumento clclla (Companhia de
) lembrar que Jesus) para maior gloria y serviço de Dios Nucstro Senor, que tomásemos ourr a via, es a saber, de
Collegios ". Cf. Consto S.l. Lat. et Hisp, Madrid, 1982, p. 307.
31. O Pe, Francisco Rodrigues informa, em sua História da Companhia de Jesus na Assistência de
Portugal, que a fundação de colégios era realizada quando um particular, um príncipe, uma
istanda de, Roma cidade ou todos em conjunto contribuíam com rendas para sua manutenção. Três ou quatro
rracter izado pela mestres eram então enviados: o primeiro ensinava rudimentos de gramática para as crianças
tção de novas or- menores; o segundo ensinava os que já possuíam algum conhecimento de latim; o terceiro cui-
is brasileiros dos dava do aperfeiçoamento da gramática e o quarto, das humanidades. Quanto aos alunos, sua
de outros agentes admissão era gratuita; confessavam-se pelo menos uma vez por mês; assistiam às lições domini-
or em Roma, D. cais de doutrina e ouviam o sermão; deviam ser modestos e manter o decoro das ações. Quanto
smo por meio da 30S mestres, ensinavam os alunos a disputar, a compor, a falar em latim, visando a sua formação
irincipa lmenre, o intelectual e moral; quando esses alunos estavam bem formados, era indicado um mestre para
ra e calvinisra ea que estudassem artes (filosofia e matemáticas).
tadas. É também 32. Até 1689, quando lima carta régia permitiu que os estudantes brasileiros de artes ingressassem
diretamente nas universidades portuguesas sem necessidade de fazer exames de equivalência.

L
30 I l.\1Zi\SIL500 ANOS: TOPICAS E'vi HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

o ensino, realizado neles como ação educativa e catequética, pressupunha o con- também 2
ceiro teológico-político de "corpo místico" reafirmado no Concílio de Trento e dos jurist
que, então, definia o todo do reino como unidade ou unificação da vontade de afirrnaçô:
todos os indivíduos, estarnenros e ordens alienados do poder e subordinados à va da apl
pessoa mística do rei. Como se sabe, na expressão "corpo místico" convergem tas era se
duas articulações: uma delas é teológica, o "corpo de Cristo", a hóstia consagra- dos juizes
da pela Eucaristia, e, por extensão, a respublica cbristiana, o corpo da Igreja. A pelos piei
outra articulação é jurídica, vinda da teoria da corp oratio , a corpo ração roma- nas decis-
na) e d_~noção medieval de universitas; e, principalmente, relacionada à doutrina Evid
'cra persona publica, nome dado por Santo Tomás de Aquino à noção jurídica de ciedade 11
fiersona ficta ou p ersona repraeseniata. Os juristas contra-reformados juntaram rídico dif
.~ noção de respublica a de C01pUS rnysticum, fundando com ambas a de corpo modelo d
político. No caso, é a doutrina suareziana do pactum subjectionis do todo do rei- ReaL Elo
no C0l110 "corpo místico", essencial na sistematização do poder monárquico e na sos, rradi
conccituação do "bem comum", que, no século XVII, define O estatuto jurídico de ser e a
da educação jesuítica em Portugal e no Brasil. Luter o e outros reformados afir- dissociad
._. '. 0.- _ ."_

rnarn que o poder decorre diretamente de Deus, que envia os reis para imporem Colégio c
ordem à anarquia dos homens corrompidos pelo pecado original. Principalmente lharam g
por meio dos jesuítas, a Igreja católica combate as teses reformadas, afirmando então, tir
de Aristé
que Deus certamente é a origem do poder, como causa uniuersalis ou causa uni-
conhecid
versal da natureza e da história, mas não causa direta do mesmo, pois o poder
decorre do pacto de sujéiçào. um méto
Orr
Logo, a conceituação da natureza do direito natural, que estrutura a forma
mentis dos súditos no pacto de sujeição, é fundamenta I na definição do estatuto teses de I
jurídico ela "pessoa humana" cujo desenvolvimento harmonioso era a principal foram pt
Coimbr:
finalidade da educação jesuítica. Neo-escolasticamentc, a conceiruação corrente
em Portugal, nos séculos XVI e XVII, postulava que, antes de ser uma vontade • por um (
(voluntas), o direito era uma razão (ratio, proportio, comrnensuratio, ardo, ius, cisco Xa
juizo, prudência). Como a teoria fundamentava o Direito ou as leis positivas do ria delas
reino na luz natural da Graça inata, o dito "direito comum" ou "ordinário" (ius Aquino,
commune, opinio comrnunis; "praxística") tradicionalmente escapava ao arbí- na dispo
Ias o mé
trio da razão de Estado absoluta, q1le era a esfera própria da vontade da persona
ficta ou pessoa mística real. Era conscnsual, então, que o direito ordinário exis-
tia independentemente, antes ela sua volição pelo rei. Também era consensual 33. Anrón
que o seu conhecimento e aplicação dependiam de um saber específico, que devia José ~
ser repetido por uma categoria também específica de letrados formados no curso me (1
de cânones ministrado pelos jesuítas na Universidade de Coimbra. 34. Em 1~
lentes
Depois da obra de Maquiavel, que passou a determinar no mundo católico o
vezes
problema de teorizar o poder com fundamento ético, muitas vezes a doutrina da Gouv.
razão de Estado absoluta passaria a afirmar que o direito ordinário se incluía nela; Hcsp,
em Portugal, contudo, perdurou a noção tradicional de urna jurisprudência parale- 35, Por e:
la à vontade da Coroa, constituindo-se, como se fosse uma evidência, a noção da Supcr
legitimidade do controle jurídico do poder central do rei pelos tribunais e, por isso, José l'

___________________
À _
RATIUM STUDIORUM E POLÍTICA CATÓLICA. I 31

ssupunha o con- também a idéia muito difundida de que o rei não poderia governar sem o conselho
:ílio de Tremo e dos juristas, que era considerado mais básico que o das Cortes. Segundo várias
) da vontade de afirmações, se o rei o fazia, agia contra a ratio iuris. Além disso, quando se trata-
subordinados à va da aplicação, da integração e da interpretação do Direito,'a presença dos juris-
ICO" convergem tas era sempre muito ativa. Deve-se somar a essa importância da jurisprudência e
iósria consagra- dos juizes a extrema lentidão da máquina judiciária portuguesa, sempre emperrada
rpo ela Igreja. A pelos pleitos, agravos e desagravos, juntamente com a larga margem ele arbiirium
.poração rorna- nas decisões, facultado pela estrutura doutrinária e burocrática do saber jurídico.
nada à doutrina Evidencia-se imediatamente a centralidade do lugar social dos juristas na so-
)ção jurídica de ciedade luso-brasileira" e, em decorrência, também das formas do pensamento ju-
nados juntaram rídico difundidas por todo o corpo político do Estado pela educação jesuítica como
ibas a de corpo modelo de distinção social emulado por todos, dos escravos aos príncipes da Casa
do roelo do rei- Real. Eloqüência, legalismo, casuísmos, distingues neo-escolásticos, exames de ca-
ionárqu ico e na sos, tradicionalisrno das fontes, muito latim são constitutivos de um modo histórico
sraruto Jurídico de ser e agir, não se tratando, como se diz anacronicamente, de fórmulas verbalistas
~formados afir-
o • •• "_
dissociadas da realidade. Como índice dessa mentalidade, é exemplar o que se deu no
: pa ra I I1l porem Colégio das Artes. Inicialmente, tinha sido uma instituição hurnanista na qual traba-
Principalmente lharam grandes eruditos, até 1555, quando foi entregue à Companhia de Jesus. Até
das, afirmando então, tinha sido consensual, por exemplo, a leitura direta do texto grego ou latino
5 ou causa uni- de Arisróreles. Com os jesuítas, o texto aristotélico foi substituído pelas" postilas",
), pois o poder .conhecidas como "sebentas" nos cursos conimbricenses, que inculcavam nos alunos
um método e uma disciplina de pensar aliados à defesa da ortodoxia da doutrina".
rutur a a (arma O mesmo método e a mesma disciplina são visíveis em um conjunto de 28
;ão do estatuto teses de filosofia escritas no Colégio do Maranhâo, no início do século XVIII, que
era a princi pa I foram publicadas entre 1720 e 1730 por várias oficinas tipográficas de Lisboa e
uação corrente Coimbra. Têm títulos muito engenhosos e, invariavelmente, são escritas em latim
r uma vontade por um ou dois alunos, sob a supervisão de um professor, e dedicadas a São Fran-
atio, urdo, iU5, cisco Xavicr, a São LUÍS, a Santo lnácio de Loyola ou à Santíssima Virgem. A maio-
-is posi tivas do ria delas trata da doutrina dos entes e da teoria do signo em Santo Tomás de
xdin{jrio" (ius Aquino, não havendo nenhuma diferença substancial nas definições de conceitos,
apava ao arbí- na disposição das partes ou nas conclusões de umas e outras, evidenciando-se ne-
idc da persona las o método da repetição apostilada da doutr ina".
)rdinário exis-
-ra COnSCnSlla I
fico, que devia 33. António Manuel Hespanha e laria Carar ina Santos, "Os Poderes num Império Oceânico", in
José !vIartoso (dir.) e Antônio Manuel Hespanha (coord.), História de Portugal. O Antigo Regi-
lados no Curso
me (1620-1807), Lisboa, Editorial Estampa, 1982, vol. 4, pp. 395-413.
34. Em 1720, Blureau define "postila " : "[ ... ] hoje nas Universidades Posrilla he a lição, que dão os
ndo católicoo lentes, fazendo as pausas, e inrervallos, que se costumão quando se dieta [...J Tomar posrilha, às
a doutrina da vezes vai o mesmo que estudar". Cf. R. Bluteau, Vocabulário, VI, p. 648, Anrónio Carnôes
se incluía nela, Gouveia. "Estratégias de Imeriorização da Disciplina" inJosé Mattoso (dir.) e Antônio Manuel
Hespnnha, op . cit., pp. 415- 449.
idência parale-
35. Por exemplo, "Ao Colono e Senhor das Ciências do Paraíso Celeste, o Santíssimo Luís, sob a
ÍJ, a noção da
Supervisão do Revrno. Pe. e Sapienríssimo Mestre Bento da Fonseca, da Companhia de Jesus,
iais e, por isso, José Marrins, da mesma Companhia de Jesus, Apresenta de Joelhos o Turbilhão Filosófico em

l
32 I BRASIL 500 .-'\NOS: TÓPIC\S E~\l HISTÓRIA l):\ FDUCAÇAo

Essa forma mental era organizada como uma jurisprudência de "bons usos" dentes à ~
ou um sistema de juízos legais e legalistas de cunho casuísra, virtualmente polê-
"Coroa pa
mico. Seu fundamento era a auctoritas da traditio, a autoridade do costume. Para tivos soei
mantê-Ia, o título XI do Livro III dos Estatutos da Uniuersidade de Cotmbra de de corte s
O en
1653 prescreve:
viduais cc
[...] todos os Lemes de cadeiras grâdes lerão com muito estudo, cuidado, & diligencia, autoridac
declarando rnui bem a letra dos textos, com rodos os noraueis, & pr incipaes entendimen- mantinha
tos delles, pr ouando os que lhe parecerem verdadeiros: respondendo 30S textos, rezões, um papel
& argumentos, que fazem em contrario: & examinando todas as dificuldades pertenceu- são. Em f
rcs aos ditros textos, & que couuenientemcnre se podem ahi trattar: guardando-se de rica a orie
trazer marerias remotas, que causào cófusâo: & tratta ndo as que direitamente se tirâo dos dava segu
proprios textos: & escolhendo ern cada hua destas causas, do que os Doutores escreuem, do-se a cc
o neccssar io, & o mais principal: & acrescentando de sua parte, o que por seu talento, & tribuere .:
traba lho poderem entender, & alcançar: resoluendo-se naquellas opiniôcs, & conclusões, Batera, r-
que a seu parecer forem verdadeira s".
ceito de r,
guerra de
T31 forma mentis incluía-se naturalmente na concepção corporativa da so-
[lorentinc
ciedade fundada na teologia-política de um te/os ou causa final que determina a
taneamer
hierarquia de suas espécies criadas segundo a analogia de proporção. Santo Tomás
no bem p
de Aquino definiu a mesma hierarquia como unidade de integração ou unidade de
Essa
ordenação - unitas ordmis - prevendo, por comparação com as diversas partes
datício ti
do corpo humano, uma função diversa para cada estarncnto ou ordem do todo polí-
"jeitinho
tico, em conformidade com sua natureza postulada de parte. Logo, Santo Tomás
dade con
previu também a impossibilidade de haver um poder concentrado totalmente na Portugal,
cabeça mandante.
reito que
Em Portugal, dominou na doutrina política ela monarquia a noção de "bem
palavra I
cornurn ", c1cfinido como a paz que nasce ela tranqüilidade obtida na alma das
rcpctiçãc
ordens, estarnenros e indivíduos do reino por meio do controle dos apetites parti-
bolos do
\ culares e da concórdia de cada um deles com todos os outros. A decorrência ime-
pelo sabe
diata da doutrina do. "bem COITlum" é a necessidade da repressão de partes ren-
e prática:
\I te à hiera
seu temp
\ Quatro Rios, ou seja, ;J filosofia Racional, Psicológica, Natural c Metafísica". No Colégio do medida r
Maranháo no dia... deste mês ... dedicado J São Luís. Coimbra, Tipografia do Santo Ofício de nha que
1I Bento Seco Fcrrcira, 1730. Com licença dos superiores; "Ur didur a do Tecido Filosófico, não
Entrelaçado por Fios de Seda, mas por Racionais, ou seja, Conrextura muito subril da filosofia
Racional, laboriosamente deduzida dos Procmiais, dos Predicávcis e dos Sinais da Dialérica,
sob a Proteção do Rcvmo. Padre e Eminente Mestre Rodrigo Homem, da Companhia de Jesus,
\ que apresentam, oierecem e dedicam a [... ] D. Fr, José Dclgarre, Miguel Inácio e Bento da
37. Em 16
Brasil:
Fonseca, da mesma Companhia, na Aula [Magna] do Colégio das Missões do Maranhâo, da
filhos (
mesma Companhia, na hora de vésperas do dia ... deste mês". Lisboa Ocidental, na Oficina
colégic
\ de Mar ias Pcrcyr a da Sylva e João Anrunes Pedroso, 1721. Com aprovação dos superiores erc.
alegan,
36. Estatutos da Universidade de Coinibra, 1653, ed. 1987, p. 165, apu d Antônio Carnões
pio qw
Gouvcia, op . cit., p. 441.

__--------------1----
[<ATIU,\] STUD/O/WM E POLÍTICA CATOUCA _.. I 33

de "bons usos" dentes à autonomia e, assim, a partir principalmente do século XVI, quando a
t ualmenrc polê- Coroa passou a monopolizar a violência fiscal e legal, a necessidade dos disposi-
O COstume. Para tivos socioculturais de inreriorização da violência, como o ensino e as maneiras
de Coimbra de de corte sistematizadas pela etiqueta.
O ensino jesuítico orientado para o controle da vontade e da liberdade indi-
viduais como obediência irrestrira e adequação decorosa às formas exteriores da
Ido, & Jilig,cllcid, autoridade e do aparara e, assirn, corno propaganda das virtudes ortodoxas que
)<1es cntendimen- mantinham a coesão do corpo social do reino, concedeu à retórica, como foi dito,
)s textos, rezões, um pa pel essencial na organização de todas as representações, visando à persua-
.ia des pertc nce n-
S30. Em Portugal, a concepção corporativisra do Estado induzia a atividade poli-
?;uardando-sc de
rica a orientar-se para a resolução ele conflitos entre grupos de interesse, o que se
lente se rirâo dos
dava segundo a expressão, ainda hoje corrente no Brasil, "fazer Justiça", atribuin-
mores escreucrn,
))"seu t,!lento, & do-se a cada um o que lhe competia, segundo ü princípio do Direito, suum cuique
s, & cO:lClusões, tribucre, Nas escolas jcsuíticas de Portugal c do Brasil, a obra do jesuíta Giovanni
Botero, Della Raggiol1 di Stato, escrita no final do século XVI em oposição ao con-
ceito de razão de Estado proposto nas obras de MaquiaveI, substituiu a noção da
-orativa da so- guerra de todos contra todos, que é operada pela astúcia e pela força na teoria do
re determina a f1orentino, pela noção do interesse das várias ordens do reino em colaborar espon-
l. Santo Tomás taneamente para o "bem comum", cuja paz, concórdia ou harmonia se refletiria
ou unidade de no bem particular de ordens e de indivíduos.
liversas pa rres . Essa concepção de justiça também foi responsável pelo pensamento acorno-
'1do todo poli- datício típico da colonização lusitana, cujo a vatar contemporâneo é o famoso
, Santo T0l11é1S "jeitinho" - "cornpadrio ", "pistolão", "influência", "favor" -que define a uni-
totalmente na dade contraditória de benevolência e violência nas relações sociais no Brasil. Em
Portugal, além disso, o poder era entendido como jurisdicçào ; ato de dizer o Di-
oção de "bem reito que era atributo do rei e o poder de fazer o ditado do Direito, repetindo-a
I na alma das palavra real, que era atribuído aos letrados formados em Direito canônico. A
a pcrrtes parti- repetição da palavra real pelo letrado ela colônia reproduzia sacr almenre os sím-
orrência irne- bolos do poder e, ao mesmo tempo, reproduzia-se como um poder autorizado
:le partes ten- pelo saber, donde sua oficializaçâo rirualizada em fórmulas por meio das normas
e práticas elo ensino jcsuítico. j\o contrário cio que se diz, integrava-se totalmen-
te à hierarquia, sendo um dos principais elementos de construção da realidade de
seu tempo. Não se trata de educação "elitista ", no sentido liberal do termo, na
No Colégio do
medida mesma em que a sociedade do século XVII nào era democrática e propu-
;3nto Ofício de
Filosófico, não nha que a desigualdade era natural".
Jtil da filosofia
s da Dialérica,
a nhia de] esus,
:io e Benro da 37. Em 1681, os "moços pardos" foram proibidos de freqüentar os colégios da Companhia no
i\.Jaranh3o, da Brasil por razões de "limpeza de sangue" akgadas pelos brancos que não queriam que seus
a l, na Oficina f!lhos estudassem junto com eles; 110 encanto, os "pardos" continuavam sendo admitidos nos
S LI pcr iorcs erc. colégios metropolitanos. A Coroa tornou o partido deles e os jesuítas cederam, voltando arrás,
ónio Camõcs alegando que haviam sido excluídos mais pelo número dos que entravam que pelo mau exem-
plo que davam aos brancos.

__ .1.. _
3i gj\.'\SIL 500 f\NOS r()PJCAS E:--l]-I!STÓRL\ [)A F.DI]CAÇAO

Segundo o Ratio Studiorum, em todos os casos a educação devia levar os ou mestre I

indivíduos à intcgração harmoniosa como súditos ou subordinados no corpo polí- trados pele
tico do Estado, definindo-se sua liberdade como subordinação à cabeça real, nas universida
várias posições naturalmente desiguais da hierarquia: resses açuc
Céu, que e
A liberdade cristã não consiste em estar isentos das justas leis humanas, nem em estar cladc na es
imunes ela justa coação do castigo dos pecados quando se cometem contra a paz e a justi- Franc
ça; mas consiste em urna servidão livre, por amor e caridade, que 11,;0 contradiz o regime I nuerno, e
humano, mas antes o ajuda, se efetivamente existe, e se não existe, a supre com a coação".
Temas
Para obter essa "subordinação livre", que interessava imediatamente ao que as busc:
"bem comum" do reino, a educação devia "tornar mais homem", lema do Ratio
Studioru111. Para tanto, devia dar conta das três faculdades que, segundo a filoso-
filosofia
fia escolástica, definem a pessoa humana: memória, vontade e inteligência. Ensi-
rcs os qu
nava a cada Urna delas o auto-controle, visando a harmonia dos apetites e Sua de Vossa
amizade com as restantes partes do corpo político do Estado. E como é "mais alegamo:
homem" quem aprende a agir segundo a recta ratio agibiiium e a recta ratio ser servil
[actioiliurn ; a reta razão elas coisas agíveis e a reta razão das coisas Iacrívcis da filosofia
que goza
Escolástica, visando o "bem comum" da concórdia e da paz do todo do Estado, o
do Sena,
ensino jesuítico era radicalmente intelectualista. As a bstrações ele tal in telectua- Docume
lismo, hoje muitas vezes classificadas como bizantinas e absrrusas, não significa- indeferir
vam, como se costuma- dizer, "divórcio da realidade"; ao com r.irio, eram extre- trole me
mamente ativas na estruturaçâo da realidade hierárquica do século XVII. 41. Na poes
1682e 1
No final do século XVII, em Salvador, o nível dos estudos das Faculdades
Por meie
Superiores do colégio jesuirico local parece ter sido equivalente ao ministrado ela-se a c
n:1SUniversidades portuguesas, principalmente a de Évora, por isso, virias vezes do Trib"
se pediu à Coroa, sem nenhum sucesso, que fosse fundada uma universidade 10- mão dos
cal". Duas cartas do Senado da Câmara, datadas de 10 de abril de 1674 e 7 de civil. As
infcrênci
julho de 1681, solicitam ao rei o privilégio de fundá-Ia. Pedindo que tenha por
acontece
modelo a Universidade de Évora, caso venha a ser instituída, os oficiais da Câ-
reinado
mara de Salvador justificam a fundação, alegando os constantes riscos das via- Cadeira:
gens por mar, além das grandes despesas com os moços que S3('111 do Brasil para Insututa
estudar em Coimbra?". T:1mbém pedem que seja concedido o grau ele licenciado filosofia
Um dos
professo
38. Francisco Suare? S.]., Defensa de Ia Fe Catolica y Apostolica contra 105 Errores dei Anglicanismo, medieva
repr od. anasrática de Ia cdición príncipe de Coimbra 1613. Versión espafiola por José Ramón uruversu
Eguillor Muniozguren, S.1. Inrrod. general por el Dr. Don Francisco Alvarez Alvar cz, Pbro. elo Orar.
Madrid, Instituto de Estudios Politicos, 1970,4 vols., 1Il, IV. utilizad:
39. Cf. Luiz Antônio Cunha. A Universidade Temp crã, da Colônia à Era de Vargas. 2 ed. Rio de va-se tal
Janeiro, Francisco Alves, 1986, p. 32. do latirr
40. "[. .. ] desejando nos acrescentar nossos filhos com o lustre das boas artes e Ciências nas Univer- canônici

sidades cio Reino e autorizti-Ios com os graus de Licenciados, c Doutores, o nào podemos fazer são ela f
por falta de cabcdais para os enviar a sustentar no Reino como convém; e porque nesta Cidade lentes fi

da Bahia os religiosos da Companhia de Jesus além da gramática c letras humanas ensinam a alunos,

6
RAT!Ui\J STUDJORUAf E POLÍTIC:\ CATÓLlC\ ... I 35

devia levar os ou mestre de artes para os que seguem os cursos de filosofia e matemática minis-
no corpo polí- trados pelos jesuítas no colégio local, caso não seja concedida a permissão para a
3. beça real, nas universidade. Com muita ênfase, os oficiais da Câmara, representantes dos inte-
resses açucareiros dos senhores-de-engenho, alegam sua pobreza e o castigo do
Céu, que enviou contra eles duas pestes de bexigas que causaram grande mortan-
IS, nem em estar dade na escra varia e em seus filhos".
a a paz e a iusri- Francisco Roclrigues Lobo, no "Diálogo 16" de Corte na Aldeia e Noites de
itradiz o regime Inverno, especifica a origem da maioria dos alunos dos jesuítas no século XVII:
com a coação=.
Tem as escolas, além destas, um bem, que favorece esta opinião, e é que de ordinário os
liatamente ao que as buscam ou são filhos segundos c terceiros da nobreza do Reino, que, por instituição
lema do Ratio
.undo a filoso-
ligência. Ensi- filosofia c teologia assim moral como cspecularivas com granue aplauso, e proveito dos ouvin-
tes os quais com esperança do prêmio melhor se animarão ao estudo, Prostrados aos Reais Pés
a perites e sua
ele VO$s:, Alteza em recompensa dos Serviços vista a impossibilidade
rcfericlos, de Cabedal que
.orno é "mais alegamos, c sobretudo por nos fazer Vossa Alteza essa honra à nossa Cidade lhe pedimos queira
a recta ratio ser servido de conceder aos que aqui se agraduarem com os mesmos graus de Licenciados na
1S factÍveis da filosofia e Doutores na teologia cheios os anos, e feitos os atos literais os mesmos privilégios,
) do Estado, o que goza a universidade de Évora no qual nos faz Vossa Alteza urna Grande mercê". Cf. Cartas
do Senado 1673-1684, Bahia, Prefeitura do Município do Salvador-Bahia, 1952, vol , 2, (cal.
tal intelectua-
Documentos Históricos do Arquivo Municipal). A Mesa de Consciência e Ordens de Lisboa
não significa-
indeferiu o pedido, alegando que seria perigoso manter uma universidade t:10 distante do con-
), eram extre- trole metropolitano.
) XVII. 41. Na poesia satírica que é atribuícla a Grcgório de Matos c Guerra, que viveu em Salvador entre
IS Faculdades 1682 c 1695, é constante <1desqualificaçâo dos letrados locais, formados no colégio dos jesuítas.
Por meio cio cruzamento das sátiras com atas c cartas do Senado da Câmara de Salvador, eviden-
.0 ministrado
cia-se a existência 1001 de um litígio entre os juízes ordinários, formados em Salvador, c os juízes
>, várias vezes
do Tribunal da Relação, geralmente formados em Coimbra. A dcsquali Iicaçâo dos locais lança
iversidade 10- mão dos temas da ignorância de latim c teologia c do desconhecimento de cânones e do direito
~1674e7dc civil. I\S dcsqun lificaçôcs indiciarn o critério positivo da enunciaçâo e permitem algumas
lue tenha por iníerência s acerca das mudanças nos modos de aprender latim, teologia 0\1 direito que vinham
ficiais da Câ- acontecendo em Portugal desde a reforma dos estatutos da Universidade de Lisboa, em ·1537, no
reinado de D. Manuel I, quando se havia estabelecido o regime das aulas de teologia, com ,IS
iscos das via-
Cadeiras de Prima, de Véspera e de Terça, o mesmo valendo para a de leis. Na d~ Terça se lia
10 Brasil para Insrituta c, 110 curso de Medicina - ou Física - havia cadeiras de PriII1a e de Véspera, uma de
de licenciado filosofia natural, outra de filosofia moral, 11m3 de rnetafísica, urna de lógica c uma de gram:itica.
Um dos critérios de conrr.uação de professores era a exigência de "limpeza de sangue". Entre os
professores, havia a distinção entre "mestres" e "modernos", como nas corporações de ofícios
el Anglicanismo, medievais. Novos estatutos foram fixados a partir de 1598; para ingressá r em Ulll dos cursos da
oor José Rarnón universidade, o aluno prestava exames de latim feitos por padres regulares ou pela Congregação
: Alvarez, Pbro. do Oratória de São Felipe Néri. O aluno tinha estudado latim com o método de Manoe! Alvares,
utilizado pelos jesuítas. Basicamente, consistia em aprender a língua pelo método direto. Utiliza-
as. 2 ed. Rio de va-se também a Prosódia, de Bento Pereira, que fornecia listas de vocabulário. O conhecimento
do latim era tido como básico no curso de direito, em que os dois corpos estudados, o civil e o
eras nas Univer- canôruco, estavam nessa língua. Supunha-se então que as ciências jurídicas consistem na cornprccn-
) podemos fazer são da propriedade de expressão da lei e da sua inrepretação. Depois da recitação da lectio, os
ue nesta Cidade lentes ficavam junto da porta da sala de aula onde, ainda em latim, ouviam as dúvidas dos
anas ensinam a alunos, que as expunham com "rnodestia, cornedimenro, & corrczia que aos Mestres se deve".

L
36 I BRASIL 500 ANOS: TÓPICAS L\1 HISTÓRIA DA EDUC!\çAO

dos morgados de seus 0VÓS, ficaram sem heranças e procuraram alcançar a sua pelas letras; Padre d;
ou são filhos dos homens honrados e ricos dele, gue os podem sustentar nos estudos; ou dos fins
religiosos escolhidos nas suas províncias, por de mais habilidade e confiança para as letras". para mo
do-se vil
'o Brasil, os alunos eram geralmente filhos de senhores-de-engenho que, não "razão c
querendo que tivessem apenas a instrução fornecida pelo colégio local, mandavam- por Suál
nos a Coimbra, embora com má vontade motivada pelos dispêndios e pelos perigos represer
do mar, naufrágios e piratas, como fazem ver alguns documentos da Câmara de que fOI!
Salvador, em 1684 e mais tarde", quando pedem inutilmente à Casa de Suplicação, dos estu
°
em Lisboa, que colégio local seja transformado em universidade dotada dos mes- discreto
1
mos estatutos da Universidade de Évora+ . três ato,
sigo me:
A excelência humana visada pelo ensino ordenado pelo Ratio Studiorum é Dec
exposta exemplarmente em EI Discreto, de 1646, do jesuíta espanhol Baltasar homem
Gracián. No seu último ca pítulo, Gracián faz o elenco de formas, modos e exer- que se d
cícios que constituem a "agudeza prudencial"45 específica da discrição, modelo rocrátic
da excelência do tipo do "discreto" visada pela educação da Companhia de jesus. nearnen
se fala r
Corte, (
informa
42. Francisco Rodrigues Lobo, "Diálogo 16" in Corte na Aldeia e Noites de Inverno. Prefácio e
notas de Afonso Lopes Vieira, Lisboa, 1945, p. 320 (Coleção de Clássicos Sá da Costa). grego, I

43. Neste sentido, pode-se relacionar com o trecho de Roclrigues Lobo a análise fcira por Vitorino ciceron
Magalhães Godinho: "O funcionalismo, que, nos seus escalões superiores pelo menos chegara a madre c
constituir uma ordem separada - a dos letrados -, integra-se em boa parte no braço nobiliárquico
compre
ou sua ante-câmara: a carreira leva a receber o título de escudeiro, e depois o de cavaleiro,
50S, de:
atingindo-se o grau de cavaleiro-fidalgo Oll mesmo acima. Tal simbiosc, parcial embora, inrro-
duz necessariamente a ambigüidade na condição e mentalidade do funcionalismo". Cf. M. deles, b
Godinho, Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa, 4 cd. Lisboa, Arcádia , s/d, pp. 102-103. afirma
44. A inrcgração na hierarquia, que por definição impunha condicionamentos ao alcance ou ~s triaca, (
ambições das iniciativas intelectuais, era a evidência pública de que a imagem ele importância nr cnse
auto-conferida pelo lei ra elo colonia I correspondia efetivamente à rea lidade dos fa tos, quando se
mernór
lembra que, pal-a ser admitido na burocracia, o letrado tinha de fazer prova de "limpeza de
sangue", com sete testemunhas (Cf. voi. Godinho, op.cit., pp_ 102-103)_ í: importante, por
isso, considerar a formação recebida pelo letrado para se determinar
a natureza do ensino. Os
textos maiores utilizados na Universidade de Coimbra e Évorn, no caso, e que todo letrado luso- 46. Cf. r:
brasileiro que as frequentou necessariamente leu, repetiu e memorizou, eram os dos padres rrad.
Manuel de Góis e Pedro da Fonseca, do século XVI, e os de Francisco Soares Lusitano e António 2,1E
Cordeiro, do XVII. O Cursus Philosopbicus de Soares Lusitano (1651-]652) recomendava o Bocc
comentário dos comentaristas coimbrâos anteriores, com o objetivo de "aclarar opiniões, assen- Boce
tar princípios e sustentar os direitos da verdade contra os ataques de alguns modernos escriro- Dieg
res ". Em 1712, D. João V baixou portaria proibindo inovações no ensino de filosofia no Colé- y C01
gio das Artes; o ediral de 7 de maio de ] 746 repetia a proibição. Devido à proibição de 1712, leng.
em ] 713 o Pe. António Cordeiro se retratou, negando suas tentativas "carrcsianas". Taci
45. Cf. "Diéronle aI Hombre rreinra afies suyos, para gozarse y gozar, veinte después prestados de! Guie
Jumento, para trabajar; ou-os tantos dcl Perro, para ladrar; )' veime ultimos de Ia Mona, para cadu- ense
car; excelentisirna ficción de Ia verdad" in Bairasar Gracián, "Culta Rcparrición de Ia Vida de un 47. Cf. J

Discreto" (Cap. XXV). ln EI Discreto in Obras Completas. Madrid, Aguilar, 1960, pp. 144-145. La t

I
I

L
RATIUM STlI[)JOI\UAI E POLÍTICA CAT(jUCA . I .,;
r a sua pelas letras; Padre da Contra-Reforma, Gracián trata da vida pelo ponto de vista da morte e
ar nos estudos; ou dos fins últimos, prescrevendo quea educação é uma arte que prepara o discreto
rça para as letras". para morrer bem. Enquanto não morre, aprende a controlar as paixões, integran-
do-se virtuosamente no "corpo místico" da monarquia absoluta orientada pela
ngenho que, não "razão de Estado". Nela, a liberdade individual é a "servidão livre", doutrinada
»cal, mandavam- por Suárez, ou submissão à hierarquia, na qual a posição se deduz da forma de
)s e pelos eerigos
representação verossímil e decorosa aplicada às- várias ocasiões. É a educação
>sda Câmara de
que fornece tal conhecimento e suas pragmáticas. O discreto segue a progressão
sa de Suplicação, dos estudos do Ratio Studiorum; assim, conforme Gracián, foi exemplarmente
dotada dos rnes- discreto o varão que, para aprendê-I os, decidiu repartir a comédia da vida em
três atos: no primeiro, conversou com os mortos; no segundo, com os vivos; con-
sigo mesmo, no último.
tio Studiorum é Dedicando o primeiro terço da vida ao comércio com os livros, pois é mais
panhol Baltasar homem quem mais sabe, aprende as artes que são dignas de um nobre engenho e
S, modos e exer-
que se diferenciam elas que são escravas cio trabalho manual. Na sociedade aris-
scrição, modelo tocrática, a conversação é fundamental, devendo mostrar-se "aguda" e simulta-
panhia de Jesus. neamente "natural", por isso o primeiro cuidado é a aprendizagem da língua que
se fala na Corte. Desde menino, o discreto se prepara para entrar "no mundo", a
Corte, dedicando-se inicialmente ao estudo de línguas, com as quais se forma e
lnuerno. Prefácio e informa. Aprende "duas universais ";» latim e o espanhol, e outras, "singulares",
'já da Costa). gr.ego, italiano, francês, inglês e alemão. Depois, dedica-se à história, definida
i: feira por Vitorino ciceronianamente como magistra vitae, mestra da vida. A história é "[ ... ] gran
10 menos chegara a
madre de Ia vida, esposa del entendimiento y hija de Ia experiencia ", ensinando a
!)raço nobili.irquico
-ois o de cavaleiro,
compreensão das monarquias, repúblicas e impérios, com seus aumentos, suces-
cin] embora, inrro- sos, declínios e mudanças; o número de seus príncipes, a ordem e a qualidade
onalismo". Cf. ;VI. deles, bem como seus feitos de paz e guerra. O discreto a aprende sabendo, como
,s/d, pp. 102-103. afirma Diego Saavedra Fajardo no prólogo de Carona Gothica Castellana.ty Aus-
5 ao alcance ou às
tríaca, que "[ ... ] el oficio deI Historiador no es de enseriar rcfiriendo, sino de refe-
em de importância
rir ensefiando ":". Feita com exemplos de política crista por meio de uma arte da
os fatos, quando se
V3 de "limpeza de memória cujo modelo é a Retórica para Herênio, do Anônimo", a aprendizagem
É importante, por
reza do ensino. 05
~todo letrado luso- 46. Cf. Don Diego Saavedra Fajardo , Coro na Gothica Castellana, y Austríaca. Politicamente Ilus-
'a m os dos padres trada. Por Don Diego Saavedra Fajardo. En Madrid, Por Andres Gareia de Ia lglesia , 1670, vol.
.usirano e António 2,1671. A "história mestra da vida" é uma tópica ciceroniana corrente no XVII. Cf. Traiano
2) recomendava o Boccalini, Ragguagli di Parnaso. Avisos de Parnaso: Primera e segunda centuria (de Traiano
'ar opiniões, assen- Boccolini}, traducidos de lingua toscana en espano! por Fernando Perez de Sonsa. Madrid, por
modernos escrito- Diego Diaz de Ia Carrera, à custa de Marco de Ia Basrida, 1653: "ningurio de qualquier grado,
: filosofia no Colé- y condición que sea , se atreva a escrivir História, si primero no [uere aprobado en Ia pureza de Ia
-roibição de 1712, lengua, por suficiente, dei Emperador Iulio Cesar, cn Ia cloquencia de Livio, en Ia polirica de
si anas " . Tacit o, en entender, y penetrar bien Ias inrer cse s de los Principes dei famoso Francisco
pués prestados dei Guichardino"(p. 87) porque é "[ ... ] el fin de! Historiador infundir cn los animas Ia virrud, no
1\'lona, para cadu- cnsenar los vícios" (p. 89).
n de Ia Vida de un 47. Cf. Frances A. Yates, L'art de ia tnérnoire, Paris, Gallimard, 1973 (Eibliothêque des Hisroires) e
)60, pp. 144-145. La philosophie occulte à l'époque elisabéthaine, Paris, Dervy-Livrcs, 1987.
38 I BRASIL 500 :\NOS TÓPICAS EM HISTÓRlA DA EDUCAÇAO

é meio para um fim superior e funde referências à étic3 de Sêneca com exemplos Qua
da política de Tácito. No caso, o autocontrole estóico das paixões e as técnicas do que a má
fingimento político ou da dissimulação honesta visam a aperfeiçoar o desengano meditar J
da alma no desempenho mundano da representação. A memória do discreto é Toda OCê
definida como uma parte da prudência, pois armazena as autoridades que forne- favorecel
cem à imaginação as tópicas para as agudezas da conversação cortesã. Sua me- prova pa
mória deve ser treinada por mcio de exercícios de repetição, como os expostos no ensina ql
texto do Ratio Studiorum de janeiro de 1599. te a inteii
Em terceiro lugar, o discreto passeia pelos "[ ... ] deliciosisimos jardines de Ia ciaa ing:
Poesia, no tanto para usarla cuanto para gozaria, que es ventaja y aún decencia". extremo:
Com o exercício da poesia, pretende não ser ignorante a ponto de não saber fazer enfrenta]
um verso, mas também não tão inconsiderado a ponto de querer fazer dois, como nela. O c
dizia o Conde de Orgaz, Don Alvar Pérez de Guzmán, que considerava néscio última, c
quem não sabia fazer uma copla e louco quem fazia duas". Pautando a leitura aetel'mm
pela justa medida, o discreto lê todos os "verdaderos poetas"; entre eles, o "pro- como ré.
fundo Horácio" e o "agudo Marcial", valorizando o padrão da urbanidade artifi- instrume
ciosa, que alia a solidez do conhecimento da poesia, lida como exemplo de pru- regra e r
dência, com a brevidade epigramática da sua elegância, formulada como agudeza. sob a ap
À poesia, o discreto junta as humanidades e as belas-letras, ganhando erudição tor nam-:
não extensa,mas aprofunêlãcf~;'pormeio de leituras repetidas dos-mesmos textos perdend
ou exercício de repetição de atos e de hábitos virtuosos. Gracián afirma que só a Quanto
extensão do conhecimento nunca pôde passar da mediania e que é praga de ho- murmur
mens universais quererem estar em tudo e não estarem em nada". única qu
Em seguida, estuda filosofia, começando pela natural, para alcançar a causa das reparte.
coisas. Como é um neo-cscolástico, o discreto prefere a moral, como luz e guia da Assim, a

I prudência, investigando-a em sábios e filósofos. Discípulo de Sêneca, apaixonado


por Plarâo, também lê a moral em Epiteto, Plutarco e Tácito, não desdenhando o
no exerc

útil Esopo, sem falar do óbvio e divino Aristóteles, e Túlio, nome familiar com que
\
Cícero era lido pelos jesuítas no século XVII. Aprende também cosmografia, natural com C

I \
e formal, medindoterras e mares para saber onde tem os pés. De astrologia saberá
o que permite a cordura. Fecha os estudos com aquilo que durante toda sua vida
será uma contínua lição, as Sagradas Escriruras'", preparando-se para os desempe-
gCOn1(
nizad(
Corre
nhos do desengano. Porque, como diz Caldcrón de La Barca, "o mais é o mundo"sl. Itália,
52. D. Di,
I tico-C
53. Idem,
I 54. Por e;
48. Balrasar Cr acián, "EI Discreto" in Obras Completas. Madrid, Aguilar, 1960.
49. Balrasar Gracián, Oráculo Manual)' Arte de Prudencia in Obras Completas, Madrid, Aguilar, Sênec'
1960, p. 160. res, d
Litero
\ 50. Balrasar Gracián, HEI Discrero" in Obras Completas. Madrid, Aguilar, 1960.
Yale ~
5 L Cf. Mark Morley, Bcconung a French Aristocrat, Tbe Education o] tbe Court Nobility, 1580-
1715. Princeron, Princeron Universiry Press, 1990. Morley demonstra que, na época de Luis 55. Cf. B,
\ 1960
! XIV, não basta nascer aristocr ata, pois é preciso tornar-se um, O que se consegue pelos hábitos
f "civilizados" e por competências técnicas na guerra, em quatro etapas: primeira, a infância 56. D. Di
passada JUDIa às mulheres na maisonnée; segunda, a cultura letrada adquirida no colégio ou 2 vols

7
I\ATlUIII STUDIORUM E POLÍTICA CATÓLICA. I 39

:<1 com exemplos Quando finalmente entra no grande teatro do mundo, o discreto já aprendeu
s c as técn icas do que a máxima discrição é saber morrer bem em todas as ocasiões. Já aprendeu a
oar odesel}gaiio meditar muitas vezes sobre a morte, para talvez acertar morrer bem uma só.
ria do discreto é Toda ocasião, definida catolicamente como um conjunto de circunstâncias que
dades que forne- favorecem o livre-arbítrio no desempenho de causas livres, apresenta-se como
cortesã. Sua me- prova para seu engenho e sua prudência. O discreto recebe uma educação que lhe
o os CXpüSIOS no ensina que é perigoso o império sem recato, ou seja, que demonstrar publicamen-
te a inteireza dos afetos é uma indiscrição danosa das conveniências-i-pois é nés-
os jardines de Ia cia a ingenuidade que descobre o coração para todos". No mundo, tudo vai por
\' aún dccencia". extremos nas mãos da Fortuna madrasta e não pode haver outro arbítrio no
~nâo saber fazer cnfrcntamento dos acasos senão o da prudência. Toda a representação se resume
fazer dois, como nela. O discreto é prudente, pois aprendeu a avaliar cada ocasião como sendo a
isiderava néscio última, desenganando-se da vaidade de rodas com o memorare nouissima et in
mando a leitura aeternurn 11011 peccabis do Eclesiástico. A prudência é aplicada por ele às ocasiões
.rre eles, o "pro- como técnica cio entendimento prático que lhe faculta a escolha ele exemplos e
rbanidade artifi- instrumentos amigos, adequados à ascese da ars moriendi. Sensata elenta, como
.xern plo de pru- regra e medida das ou tr as virtudes, a prudência visa a atingir \0 -útil da verdade
I corno agudeza. sob a aparência-tqiie §em elaé vício: Pois a história ensina que 'às mais elevados
hando erudição tornam-se perigosos para' o governo quando ultrapassam os limites da razão,
3 mesmos textos perdendo-se por tibieza ou temeridade nas tiranias das paixões fracas e fortes.
afirma que só a Quanto à plebe, nunca tem prudência, por isso é extremamente volúvel sua
~ é praga de ho- I1HUJl1ULlÇão sediciosa". A prudência é virtude própria de príncipes - aliás, a
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única que faz o homem mais excelente - e é com muita avareza que a natureza a
nçar a ClUS,l d;JS reparte. Se a muitos deu grandes engenhos, a poucos conferiu grande prudência.
no luz e guia da Assim, a educação jesuirica ordenada pelo Ratio Studiorum ensina a adquiri-Ia
Ta, apaixonado no exercício dos atos" de urna educação de letras, artes e teologia a ser comple-
desdenhando o
rmiliar com que
iografia, naru ral
com o preceptor; rcrccir a , a forrnaçào específica na academia (equitação e conhecimento de
srrologia saberá
geometria são úteis na guerra, por exemplo, ou nas festividades dos "carrouscls", como o orga-
e roda sua vida nizado em 1 GG2 por Luís XIV) e, íinnlmcnrc, quarta, a entrée dans te monde, a apresentação à
ara os descmpe- Corte, seguida, nas famílias mais ricas, do grand tour. viagem :10 estrangeiro, principalmente a
is é o mundo">'. lt.ili a , como iniciação nas relações internacionais, seguida da produção de diários e relatos.
52. D. Diego Saavedra Fajardo, "Ur sciar regnare " in Empresas Politicas-Idea de un Príncipe Poli-
tico-Cristiano. Ed. Quentin Aldea Vaqucro. Madr id, Nacional, 1976,2 vols., vol. I, p. 406.
53. Idem, ibidem.
l.
54. Por exemplo, com a Apologia e o Fédon, de Platâo; com o De Consolatione ad Mareiam, de
., Madrid, Aguiiar, Sêneca (XIX, 8); com as Epístolas 30a. e 823, do mesmo Sêneca; com as Epistolae ad Familia-
res, de Cícero i5a., 16; 6a., 4, 21).Cf. Nancy Lee Beatt, The Cra]t of D'ying: A Study in the
l.iterar-y Tradition o] lhe Ars Moriendi in England. New Haven, Yale Universiry Press, 1970,
ri Nobility, 1580- Yale Stuclics in English 175, pp. 85-87.
na époc:1 de Luís 55. Cf. Baltasar Gracián, "EI Vulgacho" in "EI Criticón" in Obras Completas, Madrid, Aguilar,
eguc pelos hábitos 1960.
imeira, a infância 56. D. Diego Sa avcdra Fajardo, "Empresa XXVJJl" in Empresas Politicas, Madrid, Nacional, 1976,
'ida no colégio ou 2 vols (ed. preparada por Quinrin Aldea Vaquero).

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,10 I BRASIL 500 ""'OS: TÓPICAS 1:\1 HISTÓRI1\ DA EDUCAÇAo

mentada pelo exercício das armas. Tal educação reedita um mito heróico e faz "mãe de
da vida uma obra de artc-? acabada do ponto de vista dos fins últimos. Lição discreto,
sempre afirmada pelo jesuitismo: a natureza humana é perfcctÍvel porque é mor- .na come
tal; logo, redime-se a besta cultivando-a.". A sabedoria é grosseira, no entanto, Studioru
se for desalinhada" Nâo basta ~_.sJÜ?.sti}ncja)diz Gracián, requer-se também a
circu nstância'", Em todas as coisas, é decisivo o como. Efetivamente discreto é
.aquele capaz de também afetar a imprudência, fazendo do artifício um não-arti-
fício e fundando sua astúcia na maior candura" como a "dissimulação honesta"
doutrinada por Torquaro Accerto'". Aqui, o aluno dos jesuítas finalmente apren-
deu que O senso de proporção deve ser total e que às vezes é melhor dar o aviso
em um chisre que no mais grave conselho. Também aprendeu que deve ser abso-
luto seu senso de decoro, pois não há maior desaire que o contínuo donaire'". E
que também absoluto deve ser o senso da aparência: Tibério dizia que não sabe
viver quem não sabe fingirG4• Logo, em sua educação, a metáfora é central, como

57. Por exemplo, com os Exercícios Espirituais, de Loyola.


58. Balrasar Gracián, "Cultura y alino" in Oraculo }\Ilanual y Arte de Prudencia, op. cit., p.177.
59. Idem, ibideni.
60. Balrasar Gr:lCIán, op, cit., p. 157.
61. Idem, ibidelll.
62. O Codic« 206, Aforisl1lo5 da Razc10 de Estado (Século XVII), dos reservados da Eibliorcca
Nacional de Lisboa, traz o seguinre texto sobre o tópico Dou dice:
"fingir-se um homem doudo talvez é ser discreto.Isto h.io de fazer aqueles que são mal comen-
tes de seus Príncipes; mas primeiro devem medir as suas graças, e ver se são tais que quando
possam f.izcr resistência a hcrt a , e Iazer-Ih», porque esse é o melhor caminho, menos perigoso, e
mais honrado. O ma I contente que não pode fncr declarada deve contemporizar
resistência e
.icorno da r-sc ao gosto do Príncipe em tudo sendo uecessár io "; d. também o Codice 43 - Papéis
Vários, que contém "Caráter dos Corresâos Maquiavclicos, e Refalsados, Descrito por Boileau e
Outros Escritores". O Discurso, na página 3, diz o seguinte: "Quais são as qualidades de um
cortesão! Adulara seus inimigos, em quanto os teme, e destruí-Ias, se pode, aproveitando-se de
seus "l1ligos, sempre g necessite deles, e virando-lhe () rosto quando os Il~O há de mister: buscar
Protetores poderosos ~ quem adora COl1ldissimulação c indústria na aparência, e frequcnrcmcn-
nãoh
tc despreza COl! p.3S [src], e COIll secreto. A urbanidade cortesã consiste na grande fábrica de
enred
observar a Lei da dissimulação, e do dolo: de Representar todo o gênero de Personagens, segun-
xo da
do pedirem os próprios interesses, nas ações q se oferecerem. Sofrer com aparente desembaraço,
sober
e dissimulação aprazível as desgraças, e os reveses da fortuna, c esperar com pomposa alegria, e
ma n.
inq uicra ruodéstia.os favores da ventura".
63. F\alrasar Cr acián, op. cit., p. 174. dizer

64. Cf. "Qui nescit fingere ncscir vivere", dito atribuído a Tibério por Tácito. In Torquato Accerro,
enten
\ "La Simulazione non F"cilmcnte Riccve que] Senso Oncst o che si Accompagna con Ia Dissimu-
ção p
própi
I
I
lazione"
Prcsentazione
III De/la Dissiinularione
di Giorgio lvlanganelli.
Onest a. 2 ed. Ed. critica
Genova, Costa & Nolan,
a cura di Salvatorc
1990. Cf. também
S. Nigro.
"Caráter dos
gênci
I 65. Balta
Cortesãos ivlaquiavéiicos, e Refalsados, Descrito por Boileau e Outros Escritores" in Códice 43
1960
- Papéis Vários, p. 3 (Reservados da Biblioteca Nacional ele Lisboa): "Em a Corre, comurnenrc
\
\

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R/\TlU:\l STUDIOIWM E POLÍTICA CATÓLICA. I 41

o heróico e faz "rnâe de todo engenho". Discrição máxima é a atenção dada ao acabar bern'": o
últimos. Lição discreto aprendeu a acreditar que o enredo da vida deve ser desempenhado como
I porque é mor- na comédia, ratione atque instituiio ue, com a ordem e a maneira do Ratio
[::1,no entanto, Studiorum, pois no fim se há-de desenredar.
.r-se tarn bérn a
.ente discreto é
ia um não-arri-
laçâo honesta"
almentc apren-
10r dar o aviso
: deve ser abso-
llO donaire-'. E
a que não sabe
: central, como

~,op . cit., p. 177.

dos da Biblioteca

te sâ o mal conrcn-
) tais que quando
menos perigoso, e
, contemporizar c
.cdicc 43 - Papéis
.riro por Boile,," c
qualidades de um
oroveu ando-sc de
de mister: buscar
, e freguclltclnen
sranclc fábrica de não há nada de sinceridade, tudo é engano: fazer maus ofícios à surdina uns aos outros, fabricar

rsonagens, segun-
enredos, q nenhum poder humano os possam [sic] desenlear; padecer mortais desgostos, debai-
xo da dissimulação de um semblante risonho; ocultar debaixo de ua aparente modéstia, uma
nre desembaraço,
ornposa alegria, c soberba É ação rnui pr opria frequentemente
Luciferina. em a Corre preverter os efeitos da mes-
ma natureza, porque não é premendo ousar nela o que se quer, nem fazer o que se deve, nem
dizer o <] se se nt e. É necessário ter segredo para saber guardar os próprios sentimentos no que se

orquato Accctto, entender, e facilidade para mudá-los segundo o alheio gosto de quem se lisonjeia com a adula-
ção própria, mas há de Louvar, vituperar, amar, aborrecer, falar, adular, e viver, não segundo o
a COIl Ia Dissirnu-
v a t or e S. Nigro.
próprio ditame, e o que persuade a reta razão, mas somente segundo o gosto, o desejo, a inreli-

.iérn "Cara ter dos gência, e o capricho alheio" .


res" in Códice 43
65. Baltasar Gracián, Oráculo A1al1ltal)' Arte de Prudencia in Obras Completas. Madrid, Aguilar,

orre, cornurnenre 1960, p. 209.

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