Você está na página 1de 18

;.;~:~~",.

~
~
i

15
r r ci r a

CONSTRUINDO A ESCOLARIZACÃO >


política no
EM SÃO PAULO 0820-]840)'

1ARIA LÚCIA SPEDO HILSDORF

Ao analisar a produção de pesquisa apresentada em uma das últimas gran-


des reuniões da área da História da Educação Brasileira, Claudia Alves pôde afir-
mar que nossos historiadores vêm, nestes últimos anos, trabalhando o século XIX
a partir de novos eixos ternáricos de investigação: o elas práticas cducativas, o
das culturas escolares e o ela profissão docente. Vêm ainda utilizando novas e
variadas fontes, documentos oficiais, inst itucionais e privados convivendo com
depoimentos orais c a imprensa periódica, sugerindo uma intensa "atividade de
remodelação da memória sebre a educação [... ] muitas vezes acompanhada ele
uma reflexão sobre o próprio processo de produção da fonte", c ainda, fazendo
"urn movimento de busca yue recua no tempo", mais especificamente, da nossa
década de 1920 ao passado mais remoto, anterior ao século XIX I.
Sua avaliação é correta. Atentos e sensibilizados ao delineamento desses
novos parârnerros, os pesquisadores da História da Educação Brasileira estão
pondo em circulação trabalhos que procuram compreender como a escola foi

ao longo do Império e primeiros anos da República, constituindo sua representação


de local especificamente destinado ao cuidado da infância (e adolescência), afastando-se,
paulatinamente, de outras instituições como a Igreja e a família. De que maneira construiu
um próprio do tempo escolar que acabou por impor-se à sociedade, ditando novos tem-
pos sociais. Como produziu formas e culturas escolares que distinguem as normas e faze-

Abreviações utilizadas neste artigo: Arquivo do Estado de São Paulo - AESP, Revista de Histó-
ria - RH, Manuscriw(s) - :\"1 (i\-1).
1. Clá udia C. Alves, "Os Resumos das Cornunicaçóes e as Possibilidades Esboçadas no 11Congres-
so Luso-Brasileiro de História da Educação", em D. Carani e C. P. de Sousa (orgs.), Práticas
Educativas, Culturas Escolares, Profissão Docente, 1998, pp. 195-202 .

• --~..
106 I Í\ I\L\RCFl\l DOS soo :\NOS

rcs da escola dos praticados em outros lugares sociais. Como elaborou um esp;l~'O c:;coh( séries ou lc
distinto de outros espaços sociais e identificável rapidamente por sua arquitetura singular. latas ele ai,
De que maneira conformou seu corpo profissional, criando maneiras próprias de sua for- pesquisadc
maçJU, através do surgimcnto e proliferação das escolas normais, e permitindo ~l cluhora autoridade
ção c consolidação de saberes pedagógicos e escolares, resultado de apropriações particu-
ca é meran
lares dos saberes soc iais".
ria de uma
nem evider
530 problemáticas que inscrevem o Império brasileiro no âmago do século
ção e da E
XIX, olhado como o tempo da escola, um tempo de presença, cheio e positivo, e
çõcs e os p
que enfrentam diretamente a produção de Fernando de Azevedo, a qual, articula-
mente irnl»
da em torno do princípio da existência de um sistema cenrr alizado e ernbasada
Se o que S(
em inforrnaçôes oficiais, definiu aquele período, há mais de cinqüenta anos, como
significativ
um tempo histórico de negatividade, de ausência, um tempo "fraco", por oposi-
va de um t(
ção ao tempo republicano" forre". A visão azevediana sustentou a construção de
mental gua
uma História da Educação que diz que o processo de escolar izaçâo da sociedade
e o não-go
brasileira data da proclamação da República, tendo alcançado a sua a crné pela
práticas de
ação dos pioneiros da Escola Nova, e que, durante o Império, as instâncias de
pela hístórí
poder central e provincial não tinham uma política de educação e ensino, que não
arco ele ten
houve crescimento das oportunidades educacionais, que não houve mudanças nas
de uma his
condições de trabalho do professorado, que a escola 1130 estava presente, que as
cio-educaci
mulheres eram educadas em casa etc.
ensino, eles
Este texto percorre um outro caminho, dispondo-se a introduzir à discussão
as múltipla
ternas da História da Educação paulista do começo do século XIX ligados à
c resignifi
reconst ituiçâo, mediante registros escritos, de uma sociedade ainda oraliz.ada, de
paulista da
reb(;õcs face to face, que foi envolvida em um movimento lento, conflituoso, mas
por outra,
renracular e inexorável, de subsrituiçâo das diversas formas de educação até en-
de fazer UlJ
tão praticadas, pela formação escolar, em meio ao encontro de clllturas~ de gêne-
H1S c de classes. Reunic selecionei como fonte a documentação da série Ofícios
Umab
Diversos da Capital cio Arquivo cio Estado de São Paulo (AESP). Ao cris in ar que
escolar na 1
"o interesse da memória coletiva e ela história já não se cristaliza exclusivamen-
que aqui ta
te sobre os grandes homens, os
acontecimentos, a história que :1VJIlça depressa,
de liberal, j-
a história política, diplomática, militar: interessa-se por todos os homens", Le
nal, pelo la,
Gofí solicitou de nós, historiadores da educação, a prática de colocar em primei-
to plano o documento "que conserva para a memória, todos os homens":'. Nessa
dm~çào, as grandes séries documentais textuais geradas pelo acervo de manus- 4. Arlctte Fa
critos do AESP foram objeto de minha atenção. Abrangendo documentação elos informaci
hechos. S(
séculos XVIII, XIX e XX, esse acervo compõe-se de um material bastante varia-
singular c
do .- do tipo documentos avulsos, agrupados, e livros ou cóc!ices - reunido em sor prende
mento, el
monriculo
específico:
2. D. G. Vidal e M. C. C. C. ele Souza (orgs.), A Memória e a Sombra: A Escola Brasileira entre o objetivo'"
Império e a República, 1999, pp. 7 e 8. 5. J. - P. Eastir
3. ]. Le Goff, "Documento/Monumento", em Enciclopédia Final/di, 1, 1984, p. 99. giosas Act
CU)iSTRUJNDO A ESCOLAJUZ:\çAO F1\1 S..\O PAULO (11:i20·1840) 187

co escolar séries ou lotes ternáricos c/ou cronológicos, e acondicionado em cerca de dez mil.
a sing\llar. latas ele alumínio e oito mil volumes encadernados, inteiramente acessíveis ao
.lc sua for- pesquisador. A origem dessa documentação é 3 ação político-administrativa elas
:1 ehbora- autoridades governamentais desde o período colonial, mJS o conteúdo dela nun-
cs paHIQJ- ca é meramente burocrático. Convenientemente interr ogada - eis que depositá-
r ia de uma linguagem que precisa ser decifrada, porque não tem sentido unívoco
nem evidente" - ela se revelou insubsrituível para a escrita da História da Educa-
do século ção c da Escolarização paulista no século XIX: aí estão os agentes, as institui-
.ositivo, C ções c os processos de forrnaçâoe ensino, apanhados no seu cotidiano estreita-
.urticula- mente imbricado no tecido sociocultural da época e falando suas próprias vozes.
:mbasada Se o que se tem em mente é construir não os momenros exponenciais ou mais
10S, como
significativos de um processo, mas uma interpretação abrangente e compreensi-
oor OpOS1- va de um tema ou período histórico a partir da visão dos sujeitos, a massa docu-
.rruçâo de mental guardada pelo AESP permite não só conhecer o discurso eclucativo oficial
sociedade e o não-governamental, como ainda a rede escolar, os atores, os conteúdos, as
acmé pela práticas do ensino, e o cotidiano escolar, oferecendo os [aits diuers reclamados
tâncias de pela história mais recente, porque dizem respeito a todos os homens em um largo
0, que não arco de tempo. Operando um movimento de leitura desse acervo na perspectiva
:lanças nas de uma história concreta do cotidiano material e das relações pedagógicas e só-
vtc, que 3S cio-educacionais, foi possível flagrar instituições e profissionais de educação c
ensino, desconhecidos ou dcsconsiderados pela literatura azevcdiana, recuperar
:discussão as múltiplas práticas sociais, educacionais e pedagógicas que enchem esses anos,
à
ligados e rc-significar o que era o escolar e o não-escolar na História da Educaçào
alizada , de paulista da primeira metade do século XIX. Mais do que substituir lima visão
[\10S0, mas por outra, trata-se de oferecer uma nova perspectiva, de somar rcconstituicôes,
ção até en- de fazer uma história da educação em seu plural.
15, de gênc-
r ic OfícIOS Uma boa hipótese para começar a examinar a presença do educacional e/ou
-nsinnr que escolar na província de São Paulo, na primeira metade do século XIX, é pensar
lllsivamen- Cllle aqui também o tcmpo ao redor da Independência foi o tempo da rnodernida-
;:;.depressa, de liberal, rnarcada pelo critério absoluto da lei, pelo anricarolicismo tradicio-
mlens", Le nal, pelo laissez-faire econômico e pela educação popular>, e encarar o educativo
em pnmel-
I1S"3. Nessa
. de manus- 4. Arlettc Farge, La Atracción dei Archivo, Valência, 1991, em especial pp. 70,71 e 78: "[ ...) Ias
inforrnacioncs obrenidas son mucho más que claros que permitem al historiador acumular
ntação dos
hechos. Son trozos de ética [...] una moral, una estética, un estilo, 10 imaginario y cl vinculo
ante varia- singular que urre [cada ser) a sua cornunidad [...]. Las palabras rrazarn figuras íntimas r
'eunido em sorprendem Ias mil y una [orrnas de Ia cornunicnción de cada uno com cl mundo"; "El docu-
mento, el texto o el archivo no son Ia prueba definitiva de una vcrdad cua lquier a, sino el
monrículo ineiudible cuyo sentido se ricne que construir después a través de cuestionarnienros
específicos, y el historiador sabe bien que 'Ia validez de! conocimienro depende de Ia validcz de!
.sileira entre O
cbietivc'". -
5. J.-P. Basrin, Protestantismos y Modernidad l atinoamericana: Histeria de unas Minorias Reli-
giosas Activas en ,\mérica Latina, 1994, p. 68.

----------<'>-------------------------------------
c () escolar como práticas d~1mentalidade ilustrada c liberal, de fundo racional el e sugerir ar
uu religioso. Ao que parece, esta mos ainda começando a conhecer os traços men- ele que "se
tais dos nossos ilustrados e liberais ao redor das décadas ele 1820 e 1830, para várias aul:
além do período pornba lino , mas alguns deles já podem ser apontados com públicos a
Falcon", que estudou a face pragmática do iluminismo: tolerância, hurnaniraris- res, o enSIJ
mo, filantropia e benemerência para com os pobres, doentes e infelizes, resulran- cursos par
cio em um movimento racionahsra em direção às massas com duas car acter ísti- por lei da,
CaS - ser uma responsabilidade pública, em vez de atribuição exclusiva das ros, prrrne
Igrejas, e ser ativo, no sentido de ir ao encontro dos pobres e infelizes para assis- São Paulo,
ti-Ias e educá-Ios. Lembra ainda esse autor que o lado oculto dessas iniciativas gos de órf
ditadas pelo sentimento filantrópico consciente é, desde os trabalhos pioneiros de mou o hos
Fo uca ult , seu objetivo de controle, ordem, disciplina e formação do trabalhador mos o pol
- mas não vamos enfarixá-!o aqui. religioso: I
Nesse sentido, as lideranças paulistas podem ser colocadas lado a lado com cledor, o c
O'Higgins, Bolívar, San Martin, Rocafuerre e Rivadávia, nomes associados à in- portas cio.
serção das amigas colônias da América Latina de língua espanhola na moderni- Ias pela ve
dade liberal, os quais, claramente movidos pela idéia de uma educação formal ríodo, os l:
universal, fizeram, quando nos governos locais, uma primeira tentativa de orga- surreição
nização de um sistema de educação popular público, nacional e moderno". Essa acervo ant
iniciativa era complementar ao tipo de governo e de economia descrito pelos au- derna que
rores do liberalismo inglês (Bentharn, Ricardo, Stuarr Mill c J. B. Say), e esteve ção, esse é
! i:bcioJlaJa ii. pr opagaçào do protestantismo liberal, missionário e filantrópico, reforma p'
di(usor da literatura bíblica e das escolas mútuas. No caso da província de São rega lista,
Paulo, :.1 hierarquia eclesiástica exibia, nesses anos, a mesma mentalidade liberal ulrramont
d;; fundo ilustrado e regalisra que dominava a adrninisrração pública, compondo comparíve
um "clero ilurnin ist a "! que linha no horizonte não apenas o envolvirncnro com não vivian
movimentos de assistência, educação e ensino, mas uma ética janscnisra, varn a cult
,iho!I~la, e a idéia de constituição de uma igreja regalisra e nacional (Feijó). A dade, era 1
c x pcctativa de que a mcdcrnidadc se fizesse pela Igreja católica tornava desne- os mestres
cz·:ss;'íria a a ltern a riva do protestantismo". "curso" d
Eis, enr io, os nossos liherais e iiustr adosçcivis e eclesiásticos, com suas prá- vulgado o
ricas humanitárias e filantrópicas, objetivando a organização de serviços públi- Lucas
U.'~; dirccionados ao (e simultaneamente controladores do) povo no campo da as- morte de :
:i!sttncia, da educação e do ensino escolar: blioteca ~
Membro do Conselho da Presidência da Província na década de 1820, Rafael
Tobias de Aguiar posicioriou-se como um ilustrado ao encaminhar reivindicações

6. F.]. C Falr on, O Iluminismo, 1989, pp. 65-78. 10. Iv!. L. S.


7. J.-P. B3Stiall (org.), Protestantes, Liberais y Francmasorzcs: Sociedades de ldeas y Modernidad CIl Paulo: U
América Latina, Sigla XIX, 1990. Bibliorcc
8. A. \Vcrncr, A Igrcja Paulista no Século XIX, 1987, pp. 46 e 81. Essas expressões compõem uma Bibliotec
alternativa sugestiva freme àquelas mais difundidas de "espir irualisras ecléricos" e "liberais ro- que aceit
mânticos" . defenda
9. O conrrár io ocorrerá com o liberalismo dos anos de 1870 c 1880. própria
c:m'..'STRUll'.'OO'; FSCOL\RIZ:\Ç,\O [1.,1 sAO PAULO (IX20-1S40) I IS9

cioual e/ e sugerir ações no campo da-cultura c da educação: é com o argumento ilurninista


;05 111<:11- de que "sem luzes os povos jamais serão felizes" que ele irá propor a criação ele
")0, para várias aulas de primeiras letras e de gramática latina, a implantação de exames
ias com públicos ao final do ano letivo, J adoção do ensino mútuo nas escolas elementa-
anitaris- res, o ensino simultâneo da língua francesa pelos professores de latim, mais re-
esultan- cursos p::na a instrução pública, e a instalação imediata da universidade criada
rctcr isri- por lei da Assembléia Constituinte e Legislariva de 1823. Lucas Monteiro de Bar-
siva das ros, primeiro presidente da província, tentou a instalação da universidade em
.ra aSS1S- São Paulo, criou além da biblioteca pública para os seus futuros estudantes, abri-
rciatrvas gos de órfãos, um Jardim Botânico, e a Casa de Correção e Trabalhos, e refor-
icir os ele mou O hospital com sua Roda de Expostos e o Lazareto. Na sua figura reconhece-
»alhador mos o político ilustrado, prático, organizador e administrador, racionalista c
religioso: não é por acaso que seus biógrafos ressaltam, além do ânimo empreen-
ado com dedor, o caráter humanitário desse homem público que, aos sábados, abria as
dos à in- portas cio palácio governamental 30S pobres, para dar-Ihes mantimentos e esmo-
uoclerni- Ias pela verba dos socorros públicos. Praticando o catolicismo iluminista do pe-
o formal ríodo, os bispos de São Pa ulo, entre os anos de 1774 e 1824, frei Manuel da Res-
de orga- surreiçâ o e Mareus de Abreu Pereira, reuniram na biblioteca do bispado um
no". Essa acervo anriescolástico e antijesuítico, com obras representativas da cultura mo-
pelos au- derna que disponibilizaram para a formação do clero paulista. Antes que exce-
, c c:;tcve ç.io, esse é o padrão das bibliotecas do período, constituídas sob a influência da
rrrópico, reforma pombalina ilustrada: se () lndex romano proibia os livros de inspiração
a de São r cgalist a , a Real Mesa Ccns ór ia pombalina proibia a circulação de livros
le liberal ulrrarnom anos. Sendo o regime de internato, seguido nos colégios jesuítas, in-
mpondo compatível com as práticas de urna Igreja ilustrada, pois os padres ilustrados
.nro com não viviam recolhidos, afastados cio ambiente social, mas assimilavam e pratica-
.iscnisra, vam a cultura e a ciência como outros intelectuais e letrados da época, em socie-
Fcijó). A dade, era usual também que, no bispado de São Paulo os clérigos estudassem com
/3 desne- os mestres régios, lias aulas dos conventos da cidade e junto às bibliotecas: no
"curso" de filosofia oferecido pelos franciscanos, de 1804 a 1818, teria sido di-
suas prá- vulgado o k antisrno, além dos autores do I1uminismo português!",
I)S públi- Lucas Monteiro de Barros arrematou a biblioteca do bispado por ocasião da
1)0 ela aS- morte de D. Mateus, anexou-a à "livraria" dos franciscanos para formar a Bi-
"

blioteca Nacional, isto é, pública, da vila, e a constituiu, em 1828, núcleo inicial


0, Rafac]
.dicações

10. )\..1. L. S, Hilsdorf Barb.mri, "Escolas Americanas de Confissão Protestante na Província de São
lemidad en Paulo: Um Estudo de suas Origens", 1977, pp. 7 c 8; M. Ellis, "Documentos sobre a Primeira
Biblioteca Pública Oficial de São Paulo", 1957, n. 30, pp. 387-447; R. B. de Mor aes, Livros e
ipócm UIT!3
Bibliotecas no Brasil Colonial, 1979; Wernet, op, cit., pp. 84 c 32-37. Wcrncr apresenta autores
li bcrais r o- que aceitam a discussâo do cri ti cismo no curso dos franciscanos, embora Laerre R. de Carvalho
defenda que não, inclusive porque é difícil [a la r na presença do kanrismo, ames de 1817, na
própria França (Fcijó e o Kantismo ; 1952).

______ .ct
•.•.• -:- · _.
-
I~O I A I\L\RCE:-'I DOS -'00 i\NOS

(1:1 bibliorcca da Academia ele Direito. Os rclnrór ios c ofícios do AESP que tratam consritucior
dessa biblioteca constroem e confirmam a versão da aproximação entre cultura tares de São
religiosa e cultura leiga ilurninista e liberal, na esfera erudita, possibilitando que i\ adesã
os textos depositados nas bibliotecas da 19reja, par;l formar padres, pudessem bérn dos ho
• formar juristas, arnbos , padres e juristas, com trânsito nas instituições da Igreja disringuido:
e do Esrado". Mas mostram também que 3S idéias de modemizaçào liberal eram e socioprofi
partilhadas por círculos mais amplos da sociedade paulista do que os do governo também a 3
e da hierarquia eclesiástica: entre os "t ornador es de livros" estavam ouvidores, Os ofícios t
boticários, padres, vigários e cônegos, tenentes, ajudantes, coronéis, c aré escr a- vados no Al
"OSI2, indicando a existência, em São Paulo, de uma camada social interrnediá- de assegura;
"ia, certamente pequena, mas muito diversificada , entre os escravos e aqueles ranria a scg\
que tinham terras e dinheiro, e desenhando a figura do letrado paulista, cuja base c possuidor
de poder e prestígio era o domínio de um mesmo universo erudito, pelas leituras pressócs do
e as trocas de referências, mais do que pela escola. professor d[
Mas também pela escola, sim: atentos às reivindicações elo pensamento polí- acolhe outr-
tico-pedagógico ilurninista c liberal c sensibilizados com as experiências que ele bancos da ;:
promoveu em diversos países, seria quase impossível que esses paulisras liberais escola de Sa
ilusrrad os não encampassem a proposta de expansão do ensino elementar pela no prédio ar
;ldoção do "sistema escolar-de ensino mútuo". O ensino mútuo era proposto, nes- a reivindica,
se início do século XIX, como a forma ideal em face à família e à Igreja tradicio- Mas é ir
nal ou popular, de atendimento 3$ seculares reivindicaçôes de uma educação mais dos inícios d
cooperativa, ativa c humana, respeitadora da natureza da criança, e simnlranea- um passado.
mente, de formação de amplos contigcntcs populares para a vida produtiva con- anacrônico,
temporânea, disciplinada e r aciona liz ada ':'. Por roda a parte, a opinião liberal foi formação pe
solidária a esse sistema, vendo nele "a mais fiel imagem de uma monarquia cons- ensino mútu
riruciona!"!", pois o princípio elo ensino mútuo era que todos os alunos estivessem mente separ
submetidos às mesmas regras e qualquer um deles pudesse progredir pelo mérito escanção do
individual. Ao longo dós anos ele 1820, e inícios dos ele 1830, os nossos liberais seu saber-fá:
çõcs inadeqi
lações face t
con vivência
11. O caso exemplar é José Antonio dos Reis, um dos inúmeros padres ilustrados que, freqüentando
:J Academia nos a nos de 1820 e 1830, fo.ram :1 pr oveita dos crn funções públicas, adrninist r ativas lar, entre prá
c eclesiásticas: além de encarregado da biblioteca, ele Ioi deputado, juiz de paz, bispo. de Cuiab.i, quanto a soe
(' membro da segunda lcgislarura do. Conselho Geral (que administrava a província, antes de
cr ia r-sc a presidência La o lado de Raíael Tobias de Aguiar, Paula Souza, Costa Carvalho, Arnaral
Mas ten
Gurgel e Diogo Fcijó. Ver levantamento realizado por \,\iernct, op. cit., pp. 62 e 78.
vas da me nt.
12. "Ofícios c Anexos", s/d, ordem 864-69-1-66; "Ofício", 1".1.1826, ordem %5-70·1-25.
AESP.
do Seminári:
MM.
13. M. L. S. Hilsdorf, "O Ensino Mútuo na Província de Sâo Paulo: Primeiros Apontamentos", em
M. H. Bastos c Luciano M. de Faria Filho (or gs.), O Ensino Monitoriaíttvtút)«), 1999.
14. Na França, em 1816, o Bolletin de Ia Sociét c pau r l'inst r u ct ion élémentaire proclamava que
"La reglc, cornmc Ia loi, s' y érend à t out I...]; l'insriturcur y représenrc lc rnonarque. La rna sse 15. A. Nóvoa j
sistema esc,
eles eleves ases droires ainsi que Ia narion. lls som tous égaux entre eux I...] et tOUS pcuvcnr
inccssammcnt parvenir par le rnérir, et seulcmcnr par lc mérir ", apud Y. Gaulupeau, La France à profissiona
l'éco!e, 1992, p. 70. Histórico d
(()!\STJWINDO A ESCOL\I(!Z,\Ç,\O EM S.-\O P..\ULO I J 82018'-10) I 191

re r r a r arn constitucionais também recomendaram o ensino mútuo para as escolas elemen-


e eu ltura tares ele SJO Paulo.
mdo que A adesão ao ensino mútuo I1JO foi, porém, apenas das lideranças. Veio tam-
.udcsscrn bém dos homens comuns, não a massa popular, mas os professores públicos,
da Igreja distinguidos como funcionários do Estado": Eles apr cscntam um perfil pessoal-··
Tal eram c socioprofissiorial que combina o desejo de proteção e a aceitação da lei, mas
governo também a atitude de benemerência para com os outros e o prestígio pessoal.
.ividores, Os ofícios trocados entre eles e as autoridades públicas da província, conser-
.ré escr a- vados no" AESP, mostram que eles executam as ações das lideranças no sentido
errnecliá- de assegurar a escolarização segundo o modelo de ensino mútuo, que lhes ga-
~ aqueles rantia a segurança da lei e a proteção do Estado, mas s50 ativos, reivindicativos
cuja base e possuidores de merodolcgias definidas, atuando como mediadores entre as
s leituras pressões do público (o governo provincial) e do privado (os pais, os alunos). O
professor do Seminário de Educandos de Santana ensina aos alunos da casa e
-nto poli- acolhe outros meninos das vizinhanças: para acomodar a rodos e ampliar os
is que ele bancos da aula, propõe a derrubada de uma parede da sala. O professor ela
sliberais escola de Santa Ifigênia n50 espera que venham consertar o telhado: descobre
mar pela no prédio ao lado uma sala melhor, seca, com latrina, e em nome dos pais leva
osro, ncs- a reivindicuçâo para as autoridades.
tr ad icio- Mas é importante perceber que, se essa figura de professor de primeiras letras
.çâc mais dos inícios do século X1X n50 é aquela COI11Ul11enterepresentada no imaginário de
e ulranea- um passado secular, indilercnciado e uniforme, referido como "o X1XJo lrnpério ">
lUV;l con- anacrônico, incapaz, desligado de toda a realidade social, mal-remunerado, sem
liberal foi formação pedagógica, desassisrido, rotineiro e conservador -, é porque a escola de
'1113 coris- ensino mútuo nào é, de fato, uma escola: n.i o é obrigatória, não está ainda inteira-
stivessem mente sepa rnda do mundo, e ainda que seja marcada por urna rígida c particular
10 mérito escanç.io do seu tempo-espaço, permite e solicita do professor a sua iniciativa c o
is liberais seu saber-fazer prático na resolução de problemas de falta de material e instala-
ções inadequadas, e entre os alunos, práticas de educação c ensino por troca c re-
lações face to [ace, bem próximas do padrão oraliz.ado da sociedade paulista. A
~qücnrando
convivência entre homens comuns e eruditos, entre cultura letrada c cultura popu-
i·lnis.tr~tlv3s lar, entre práticas de socialização e práticas de escolarização marca a escola tanto
,de Cuiabá, quanto a sociedade de São Paulo, nessas primeiras décadas oirocentistas.
ia, antes de
.ho, Arnaral
Mas temos uma outra oportunidade de acompanhar essas primeiras tentati-
vas da mentalidade liberal de valorizar e experimentar O modelo escolar: ela vem
1·25. AESP.
do Semin3rio de Educandas, cuja documentação conservada no AESP possibilitou
.entos" ~em
'99.
la m ava que
e. La rnasse 15. A. Nóvoa já mostrou que são processos concornuantcs às iniciativas de estabelecimento ele um
)\..1$ peu\'C'llt
<;i<;tem;1escolar sob responsabilidade do Estado e a profissiona lizaçâo docente, de modo que ser
La Frema à profissional especializado resultava em ser funcionário público. Ver "Para UIll Estudo Sócio-
Histórico da Gênese e Desenvolvimento da Pr ofissâ o Docente", 1991, J1. 4, pp. 117 e 118.
í 'i2 ,\ l\lr\RGEl\1 DOS 500 i\NOS

recuperar o cotidiano dessa instituição nos seus primeiros tempos c apresentá-Ia ter agrava de
éurno um espaço de for mação arruvessado pelas expectativas conflitantcs que o adrninisrraç
público (Estado c hierarquia eclesiástica iluminist a ) c o privado (família e reli- descaso das
giosidade popular) tinham acerca dJS mulheres e da sua educação. ca ico da soc
Os Seminários de Educandos de Sâo Paulo, um para cada sexo, fOf3Jl1 cria- e carências.
dos em meados de J 825, para abrigo e formação de crianças pobres, órfãs de pois tinha v
militares que tinham servido à pátria JUS guerras da Independência e morrido na Chácara da
indigência; posteriormente, em 1845, a legislação foi alterada para legalizar 3 os bairros d
présença, que já acontecia de faro, de expostos na Roda da Santa Casa. Seus tas que Iorn
'lrganizadorcs cuidaram para que essas instituições não se transformassem em um feitor pa
conventos e abrigassem congreg~lções religiosas - como talvez fosse o desejo do também um
catolicismo p opuíar" - e determinaram nos estatutos que as crianças a brigadas do a cargo
"tomassem estado" pejo casa rnen to e pela viela profiss ional. A mentalidade li be- governo dav
ral e ilustrada tentou evitar que se repetisse a situação ele outras instituições de também qUt
assistência e guarda - como a Casa de Educandas de ltu, a qual, embora se apre- rnenro das I
sentasse como um educandário, estava de fato organizada como um "convenri- Borges rr an:
ves de Anelr
ilho")7 - e os organizadores procuraram impor seu controle por meio de medidas
'jue Ihes reservavam a escolha do diretor e dos mestres de primeiras letras e irn- do bem púb
pediam a permanência das-crianças que atingissem a idade de dezoito anos. da minha pc
f\s meninas vinham para o "Seminár io " mediante requerimento dos respon- ainda que o
sáveis ao presidente da província, que consultava a direção da casa para saber se disso, o Clp
.::; condições de indigência eram procedentes, c se havia lugar. Muitas vezes, ape- canos livres
5;11 da negativa, o presidente dava a autorização, elevando o número das crian- própria da '
':.yô. abrigadas1S Nii o sabemos qual o critério que filtrava essas escolhas. O que como fazer
·.w evidencia na documentação consultada são os movimentos de amparo e prote- havia escra-
(;jo das altas auroridades- e ele negação, dos administradores mais diretos. Para Mas os
(l presidente da província, que dava a palavra final, os estabelecimentos eram muitos, o d
ohr;l ela caridade raciorralista: nessa perspectiva, sua ação devia ser permanente- casa. As per
mente protetora; j;1 os diretores c síndicos estavam envolvidos com a sobrevivên- recusava a
cia cotidiana da instituição. Além disso, eleve ser destacada a permeabilidade do Espínola rec
governo à influência dos familiares e respo nsaveis, muitos dos quais partilhavam em outra OC
com ele a mesma condição social.
Vive-se na Casa de meninas no limiar da miséria: os documentos falam de
20. "Ofícios",
escassez, sujeira, abandono e isolamento; nisso, ela não se diferenciava de outras 26.1.1829
mstiruiçóes de abrigo e educação do periodo!". A tensão expansãolrestrição pode 21. "Ofício",
Experiênc.
inicialmcn
16. L. M. Algrami, Honradas e Devotas; !v1ulhercsl1a Colônia, 1993, em especial pp. 7J e 79. 22. "Ofícios",
17. O Recolhimento dos Mercês, de Itu, começara com vinte cducandas, mas logo passou a a brigar 885-90-1-
apenas sere meninas e um número maior de mulheres idosas. 28.5.1827
lS. CL "Ofícios", 25.11.1829, ordem 866-71-3-65 e "Ofícios", 17.10.1844, ordem 886-91-2-sl 7; 30.12.1
n, i\F.SP. l'vlM. vos pela p

19. Para a Ro-da de Expostos, ver M. 1'11. Leite, "O 6bvio e o Contraditório ela Roda", em M. Dei
em 1328,(
Priore (org.), HIstória da Criança /1O Brasil, 1998, pp. 98-112. 1991, p. 6
CONSTRUI>lDO .\ ESCOUIUZ:\Ç"\() [J\1 S,\O l':\Ul.O (j 820-18·10) I 193

esen tá -I a ter agravado essas condições, mas é clifí_cildizer se essa situação decorria de uma
.res que o administração local incompetente e/ou corrupta, e se la lrnvam verbas e havia
lia e reli- descaso elas autoridades públicas, ou se era o próprio padrão de vida rural e ar-
caico da sociedade paulista que se impunha no cotidiano insrirucional de pobreza
rarn erra- e carências. Ao que parece, o Seminário não era uma instituição" improdutiva",
órfâs de pois tinha várias fontes de rendimento. Entre 1825 e 'l 833, esteve instalado na
orrido na Chácara da Glória, uma grande extensão de terra situada fora da cidade, entre
:galizar a os bairros do Cambuci e do Ipiranga, com jardim, pomar, e muitos pastos e ma-
aS3. Seus
tas que forneciam lenha que podia ser vendida na cidade. Chegou-se a contratar
rssern em um feitor para "fiscalizar os pastos e seus rendimentos e os da plantação". Tinha
desejo do também um rancho, usado pelas tropas que buscavam o Caminho do Mar, deixa-
1 brigadas
do a cargo de uma mulher para "arrolar as tropas e guardar () produto"20 O
Jade libe- governo dava 600$000 réis anuais para a manutenção de doze órfãs; esperava-se
uições de também que os "bons paulistas" fiz.essem doações para formar o dote de casa-
a se apre- mento das meninas. Há vários registros dessas doações de particulares e \V R.
c onventi- Borges transcreve relato do bispo e vice-pr esidenre da província, M. J. Gonçal-
~medidas ves de Andrade que, em 1829, acudiu juntamente com "alguns cidadãos zelosos
tras e irn- do bem público" às necessidades de vestuário elas meninas, "fazendo eu também
anos. ela minha parte aquilo que era minha rigorosa obrigação como pasror '?'. Sabe-se
n~respon- ainda que o Seminário recebia parte do produto das loterias provinciais. Alem
a saber se disso, o capelão, o médico e os trabalhadores avulsos - escravos alugados e afr i-
ezes, ape- canos livres que trabalhavam nos pastos e na horta -- eram pagos com verba
.las cr ia n- própria da Fazenda Nacional. Para os serviços domésticos internos e externos,
as. O que como fazer compras na cidade, lavar e passar roupas, cozinhar e fazer sapatos,
o e prote- havia escravos da Naçâo":
~1os. Para Mas os administradores e sindicos reclamam sempre que os problemas são
;I/:OS eram muitos, o dinheiro é insuficiente, e não sabem como enfrentar as despesas da
»ianenrc- casa. As· pensionistas não pagav:lIl1 com regularidade e () fiel do almoxarifado se
brevivên- recusava a renovar os suprimentos: em março de 1827, o síndico Nicolau
lidade do Espínola reclama que tinha apenas duas velas por noite para o uso de 41 pessoas;
rr ilhavarn em outra ocasião, conta que, visto o almoxarife não querer lhe dar mais-sabão,

falam de
20. "Ofícios", 7/15/21.2.1826, ordem 865-70-1-19, 1913 e 19C; 13.2.1827, ordem 865-70-2-4;
de outras 26.1.1829; ordem 866-71-2-32. AESP. MM.
i.;ão pode 21. "Ofício", 24.12.1829, ordem 866-71-3-84. W. R. Bares, A Proiissionalizaçào Feminina: Uma
Experiência de Ensino Público, 1980. AESP. M. Borges, op. cit., p. 43. O dote foi estipulado
inicialmente em 200$000 réis. .
71 e 79. 22. "Ofícios", 3.2.1831, ordem 867-72-]-87; 9.2.1831, ordem 867-72-1-92; 16.7.J842, ordem
)U 3 3 brigar
885-90-1-7; 19.7, 28.9 e 9.10.1843, ordem 885-90-1-71); 13.2.1827, ordem 865-70-2-4;
28.5.1827, ordem 865-70-2-28,26.1.1829, ordem 866-71-2-32; 2.1.1844, ordem 885-90-1-
886-91-2-s/ 7; 30.12.1843, ordem 885-90-1-71). AESP. MM. Lembra M. L. Marcílio que a posse de escra-
vos pela população da província era bem resrr ita, aringindo apenas 24,6% em 1789 e 25,1%
em ]'v1. Dei em 1828, apud Carlos de A. P. Baccllar, "Família, Herança e Poder em São Paulo: 1765-1855",
1991, p. 61.

f-•••••••••••• ~~ ••----------------------------------------------------
194 I A l\L\RCEl\lDOS5C!OANOS

A rua que se a bre à frente seria a enviou-H»


futura Avenida São João. O volumo- dias, móv
so sobrado na rua à direita, em cima, relatórios
abrigava a essa época o Hospital 1\111- os reparo:
lit ar e, posteriormente, () Serniriár io

taipa do c
das Educandas, que deu nome à Rua entrada e
do Seminário" sugestão (
de, no Ac
dores, e a
desocupa.
ta I(lgênú
ainda se f
de água d
"sala de (
uma gran
das a dor
Para
nário ven
Quando;
mais de a
rnado par
que o pre:
r espectivr
ciantes ne
ços dos rr
casa de "(
na banda
i:- isso não I
, ~_c .. w; ~/'j~:;-
L: não só fa
/;:',J . trar as- de
trita: ent r
jão, banh
Ponte de Santa Ifigênia, em São Paulo. Aquarela de Debret (1827). porco, pe
de linhas
carvão, g
chocolate

23. "Ofício
6.3.182
24. "Ofício
867-72
MM.
Fonte: B. L ele Tolcdo. São Paulo: Três Cidades em um Século. 2. cel., Silo Paulo, Duas
25. "Ofício
Cidades, 1983, p. 35. 865-70
CONSTRUINDO A ESCOLARIZAÇAO E1\1 sAO PAULO (J 820-1840) I 19S

.te seria a enviou-lhe, em protesto, três balaios de roupas sujas para que as lavasse!": Pré-
volurno- dios, móveis, roupas e utensílios eram precários e decadentes. Fi nos primeiros
em c nua , relatórios de visita da comissão fiscalizadora da Câmara Municipal indicam-se
pita I l\1i- os reparos necessários: retelhamenro da casa, reparo dos muros, fechamento com
e m in.irto taipa do quintal ao lado da varanda e da cozinha, grades nas janelas, portões na
ne il Rua entrada e no quintal, "com fechaduras seguras". Em 1831, a comissão fez uma
sugestão que seria aproveitada posteriormente: mudar o Seminário para a cida-
de, no Acu, para o sobrado que abrigara o quartel do Sétimo Batalhão de Caça-
dores, e antes, o Hospital Militar, uma construção grande e segura, que estava
desocupada - e que conhecemos pela aquarela de Debret, de 1827, Ponte de San-
ta Ifigênia. Mas demoraram para fazer a mudança. Na visita de fins de 1833,
ainda se falava da precariedade das instalações da Chácara da Glória, dos canos
de água da cozinha e do tanque de roupas, arrebentados, da falta de bancos na
"sala de escrever", de modo que as meninas trabalhavam em pé, apoiadas em
uma grande mesa, e dos dormitórios muito pequenos, o que obrigava as educan-
das a dormirem aos pares na mesma carna".
Para além das condições materiais, uma explicação desse cotidiano do Semi-
nário venha talvez de que os diretores o administravam como coisa privada.
Quando assumiu seu cargo em fins de abril de 182S, o síndico Espínola passou
mais de-ano e meio sem prestar contas à província dos recursos recebidos. Cha-
mado para dar explicações, enviou uma relação tão genérica cios gastos detuados
que o presidente lhe perguntou como eram feitas as compras, já que não tinha os
respectivos recibos. Ele respondeu que nunca comprava mantimentos dos nego-
ciantes DO atacado" porque a cidade tem apenas armazéns que vendem pelos pre-
ços dos miúdos"; assim, quando recebia o dinheiro na Pagadoria levava para a
casa de "dois franceses honrados, conhecidos, que moram na entrada da cidade,
na banda do Carrno, Cjue me compravam as coisas que precisava". Mais do que
isso não pode "prestar contas, ocupação tão insignificante que muito bem pode
IÚO só fazer-me perder o juizo mas até a vida"! Mas, afinal, ele passou a regis-
trar as despesas diárias - c vê-se que a dieta praticada/anotada era bastante res-
trita: entre abril e setembro de 1827 comprou-se pão, farinha, arroz, açúcar, fei-
jão, banha, toucinho, sal, milho, vinagre, carne, galinhas e frangos, lombos de
porco, pernis e entrecôtos, além de sabão, velas, vinho para as missas, meadas
de linhas de coser, panos de algodão para sacas, enxofre para formigas, cestos de
carvão, gamelas de pau e louças de barro. Para os doentes, sim, algo especial:
chocolate, aletria, cevadinha, marmelada, rapioca": Referida à história do gos-

23. "Ofício", 7.41827, ordem 865-70-2-4; "Ofício", 1 .3.1827, ordem 865-70-2-16; "Ofício",
Q

6.3.1827, ordem 865-70-2-17. AESP. MM.


24. "Ofícios", 3.9.1829, ordem 866-71-3-18,7.12.1829, ordem 867-72-1-40,27.6.1831, ordem
867-72-2-34,5.9.] 831, ordem 867-72-?-55 e 55A, 28.101833, ordem 869-74-1-15. AESP.
MivL
aulo, Duas
25. "Ofícios e Anexos", 17/23.11.1826, ordem 865-70-1-77 c 77 A; "Ofício", 30.1.1827, ordem
865-70-2·4. AESP. MM .


1"6 A I\L\RCF.\1 DOSSOOANOS

i o "', :1 despensa do Serninár io revela-se tributária do século XVIII, em pelo me- secundário'
110" dois aspectos: na frugalidade da cozinha, pois o gosto ilurninisra considerava oriunda da
que comer em excesso não é de boa educação; e na presença do chá, do café e profissional
sobretudo do chocolate, líquidos cmblernáricos da mesa iluminista privada (quen- pode dizer (
• rcs, estão /l0 quarto de dormir, no quarto dos doentes; frios, nas festas públicas). na" -eleme
Será que a dieta anor éxica do Ilurninismo chegara à província ou era mesmo vida diferenças (
rude e po br ez a? das menina
Mas não só com referência à questão do gosto percebe-se a intrornissâo do cluir aguar
século XVIII. A idéia aqui é que os administradores dos anos de 1825 a 1845 não candas par;
igern como funcionários do governo, mostram-se resistentes àquela que é uma fessoras. Pa
das marcas do século XIX. mgressaran
O Semináflo das Educandas pode ter tido, como inspiração mais próxima, a Mas, nos ai
obra cio liberei! Bonaparte. Segundo R. Rogers ", ao reorganizar os serviços edu- mento femi
cacionais no período pós-revolucionário, Napoleão Bonaparte negligenciou a das tarefas
educação feminina pública, com exceção elas escolas que criou para as filhas dos nas centrav
seus oficiais perecidos em batalhas, com o objetivo de dar-lhes formação mora) costura e d,
para serem boas esposas e mães de família. O Seminário de São Paulo também Diferentem
foi uma iniciativa anterior ao estabelecimento das escolas elementares públicas Paulo, naqi
p3Cl mulheres, que dat arrr de 1827, e, como essas Escolas da Legião de Honra elementar-
francesas, também tinha em vista as órfãs dos militares mortos nas lutas pela Certan
posse das terras su linas. A clientela visada pelo Seminário elas Educandas é, cer- sejo institui
r.imente, o mundo militar da alta oficialidade: muitas das recolhidas têm pais ou tidade fem
r esponsáveis com parentes e inseridos na hierarquia". Podemos dizer com \V R. vida dorné.
P,orges19, que essa instituição conseguiu, assim, alguma abertura para a realida- lhcres devi
de social. É lima restrição compreensível se considerarmos - aproveitando uma apenas ele:
colocação de Peter Gay sobre outro liberal, Macaulay - que, afinal, Lucas do Seminá
Ivl ont eir o de Barros, seu principal criador, é um ilustrado, "um reformador libe- vida exerm
r,1i i!lfatig:1vel - um liberal, sim, mas, uma vez que a sua fé na multidão era fiar, coser
liTlúi,lda, não um demoCrélta")o. fizeram un
Mas as semelhanças terminam aí. Embora avalie a visão de Bonaparte sobre diretoras. (
a formação da "jovem virtuosa" como definitivamente retrógrada, pelo seu fun- e o que sal
damento religioso, Rogers destaca que essas escolas, mesmo quando dirigidas por Eliziária E~
congregações religiosas, passaram a oferecer "sérios estudos intelectuais de nível cutado. En
de e a ord.
engomar, I
26. P. Carnpor csi, Hedonismo e Exotismo: A Arte de Viver na Época das Luzes, 1996.
Oque
27. R. ROgCIs, "Rcconsidcring lhe Role of Rcligious Or dcrs in Modern Frcnch \V'omen's Educarion ", gilielade d.
em N. Sa lozar e A. Horron (orgs.), History, Education and Gender: lnternational Perspectives ;
J993, pp. 43-51.
28. "Ofícios e Anexos", 26/30.1.1827, ordem 865-70-2-4; "Invcnrár io " de 19.1.1830, ordem 867- 31. Borges, (
72.-1-7. "Ofícios e Anexos", 1".10.1830, ordem 867-72-1-13A; "Ofício", s/d, ordem 866-71- 32. M. Dei r
2-4/'. AESP. ~ll\L 33. Borges, (
29. \V'. R. Borges, OrJ. cito 34. "Ofícios
30. P. Gay, Lendo Freu d: Investigações e Entretenimentos, 1992, p. 170. MM.

---------------------_. __ ...
-
(()NSTR.UI~DO :\ ESCOL:\RIZM,::\O Ej\\ sAo PAULO (I ~20·1 840) I 197

~pelo me- secundário". Posteriorcrncnrc, quando a clientela se tornou pr edominanrernenre .


nsiclera va oriunda da baixa oficialidade - portanto, não burguesa - foi dada formação
do café e profissionalizantc para que as moças pudessem ganhar a vida: o mínimo que se
«ia (qucn- pode dizer dessa experiência é que ela fornecia uma "dupla escolarizaçâo femini-
públicas). na" - elementar profissionalizanre e secundár ia de altos estudos - subordinada às
esmo vida diferenças de classe. Aqui também, no decorrer do século XIX, a origem social
das meninas se deslocou para a baixa oficialidade e outros grupos sociais ao in-
.nissão do cluir a guarda das meninas da Roda, e apareceu uma proposta de dirigir as cdu-
1845 não caudas para a vicia ativa, pr irneir ocomo criadas domésticas e, depois, como pro-
jue e uma fessoras. Para os :1I10S de 1852 a 1870, \V R. Borges localizou 46 educandas que
ingressaram no !l13gistério profissional 0\1 a ele estavam sendo encaminhadas'].
.róxirna, a Mas, nos anos ele 1 ó25 a 11:;45, por conta d as diferenças de gênero, o esta beleci-
viços edu- Jl1elHOfeminino era administrado por uma família que se encarregava também
genciou a das tarefas educacionais e pedagógicas, e a escolarização praticada pelas meni-
filhas dos nas centr a va -se no a prendizado da leitura - muito mais do que da escrita -, da
ção moral costura e dos bordados, ao que tudo indica de acordo com O método individual.
o também Diferentemenre do caso francês, a formação das educandas do Seminário de São
\; públicas Paulo, naqueles anos, não atingiu sequer o nível e a forma de uma escolarização
de HOIH3 elernen ta r.
lutas pela Certamente os seus criadores esperavam mais do Seminário. Segundo o "de-
das é, cer- sejo institucional ", observado por Dei Pr ior e" no fim do período colonial, a idcn-
:m pais ou ridade feminina para "senhoras de uma sexualidade reprimida e prisioneiras da
com \'</. R. vida doméstica" fazia-se a partir da maternidade e dos lavares feminis. As mu-
a real ida- lheres deviam, então, tornar-se esposas e mães pela educação e instrução, e não
ando uma apenas eles colocaram explicitamente nos Estatutos essas funções instrucionais
in], l.ucas cio Seminário, ao dizer qlle a diretora deveria ser "pessoa temente 3 Deus, de
iador libe- vida exemplar, com os conhecimentos necessários para ensinar a ler, escrever e
.ltidão era fiar, coser e tudo o mais llue deve saber uma perfeita mãe de família"33, como
fizeram uma recorrente pressão para que fossem elas cumpridas pelas regentes e
»irtc sobre diretoras. Os relatórios enviados por estas à administração, arrolando quais eram
!o seu fun- e o que sabiam 3S educandas - seus "saberes e aprenderes", como diz a diretora
.igidas por Eliziária Espínola -, mostram, no entanto, que o acordado não estava sendo exe-
ris de nível curado. Entre 1826 c 1827, por exemplo, as meninas aprenderam, segundo a ida-
de e a ordem de dificuldade das atividades, "a ler, a costurar, a amarrar pussá,
engomar, bordar, fazer flores e crivo, e cardar e fiar algodão"34.
O que é visto como "miséria cotidiana", "recusa em ser funcionário", e "fra-
Educarion ". gilidade do ensino" talvez possa ser re-visto como manifestações de uma socie-
feT5peClives,

ordem 867- 31. Borges, op. cit., p. 67.


.lern 866-71· 32. M. De! Pr iore , Ao Sul do Corpo, 1993, pp. 334-335.
33. Borges, 0V cit., p. 143.
34. "Ofícios e Anexos", 30.1 1827, ordem 865-70-2-4; 30.6.1828, ordem 866·71·2-47. AESP.
1'1'11\1 .


I~R I .\ \l:\ltCE\! DOS 500 A;-';OS

dade oral, ligadas:1o componente religioso e ascético da devoção beata e popu- recebiam pe
Lu, reprimido pelo governo ilustrado e pelo clero ilum in ista (c rcgalisra de inspi- mente imer s
ração jansen istu), mas infiltr ado no cotidiano da casa. Segundo Dei Pr ior e", nas mente o ofíc
primeiras décadas do século X1X ainda havia em Sâ o Paulo muitas devotas 10, j,í. no iníc
.dedicadas à prática religiosa, que viviam em voto de castidade, seguindo os con- Objetos
selhos dos seus confessores e dividindo o tempo entre a oração e o trabalho de instituinte d.
fazer rendas e doces. Conhecemos famílias de beatos que viviam intermitente- eram alvos (
mente reunidos em congregação e adotavam o magistério particular como meio ca e era par
de subsistência: além de ]esuíno do Monte Car mclo, seus filhos e agregados, li- ri", além de
gados ao conventinho de Itu - estudados por Mário de Andrade -, estão no caso tos e conve
3S primeir as diretoras do Seminário, Eliz iár ia Espiriola , Maria Tereza e Maria punição da I

Leocádia elo Sacramento, esta, irmã da professora pública de primeiras letras ela e ta lvez, de '
escola feminina da Sé, Benedira da Trindade, c do padre Colchete. das, a existi
A hipótese é que as dificuldades com o modelo escolar, mais que ao desejo çâo: a órfã
instituído dos seus criadores, foram devidas ao desejo popular instituinte de vida José joaquii
congregacionaJ. Eliziária Espínola assumiu sozinha a direção do Seminário quan- mitia abrig:
do seu pai faleceu em fins de 1828, mantendo tensas relações com a administra- chácara da
ção provincial por força da orientação que imprimia à casa, conventualizando-a, sabido que:
o que não era o que o governo queria. Eliziária foi acusada pela comissão que de Maria d.
visitou o Seminário em fins de 1829, de referir-se-à instituição que regia corno "o colocada no
recolhimento" e de encla usura r as cducandas, pedindo, por exemplo, para gradear das famílias
as janelas. A comissão também observou que as meninas "andavam em grupo, da com O br
com ares de comunidade l- .. ] quando o desejo do governo não seja de Ihes dar Alegre, era
educação ela ustral". Ao receber o relatório, o presidente da província enviou por- Rafael Tobi
. .
taria ele advertência à diretora pela sua "exor biraçâo ", educando as moças como menma na 1
relif,iosas. Eliziária respondeu que "assim procedia pela sensibilidade que me re- marquesa d
sulta» e pediu demissão do cargo": assim que l\
Diretamente ligada à essa prática cotidiana congreg~Ki()Ilal popular, a vida 1842, vai d
no Serninário foi também intensamente produtiva entre as décadas de 1830 e mas de sen!
1840, quando as suas mulheres parecem ter construído um espaço muito próprio dades para'
de atuação a partir dos trabalhos de agulha que executavam: ao responder a uma mãe, cujo
denúncia anônima que, em fins de 1843, chegara à presidência da província, di- não goza"4\
zcndo que havia "muitas pessoas entrando e saindo do Seminário a qualquer Nesse s
hora", a diretora informava que vinha muita gente porque "as meninas traba- no para enc
lham para o público em costuras e bordados, mas as pessoas só falam comigo, eu solicitava "I
passo o pagamento a elas, que não têm contato direto com os hornens":". Sem
dúvida nenhuma, as educandas realizavam costuras e bordados" para fora" e
38. "Os Ofíci:
RH, n. I I
39. Algranri, (
35. I\L Dei Pr iorc, Religi:io e Religiosidade no Brasil Colonial, 1994, p. 64. 40. "Ofícios",
36. "Ofícios", 10.12.1828, ordem 866-71-1·3-t; 3.9.1829, ordem 866-71-3-18; 17.1.1829, or- MM. Bace
dem 867- 72-1-6. AESP. MM. 41. "Ofício",
37. "Ofícios", 29.12.1843, ordem 886-91-2-27 e rr»: AESP. MM. 883-88-2-
;1 e popu- recebiam pelo tr a ba lho: nesse sentido, a disposição das diretoras estava direta-
de inspi- mente imersa no meio social, pois segundo estudo de E. D. Rabello ", era justa-
ore", nas mente o ofício de costureira que dominava entre as mulheres da vila de São Pau-
,; devotas lo, já no início elo século XIX.
o os COil- Objetos do desejo instituído, de um lado, o das autoridades, e do desejo
.balh o de instituinte de outro, o popular, as meninas e moças do Seminário elas Educanelas
rrmrenre- eram alvos da mentalidade misógina que caracterizava toda a sociedade da épo-
.rno I11e10 ca e era partilhada pela cultura erudita e a popular. Como mostrou L. Algran-
gados, li- ti39, além de atender a "funções ligadas à devoção e à instrução", recolhimen-
O no caso tos e conventos eram vistos como "agências de preservação da honra e ele
~ e Maria punição da desonra [cmininas ", atuando como uma espécie de pensão e abrigo,
; letras da e talvez, ele casa de correção parJ. meninas e moças. No Seminário das Educan-
das, a existência de pensionistas, educandas pagantes, deixa entrever essa fun-
ao desejo ção: a órfã joaquina Lima fora acolhida na condição de exposta na casa de
te de vida José Joaquim da Veiga, mas não apenas ele tinha uma posição social que per-
[10 quan- mitia abrigar e educar a menina, pois era furiel, feitor dos trabalhadores da
ministra- chácara da Glória e responsável pelos rendimentos elos seus pastos, como era
izarido-a, sabido que sua mãe lhe deixara "haveres e jóias". E como entender a condição
ISSJO que de Maria das Dores, "exposta" na casa de Genebra de Earros Leite, e por ela
C0l110 "o colocada no SemÍnário corno pensio-nista? Certamente essa representante de uma
';1 gradear das famílias mais bem situadas social e ecoriornicarncnte em São Paulo - casa-
m grupo, da com o brigadeiro Luis Antonio de Souza e, depois, com o marquês de Monte
~ lhes dar Alegre, era cunhada de Francisco de Paula MeIo e Souza c concunhaela de
]VIOU por- Rafael Tobias de Aguiar - não teria motivos de ordem financeira para educar a
ças como menina na instituição. Cabe a mesma pergunta diante da informação de que a
rue rn e re- marquesa de Santos mantinha outra educanda, Domitília de Souza Coelho:". É
assim que Maria Leocádia do Sacramento, diretora do Seminário entre 1830 e
6.[, à viela 1842, vai dizer das dificuldades em dirigi-lo, pois CJue "n;10 é casa de crianças
]c 1830 e mas de senhoras, caprichosas e de má Índole": ela pedia, na ocasião, às autori-
o próprio dades para expulsar uma cducanda que já f\lgira por quatro vezes para junto da
:ler a uma mãe, cujo "exemplo e modo de vida lhe promete outra liberdade de CJue aqui
ríncia, di- não goza"4J. Aqui, todos entram em acordo.
qualquer Nesse sentido também, explica-se porque, a despeito dos discursos do gover-
t3S traba- no para encaminhar as meninas para a vida ativa fora do Seminário, ninguém as
»rmgo, eu solicitava "de volta" para empregá-Ias. Nas primeiras décadas de seu funciona-
.S"37. Sem

a fora" e
38. "Os Ofícios Mecânicos e Arresaria is em 530 P8UJO, na Segunda Metade do Século XVIll", em
RH, n. 112, 1977, pp. 575-588.
39. Algranri, op. cit ., pp. 102 e 103,141 e 142.
40. "Ofícios", 28.5.1827, ordem 865-70-2·28; "Ofício", 2.10.1844, ordem 886-96-2-s/n. AESP.
1.1829, or- MM. Baccllar, op. cii., pp. 54 e 82.
41. "Ofício", 13.1.1343, ordem 885-90-]-7. AESP. M. Também: "Ofícios", 30.]2.1842, ordem
883-88-2·107 c 31.12.1842, ordem 883-88·2-107A. AISP. MM .


ZO() I A !'v!ARGEM DOS 500 ,\NOS

rncnto, as meninas saíram praticamente apenas para se casar". Quando o pre- nomeadas
tendente não era apresentado pela família, a noiva era escolhida pelo carididato, Seminário
que comparecia ao Seminário munido de uma portaria do governo dando-lhe au- longe de tI
torização para isso. Foi assim que Ana Gertrudes se casou com José Francisco Aliás.
Maciel, "homem de certa idade [quarenta anos, que] tinha j~1um filho casado, de vincia esr:
conduta boa e trabalhador". Empregado nos serviços da ponte de Santana, mora- pela repet
va na freguesia de Santa lfigênia e aceitava Casar-se com qualquer uma das edu- espaços d.
candas. Ana Gertrudes recebeu dote legado por Manoel Joaquim Ribeiro e um tensarnent
enxoval no valor de 40$000 réis'". Outro candidato, JOJO Antonio da Silva, tinha res que fa
pelo menos 24 anos, era morador de São Bernardo, de uma "família bem-com- dimensão
portada, sujeito aos pais que tê 111 um bom sítio com seus animais de que vivem". nas agênc
O casamento foi acertado com i\1::uia das Dores, ficando o enxoval em 47$660 de saberes
mais o selo de 3$200, pagos pelo mesmo legado". a socieda:
A alternativa do magistério como capacitação das mulheres para além das orgarncan
suas tarefas relacionadas à unidade doméstica só começou a delinear-se nos iní-
cios da década de 1840, quando, por sugestão da presidência da província, o sín-
dico foi ao Seminário ver se alguma das meninas queria empregar-se como pro-
fessora ele primeiras letras. Aceitaram a proposta as cducandas Maria Joaquina,
Ana Antonio da Cosra.Escolástica Maria e Forrunara Calidora Prado. Mas, C0l110 A I.GRA1'o.rrJ , I
não tinham aprendido a gram;1tica (13 língua nacional, exigida para o provirnen- Olyrnp
ALVES, Cláu.
;0 nos cargos, elas ficaram de se preparar e fazer os exames, CJue teriam aconre-
grcsso
';ído apenas no início de 1851. Entre as primeiras cducanclas providas C0l110 rnes- Prático
fI as de meninas estavam três do grupo de 1843: Maria jo aquina, Ana Antonio e llACELLAR, C
Fortuuata'". Mas no Seminário não havia Escola Normal, nem mesmo uma ver- CEDH
chcleir;Claula de primeiras letras: até a abertura nele da seção feminina da Escola B/\RBANTl, J\

Normal de São Paulo, no início de 1876'\ as educandas - como ele resto as de- São Pa
BASllAt-:, ].-1'
mais candidaras às escolas femininas públicas da província - eram simplesmente
c11Am,
BASllN, J.-P.
Religic
BAlES, W. R.
Loyola
42. Em 8.12.1829, casaram-se Leduína Maria, Fr a ncisca Clara,joaquina das Dorcs,joscfa Mar ia
CAMPORES1,
do Prado, joaquina, Ana Pedrosa, Ana l.uisa e Gcrtrudes Maria. Foram tantos os casamentos
Edune:
que;c; diretora ficou sem tecidos para fazer os enxovais! Parece que o casamento de Gerrrudes
CARVALHO, J
!vLni:1 íoi o último a ser acertado porque 3 diretora Eliziária Espinola informou 30 presidente,
ELLlS, M. 19
verdadeiramente preocupada, que "ela não tem fazenda para o seu enxoval nem tempo para
da RH
fazê-Ia". Ver "Ofícios", 2/1211.1829, ordem 886-71-3-50, 18/19/20.11.1829, ordem 886-71-
3-59, 16/23.11.1829, ordem 866-71-3-56, 30.11.1829, ordem 886-71-3-68, e 4/7.12.1829,
FALCON, F. J
fARGE, Arlet
ordem 886-71-3-72. AESP. 1\·1M.
GAULUPEAU,
43. "Ofícios", 13.9.1844, ordem 886-91-2-27E; " Ofício", 8.10.1844, ordem 886-9] -2-27F. AESP.
!vi '1. GAY, P 199"
GOFF,j. Le.
44. "Ofícios e Anexos", 27.2.1844 c 23.4.1844: ordem 886-92-2-278. AESP. ;'vIM.
cional!
·;'i. "Ofícios", 9/20.10.1843, ordem 885-90-1-7B. AESP. MM. As outras foram Pilaria das Dores,
HILSDORF, l\.
Amonia Ca roJina e G3 briela M. de Jesus. -
tos", CJ
46. A Escola Normal prevista para funcionar no Seminário das Educanda s pela Lei Provincial n. 5,
Passo I
de 16.2.1847, nunca foi instalada.
CONSTRUINDO F\ ESCOL:\RIZt\Ç:\O EM SAo PAULO (1820·1840) I 201

::\0 o pre- nomeadas professoras depois ele terem sido examinadas por uma comissão. No
ll1did3.to, Seminário, havia educaçâo c alguma instrução, mas o modelo escolar continuava
lo-lhe 311- longe de ter sido incorporado.
Francisco Aliás, nas primeiras décadas do século XIX, nem as demais escolas da pro-
asa do, de víncia estavam escolariradas. Há ensino de leitura: mas aprende-se oralmente,
.ia, mora- peja repetição e rnernorização do ouvido nas salas ele aula e também em outros
das edu- espaços de circulação de textos impressos; embora a escrita seja já utilizada in-
erro c um tensamente pelos letrados, entre os guais vão se incluir os professores e educado-
lva, tinha res que fazem a mediação para o homem comum, o ensino da escrita tem uma
.em-com- dimensão menor. Aprende-se a ler e escrever, interrompendo a oraliclade, mas
e vivern". nas agências de formação, educação e ensino há também ensino c aprendizagem
147$660 de saberes práticos, do saber fazer, do saber viver. E o Estado ainda não controla
a sociedade através da escola: parece que a sociedade convive em tensão, mas
além das organicamente, com a escola e o Estado.
:,: nos im-
cia, O sín-
orno pro- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[oaquina ,
'ias, como ALGRANll, L. M. 1993. Honradas e Devotas: Mulheres na Colônia, Rio de janeiro/Br asilia , J.
Olympio/Ednub.
'lOVI1l1en-
ALVES,Cláudia C. 1998. "Os Resumos das Comunicações e as Possibilidades Esboçarias no 11Con-
1) acoritc-
gresso Luso-Brasileiro de História <h Educação", em CATANI, D. e SOUSA, C. P. de (or gs.},
orno mes- Práticas Educatiuas, Culturas Escolares, Profissão Docente, S50 Paulo, Escrituras.
Antonio e BACELLAR,Carlos de A. P. 1991. "Familia , Herança c Poder em S~() bulo: 1765-1355", Esrurios
.urna ver- CEDHAL, 11. 7.
da Escola BI\RBANll, M. L. S. Hilsdorf. 1977. "Escolas Americanas de Confissão Protestante na Província de
São Paulo: Um Estudo de suas Origens", S~o Pat~o, Feusp.
SI:O as de-
BAsnAN, J.-P. (org.). 1990. Protestantes, Liberais y Francmasones: Sociedades de ldcas y Modernidad
)}csmente
enArnérica lat ma, Sigla XIX, México, CEHILMFCE.
BAS'IlN,].-1'. 1994. Protestantismos y ModeTllidad l.atinoamericana; IJistoria de l-mas l'vIinorías
Religiosas Activas en América Latina, Mcxico, FCE.
BAlE'>, \YJ. R. 1980. A Profissionalizaçào Feminina: Uma Experiência de Ensina Público, São Paulo,
Loyola.
! ,sefa Maria
CA1I.·1PORESI, P. 1996. Hedonismo e Exotismo: A Arte de Vi/leT na Época das Luzes, São Paulo,
casamentos
Edunesp .
.f Gertrudcs
CARVALHO,Laerte R. de. 1952. Feijó e o Kantismo ; São Paulo.
) presidente,
ELLlS,M. 1957. "Documentos sobre a Primeira Biblioteca Pública Oficial de São Paulo", Separata
tempo para
da RH, n. 30.
h:m S 86-71-
L\LCON, F. J. C. 1939. O lluminismo, 2. ed., São Paulo, Ática.
17.12.1829,
FARGE,Ar lette. 1991. La Atraccion dei Archivo, Valência, Ed. Alfons el Magnànim/IVEJ.
GAULUPEAU, y. 1992. La Trance à l'écote, Paris, GalJimard.
~-27F. AESP.
GAY,P. 1992. Lendo Freu d. lnvcstigaçocs e Entretenimentos, Rio de Janeiro, Imago.
GOfF,]. Le. 1984. "Documento/Monumento", em Enciclopédia Einoudi, 1, Lisboa, Imprensa Na-
cional/Casa da Moeda.
] das Dores,
HILSDORF, M. L S. 1999. "O Ensino Mútuo na Província de São Paulo: Primeiros Aponramen-
tos", em BASTOS,M. H. e FARIAFILHO, Luciano M. de (orgs.), O Ensino MonitoriaUMú/uo,
.vincia l n . 5,
Passo Fundo, UFPE

+
202 I À MARGEI\1 DOS 500 ANOS.

LEITE, M. M. 1998. "O Óbvio c o Conrraditório da Roda", em PRIORE, M. DeI (org.), História da
Criança no Brasil, 5' cd., São Paulo, Contexto.
MORAES, R. B. de. 1979. Livros e Bibliotecas no Brasil colonial, S30 Paulo, LTOSCCT
"Os Ofícios Mecânicos e Artesanais em São Paulo, na Segunda Metade do Século XVIlI " , em Rll,
n. 112,1977, pp. 575-588.
Para um Estudo Sócio-Histórico da Gênese e Desenvolvimento da Profissão Docente", em Teoria
~<

& Educação, 1991, n. 4.


PRIORE, M. DeI. 1993. Ao Sul do Corpo, 2. ed., Rio de Janeiro, J. Olyrnpio.
_____ .1994. Religião e Religiosidade no Brasil Colonial, São Paulo, Ática.
ROGERS, R. 1993. "Reconsidering rhe Role of Religious Orders in Modcrn French Womcn's
Education ", em SALAZAR, N. e HORTON, A. (orgs.), History, Education and Ccndcr: Interna-
tiona! Perspectives .
VIDAL, D. G. e SOUZA, M. C. C. C. de (orgs.). 1999. A Memória e a Sombra: A Escola Brasileira
entre o Império e a República, Belo Horizonte, Autêntica.
WERNET, A. 1987. A Igreja Paulista no Século XIX, São Paulo, Arica.

Na econ
rucionalizaçâ
que pretendi;
sa retórica re
ração do nov
veria fazer ve
escolarizaçãc
Dia e pela exi
a escola nos r
no. Conccbid
como pcrcur:
çãohumana,
nar um ensin
regime federe:
de margem d
de instirucion
e uma feição
de ordem eco
Na hiera
Paulo, os inv
prioridade cc

L CL Carvalhr

Você também pode gostar