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POLÍTICAS E PRÁTICAS

DE ALFABETIZAÇÃO:
PERSPECTIVAS
AUTORAIS E CONTEXTUAIS

ORGANIZADORES

Barbara da Silva Santos Corrêa - Claudia de Souza Lino - Elaine Constant - Ester de A. C. Assumpção
Jefferson Willian Silva da Conceição - Luciene Cerdas - Ludmila Thomé Andrade
Maria Elisa Vieira da C. C. de Almeida - Maria Leticia Cautela de Almeida Machado
Miriam Abduche Kaiuca - Monique de S. A. Ferreira dos Santos - Nilza da Anunciação dos Reis Moita
Paula da Silva Vidal Cid Lopes - Vanessa Soares de Souza
ORGANIZADORES

Barbara da Silva Santos Corrêa - Claudia de Souza Lino - Elaine Constant - Ester de A. C. Assumpção
Jefferson Willian Silva da Conceição - Luciene Cerdas - Ludmila Thomé Andrade
Maria Elisa Vieira da C. C. de Almeida - Maria Leticia Cautela de Almeida Machado
Miriam Abduche Kaiuca - Monique de S. A. Ferreira dos Santos - Nilza da Anunciação dos Reis Moita
Paula da Silva Vidal Cid Lopes - Vanessa Soares de Souza

POLÍTICAS E PRÁTICAS
DE ALFABETIZAÇÃO:
PERSPECTIVAS
AUTORAIS E CONTEXTUAIS

1A EDIÇÃO
© 2021 - POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS
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os meios propagados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Ficha Técnica
Diagramação e arte
Rodrigo Cabido

Editora
VW Editora

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Políticas e práticas de alfabetização [livro


eletrônico] : perspectivas autorais e
contextuais. -- Rio de Janeiro : Fórum Estadual
de Alfabetização do Rio de Janeiro : VW Editora,
2021.
PDF

Vários organizadores.
ISBN 978-65-00-28546-8

1. Alfabetização 2. Educação 3. Políticas públicas


de educação 4. Professores - Formação profissional.

21-76590 CDD-370.981
Índices para catálogo sistemático:

1. Alfabetização : Educação : Brasil 370.981

Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129


TÍTULO

Políticas e práticas de alfabetização: perspectivas autorais e contextuais

ORGANIZADORES

Barbara da Silva Santos Corrêa; Claudia de Souza Lino; Elaine Constant; Ester de
A. C. Assumpção; Jefferson Willian Silva da Conceição; Luciene Cerdas; Ludmila
Thomé Andrade; Maria Elisa Vieira da C. C. de Almeida; Maria Leticia Cautela de
Almeida Machado; Miriam Abduche Kaiuca; Monique de S. A. Ferreira dos San-
tos; Nilza da Anunciação dos Reis Moita; Paula da Silva Vidal Cid Lopes; Vanessa
Soares de Souza;

COMISSÃO AVALIADORA

Claudia de Souza Lino; Elaine Constant; Ester de A. C. Assumpção; Jefferson Wil-


lian Silva da Conceição; Luciene Cerdas; Ludmila Thomé Andrade; Maria Elisa
Vieira da C. C. de Almeida; Maria Leticia Cautela de Almeida Machado; Miriam Ab-
ducheKaiuca; Nilza da Anunciação dos Reis Moita; Paula da Silva Vidal Cid Lopes.

SECRETARIA EXECUTIVA

Elaine Constant; Barbara da Silva Santos Corrêa; Jefferson Willian S. da Concei-


ção; Maria Elisa Vieira da C. C. de Almeida; Monique de S. A. Ferreira dos Santos;
e Vanessa Soares de Souza

CONSELHO EDITORIAL

Edna Silva Faria (UFG), Helenise Antunes (UFSM), Suzane da Rocha V. Gonçalves
(FURG), Vera Lucia Martiniak (UEPG), Elizabeth Orofino Lucio (UFPA), Mirna Fran-
ça da Silva de Araújo (Secretaria de Estado da Educação do DF - Coordenadora de
Projetos do DGPE/FGV), Lais Couy (UFVJM), AmoneInacia Alves (UFG)

5
SUMÁRIO

VOZES DE SABERES, PRÁTICAS E ESPERANÇA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12


Lourival José Martins Filho
Adelma das Neves Nunes Barros

SEGUINDO AS TRILHAS DE “NOVOS” E “ANTIGOS”


VENTOS PARA ALFABETIZAÇÃO ESCOLAR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
Elaine Constant
Barbara da Silva Santos Corrêa
Jefferson Willian S. da Conceição
Maria Elisa Vieira da C. C. de Almeida
Monique de S. A. Ferreira dos Santos
Vanessa Soares de Souza

CARTA DOS ESTUDANTES INTEGRANTES DA


EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA DO FÓRUM ESTADUAL
DE ALFABETIZAÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

CONFERÊNCIAS

ALFABETIZAÇÃO E DIVERSIDADES NOS MODOS


DE APRENDER E ENSINAR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Ana Paula Abreu Moura

CURRÍCULO E AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM:


defendendo a produtividade da desestabilização de um discurso. . . . . . . . . . 43
Marize Peixoto da Silva Figueiredo

III ENCONTRO ESTADUAL DO FEARJ


EXPERIÊNCIA DOCENTE: novos ventos para a alfabetização

Alfabetização em tempos de pandemia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57


Jefferson Mainardes

EXPERIÊNCIAS DOCENTES:
novos ventos para os processos de alfabetização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Guilherme do Val Toledo Prado

6
SUMÁRIO

EIXO 1 - ALFABETIZAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA

ALFABETIZAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80


Luciene Cerdas
Maria Elisa Almeida

ALFABETIZAÇÃO EM TEMPOS PANDEMIA:


os desafios de alfabetizar mantendo a qualidade do ensino . . . . . . . . . . . . . . 87
Amaro Sebastião de Souza Quintino

FACEBOOK: uma Ferramenta em Rede de Ensino Remoto. . . . . . . . . . . . . . . . 97


Rossana Vieira Ferreira do Carmo

FESTA DE ANIVERSÁRIO EM TEMPOS DE PANDEMIA:


contexto afetivo e significativo para abordagens pedagógicas
envolvendo oralidade, leitura e escrita na Educação Infantil. . . . . . . . . . . . . 104
Amanda Malta e Silva

ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM TEMPOS DE PANDEMIA:


um olhar sobre o plano de ação realizado por professores
de uma escola da rede de ensino do município de Duque de Caxias. . . . . . . 109
Hellen Christina Azedias de Melo

EIXO 2 - POLÍTICAS PÚBLICAS DE ALFABETIZAÇÃO E PEDAGOGIAS


DA ALFABETIZAÇÃO

TRANSIÇÕES E “TRANSGRESSÕES” NAS/DAS PEDAGOGIAS


PARA ALFABETIZAÇÃO EM PROL DO PROTAGONISMO DOS ALUNOS. . . . . . 117
Elaine Constant
Jefferson Willian Silva da Conceição

ALFABETIZAÇÃO: entre caminhos e descaminhos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126


Polliana Pereira Lisboa

REFLEXÕES ACERCA DE UMA PRÁTICA DE ALFABETIZAÇÃO


NO ENSINO FUNDAMENTAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
Gabriela Pereira Galdino

7
SUMÁRIO

DISPOSITIVO PEDAGÓGICO ‘WHATSAPP DO PRISCILA’:


o protagonismo discente como centralidade do processo
de alfabetização. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
Renata Melo Rocha

“VOCÊ É UMA PROFESSORA DE VERDADE”:


Reflexões sobre currículo e alfabetização. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150
Nataly da Costa Afonso

MEMÓRIAS AFETIVAS: registros de histórias de vida e vozes na E JA. . . . . . 156


Bruna Vanessa Rodrigues Ramos

EIXO 3 - CURRÍCULO, INCLUSÃO E AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM


NA ALFABETIZAÇÃO

CURRÍCULO, INCLUSÃO E AVALIAÇÃO DA


APRENDIZAGEM NA ALFABETIZAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164
Claudia Lino
Ester Assumpção
Miriam Abduche Kaiuca
Nilza Moita

EXPERIÊNCIAS DE UM CURRÍCULO INOVADOR:


as rodas alfabetizadoras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 172
Gabriela Pereira Galdino
Andrea Sonia Berenblum

INFLUÊNCIAS DA PEDAGOGIA DO EXAME:


impactos em tempos atuais e a necessidade do processo
de mudanças avaliativas na alfabetização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 178
Jessica Machado de Sena E Silva

A EXPERIÊNCIA DA RODA DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO. . . . . . . . . . . . . 187


Marta Patrícia de Deco

8
SUMÁRIO

A ALFABETIZAÇÃO COMO UM CAMINHO PARA A


AUTONOMIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
Aryel Silva de Arruda
Bruna Peroba Loureiro

A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA NO
CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203
Janaína Moreira Pacheco de Souza

TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E


ALFABETIZAÇÃO POR MEIO DE UMA VISÃO SISTÊMICA. . . . . . . . . . . . . . . . . 209
Márcia Lopes Leal Dantas

A AQUISIÇÃO DA LEITURA E DA ESCRITA:


um estudo de caso em escola pública de duque de caxias
sobre as tecnologias digitais e as habilidades de ler e escrever . . . . . . . . . . 216
Patricia Marciano de Oliveira
Regina Celia Pereira de Moraes

CINEMA NEGRO E EDUCAÇÃO INFANTIL:


contribuições à formação dos sujeitos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223
Gisele Caroline dos Santos Monteiro
Suelen Cristina Gomes da Silva

O DESENVOLVIMENTO DE OFICINAS PEDAGÓGICAS


COMO METODOLOGIA DE ENSINO NA EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 230
Bianca Cardoso Magalhães
Edvânia Ferreira Bezerra
Mídian Lena Pereira Pressato
Ana Paula de Abreu Moura

9
SUMÁRIO

EIXO 4 – FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DO ALFABETIZADOR

PROCESSOS DE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DO ALFABETIZADOR:


resistência, autoria e produção de conhecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 238
Janaína Moreira
Ludmila Thomé de Andrade
Maria Letícia Machado
Paula Cid Lopes

RESSIGNIFICANDO A ALFABETIZAÇÃO NO PROJETO


PARCERIA ESCOLA E UNIVERSIDADE: a inserção de licenciandos
em escolas da rede pública do município do Rio de Janeiro. . . . . . . . . . . . . . 248
Ana Clara Diniz Pelluso
Daniele Sueira de Lira
Larissa Vicente de Nascimento
Luciene Cerdas
Rejane Amorim

A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO CONTINUADA PARA


O PROFESSOR ALFABETIZADOR: reflexões sobre a
profissão docente à luz de Antônio nóvoa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 257
Michele Barreto Nunes

FORMAÇÃO CONTINUADA EM SERVIÇO: apropriação da


linguagem escrita nos anos iniciais de escolarização. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267
Cristiane BatistioliVendrame
Luciana Figueiredo Lacanallo Arrais

ESTÁGIO DE DOCÊNCIA E PIBID: uma experiência


de formação inicial de alfabetizadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 275
Dayane MezuramTrevizoli
Maria Angélica Olivo Francisco Lucas

ESTÁGIO REMOTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL:


diálogo entre minas e Pará. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 283
Antônio Marcos Murta

10
SUMÁRIO

RELATO DE EXPERIÊNCIA DA ATUAÇÃO PEDAGÓGICA


NO PLANO NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
DA EDUCAÇÃO BÁSICA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291
Jackeline Barcelos Corrêa

CONEXÕES E INTERLOCUÇÕES DA FORMAÇÃO


INICIAL NA ALFABETIZAÇÃO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 301
Flávia dos Santos Cota
Pammela Lobo Soriano Lopes de Oliveira
Sonia Cristina do Amaral Pereira

DESAFIOS DE UMA PROFESSORA ALFABETIZADORA


INICIANTE EM TEMPOS DE ENSINO REMOTO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 311
Aline Gasparini Zacharias-Carolino

11
VOZES DE SABERES, PRÁTICAS E ESPERANÇA

O livro POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E


CONTEXTUAIS foi tecido por mãos e corações plenos do que Paulo Freire chamava
de “inédito viável”. Em “Pedagogia da Esperança” Freire ensinou que o futuro não
virá se não falamos dele ao mesmo em tempo que o fazemos. O futuro não é uma
doação é uma produção humana! Neste sentido, o Fórum de Alfabetização do Esta-
do do Rio de Janeiro, por meio de mais esta obra, coloca-se como protagonista no
pensar e repensar a alfabetização na Universidade e na Educação Básica.

O livro está dividido em eixos, reunindo múltiplas vozes, que além de não se
furtarem de falar de uma questão complexa do ensino no momento de isolamento
social vividos na pandemia, entrelaçam história, políticas e práticas curriculares
de alfabetização. Essas vozes ecoam nos títulos que dão nomes aos quatro eixos,
sendo o primeiro dedicado à “Alfabetização em tempo de pandemia”; o segundo
que discute “Políticas públicas de alfabetização e pedagogias da alfabetização”; o
terceiro que coloca em debate “Currículo, inclusão e avaliação da aprendizagem na
alfabetização” e, por fim, o quarto eixo, intitulado “Formação inicial e continuada
do alfabetizador”, que completa esta obra, que se apresenta com importância
ímpar a todos que se dedicam para a alfabetização em suas riquezas, temas e de-
safios diários!

Desse modo, no eixo 1, ALFABETIZAÇÃO EM TEMPO DE PANDEMIA, a leitura


fará refletir sobre os desafios da docência no contexto pandêmico, discutidos nos
diversos textos que o compõem. Assim, no artigo denominado “Alfabetização em
tempos de pandemia: os desafios de alfabetizar, mantendo a qualidade de ensino” tem-
-se uma clara mensagem de que a prática alfabetizadora necessita de profissionais
da educação comprometidos e com esperança. Verifica-se que não importa o su-
porte ou o momento da história, mas se o coração estiver voltado para uma docên-
cia com qualidade, será feito sempre o melhor possível, nas condições concretas
que se apresentarem, sem se perder a ousadia de lutar sempre!

O segundo artigo deste eixo 1, intitulado “Facebook: uma ferramenta em rede


ensino remoto”, evidencia que as tecnologias da informação e comunicação preci-
sam estar de fato nas escolas como direito a ser garantido a todos os aprendentes.
Vamos ver ainda em “Festa de aniversário em tempos de pandemia: contexto afetivo
e significativo para abordagens pedagógicas envolvendo oralidade, leitura e escrita na
educação infantil”que as crianças pequenas e bem pequenas puderam contar com
a sensibilidade dos docentes de modo muito especial, comprovando que não im-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 12


porta o tempo, o lugar e o contexto, a alegria, a ludicidade e o desejo de brindar e
comemorar a vida é da essência do humana e isso se manifesta desde a mais tenra
infância.

Dentro da linha de reflexão acerca de um trabalho diferenciado para res-


ponder às especificidades desse momento complexo de isolamento social, o artigo
“Alfabetização de jovens e adultos em temposde pandemia: um olhar sobre o plano de
ação realizadopor professores de uma escola da rede de ensino doMunicípio de Duque
de Caxias” revela a importância e a necessidade de ações urgentes para se pensar
a Educação de Jovens Adultos como projeto de nação, de forma concreta, a par-
tir das realidades não somente dos jovens, adultos e idosos que buscam novas e
outras oportunidades na vida, mas ainda das realidades das redes de ensino que
os acolhe.

Com rigor e serenidade o livro coloca nas mãos dos leitoreso eixo 2,cujo tí-
tulo é POLÍTICAS PÚBLICAS DE ALFABETIZAÇÃO E PEDAGOGIAS DA ALFABETIZAÇÃO.
E o texto que abre este eixo “Transições e “transgressões” nas/das pedagogias para
alfabetização em prol do protagonismo dos alunos” leva-nos a refletir sobre uma
alfabetização pautada na perspectiva discursiva e que considera os aprendentes
como protagonistas nas ações do seu dizer, do seu escrever, enfim das suas pa-
lavras! Não diferente, em “Alfabetização entre caminhos e descaminhos”reafirma-se
a importância de se conhecer a trajetória da alfabetização e com isso continuar
caminhando no desvelamento das concepções que tramitam nas práticas peda-
gógicas. Segue-se com “Reflexões acerca de uma prática de alfabetização no ensino
fundamental” ereforça-se a importância de práticas pedagógicas significativas, nas
quais os alunos se envolvem de forma crítica e participativa, apropriando-se dos
conhecimentos de forma ativa e produtiva, podendo ressignificá-las em contextos
diversos de suas vidas.

E é nessa perspectiva de protagonismo que se verá no artigo “Dispositivo pe-


dagógico ‘whatsapp do Priscila’: o Protagonismo discente como centralidade do proces-
so de alfabetização” o quanto um ‘simples’ bilhete pode ser um grande instrumento
de mediação para o processo de aprendizagem da leitura e da escrita! Coroa-se
este eixo com o debate trazido pelo penúltimo texto, denominado “Você é uma
professora de verdade: reflexões sobre currículo e alfabetização” em que permanece a
firme compreensão politicamente situada, que considera as crianças como sujeito
de direitos. E fechando o eixo 2, no artigo “Memórias afetivas: registros de histórias
de Vida e vozes na EJA” ouve-se um grito de luta para que todos tenham o direito ao
processo de aprender, em que a EJA seja concebida sempre como projeto de nação
e política de estado e não em apenas em situações episódicas.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 13


“CURRÍCULO, INCLUSÃO E AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NA ALFABETIZAÇÃO”
é o nome do eixo 3 em que se evidencia o quantoos conceitos de currículo, in-
clusão e avaliação interagir e integrar-se para que as aprendizagens aconteçam.
Nesse sentido, é lançada a reflexão: em sendo o currículo um espaço de poder,
a alfabetização só ganhará sentido como direito de todos e todas/as em um país
democrático e que responda aos novos tempos. Mas será noartigo “Experiências de
um currículo inovador: as Rodas alfabetizadoras” que se faz um grande convite: que
a leitura a escrita e a oralidade se tornem realmente ações de aprendizagem no
ensino fundamental!!

O eixo 3 se engrandece muito ainda com texto intitulado “Influências da pe-


dagogia do exame: impactos em tempos atuais e a necessidade do processo de mu-
danças avaliativas na alfabetização”, que revela o quanto se mostra perverso os
processos de punição e medo em contextos e espaços de práticas alfabetizadoras!

Mas para mostrar que experiências criativas, em torno da palavra, ampliam


o repertório de quem aprende e faz das aulas um espaço do saber, o artigo “A ex-
periência da roda de leitura na alfabetização” é um grande aprendizado! Em direção
semelhante com o artigo “A alfabetização como um caminho para a autonomia na
educação de jovens e adultos” aprende-se que todos estamos inseridos numa socie-
dade grafocêntrica, então aprender é direito não importa a categoria geracional!

Comprovando que o tema alfabetização é rico e diverso, veremos a necessi-


dade de incluir na formação específica do professor alfabetizadorestudos na área
de linguagem/linguística que lhe proporcione a capacidade de reconhecer o sujeito
escolar em condição de bilinguismo. Somando-se a essa perspectiva da inclusão,
no texto “Transtorno do espectro autista e alfabetização por meio de uma visão sistê-
mica” fica evidente da necessidade de práticas realmente inclusivas e intencional-
mente planejadas no processo de alfabetização. O artigo “A aquisição da leitura e da
escrita: um estudo de caso na escola pública de Duque de Caxias sobre as tecnologias
digitais e as habilidades de ler e escrever” vem nos reafirmarque tecnologias digitais
não podem ser apêndices no contexto educativo, mas devem ser realidades nas
práticas curriculares. Neste eixo 3 o leitor irá aprender sobre uma prática concreta
a partir de um trabalho voltado para a educação das relações étnico-raciais. Assim,
o eixo de número três, com o texto “Cinema negro e educação infantil: contribuições
à formação dos sujeitos” em o desenvolvimento de oficinas pedagógicas como meto-
dologia de ensino na educação de jovens e Adultos, mostra-se por meio de oficinas
que quando a aprendizagem tem foco o trabalho flui com maior tranquilidade no
processo de alfabetização.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 14


O livro em seu último eixo, o de número 4, que recebe o título deFORMAÇÃO
INICIAL E CONTINUADA DO ALFABETIZADOR, o texto “Processos de formação inicial e
continuada do alfabetizador: resistência, autoria e produção de conhecimentos” nutrem
corações e mentes na perspectiva da produção do conhecimento para uma socie-
dade mais equânime e democrática onde a alfabetização e a formação docente
devem ter lugar fundamental. Com esse espírito, em “Ressignificando a alfabetização
na parceria Escola universidade: a inserção de licenciandos em Escolas da rede pública
do município do Rio de Janeiro” percebe-se a voz em favor da escola pública, espaço
de saberes e fazeres em favor do povo.

Os demais artigos que compõem este eixo são fies ao propósito de convidar
sempre para uma reflexão, imbricando saber/fazer de modo que traz títulos que
muito descrevem e discutem esse imbricamento. Em face disso, veja-se o título “A
importância da formação continuada para o professor alfabetizador: reflexões sobre a
profissão docente à Luiz de António Nóvoa”. Este artigopromove um diálogo fraterno
com o reconhecido educador português, lançando novos olhares e desafios. Já o
texto “A formação continuada em serviço: apropriação da linguagem escrita nos anos
iniciais de escolarização” evidencia a relação existente entre o conhecimento teó-
rico-metodológico dos/as professores/as e o potencial formativo das formações
continuadas em serviço.

Inter-relacionado aos temas dos dois anteriores, o artigo “Estágio de docência


e PIBID: uma experiência de formação inicial de alfabetizadores” mostra o quanto pro-
gramas como o PIBID também podem ser geradores de aprendizagem a partir da
intencionalidade existente, e o artigo “Estágio remoto na educação infantil: diálogo
entre minas e Pará”evidencia o desafio da realização de estágios nos cenários da
pandemia.

Em linha semelhante verifica-se que no texto “Relato de experiência da atua-


ção pedagógica no Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica”
fica evidente a importância da formação docente, que coloca Universidade e Edu-
cação Básica em diálogos de parceria. Em “Conexões e interlocuções da formação
inicialna alfabetização” percebe-se um alerta no entendimento de que todos são
sujeitos aprendizes, logo docentes e discentes e devem ter o direito à uma educa-
ção de qualidade, equitativa e inclusiva.

E ainda no eixo 4 constata-se a importância dos espaços de socialização e


reflexão sobre o trabalho docente, na medida em que tais espaços trazem consigo
possibilidades formativas como se pode ver no texto “Desafios de uma professora
alfabetizadora iniciante em tempos de ensino remoto”.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 15


Finalizando o eixo de número 4, vemos um forte diálogo com Paulo Freire,
bem como o reconhecimento e importância do trabalho coletivo em educação,
em especial discutido pelo texto“Conferencistas em alfabetização e diversidade nos
modos de aprender e ensinar”. Em “Currículo e avaliação da aprendizagem: defendendo
a produtividade da desestabilização de um discurso” tem-se um debate forte com
perspectivas pós-estruturais do currículo, que têm orientado a investigação de dis-
cursos hegemônicos no campo educacional.

E mais, em “Alfabetização em tempos de pandemia” o leitor terá mais uma


voz que ecoa sobre o papel da escola de ser sempre o de acolher a criança e sem
perder de vista que deverá ser numa perspectiva inclusiva. Com o último artigo, o
leitor ao ler “Experiências docentes: novos ventos para os processos de alfabetização”
verá que a mobilização de conhecimentos e saberes de professoras e professores
alfabetizadores que pensarem novas possibilidades para o trabalho pedagógico no
cotidiano escolar, precisam considerar que não importa o contexto: pandêmico ou
não, que estará em foco será a intencionalidade.

Por todo esse panorama aqui desenhado é lícito dizer tratar-se de um livro
denso e robusto de reflexões advindas de práticas de quem vive e está pleno/a em
sala de aula e que reconhece a dor e a alegria de ser professor/a neste país! Por
isso é um livro que reflete esperança e a certeza da grandeza do fazer coletivo, o
que reafirma a máxima freiriana que “não é possível buscar sem esperança; nem
tampouco, na solidão”.

Uma ótima leitura a tod@s!

Professor Lourival José Martins Filho – NAPE/Udesc– Florianópolis – SC


​Professora Adelma das Neves Nunes Barros-Mendes – UNIFAP – Macapá – AP
PRESIDÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ALFABETIZAÇÃO - ABALF
GESTÃO 2020-2021

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 16


SEGUINDO AS TRILHAS DE “NOVOS” E “ANTIGOS”
VENTOS PARA ALFABETIZAÇÃO ESCOLAR

Elaine Constant
Barbara da Silva Santos Corrêa
Jefferson Willian S. da Conceição
Maria Elisa Vieira da C. C. de Almeida
Monique de S. A. Ferreira dos Santos
Vanessa Soares de Souza
(Secretaria Executiva do Fórum Estadual de Alfabetização do Rio de Janeiro – FEARJ)

Este livro representa o movimento político-pedagógico e coletivo em prol


da alfabetização escolar1 desenvolvido pelo Fórum Estadual de Alfabetização do
Rio de Janeiro (FEARJ) durante os anos de 2019 e 2020. As demandas históricas,
políticas e culturais destes períodos mostraram a importância da junção de es-
forços de diferentes instituições escolares e universitárias para delinear potentes
formas de articulação e democratização do conhecimento, seja este tanto cientí-
fico como do senso comum.

Cabe destacar que, desde 2019, o FEARJ vem superando a ideia de reali-
zação somente de plenárias temáticas com o público interessado nos temas em
torno da alfabetização escolar. Assim sendo, optou-se também por participação
e representação em vários eventos acadêmicos com apresentações de trabalhos
e promoção de rodas de conversas. Isto favoreceu a ampliação das atividades

1
Tomamos como referência uma expressão utilizada por Maria do Rosário Mortatti (2010). A al-
fabetização escolar é aquela que acontece em lugar apropriado e preparado, para isto: o espaço
escolar, caracterizando-se dever do Estado e direito constitucional assegurado às crianças.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 17


científicas, pedagógicas e culturais, como a constituição de novos sentidos para
a atuação de um “fórum”, em especial, da valorização e fortalecimento da exten-
são universitária. Esse processo se amplificou diante da pandemia da Covid-19
em 2020, porque foi preciso reinventar novos caminhos para os debates públicos
sobre a alfabetização por meio das atividades remotas, contudo sem prejudicar
os objetivos e finalidades assumidas pelo “Fórum de Alfabetização do Rio de
Janeiro”.

Portanto, percebe-se que esse o período 2019/2020 se tornou expressivo,


pois as Equipes da Secretaria Executiva e do Colegiado2 do FEARJ arriscaram a
implementação de ações para manter o interesse de diferentes profissionais da
Educação, seja tanto das Universidades quanto da Escola Básica, como daqueles
interessados na alfabetização escolar com o debate público em tempos difíceis.
Enfim, significava lidar, principalmente, com um possível retrocesso didático-pe-
dagógico de propostas advindas das atuais políticas governamentais brasileiras,
pautadas em concepções para alfabetização já questionadas, como o uso do mé-
todo fônico, além da situação do distanciamento social exigido pela pandemia.
Tais fatos foram fundamentais para traçar os novos rumos para o “Fórum de
Alfabetização”, pois era importante reconhecer os desafios históricos, políticos e
educacionais.

Neste sentido, é importante iniciar a discussão trazendo as preocupações


referentes ao ano de 2019. Estas se pautavam na ampliação da parceria entre
a Universidade e a Escola Básica, bem como a comunidade escolar, para com-
por teorias que estivessem mais próximas do cotidiano escolar. Considerava-se a
constituição de paradigmas prováveis sobre a formação profissional para alfabe-
tizadores, mas de forma horizontalizada, permitindo a valorização de diferentes
saberes nos debates sobre a alfabetização. Justamente a consolidação e o for-
talecimento de encontros temáticos e frequentes intensificariam a concepção de
“horizontalidade” entre diferentes representações no Fórum.

2
Compõe uma gestão compartilhada por um grupo de pessoas sem distinção de maior ou menor
autoridade, mas que, quando reunidas, decidem entre si, cooperam – portanto, há uma prática
horizontalizada de “coordenação”. Assim, na composição do FEARJ, há membros representando
universidades públicas, como UFRJ e UERJ, instituição de ensino superior privada, movimentos
sociais, Sucursinho Infante Lins (CEJA), estudantes de pós-graduação e graduação, com profissio-
nais das secretarias de educação estadual e municipais do Rio de Janeiro.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 18


Isto pode ser constatado, de acordo com as atas do supracitado Fórum e a
expansão das ações do FEARJ, sendo relevantes as seguintes atividades: 10 reu-
niões do Colegiado, 01 plenária para revisão do Regimento e 4 temáticas (Novas
perspectivas para o debate público sobre alfabetização; Avanços e recuos na
alfabetização com a meta 5 do PNE; Autoria de crianças, jovens, adultos e pro-
fessores no processo de ensino-aprendizagem; Avaliação na/da aprendizagem)
e 01 encontro estadual intitulado Alfabetização e Diversidades nos modos de
aprender e de ensinar.

Destaca-se que os quantitativos de participantes durante as plenárias va-


riaram entre 40 e 63. Isto favoreceu intensos debates, uma vez que o público era
composto basicamente por profissionais das secretarias de educação, professoras
alfabetizadoras ou despontavam alguns estudantes do curso de Pedagogia de
algumas instituições superiores do município do Rio.

Esse quantitativo, entretanto, foi superado no encontro estadual, com a


presença de 94 participantes. Durante o evento, as apresentações voltaram-se
às análises acerca dos seguintes eixos3: I – Políticas Públicas de Alfabetização;
II – Currículo e Avaliação da Aprendizagem na Alfabetização; III – Formação Ini-
cial e Continuada do Professor Alfabetizador; IV – Diversidades, Alfabetização e
Inclusão.

É importante constatar que os temas apresentados no evento do ano de


2019 traziam demandas significativas para os profissionais da Educação. Os as-
suntos, sugeridos inicialmente durante as plenárias, mostravam para o Colegiado
do FEARJ a necessidade de analisar a estruturação das propostas alfabetizado-
ras considerando as políticas públicas, o currículo e avaliação e, finalmente, a
alfabetização diante de um paradigma inclusivo. Da mesma forma, a formação
inicial e continuada representava a possibilidade de ampliação do diálogo entre
a Universidade e a Escola Básica.

Como consequência da proposta dos temas para um evento estadual, os


textos apresentados para esse encontro, reforçavam a necessidade de repensar
as propostas político-pedagógicas junto com professores da Escola Básica e es-

3
É importante ressaltar que os temas apresentados nos eixos se delinearam durante as plenárias
e foram aprimorados durante as reuniões do Colegiado.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 19


tudantes de Pedagogia diante dos desafios com o ensino da Língua Portuguesa.
Assim, no evento estadual do FEARJ foram aceitos 26 trabalhos, mas somente
11 compõe essa presente obra4. São eles: Alfabetização entre caminhos e desca-
minhos; Experiências de um currículo inovador: as rodas alfabetizadoras; Influências
da pedagogia do exame: impactos em tempos atuais e a necessidade do processo de
mudanças avaliativas na alfabetização; A experiência da roda de leitura na alfabeti-
zação; Ressignificando a alfabetização na parceria escola universidade: a inserção de
licenciandos em escolas da rede pública do município do Rio de Janeiro; A alfabetiza-
ção como um caminho para a autonomia na educação de jovens e adultos; A diversi-
dade linguística no contexto educacional brasileiro; Transtorno do espectro autista e
alfabetização por meio de uma visão sistêmica; A aquisição da leitura e da escrita: um
estudo de caso em escola pública de Duque de Caxias sobre as tecnologias digitais
e as habilidades de ler e escrever; Cinema negro e educação infantil: contribuições à
formação dos sujeitos; O desenvolvimento de oficinas pedagógicas como metodologia
de ensino na Educação de Jovens e Adultos.

Destaca-se nesta produção a inquietação dos autores em defender pos-


síveis transformações paradigmáticas para as práticas alfabetizadoras. Assim, a
escrita, ou o registro, recorrendo à atuação profissional associada com o diálogo
prática/teoria/prática, evocava um debate sobre a cultura docente e a importân-
cia da participação e dos registros dos professores como fontes privilegiadas para
o entendimento sobre os desafios com a alfabetização escolar. Neste sentido, as
publicações destes profissionais são importantes, porque tornaram públicas as
concepções ideológicas e os significados acerca de imposições oficiais e as for-
mas para superá-las na docência.

Assim sendo, para o FEARJ, tornou-se fundamental avaliar as formas de


participação destes profissionais. Estas já se efetivavam nas plenárias, mas era
preciso constituir um movimento a viabilizar práticas formativas mais horizon-
tais, como o registro dos trabalhos e dos professores como “intelectuais orgâni-
cos”.Intelectual orgânico é um tipo de intelectual que se mantém ligado à sua
classe social originária, atuando como seu porta-voz. É um conceito criado pelo

4
Há somente os 11, porque esses se propuseram a transformar seus resumos em relatos e artigos
sobre o trabalho pelo FEARJ. Outros optaram por apresentar o estudo em outras publicações.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 20


italiano Antonio Gramsci. A escola, segundo o autor, é o espaço para elaboração
dos intelectuais de todos os níveis. Ela reflete o desenvolvimento histórico e
cultural real de uma dada formação social. Enfim, estes profissionais chegam
nas universidades e tomam a consciência de um campo novo, mas intervindo e
mediando informações e diálogos a partir da experiência com determinada reali-
dade educacional. (GRAMSCI , 1979)

Dessa forma, manter a publicação dos trabalhos apresentados de forma


oral representa a garantia da participação e a visibilidade destes nos debates
sobre alfabetização. Neste sentido, o FEARJ, inspirado nos estudos de Alves,
defende que

uma das maiores dificuldades de se trabalhar com o cotidiano,


muitas vezes, é tentar convencer aquelas que o fazem de que
fazem coisas importantes. É quase impossível que as profes-
soras entendam que o que criam é algo que pode interessar a
outras, e que, por isto, devem registrá-lo. Muito poucos perce-
bem que as conversas de todo dia que têm entre si deveriam
ser escritas ou gravadas, porque revelam aspectos importan-
tes sobre os processos pedagógicos, didáticos ou curriculares,
que de nenhuma outra forma podem ser entendidos, analisa-
dos e organizados, e por que interessam tanto aos que a ouvi-
ram. As professoras acham, sempre, que aquilo que fazem não
tem importância [...] ‘pois todo mundo faz’ (1998, p. 7).

A valorização da voz “falada e escrita” daqueles interessados pela alfabe-


tização escolar fez com que o Colegiado não esquecesse as propostas trazidas
por diferentes autores acerca de suas percepções sobre as mudanças para este
campo em 2019, em especial, advindas do Ministério da Educação. Era preciso
analisá-las para pensar nos novos “ventos”, ou debates, no ano de 2020.

Desse modo, dialogar sobre a alfabetização, mais que uma ação de urgên-
cia, torna-se um caminho para a constituição de espaços que possibilitam o en-
volvimento da sociedade na discussão sobre novas possibilidades nos processos
de ensino aprendizagem.

Diante disso, o Fórum Estadual de Alfabetização do Rio de Janeiro (FEARJ)


que tem como marca, desde a sua criação, a potencialização de espaços presen-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 21


ciais abertos para o diálogo entre entidades governamentais, não governamen-
tais, movimentos sociais, sindicatos e pessoas físicas com atuação na área da
educação, bem como aquelas que atuam em defesa das Políticas de Alfabetiza-
ção, Leitura e Escrita, teve suas atividades adaptadas ao formato digital no ano
de 2020, frente os desdobramentos da pandemia de Covid-19. A partir disso, se
propôs uma agenda de trabalho discutida de forma conjunta e democrática entre
Secretaria Executiva e Colegiado do Fórum para a elaboração de um cronogra-
ma de atividades,  pautas,  cronograma de reuniões,  plenárias, questionários e
lives. Tudo isto, objetivando discutir os mais distintos contextos enfrentados por
professoras e professores, alunas e alunos, diante da necessidade de adequação
às atividades remotas, uma vez que foram adotadas medidas de distanciamento
social e houve a interrupção das aulas devido à emergência sanitária. Isto impli-
cou diretamente na indispensabilidade da reinvenção docente.

Com isso, o FEARJ atrelou seus objetivos já estabelecidos, à atuação massi-


va na discussão acerca de novos possíveis caminhos para a alfabetização, reunin-
do-se com profissionais docentes, gestores de distintas instituições e licencian-
dos do curso de pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (FE/UFRJ), além de outras instituições de ensino superior, es-
tabelecendo ações com intuito de promover o debate sobre as aulas remotas, a
aplicação de exercícios e apostilas online, vídeos com conteúdos disciplinares e
virtuais, uso de canais no YouTube e das redes sociais para o contexto pedagó-
gico. Além de propiciar complexos debates sobre formação inicial e continuada
docente, avaliações, condições de acesso ao ensino remoto, ensino híbrido, saú-
de física e psicológica dos profissionais docentes, estudantes e suas famílias em
razão dos impactos causados pelo período pandêmico nas relações dos sujeitos
com os sistemas educacionais de ensino público e privado.

Neste contexto, o Fórum contou com a ampliação de participantes de


membros do Colegiado e da Secretaria Executiva do FEARJ, pois houve signifi-
cativas expansões das frentes de atuação. Era preciso também considerar outras
maneiras para discutir e acordar deliberações. Outrossim, tratou-se da realização
de Plenárias Extraordinárias, nas quais aconteceram importantes deliberações e
ações do Fórum, em especial, para tratar do processo de ensino e aprendizagem
durante o isolamento social. Assim se deu a mais importante plenária intitulada:
Alfabetização em tempos de pandemia: pensando em um possível retorno.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 22


Ressalta-se que em cada plenária ocorrida no ano de 2020, totalizaram mais
de duzentos e cinquenta participações online. Além disso, realizaram-se duas im-
portantes lives, com transmissão via a plataforma onlineYouTube, tratando sobre
das seguintes temáticas: O “não-lugar” da alfabetização em tempos de pandemia e
Alfabetização em tempos de pandemia: O que dizem as professoras alfabetizadoras?
Estas lives totalizaram um alcance superior a mil e quatrocentas visualizações
com as transmissões do FEARJ.

Ressalta-se ainda que as atividades online foram fundamentais para o es-


tabelecimento do diálogo entre professores do país, porque o debate sobre a
alfabetização gerou um frutífero diálogo entre os participantes do FEARJ e pa-
lestrantes de distintos estados do Brasil, oportunizando a reflexão e o debate
com profissionais da Escola Básica e alunos das licenciaturas do estado do Rio
de Janeiro.

Da mesma forma, houve também a reivindicação de estudantes do curso


de Pedagogia da Universidade Federal do Rio de Janeiro para participar das ati-
vidades do referido Fórum. Justamente a proposta de horizontalidade favoreceu,
ainda em 2020, a criação de rodas de conversas com 95 estudantes de licen-
ciaturas e de algumas universidades do estado do Rio. Os encontros virtuais e
semanais apresentaram temas inicialmente delineados pelo Colegiado, contudo,
na medida em que avançava a pandemia, os estudantes sugeriram mudanças no
planejamento, mostrando para o Colegiado os temas que inquietavam os futuros
professores alfabetizadores da Escola Básica. Assim, diante de tempos difíceis, o
FEARJ precisou lidar com a pandemia da Covid-19, mas foi a partir dos encontros
virtuais - um espaço de troca de vivências, conversas e acolhimento, uma vez
que “durante essas trocas não há como prever as questões que irão surgir e as
discussões que serão tecidas, é como investigar tendo como referência a abertu-
ra ao outro”. (Ribeiro, Sampaio e Souza, 2018, p 36). Eis os temas desenvolvidos
a partir das sugestões dos estudantes: BNCC/Formação de professores/Formação
docente; Inclusão e Mediação Escolar; Relação Família e Escola/Degase; Políticas
de Alfabetização na Educação de Jovens e Adultos; Pedagogia Hospitalar; Currículo
e Avaliação no Processo de Alfabetização; Multiculturalismo;  Assentamentos(MST)/
Escolas do Campo; Currículo e Educação Infantil; Artes na Alfabetização; Autismo, Li-
bras e Deficiências Visuais; História da Alfabetização; Educação Indígena; Abordagens
Metodológicas e Didáticas na Alfabetização; Educação Quilombola; Alfabetização na

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 23


Educação de Jovens e Adultos; Alfabetização e Letramento. Esses encontros e os de-
bates proporcionaram momentos de reflexão e conhecimento possibilitando aos
alunos extensionistas contato com temas pouco abordados no currículo universi-
tário, como também foram fundamentais para delinear os temas para o encontro
estadual de 2020. Neste sentido, a extensão nos fez perceber a importância de
espaços democráticos de diálogo que abordem as diversas facetas da educação.

A extensão traz assuntos que geram inquietação e relevância


nesse tempo, não só para a gente, mas para muitos outros su-
jeitos que não ocupam a universidade, além de ser um gatilho
para o que ainda vamos viver como futuros professores e pes-
quisadores. O grupo além de ser heterogêneo se mostra unido e
com um pensamento crítico aprimorado, o que faz fluir melhor
os nossos momentos. Estamos vivendo esta pandemia e não
podemos nos encontrar fisicamente, mas mesmo de longe e é
um acalento para nós! (Relato da aluna Raíssa Machado de Car-
valho, estudante do curso de Pedagogia da UFRJ).

Juntamente com os posicionamentos de professores e estudantes, o Cole-


giado organizou vários encontros para analisar e organizar mais uma atividade,
contudo mais ampla, na qual pudesse proporcionar reflexões acerca das reivindi-
cações apresentadas durante o ano.

Dito isto, realizou-se também o III Encontro do Fórum Estadual de Alfabe-


tização do Rio de Janeiro, a partir do seguinte tema: Experiência Docente: Novos
Ventos Para a Alfabetização, considerando os seguintes eixos temáticos: Alfabeti-
zação em tempos de pandemia; Pedagogias da alfabetização; e Formação inicial e
continuada do alfabetizador. Mais uma vez a Secretaria Executiva e o Colegiado
foram surpreendidos com a participação online no evento. Este contabilizou 207
inscrições, sendo cento e cinquenta e seis como ouvintes e cinquenta e uma com
submissões de trabalho, além de vinte e nove relatos de experiência para publi-
cação.

Este encontro contou com 156 participantes, 51 submissões de trabalhos e


29 relatos de experiências. As análises foram atreladas com os seguintes eixos:1.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 24


Alfabetização em tempos de pandemia; 2. Políticas públicas de alfabetização e
Pedagogias da alfabetização; 3. Currículo, Inclusão e Avaliação da Aprendizagem
na Alfabetização; 4. Formação Inicial e Continuada do Alfabetizador.

É importante frisar que 15 trabalhos compõem esta obra. São eles: Alfa-
betização em tempos pandemia: os desafios de alfabetizar mantendo a qualidade do
ensino;Facebook: uma ferramenta em rede de ensino remoto; Festa de aniversário
em tempos de pandemia: contexto afetivo e significativo para abordagens pedagó-
gicas envolvendo oralidade, leitura e escrita na educação infantil; Alfabetização de
jovens e adultos em tempos de pandemia: um olhar sobre o plano de ação realizado
por professores de uma escola da rede de ensino do município de Duque de Caxias;
Reflexões acerca de uma prática de alfabetização no ensino fundamental; Dispositivo
pedagógico ‘WhatsApp do Priscila’: o protagonismo discente como centralidade do
processo de alfabetização; Você é uma professora de verdade: reflexões sobre currícu-
lo e alfabetização; Memórias afetivas: registros de histórias de vida e vozes na EJA; A
importância da formação continuada para o professor alfabetizador: Reflexões sobre
a profissão docente à luz de António Nóvoa; Formação continuada em serviço: apro-
priação da linguagem escrita nos anos iniciais de escolarização; Estágio de docência
e PIBID: uma experiência de formação inicial de alfabetizadores; Estágio Remoto
na Educação Infantil: Diálogo entre Minas e Pará; Relato de Experiência da atuação
pedagógica no Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica;Cone-
xões e interlocuções da formação inicial na alfabetização; Desafios de uma professora
alfabetizadora iniciante em tempos de ensino remoto.

A discussão destes temas proporcionou momentos de reflexões e discus-


sões, incentivando a participação efetiva de professoras, professores e estudan-
tes. Mais uma vez constatou-se que o encontro estadual gera um amplo diálogo
entre a comunidade educacional, possibilitando inclusive a divulgação de um
questionário. Este propiciou uma análise acerca das distintas opiniões, vivências
e projeções sobre possível retorno às aulas presenciais. O FEARJ acabou rece-
bendo mais de duzentas respostas advindas do questionário, que após análise do
Colegiado, propiciou a elaboração de uma carta pública do FEARJ sobre o retorno
às aulas presenciais. 

Com essas atividades e movimentos adaptados, percebemos que a flexibi-


lização das ações do FEARJ no ano de 2020, foi fundamental para compreender-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 25


mos a importância da criação e potencialização de espaços democráticos dialó-
gicos e horizontais para lidar com os mais distintos contextos, sendo essencial
o conhecimento de realidades e expectativas individuais e coletivas. Esses mo-
vimentos vêm mobilizando interesse por estudo e pesquisa acerca de temáticas
sobre a alfabetização escolar, como também a importância da garantia de ações
dialógicas e de efetivas políticas públicas. Da mesma maneira, com a criação de
práticas de resistência, tendo em vista o pleno acesso aos direitos sociais, como
a Educação pública e o respeito das particularidades dos diversos contextos so-
ciais, culturais e políticos. Desta forma, tornou-se relevante a publicação dos tra-
balhos apresentados nos eventos estaduais dos anos de 2019 e 2020, pois estes
refletem as características de um tempo histórico político-pedagógico desafiador
para a Educação Básica. Estes textos estão divididos em seções temáticas e cada
uma apresenta uma síntese acerca dos estudos apresentados.

Por fim, desejamos que esta obra possa colaborar com o processo de apro-
priações das propostas governamentais que não se fazem de forma neutra e sem
conflitos. Da mesma maneira, desejamos que possam elucidar os caminhos per-
corridos por todos os envolvidos marcados por necessidades e interesses que se
originaram dos percursos na trajetória profissional, nas formações de professores
e das vivências na sala de aula. Estas são questões instigantes, que não se esgo-
tam nas análises desta obra, mas convidam sempre a continuar indagando sobre
o processo de ensino da Língua Portuguesa. Afinal, a brilhante escritora Clarice
Lispector nos lembra em suas reflexões: “Nem tudo o que escrevo resulta numa
realização, resulta mais numa tentativa. O que também é um prazer. Pois nem
tudo eu quero pegar. Às vezes, quero apenas tocar. Depois o que toco, às vezes
floresce e os outros podem pegar com as duas mãos”.

Referências

ALVES, Nilda. Cozinha e escola: algumas aproximações possíveis. XXI Reunião Anual
da ANPED, Caxambu: cd-rom, 1998.

GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. 3. ed. Rio de Janeiro:[s.n.],


1979.

LISPECTOR, C. A cidade sitiada. 8 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 26


MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Alfabetização no Brasil: conjecturas sobre
as relações entre políticas públicas e seus sujeitos privados. Revista Brasileira de
Educação v. 15 n. 44 maio/ago 2010.

RIBEIRO, Tiago; SOUZA, Rafael de; SAMPAIO, Carmen Sanches. Conversa como
metodologia de pesquisa uma metodologia menor? In: RIBEIRO, Tiago; SOUZA,
Rafael de; SAMPAIO, Carmen Sanches (Orgs.). Conversa como metodologia de pes-
quisa: por que não? Rio de Janeiro: Ayvu, 2018, p 36.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 27


CARTA DOS ESTUDANTES INTEGRANTES DA EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA DO FÓRUM ESTADUAL DE ALFABETIZAÇÃO DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Prezados Professoras e Professores, Colegas e Autoridades,

O cenário da pandemia pela COVID-19 nos trouxe clareza acerca de alguns


desafios que enfrentamos no Rio de Janeiro, a partir de uma melhor percepção
sobre o cenário por nós vivido e marcado por tantas desigualdades sociais, nas
quais somos submetidos, além de mais preocupações sobre o agravamento de tal
situação.

Antes da pandemia, já encarávamos lutas diárias para nos manter em uma


Universidade pública. Primeiro, após muito esforço, conseguimos acessá-la por
meio do ENEM e depois para permanecer na Instituição. Nossos dias de estudantes
eram cheios de preocupações, como: garantir a alimentação, transportes para os
Campi universitários, livros e materiais impressos. Não fosse suficiente havia a de-
manda presencial: manter frequências nas aulas, participar de pesquisas e ativida-
des de extensão ou estágios obrigatórios. Tudo isto exigia um grande esforço e, de
certa forma, perplexidade, porque nem todos as alunas e alunos foram contempla-
dos com bolsas ou auxílios para a simples exigência de ser um estudante do ensino
superior. Tal cenário parecia algo “normal”, embora nos incomodasse o corre-corre,
o cansaço para “dar conta de tudo” e garantir o que é prometido a nós: o direito a
educação, proclamado na Constituição Brasileira. Justamente este direito, vem à
tona e está em voga nos atuais debates educacionais nesta pandemia.

Ressaltamos, contudo, nossa preocupação para que este direito seja posto
em prática, pois, na medida em que crescem os números de infectados com a
COVID-19, começamos a lidar, mais claramente com situações que podem trazer
problemas para os estudantes e, no nosso caso, também futuras professoras e
professores. Tais perdas podem ser extensivas para além da obtenção do nosso
curso superior, mas estas podem ser indutores de políticas educacionais mais per-
versas, prejudicando, pelo menos, duas gerações à frente da nossa. Para melhor
compreensão, elucidamos alguns fatos sobre nossas realidades:

Podemos afirmar, sem dúvidas, que conviver com uma pandemia no século
XXI, exige um processo comunicativo bastante distinto de outros tempos históri-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 28


cos: acesso e uso da tecnologia digital, pois a nossa inserção, ainda que pequena
anteriormente, exige neste momento, maior contato via comunicações remotas.
Em nosso país, entretanto, ficou visível que atividades como aprender, ensinar e
até trabalhar com a tecnologia é algo bem difícil. Possuímos toda ordem de difi-
culdades, em especial, alguns dos estudantes da Pedagogia que advém de grupos
mais pobres, vulneráveis socialmente e enfrentam os seguintes desafios: a rede
de internet é comunitária e/ou clandestina; há instabilidade com o sinal e pouca
qualidade no serviço; o aparelho celular quebrado, danificado e, portanto, sem
acesso à internet; a rede familiar não suporta a transmissão ou um único aparelho
é compartilhado por vários membros da família; necessidade de usar a internet
do vizinho, pois não há acesso próprio e existe um tempo mínimo previsto para
as atividades remotas. Tal situação se torna mais complexa, quando assumimos a
educação dos menores (filhos e irmãos) em casa, porque estes precisam cumprir
a carga horária exigida por secretarias de educação e MEC e, diferentemente do
ensino superior, é algo inflexível. Assim, crianças recebem atividades escolares três
vezes por semana, uma grande quantidade de videoaulas e, consequentemente,
processo mecânico de aprendizagem.

Soma-se a isto, as dificuldades financeiras a partir da pandemia, pois alguns


de nós, com estágios remunerados, foram dispensados no início do isolamento so-
cial e estão sem nenhum recurso econômico. Tal situação, como vocês podem ima-
ginar, também se ampliou para nossos familiares. Para evitar mais consequências,
alguns estudantes estão com o “trabalho remoto” e este vem com características
que afligem um “estudante trabalhador”: vive-se a dualidade de ter que conciliar
as atividades profissionais com família, pessoas doentes (contaminadas) em casa,
perdas de familiares, amigos e colegas. Além disso, há ainda uma circunstância
que agrava a relação o aspecto financeiro: o assédio moral no emprego: vive-se a
ameaça constante de uma possível demissão, como também um tipo de “punição”,
pois o trabalhador não pode se posicionar contra a rotina das atividades que o
trabalho dispõe.

Associadas às questões com a tecnologia e condições financeiras, ainda en-


caramos dificuldades emocionais que são mais intensas que estas, pois, temos que
gerar um clima familiar estável e habituarmo-nos a viver novas formas de intera-
ção no ambiente familiar. Isto associado com a tensão de quem vive com o suspen-
se em socorrer a própria família ou vizinhos, como as situações de vulnerabilidade
social, comumente vividas nas comunidades cariocas com a rotina de operações

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 29


policiais. Enfim, estamos impossibilitados de participar “presencialmente”, seja fí-
sica ou psicologicamente, de qualquer tipo de “sala de aula”, pois estamos lutando
pela vida em todos os sentidos.

Sabemos sobre a importância de aproveitar o momento e criar vínculos en-


tre a comunidade acadêmica e estudantes. Reconhecemos a necessidade de es-
tabelecer a relação entre professoras, professores, alunas e alunos. Defendemos
um urgente movimento de defesa da Universidade pública. No entanto, estamos
muito preocupados com a ideia de que temos que recuperar nossas atividades aca-
dêmicas, em especial, por aulas remotas. Como já apresentamos, estamos diante
de “novas” rotinas com uma pandemia e enfrentando muitas dificuldades, porque,
infelizmente, nos acostumamos a pensar que, após formarmos, poderíamos ter
chances de conquistar alguns direitos, como por exemplo, uma profissão e, con-
sequentemente, o acesso dos bens culturais e econômicos. A pandemia nos mos-
trou que este movimento não irá nos prestigiar, pois estamos assistindo uma crise
humanitária. Somos testemunhas de que mudanças são necessárias e em todos
os sentidos: sociais, econômicos, culturais, profissionais, enfim, especialmente na
própria formação de futuras professoras e professores.

Indagamos: nossa “volta” não terá que ser pensada e de forma dialogada
com toda comunidade acadêmica, pois acessar tecnologias com simples reposição
de aulas e conteúdos não irá reproduzir algo sem sentido para o atual momento?
Da mesma forma, questionamos: Se os dias, para nós, tão sofridos, não podem ser
transformados em frutíferos debates sobre as questões que geram inquietação e
relevância diante de uma pandemia, sendo a Universidade protagonista na ação de
disparar melhor compreensão sobre o que está acontecendo com a Educação? Fi-
nalmente, embora afastados fisicamente, não podemos nos aproximar planejando
atividades que, para além do cumprimento de um período letivo, estejamos prote-
gidos em nossas casas, porém possamos provocar mudanças radicais na forma de
perceber a Educação e a importância do pedagogo na sociedade?

Por tudo o que foi dito, queremos “voltar” para as atividades acadêmicas,
mas pedimos que analisem as condições reais enfrentadas por nós, estudantes e
futuros pedagogos. Com certeza, um país que despreza a formação de uma pro-
fessora e de um professor possivelmente não irá vencer desafios um tanto difíceis,
que ficaram tão visíveis diante da pandemia pelo Coronavírus.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 30


CONFERÊNCIAS DOS ENCONTROS DO
FÓRUM ESTADUAL DE ALFABETIZAÇÃO
DO RIO DE JANEIRO

II ENCONTRO ESTADUAL DO FEARJ


ALFABETIZAÇÃO E DIVERSIDADES NOS MODOS
DE APRENDER E ENSINAR

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 31


ALFABETIZAÇÃO E DIVERSIDADE NOS
MODOS DE APRENDER E ENSINAR

Ana Paula Abreu Moura


anapaulaabreumoura@gmail.com
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Iniciando nossa conversa

Em outras palavras, a alfabetização, como construto radical,


devia radicar-se em um espírito de crítica e num projeto de
possibilidade que permitisse às pessoas participarem da com-
preensão e da transformação de sua sociedade. Como domínio
de habilidades específicas e de formas particulares de conhe-
cimento, a alfabetização devia tornar-se uma precondição da
emancipação social e cultural. (GIROUX, 1990, p. 2)

O processo alfabetizador se constitui como uma discussão fundamental no


campo educacional, não só pelo fato de a alfabetização representar o “alicerce”
para a apropriação da linguagem escrita, como pelo vínculo que ela estabelece
em nossa organização social entre conhecimento e poder, configurando-se como
espaço de luta política e cultural. Uma vez que o acesso à linguagem escrita
possibilita a democratização do conhecimento socialmente construído e a eman-
cipação dos sujeitos, mas é verdade também que ele pode servir como forma de

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 32


repressão e dominação, além de ferramenta para manutenção das desigualdades
sociais existentes em nosso país.

Esse olhar para a alfabetização apresenta uma complexidade ainda maior


do trabalho desempenhado pela escola com essa etapa inicial do processo de
ensino-aprendizagem. Isso porque ele não pode se restringir ao desenvolvimento
de habilidades de leitura e escrita, ao domínio das normas gramaticais e ortográ-
ficas, enfatizando uma visão formalista da linguagem escrita e deixando de ver o
processo alfabetizador como meio de construção da experiência de cada um com
o mundo. Pelo contrário, a alfabetização precisa ser compreendida em seus con-
textos históricos e relacionais, assim como seus sujeitos devem ser vistos a partir
da diversidade que os conota. Ressalta-se aí o respeito às diferentes culturas
existentes no espaço escolar. Culturas que, mais do que valorizadas, precisam ser
incorporadas ao processo educativo a partir do seu entendimento como campo
de luta e contradição, onde estão presentes, implicitamente, distintas visões do
papel do homem e da sociedade.

Partindo dessa premissa, fica mais clara a complexidade do processo de


alfabetização e os diversos elementos que o compõem, que precisam estar pre-
sentes na prática educativa, mas, fundamentalmente, nos cursos de formação
de professoras1. A preocupação docente com o como ensinar, que metodologias
utilizar e com quais materiais didáticos contar não pode estar dissociada da busca
pela compreensão da forma como o alfabetizando aprende, e de que conheci-
mentos ele já construiu sobre o sistema de escrita alfabética a partir das distintas
interações com a linguagem escrita. Tampouco pode prescindir de uma visão
crítica do processo alfabetizador que traga a clareza de a favor de quem e do quê
e, portanto, contra quem e contra o quê está a tarefa educativa, como muitas ve-
zes Paulo Freire nos convidou a refletir, ao negar a neutralidade da educação e
denunciar a tentativa tratá-la como um quefazer puro a serviço da humanidade
entendida como uma abstração. Afinal, como nos lembra o educador “[...] não é
possível texto sem contexto” (FREIRE, 2001, p. 19).

1
Diante do fato de as classes de alfabetização, majoritariamente, terem uma mulher como docen-
te, neste texto, opto por fazer referência ao gênero feminino.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 33


A formação de professoras e a construção da prática educativa

As discussões colocadas acima nos apontam a necessidade de um grande


investimento nos cursos de formação de professoras, que propicie a qualificação
de sua atuação, a partir de conhecimentos dos princípios linguísticos presentes
no funcionamento do sistema de escrita alfabética, mas também do olhar para a
linguagem escrita nas diferentes práticas sociais, entendendo que a autonomia
com a escrita e o acesso ao saber acumulado contribui para o binômio conheci-
mento-poder e, consequentemente, para a manutenção da desigualdade social
em nosso país. Afinal, como nos lembra Cagliari (2009, p. 7): “Nada melhor do que
a ignorância para gerar a obediência cega, a subserviência e o conformismo como
destino irrevogável da condição humana”.

O processo alfabetizador é algo que pode provocar modificações, confir-


mações e ampliações de diferentes leituras, seja de mundo ou da palavra, por
isso exige formação adequada das profissionais que irão conduzi-lo. Nas classes
de alfabetização, seja ela de crianças, jovens, adultos ou idosos, estão presentes
inúmeros elementos, que vão desde as questões de ordem conceituais e didáti-
cas, a atuação da professora como mediadora nas relações com a escola, até a
própria adaptação dos educandos às normas escolares. Isso acaba por provocar
inúmeras indagações quando pensamos nos processos de formação de professo-
ras, seja a inicial ou a permanente: quais são os conhecimentos indispensáveis
para uma professora alfabetizadora? Como selecionar, organizar e desenvolver os
conteúdos? Quais são os fatores presentes na escola e fora dela que interferem
na alfabetização? Que relações existem entre desigualdade social/analfabetismo
e conhecimento/poder?

Diante das questões colocadas, vemos que o trabalho docente necessita


de maior investimento, tanto no processo formativo quanto nas condições ma-
teriais necessárias para sua execução, uma vez que é fundamental que a pro-
fissional elabore, pesquise e compreenda, no planejamento de suas ações, que
princípios teórico-metodológicos estão sendo adotados, quais intencionalidades
estão presentes no trabalho com tal ou qual atividade e como ela dialoga com o
conjunto das ações alfabetizadoras. Exercendo, dessa forma, seu trabalho como
uma intelectual da educação. Assim, rompe-se com a visão da professora como
mera reprodutora de atividades pedagógicas ou materiais didáticos, sem a devida
reflexão sobre a condução do processo educativo e as práticas desenvolvidas.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 34


Com Freire, vemos a importância de que o professor se entenda, porque
professor, como pesquisador. Nesse sentido, o olhar investigativo para as práti-
cas cotidianas é imprescindível, pois:

Na formação permanente dos professores, o momento funda-


mental é o da reflexão sobre a prática. É pensando critica-
mente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar
a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à
reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase
se confunda com a prática. O seu “distanciamento” epistemo-
lógico da prática, enquanto objeto de sua análise, deve dela
“aproximá-lo” ao máximo. Quanto melhor faça esta operação
tanto mais inteligência ganha da prática em análise e maior
comunicabilidade exerce em torno da superação da ingenui-
dade pela rigorosidade. (FREIRE, 1998, p. 43-44)

O olhar para o cotidiano escolar reforça que a prática educativa tem movimen-
to, dinamicidade, diferenças, conflitos, criatividade. Essas características possibilitam
estimular homens e mulheres a pensarem a sua relação com o mundo, a intervi-
rem na realidade construindo práticas emancipadoras. A reflexão sobre a prática nos
apresenta a multiplicidade de saberes presentes, que podem direcionar pedagogica-
mente o trabalho e nos remetem à leitura de sala de aula como um texto, repleto
de mensagens que possibilitam identificar a diversidade cultural e linguística dos
processos de construção do conhecimento, tanto por parte do educando como por
parte da educadora.

Em inúmeras ocasiões, crianças, jovens, adultos e idosos expressam como se


dá a construção que elaboram acerca da língua escrita. Em suas falas, na forma como
respondem às questões colocadas e em suas sistematizações, é possível identificar
os recursos que utilizam na busca de compreensão de sua autonomia com a leitura e
a escrita. Recursos diversos, muitas vezes, singulares, que apresentam a diversidade
nos modos de aprender e apreender. Na ausência de um saber sistematizado, eles
comparam, excluem, reorganizam, ordenam, categorizam, comprovam, formulam e
reformulam hipóteses. Esses conhecimentos, se incorporados ao processo educativo,
podem conferir sentido e significado aos diferentes aprendizados.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 35


Cabe destacar que a experiência dos educandos emerge em diferentes for-
mas, deixando claro que a interação com a linguagem escrita não está restrita ao
espaço escolar, ela também envolve distintas situações vivenciadas, que exigi-
ram seu uso na vida cotidiana. Então, não podemos ignorar que as práticas sociais
possibilitaram aos sujeitos aprendizes a construção de conhecimentos acerca do
sistema de escrita alfabética, assim como da diversidade de gêneros textuais,
suportes e funções da escrita. A percepção desses distintos movimentos pela
docente pode contribuir para a construção de uma prática dialógica, que traga
potencialidade para o ato alfabetizador. Isso exige maior qualificação dos pro-
cessos de formação inicial e permanente. Porém, exige também o olhar atento e
muita sensibilidade.

Se, para a leitura de textos, necessitamos de instrumentos


auxiliares de trabalho como dicionários de vários tipos e en-
ciclopédias, também para a “leitura” de classes, como se fos-
sem textos, precisamos de instrumentos menos fáceis de usar.
Precisamos, por exemplo, de bem observar, bem comparar,
bem intuir, bem imaginar, bem liberar nossa sensibilidade, crer
nos outros, mas não demasiado no que pensamos dos outros.
(FREIRE, 1994, p. 68).

Aceitar o convite de Freire, contudo, não é uma tarefa fácil, pois, na pers-
pectiva da leitura de classes, a professora também está na tessitura desse texto.
Da posição em que estamos, conseguimos ver apenas aspectos da situação, não
o todo, falta-nos o excedente de visão (BAKHTIN, 2000). E se, por um lado, a in-
serção nas classes de alfabetização e a aproximação dos educandos possibilitam
leituras que um pesquisador externo não conseguiria ter, por outro, em alguns
momentos, vemo-nos tão imbricadas na ação, que o “distanciamento” necessário
à reflexão pode ser mais difícil.

Diante disso, cabe destacar o papel fundamental da socialização de dis-


cussões no coletivo de professoras. Apesar de estarmos submetidos ao condicio-
namento de uma cultura do êxito e de sucesso pessoal – ainda mais estimulada
pelo projeto político neoliberal – que traz a ideia de que melhorias de condições
de trabalho, e da própria vida, dependem exclusivamente de esforço e iniciativas

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 36


individuais, a construção coletiva, por vezes, rompe a lógica da competição, da
exclusão e do individualismo. Tal qual um raio de sol que se infiltra pelas frestas
da cortina, a solidariedade, o respeito e a partilha adentram as brechas da lógica
capitalista e encontram lugar em nossa sociedade. Nas escolas, elas podem ser
representadas pelo fazer coletivo.

A força do fazer coletivo

As reflexões feitas no coletivo nos possibilitam distintas leituras de uma


mesma situação, pois é importante destacar que seguir as pistas do cotidiano
escolar é uma forma muda de conhecimento. Com Ginzburg (1989, p. 179), vemos
que “[...] ninguém aprende o ofício de conhecedor ou de diagnosticador limitan-
do-se a pôr em prática regras preexistentes. Nesse tipo de conhecimento entram
em jogo (diz-se normalmente) elementos imponderáveis: faro, golpe de vista, in-
tuição”. Assim, quando recebemos a contribuição de outras “leituras”, ampliamos
nossa capacidade de compreensão e conseguimos perceber novas nuances da
situação vivida, o que possibilita “enxergarmos” o que antes não víamos.

Essa discussão me remete às reflexões tecidas do lugar de professora al-


fabetizadora, quando a equipe discutia a necessidade de falarmos com e não
falarmos para (FREIRE, 1987).Trazendo dados de sala de aula, o coordenador pe-
dagógico relatou o momento vivido por ele quando atuava na classe de alfabeti-
zação de adultos, dando aula para garçons de uma churrascaria. Na tentativa de
trabalhar a multiplicação e diante da dificuldade de entender dos alunos, ele foi
lançando exemplos, citando os nomes dos alunos e criando situações-problemas,
tais como: “se Manoel foi à cozinha três vezes levando oito pratos de cada vez,
quantos pratos ele levou ao todo?”. Segundo Paulo, nosso coordenador, diante
desse exemplo, um aluno espantado falou: “Ah!!! Professor!!! Isso é que é vez?
Isso é que é conta de vez? Agora eu entendi!!!”.

A discussão gerada a partir do relato de Paulo nos alertou para questões


que estão presentes no cotidiano escolar, mas que nem sempre são identificadas,
como as explicações que reproduzimos sem nos dar conta de que, para o outro,
elas não são compreensíveis. Muitas vezes, automatizamos uma linguagem esco-
lar que se apresenta nítida para nós, mas que não alcançam o outro. Isso faz com
que, ao olharmos para os educandos, possamos identificar em suas faces e seus

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 37


corpos questionamentos e dúvidas não verbalizados. Com a “leitura” das posturas
dos educandos, percebemos ainda a diversidade presente nos modos de aprender
e ensinar, que anunciam processos cognitivos diversos pelos educandos e expli-
citam as concepções de educação que estão norteando o trabalho educativo. No
caso específico da classe dos garçons, é possível refletirmos sobre a concepção
bancária que subjaz muitas de nossas práticas educativas.

Em Pedagogia do Oprimido, Freire alerta para o caráter narrador e disserta-


dor da relação estabelecida entre educador e educando, na qual tem destaque a
sonoridade da palavra e não sua força transformadora:

[...] Nela, o educador aparece como seu indiscutível agente,


como seu real sujeito, cuja tarefa é “encher” os educandos dos
conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da
realidade desconectados da totalidade em que se engendram
e em cuja visão ganhariam significação. A palavra, nestas dis-
sertações, se esvazia da dimensão concreta que devia ter ou
se transforma em palavra oca, em verbosidade alienada e alie-
nante. Daí que seja mais som do que significação [...] (FREIRE,
1987, p. 57).

Na concepção bancária de educação, o conhecimento é constituído de in-


formações e fatos a serem transmitidos da professora, considerada “detentora do
saber”, para o aprendiz, que não é estimulado a falar a não ser no caso de tirar
dúvidas. Se não for para obter esclarecimentos sobre o conteúdo da aula, a fala
do educando é associada à indisciplina por toda a comunidade escolar, pois os
próprios estudantes, moldados a partir dessa concepção, também apresentam
incômodos com o falar de um igual. O conhecimento, assim, é tratado como
algo externo à prática educativa, que independe das pessoas envolvidas no ato
pedagógico.

Na perspectiva bancária, o que se espera é que os educandos, independen-


temente de suas trajetórias, recebam da mesma forma os conteúdos “aplicados”
e tenham que responder de uma única maneira, considerada a correta. E, quando
silenciados, não são só suas vozes que deixamos de ouvir, pois, ao emudecê-las,

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 38


também são silenciados seus saberes, sua cultura e seu processo de construção
do conhecimento. Por um lado, silenciamos a diversidade existente em nossa
sociedade e, por outro, perdemos a possibilidade de enriquecimento do processo
educativo a partir dessa diversidade.

A ruptura com a concepção bancária nos traz a percepção de que a prática


educativa não é algo estático, pelo contrário, tem vida, conflito, turbulência. Po-
rém, acima de tudo, ela traz em si um potencial criador de estimular homens e
mulheres, a partir da compreensão da realidade em que vivem, a se entenderem
como sujeitos e não como meros objetos de uma história que não é, está sendo.
História construída por homens e mulheres, portanto, passível de ser transforma-
da por eles. A condução da história não está na mão de outrem, mas é responsa-
bilidade de todos, seja por sua contribuição de forma ativa ou por sua omissão.

As reflexões coletivas em torno das situações presentes no cotidiano esco-


lar nos levam a afirmar a importância da formação permanente das professoras,
tendo clareza de que a formação docente não se dá apenas nos limites dos cur-
sos de licenciatura, pelo contrário, acreditamos que o processo de construção da
identidade docente é complexo e multifacetado, tal qual um mosaico, construído
em forma de rizoma, diante das nuances que o constituem (MOURA, 2017). Ele
une experiências coletivas, pessoais, profissionais e escolares, além de mobilizar
diferentes saberes (PIMENTA; LIMA, 2011) que, quando articulados, vão forjando
e constituindo a professora.

O conhecimento da nossa diversidade linguística – um saber necessário à prática

Dentre os muitos saberes necessários à prática educativa, devemos desta-


car os referentes à compreensão da natureza da escrita, de suas funções e usos,
pois as alfabetizadoras se deparam com inúmeras características linguísticas em
seu fazer cotidiano, que incluem desde “[...] a relação entre sons da fala e as
letras da língua escrita, às diferentes maneiras de pronunciar as palavras, às
maneiras como essas variações de pronúncia podem afetar a aprendizagem da
língua escrita e à distinção entre língua escrita e língua falada” (LEMLE, 2009,
p. 5). O trabalho com essas questões exige que os conhecimentos linguísticos
sejam incorporados ao processo formativo, caso contrário, a professora pode não
conseguir identificar os passos trilhados pelos educandos na busca de construção

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 39


da escrita e acabar por classificar como erros movimentos que têm explicação no
próprio sistema e no processo produtivo da língua.

Além disso, é preciso considerar que, no Brasil, que é um país com inúme-
ras comunidades linguísticas, apesar de o sistema alfabético do português ser o
mesmo para todo o território nacional, a conversão para os sons que uma ou mais
letras representam não é a mesma para todos os indivíduos. Com Bagno (2004, p.
35), vemos que “[...] como o nosso ensino da língua sempre se baseou na norma
gramatical de Portugal, as regras que aprendemos na escola em boa parte não
correspondem à língua que realmente falamos e escrevemos no Brasil”. Assim,
vemos que, dada a variação linguística presente em nosso país, muitas das dife-
renças são tidas como deficiência, simplesmente por não corresponderem a uma
regra única, imposta pela gramática normativa.

Contudo, se considerarmos que a língua se funda em seus usos e não o con-


trário, podemos identificar, nos eventos comunicativos em sala de aula, impor-
tantes elementos para a construção de práticas pedagógicas que potencializem
os conhecimentos que o educando já traz consigo, em busca de sua autonomia
com a leitura e a escrita. Ressaltamos a diferença entre considerarmos ou não
a incorporação dos conhecimentos linguísticos que os alunos possuem à prática
educativa, pois isso afetará o tipo de abordagem didática a ser utilizada no pro-
cesso alfabetizador.

Nesse caso, o processo de ensino-aprendizagem da língua escrita, a partir


da ação docente, pode explorar a relação oralidade/escrita, a língua como objeto
de uso e como objeto de análise, e os recursos utilizados pelos sujeitos aprendi-
zes para construir seus conhecimentos sobre a língua. Se partirmos dessa pers-
pectiva, cabe à escola buscar refletir sobre como ela pode se apoiar nos modos
de aprender para também reconfigurar seus modos de ensinar, a fim de tornar
mais fácil e eficiente o aprendizado da língua escrita.

Considerações Finais

A atuação no processo alfabetizadorrequer uma profissional preparada


para o trabalho com suas especificidades, pois, como destacamos no início deste
texto, a alfabetização é um espaço permanente de disputa cultural e política. Ela

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 40


se apresenta como precondição para o engajamento em lutas, em torno tanto da
relação de significados quanto das relações de poder. O que faz com que ela pos-
sa nos impulsionar a construir práticas pedagógicas que reafirmem a diversidade
nos modos de aprender e ensinar e possibilitem que professoras e educandos
recuperem suas vozes e que possam contar suas próprias histórias e se entender
enquanto sujeitos e não objetos dela.

Vale ressaltar que o elevado índice de analfabetismo em nosso país não ex-
pressa meramente a incapacidade de ler e escrever, nem pode ser compreendido
como um fenômeno individual ou resultado de práticas educativas ineficazes.
Ele guarda estreita ligação com as dimensões sociais, econômicas e políticas de
nosso país. Partindo dessa compreensão, a escola tem um papel fundamental a
cumprir, que é garantir que crianças, jovens, adultos e idosos encontrem condi-
ções favoráveis para seu desempenho linguístico, na busca por sua autonomia
com a leitura e a escrita. Assim, a universalização da alfabetização pode contri-
buir para a garantia do direito à educação de todos os brasileiros e se constituir
como uma forma de intervenção na luta por uma sociedade mais justa, inclusiva
e fundamentalmente democrática.

Referências

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Edições Loyola, 2004.

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Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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2009. (Coleção Pensamento e Ação na sala de aula).

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

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Olho D’água, 1994.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.


8. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998. (Coleção Leitura).

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tam. 42. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

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GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo,
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GIROUX, Henry. Alfabetização e a pedagogia do empowerment político. In: FREI-


RE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: leitura do mundo, leitura da palavra.
Tradução: Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

LEMLE, Miriam. Guia teórico do Alfabetizador. São Paulo: Editora Ática, 2009.

MOURA, Ana Paula de Abreu. Construção da identidade do docente da Educação


de Jovens e Adultos: contribuições da prática de ensino e da extensão universi-
tária. In: MOURA, Ana Paula de Abreu; SERRA, Enio (org.). Educação de Jovens e
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PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria do Socorro Lucena. Estágio e docência. 6.


ed. São Paulo: Cortez Editora, 2011.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 42


CURRÍCULO E AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM:
defendendo a produtividade da
desestabilização de um discurso

Marize Peixoto da Silva Figueiredo1


mpeixotofigueiredo@gmail.com
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Desestabilizando discursos hegemônicos: notas sobre possibilidades teórico


epistemológicas

A Teoria Política do Discurso se constitui no contexto dos novos movimen-


tos sociais, como as lutas feministas, negras, movimentos estudantis contra-
culturais e antibelicistas, movimentos revolucionários do Terceiro Mundo, que
tiveram curso no final dos anos de 1960, sinalizando para a emergência de novas
identidades sociais (HALL, 2006). Esse contexto desestabiliza o pensamento
marxista do social como estrutura inteligível, podendo ser totalmente apreen-
dido pelas relações econômicas do modo de produção capitalista e pelo sujeito
de classe que nela se constitui (LACLAU; MOUFFE, 2015). Buscando pensar esses
movimentos sociais, Laclau e Mouffe (2015) reativam o conceito de hegemonia
de Antonio Gramsci, desenvolvendo noções que possibilitam pensar a consti-
tuição de discursos hegemônicos sob outras perspectivas. Deslocam, assim, a
ideia de preexistência de um fundamento, subjacente a toda e qualquer ordem,
que seja capaz de explicar e dar unidade a todas as formas de vida social. Dessa

1
Professora Adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), atua na Faculdade de
Educação da Baixada Fluminense e no Programa de Pós-Graduação em Educação Cultura e Comu-
nicação em PeriferiasUrbanas (PPGECC/UERJ).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 43


forma, operam na desconstrução da concepção essencialista de sociedade e dos
agentes sociais que caracteriza o pensamento marxista, potencializando a pró-
pria concepção de hegemonia.

Apoiado na ideia do funcionamento do social como linguagem da psica-


nálise lacaniana e operando com a noção de desconstrução derridiana, Laclau
(2000; 2013) vai afirmar a radical contingência de toda e qualquer objetividade,
simbólica e material, porque constituída em um complexo processo político de
significação que coloca em relação elementos que não preexistem ao discurso,
mas se constituem nesse processo relacional. A formação discursiva hegemônica
não é a representação plena de uma positividade do social que antecede o dis-
curso, mas se constitui no alcance de uma precária estabilização da significação
possibilitada pelo jogo das diferenças, pelos diferimentos constantes que são
próprios desse processo de significação que constitui a totalidade.

O discurso constitui o território primário da construção da obje-


tividade enquanto tal. ... quaisquer conjuntos de elementos nos
quais as relações desempenham o papel constitutivo. Isso signi-
fica que os elementos não preexistem ao complexo relacional,
mas se constituem através dele. Assim relação e objetividade
são sinônimas... Dada a centralidade da categoria “relação” para
a minha análise, torna-se claro que meu horizonte se diferencia
de outras abordagens contemporâneas. ... Em minha perspecti-
va, não existe algo que vá além do jogo das diferenças, nenhum
fundamento que, a priori, privilegie alguns elementos do todo
em detrimento dos outros. Qualquer que seja a centralidade
que um elemento adquira, ela tem que ser explicada pelo jogo
das diferenças. (LACLAU, 2013, p. 116-117).

Propondo o processo discursivo de constituição de toda objetividade, a


Teoria Política do Discurso possibilita a desconstrução das perspectivas funda-
cionais que têm sido hegemônicas em diferentes áreas do conhecimento hu-
mano, incluindo-se aí o campo do currículo e da formação de professores. Não
raro é possível identificar um movimento de busca por uma racionalidade que
fundamente o currículo, à docência, o professor para a formação de uma iden-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 44


tidade definida aprioristicamente, produzindo sentidos de objetividade fora das
relações contextuais contingentes em que ela se constitui.

Tendo como foco a análise das lógicas contingentes que operam nesse pro-
cesso relacional - discursivo de constituição de discursos hegemônicos, a Teoria
Política do Discurso tem apoiado diferentes pesquisas no campo do currículo e
da formação de professores, muitas delas referenciadas nas produções de Lopes
e Macedo (LOPES, 2012; 2015; 2019; MACEDO, 2012; 2015; 2016). Tais pesquisas
têm buscado desestabilizar as perspectivas que tencionam identificar o funda-
mento capaz de explicar, prever e controlar todo e qualquer fenômeno educacio-
nal, bem como a fixação de sentidos que determinam a priori o que o currículo,
a docência e o professor devem ser. Dessa forma, operam com as contribuições
da Teoria Política do Discurso para investigar, nos discursos curriculares, os con-
textos discursivos que possibilitam a hegemonização de sentidos de currículo,
de educação, de uma dada normatividade curricular, de conhecimento, identi-
ficados como particulares que alcançam, em complexos processos políticos, a
função de representar o currículo, seja da educação básica, seja da formação de
professores. As autoras, com suas pesquisas, têm contribuído para a constituição
de uma teorização curricular que identifica e sublinha os processos contingentes
de constituição dos discursos curriculares hegemônicos, sempre conflituosos e
indeterminados.

Desse modo, nos afastamos dos estudos políticos que têm a


pretensão de estabelecer um sentido último e fundamental
para o currículo, ou de elaborar as bases capazes de permitir,
de uma vez por todas, uma dada significação do educacional,
de uma normatividade curricular. Com isso, as dimensões con-
flituosas e indeterminadas, porque contingentes, da política,
são valorizadas, favorecendo teorias que responsabilizam, mas
por isso mesmo empoderam, os atores sociais nos diferentes
contextos sociais, dentre eles a prática das escolas (LOPES;
MACEDO, 2021).

Compartilho com as autoras (LOPES; MACEDO, 2021) a ideia de que pensar


o currículo como discurso pode ser potente para desestabilizar perspectivas rea-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 45


listas que têm orientado e justificado a produção de projetos, de normatividades
curriculares, possibilitando a emergência de outros sentidos de responsabilida-
de dos atores sociais em diferentes contextos de produção curricular, especial-
mente nos diferentes espaços escolares, reativando a agência (colocada em ou-
tras bases teóricas) e empoderando esses atores. Isso porque, ao desestabilizar
a ideia de um currículo como fundamento racional, norma geral capaz de ordenar
a produção curricular em contexto para o alcance dos objetivos a que se propõe
– formar o estudante dos diferentes segmentos e níveis educacionais, constituir
o perfil do professor ou a docência almejada –, desestabiliza-se também sentidos
de responsabilização dos atores sociais que têm se constituído nas políticas cur-
riculares. Discursos de responsabilização que constituem sentidos de falta de um
dado ensino para o alcance da aprendizagem ou da identidade projetadas defini-
dos a priori e fora dessas relações: falta de conhecimento/saber, habilidades, fal-
ta de competências de professores e de gestores para suprir as faltas de conhe-
cimento/saber, habilidades, competências dos estudantes e de suas famílias. Na
enunciação da proposta curricular, a própria falta a ser preenchida pelo currículo
para a formação da identidade de aluno, de professor (no caso da formação de
professores) é antecipada, normatizada, universalizada, como se fosse possível
prever e controlar as relações que se constituem na totalidade dos contextos em
que a produção curricular se institui2.

Assim, a responsabilidade, que dá centralidade e empodera os atores so-


ciais envolvidos na relação curricular contextual, é pensada como resposta: à
contingência, ao imprevisto, aos sentidos de currículo constituídos nessas re-
lações, subjetivando os que nelas estão envolvidos. Resposta sem cálculo, sem
garantias, aos diferimentos constantes que se constituem nos diferentes con-
textos da produção curricular (LOPES, 2015). Respostas que se constituem na
linguagem, em processos de significação do currículo, do conhecimento/saber,
habilidades, competências (e de tantos outros que sequer conseguimos nomear),
que se constituem em contexto, seja nas relações com a escola, com o ensi-

2
Compartilho aqui os primeiros achados da pesquisa “Sentidos de Professor e de Formação Do-
cente na Política Nacional de Alfabetização: uma investigação de suas lógicas instituintes”, que
tenho desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Educação Cultura e Comunicação em
Periferias Urbanas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 46


no, com a aprendizagem, mas também na relação com trajetórias e histórias de
pertencimento a grupos sociais que não podem ser antecipadas, nem tampouco
controladas por nenhuma norma curricular.

A política é da ordem do acontecimento, remete a uma ética


que não pode ser definida a priori e de uma vez por todas.
Sem definições que nos guiem, sem metas que prescrevem
(pré-escrevem, pré-inscrevem) um caminho, só nos cabe o
comprometimento e a responsabilidade. Não a responsabili-
dade da métrica de performances predefinidas por um supos-
to contexto social consensuado. Mas aquela que se deriva do
comprometimento, do ato de responder, da aposta no que se
pretende realizar. (LOPES, 2015, p.448).

Dessa forma, os processos de significação do currículo não cessam no fe-


chamento de uma proposta curricular, no seu remetimento às escolas ou na sua
propagação aos professores e professoras via formação docente. Ainda que se
tenha a pretensão de que seja o fundamento de toda a prática curricular, se cons-
titui na precariedade, estando sempre aberto à interpretação nesses contextos.

Nenhum projeto, nenhuma normatização, é capaz de prever/


controlar/saturar asignificação curricular pelos diferentes
agentes relacionados nesse processo. Oprofessor alfabetiza-
dor produz currículo na linguagem, na permanente tensão en-
tre regulação e escape (LOPES, 2012, 2015, 2018) nos proces-
sos de significação de diferentes discursos: da formação, das
políticas curriculares, das relações com os alunos, com outros
agentes educacionais e instituiçõesescolares, das tradições e
inovações, das suas histórias e seus percursosindividuais, e de
tantos outros que não se consegue nomear. A produção curri-
cular do professor alfabetizador se constitui na decisão razoá-
vel – nãonecessária –, em resposta aos diferimentos constan-
tes que caracterizam osprocessos de significação do currículo.
(FIGUEIREDO, 2020, p. 107).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 47


Nesse movimento teórico-epistemológico de desestabilização do discurso
hegemônico de currículo como fundamento, como racionalidade definida a priori
a ordenar todo ensino, a prever e controlar toda aprendizagem e toda identidade
dos atores sociais envolvidos no processo de produção curricular nas redes esco-
lares, a ideia de uma avaliação, cujos resultados (de aprendizagem) representam
de forma transparente o currículo constituído em contexto, também é desesta-
bilizada.

Operar com a Teoria Política do Discurso como perspectiva teórico epis-


temológica de investigação envolve interpretar as contingências que possibili-
taram a constituição dos discursos hegemônicos. Afasto-me da perspectiva de
que o fenômeno social antecede ao sujeito do conhecimento ou é determinado,
ordenado por uma estrutura, uma normatividade cujas relações de causa e efeito
devem ser desveladas no processo de conhecimento. Aproximo-me da perspec-
tiva de que o social se constitui em um complexo processo político de tomada
de decisão na indefinibilidade e que o processo de pesquisa não se constitui
em trazer a verdade, ou mesmo tornar inteligível o discurso social investigado
em certa perspectiva epistemológica, desvendando a racionalidade que opera
como fundamento da sua constituição, mas pensar as lógicas que possibilitaram
a constituição do complexo discursivo-relacional (LACLAU, 2011; GLYNOS; HO-
WARTH 2018; LOPES, 2012; 2018), “as operações de um poder contingente que
possibilita que essas (e não outras) relações discursivas se constituam na políti-
ca” (FIGUEIREDO, 2020, p. 101).

Buscando reativar a contingência desse discurso hegemônico que sedi-


menta as relações entre currículo e avaliação nas políticas curriculares, realizo
uma interpretação das demandas e antagonismos que possibilitam a construção
e estabilização dessa formação discursiva. Problematizo esse binômio, buscando
desestabilizar o caráter necessário de sua sedimentação. Nesse sentido, afasto-
-me das explicações que se propõem a enunciar as causas que inexoravelmente
levaram a sua formação ou a compreender a gramática que possibilitou tal sedi-
mentação.

Tentando operar com a lógica retrodutiva (GLYNOS; HOWARTH, 2018; OLI-


VEIRA, 2018), passo, na próxima seção, a compartilhar uma interpretação das
condições contextuais que possibilitaram que esse binômio se constituísse como

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 48


regra, sem pressupor o caráter necessário entre as condições enunciadas e a
significação que produzo: um gesto de reconhecimento da precariedade e contin-
gência de todo o discurso. Por fim, faço um movimento em direção à desnaturali-
zação dessa formação discursiva, apostando que essa interpretação que produzo
possibilite a emergência de outros sentidos de currículo e de avaliação.

Produzindo uma interpretação do contexto de constituição do binômio currículo


– avaliação

Trabalhando com a ideia de que o binômio currículo e avaliação não pode


ser explicado por um fundamento intrínseco ou instituído que, de uma vez por
todas, estabelece esse vínculo objetivamente, vou buscar no discurso educa-
cional, nomeadamente trabalhos que tratem da história da avaliação escolar,
elementos que me auxiliem a interpretar o contexto discursivo de demandas e
antagonismos que possibilita a constituição dessa relação.

Os exames escolares para a verificação do conhecimento dos conteúdos,


controle do estudo e das condutas dos estudantes estão presentes na escola
moderna desde os séculos XVI e XVII, seja na RatioStudiorum, que normatizava
o ensino nas escolas jesuíticas, seja na Didática Magna de Comenius, destinada a
orientar o ensino nas escolas protestantes. Mas é no século XIX, no contexto de
criação da escola graduada (que caracterizou a organização dos grupos escolares
no Brasil), que a avaliação escolar se constituiu como prática institucional mais
uniforme, orientada por documentos prescritivos e normativos que buscavam
modelar a prática docente, a organização escolar e a conduta dos alunos (LUC-
KESI, 2013; FREITAS et al., 2017; GIL, 2019). Nesse contexto, iniciado na última
década do século XIX, de esforços progressivos na constituição de redes de es-
cola e na racionalização do trabalho escolar de professores e alunos, se institui
a avaliação como a objetividade que garantirá “a adequação dos métodos de
verificação da ocorrência dos aprendizados e como a diretriz para a reorientação
de práticas de ensino” (CATANI, 2017, p. 11).

Nesse sentido, interpreto que o binômio currículo – avaliação se constitui


como fundamento do trabalho escolar na escola graduada. Volto-me, então, para
o contexto discursivo de constituição da escola graduada a fim de interpretar as
contingências que possibilitaram a emergência desse discurso.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 49


No Brasil, o discurso da escola graduada alcança hegemonia no regime
republicano, contexto de demandas por extensão dos direitos de cidadania, de
modernização social, de desenvolvimento industrial e de urbanização, requeren-
do a formação de um homem novo que se articulasse às novas exigências sociais.
Nesse contexto, a educação assume centralidade no alcance das demandas do
novo regime para o país, sendo significada como via de redenção da nação, de
moralização e civilização do povo, de modernização da sociedade e como passa-
porte para o progresso do País. Tais demandas se articulam na relação com um
antagonismo significado como o que impede o alcance das demandas e da pleni-
tude ausente: a educação do Império e a Escola de Primeiras Letras, identificada
como problema central da sociedade pelo atraso,precariedade, escassez, pelas
mofadas e superadas ideias e práticas pedagógicas (memorização de saberes,
tabuada cantada, palmatória, castigos físicos), pela má formação especializada
e pelo tradicionalismo do velho mestre-escola. É nessa relação discursiva com
sentidos de Escola de Primeiras Letras constituídos no discurso que uma ou-
tra possibilidade de significar a escola emerge: a escola graduada, identificada
como via para o atendimento das demandas educacionais por expansão da es-
colarização, pela universalização da escola primária, para combater o atraso da
sociedade brasileira, o analfabetismo e o ensino público decadente identificado
na Escola de Primeiras Letras. (SOUZA, 1998; SANTOS, 2013; SANTOS; VALDE-
MARIN, 2015).

Era preciso fundar uma escola identificada com os avanços do


século, uma escola renovada nos métodos, nos processos de
ensino, nos programas, na organização didático-pedagógica;
enfim, uma escola moderna em substituição à arcaica e pre-
cária escola de primeiras letras existente no Império. (SOUZA,
1998, Cap. 1).

O ensino, o tempo efetivo de trabalho de alunos e professores e a organi-


zaçãoadministrativo-pedagógica emergiam como questões centrais para o alcan-
ce das demandas enunciadas. Contra o ensino individual, desenvolvido segundo
o ritmo de aprendizagem do aluno e a livre decisão do professor identificados
nas escolas do Império, se constitui o discurso da escola primária republicana:

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 50


uma escola para a expansão do ensino eficaz e eficiente, que ensinasse tudo a
todos, ao mesmo tempo. Nesse contexto, a escola graduada, que já vinha sendo
adotada na Europa e nos Estados Unidos, se institui como modelo de escolari-
zação de massas e de organização racional do ensino.(SOUZA, 1998; SANTOS,
2013; SANTOS; VALDEMARIN, 2015).

Interpreto que, no discurso da escola graduada como organização peda-


gógica racional (SOUZA, 1998; SANTOS, 2013; SANTOS; VALDEMARIN, 2015),
se constitui um sentido de racionalidade que identifica o controle do ensino e
da aprendizagem como fundamento da eficiência da escola e da educação de-
mandada no discurso republicano. E nesse contexto, a escola graduada se con-
figurava como modelo capaz de atender às demandas por controle: na adoção
do ensino concêntrico, com a distribuição dos conteúdos de ensino de forma
progressiva e gradual no tempo e no espaço escolar, bem como na divisão do
trabalho docente que dele resulta; na padronização dos programas de ensino
e na adoção do ensino simultâneo como possibilidade de garantir que todos
os alunos aprendessem a mesma coisa ao mesmo tempo; na proposição de um
método de ensino (intuitivo e indutivo, mas poderia ser qualquer outro) como
guia para alcançar os objetivos e metas colocados pelos programas; na realiza-
ção de exames contínuos para a classificação dos alunos e sua distribuição em
classes homogêneas; na produção de manuais de orientação para a execução do
programa de ensino como instrumento de formação dos professores e controle
da prática docente. (SOUZA, 1998; SCHELBAUER, 2008; SANTOS, 2013; SANTOS;
VALDEMARIN, 2015, SILVA, 2018)

Assim, o discurso da racionalidade da escola graduada, que atribui centra-


lidade ao controle – do ensino/professor, do programa de ensino/currículo e da
aprendizagem/aluno –, possibilita a emergência do discurso da avaliação como
processos padronizados, sistemáticos e regulares de verificação do conhecimen-
to dos alunos, para

registro, controle do rendimento escolar e classificação dos mesmos em


classes homogêneas. A homogeneidade dos agrupamentos, marca da escola gra-
duada, é significada como produtividade e eficácia do ensino e da aprendiza-
gem, alcance do progresso dos alunos e da disciplina necessária à aprendizagem.
(SOUZA, 1998; FREITAS ET AL, 2017; SILVA, 2018)

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 51


Interpreto que, nesse contexto discursivo que significa racionalidade da
escola como controle, a avaliação assume centralidade como controle da eficácia
e eficiência da escola, do ensino prescrito nos programas e manuais e da aprendi-
zagem que dele deveria resultar. A emergência do binômio currículo – avaliação
só pode ser explicada nessas relações contextuais, possibilitando a desestabi-
lização de que esse binômio representa uma racionalidade que fundamenta a
sua constituição. Esclareço que não se trata de fixar a origem desse discurso na
escola graduada, mas de afirmar a radical contingência desse binômio que signi-
fica a avaliação como possibilidade de acessar o que é o ensino e a aprendizagem
de forma transparente e não mediada. Um discurso que, na interpretação que
produzo, tem potencializado os discursos da “(in)competência de professores”
(SOUZA, 1998) e da incapacidade dos alunos.

Considerações finais

Ao operar com a Teoria Política do Discurso para desestabilizar o discurso


que significa o binômio currículo – avaliação como controle e representação da
totalidade do ser do ensino e da aprendizagem das escolas, não pretendo propor
outra racionalidade como lugar do fundamento da produção curricular. Entendo
que não há nenhuma racionalidade ou fundamento que anteceda o discurso e que
discursos hegemônicos se constituem como tentativas fracassadas de controlar a
significação do social. Aposto na produtividade desse entendimento, que envolve
ressaltar a radical contextualidade do discurso, dos sentidos nele constituídos e,
assim, possibilitar a emergência de outras possibilidades de significação.

Assim, problematizo o discurso do controle, que tem se hegemonizado em


diferentes políticas (FIGUEIREDO, 2020), identificando o controle – do ensino/
professor, do programa de ensino/currículo e da aprendizagem/aluno – como o
antagonismo que bloqueia mesmo a própria possibilidade do ser do currículo,
que se constitui em relações contextuais e contingentes nas quais se subjetivam
professores e alunos. Sublinho a complexidade dessas relações, não sendo possí-
vel reduzi-las a relações de ensino, de aprendizagem, de conhecimento. Defendo
que nessas relações se imbricam histórias de pertencimento a grupos sociais,
histórias de escolas, histórias de ser professor, de ser aluno, de tantos outros
seres e não seres relacionados a esses processos de subjetivação, afetos, desejos,

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 52


possibilidades e impossibilidades. Ressalto, portanto, a dimensão de movimento
dessas relações e a impossibilidade de sua previsão, seu controle por nenhuma
racionalidade, nenhum projeto curricular definido muito antes dessas relações,
requerendo, por vezes, muitas racionalidades hibridizadas, ou mesmo nenhuma
racionalidade, mas algo da ordem do sensível, do estético, da intuição. Enfim,
quero defender a impossibilidade da definição a priori de qualquer fundamento,
de qualquer racionalidade, fora dessas relações contextuais, fora do jogo políti-
co, nos termos da proposição de Lopes (2015) por um currículo sem fundamen-
tos. Admitindo a impossibilidade do controle total da significação do currículo,
do ensino, da aprendizagem, do professor, do aluno, da avaliação, tendo apenas
a certeza dos processos de negociação de sentidos, de tradução dos projetos cur-
riculares. Mas, ainda assim, defendendo a continuidade da produção de projetos
curriculares a serem significados na precariedade, em processos conflituosos,
fora das dimensões universal e prescritiva que os têm caracterizado. Investir no
debate crítico sobre as diferentes possibilidades de significar currículo nas esco-
las (sem cair em nenhum tipo de particularismo), entendendo que significações
plurais se constituem na relação com os discursos que têm se hegemonizado nas
tradições curriculares. Tradições que tentam conter o livre fluxo de sentidos, mas
que são recriadas e traduzidas nas relações contextuais, na luta pela significação
do projeto curricular, o tempo todo. Como Lopes (2015), aposto na produtividade
dessa perspectiva de currículo, que, tendo por suposto a contextualização radical
de qualquer projeto curricular, se abre à possibilidade de interrupção e tradução
contextual do que é instituído no projeto curricular, produzindo alternativas aos
sentidos de escola, currículo, avaliação, professor, aluno que têm se hegemoni-
zado nos discursos educacionais, ou mesmo possibilitando a emergência do que
sequer conseguimos nomear.

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longa provação dos alunos rumo à distinção ou ao “triunfo escolar” (1890-1960). Currí-
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POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 55


III ENCONTRO ESTADUAL DO FEARJ
EXPERIÊNCIA DOCENTE:
NOVOS VENTOS PARA A ALFABETIZAÇÃO

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 56


ALFABETIZAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA1

Jefferson Mainardes
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)
E-mail: jefferson.m@uol.com.br

Introdução

O objetivo deste capítulo é apresentar algumas ideias sobre o processo


de alfabetização no período da pandemia da COVID-19 e algumas ideias e estra-
tégias para o período pós-pandemia. Antes disso, apresentarei alguns pressupos-
tos que orientam a análise e as propostas apresentadas.

O registro da problemática e dos enfrentamentos que se fizeram neces-


sários é essencial, pois para a maioria da população, esta foi uma primeira expe-
riência de enfrentar uma pandemia, que tem atingido toda a população mundial.

No Brasil, desde março de 2020, temos convivido com as notícias diárias do


número de mortos, dos esforços dos profissionais da saúde, da luta de pesquisa-
dores para criar a vacina, do fechamento das escolas, dos decretos com restrições
de funcionamento do comércio. Além disto, o impacto negativo na economia, no
aumento do desemprego e agravamento da desigualdade social.

O fechamento das escolas representa uma perda enorme para os/as alu-
nos/as, principalmente da escola pública. A escola é um lugar onde ficam segu-
ros, com oportunidades de alimentação, de interação social, de aprendizado. O

1
Texto apresentado na live“ Tempo da Alfabetização no contexto atual”, no dia 2/12/2020. O
evento foi promovido pelo Fórum Estadual de Alfabetização do Rio de Janeiro.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 57


Ensino Remoto Emergencial (ERE) foi a alternativa proposta pelos sistemas de
ensino e tomou feições diferenciadas em cada rede de ensino. Muitos alunos
não tiveram acesso pleno ao ERE em virtude de não terem acesso à internet ou
mesmo uma TV ou energia elétrica em casa. Para muitos alunos, o acesso aos
conteúdos escolares ocorreu por meio de material impresso retirado e devolvido
nas escolas. O ERE exigiu um empenho descomunal de todos/as: gestores educa-
cionais, gestores escolares, professores, famílias, alunos. Deve-se valorizar este
empenho de todos/as. No entanto, deve-se apontar que, em muitos casos, não
havia muito espaço de diálogo e participação dos docentes nas decisões e enca-
minhamentos. No final do ano, os docentes, os alunos, as famílias estavam exau-
ridos desse processo. Os resultados variam de um contexto para outro. E nunca
o ensino presencial, a escola, a interação professor-alunos foi tão valorizada.
Descobrimos, a duras penas, que nada substitui o trabalho presencial, a aula, o
recreio, a convivência, a troca, o diálogo. Muitas pesquisas deverão ser feitas para
avaliar os resultados obtidos durante o período de isolamento social e de ERE.

Apesar das mortes, do sofrimento, do medo, algumas lições positivas po-


dem ser tiradas da pandemia. Além dos aprendizados e adaptações para o ERE,
um número enorme de atividades online forma organizadas pelas universidades,
escolas, sindicatos, movimentos sociais. Congressos e atividades acadêmicas que
reuniriam um público reduzidos, alcançaram muitas pessoas. Foi um desafio para
o desenvolvimento de novas habilidades de comunicabilidade, debate, enfrenta-
mento da tecnologia.

E o processo de alfabetização? A pandemia atingiu a todos os estudantes,


sem distinção. No entanto, minha percepção é que atinge de forma muito mais
intensa os alunos na fase da alfabetização, sejam crianças, jovens ou adultos. O
fato de ainda não terem a autonomia para leitura e escrita traz limitações gran-
des e o processo de alfabetização requer uma mediação intensa e apropriada.
Na próxima seção, apresento alguns pressupostos teóricos que fundamentam a
análise a propostas.

Pressupostos teóricos

1º) A aprendizagem é um processo não espontâneo

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 58


A aprendizagem é um processo não espontâneo, ou seja, demanda sem-
pre a mediação de um adulto mais capaz ou mesmo de pares (outros colegas).
Desse modo, concordo com Libâneo (2006), quando afirma que

O aluno aprende na escola quando os outros, inclusive a pro-


fessora e o próprio contexto institucional e sociocultural, o
ajudam a desenvolver suas capacidades mentais, com base nos
conhecimentos, habilidades, modos de viver, já existentes na
ciência e na cultura historicamente acumulada. Isso não é, de
forma alguma, espontâneo, nem depende somente do ritmo
de aprendizagem de cada aluno. Depende de uma estrutura
organizacional forte, da atuação da escola e dos professores
como adultos que realizam a mediação cultural; depende de
que suscitem nos alunos o desejo de aprender, de serem me-
lhores pessoas, de compreender melhor as coisas” (p. 92, gri-
fos nossos).

A sala de aula é um espaço de interação, troca, ajuda mútua. A alfabeti-


zação demanda um processo sistemático, intencional e planejado e a escola é o
espaço social encarregado dessa função. Segundo Klein (2003),

Interessa, à classe trabalhadora, o domínio do conhecimento


científico histórica e criticamente acumulado e sistematizado.
(...) então o papel fundamental da escola é o acesso ao co-
nhecimento. Não, entretanto, qualquer conhecimento, mas o
conhecimento teórico-prático voltado para o desenvolvimento
da sociedade, vale dizer, para sua transformação. Se assim é, a
necessidade de ensino-aprendizagem do máximo de conheci-
mentos, da forma mais ampla, mais exitosa e no menor tempo
possível, constitui o elemento central da organização do pro-
cesso. (p. 49, grifos nossos).

No caso específico da alfabetização, a mediação do/da professor/a é fun-


damental. Para que a alfabetização aconteça, a criança precisa ser ensinada,

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 59


orientada, acompanhada, desafiada. Precisa de apoio e orientação permanentes.
A partir das formulações de Vygotsky (1987, p. 92), pode-se definir que, no seu
papel de mediador, o professor explica, dá informações, questiona, corrige o alu-
no e o faz explicar: “Os conceitos da criança se formaram no processo de apren-
dizagem, em colaboração com o adulto” (VYGOTSKY, 1987, p. 92).

A mediação pedagógica possui um componente afetivo. Nada substitui o


contato com a criança, o olhar, a palavra de estímulo. Pegar na mão para ajudá-la
a escrever algo, convidá-la para vir ao quadro, apontar uma palavra com o dedo,
ler partilhadamente com ela pequeno texto, uma frase, uma palavra, uma letra.
Todas essas ações fazem parte do processo e permitirão que, um dia, possam ler
e escrever com autonomia, sem ajuda: “aquilo que uma criança pode fazer com
assistência hoje, ela será capaz de fazer sozinha amanhã” (VYGOTSKY, 1988, p.
98). A conquista desta autonomia é fundamental na continuidade dos estudos e
no seu processo de constituição de sujeito.

2°) A alfabetização é um processo de representação

Magda Soares (2020), em seu recente livro, explica que a alfabetização

não é a aprendizagem de um código, mas a aprendizagem de


um processo da representação, em que os signos (grafemas) re-
presentam, não codificam, os sons da fala (os fonemas). Apren-
der o sistema alfabético não é aprender um código, memori-
zando relações entre letras e sons, mas compreender o que
a escrita representa e a notaçãocom que, arbitrária e conven-
cionalmente, são representados os sons da fala, os fonemas
(SOARES, 2020, p.11).

É um processo complexo no qual a mediação pedagógica presencial é fun-


damental. Também Soares (2004), ao referir-se à alfabetização e letramento, diz
que a aprendizagem inicial da língua escrita exige “múltiplas metodologias, al-
gumas caracterizadas por ensino direto, explícito e sistemático-particularmente a
alfabetização, em suas diferentes facetas - outras caracterizadas por ensino inci-
dental, indireto e subordinado a possibilidades e motivações das crianças” (p. 16).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 60


3º) O processo de alfabetização está relacionado à escolarização anterior
(Eduçação Infantil), aos estímulos que a criança recebe em seu ambien-
te e às condições socioeconômicas da família e ao capital cultural.

A sociedade brasileira é calcada na desigualdade. Muitas crianças vivem


em condições precárias de vida e recebem em casa poucos estímulos para a lei-
tura e escrita. Aqui deve-se destacar a importância da educação escolar para pro-
piciar a todas as crianças, oportunidades para seu pleno desenvolvimento. É um
direito de todas elas terem acesso a uma educação ampliada, desde a infância.
Young (2007), defende que o papel da escola é garantir aos alunos a apropriação
de um conhecimento poderoso, que só pode ser adquirido na instituição escolar.
Concordo com Young que não podemos negar, aos alunos que já são desfavore-
cidos pelas suas circunstâncias sociais, o acesso ao conhecimento poderoso e a
uma educação ampliada. É preciso lutar todos os dias por uma educação amplia-
da, democrática, não segregadora, não excludente, não sexista, não discrimina-
tória, não militarizada.

Em virtude das características de classe de classe social e de acesso, para


muitas crianças da escola pública, as práticas sistemáticas significativas parecem
contribuir para uma melhor qualidade de alfabetização de nossas crianças.

Aspectos da Alfabetização durante a pandemia


O ano letivo de 2020 iniciou-se em 2020. Em março, as escolas foram fe-
chadas. A partir daí, todo o trabalho tornou-se remoto, que se efetivou graças ao
esforço, compromisso e criatividade dos professores/as. Houve também o esforço
das crianças e suas famílias, com pais e mães lutando para acompanhar o que
estava sendo proposto.

O ERE causou impacto e exigiu mudanças para todos os alunos, da Educa-


ção Infantil à Pós-Graduação. No entanto, creio que para as crianças do 1° ano do
Ensino Fundamental (6 anos de idade) e crianças ainda não alfabetizadas, o im-
pacto foi muito mais forte e intenso. Para aqueles alunos que já leem e escrevem,
pode ser mais fácil assistir aulas online, pela TV ou realizar tarefas impressas.

E as crianças que se encontram na fase inicial?

Sabe-se nem todas as crianças contam com apoio em casa e que muitas

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 61


crianças só tiveram acesso a atividades impressas. A pandemia acabou por agu-
dizar as desigualdades educacionais e dificultar a aprendizagem de muitas crian-
ças. Para muitas crianças, a experiência da pandemia poderá deixar marcas pro-
fundas. Nosso papel deverá ser o de apoiá-las, estimulá-las, aliviar o sofrimento
e a angústia.

Wallon já nos ensinou que a afetividade e as emoções exercem um papel


fundamental na aprendizagem. E, “sem afeto, não há alfabetização”, já dizia Ma-
ria Auxiliadora Mattos Pimentel, em 1989, entrevista Nova Escola.

Alfabetização na pós-pandemia ou no retorno ao ensino presencial

Diversas redes de ensino estão planejando o retorno às aulas presenciais,


mesmo que em sistema híbrido, combinando presencial e online. No retorno às
aulas presenciais, será preciso ter muita lucidez para acolher os alunos; com-
preender as diferenças entre eles, em virtude das condições próprias de cada um
durante o ERE; demostrar atitudes abertura e cooperação.

A seguir apresentamos algumas propostas para debate, pois não temos a


pretensão de dar respostas a uma situação tão complexa.

1º) As decisões sobre a retomada precisam debatidas e não somente im-


postas.

A pandemia trouxe muitos desafios para o sistema de ensino, cujas solu-


ções precisam ser decididas de forma participativa. Os professores, demais pro-
fissionais, pais de alunos, alunos e a sociedade civil têm direito de participar da
construção de alternativas. A escola é espaço de produção de currículo, de prá-
ticas, de políticas e desconsiderar este fato resulta em decisões impostas, sem
negociação e muitas vezes totalmente inadequadas para o contexto escolar.

2º) As alternativas precisam considerar ações a curto, médio e longo prazos.

A pandemia e o ERE causaram um impacto significativo no processo de


aprendizagem dos alunos e, possivelmente, levará algum tempo para recompor
as perdas, defasagens e dificuldades. Isso demanda ações e planejamento a cur-
to, médio e longo prazos. A curto prazo, será necessário criar protocolos de re-
cepção dos alunos, diagnóstico da aprendizagem, planejamento da diferenciação

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 62


curricular, etc. A longo prazo, será necessário estabelecer estratégias para suprir
as necessidades de aprendizagem dos alunos que tiveram a sua aprendizagem e
condições de vida mais fortemente afetadas pela pandemia.

3º) Diagnóstico e planejamento das intervenções

No caso dos alunos dos anos iniciais, em fase de alfabetização, haverá


necessidade da obtenção do diagnóstico da aprendizagem de cada criança, bus-
cando ter elementos concretos sobre o que são capazes de ler, de escrever, de
interpretar; identificar as principais lacunas e as possibilidades de agrupamento
dos alunos para o planejamento de situações de ensino diferenciadas (pedagogia
diferenciada).

A avaliação diagnóstica oferecerá elementos para o reconhecimento de


necessidades comuns (da sala de aula como um todo); de necessidades distintas
(de alguns alunos); e de as necessidades (O’BRIEN e GUINEY, 2001). A partir dis-
to, é possível planejar o ensino diferenciado, de acordo com os grupos de alunos
com necessidades comuns ou ainda para alunos individualmente.

A diferenciação curricular que é fundamental para dar conta da diversi-


dade de níveis na sala de aula emerge como vital no contexto pós-pandemia2.
Mas, além das possibilidades de efetivação da diferenciação curricular, o retorno
ao ensino presencial ou híbrido, constitui-se em uma oportunidade uma revisão
de todas a concepção de currículo, metodologia e avaliação, com o objetivo de
construir práticas mais apropriadas para atender a diversidade de níveis na sala
de aula.

4º) As práticas sistemáticas significativas na alfabetização

Por práticas sistemáticas significativas entendemos o conjunto de ações pla-


nejadas pelo/a professor/a, com o objetivo de organizar as situações de ensino,
atividades e mediações pedagógicas na sala de aula. As práticas sistemáticas obje-
tivam garantir a aprendizagem contínua de todos os alunos, por meio de situações
de ensino ricas e significativas, independentemente da diversidade de níveis e rit-
mos de aprendizagem que caracterizam a sala de aula. (MAINARDES, 2018).

2
A respeito da diferenciação curricular, ver Mainardes (2007)

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 63


As práticas significativas são práticas de alfabetização mais estruturadas,
com a retomada permanente do que está sendo ensinado. Além disto, buscam
conjugar as atividades dirigidas, propostas pelo/a professor/a com as iniciativas
da criança.

De modo geral, pode-se deduzir que estas práticas são necessárias para
garantir a alfabetização de crianças que, durante o ano letivo de 2020, não tive-
ram a mediação (presencial) dos professores.

Considerações finais

Para finalizar, destaco que o papel da escola deve ser sempre o de aco-
lher a criança, ampará-la e fazer o máximo possível ser uma escola inclusiva, que
atende, assiste, orienta e não põe obstáculos aos processos de ensino-aprendiza-
gem e desenvolvimento dos alunos.

Destaco também a importância das decisões participativas. Esse momen-


to tão dramático não comporta decisões fechadas, uniformes. Dificilmente um
único grupo tenha a verdade absoluta sobre como lidar com o pós-pandêmico.
Em tudo, há verdades relativas. Estas alternativas precisam ser democráticas par-
ticipativas. Precisamos debater e não apenas receber imposições. A educação ou
é democrática ou não é educação.

Por fim, é importante dizer que a retomada do ensino presencial ou híbrido


não é apenas uma questão somente da escola ou dos professores. É uma ques-
tão de todos nós. Nesse contexto, são fundamentais as atitudes de cooperação,
solidariedade e interassistência. Quem tiver mais ideias e melhor preparo, pode
ajudar quem tem menos, formando uma rede. As redes de ensino que avançarem
mais, apoiam as outras. E, em todos os casos, é sempre bom lembrar que são as
crianças é que devem ser tomadas como referência nas decisões e alternativas.

Referências

KLEIN, L. R. Fundamentos teóricos – os ciclos de aprendizagem e a qualidade da


escola pública. In: Seminário de Educação e Políticas Educacionais: qualidade da
escola pública e os Ciclos de Aprendizagem. Curitiba, 2003.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 64


LIBÂNEO, J. C. Sistema de ensino, escola, sala de aula: onde se produz a qualidade
das aprendizagens? In: LOPES, A.C.; MACEDO, E. (orgs.). Políticas de currículo em
múltiplos contextos. São Paulo: Cortez, 2006. p. 70-125.

MAINARDES, J. Projeto DiferenciAção: criando classes mais igualitárias por


meio do trabalho diversificado. Ponta Grossa: UEPG, 2007. DOI:   https://doi.
org/10.13140/RG.2.1.4309.0407/1

MAINARDES, J. Práticas sistemáticas significativas: conceituação e implicações.


Ponta Grossa: UEPG, 2018. DOI: https://doi.org/10.13140/RG.2.2.28253.05605

O’ BRIEN, T.; GUINEY, D. Differentiation in teachingandlearning. London: Con-


tinnum. 2001.

SEM afeto, não há alfabetização. Entrevista com Maria Auxiliadora Mattos Pimen-
tel. Nova Escola, v. 4, n. 32, ago. 1989, p. 22-24.

SOARES, M. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de


Educação, Rio de Janeiro, n. 25, p. 5-17, jan./abr. 2004.

SOARES, M. Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e a escrever. São Paulo:
Contexto, 2020.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos


psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

YOUNG, M. Para que servem as escolas? Educação & Sociedade, Campinas, v. 28,
n. 101, p.1287-1302, set./dez. 2007.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 65


EXPERIÊNCIAS DOCENTES:
Novos ventos para os processos de alfabetização

Guilherme do Val Toledo Prado

Gostaria de começar esse texto agradecendo a oportunidade de participar


deste livro e, consequentemente, de ter participado da live “Experiências docen-
tes em novos tempos de alfabetização”, que está no título.

Reforço esse agradecimento porque “estar junto” com professoras e profes-


sores alfabetizadores é um privilégio muito grande. São essas profissionais – sim
a maioria são mulheres e majoritariamente me dirigindo a elas, respeitosamente
me dirijo aos colegas professores – que estão em contato com as crianças que,
querendo alfabetizar-se, têm nessas profissionais modelos de leitoras e escrito-
ras que querem ser.

E isso não é pouca coisa em um país que no ano de 2021 adentra novamen-
te nos índices de pobreza e faz pouco caso – infelizmente alguns e notadamente
os dirigentes da nação – das 450 mil mortes dos vitimados pela Covid-19.

Aprender a ler e a escrever é um potente instrumento transformador, como


dizia o Mestre Paulo Freire no importante livro “A importância do ato de ler”. Uma
leitura crítica que nos permite compreender a força desta prática social em um
contexto em que ela é tão necessária, para alargar nossos horizontes e fazer-nos
enxergar a força de práticas humanizadoras que, infelizmente, estão sendo ata-
cadas em nosso contexto social adverso e assolado por uma onda conservadora.

Como foi dito na nalive, vou orientar a “nossa conversa”, a partir de alguns
pontos presentes no texto da Profa. RosauraSoligo, que participa do livro “Para
não esquecer: narrativas das experiências de professoras no contexto da pande-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 66


mia do Covid-19”, presenteado aos profissionais FEARJ e que está disponível no
site da Pedro&João Editores.

Os três pontos, de alguns elencados, são: “ não existe aprendizagem per-


dida – o que existe é ensino previsto e inviabilizado pelas circunstâncias”; “ não
é razoável que a avaliação do conhecimento dos alunos tenha como parâmetro
o que eram as expectativas de aprendizagem para 2020 (e 2021), em condições
regulares, com o ensino presencial”; “ O diálogo com as famílias sobre a educação
escolar adequada a crianças, adolescentes e jovens nestes tempos que vivemos é
não só imprescindível, mas estratégico”.

Outros pontos elencados pela Profa. RosauraSoligo são muito relevantes,


porque eles também problematizam a questão dos conteúdos curriculares, o ne-
cessário trabalho coletivo docente, o uso dos recursos tecnológicos e sua acessi-
bilidade, flexibilização dos tempos e espaços escolares, entre outros.

Para trabalhar cada um dos três pontos, apresentamos uma narrativa (pre-
sente no livro anteriormente indicado) para que ela favoreça não só o diálogo,
como também mobilize os conhecimentos e saberes de professoras e professores
alfabetizadores a pensarem e sentirem novas possibilidades para o trabalho pe-
dagógico no cotidiano escolar (seja remoto ou presencial).

Vamos a eles!

“Não existe aprendizagem perdida – o que existe é ensino previsto e invia-


bilizado pelas circunstâncias”.

Alfabetização e seus aromas

Elisabete Rosa da Silva

Quem dera... diziam as avós. Quem dera o processo de aquisi-


ção da escrita fosse assim: simples, porém complexo, como no
chão do quintal escrevendo o que se gosta, escrevendo para
brincar, escrevendo o que viesse a mente ricamente contex-
tualizado. Era uma tarde de maio de 2020, em plena pandemia
e fora da escola. Ele está no primeiro ano e gosta de quintal,
diz que será cientista e minerador, gosta de brincar com água
em seus potinhos e adora chás. Chá de erva doce com cravo,

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 67


de capim cidreira, de hortelã e de todas as misturas de semen-
tes e folhas que sua avó prepara carregadas de um doce que
não exige punição: é o doce de vó, de carinho, de cuidado, de
agrado e de memórias. A mãe lavando a louça - o que mais se
faz nessa quarentena - e, dizendo: “Vá brincar menino!” Lá está
ele com sua folha de papel e seu estojo sentado no chão. De
repente ela ouve os cochichos de quem estava em transe, em
seu mundo, consigo mesmo, e da pia ouvia um burburinho “fo-
lha de pé de limão”, balançando a cabeça de um lado, de outro.
Ativando um pouco mais a audição ela, devagarinho, foi espiar.
O pai é metido com os bichos e com plantas, despretensiosa-
mente quer fazer horta e vive espalhando as sementes das fru-
tas que consome junto aos vasos que tem pelo quintal. Claro
que a dona da casa reclama. No vaso da planta que tem nome
de renda nasceu um suposto pé de limão, na verdade não se
sabe de qual espécie realmente é: tangerina, laranja lima, li-
mão cravo, taiti, pois das mãos do pai do menino saíram mui-
tas sementes. Mas o que importa é o aroma cítrico indicando
para essa criança um pé de limão. Ao olhar a folha de papel no
chão a mãe percebe que o menino escreveu algo. Previamente
acha que era folha de limão, mas ao ler a última palavra estava
escrito otelã. Ela não se conteve e interferiu: “Que legal o que
está escrevendo?” E ele com a folha de hortelã amassada na
mão, disse: “As plantas”. Sugere então que continue a escrever
os nomes das sementes e folhas que usam para fazer seus
chás. Se esquecem do pé de limão e a brincadeira continua
com a escrita dos chás. Tendo numerado sua lista escreveu a
partir do item três e registra à sua maneira o nome daquelas
sementes e folhas que já conhecia. O menino colocou a folha
de hortelã no nariz e sentiu o aroma. Dali em diante foi mágico
- erva doce, cravo. “Mamãe me dá uma semente dessas pra eu
cheirar?” E do quintal pra cozinha foi experimentar cheiros dos
sabores que aprecia desde muito pequeno. Nesse momento
seus registros já demonstram o quanto está aprendendo so-
bre a escrita das palavras - EÃVADOCE e CAVO. Juntando sua
experiência de sabores com a sistematização já percebida na
escola acrescentava um confere a cada item, como se corrigis-
se aquilo que escrevera. Claro que a brincadeira acabou com
um chá e com os dois primeiros itens em branco. Ah, e o pé de

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 68


limão? estará ali no vaso pertinho do pequeno menino para
ser sentido, escrito, descrito a qualquer tempo. Quem dera lá
na escola também fosse assim, onde as crianças pudessem es-
crever mais sobre o que quisessem, marcar o papel com os
cheiros e os sabores do que se vive, do que se é. Quem dera a
escrita em contextos mais significativos. Enquanto profissio-
nais acreditamos na potência dos quintais? As aprendizagens
dos roteiros de estudos enviados por nós estão acontecendo?
E as famílias, qual sua relação com os roteiros e mais ainda
com os sabores, saberes, desafios, com a linguagem dos quin-
tais? Quem dera...

Nesta narrativa da Profa. Elisabete, a partir das circunstâncias por ela com-
preendida do contexto em que seus e suas estudantes estão inseridos, a reflexão
sobre as práticas alfabetizadoras no cotidiano escolar são ressignificadas a luz
das condições de vida em que se encontram seus estudantes.

Ela problematiza aquelas velhas frases que diziam: “é preciso partir do con-
texto do estudante, sua cultura e, a partir dela, propor novas relações com as
práticas de leitura e escrita escolares”. Ainda que Emilia Ferreiro ou Telma Weiz
ou Paulo Freire tenham dito coisas parecidas, não é da “boca” deles que ouvimos
frase como a enunciada. Ouvimos de outros colegas que esses autores disseram
essa frase – as vezes com palavras diferentes ou com entonações em diversas.
Mas, de algum modo, atribuímos a esses pensadores, o sentido da frase indicada.
Quem dera...

A Profa. Elisabete, pega de surpresa pela suspensão das atividades escola-


res, passa a, a partir de certas condições sociais ou mesmo de certas imaginações
– possibilitada pela suspensão da rotina diária, tão almejada pelas reflexões
de Larossa, que valoriza o tempo da experiência – e produz uma narrativa que
aponta possibilidades a partir do princípio presente na frase acima apresentada
– partir do contexto do estudante e sua cultura.

O roteiro apresentado, construído pela Profa. Elisabete, provavelmente em


parceria com outras colegas, toma das condições reais de existência e cria pos-
sibilidades, a partir delas, para o trabalho alfabetizador, mesmo que a distância
mediada pela professora.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 69


E o que se apresenta?

A partir do cheiro das ervas, das práticas de cuidado familiares possíveis


em contexto de difícil acesso a bens materiais e culturais, o que emerge em letras
e palavras – enunciados concretos como proposto por Smolka em diálogo com
Bakhtin – são os dizeres por escrito, ensaiados pela criança: OTELÃ, EÃVADOCE E
CAVO.

Dizeres enunciados em diálogo com uma boa xícara de chã de hortelã ou


de erva doce ou de um doce de abóbora com cravo. Criança que se alfabetiza,
mediada pelas práticas alfabetizadoras proposta pela Profa Elisabete que viu, na
oportunidade pandêmica, fazer valer sim a máxima apresenta por Paulo Freire:
citação!!!

Com isso, passamos a compreender, de modo intenso e vivido, a força que é


trazer o quintal para dentro da escola e fazer da escola um quintal para o mundo
da cultura.

“Não é razoável que a avaliação do conhecimento dos alunos tenha como


parâmetro o que eram as expectativas de aprendizagem para 2020 [e 2021], em
condições regulares, com o ensino presencial”.

Fora da escola e sem internet, também se aprende!

Renata B. Siqueira Frauendorf

Durante a pandemia, uma de minhas maiores preocupações


inaugurais como formadora junto às equipes de municípios
parceiros foi a de apoiá-los no trabalho a ser enviado para os
alunos durante o distanciamento social. Vários dilemas foram
me atravessando! Alunos sem escola; alunos sem internet;
pais assumindo lugar de professores; professores sem alunos;
professores se sentido sós; equipes técnicas elaborando ati-
vidades para alimentar sites; equipes se sentindo sós... Num
primeiro momento esse contexto da pandemia me paralisou!
O que fazer? Como ajudar? Como ser formadora em tempos
de distanciamento social? Comecei então a observar muito do
que estava circulando nas redes, pelas redes. Vi que as ativi-
dades oferecidas em muitos casos eram, na grande maioria
das vezes, propostas retiradas de blogs, sites, atividades em
que a prática social de leitura e escrita estava a léguas de

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 70


distância, propostas com pouco ou nenhum propósito comuni-
cativo e nada de interação entre os alunos, embora enxergasse
também um desejo enorme de acertar, uma ânsia em marcar
presença junto a tantas crianças e jovens e mostrar que não
estavam sós. Este movimento me deslocou e me fez pensar o
quanto a internet só estava sendo utilizada - na maioria dos
casos - para dispersar informação e material. A grande potên-
cia de promover a interação entre aqueles que estão distantes
era algo que eu pouco via. E esse era um incômodo! Aliado
a isso, também passei a observar que para muitas pessoas o
fato das crianças, adolescentes estarem fora da escola signi-
ficava, que não poderiam aprender. A imagem fantasiosa de
que apenas a escola ensina, é muito forte! A hegemonia dos
conteúdos escolares acima dos saberes da experiência. Como
ajudar as pessoas a enxergarem as inúmeras situações de
aprendizagem que acontecem em casa? Situações encharca-
das de marcas culturais de cada família, revestidas pelo am-
biente em que acontecem e ricas de possibilidade de interação
entre aqueles que habitam o mesmo espaço ou mesmo estão
distantes. Ler e executar uma receita de um prato que só a avó
faz; rememorar histórias e experiências vividas pelas famílias
entremeadas com fotos ou vídeo ou ainda bordados antigos
numa relação intergeracional; conversar sobre os sentimen-
tos provocados pelo distanciamento social; escrever uma lista
de lugares e coisas para fazer assim que a pandemia acabar....
Tantas possibilidades para se pensar sobre a leitura e a escrita!
Nessa eterna busca e mergulhada nos dilemas e incômodos fui
caminhando junto com minhas parceiras de trabalho e juntas
elaboramos algumas sequências didáticas cuja essência fosse
o trabalho com as práticas sociais de leitura e escrita, situa-
ções que iam na contramão de muito do que estava circulando.
Arriscamos! Acreditamos! Sonhamos! Desejamos! Esperamos…
Esses dias recebi algumas notícias desse trabalho! As imagens
contradizem muitas das verdades e narrativas que vamos nos
deixando contaminar. Sim, mesmo em contexto adverso, num
estado de exceção como o que estamos vivendo, com tantas
injustiças acontecendo, é possível! Aprendi a ler e a escrever
nas entrelinhas sem jamais desprezar a escola como espaço de
vida, interação e produção de saberes.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 71


A avaliação, de nossa perspectiva, é uma ação muito importante no con-
texto do trabalho pedagógico na escola, principalmente no contexto alfabetiza-
dor. A partir de uma avaliação inicial, professoras e professores podem construir
imaginações e práticas para apreender o universo cultural de seus alunos e alu-
nas e, com isso, produzir condições favoráveis para a troca de informações e si-
tuações cotidianas que potencializam os processos de aprendizado da leitura e da
escrita no contexto escolar. No momento em que crianças e jovens, no contexto
da aula, partilham informações advindas de seus universos culturais, uma profis-
sional atenta como Renata, vai recolhendo essas informações e pode construir
situações didáticas que potencializam práticas de leitura e práticas de produção
de texto favoráveis à construção de conhecimentos e saberes necessários à alfa-
betização, tão bem preconizados em programas como “Ler e Escrever” e “PNAIC”.
Situações didáticas que possibilitam que as alunas e alunos compreendem suas
potencialidades e demonstrem suas necessidades no âmbito da alfabetização. E
nessas circunstâncias que a professora e o professor, avaliando o desempenho
e a mobilização das capacidades de leitura e escrita de seus estudantes, pode
intervir e interagir com eles, para propor novos desafios e construir outras situa-
ções didáticas que possibilitam o desenvolvimento do processo alfabetizador.
Como diz Rosaura Soligo, no livro apresentado:

a avaliação da aprendizagem só é justa se tiver como parâmetro a com-


binação de três critérios: o aluno em relação ao que se espera que apren-
da (as expectativas de alcance), o aluno em relação a ele mesmo (o
processo pessoal de construção de conhecimento) e o aluno em relação
aos demais colegas que passaram pela mesma situação que ele (compa-
ração que permite entender melhor as razões do seu desempenho e se
precisará de apoio pedagógico).

Como podemos depreender, em situações didáticas que favorecem práti-


cas de intercâmbio de experiências entre estudantes e professores, é possível
criar no contexto escolar um ambiente alfabetizador responsável e orientada por
sucessivas avaliações que, antes de punir ou classificar, potencializam a constru-
ções de conhecimentos e saberes importantes para o aprendizado da leitura e da
escrita.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 72


“O diálogo com as famílias sobre a educação escolar adequada a crianças,
adolescentes e jovens nestes tempos que vivemos é não só imprescindível, mas
estratégico”

O que importa?

Paula da Rocha Gomes Oliveira

Era quinta-feira, 12 de março, tudo estava caminhando nor-


malmente. Quer dizer, quase normalmente. Ouvíamos os noti-
ciários sobre o avanço do COVID19 pela Europa, mas tudo ain-
da estava bem confuso por aqui. Apenas rumores, nada mais!
Nesse dia, especialmente, fiz minha primeira reunião de pais,
apresentei-me, instiguei a todos uma reflexão a respeito da
educação com uma dinâmica linda, mostrei o que havíamos
feito nos primeiros vinte dias de aula, as propostas para esse
ano letivo, nossos anseios e projetos de um estudo significa-
tivo para todos. Tudo ia bem, pelo menos era o que eu achava
naquele momento, e não que estivesse alheia ao que vinha
acontecendo no mundo, mas, tudo parecia distante ainda, se é
que isso faz algum sentido. Na sexta-feira, os ventos começa-
ram a mudar. Os rumores começaram a ficar mais intenso - o
que veio a se confirmar no final de semana -, o vírus já estava
entre nós. Fecha-se tudo! Fecha-se a escola! Mas a escola?
Quando se fechou escola em nosso país? Nem por falta de
água fecha-se a escola! Por quanto tempo? Dez, quinze, vinte,
trinta dias? Não sabemos. Uma incógnita. Só temos por refe-
rência os outros países, mas tudo tão confuso e obscuro. Não
entrarei em aspectos políticos. Poupemo-nos deste aborreci-
mento. As aulas foram paralisadas, repentinamente, na rede
da Prefeitura Municipal de Paulínia no dia 19 de março de
2020. Recordo-me, neste momento, os sentimentos de incer-
tezas, assombro, tristeza, insegurança e vazio ao sair da escola
naquele último dia fatídico. O que faremos agora? Na primeira
semana foram nos passadas as primeiras coordenadas: esta-
belecer contato com as famílias e elaborar um planejamento
de atividades para o período de distanciamento social. Oba!
Estabelecer contato com as famílias! Sempre proponho esta-
belecermos um meio de contato extraclasse com as famílias.
No entanto, sofro resistência e nunca consigo estabelecer esse
intento. Vejo, nesse momento, a chance de estabelecer esse

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 73


contato e, quiçá, seja permanente? As outras professoras re-
sistem. Não querem oferecer seus contatos aos pais. Eu com-
preendo esse receio. A direção acata e, ela mesma, se propõe
a estabelecer essa comunicação com as famílias. Eu não aceito
e estabeleço o meu contato com as famílias pelo aplicativo
Whatsapp, que mantenho e alimento diariamente. Resolvido
a questão do contato, como planejar atividades virtuais para
crianças na educação infantil? O que priorizar? Vamos à inter-
net! Lá, talvez, tenhamos alguma luz! Começam a chover ati-
vidades em nosso grupo de professoras. Um monte de coisas
desconexas, sem foco e sem sentido. Não é assim que estamos
acostumadas a trabalhar! Vamos retomar as rédeas, por favor?
Começamos a nos centrar e planejar melhor, propor ativida-
des que estivessem conectadas umas as outras, ao contexto
familiar e respeitando os limites das famílias. Não tem sido
fácil! Muito pelo contrário, um desafio e tanto. Principalmente,
quando não temos retorno das famílias. Pois é, esta tem sido
a minha frustração: não tenho tido a interação e o retorno que
esperava quando criei o grupo da minha turma. Acredito que
as questões que envolvem as famílias sejam muito comple-
xas. Apesar de não participarem ativamente do grupo, dando
aquele retorno pedagógico que eu imaginava ser possível, al-
guns me enviam mensagens no particular, enviam-me fotos,
contam-me suas angústias e sofrimentos, os quais os estão
impedindo de realizar as atividades propostas. Eu sofro! Sofro
por eles, sofro pelas crianças e sofro por mim... Não tem como
falar de alfabetização e letramento nesse momento! Fazemos
o que podemos, pois sabemos que todos estão sofrendo e que
uma educação infantil de qualidade vai além de competências
e habilidades. É afeto! Que todos fiquem bem!

Ao compreender as limitações advindas da situação pandêmica, vislumbrar


no contexto social da qual a escola faz parte de que muitas famílias passam por
necessidades essenciais – como falta de dinheiro e falta de alimentação – pro-
fessoras e profissionais da educação precisam tomar partido e decidir de que
lado vão estar na luta por uma escola democrática, participativa e justa. Ao se
assumir que a comunidade do entorno da escola, na situação pandêmica, precisa

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 74


de apoio, o trabalho pedagógico e educativo passa a ter nova função – não só
alfabetizar as crianças como também educar famílias inteiras de seus direitos,
não só os educacionais. A aproximação com as famílias, via os recursos midiáticos
possíveis, como aulas remotas e vínculos estabelecidos via WhatsApp, pode fa-
vorecer o estreitamento de relações interpessoais entre profissionais da escola e
pais e responsáveis pelos estudantes. Essa relação, estabelecida no âmbito edu-
cativo, pode favorecer a construção de laços de compromisso e responsabilidade,
não só pela manutenção da vida das famílias, como também a construção da
compreensão da escola como porto seguro para os estudantes e para a valoriza-
ção da própria escola como um equipamento público que serve à comunidade na
qual ela está instalada. O processo educacional que se dará nesta intensa relação
entre familiares e participantes da comunidade educacional pode favorecer não
só os processos pedagógicos intraescolares como pode construir um sentimento
de pertença a todas e todos que participam do cotidiano escolar.

Na medida em que, nestas circunstâncias, mesmo a distância, professoras


e professores não se eximam de realizar o trabalho alfabetizador levando-se em
conta as necessidades de todos e de cada um de seus estudantes, penso que é
possível não se perder o vínculo afetivo tão necessário a todo e qualquer proces-
so educativo.

Nestes novos tempos de alfabetização, em que as relações são intermedia-


das pelo celular ou pelas tecnologias, é imprescindível que essas relações façam
parte do processo alfabetizador, associados à todos os direitos que cada criança
tem de se desenvolver de modo íntegro e integral, mobilizando todas as suas
capacidades criativas e suas várias formas de expressão linguageira.

Pintar, modelar, escrever, ler, correr e brincar são necessidades de todas as


crianças que, se acontecem na escola, podem favorecer o desenvolvimento delas
e, aos olhos e ouvidos das professoras e professores, atentos a esses intensos
movimentos, construir situações didáticas que favoreçam o processo alfabetiza-
dor. E hoje, as crianças estão fazendo isso em casa e, intermediadas pelas tec-
nologias, podem apresentar essas situações para a construção de possibilidades
alfabetizadores, seja em relação às escritas, seja em relação à leitura, bem como
outras capacidades necessárias aos processos alfabetizadores, como o manuseio
de símbolos ou a acuidade necessária para digitar no celular.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 75


É necessário sim que os poderes públicos, em diálogo com os profissionais
da educação, possibilitem recursos tecnológicos e condições de acesso às essas
tecnologias – bem como o acesso à vacina e protocolos sanitários que preservem
a vida de todas e todos os participantes da comunidade escolar.

As condições de trabalho das professoras e professores, neste contexto


pandêmico ampliaram-se; não estão mais restritas ao turno da manhã ou tarde,
comumente assumidas no contexto do magistério. Manhãs, tardes e noites pas-
sam a ser os momentos de encontros possíveis, dada as condições de acesso e
viabilidade de interlocução com as crianças na relação com seus responsáveis
diretos, que podem possibilitar essa interlocução somente no momento em que
estão em casa e podem disponibilizar, com responsabilidade, o acesso ao celular
ou ao computador. Essas condições de trabalho docente portanto, em condições
pandêmicas, precisam ser mediadas com responsabilidade pela equipe de gestão
escolar e sistemas de ensino e favorecer o trabalho de vínculo que muitas profes-
soras e professores estão realizando para que crianças e jovens não abandonem
a escola e seus estudos.

Por isso, avaliar professoras e professores com os mesmos parâmetros das


condições presenciais também não podem ocorrer. Assim como também não
pode ocorrer dos sistemas de ensino não darem condições de trabalho para pro-
fessoras e professores acessarem, de qual modo for, seus estudantes – viabilizar
pacotes de dados e de telefonia se faz premente, como condição de trabalho
docente viabilizador da criação de vínculo com seus estudantes como também de
práticas educativas realizadas de modo remoto.

Nesses novos tempos de alfabetização, em que as mídias apresentam inú-


meros conteúdos às crianças e jovens, o contato com as professoras e professores
pode propiciar, a partir destes conteúdos, uma outra leitura de mundo, como tão
bem propôs o Mestre Paulo Freire. Leituras sobre alfabetização sustentadas por
programas federais bem elaborados e com participação de renomados pensado-
res do campo alfabetizador, embasados em pesquisas cientificas orientadas pelo
respeito às comunidades locais e pelo diálogo com pesquisadores internacionais,
como são o CEALE da UFMG e a CEEL da UFPE.

Essas novas condições de trabalho – que não substituem o trabalho pre-


sencial que será necessário acontecer quando toda a população brasileira estiver

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 76


vacinada – pode contribuir com novos modos de relacionamento entre as pro-
fessoras e profissionais da escola com as famílias dos estudantes, pode favorecer
novos modos de se realizar a avaliação – como uma importante categoria do
trabalho escolar que precisa ser assumida a partir da escola e não vinda de cima,
dos governos e agências reguladoras; pode também favorecer que novos conhe-
cimentos e saberes, advindos das diversas situações vividas no contexto pandê-
mico, entrem em necessário diálogo com os currículos escolares.

Finalizo este texto, mais uma vez, com o agradecimento a todas e todos os
professores alfabetizadores, por possibilitarem a entrada na cultura letrada de
tantas crianças e jovens e com isso realizar a leitura da palavra, tão alentada pelo
Mestre Paulo Freire.

Termino meu texto, saudando a todas e todos e a cada uma e um, enviando
um grande abraço, nas singelas palavras do poeta pantaneiro Manoel de Barros:

Achava que os passarinhos


são pessoas mais importantes
do que os aviões.
Porque os passarinhos
vêm dos inícios do mundo.
E os aviões são acessórios.

Referências

BARROS, Manoel. Cantigas para um passarinho à toa. Rio de Janeiro, Editora Re-
cord, 2003.

FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre Alfabetização. Editora Cortez, 1985.

FRAUENDORF, Renata B. S. Fora da escola e sem internet, também se aprende! In


FRAUENDORF, Renata B.S.; LIMA, Fernanda C.D.A.; PRADO, Guilherme V T. Para
não esquecer: narrativas das experiencias de professoras no contexto da pande-
mia do Covid-19. São Carlos, Editora Pedro&João, 2020, págs. 45-47.

FRAUENDORF, Renata B.S.; LIMA, Fernanda C.D.A.; PRADO, Guilherme V T. Para


não esquecer: narrativas das experiencias de professoras no contexto da pande-
mia do Covid-19. São Carlos, Editora Pedro&João, 2020, 68p.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 77


FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler, em três artigos que se complemen-
tam. São Paulo, Editora Cortez, 2004.

GERALDI, João W (org.). O texto na sala de aula. São Paulo, Editora Ática, 2011

LARROSA. Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. Belo Hori-


zonte, MG, 6ª. Edição, Editora Autêntica, 2017.

OLIVEIRA, Paula R.G. O que importa? In FRAUENDORF, Renata B.S.; LIMA, Fer-
nanda C.D.A.; PRADO, Guilherme V T. Para não esquecer: narrativas das expe-
riencias de professoras no contexto da pandemia do Covid-19. São Carlos, Editora
Pedro&João, 2020, págs. 42-44.

SILVA, Elisabete R. Alfabetização e seus aromas. In FRAUENDORF, Renata B.S.;


LIMA, Fernanda C.D.A.; PRADO, Guilherme V T. Para não esquecer: narrativas das
experiencias de professoras no contexto da pandemia do Covid-19. São Carlos,
Editora Pedro&João, 2020, págs. 25-27.

SMOLKA, Ana L. A criança na fase inicial da escrita. São Paulo, Editora Cortez,
13e.2018.

SOLIGO, Rosaura. Cartas para os colegas do GRUPAD. In FRAUENDORF, Renata


B.S.; LIMA, Fernanda C.D.A.; PRADO, Guilherme V T. Para não esquecer: narrati-
vas das experiencias de professoras no contexto da pandemia do Covid-19. São
Carlos, Editora Pedro&João, 2020, págs. 10-13.

VIGOTSKI, L.S. Formação Social da Mente: o desenvolvimento dos processos psi-


cológicos superiores. São Paulo, Editora Martins Fontes, 1991.

WEIZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São Paulo, Editora Áti-
ca. 2000.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 78


EIXO 1
ALFABETIZAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 79


ALFABETIZAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA

Luciene Cerdas
Docente do Departamento de Didática da Faculdade de Educação, UFRJ. Doutora em
Educação Escolar. Integrante do colegiado do FEARJ. lucienecerdas@gmail.com

Maria Elisa Almeida


Docente do Ensino Básico, pesquisadora do Laboratório Ação e Currículo (PUC-Rio)
e integrante do colegiado do FEARJ. Doutoranda em Educação (PUC-Rio), Mestre em
Educação (UFRJ).

Introduzindo o eixo temático

Todos fomos surpreendidos pela chegada do Coronavírus no Brasil no final


do mês de fevereiro de 2020, sendo o primeiro caso confirmado no dia 26. De lá
para cá, somamos mais de meio milhão de óbitos por causa da COVID-19. Em mea-
dos de março, com o crescimento do número de casos, as aulas foram suspensas
em todo país, num período em que as escolas estão iniciando suas aulas, receben-
do e conhecendo seus alunos, e planejando o ano letivo. Desde então, o ensino
remoto ou híbrido tem sido a solução encontrada pelas redes de ensino públicas e
privadas de todo país para garantir a continuidade das atividades letivas.

Os meses de escolas fechadas, por causa da pandemia supracitada, pro-


vocaram e continuam provocando impactos na educação. As desigualdades das
condições de existência de nossas crianças e jovens e suas famílias exacerbaram-
-se e percebemos mais claramente situações de extrema vulnerabilidade social,
que vão muito além da impossibilidade de acesso à internet ou aos equipamen-
tos tecnológicos, mas afetam a própria sobrevivência, já que não podem “se dar
ao luxo” da quarentena, mas se expõem ao vírus na busca de sua subsistência.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 80


Ademais, do outro lado da tela estão, agora, as professoras e professores de
educação básica a quem foi confiada a tarefa de fazer ensino remoto a partir de
suas casas, em condições, muitas vezes também precárias. Além de toda tarefa já
condicionada ao docente, este agora teve de se tornar, sem qualquer preparação
específica, produtor de conteúdos didáticos para a internet.

Somam-se a essa situação os dados da pesquisa TIC Educação 2019, do


Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação
(CETIC.BR, 2020), que revelaram que 39% dos estudantes de escolas públicas
urbanas não têm computador ou tablet em casa; 21% dos alunos de escolas públi-
cas só acessam a internet pelo celular - na rede privada, o índice é de 3%. Além
disso, 53% dos professores disseram que a ausência de curso específico para o
uso do computador e da internet nas aulas dificulta muito o trabalho, e para 26%,
dificulta um pouco – a soma é de 79%.

Considerando os desafios da docência nesse momento, trazemos alguns


estudos que, ao ouvir os professores sobre como têm organizado os processos
de ensino e aprendizagem com suas turmas, dão conta de suas experiências em
meio aos desafios, dificuldades, angústias e incertezas da pandemia.

Estudos sobre ensino e aprendizagem no contexto do ensino remoto

Uma busca rápida na internet já revela, além dos artigos de opinião e re-
portagens, alguma produção acadêmica sobre a docência na pandemia, alguns
dos quais são reportados aqui, pois se debruçaram em discutir o trabalho dos
professores a partir de atividades remotas e em home office.

No que diz respeito à docência nesse momento, Rondini, Pedro e Duarte


(2020) que investigaram professores da Educação Básica das redes públicas e
particulares do estado de São Paulo, encontraram respostas que incidem sobre
as suas dificuldades em se adaptar ao ensino remoto e desenvolver atividades
nas plataformas virtuais. Os desafios no uso das plataformas digitais e a adequa-
ção das metodologias de ensino se intensificam frente à desigualdade social dos
alunos, já que impossibilita o “[…] acesso e o aprendizado mais democrático e
autônomo” comprometendo “[…] a interação e a aprendizagem discente no con-
texto remoto.” (RONDINI; PEDRO; DUARTE, 2020, p. 47-48).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 81


Ferreira e Barbosa (2020, p.14) acrescentam a esse cenário a questão da or-
ganização do ambiente doméstico em que vivem esses alunos, que se caracteriza
por situações em que “[…] as crianças e os adolescentes se ocupam uns dos ou-
tros e dos afazeres do lar, enquanto alguns dos adultos mantêm suas atividades
de trabalho.”. Uma realidade que não surge na pandemia, mas que agora expõe
ainda mais essas crianças a uma situação de maior vulnerabilidade social e de
exclusão quando se trata do ensino remoto.

Essa situação que o país - e o mundo - atravessa é muito séria sob diferen-
tes aspectos (sociais, políticos, econômicos) e no caso da educação diz respeito
não só à “[…] questão dos conteúdos programáticos ou aos critérios e à metodo-
logia do processo avaliativo […] englobam questões sociais, familiares e econô-
micas dos estudantes.” (RONDINI; PEDRO; DUARTE, 2020, p. 54).

Com isso, não podemos nos isentar da mudança espacial e temporal: de


uma hora para outra os professores precisaram abandonar o chão das escolas e
enfrentar os novos desafios do ensino remoto, sem preparação prévia. Cabe-nos
perguntar sobre como as práticas docentes, então, se configuram nesse momen-
to, o que tem sido possível aos professores construírem. Ferreira e Barbosa (2020)
apontam que se espera das professoras que sejam ainda mais ativas, criativas e
produtivas, pois o modo que faziam “já não serve mais”.

No trabalho de Feitosa, Moura, Ramos e Lavor (2020, p. 6), os professo-


res enfatizam que gravar vídeos e depois editá-los, planejar aulas online de
videoconferência são exemplos de tarefas que precisaram aprender, e são res-
ponsáveis pela sobrecarga de trabalho, pois demandam muito tempo. Apesar de
todo esforço, lamentam que “[…] os alunos que já tinham um bom desempenho
estão conseguindo se sair bem, mesmo que com prejuízos, mas os que já tinham
dificuldades, estão sendo ainda mais prejudicados.” (FEITOSA; MOURA; RAMOS;
LAVOR, 2020, p. 6).

Ainda sobre as práticas pedagógicas no ensino remoto, Colello (2020, p.


11-12) aponta que nas vozes dos professores repercute a preocupação em manter
o vínculo com as crianças e suas famílias por meio das plataformas de internet e
equipamentos disponíveis, em especial do celular, recaindo sobre os professores
um sentimento de impotência pelos “[…] ‘alunos desaparecidos’ (como ficaram
conhecidos aqueles que, por algum motivo, não puderam ser contatados).”. (CO-
LELLO, 2020, p.6).

Assim os professores “[…] ora demonstram preocupação em acompanhar

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 82


prescrições conteudistas, que lhe são exigidas, ora reafirmam compromisso com
os vínculos e as experiências.”. (FERREIRA; BARBOSA, 2020, p. 3). E o ensino
remoto se apresenta como possibilidade de fortalecer as relações de parceria
entre família e escola, e de “[…] preservar momentos de diálogo e a dinâmica do
coletivo. Privilegiar o fato de estar junto […], valorizar o conhecimento científico
como produção humana, desenvolver a empatia e propiciar momentos de educa-
ção sensível.” (FERREIRA; BARBOSA, 2020, p.15).

É nesse contexto de dificuldades que os trabalhos do eixo 1, apresenta-


dos a seguir, foram construídos por professores que atuam na Educação Infantil,
Ensino Fundamental, e na modalidade da Educação de Jovens e Adultos. Expe-
riências diversificadas, narradas por seus autores, se entrelaçam na busca de
realizar, dentro de suas possibilidades e limitações, um trabalho fundamentado
na ética e responsabilidade com os aprendizes.

Um convite à leitura dos artigos

Na ampliação desse debate, os textos que compõe o eixo 1, Alfabetização


em tempos de pandemia, reúne relatos de práticas pedagógicas voltadas à alfa-
betização em meio à pandemia do novo Coronavírus, que provocou o fechamento
das escolas a partir de março de 2020, e a consequente busca de alternativas
tecnológicas para encaminhar o ensino a novas estratégias. Nesse contexto, o
ensino remoto ganhou espaço no desenvolvimento de propostas didáticas das
mais diversas, algumas das quais são apresentadas pelos autores aqui relaciona-
dos, em sua atuação frente à urgência do momento pandêmico.

O ineditismo desse contexto exige o registro dessas vivências que não po-
dem ser esquecidas, mas que devem permitir reflexões sobre perdas e ganhos
para a educação em meio à crise sanitária da Covid-19, em um país, historicamen-
te, marcado pelas desigualdades sociais e exclusão das populações mais vulnerá-
veis. Assim, os desafios de alfabetizar crianças, jovens e adultos por meio das fer-
ramentas digitais e redes sociais que possibilitassem manter os vínculos com os
estudantes, são o foco desse eixo, que traz o relato de experiências vivenciadas
em diferentes contextos e sob diferentes perspectivas, o que permite a riqueza
das discussões que aqui se delineiam.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 83


O artigo de Quintino, “Alfabetização em Tempos Pandemia: os desafios de
alfabetizar mantendo a qualidade do ensino” contribui aos estudos ao traçar um
relato de experiência sobre alfabetizar frente os desafios do período pandêmico,
ao verificar como os professores estão mantendo a qualidade de ensino de forma
remota. A fim de apoiar-se teoricamente, utilizaram-se documentos legais que
amparam a educação brasileira, concomitante a estudiosos da área de alfabe-
tização como: Soares, Freire, Marcuschi, Tfouni. O trabalho de Quintino contou
com os relatos de 10 participantes, sendo 5 professores e 5 responsáveis pelos
alunos. Após análise das entrevistas, percebeu-se que houve crescimento, tanto
prático, quanto teórico, durante o período pandêmico, e o reforço sobre a ideia
de que a alfabetização bem estruturada contribui para o sucesso da qualidade do
ensino/aprendizagem de seus alunos.

O segundo trabalho, da autoria de Carmo, intitulado “Facebook: Uma Fer-


ramenta em Rede de Ensino Remoto” apresenta-se como um artigo e visa a com-
partilhar, a partir de uma análise qualitativa, a experiência, durante a pandemia,
vivida por alunos, professores e equipe gestora de um CIEP situado no bairro de
Vila Valqueire, na cidade do Rio de Janeiro. A escola, assim como todas as outras,
fecharam e o ensino remoto entrou em vigor. Por sua vez, o CIEP adotou o uso da
rede social Facebook como plataforma de ensino à distância e o estudo descreve
como isso se deu, levantando questões nem um pouco novas, porém bastante
atuais, como acesso a tecnologias por parte dos alunos do Ensino Público.

O artigo de Silva “Festa de aniversário em tempos de pandemia: contexto


afetivo e significativo para abordagens pedagógicas envolvendo oralidade, lei-
tura e escrita na Educação Infantil” relata uma experiência didática que envol-
veu a organização e realização de uma Festa de Aniversário em uma turma de
pré-escola em uma cidade do Distrito Federal. A autora discute as adaptações
realizadas em virtude do ensino remoto, evidenciando possibilidades de criar
situações comunicativas reais, que desafiam as crianças a avançarem em seus
conhecimentos sobre ler e escrever.

Melo, em seu texto “Alfabetização de jovens e adultos em tempos de pan-


demia: um olhar sobre o plano de ação realizado por professores de uma escola
da rede de ensino do município de Duque de Caxias”, apresenta as ações desen-
volvidas pela equipe diretiva e pelos docentes de uma escola de EJA da baixada

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 84


fluminense. A experiência relatada pela autora aponta os desafios de realizar o
trabalho com jovens e adultos no contexto pandêmico, considerando a situação
socioeconômica desses estudantes.

Conclusões e encaminhamentos

Esse texto introdutório ao eixo 1 é um convite ao diálogo com professoras


que narram suas experiências didáticas nessa pandemia, relatos de resistência,
resiliência e compromisso profissional em meio ao medo, aflições e adversidades.

O primeiro eixo foi uma demanda que surgiu no cenário totalmente novo
e incerto em que nos encontramos: tempos de pandemia e o ensino, quando
acontece, de modo remoto com previsões para o modelo híbrido. Sendo assim,
o FEARJ só recebeu propostas de trabalhos em 2020, entretanto acreditamos
que, em 2021, a procura por pesquisas, estudos e novas produções pedagógicas
engendradas, metodologias de ensino e aprendizagem desenvolvidas nesse con-
texto e que estão se formando e reformando serão a tônica.

Os trabalhos do eixo um permitem, ao ouvir os professores sobre esse pe-


ríodo pandêmico, ter mais clareza dos desafios que estão enfrentando e sobre o
uso que eles têm feito das tecnologias que servem à manutenção de vínculo com
as crianças e suas famílias e ao encaminhamento dos objetivos pedagógicos de
ensino dos conteúdos curriculares, especialmente nas redes públicas. Há eviden-
tes prejuízos aos alunos das classes populares, crianças que sabemos estão muito
mais expostas às situações de fracasso escolar.

O ensino presencial para essas crianças e jovens é insubstituível, impres-


cindível e indispensável. Para muitos deles estar na escola é também uma ques-
tão de sobrevivência da fome e da violência a que estão expostas nos espaços
onde vivem. Nesse sentido, há que se ter um olhar atento sobre o que está acon-
tecendo com alunos e professores, a precarização de seu trabalho se revela em
seus depoimentos, na medida em que eles se viram como podem, com mais ou
menos apoio institucional, buscando alternativas para o trabalho remoto emer-
gencial, tendo em mente que nas relações pedagógicas os vínculos afetivos não
podem se desfazer apesar da distância física.

Desejamos que possam apreciar a leitura!

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 85


Referências

CETIC.BR. TIC EDUCAÇÃO 2019 - Coletiva de Imprensa. São Paulo, 9 de jun. de


2020. Disponível emhttps://cetic.br Acesso em 14 de out. 2020.

COLELLO, Silvia Maria Gasparian. Alfabetização em tempos de pandemia. Conve-


nit Internacional, 35 jan-abr 2021, Cemoroc-Feusp, p. 1-22.

FEITOSA, Murilo Carvalho; MOURA, Patrícia de Souza; RAMOS, Maria do Socorro


Ferreira; LAVOR, Otávio Paulino. Ensino Remoto: O que Pensam os Alunos e Pro-
fessores? V Congresso sobre Tecnologias na Educação. Disponível em <https://
sol.sbc.org.br> Acesso em 20 de set. 2020.

FERREIRA, Luciana Haddad; BARBOSA, Andreza. Lições de quarentena: limites e


possibilidades da atuação docente em época de isolamento social. Práxis Educa-
tiva, Ponta Grossa, v. 15, e2015483, p. 1-24, 2020.

RONDINI, Carina Alexandra; PEDRO, Ketilin Mayra; DUARTE, Cláudia dos Santos.
PANDEMIA DA COVID-19 E O ENSINO REMOTO EMERGENCIAL: MUDANÇAS NA
PRÁTICA PEDAGÓGICA. Interfaces Científicas. Aracaju. V.10, N.1., 2020, p. 41 - 57.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 86


ALFABETIZAÇÃO EM TEMPOS PANDEMIA:
os desafios de alfabetizar mantendo a qualidade do ensino

Amaro Sebastião de Souza Quintino


amarotiao@yahoo.com.br
Universidade Estadual do Norte Fluminense

Introdução

A pandemia do coronavírus afetou a vida da sociedade mundial e mudou o


comportamento de professores e alunos no processo ensino aprendizagem. No
ano de 2020 e no início de 2021, vise-se um período atípico, devido a pandemia
causada pelo novo Coronavírus COVID-19, de forma que a vida social teve um
impacto pela imposição da restruturação de novas rotinas, criação de condições
de trabalho, mudanças nas relações humanas e reinvenção formas de lazer, afe-
tando principalmente o âmbito educacional.

O presente trabalho busca refletir sobre a importância de utilizar ferra-


mentas lúdicas facilitadoras com foco na alfabetização, e mostrar como está
acontecendo o ensino remoto de maneira síncrona e assíncrona.

O objetivo deste relato de experiência é descrever e refletir sobre o uso de


alternativas diferenciadas na alfabetização, buscando novos métodos de ensino em
EaD, na intenção de ressignificar os conteúdos escolares em tempos de pandemia.

A partir dessa situação, vale a pena repensar quais são as condições que
estão sendo oferecidas na alfabetização, e quais os desafios dos docentes em
manter a qualidade na educação das crianças durante o ciclo alfabetizador, par-
tindo do princípio de que a fase inicial é a mais significativa para a vida escolar
do aluno, evolvendo a escola, família e sociedade.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 87


Práticas educativas do ensino remoto durante o processo de alfabetização

Mediante o momento pandêmico, o professor teve que adaptar as ferra-


mentas virtuais de aprendizado, de forma a inseri-las em suas práticas educati-
vas no ensino remoto e analisar como disponibilizar as mesmas para que alunos
tenham acesso, entre outras questões.

Santos (2007) afirma que:

Entende-se o quanto é essencial um processo de alfabetização


significativo, porém não é tarefa fácil, para obter sucesso no
processo de alfabetização é necessário muito estudo e dedica-
ção por parte do educador, método adequado à turma, e levar
em consideração a individualidade dos alunos. A escola não é o
único lugar de ensino, por esse motivo é importante trabalhar
com diferentes gêneros textuais, pois as crianças estão constan-
temente em um ambiente letrado (SANTOS, 2007, p. 98).

Durante a pandemia foram desenvolvidas atividades síncronas e assíncro-


nas, e as atividades estão sendo desenvolvidas em home-office, sendo elas es-
tendidas a toda equipe escolar e contando com a participação da família. É im-
portante ressaltar que na alfabetização é fundamental o envolvimento de toda
família neste processo de ensino aprendizado, visto que é preciso ter cuidado
com as práticas virtuais, as câmeras dos aparelhos das aulas síncronas estão
quase sempre abertas e os microfones também, é preciso estar atento ao que as
crianças estão acessando neste ambiente virtual.

Nesta perspectiva Tfouni (2006) diz em seus estudos sobre a alfabetização:

(...) não se restringe somente àquelas pessoas que adquiriram


a escrita, isto é, aos alfabetizados. Buscam investigar também
as consequências da ausência da escrita a nível individual, mas
sempre remetendo ao social mais amplo, isto é, procurando,
entre outras coisas, ver quais características da estrutura social
tem relação com os fatos (TFOUNI, 2006, p. 21).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 88


No entanto constatou-se que os professores têm buscado muitas práticas
alfabetizadoras em espaços digitais, oferecendo jogos virtuais alfabetizadores e
atividades lúdicas para despertar o interesse das crianças com o objetivo de en-
volver alunos, professores e familiares no mesmo processo educativo intencional.

Alfabetização em tempos de pandemia

A alfabetização é uma etapa que gera um conjunto de aprendizado inicial


muito importante além de ser um processo político, que promove a cidadania, a
autonomia, e desenvolvimento quando for praticada com lucidez, pois oferece
suporte aos educandos de construírem seus conceitos num contexto mais amplo,
sendo esse analisado e apreendido pela complexidade das interações múltiplas
que os ambientes, as pessoas e os objetos implicam.  Freire (1976) aponta em
seus estudos que:

Ser alfabetizado é tornar-se capaz de usar a leitura e a escrita


como um meio de tomar consciência da realidade e de transfor-
má-la. Sendo o papel do letramento ou de libertação do homem
ou de sua “domesticação”, dependendo do contexto ideológico
em que ocorre, na qual sua natureza é de caráter inerentemente
político, onde seu principal objetivo deveria ser o de promover a
mudança social (FREIRE, 1976, p. 34).

A disseminação da doença causada por este vírus, denominada Covid-19,


foi crescendo e atingindo outros países. Assim, ainda em 2021 o vírus se prolifera
atingindo gravemente toda a população existente no planeta, causando milhares
de óbitos.

No entanto, devemos ressaltar que a alfabetização não deve, ou não deveria


ser entendida apenas como o ato de ensinar e aprender a ler e a escrever. Assim
como indica Freire (1989, p. 72), “Alfabetização é mais que o simples domínio me-
cânico de técnicas para escrever e ler. Com efeito, ela é o domínio dessas técnicas
em termos conscientes. É entender o que se lê e escrever o que se entende”. Por
isso é um grande desafio manter a qualidade de ensino em tempos de pandemia.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 89


Soares (2016, p. 16) afirma que “podemos entender por métodos de al-
fabetização um conjunto de procedimentos que, fundamentados em teorias e
princípios, oriente, a aprendizagem inicial da leitura e da escrita”. Desta forma
destaca-se a importância de reforçar quea alfabetização é um processo complexo
ligado à construção do conhecimento. É um momento delicado para as crianças,
e são necessárias intervenções pedagógicas diferenciadas, inovadoras para que
as crianças tenham uma aprendizagem satisfatória e prazerosa.

Com a pandemia causada pelo novo Coronavírus, alguns professores estão


vivenciando coisas inéditas, preparando aulas, gravando vídeo aulas e se rein-
ventando mediante a este contexto de excepcionalidade. Os professores estão
superando desafios e buscando aprendizagens lúdicas e tecnológicas que passa-
ram a ser adotadas com o objetivo de reduzir o prejuízo educacional e preservan-
do o direito à educação das crianças.

A preocupação do ensino aprendizagem dos alunos

A alfabetização é o processo de decodificação da letra e do som. Nós es-


crevemos utilizando letras que representam um som, por isso que se fala que
a nossa escrita é alfabética. Em especial por conta da pandemia, é ainda mais
importante os pais incluírem na rotina atividades que façam essa correlação,
mostrando as letras e principalmente o som daquela letra, trabalhando de forma
lúdica levando ao aluno a associar as letras aos objetos.

De acordo com Marcuschi (2010):

A alfabetização pode se dá, como fato se deu historicamente, á


margem da instituição escolar, mas é um aprendizado mediante
ensino, e compreende o domínio ativo e sistemático das habili-
dades de ler e escrever (MARCUSCHI, p. 21, 2010).

A alfabetização é um processo complexo e precisa de maior dedicação do


professor. Segundo os resultados da UNESCO (2020), os professores se mostram
exaustos e sobrecarregados com a forma que estão trabalhando, e apesar das

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 90


dificuldades que enfrentam, têm na vocação, no amor a profissão. No ensino
presencial a alfabetização já demanda uma série de dinâmicas, imagine de forma
remota que demanda ainda mais esforço e dedicação.

Cabe salientar que os professores estão tendo que se desdobrarem entre as


atividades que causam preocupações tais quais: o sustento da família, trabalho,
rotina doméstica, ansiedades, medos, e educação dos seus próprios filhos, ainda
tem que organizar um tempo para sua vida particular.

São diversos os problemas que assolam o ato avaliativo, no entanto, o que


mais desperta preocupações é o seu uso de forma desvinculada do processo edu-
cativo, como meio de classificação e exclusão dos alunos.

E, considerando o momento atual de suspensão de aulas presenciais e ado-


ção de aulas remotas online, esse desafio tornou-se ainda mais complexo para
os(as) docentes alfabetizadores(as), como também para os(as) próprios(as) estu-
dantes e seus pais ou responsáveis.

Metodologia

A metodologia da pesquisa teve como base os apontamentos dos estudos


teóricos de Ferreiro (2011) e Soares (2014), e análise de conteúdos com nos de-
poimentos de responsáveis e professores. A pesquisa tem o propósito de apro-
fundar a discussão sobre as dificuldades de alfabetizar em tempos de pandemia.
Este relato contou a com a contribuição de 10 participantes, sendo 5 professores
e 5 responsáveis que deram seu depoimento de suas práticas educativas neste
período pandêmico.

Com o fechamento das escolas, o trabalho remoto e o distanciamento físi-


co, a equipe escolar e a família mudaram suas rotinas.

Análise dos resultados

Essa estrutura de trabalhar em home-office com a alfabetização, não está


sendo fácil, pois é um desafio para a família, sociedade e professores, que a cada
é preciso se reinventar em suas aulas, com novas formas metodológicas do En-
sino a Distância e o uso das novas tecnologias. Soares (2003, p. 11), afirma que

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 91


“Letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever dentro de um contexto
onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do aluno”.

Para fundamentar o relato de experiência, destacam-se alguns depoimen-


tos de professores e alunos no ensino remoto para corroborar com a pesquisa:

P1 - “Tudo aconteceu de repente foi uma grande surpresa. A


escola fechou e tínhamos que transformar a casa em esco-
la, sem nenhum apoio, ou estrutura. Como alfabetizar assim?
Começamos a correr para descobrir como ensinar à distância,
sem nunca ter aprendido” (J. A. L., 32 anos, casada).

P2 - “Já não bastam asdificuldades encontradas, os professores


ainda estão tendo que lidar com a insatisfação de muitos pais,
que não aceitam algumas formas de trabalho da equipe, ou
que não conseguem acessar as plataformas, ou ainda alegam:
“Para que existe o professor, não é para ensinar?!” (L. G. B., 30
anos, solteira).

P3 - “Nós professores alfabetizadores estamos com uma de-


manda muito maior de tarefas, pois, tenho que adaptar todo
o conteúdo das aulas para a forma remota, é tudo muito di-
ferente da sala de aula. Tenho visto muitos vídeos de como
trabalhar a alfabetização, isso me ajuda muito...” (V. T. B., 35
anos, casada).

P4 - “Estamos em um momento crítico no sistema educacional,


para ensinar remotamente é preciso formação, acredito que
em muitos casos por mais que façamos o nosso melhor ain-
da assim não atingimos um ensino qualidade, pois totalmente
a distância é complicado. Exigem tecnologia, mas nem todos
têm, grande parte dos meus alunos, nem celular tem, mas...
vamos seguindo o fluxo” (A. M. C., 24 anos, solteira).

P5 - “Faço o melhor possível para atender as expectivas dos


pais e alunos. Fico o dia todo sentado, repetindo a mesma coi-
sa, e no final de tudo, vejo que não entenderam nada. Isso des-
gasta, desmotiva, mas... Eu amo a educação e acredito nela.
Vamos ver onde isso vai parar...” (J. B. C., 36 anos, casada).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 92


Fazendo uma análise dos depoimentos acima, chega-se à conclusão, de que
os professores acabam se desgastando devido a uma série de demandas desacer-
badas para dar conta do seu trabalho de professor alfabetizador. Alguns profes-
sores alegam que é preciso reformular as aulas em curtíssimo espaço de tempo e
muitas vezes em plataformas que não possuem experiência para atender o ensi-
no remoto. Ainda se queixam de lidar com a insatisfação de muitos pais, que não
aceitam as novas formas de trabalho da equipe, ou que não conseguem acessar
as plataformas de ensino, dentre outros questionamentos.

Segundo Ferreiro (2011, p. 15) “O desenvolvimento da alfabetização ocorre,


sem dúvida, em um ambiente social”. Isto nos leva a pensar como exercitar a so-
ciabilidade e interação neste período pandêmico de isolamento social, para que
haja o interesse da criança que está sendo alfabetizada.

No entanto é fundamental o apoio da família, escola e da sociedade, para


que se tenham êxito no ensino e na aprendizagem. Já os responsáveis abordam:

R1 - “Acho que nada melhor que aula presencial porque as


crianças estão ali, interagindo com os outros alunos, tirando
dúvidas com o professor. Como vou ensinar se não tenho tem-
po, esse excesso de atividades on-line, e ainda tenho muita
coisa para fazer” (L. J. C. D., 33 anos, casada com 3 filhos).

R2 - “Percebo que as escolas dos meus filhos não têm preparo


para uma realidade como essa, fica um ensino precário e de-
ficiente, os professores s esforçam, mas...” (M. C. T., 30 anos,
solteira, com 2 filhos).

R3 - “Estou desestruturada emocionalmente, não tenho es-


trutura adequada para isso não!! O ensino só ficar voltado a
família é complicado, essa forma remota de trabalho é coisa
de outro mundo, ainda mais na alfabetização que tudo é mais
cauteloso. A dificuldade é conciliar casa, cuidar dos filhos, e
ainda auxiliá-los em atividades escolares, são muitas deman-
das para dar conta” (C. R. S. Q., casada com 1 filho)

R4 -“O mais difícil é pensar no planejamento das atividades,


propostas, desafios adequados para a faixa etária, lúdicas,
com um tema disparador, objetivos claros, recursos visuais,

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 93


sonoros e com dinâmicas que garantem o espaço para que as
crianças participem ativamente das aulas. Precisamos ter uma
parceria com a família, para que tudo dê certo” (R. S. T. M., 28
anos, casada com 1 filho).

R5 -“No início, nós estávamos vivendo algo muito novo, então


a parceria de diálogo, de respeito entre os pais, escola e pro-
fessores é fundamental, sempre. Agora quase 1 ano depois, já
estamos mais acostumados com esta modalidade, e sabemos
que o sucesso dos nossos filhos, também depende de nós” (L.
F. M., 33 anos casada com 2 filhos (gêmeos).

São muitos os questionamentos dos responsáveis como relatado anterior-


mente, há uma necessidade de aderir aos avanços tecnológicos na educação, em
meio a uma grande demanda de atividades e preocupações, inclusive com a con-
taminação do vírus. Os professores estão assumindo diferentes responsabilida-
des pedagógicas e se encontram desorientados, pois precisam de planejamento
intencional para as suas práticas pedagógicas.

Sendo assim, essa concepção fortalece a ideia, de que é preciso à união de


todos os envolvidos nos desafios a serem construídos propostas que deem conta
da alfabetização das crianças.

Considerações finais

A partir dos estudos de diferentes considerações dos autores, pode-se res-


saltar que o professor alfabetizador deve ser um eterno inovador, pesquisador,
um estudioso para exercer o magistério e deve também se reiterar dos novos
usos das ferramentas digitais.

Percebe-se que este é um momento calamitoso, que carece de união entre


as partes, para atingirmos o sucesso da aprendizagem, pois a alfabetização é um
processo de suma importância para o aluno. Neste relato de experiência ficou evi-
denciado que há uma necessidade de fortalecer o elo social entre família e escola
e por sua vez, dar suporte tecnológico e formativo ao professor alfabetizador.

Portanto, considera-se que o profissional alfabetizador por mais conhe-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 94


cimento que possua necessita cada vez mais de formações continuadas, para
que possa realizar este processo de alfabetização com competências básicas de
maneira prazerosa e gratificante, realizando o seu trabalho amparado em meto-
dologias diferenciadas que busquem um ensino e a construção do saber de forma
clara e objetiva, pois, o professor alfabetizador precisa se especializar, conhecer,
estudar para tornar a criança autônoma e crítica de forma que esta consiga inte-
ragir e compreender o lugar onde está inserida, e os caminhos a serem alcança-
dos, enfim conhecer o mundo.

A partir das reflexões abordadas neste relato de experiência, é possível


perceber que é fundamental buscar alternativas que reforcem os usos das tecno-
logias no contexto alfabetizador, propondo atividades lúdicas, jogos pedagógi-
cos, propostas e leitura e escrita, uso de vídeos e histórias infantis que motivem
as crianças e envolvam a família.

Enfim, toda equipe escolar e a família podem contribuir neste tempo pan-
dêmico para que a criança tenha sucesso na sua aprendizagem remota, auxilian-
do os professores superar o desafio que é alfabetizar com excelência, buscando
com qualidade de ensino.

Referências

FERREIRO, E. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Editora Cortez, 26ª Edi-
ção, 2011.

FREIRE, P. A importância do Ato de Ler. Rio de Janeiro: Cortez,1989.

FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

MARCUSCHI, L. A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Pau-


lo: Ed. Cortez, 2000.

SANTOS, C. F. Alfabetização e letramento: conceitos e relações/ Organizado por


Carmi Ferraz Santos e Márcia Mendonça. Ied, Ireimp. Belo Horizonte: Autêntica,
2007.

SOARES, M. (2003).  Alfabetização: ressignificação do conceito. Alfabetização e


Cidadania, nº 16, (p. 9-17, 2003).https://www.scielo.br/pdf/rbedu/n25/n25a01.
pdfAcessado em: 15 de fev. 2021.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 95


SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 2014.

SOARES. Alfabetização: a questão dos métodos. 384p. São Paulo: Contexto, 2016.

UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura.


Suspensão das aulas e resposta à COVID-19. Disponível em:https://pt.unesco.org/
news/educacao-escolar-em-tempos-pandemia-na-visao-professoresas-da-edu-
cacao-basica-uma-pesquisa. Acesso em: 15 fev. 2021.

TFOUNI, L. V. Letramento e Alfabetização. São Paulo: 8ª Ed. Cortez, (Coleção


Questões da Nossa Época; v. 47), 2006.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 96


FACEBOOK: Uma Ferramenta em Rede de Ensino Remoto

Rossana Vieira Ferreira do Carmo


rossanacarmo@gmail.com
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro – Secretaria Municipal de Educação

Introdução

As diversas redes de ensino espalhadas pelo mundo enfrentaram de-


safios no ano de 2020, devido à interrupção das aulas presenciais com a
crise na saúde. Telejornais e diferentes mídias anunciavam o fechamen-
to das escolas. E no Brasil, iniciamos esse triste episódio no mês de mar-
ço do ano em questão, quando as unidades escolares fecharam suas portas
para o ensino presencial, sem previsão de retorno. O presente artigo visa re-
latar então, como uma unidade escolar da cidade do Rio de Janeiro, um CIEP1
situado no bairro de Vila Valqueire e abrangendo turmas do Primeiro Segmento
do Ensino Fundamental, adotou a rede social Facebook como plataforma de en-
sino a distância, e como a mesma se tornou um instrumento de aprendizagem.

A fim de oferecer maiores instrumentos para a leitura deste estudo, abro


espaço para uma breve apresentação da minha prática docente. Desde o início
da minha carreira no magistério posso afirmar que estive regente, na maioria dos
anos letivos, em classes alfabetizadoras, percebendo assim o quanto cada turma
difere da outra. Segundo as leituras que serviram de base para este relato, ne-

1
Centros Integrados de Educação Pública, implementados na década de 80, no estado do Rio de
Janeiro, visava incorporar o universo cultural dos alunos à unidade escolar (SECRETARIA DE ES-
TADO DE EDUCACAO DO RIO DE JANEIRO, 1991).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 97


nhuma metodologia ou tecnologia, é eficaz se não nos aproximamos da realidade
vivida pelos alunos (FREITAS, 2009).

Atuo no CIEP supracitado, na Zona Oeste do Rio, e lecionei para uma turma
do segundo ano do Ensino Fundamental I no ano letivo de 2020, cujos alunos,
dessa vez, tiverampouco contato presencial. Foram cerca de quatro semanas de
aulas em sala. Estávamos diante de um quadro pandêmico que colocou em xeque
os sistemas de saúde mundial, e lugares com grande número de pessoas foram
momentaneamente fechados, sendo as escolas um deles.

Sabendo que os desafios continuam em 2021, permaneço nas classes alfa-


betizadoras, dessa vez com uma turma do primeiro ano, e a experiência anterior
trouxe significativos instrumentos que nortearão a prática docente atual, tanto
no ensino à distância, quanto no ensino híbrido ou presencial, onde há dúvidas
sobre o retorno, porém as esferas do ensino remoto vêm ganhando espaço.

Retomando ao período que assolou o mundo com a descoberta de um ví-


rus com alta de taxa de transmissão e pouco conhecimento a respeito, sendo a
vacina uma realidade ainda tão distante, a medida eficaz para evitar o contágio
era o isolamento social. Sendo a escola um espaço de contato constante entre
as pessoas, não demorou a fechar. As atividades docentes assumiram o caráter
remoto, necessitando de tecnologias acessíveis, que por sua vez, na escola pú-
blica, são escassas. Logo, a unidade escolar na qual aqui se descreve as ativida-
des que envolvem a aprendizagem, mesmo com a insegurança proveniente do
período delicado ao qual se vivia, optou pelo acesso ao Facebook 2, rede social já
conhecida pelos responsáveis e alunos, ressignificando a ferramenta de compar-
tilhamento digital.

Curtir e compartilhar conhecimento: o porquê da adoção do Facebook para EAD

Um espaço digital onde se pode interagir com outras pessoas, compartilhar


conteúdos, enviar mensagem instantânea e manifestar opinião nas postagens de

2
No texto, ao se mencionar a familiaridade com o Facebook, não significa que a rede social seja
democrática no contexto no CIEP, porém foi a mais viável e que abrangeu uma maior resposta. No
entanto, ainda há muito que se caminhar para que haja a democracia digital no Ensino Público.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 98


outros usuários, o Facebook é uma rede social popularmente conhecida. Com o
mundo globalizado, ele chega a lugares distantes e a diferentes culturas através
do avanço das tecnologias de informação. Sua plataforma permite que se explore
o potencial educativo de suas ferramentas, como mostram Porto e Santos:

Esta rede pode potenciar a comunicação e a partilha de infor-


mação e conhecimento, e pode permitir o desenvolvimento de
capacidades e estratégias de ensino/aprendizagem mais dinâmi-
cas e interativas, abertas e criativas, possibilitando uma maior
participação dos intervenientes, um melhor aproveitamento
dos recursos e mais mobilidade de informação e conhecimento.
(PORTO; SANTOS, 2014, p. 68)

Além de todo o seu aspecto voltado para o relacionamento conectado,


onde é possível centralizar contatos, realizam-se busca de informações e grupos
de interesse. Algumas operadoras da telefonia móvel também oferecem pacotes
de dados com algumas redes sociais gratuitas, possibilitando um número cres-
cente de usuários.

Escolher uma mídia social já conhecida do público escolar como interface


do ensino remoto foi uma decisão prevendo o prejuízo, sobretudo nas etapas de
alfabetização, e almejando a maior participação possível do alunado. Um am-
biente totalmente novo requereria tempo de aquisição da prática, e o CIEP em
questão percebeu a necessidade de que apesar da distância física, as ações fos-
sem o mais familiar possível. Sendo assim, o Facebook se tornou a plataforma de
ensino à distância durante o ano de 2020, na pandemia. Como explicam Oliveira,
Gomes e Barcellos “não parece ser o momento de improvisar ou de experimentar
ideias não testadas em larga escala, mas, sim, de tomar decisões baseadas em
evidências.” (OLIVEIRA; GOMES; BARCELLOS, 2020, p. 562).

O Facebook costumava ser utilizado como espaço para divulgação das


atividades, com o consentimento dos pais e responsáveis, bem como somente
por usuários adultos representando os alunos, e “favorecendo o intercâmbio de
experiências sociais mediadas pelas tecnologias digitais em rede” (JUNIOR; PO-
CAHY; CARVALHO, 2019, p. 20).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 99


Metodologia adaptada: do espaço escolar para o ambiente virtual

O CIEP possui um perfil de usuário, assim como muitas outras escolas, e em


sua linha do tempo são registradas suas atividades, divididas por ano de escola-
ridade, ficando armazenadas em álbuns. Além das tarefas escolares, são sempre
postados avisos e calendários de atividades.

Abrindo um paralelo expositivo da atividade remota comparada ao am-


biente escolar presencial, ressalta-se que a interação entre turmas é uma prática
muito comum e valorizada na Unidade Escolar aqui estudada, havendo tutoria
entre alunos da mesma faixa etária ou idades diferentes. Alunos maiores também
são convidados para serem monitores por um dia ou um período em classes alfa-
betizadoras, desenvolvendo um elo de cuidado e solidariedade, e aprendizagem
colaborativa, pois todos os envolvidos dispõem-se a aprender e a ensinar, media-
dos pelos professores regentes.

Dessa forma, a mídia social proporcionou que essa troca se perpetuasse


ainda que de forma adaptada para a nova realidade a que todos estavam se
deparando, interrompendo as experiências de aprendizagem com proximidade
física, tendo a internet como a única opção para dar continuidade ao ensino. Na
interface do Facebook todos os alunos da unidade podem acessar as atividades
da sua turma e de outras, e visualizar as tarefas concluídas pelos colegas. Muitas
vezes também, essas atividades servem de reforço, quando se busca, em outra
série, o apoio para um conteúdo que ainda precisa ser aperfeiçoado.

Tendo em vista a forma de divulgação das atividades, houve também uma


reformulação das mesmas, para que não houvesse custos como o da impressão
ou aquisição de novos materiais. Logo, foram sugeridas diversas atividades lúdi-
cas, experimentais e interdisciplinares, como desafios e quizes, onde era possível
acompanhar o desenvolvimento do aluno, e o mesmo poderia acompanhar as
produções dos colegas e envolver toda a unidade escolar.

Percebeu-se que mesmo com o cronograma letivo bastante alterado, mui-


tas das vivências cotidianas do CIEP foram transportadas para o espaço virtual,
através do Facebook, sem causar tanta estranheza.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 100


Análise de resultado

Apesar da aparente naturalidade que o Facebook trouxe ao ensino remoto


da Unidade Escolar onde a experiência aconteceu, os dias foram, em todos os
aspectos, bastante desmotivadores. Ao aguardar as recomendações governamen-
tais para a Educação Pública Municipal, ainda que com pouco esclarecimento
sobre a real situação calamitosa, precisávamos refletir sobre a melhor forma de
continuar nosso trabalho. O ensino remoto era uma opção muito divulgada, po-
rém não de hoje se percebe que o acesso a computadores e à internet ainda não
é democrático. Segundo Freitas (2009), ficou evidente que:

“[...] não basta equipar as escolas com computadores e inter-


net. Não se trata apenas de informatizar a escola, mas os profes-
sores precisam compreender o próprio contexto em que vivem os
seus alunos no qual a informatização já se faz presente, mesmo
sabendo que há um grande grupo de nossa população que se en-
contra em estado de exclusão digital.” (FREITAS, 2009, p.8)

Passaram-se mais de dez anos, e em estudo recente pode-se observar que


a pandemia agravou e expôs a carência de acesso aos recursos tecnológicos que
já existia no ambiente educacional, podendo ser sinalizado por Palú:

As aulas presenciais foram suspensas e esse direito passou a


ser ofertado de forma remota, sobretudo, por meio de platafor-
mas digitais. No entanto, muitos alunos da escola pública não
têm acesso a esses recursos, sendo que alguns são atendidos por
meio de atividades impressas, ou não estão sendo atendidos. A
realidade educacional de alunos e professores foi drasticamente
alterada. (PALÚ, 2020, p. 99)

Como resultado foi possível observar uma interação crescente entre os alu-
nos, tanto do segundo ano, quanto de outras turmas, que participavam e envia-
vam suas atividades. O acesso aos recursos ainda é limitado e não foi possível

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 101


realizar uma aula on-line síncrona com a turma, e nem haveria uma banda larga
capaz de assegurar a eficácia da transmissão de uma chamada de vídeo, então, o
compartilhamento de fotos foi o meio mais utilizado.

Considerações finais

Entende-se que a experiência no CIEP ainda é muito pouco para sanar os


males que a pandemia deixará como marca na Educação, e não se sabe como
serão os dias, meses e os anos letivos que estão por vir. Porém, apesar do agrava-
mento da realidade existente, bons frutos também são colhidos em meio à crise.
E os recursos tecnológicos terão sempre a função de instrumentos de auxílio, não
substituindo as trocas significativas que acontecem nas aulas presenciais.

Além disso, os sujeitos envolvidos na Educação Pública convivem diaria-


mente comos problemas estruturais que se apresentam de diferentes formas. De-
pendendo, constantemente, dos recursos públicos, aprende-se que com o pouco,
faz-se muito. Isso porque a sociedade ainda é bastante desigual, porém é preciso
vislumbrar mudanças e ter expectativas de melhora, mas há uma lacuna entre o
ideal e o possível.

A pandemia exportou para diferentes lugares, e em muitos deles não era


uma novidade, que o Coronavírus é desconhecido, mas a crise na Educação in-
felizmente não é atual. Sabe-se bem que os alunos da rede pública estão em
desvantagem quando se trata de recursos tecnológicos. Ao optar pelo Facebook
conseguiu-se reunir a atenção da comunidade e oferecer o compartilhamento
dos conteúdos, pois um número significativo de alunos e responsáveis conhecia
a ferramenta, e para isso foi fundamental a percepção acerca dos seus costumes.
Questões, porém sobre a realidade emergem: qual seria a nossa opção, se a mídia
social não existisse? E se precisássemos implementar algo novo?

Os caminhos do ensino no pós-pandemia ainda se descortinam. E, assim


como no CIEP, escolas públicas de todo o Brasil se reinventam, trazendo valiosas
lições. A experiência aqui descrita nos mostra a importância de conhecer seu
público e sua realidade em matéria de recursos, e trazer o novo por intermédio
do que já é conhecido.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 102


Referências

FREITAS, Maria Teresa de Assunção (Org). Cibercultura e formação de professo-


res. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

JUNIOR, Diston Ribeiro Couto; POCAHY, Fernando; CARVALHO, Felipe da Silva


Ponte de. Ensinar-aprender com os memes: quando as estratégias de subverção
e resistência viralizam na internet. Periferia, v. 11, n. 2, p. 17-38, mai./ago. 2019.
Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/periferia/article/
view/36180 Acessado em: 23/02/2021

OLIVEIRA, João Batista Araújo e; GOMES, Matheus; BARCELLOS, Thais. A Covid-19


e a volta às aulas: ouvindo as evidências. Ensaio: avaliação e políticas públicas
em educação, Rio de Janeiro, v. 28, n. 108, p. 555-578, jul./set. 2020. Disponível
em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-40362020000300555&script=-
sci_arttext Acessado em: 21/02/2021

PALÚ, Janete; SCHÜTZ, JenertonArlan; MAYER, Leandro. Desafios da educação em


tempos de pandemia. Cruz Alta: Ilustração, 2020.

PORTO, Cristiane; SANTOS, Edméa Oliveira dos. Facebook e educação: publicar,


curtir, compartilhar. Campina Grande: Eduepb, 2014. Disponível em https://sta-
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SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCACAO DO RIO DE JANEIRO. Centros Integrados


de Educação Pública: uma nova escola.  Estudosavançados,  São Paulo, v. 5,  n.
13,  p. 61-77,  Dec.  1991.   Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ea/v5n13/
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POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 103


FESTA DE ANIVERSÁRIO EM TEMPOS DE PANDEMIA:
contexto afetivo e significativo para abordagens pedagógicas
envolvendo oralidade, leitura e escrita na educação infantil

Amanda Malta e Silva


amandinhamalta@hotmail.com
Edusesc – Gama DF

Uma das preocupações com a turma Pré 5B da escola Edusesc Gama-DF, era
continuar com a ludicidade das aulas presenciais nas aulas remotas, garantindo
que os estudantes desafiassem seus conhecimentos, de maneira significativa e
funcional (FERREIRO E TEBEROSKY, 1999). Buscou-se continuamente corroborar
com um dos princípios descritos na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL,
2017), de que as crianças da educação infantil aprendem por meio dos eixos
brincadeira e interação, e com a proposta pedagógica norteadora, que trata: “Na
Educação Infantil (e não apenas nela) aprendem-se os conteúdos da língua e da
linguagem, participando de situações de uso social que deem sentido a elas.”
(SESC, DEPARTAMENTO NACIONAL, 2015, p. 212). Assim, uma possibilidade que
se apresentou foi estabelecer um paralelo entre as situações reais que as crian-
ças estavam vivendo e as práticas relacionadas aos processos de leitura, oralida-
de e escrita. Estudando a Proposta Pedagógica da Educação Infantil do Sesc (2015),
entende-se que a escola é o lugar onde as crianças podem concretizar suas pos-
sibilidades de conhecimento, sejam elas individuais e /ou coletivas por meio de
situações contextualizadas de aprendizagens. Quando essa possibilidade de co-
nhecimento se entrelaça com práticas sociais, apropria-se uma aprendizagem
muito mais significativa, pois é algo que parte da premissa dos conhecimentos e
das vivências das crianças.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 104


No início do ano letivo de 2020, os estudantes da turma Pré 5B da escola
Edusesc Gama-DF tiveram oportunidades de interagir e brincar, em espaços com
contextos pensados de acordo com seus interesses dentro do ambiente escolar.
Buscava-se, também, no cotidiano pedagógico, abordar questões relevantes ao
âmbito social, que os desafiassem a pensar soluções, e sugestões que, coletiva-
mente, colaborassem com a cidadania e, ao mesmo tempo, estimulassem a busca
de seus conhecimentos. Com a pandemia do novo Coronavírus, e a necessidade
do distanciamento social, veio a preocupação de manter essas práticas no am-
biente remoto, adequando as possibilidades da nova modalidade de ensino, e
reajustando as brincadeiras e interações, mantendo a proposta de que as crian-
ças pudessem “colocar a mão na massa”.

A partir desse interesse da turma pelo tema festa de aniversário, foram


levantadas algumas questões para identificar o que eles já sabiam sobre o tema:
“O que celebramos no nosso aniversário?; O que é preciso para organizar uma
festa de aniversário?”. As crianças dividiram o que sabiam, dizendo: “A gente faz
aniversário para crescer.”; “A gente come bolos e docinhos em aniversários.”; “Pre-
cisa de um convite para ter uma festa de aniversário.”. Com base nesses conhe-
cimentos prévios, foi sugerido que os estudantes, com auxílio de suas famílias,
organizassem uma festa de aniversário simbólica. As etapas desse evento eram
pensadas com propostas interventivas baseadas em orientações didáticas suge-
ridas na Proposta Pedagógica da Educação Infantil do Sesc (2015), com o obje-
tivo de que, no processo de preparação do evento, seus conhecimentos fossem
usados, refletidos e desafiados. A intenção era, além de oportunizar a leitura e a
escrita, mesmo que não convencionalmente (FERREIRO E TEBEROSKY, 1999), pu-
dessem avançar em suas habilidades orais, adequando-se às diferentes intenções
comunicativa (SESC, DEPARTAMENTO NACIONAL, 2015). Assim, os estudantes
puderam manusear portadores reais de texto (receitas, cartões de aniversário),
produzir seus próprios textos (listas de palavras, convites), atuar na organiza-
ção da classe e compartilhar suas experiências oralmente, adequando-se a cada
momento comunicativo. É importante reforçar que, de acordo com a proposta
pedagógica norteadora:

não é objetivo da Educação Infantil que seus alunos se alfabe-


tizem no sentido estrito do termo, mas há sim o compromisso

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 105


de que a escola crie contextos variados e interessantes de en-
contro a cultura escrita, alimentando e intervindo no processo
de construção de conhecimento de cada um deles – a alfabe-
tização compreendida no seu sentido amplo, o letramento – e
desenvolvam nos alunos a familiares e o gosto pela escrita.
(SESC, DEPARTAMENTO NACIONAL, 2015, p. 214)

A primeira situação pensada foi: como a professora vai acompanhar a orga-


nização da festa? Então, foi sugerido às crianças que criassem pastas com seus
nomes e os dos colegas, e as colocassem em ordem alfabética, na plataforma de
encontro (Teams), para facilitar e auxiliar a professora na localização dos futuros
registros. Dessa maneira, as crianças tiveram a possibilidade de utilizar o alfabe-
to e manipulá-lo contemplando uma de suas funções sociais.

Na etapa seguinte, o intuito era comprovar, ou não, as hipóteses prévias


que as crianças apresentaram sobre festa de aniversário. Primeiramente, foi pedi-
do aos pais que disponibilizassem, para manuseio, objetos de quando as crianças
eram bebês. Essa proposta possibilitou o diálogo com a linguagem matemática,
seguindo o que afirma o documento norteador:

A atividade matemática consiste, basicamente em buscas pes-


soais e compartilhadas para resolver problemas para as quais
não se tem solução. Este processo envolve antecipar, experi-
mentar, comunicar para os outros o que foi realizado, argu-
mentar a favor ou contra certa solução, analisar erros, rever e
estabelecer acordos dentro do grupo.(SESC, DEPARTAMENTO
NACIONAL, 2015, p. 173)

Os estudantes tiveram a oportunidade de achar as respostas de suas in-


dagações, utilizando fitas métricas para medir seu tamanho atual e de quando
cabiam naquelas roupinhas; compararam o tamanho de seus sapatos convencio-
nalmente e por aproximações, colocando-os um sobre o outro, confirmando suas
hipóteses de crescimento a cada aniversário.

Notava-se que ainda não estava claro o motivo de fazer aniversário. Então,

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 106


a professora sugeriu um momento em família, em que pudessem ver fotos, con-
templar vídeos e conversar sobre a espera e o nascimento das crianças. As famí-
lias foram orientadas a apresentar e ler a certidão de nascimento, oferecendo-
-lhes informações importantes sobre seus aniversários. As crianças perceberam
que em suas certidões de nascimento constava o dia em que nasceram e, a partir
dessa informação, foram orientadas a manusear o calendário e localizar, suas
datas de aniversário. As crianças compartilharam essa experiência no momento
on-line, juntas, perceberam que a data do aniversário se reportava ao dia do nas-
cimento delas. Elas refletiram sobre a importância social do calendário para as
festas e compararam características dos meses a que ainda não tinham atentado,
como os meses de 30 e 31 dias.

Após as abordagens para entender de fato o porquê das festas de aniver-


sário, era o momento de “colocar a mão na massa”. Em momentos de conversas
nos encontros remotos, a turma chegou à conclusão de que era necessário criar
uma lista de convidados para não esquecer de ninguém importante para a festa.
Dessa maneira, cada um escreveu, do seu jeito, quem gostaria de convidar para
essa celebração tão esperada. As crianças registravam o nome de pessoas e brin-
quedos (bonecas e personagens), colocando à prova o que sabiam sobre escrita.
Essa foi uma oportunidade de avaliar como as crianças pensavam a escrita (FER-
REIRO E TEBEROSKY, 1999), e como futuras propostas poderiam ser organizadas
para fazê-las avançar em suas aprendizagens.

Outra etapa importante do processo, foi o momento de confeccionar o con-


vite. A professora questionou o motivo de ter um convite para os aniversários. As
crianças responderam majoritariamente, dizendo que era para saber o tema da
festa. A professora levou algumas indagações, como: “Que dia será a festa que
vocês estão organizando?; Os convidados poderão ir a qualquer momento/hora à
festa?; Para onde os convidados devem ir quando são convidados a uma festa?”. A
cada questionamento, as crianças percebiam que o convite deveria conter infor-
mações importantes sobre a festa e não apenas o tema do evento. Com o auxílio
de seus familiares e usando suas criatividades, criaram belos convites, que foram
compartilhados entre colegas de turma e convidados.

Um dos momentos mais empolgantes relatados pela família, foi o preparo


do bolo e das guloseimas da festa, já que, segundo seus relatos, foi o que mais
passaram a fazer juntos, durante a quarentena: cozinhar. Para saber a quanti-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 107


dade do que preparariam, as famílias foram orientadas a chamar a atenção das
crianças para retomar a lista de convidados e buscar informações sobre a quanti-
dade das guloseimas, sem deixar faltar ou sobrar os alimentos. Depois, as crian-
ças, manusearam a receita de um bolo oferecida pela sua família e, por meio de
observações, perceberam que a estrutura da receita facilitava o preparo. Dessa
maneira, com o auxílio das famílias, as crianças leram os ingredientes da receita
para certificarem de que tinham todos os ingredientes ou não. Caso faltasse al-
gum, as crianças faziam uma lista de compras, escrevendo espontaneamente o
nome dos ingredientes para que alguém pudesse adquiri-los. Com os ingredien-
tes separados, era hora de executar o modo de preparo do bolo. As famílias au-
xiliaram as crianças na execução da receita com segurança. Mais uma vez, a lista
de convidados era retomada, para pensar sobre o espaço da festa. As crianças
escolheram um espaço de suas casas, fizeram uma linda decoração, utilizando
objetos, disponibilizaram os “comes e bebes” e no dia e na hora marcados no con-
vite, deleitaram-se com seus convidados, saboreando as delícias que prepararam,
ao som do tradicional Parabéns pra você!

Conclusão

Considerando as propostas oferecidas descritas nesse relato de experiência,


foi possível observar que, mesmo pela adversidade do distanciamento social devi-
do à pandemia do novo Coronavírus, as crianças da turma Pré 5B da escola Edusesc
Gama-DF foram inseridas em situações comunicativas reais, explorando conteúdos
escolares sem se distanciarem dos eixos estruturantes descritos na Base Nacional
Comum Curricular (BRASIL, 2017), oportunizando que suas aprendizagens tives-
sem sentido e fossem significativos para o contexto que estavam vivendo.

Referências

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Educação é a Base. Brasília,

FERREIRO, E.; TEBEROSKY. A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Ar-


med,1999.

MEC/CONSED/UNDIME, 2017.

SESC.DN. Proposta pedagógica da Educação Infantil no Sesc. Rio de Janeiro, 2015.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 108


ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS EM TEMPOS DE
PANDEMIA: um olhar sobre o plano de ação realizado por
professores de uma escola da rede de ensino do
município de Duque de Caxias

Hellen Christina Azedias de Melo


melohellen05@gmail.com
Professora de Educação Infantil SME RJ
Professora de Jovens e Adultos SME DC
Pós-graduanda em Práticas de Letramentos IFRJ

Introdução: Para início de conversa

Com o surgimento, a partir de dezembro de 2019 na China, de um novo


vírus o mundo se inseria em um contexto extremamente delicado. Em 11 de
março de 2020 a Organização Mundial da Saúde declarou que o mundo esta-
va imerso em uma pandemia provocada por um vírus extremamente letal para
os seres humanos. Passou a se espalhar rapidamente pelos continentes o novo
coronavírus que provoca a doença chamada COVID-19 e assim provocando des-
dobramentos incalculáveis em todas as esferas da sociedade. Com isso, muitas
medidas foram tomadas com objetivo de frear o avanço das transmissões, dentre
eles o isolamento social. Em pouco tempo muitos estabelecimentos estavam fe-
chados, entres eles os de ensino, deixando sem aula, após um mês de declarada a
pandemia, um imenso número de alunos matriculados pelo mundo. No contexto
brasileiro, o Ministério da Educação, autorizou a suspensão de atividades presen-
ciai e diante deste cenário passou a haver constantes modificações na legislação.
Leis, decretos e portarias foram sendo alterados para que houvesse embasamen-
to para a tomada de decisões. A primeira ocorreu também em março através da
Portaria Nº343 do Ministério da Educação que deliberou sobre a substituição das

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 109


aulas presenciais pelos meios digitais (Brasil, 2020).

Tendo em vista o período de suspensão das atividades escolares em decor-


rência da necessidade de ações preventivas à propagação do Covid-19 a escola
em que atuo no Município de Duque de Caxias1 - Escola Municipal Ruy Barbo-
sa - organizou uma proposta pedagógica no formato de um Plano de Ação que
consiste na realização de atividades assíncronas, que não substituiam as aulas
presenciais, tampouco pressupunha dias letivos, porém almejou-se possibilitar
novas aprendizagens, manter o vínculo com o aluno e evitar a evasão escolar.
O plano de ação foi pensado a partir da união de ideias e sugestões da equipe
diretiva e equipe docente, diante dos esforços e informações que chegavam a
nós pela Secretaria Municipal de Educação. Vale ressaltar, que este Plano de
Ação poderia ficar a escolha do professor, pois levando-se em conta a realidade
socioeconômica da maioria dos alunos atendidos nas escolas públicas, podíamos
antecipar que atividades on-line de forma síncrona e até mesmo assíncronas não
seriam viáveis, pois necessitariam de um aparelho eletrônico e rede de internet.
Então, com isso, muitos professores se posicionaram contra a aplicação do plano
de ação sob a defesa de que ele só acentuaria ainda mais desigualdades.

Refleti muito e, apesar de entender e concordar com os colegas, decidi


participar da realização do plano de ação (e está foi a decisão de grande maioria
dos professores), pois algo precisava ser feito por aqueles alunos que já estavam
há pelo menos dois meses distantes do espaço escolar.

O Plano de Ação – Percurso e desdobramentos

Nosso objetivo principal com o plano de ação foi/é: definir diretrizes da


proposta pedagógica que visa à complementação da aprendizagem e também a
manutenção do vínculo do aluno com a escola no período de suspensão das aulas
pela necessidade de ações de prevenção ao Covid-19.

Sendo assim, diante de tentativas e esforços em conjuntos fomos nos rein-


ventando e possibilitando materiais e mantendo o vínculo através de um grupo

1
E aqui especifico a minha turma de Educação de Jovens e Adultos – 2ª etapa: 2º e 3º anos do
Ensino Fundamental - que faz parte do Ciclo da Alfabetização.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 110


em aplicativo de mensagens. Diariamente eram enviadas mensagens motivado-
ras, áudios e vídeos com para aproximar o grupo e também dar apoio emocional
em um período em que todos nós estávamos sofrendo direta ou indiretamente
com a pandemia e, consequente com o isolamento social.

Para que seja possível contextualizar os leitores, o público da Educação de


Jovens e Adultos apresenta particularidades específicas que refletem diretamen-
te no aprendizado.

Diante do trabalho que realizo na escola com uma turma de Jovens e Adul-
tos que fazem parte do ciclo de alfabetização, comumente recorro aos estudos de
Magda Soares e Paulo Freire como base teórica para minha prática pedagógica
e não seria diferente neste momento tão difícil para a construção de sentidos e
aprendizagens.

A Educação de Jovens e Adultos caracteriza-se dentro de um campo comple-


xo da educação, apresentando características peculiares a seu público. Esta moda-
lidade é marcada por uma ampla diversidade dos sujeitos atendidos e no que tange
a características convergentes deste público, temos a classe social. O alunado da
EJA é majoritariamente composto por homens e mulheres proletários que já vi-
venciaram a exclusão social e a negação de seus direitos, principalmente um dos
fundamentais: o acesso e a permanência/continuidade nos espaços escolares.

Diante do exposto os desafios encontrados pelos docentes que trabalham


com esta modalidade e também dos alunos que, nela estão matriculados, são inú-
meros. Dentre os principais, a permanência desses alunos - trabalhadores e pais e
mães de famílias – nos espaços escolares; o estabelecimento de vínculos; a neces-
sidade de um fazer pedagógico condizente com a trajetória e os saberes já existen-
tes configurando assim maior participação dos alunos no contexto social ao qual
pertencem; o resgate da autoestima e autoconfiança em si mesmos; o encontro de
forças para vencer as adversidades e o cansaço físico e mental diário etc.

Neste processo, as questões que relacionam o uso de novas e atuais tecno-


logias também se tornam enormes desafios para a superação da exclusão desses
sujeitos. Incluir ainda mais estes desafios a percursos já marcados por desistên-
cias, traumas e frustrações pode acabar por acarretar o fim de um sonho para
muitos.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 111


Com isso, a necessidade de nos movermos, ainda mais, neste caminhar
árduo que é a docência se torna urgente. É necessária uma investigação que nos
possibilite atentar aos interesses e necessidades de cada grupo e que assim, a
aprendizagem se torne para além da apropriação de saberes, mas sim uma forma-
ção crítica que possibilite a busca por autonomia e cidadania. Paulo Freire muitos
nos ensina e embasa com seus trabalhos e pesquisas com a Educação dos Jovens
e Adultos. Segundo ele

Não se aprende o objeto se não se apreende sua razão


de ser. Não é por outra razão que a pura memorização
mecânica do perfil do objeto não constitui conhecimen-
to cabal do objeto. Daí que, na experiência cognitiva
verdadeira, a memorização do conhecimento se cons-
titua no ato mesmo de sua produção. É apreendendo a
razão de ser do objeto que eu produzo o conhecimento
sobre ele (FREIRE, 2000, p. 10).

Portanto, mesmo diante de um período tão atípico como o desta pandemia


pensar em alguma estratégia que pudesse nos aproximar dos alunos se tornou
tão, fundamental e necessária.

O Plano de Ação como já exposto, possuía um objetivo geral que engloba


toda a unidade escolar e os profissionais que aceitassem participar. Com isso,
precisei traçar estratégias específicas para as demandas da minha turma. Ativida-
des foram pensadas e elaboradas por mim, semanalmente, e publicadas em uma
página da escola no Facebook, compartilhadas no grupo da turma no aplicativo
WhatsApp e, atualmente, estão sendo impressas em formato de apostilas, pela
direção e entregue aos alunos que se disponibilizam a ir buscar sob todas as me-
didas de segurança.

Mantivemos a temática que havia sido escolhida para o Projeto Político


Pedagógico – O cuidado consigo, com o outro e com o mundo – para elaborar
atividades que pudessem ser impressas e assim abrangessem um maior grupo
de alunos. Essas atividades incluíam para além dos saberes conteudistas, mas
também atividades que tivesse relação com o contexto que estávamos vivendo
na pandemia.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 112


Semanalmente eram entregues cinco atividades em formato de apostila
e podiam ser entregues tanto aos alunos diretamente, ou para algum parente
próximo que pudesse buscar, já que muitos são idosos e a prioridade naquele
momento era resguardas a vida deles através do isolamento. Além da apostila,
as atividades também ficavam disponíveis na página da escola na rede social
Facebook.

Abordagem teórica e análise dos dados

Segundo Magda Soares (2003) a alfabetização – codificação e de-


codificação do sistema de leitura e escrita – deve estar lado a lado do le-
tramento – que corresponde basicamente ás leituras e vivências de mun-
do que uma pessoa, que mesmo que não seja alfabetizada, é capaz de
fazer. Com isso, durante muito tempo as práticas relacionadas à alfabetização
de crianças foram utilizadas como base para uso com adultos. No entanto, ape-
sar de a alfabetização em cada período (crianças, jovens e/ou adultos) apresentar
muitas semelhanças como, por exemplo, o processo ativo do aprendiz, através da
construção e reconstrução das hipóteses sobre a escrita (Ferreiro.1986) há inúme-
ras diferenças no processo de aquisição, construção e desenvolvimento do pro-
cesso de leitura, escrita e interpretação de crianças e dos jovens e adultos. Na EJA
, devemos priorizar a relação dos ciclos de vida, as expectativas e experiências e
suas necessidades em relação ao aprender a ler e a escrever.

No período correspondente a década de 60, Paulo Freire marcou bem a es-


pecificidade do campo da Alfabetização de Jovens e adultos, com uma proposta
conscientizadora que devesse levar em conta não só o sistema de escrita, mas
também a cultura da comunidade e uma visão crítica do mundo.

Sendo assim, torna-se essencial que os alfabetizadores possibilitem e pro-


piciem vivências das funções reais da escrita em nossa sociedade para que seu
aluno se aproprie do aprendizado como instrumento de luta e conquista da ci-
dadania.

Diante disto, percebo que as atividades assíncronas, propostas pelo Plano


de Ação e desenvolvidas por mim, por mais que buscassem a tentativa de uma
alfabetização significativa, tornou-se quase que, impossível, visto que a relação

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 113


física e pessoal entre alunos e alunos e alunos e professor, e também, aluno e
comunidade escolar, se faz essencial para o processo de alfabetização na EJA. No
entanto, diante de uma situação tão atípica em nossa sociedade, nesses tempos
de pandemia e isolamento social julgo, ainda que diante das problemáticas, posi-
tivo o nosso objetivo em manter o vínculo escola/professor/aluno.

Contudo, percebe-se que o processo de alfabetização em si, foi prejudicado


com o isolamento social, no entanto manter o vínculo e a proximidade via apli-
cativo WhatApp e via telefonemas foi um grande ponto positivo.

A listagem correspondente ao número de alunos matriculados em minha


turma contém em torno de trinta e cinco nomes. Destes alunos, de fevereiro
a março, enquanto estávamos trabalhando de forma presencial, frequentaram
cerca de vinte e três alunos. Neste período de pandemia, pude manter o contato
diário e envio de atividades para cerca de doze alunos. Na última tentativa de
contato com outros alunos da listagem, mais seis foram localizados e foram à
escola buscar as apostilas de atividades.

Considerações finais

Como dito anteriormente, as particularidades desta modalidade de ensino


são evidentes e ficaram ainda mais potentes com um cenário de crise sanitária
que o mundo atravessa. Grande parte do nosso desafio em conseguir fazer valer
realmente o nosso Plano de ação converge com a crise social na qual esses alu-
nos estão inseridos, levando-se em consideração que a possibilidade de acesso à
internet em tempos atuais deveria ser algo comum a todos.

A pouca escolarização, a falta de empregos e condições de subempregos, o


acesso restrito e a pouca intimidade com novas tecnologias insere o público da
EJA a um grupo que sofreu ainda mais nesse período de isolamento social.

Apesar das atividades assíncronas não alcançarem o total de alunos, seja


pela dificuldade que a grande maioria tem ao acesso a um telefone e também
ao acesso à internet, seja pela grande quantidade de problemas pessoais que
abarcam suas existências por conta da realidade social em que vivem, neste mo-
mento, foi a melhor forma que encontramos para lidar com o cenário pandêmico
e consequente isolamento social no qual ainda estamos vivendo.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 114


Infelizmente, mesmo diante dos esforços a suspensão das aulas presenciais
se apresenta, portanto, como um desafio ainda maior para esta modalidade de
educação, uma vez que há falta da troca física entre pares.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação Portaria N.º 343. Dispõe sobre a substituição das
aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pan-
demia do Novo Coronavírus – COVID-19. Disponível em:http://portal.mec.gov.br/
component/content/article?id=88631. Acesso em: 19/06/2020.

BRASIL. Proposta Curricular de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Brasília, MEC,


2001

DA CRUZ, Neilton Castro. Um estudo sobre casos de trajetórias ininterruptas de


estudantes da EJA no Ensino Fundamental. (Dissertação de Mestrado - Programa
de Educação Básica de Jovens e Adultos da UFMG). Belo Horizonte: UFMG/FaE,
2011.

FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana; LICHTENSTEIN, Diana Myriam. Psicogênese


da língua escrita. Artes Médicas, 1986.

NASCIMENTO, Sandra Mara do. Educação de jovens e adultos EJA, na visão de


Paulo Freire. 2013.

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, Proposta Pedagógica de Duque de


Caxias, RJ, v. 2, 2004.

SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. 2003.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 115


EIXO 2
POLÍTICAS PÚBLICAS DE ALFABETIZAÇÃO
E PEDAGOGIAS DA ALFABETIZAÇÃO

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 116


TRANSIÇÕES E “TRANSGRESSÕES” NAS/DAS
PEDAGOGIAS PARA ALFABETIZAÇÃO EM PROL
DO PROTAGONISMO DOS ALUNOS

Elaine Constant
constant.ela@gmail.com
Professora da Faculdade de Educação e da Pós-Graduação de Políticas Públicas e
Direitos Humanos da UFRJ

Jefferson Willian Silva da Conceição


jeffersonwillian.ufrj@gmail.com
Mestre em Educação pela UFRJ

Introdução

O presente artigo encontra-se inserido no debate sobre a temática da al-


fabetização, propiciado pelo livro organizado pelo Fórum Estadual de Alfabeti-
zação do Rio de Janeiro (FEARJ), com o título Políticas e Práticas de Alfabetização:
perspectivas autorais e contextuais, tendo como foco os textos que compõem o
eixo “Políticas Públicas e Pedagogias da Alfabetização”.

Vale destacar que este eixo é composto por textos que versam sobre as
políticas públicas educacionais de/para alfabetização, como sobre as pedagogias
para lidar com este campo de conhecimento no cotidiano escolar. Da mesma for-
ma, são apresentados os relatos de experiências de professoras alfabetizadoras
sobre suas práticas pedagógicas.

Considerando a polissemia de conceituações e sentidos imbricados na pa-


lavra alfabetização, vale ressaltar que no presente texto foi adotado o concei-
to apresentado por Maria do Rosário Longo Mortatti, em seu artigo intitulado
“Alfabetização no Brasil: conjecturas sobre as relações entre políticas públicas

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 117


e seus sujeitos privados”, no qual estabelece que a alfabetização escolar deve
ser apreendida “como processo de ensino e aprendizagem da leitura e escrita
em língua materna, na fase inicial de escolarização de crianças”. Sendo assim, a
alfabetização é um processo complexo e multifacetado na qual são envolvidas
inúmeras ações humanas e, portanto, políticas, “caracterizando-se como dever
do Estado e direito constitucional do cidadão” (MORTATTI, 2010, p. 329).

Assim sendo, a alfabetização vai para além do conhecimento de letras, sons


e palavras, pois envolve a constituição de sentidos, bem como os seus modos de
produção. Para Goulart (2019), o processo de alfabetização engloba os sentidos
que histórica e culturalmente constituem-se na ação coletiva e individual dos
sujeitos para lidar com a temática.

Neste sentido, este texto se propõe a realização de um breve resgate acer-


ca da história da alfabetização em nosso país, correlacionando-o, na medida do
possível, às transições pedagógicas, assim como para as transgressões adotadas
por professoras alfabetizadoras. Este processo contribui na apreciação dos traba-
lhos reunidos nesse eixo.

De “antigas” às “novas” explicações para aprender a ler e escrever

 Mortatti (2008) destaca que a história da alfabetização em nosso país está


intrinsicamente relacionada ao desenvolvimento dos métodos de alfabetização
e, com isso, não há como pensar em ambos de forma separada. Todavia, a autora
reflete sobre a necessidade de compreender as diferentes concepções da alfa-
betização para que o professor alfabetizador tenha autonomia para lidar com a
temática.

A autora destaca que a temática gera inúmeros debates acerca das “anti-
gas” e “novas” explicações para um mesmo problema: como lidar com a dificulda-
de das crianças em aprender a ler e a escrever, especialmente na escola pública.
Ainda de acordo com a Mortatti (2008) há quatro momentos, que se estendem
desde 1976, o primeiro momento, que abarca o período de 1876 a 1890, eviden-
ciava a necessidade de o ensino contar com uma maior organização e para o
ensino da leitura eram utilizados “métodos de marcha sintética (da “parte” para o
“todo”): da soletração (alfabético), partindo do nome das letras; fônico (partindo

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 118


dos sons correspondentes às letras); e da silabação (emissão de sons), partindo
das sílabas” (p.5).

Em um segundo momento, iniciado com a organização republicana, há dis-


putas entre os métodos de leitura e escrita, pois há quem defendia o “então novo
e revolucionário método analítico para o ensino da leitura e os que continuavam
a defender e utilizar os tradicionais métodos sintéticos, especialmente o da sila-
bação” (MORTATTI, 2008).

Para a autora, o terceiro momento nomeado como “Alfabetização sob medi-


da”, com delimitação de tempo entre 1920 e 1970, em decorrência da “autonomia
didática” proposta pela Reforma de Sampaio Dória, em São Paulo, e dos contex-
tos sociais, culturais, econômicos e políticos que foram mudando no decorrer do
tempo, foram intensificadas as resistências dos professores quanto à utilização do
método analítico para o ensino da leitura. Buscando, assim, novas propostas para
os problemas do ensino e aprendizagem iniciais da leitura e da escrita, pois a im-
portância dos métodos de alfabetização foi sendo relativizada e secundarizada.

Por fim, Mortatti (2008) define o quarto momento como o período no qual
a tradição da “alfabetização sob medida, de que resulta o como ensinar subordi-
nado à maturidade da criança a quem se ensina” (p.10) passou a ser questionada,
visto às novas exigências políticas da época, tendo à escola a função de preparar
novas gerações. Ainda de acordo com a autora foi nesse período que “introdu-
ziu-se no Brasil o pensamento construtivista sobre alfabetização, resultante das
pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita desenvolvidas pela pesquisadora
argentina Emília Ferreiro e colaboradores” (p.10).

Observa-se, então, que o construtivismo se apresentou, não como um novo


método de alfabetização, mas, sim, como uma possibilidade de os professores al-
fabetizadores abandonarem as teorias e práticas tradicionais. Assim, como Mor-
tatti (2008) apresenta, há um processo de “desmetodização” da alfabetização.

Por tudo que foi dito, e com inspiração nos estudos da autora supracitada,
foi possível constatar que a multiplicidade de problemas existentes a respeito
do ensino da leitura e escrita, bem como as dificuldades decorrentes acerca da
polissemia de sentidos da alfabetização propiciam que os professores alfabeti-
zadores criem espaços para apresentar novas “pedagogias” para a alfabetização,
ora baseadas em conceitos e métodos antigos ora pautadas em perspectivas mais
“progressistas”.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 119


As práticas alfabetizadoras a partir da perspectiva discursiva

Considerando os textos do eixo temático, “Políticas Públicas e Pedagogias


da Alfabetização” e, corroborando com a Maria do Rosário Longo Mortatti, foi
possível constatar que os professores alfabetizadores empreendem reapropria-
ções pedagógicas às suas próprias experiências didáticas, com base no tempo
histórico. Ou seja, os profissionais recriam suas práticas com o que circula na
atualidade, na tentativa de dar sentido ao processo de ensino e aprendizagem da
leitura e escrita.

Neste sentido, o primeiro texto intitulado “Alfabetização: entre caminhos e


descaminhos”, sob a autoria de Polliana Pereira Lisboa, traz um importante de-
bate sobre as mudanças conceituais e metodológicas da alfabetização, bem como
discorre sobre a necessidade de os professores alfabetizadores compreenderem
sobre as concepções de alfabetização que permeiam suas práticas docentes.

No segundo texto, “Reflexões acerca de uma prática de alfabetização no


Ensino Fundamental”,a autora Gabriela Pereira Galdino apresenta os resultados
de uma pesquisa realizada em um colégio universitário do Rio de Janeiro. O obje-
tivo desta pesquisa era refletir sobre as práticas de alfabetização realizadas em
uma turma de primeiro ano, tendo como foco uma proposta pedagógica deno-
minada “metodologia dos donos das palavras”. Para tanto, a autora realiza uma
observação participante na turma, bem como analisa a participação dos alunos
na referida atividade.

No terceiro texto, “Dispositivo pedagógico ‘WhatsApp do Priscila’: o prota-


gonismo discente como centralidade do processo de alfabetização”, cuja autoria
pertence a Renata Melo Rocha. O “WhatsApp do Priscila” é apresentado como
uma proposta didático-pedagógica para os alunos de uma escola pública muni-
cipal de Belford Roxo, no estado do Rio de Janeiro, que visava valorizar a escrita
autoral dos alunos. Esta prática também intencionava propiciar debates entre os
profissionais envolvidos com a alfabetização da instituição escolar sobre a im-
portância da escrita discursiva a partir da produção dos discentes.

A autora Nataly da Costa Afonso apresenta em seu texto, “Você é uma


professora de verdade”: reflexões sobre currículo e alfabetização”, um relato de
experiência no qual aborda questões em torno do currículo e da alfabetização,
em especial, sobre o processo de produção curricular para alfabetização. Cabe

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 120


destacar que ambos os conceitos, currículo e alfabetização, são pautados em
uma perspectiva discursiva, na qual compreende as crianças como produtores de
conhecimento.

O quinto texto, intitulado “Memórias afetivas: registros de histórias de vida


e vozes na EJA”, sob autoria de Bruna Vanessa Rodrigues Ramos, apresenta um
relato de experiência acerca de uma prática pedagógica realizada em uma escola
do município do Rio de Janeiro, mais especificamente em uma turma da Educação
de Jovens e Adultos (EJA), na qual tinha como eixo norteador a valorização dos
saberes e as experiências dos estudantes.

À quiçá das considerações finais: abandonar ou transgredir?

Os artigos supracitados trazem temáticas de suma importância para o de-


bate sobre a alfabetização escolar, pois possibilitam analisar as produções de
“pedagogias” para lidar com o cotidiano escolar e de diferentes maneiras. Contu-
do, um fato presente em todos os trabalhos foi o movimento em utilizar as práti-
cas pedagógicas consideradas mais “progressistas”, como caminho para uma for-
ma de transgressão. Porém, cabe destacar, quais os sentidos de “transgressão”?

Fundamentados em Hernandez (1998) foi possível analisar que as profes-


soras autoras do eixo analisado tratam a transgressão como uma maneira de
lidar com as “barreiras que impedem de pensar por si” e, com isso, ressaltam a
necessidade de constituir novas pedagogias para lidar com a alfabetização es-
colar nas escolas públicas. Esta perspectiva, ainda considerando as análises de
Hernandez (1998), supõe que o professor, ao se tornar um “transgressor”, é capaz
de questionar e ir contra, quando necessário, do que está constituído, posto e,
até mesmo, imposto.

Neste sentido, vale ressaltar que, de acordo com Freitas (2012), a imple-
mentação das atuais políticas educacionais em nosso país, “não entendem o pro-
fessor como profissional, mas como um tarefeiro [...] então se tiver uma pessoa
movida a bônus e uma apostila, é o suficiente” (p.77). Dito isto, pensar na história
da alfabetização em nosso país torna-se de suma importância, pois, conforme
Saviani (1991), o enfoque nos métodos propiciou maior ênfase em “como” deter-
minados conteúdos seriam ensinados na leitura e a escrita. Assim, retornamos à

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 121


pergunta presente no título deste tópico: abandonar ou transgredir?

Pautamo-nos no conceito de transgressão adotado por Hernandez (1998),


como apresentado anteriormente, mas professoras autoras dos textos, ressaltam
a importância de transgredir de uma visão de uma prática alfabetizadora pautada
em conteúdos estáticos para uma perspectiva educacional voltada às realidades
socioeducacionais dos estudantes inseridos. Todavia ressaltam as dificuldades
para lidar com tais transformações no campo da alfabetização. Com isso, estas
profissionais destacam que indagam muitas vezes se “desistem” e “abandonam”
suas práticas pedagógicas em prol do que está imposto.

Para evitar a desistência ou o abandono, as autoras destacam a recorrem


para os postulados das pedagogias mais “progressistas” em suas salas de aula.
Assim, reinventam maneiras para não abandonar seus ideais e concepções. Dessa
forma, a possibilidade de “transgredir” representa uma busca por novas maneiras
de lidar com o ensino-aprendizagem da alfabetização de seus alunos.

Sendo assim, elas trazem para o debate a importância da autonomia do-


cente e a necessidade de pensar a criança como protagonista de sua aprendi-
zagem. Temas estes que possibilitam compreender a identificação do professor
com a docência da alfabetização, como dos alunos no processo de ensino-apren-
dizagem da leitura e escrita.

O conceito de autonomia, alcunhado por Contreras (2002), destaca que a


esta surge como um fator de desenvolvimento do trabalho dos professores e da
instituição de ensino, contudo, salienta que no âmbito da produção do conheci-
mento educacional pode ser realizada sob o enfoque da “autonomia profissional”.
Assim, não é possível falar de autonomia dos professores sem fazer referências
ao contexto trabalhista, institucional e social em que os professores realizam seu
trabalho.

De acordo ainda com o autor, ao tratar a autonomia como o fator que possi-
bilita um trabalho independente e voltado para o contexto no qual está inserido,
é preciso tomar cuidado para não resultar em uma fragmentação, no individualis-
mo e até mesmo numa percepção de que a qualidade da educação está implicada
na soma dos esforços individuais, fato o qual relega o papel coletivo presente na
educação. Com isso, há a necessidade de instituir uma prática pedagógica pauta-
da na participação e no diálogo.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 122


Cabe destacar que constituir uma prática pedagógica dialógica não é uma
tarefa fácil, pois envolve inúmeras questões, tais como: exigências curriculares,
avaliações externas, políticas educacionais, entre outras. Assim, como pensar
em uma perspectiva de alfabetização na qual a criança seja protagonista do seu
processo de aprendizagem?

Para responder tal questionamento, as autoras debruçam suas práticas pe-


dagógicas em uma alfabetização pautada na perspectiva discursiva, represen-
tada nos estudos da professora Ana Luiza Bustamante Smolka em seu livro “A
criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como processo discursivo”.

Smolka (2012), com base nos estudos baktinianos e vigotskianos, com-


preende a alfabetização como um processo discursivo, constituído por múltiplas
vozes produzindo sentidos. Assim, a linguagem (oral ou escrita) é, ou pode ser,
meio e modo de interação, bem como objeto de conhecimento. Com isso, a di-
mensão discursiva dá ênfase a relação social e a prática dialógica.

Goulart (2019) ressalta, também com base nos estudos de Bakhtin, que os
processos de produção de linguagem são espaços de constituição e transforma-
ção dos sujeitos. Assim, as vidas das pessoas são transformadas no movimento
de aprender a ler e escrever, em especial quando transforma-se

[...] pelos novos modos de compreender e valorar a realida-


de, modos que se expressam principalmente pela linguagem,
forte marcador do que somos e sabemos, de onde viemos e
com que bagagem – conhecimentos, imagens, sentimentos e
valores – vivemos. Na perspectiva adotada, o objeto de estudo
são os enunciados que se produzem em sala de aula, orais e
escritos, significados e carreados pelas falas das crianças que,
com o trabalho alfabetizador realizado formalmente, vão cada
vez mais travando diálogos com escritas variadas, aprendendo
a escrever e, no processo, modificando seus modos de olhar a
realidade (GOULART, 2019, p.60).

Frente ao exposto, foi possível constatar nos textos analisados a necessi-


dade de constituir uma prática dialógica presente tanto na constituição da auto-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 123


nomia profissional quanto na perspectiva discursiva. Tal perspectiva se tornou,
então, eixo norteador do trabalho pedagógico. Isto pode ser constatado no fato
de que as professoras optaram por transgredir nas imposições didático-pedagó-
gicas presentes no cotidiano escolar, em especial, nas instituições escolares e
públicas.

Por tudo o que foi dito, e retomando o apresentado pelas autoras dos tex-
tos que compõem o eixo “Políticas Públicas e Pedagogias da Alfabetização”, não
é possível negligenciar o passado, visto que o tempo escolar deve considerar o
passado e o presente. Dado que conhecer as concepções de alfabetização que
permeiam as práticas de ensino nos atuais sistemas públicos de ensino é de suma
importância, pois, como afirma a professora autora Polliana Pereira Lisboa des-
taca em seu texto, “as pretendidas transformações na realidade escolar estão
diretamente relacionadas com o reconhecimento das teorias tradicionais que ne-
cessitam ser transgredidas”.

Referências

CONTRERAS, José. A autonomia da classe docente. São Paulo: Cortez, 2002. p.


296.

FREITAS, Luiz Carlos de. Agenda dos reformadores empresariais pode destruir
a educação pública no Brasil. São Paulo: Revista Adusp. Entrevista concedida a
Michele da Costa, outubro, 2012.

GOULART, Cecília Maria Aldigueri (2019). Alfabetização em Perspectiva Discur-


siva: a realidade discursiva da sala de aula como eixo do processo de ensino-
-aprendizagem da escrita. Revista Brasileira de Alfabetização. v.1 n.9. jan/jun.
2019. p.60-79.

HERNANDEZ, Fernando. Transgressão e Mudança na Educação: os projetos de


trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.

MORTATTI, Maria do Rosário Longo. A “querela dos métodos” de alfabetização no


Brasil: contribuições para metodizar o debate. Revista ACOALFAplp: Acolhendo
a Alfabetização nos Países de Língua portuguesa, São Paulo, ano 3, n. 5, 2008.

______. Alfabetização no Brasil: conjecturas sobre as relações entre políticas pú-


blicas e seus sujeitos privados. Revista Brasileira de Educação. v. 15 n. 44 maio/
ago. 2010.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 124


SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. 23. ed. São Paulo: Cortez: Autores As-
sociados, 1991.

SMOLKA, Ana Luiza Bustamente. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetiza-


ção como processo discursivo. 13.ed. São Paulo: Cortez, 2012.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 125


ALFABETIZAÇÃO: entre caminhos e descaminhos

Polliana Pereira Lisboa - Universidade do Estado do Rio de Janeiro


polliana-lis@hotmail.com

Introdução

Antecipados quanto ao persistente problema do analfabetismo da popu-


lação brasileira, alguns críticos têm estabelecido uma relação direta entre o de-
sempenho dos alunos e a aplicação de um método no processo de alfabetização.
Nos primeiros dias do atual governo se pôde observar a crença na relação entre
alfabetização e os métodos, com o método fônico recebendo destaque no de-
creto da Nova Política Nacional de Alfabetização. Acontece que, os entraves no
alcance da alfabetização dos cidadãos brasileiros já vêm de séculos passados,
dessa maneira, há tempos entram em pautas discussões desse âmbito no ensino,
em destaque no ensino público.

Diante do exposto, o objetivo desse trabalho é buscar conhecer o processo


histórico entorno do ensino da leitura e da escrita no tocante ao processo de al-
fabetização que se desenvolve na fase inicial da escolarização, refletindo sobre a
tendência de redução desse processo a aspectos neutros e meramente técnicos.
O trabalho apresenta um recorte histórico no qual se começa a entender a his-
tória do processo da alfabetização a partir do século XIX. Se mostrou necessário
apresentar na senda desse estudo três concepções teóricas, a saber: o construti-
vismo, o interacionismo linguístico e o letramento. Tais perspectivas se represen-
tam como indispensáveis à compreensão do processo histórico da alfabetização,
sendo elas a conferir transformações na característica marcadamente metódica
no processo de alfabetização.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 126


A relevância desse estudo está no alcance da compreensão de que diversas
e distintas são as concepções teóricas que incidem sobre a história e o processo
de alfabetização, e que, cada qual visaram /visam objetivos próprios na forma-
ção dos sujeitos. Assim sendo, se faz necessário elucidação a respeito de quais
concepções teóricas (e formação de sujeitos) as propostas didático-pedagógicas
desenvolvidas e envolvidas no processo de alfabetização se colocam a serviço. É
imprescindível ter ciência do(s) caminho(s) escolhido(s) para percorrer no proces-
so de alfabetização e no enfretamento do quadro de analfabetismo que há muito
tem desafiado o país.

Metodologia

Este artigo representa o recorte de um trabalho de conclusão de curso


de uma formação acadêmica em Pedagogia e se identifica como uma pesquisa
bibliográfica. Os caminhos percorridos se deram no sentido de tentar conhecer e
refletir sobre a história da alfabetização e do(s) entendimento(s) elaborado(s) a
respeito do que vem a ser o processo da alfabetização. Mediante a isso, se recor-
reu a leitura de autores que trataram de elucidar em suas obras as características
fundantes, as transições, e sobretudo, as concepções de ensino (e de sujeitos para
o qual esse ensino se destina) manifestadas ao longo do processo histórico da
alfabetização.

Para a fundamentação teórica dos conhecimentos e reflexões pretendidos,


buscou-se construir um diálogo entre os autores Mortatti (2004, 2006, 2010),
Ferreiro (1986), Smolka (1993) e Soares (2002).

Através das obras de Mortatti (2004, 2006, 2010), foi possível trazer para
este texto o conhecimento a respeitos das situações fundantes da história alfabe-
tização, que, de acordo com a própria autora, trata-se de uma história multiface-
tada e complexa no Brasil, tal qual também o é o próprio processo de alfabetiza-
ção. Portanto, dos estudos bibliográficos da autora, se alcançou o entendimento
de que: na história da alfabetização, o processo de alfabetização – bem como
sua construção como prática escolar, se fundamenta da acirrada disputa entre os
defensores da marcha sintética e os defensores da marcha analítica. Desse modo,
da história analisada partir do Século XIX, compreendeu-se que a disputa pela
hegemonia metodológica acabou por fundar “[...] uma nova tradição: o ensino da

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 127


leitura envolve necessariamente uma questão de método, ou seja, enfatiza-se o
como ensinar metodicamente, relacionado com o que ensinar; [...]” (MORTATTI,
2006, p.6).

Dos estudos sobre as investigações psicogenéticas lideradas por Ferreiro


(1986), foi possível enxergar aspectos de transição na história e no modo inter-
pretar o processo de alfabetização. A Psicogênese da Língua Escrita (1986), apre-
sentou no cenário das discussões uma perspectiva na qual o ensino e a apren-
dizagem da língua materna são compreendidos como construção cognitiva na
qual os sujeitos aprendizes criam concepções e hipóteses sobre a mesma – isso
acaba por provocar questionamentos as práticas mecânicas e de memorização no
ensino dessa língua.

Prática mecânicas e vazias no ensino da leitura e da escrita se tornaram


ainda mais questionadas com a presença da perspectiva interacionista no cenário
brasileiro. Na linha do interacionismo linguístico, as obras produzidas por Luiza
Smolka (1993) trouxeram para o cenário a compreensão de que o conhecimento
sobre a escrita se constrói através da interação, das práticas discursivas, e das
tensas relações que existem nos processos de ensino, e que, portanto, se apre-
sentariam nas vivencias espontâneas da escrita.

As transformações na história da alfabetização, bem como na compreensão


do processo multifacetado e complexo da alfabetização se mantiveram ao longo
da segunda parte do século XX. Com isso, este estudo se deparou com as obras
de Soares (2002) nas quais a autora contribui para o entendimento de que o pro-
cesso de alfabetização não se esgota na temática da melhor escolha e aplicação
de métodos ao ensino da leitura e da escrita. A autora apresentou ainda aos de-
bates a perspectiva do letramento que apontava outros e novos rumos à história
e ao processo de alfabetização, e nos quais o ensino e a aprendizagem da leitura
e da escrita deveriam estar relacionados com as experiências cotidianas dos su-
jeitos inseridos em contextos letrados.

Diante do exposto, temos na construção deste artigo uma pesquisa biblio-


gráfica que permite conhecer uma história da alfabetização “diretamente rela-
cionadas a disputas pela hegemonia de projetos políticos e educacionais e de um
sentido moderno para a alfabetização” (MORTATTI, 2010, p. 330), submetendo
por muito tempo a leitura e escrita a um aparelhamento sistemático e metódico.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 128


Mas sendo também uma história que apresenta em seu decurso processos de
transições, mediante as discussões promovidas por Ferreiro, Smolka e Soares.

Desenvolvimento

A alfabetização é um processo complexo e multifacetado. Acontece que


tais característica nem sempre são evidentes no âmbito das políticas públicas,
conforme explica Mortatti (2010). No Brasil, a própria história da alfabetização
se caracterizada como um movimento complexo e com marcas de recorrentes
mudanças discursivas que estão “diretamente relacionadas a disputas pela he-
gemonia de projetos políticos e educacionais e de um sentido moderno para a
alfabetização”. (MORTATTI, 2010, p. 330)

Desde o início da Primeira República esforços foram empregados a fim de se


tentar mudar aquilo que consideravam atrasado no ensino e, consequentemente,
fator responsável pelo fracasso do mesmo, conforme explica Mortatti (2006). Foi
visando enfrentar o problema do analfabetismo, e tornar os cidadãos parte da
cultura letrada, que tensas disputas políticas em torno dos métodos de alfabeti-
zação se iniciaram nas décadas finais do século XIX. É no decurso das rivalidades
entre os defensores da marcha sintética versus os defensores da marcha analítica
que “[...] funda-se uma nova tradição: o ensino da leitura envolve necessariamen-
te uma questão de método, ou seja, enfatiza-se o como ensinar metodicamente,
relacionado com o que ensinar; [...]” (MORTATTI, 2006, p.6). Assim sendo, a leitura
e escrita tornaram-se submetidas a um aparelhamento sistemático e metódico.

Portanto, observar-se na história inicial do processo de alfabetização uma


tendência de redução desse processo a aspectos neutros e meramente técnicos,
que corresponderiam a verdade científica avaliada e incontestável, exigida pelo
período. Em decorrência das novas e definitivas verdades científicas apresentadas
a respeito desse processo, alguns aspectos do processo de alfabetização passaram
a receber centralidade no âmbito das políticas públicas. (MORTATTI, 2010).

Movimentos transitórios começaram a ser apresentar na história da alfabe-


tização quando, mediante as investigações psicogenéticas desdobradas na Psico-
gênese da Língua Escrita (1986), Emília Ferreiro e Ana Teberosky apresentaram
desses estudos uma nova perspectiva sobre como as crianças aprendem a ler e

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 129


a escrever. Sem a pretensão de se tornarem uma didática de ensino, tais pesqui-
sadoras direcionaram o processo de alfabetização para caminhos que permitiram
compreender a aprendizagem da língua materna como construção cognitiva na
qual os sujeitos aprendizes criam concepções e hipóteses sobre a mesma. Através
de Ferreiro e Teberosky, se compreender que a aprendizagem da língua escrita
acontece a partir das hipóteses construídas ao longo de um processo, e que este
processo não se reduz à memorização – tal qual unicamente se constituía os
processos e a história da alfabetização, até aquele momento.

Além das transições na compreensão do processo histórico da alfabetiza-


ção geradas pelos estudos de Ferreiro e Teberosky, em meados dos anos de 1980
novos caminhos se apresentam nesse processo com a inserção do interacionismo
linguístico. No cenário histórico da alfabetização, o interacionismo linguístico se
apresentou como uma “[...] perspectiva de análise centrada em uma concepção
de linguagem como forma de interação humana, de que decorrem concepções
específicas de leitura e escrita” (MORTATTI, 2004, p. 122). Ganharam destaque os
estudos e as pesquisas fundamentadas no interacionismo linguístico e na psico-
logia soviética “com as propostas dos pesquisadores brasileiros João Wanderley
Geraldi e Ana Luiza Smolka [...]” (MORTATTI, 2010, p. 332).

Para Smolka (1993) – pesquisadora representantes do interacionismo lin-


guístico no país, o conhecimento sobre a escrita e sobre a aquisição da escrita se
constrói numa interação, numa prática discursiva, numa tensa relação de ensino,
que se caracteriza, por exemplo, nas situações de escrita espontânea. Para a
autora, ao não se considerar a alfabetização como um processo de construção
de conhecimento, bem como de interação, “a escola reduz a dimensão da lin-
guagem, limita as possibilidades da escritura, restringe os espaços de elabora-
ção e interlocução pela imposição de um só modo de fazer e de dizer as coisas”
(SMOLKA, 1993, p. 76), que é exatamente o que se observa no submetimento da
leitura e escrita a um aparelhamento sistemático e metódico.

A segunda metade do Século XX se configurou na construção de novos


enredos para história da alfabetização, e no surgimento de novos caminhos para
processo de ensino da leitura e da escrita. Portanto, ao fim da década de 80, a
simples distinção entre alfabetizado, “aquele que aprendeu a ler e escrever, de
analfabeto, aquele que não pode exercer em toda sua plenitude os seus direitos

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 130


de cidadão” (Soares, 2002:20) já não bastava ao contexto social. Havia na nova
demanda social a necessidade de nomear a condição daquele que estava alfabe-
tizado, todavia não fazia uso da leitura e da escrita. É nesse período que surge o
termo letramento, através de especialistas das áreas de Educação e das Ciências
Linguísticas. Estudos apresentados por Soares (2002) sinalizavam que o processo
de alfabetização não se esgotava na discussão das escolhas de métodos, trazen-
do para o debate a perspectiva do letramento.

A perspectiva do letramento apontava para um caminho no qual o ensino


e a aprendizagem da leitura e da escrita, que ocorre nos contextos escolares dos
anos iniciais, estivesse relacionada com as experiências cotidianas dos sujeitos
inseridos em contextos letrados. Por compreender que o contexto social exigia
do cidadão mais do que a condição de alfabetizado, dentro dessa perspectiva,
é imprescindível que a alfabetização seja planejada e desenvolvida a partir de
práticas de letramento, sem com isso deixar de preservar suas especificidades
enquanto processo de aquisição do sistema de escrita alfabética.

A pesquisadora Magda Soares em seu livro: “Alfabetização, a questão dos


métodos”, sinaliza que a alfabetização não se trata tão somente da escolha de
(um) método, seja ele analítico ou sintético, e mais importante ainda, não se es-
gota na discussão do uso dos métodos. As facetas do processo de aprendizagem
da língua escrita pela criança passam por diversas questões linguísticas, socio-
lingüísticas e psicológicas. Somam com as ideias da autora a ideias do mestre
Paulo Freire, isso porque este compreende que “[...] enquanto ato de conheci-
mento e ato criador, o processo de alfabetização tem, no alfabetizando, o seu
sujeito” (Freire, 2001:19). Sendo assim, é possível compreender junto aos autores,
e da reflexão do processo histórico da alfabetização, que o ensino da leitura e da
escrita não deve ser encarado simplesmente como um processo de memorização
mecânico, tão pouco como um entretenimento, antes, é necessário reconhecer as
naturezas linguísticas, sociolinguísticas, psicológicas e políticas que estão envol-
vidas nas práticas desse ensino.

Considerações Finais

Durante as buscas e construções para a produção deste trabalho notou-se


na conjuntura política vigente o retorno à concepção quanto ao ensino da leitu-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 131


ra e da escrita que parecia já ter sido superada no século passado. Trata-se dos
debates quanto ao processo de alfabetização girando novamente em torno da
adoção de métodos, em especial o método fônico. Com imposições legais, o De-
creto no 9.765, de 11 de abril de 2019 (BRASIL, 2019), institui a instrução fônica
sistematizada como Política Nacional de Alfabetização. Mesmo após as críticas
levantas ao longo do século XIX, a questão do uso dos métodos, como forma de
tentar responder aos desafios da alfabetização no país, volta ao cenário. Como
uma espécie de “guia”, o método fônico e mais uma vez apresentado na sociedade
propostas de ensino da leitura e da escrita nas classes de alfabetização, o que
leva ao risco de retomarmos descaminhos que por tanto tempo desconsideram
a complexidade que envolve o processo de alfabetização, ao tomá-lo como um
processo mecânico, de decoração e vazio de crítica e sentido para os sujeito
aprendizes.

Mesmo sabendo que para alguns professores e sistemas educacionais, ain-


da parece difícil romper totalmente com metodologias e práticas de ensino da
leitura e da escrita fundadas no aparelhamento sistemático e metódico – e vale
destacar não são necessariamente os métodos (analíticos ou sintéticos) que re-
presentam entrave ao ensino, ou seja, não são estes os demônios da alfabetiza-
ção, de outro modo também, não é mais possível seguir por esses caminhos sem
considerar as contribuições teóricas de Emília Ferreiro, Ana Luíza Smolka e Mag-
da Soares para essa área do conhecimento. Mas, principalmente, sem considerar
que o professor não é apenas um repetidor de teorias e métodos construídos
histórico e socialmente. Na sua condição de ser pensante, o professor é também
um criador quando cria para si sentidos no ensino que desenvolve.

No cumprimento dos objetivos iniciais desse estudo chegasse a reflexão


de que nenhuma instrução, nenhum método, nenhuma receita, ou mesmo teoria
garantem resultados capazes de substituir a criação do professor (TEXTO 4, p.8).
Da análise do processo história da alfabetização se chega na reflexão de que a
tomada de consciência de sua autonomia e do seu poder de criação por parte do
professor (e do aluno) é o melhor caminho a ser percorrido, muito melhor do que
seguir por teorias e métodos que em si não dão conta de corresponder a comple-
xidade que é a alfabetização e o sujeito dessa aprendizagem.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 132


Referências

BRASIL. Decreto no 9765, de 11 de abril de 2019. Institui a Política Nacional de


Alfabetização. Brasília: MEC, 2019.

FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Tradução de


Diana Myriam Lichtenstein, Liana Di Marco e Mário Corso. PortoAlegre: Artes
Médicas, 1986.

FREIRE. Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 42.
ed. São Paulo: Cortez, 2001.

MORTATTI, M. do R. L. Educação e letramento. São Paulo: UNESP, 2004.

______. História dos Métodos de Alfabetização no Brasil. Conferência proferida du-


rante o Seminário “Alfabetização e letramento em debate”, promovido pelo De-
partamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Secreta-
ria de Educação Básica do Ministério da Educação, realizado em Brasília, em 27
abr. 2006.

______. Alfabetização no Brasil: conjecturas sobre as relações entre políticas pú-


blicas e seus sujeitos privados. Revista Brasileira de Educação, v. 15, n. 44, p. 329-
341, maio/ago. 2010.

SENNA, L.A.G. O perfil do leitor contemporâneo. Anais do “I Seminário Internacio-


nal de Educação” (Cianorte-Paraná-Brasil), p. 2286-2289, 2001. Disponível em:
<http://www.senna.pro.br/>. Acesso em: 20 abr. 2019.

SMOLKA, Ana Luiza B.A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como
processo discursivo. São Paulo, Cortez, 1993.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2.ed. 5. reimpr. Belo Horizon-


te: Autêntica, 2002.

TEXTO 4 A FORMAÇÃO DOCENTE conhecimento como teoria e prática da auto-


nomia. Disponível em: <Texto 4.pdf>.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 133


REFLEXÕES ACERCA DE UMA PRÁTICA DE
ALFABETIZAÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL

Gabriela Pereira Galdino


Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
gabrielapereiragaldino@gmail.com

Introdução

O presente trabalho é resultado de algumas investigações e observações


que faço no campo da alfabetização por ser integrante do grupo de pesquisa Al-
fabetização, Linguagem e Letramento: saberes docentes em diálogo da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro. O grupo objetiva pesquisar a respeito de diversas
práticas pedagógicas de alfabetização, focando as experiências de professoras e
professores alfabetizadoras/es através das suas narrativas. Buscarei aqui relatar
especificamente a minha experiência de observações em sala de aula de uma tur-
ma do 1º ano do Ensino Fundamental de uma escola1 pública da cidade do Rio de
Janeiro, para a realização de um trabalho monográfico. Apresentarei a atividade
pedagógica “Metodologia dos donos das palavras” como é chamada pelos alunos
e pela professora. Relatarei a atividade de alfabetização através de narrativas da
professora que atua na turma e das minhas observações.

Metodologia dos “Donos das Palavras”

A narrativa torna-se interessante para estudos na área da educação, uma


vez que permite conhecer histórias de professores/as, perpassando suas práticas
pedagógicas, processos de formação, experiências e histórias de vida.

1
O nome da escola não será divulgado para a preservação da sua identidade.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 134


Somente quem viveu a experiência pode contá-la. Desta maneira, estudar
o cotidiano de um/a docente é, por meio da linguagem, entender relações, hábi-
tos, artefatos e práticas. São práticas que surgem não para serem analisadas, mas
para serem conversadas, perpassadas. (REIS & HELAL. 2014).

A entrevista narrativa nos possibilita aproximarmos das experiências diá-


rias do trabalho docente, por permitir ao entrevistado o protagonismo de narrar
suas vivências, como confirma Rabelo (2011):

Os relatos narrativos podem apresentar-se de várias formas


(filmes, balé, contagens orais, entre outros) e também podem
receber a contribuição de várias técnicas, além da entrevis-
ta gravada e transcrita, ou seja, não exclui outros meios es-
critos. No entanto, em qualquer investigação narrativa estes
são complementares à entrevista, pois a oralidade é a fonte
mais importante e, por isso, a entrevista narrativa é essencial,
transformando-as em formato escrito através de transcrições.
(p. 179)

Partindo da importância de narrativas docentes na educação e na alfabe-


tização, utilizarei trechos da entrevista com a professora regente da turma que
acompanhei para observações de sala de aula. A alfabetizadora relata sobre a
metodologia dos donos das palavras:

Professora: “A gente tem um método com esse grupo em que eles


aprendem listas e por 6 meses, esse grupo fazia listas de palavras,
eles eram os donos das palavras. No primeiro dia eu falei “vocês
são os donos das palavras, me digam o que vocês querem escre-
ver hoje” e eles responderam “palavras brilhantes”, “glíter!”. Aí eu
escrevia no quadro, e eles continuavam “purpurina, sol, estrela,
pisca-pisca, cometa” aí parava e começava a discussão “cometa
brilha?” e voltava para a lista.”

Nesta fala fica evidente que os alunos possuem autonomia para participar

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 135


ativamente do processo de alfabetização. As falas da professora apontam que
as práticas pedagógicas de alfabetização da turma favorecem a reflexão sobre o
processo e o protagonismo dos alunos e das alunas.

Professora: “E o que acontecia em uma atividade dessa? A Sara2


que escreve lentamente estava fazendo 3 palavras, o Davi que é
muito rápido estava fazendo 70 palavras, e o que era meio termo
que tinha medo de escrever copiava do quadro, mas eles tinham
autonomia de fazer essa proporção.”

As narrativas da professora mostram que as crianças podem aprender a


partir de suas próprias experiências e vontades, a professora possui um papel
importante no processo de construção da autonomia desses alunos na alfabeti-
zação, já que faz uma excelente mediação. Como afirmam as autoras Dangió e
Martins (2015:219): “o desenvolvimento da conduta humana, a exemplo da leitu-
ra e da escrita, advém da qualidade das mediações culturais disponibilizadas aos
indivíduos”.

Professora: “O Benjamin pediu palavras subterrâneas quando ele


foi o dono da palavra, o José pediu palavras de pirata, o Carlos
pediu palavras de esporte, a Carolina palavras de amor, a Mile-
na pediu palavras líquidas e ela estava tão focada nas palavras
líquidas que o pessoal olhou e perguntou “como assim palavras
líquidas? Aí falaram “suco, água” e a Milena falou “saliva, lágrima,
suor”, então ela tinha um foco, ela foi para um campo das pala-
vras líquidas que era diferente das do grupo”.

E acrescenta:

“Então é a metodologia dos Donos das palavras em que eles fa-


zem um conjunto de listas e a gente tem até hoje essas listas

2
Os nomes dos alunos foram alterados para a preservação das suas identidades.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 136


registradas e eles amam, eles já escolheram: palavras de terror,
palavras de filme, palavras que eu não gosto. Teve um grupo que
eu não fiz os donos das palavras, mas eles gostavam de escrever
ditados populares, todo dia tinha que escrever um ditado popular
e a gente discutia o ditado. Já outro grupo que me marcou muito
só queria escrever frases célebres “uma frase do Nelson Mandela”.

A docente continua:

Professora: “Eu já fiz a metodologia da roda de inventores. Eu


lembro que o grupo da roda de inventores só pensava em inven-
tores e eu perguntava “mas que inventor você quer estudar?” e o
grupo respondia “aí, do ar condicionado”, “hambúrguer”, “cartão
de crédito porque é a melhor invenção do mundo” e eu me lembro
da apresentação do menino que escolheu o hambúrguer porque
ele chegou e falou “Hambúrguer que veio de Hamburgo que é
um lugar, e que na verdade nos primórdios da humanidade os
homens da caverna já comiam carne, mas eu não considero como
Hambúrguer porque era cru” e eu me lembro dele explicando com
tanta clareza.”

Considero que o desenvolvimento da metodologia “Donos das palavras”,


é coerente com a concepção de educação criativa, já que possibilita criar con-
dições para que educador e educando sejam instigados a buscar e construir os
conhecimentos de forma coletiva e divertida. As narrativas da professora nos
ensinam que se alfabetizar significa se envolver em uma relação dinâmica entre
linguagem e realidade.

Análise dos resultados

De acordo com Fernandes (2008), denomina-se ambiente alfabetizador


aquele que promove um conjunto de situações de usos da leitura e da escrita
em que as crianças têm a oportunidade de participar. Entendo, assim, que um
ambiente alfabetizador não é aquele em que se propõe apenas cobrir as pare-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 137


des da sala de textos e letras, mas um ambiente que propõe possibilitar que as
crianças participem da produção, para que elas entendam a intenção da escrita
e da leitura.

Posto isto, a metodologia de construir listas “Os donos das palavras” pos-
sibilita aos alunos participarem da produção da escrita, visto que, eles mesmos
escolhem as palavras que desejam escrever, tornando o processo de alfabetiza-
ção muito mais criativo e prazeroso.

Considerações Finais

Considero a metodologia abordada uma forma criativa de alfabetizar, uma


vez que os alunos se tornam “os donos das palavras” e escolhem: palavras de
filme, de terror, de amor, palavras que eles não gostam. Essa metodologia, então,
se baseia na concepção de que o processo de alfabetização acontece sempre a
partir de atividades que façam sentido para as crianças.

Acredito que a função da escola é justamente adotar o objetivo de ensinar


a escrita como uma linguagem, objeto de comunicação e de interação social.
Nesta perspectiva, a cultura da escola é concebida como espaço de construção
de significados e de expressão de ideias, sentimentos e visões de mundo. Enten-
do a alfabetização como um processo de apropriação da leitura e da escrita que
possibilite que os sujeitos se coloquem e interajam com o mundo. É fundamental
que a criança seja autora do seu processo de aprendizagem escolar na troca de
saberes com colegas de turma e com o/a professor/a.

Referências

DANGIÓ, Meire dos Santos; MARTINS, Lígia Márcia. “A concepção histórico cultu-
ral de alfabetização”. In: Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v.
7, n. 1, p. 210-220, jun. 2015.

FERNANDES, Maria. Os segredos da alfabetização. Editora Cortez, São Paulo,


2008.

RABELO, Amanda Oliveira. “A importância da investigação narrativa na educa-


ção”. In: Educação e Sociedade, Campinas, v. 32, n. 114, jan.-mar. 2011.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 138


REIS, Graça Regina Franco da Silva; HELAL, Igor. Narrativas como prática de pes-
quisa-vida: saberesfazeres investigados em diferentes espaçostempos de forma-
ção docente. Didática e Prática de Ensino na relação com a Escola. Eduece- Livro
1. ENDIPE, 2014.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 139


DISPOSITIVO PEDAGÓGICO ‘WHATSAPP DO PRISCILA’:
o protagonismo discente como centralidade
do processo de alfabetização

Renata Melo Rocha - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro


Prefeitura Municipal de Belford Roxo
renatarosjm@gmail.com

Introdução

Nas últimas décadas muito fora discutido a respeito da alfabetização no


Brasil. Os últimos governos alicerçaram boa parte de seus programas educacio-
nais no tema alfabetização e assim o fazem porque mesmo hoje, em pleno século
XXI, somos assombrados pelos índices de analfabetismo, alfabetismo funcional e
evasão escolar. Apenas saber cifrar e decifrar palavras não são habilidades sufi-
cientes para uma interação de qualidade na sociedade grafocêntrica. Saber ler e
escrever consiste em dominar uma tecnologia que permita que as relações com o
mundo aconteçam de forma cada vez mais autônoma e significativa.

Assim sendo, investigar o que é alfabetização e letramento tornou-se um


ato revolucionário se pensarmos a educação em seu caráter emancipatório. Em
tempos de silenciamento, faz-se inadiável a escuta dos dizeres daqueles que se-
rão o futuro de nosso país. Nesse sentido, o dispositivo pedagógico ‘WhatsApp do
Priscila’ surge em 2017 para dar conta de inquietudes de uma educadora incenti-
vadora de sala de leitura e de uma orientadora pedagógica frente às dificuldades
apresentadas pelos educandos em aprender a ler e escrever das turmas do 1º ao
3º ano do ciclo de alfabetização de uma escola municipal da cidade de Belford
Roxo, Rio de Janeiro. Tais inquietudes diziam respeito ao anseio em possibilitar
uma alfabetização significativa, onde a escrita discursiva discente fosse parte
integrante do aprendizado da língua.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 140


A construção do dispositivo pedagógico ‘WhatsApp do Priscila’ surgiu do
interesse discente pelas mídias digitais e mais especificamente pelo aplicativo
de mensagens instantâneas WhatsApp. Durante as aulas de incentivo à leitura
os alunos comentavam com entusiasmo o uso dos aplicativos de mensagem nos
telefones móveis de seus responsáveis. Foi então que se identificou a necessi-
dade de atrelar o ensino inicial da língua a esse evento de letramento. Contudo,
a inexistência de computadores e de internet na unidade escolar impossibilitou
que o dispositivo pedagógico ocorresse no âmbito digital, sendo necessária uma
adaptação. Tal adaptação consistiu na construção de um cartaz, afixado no cen-
tro do pátio da escola, dividido em grupos e identificado com o título “WhatsApp
do Priscila”.

Diante de uma realidade em que o processo de alfabetização andava a


passos mais lentos, o uso do referido dispositivo pedagógico objetivou despertar
a escrita discursiva desde os anos iniciais do ensino fundamental. Tal proposta
constitui-se em acreditar que os educandos formulam, desde o começo de sua
interação com o mundo letrado, hipóteses a respeito da língua. Em um primeiro
momento, houve intensa mediação entre educadoras e educandos na grafia das
palavras e no avanço de suas compreensões acerca do sistema de escrita alfabé-
tico e ortográfico. Tais preocupações consistiram em um movimento de proble-
matização da língua, inicialmente ligado à forma (transcrição da fala na escrita)
e em seguida ligado ao sentido (compreensão textual).

Os caminhos trilhados pelo dispositivo ‘WhatsApp do Priscila’

O dispositivo ‘WhatsApp do Priscila’ fora desenvolvido uma vez por semana,


durante as aulas de sala de leitura no período de agosto de 2017 a dezembro
de 2018. Inspirou-se na comunicação instantânea do WhatsApp e em sua com-
posição multimodal. Apesar do desejo em trabalhar com ferramentas digitais na
alfabetização, não seria possível utilizar o WhatsApp na escola, haja vista a ine-
xistência de computadores e Internet. De tal impossibilidade surge o ‘WhatsApp
do Priscila’: dispositivo pedagógico composto por um cartaz afixado no pátio da
escola e por dezenas de bilhetes escritos à mão.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 141


Imagem 1 – Cartaz do ‘WhatsApp do Priscila’

Fonte: Registros da autora

O referido cartaz com o nome do dispositivo pedagógico localizava-se no


centro da escola e era composto por ‘envelopes’ identificados como ‘grupos’, ma-
terializando a integração proposta pelo aplicativo de mensagens WhatsApp. Em
classe os educandos escreviam seus bilhetes endereçados a colegas, professores
e/ou funcionários. Ao término da aula, a educadora escolhia alguns educandos
que pudessem recolher e depositar as correspondências no endereçamento cor-
reto. Havia um grupo (envelope) para cada turma da escola e um grupo (envelope)
para professores, funcionários e Direção. Assim, qualquer sujeito da escola po-
deria receber ‘zaps’, alimentando o fluxo de envio e recebimento de mensagens.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 142


Imagem 2 – Exemplo de um bilhete endereçado a uma educadora

Fonte: Registros da autora

O ‘WhatsApp do Priscila’ e sua fundamentação teórica

O resultado do trabalho culminou no desenvolvimento de uma escola cada


vez mais escritora e leitora, uma vez que os educandos identificaram a potência
de seus escritos, em uma aprendizagem ativa e significativa a respeito da língua.
Recados, pedidos de desculpas e elogios eram transmitidos pelo dispositivo pe-
dagógico ‘WhatsApp do Priscila’ que foi gradativamente fazendo parte da vida da
escola.

A realização de tal proposta pauta-se na escolha metodológica de alfabeti-


zar letrando e consequentemente na adoção de linhas conceituais que auxiliaram

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 143


em seu desenho e aplicabilidade. Primeiramente, a escolha por exercitar a escrita
autoral difere do que alguns acreditam como sendo uma etapa da alfabetiza-
ção. Por muito tempo acreditou-se que os educandos só deveriam escrever de
maneira espontânea após a consolidação da alfabetização, isto é, após saberem
ler e ‘escrever sílabas simples e complexas’. Na contramão disso, o ‘WhatsApp do
Priscila’ oportunizou que crianças ainda em hipóteses ‘pré-silábicas’ escrevessem
seus bilhetes. Nesse movimento, inferiram acerca de como as palavras eram es-
critas, sua estabilidade, sua direção da esquerda para direita, a relação fonema-
-grafema e mais adiante o sentido composto nos textos. A compreensão desse
evento de letramento como também uma atividade de alfabetização, ressignifica
o ato de escrever e traz o educando para o centro do processo, uma vez que o
torna também construtor da língua.

O dispositivo constituiu-se no acionamento de diferentes facetas linguís-


ticas, uma vez que partiu do pressuposto de que a língua é viva e que sua (re)
construção se dá por meio da interação de sujeitos em contextos cotidianos.
Assim, escola passou a refletir metodologicamente a necessidade de fazer uso
do ensino explícito da língua associado às práticas de letramento. Soares (2018)
defende que tal associação diz respeito ao que chama de alfaletrar:

Em outras palavras, a criança se insere no mundo da escrita


tal qual como é: aprende a ler palavras com base em textos
reais que lhe foram lidos, que compreenderam e interpreta-
ram – palavras destacadas desses textos, portanto, contex-
tualizadas, não palavras artificialmente agrupadas em pseu-
dotextos, não mais que pretextos para servir à aprendizagem
de relações grafema-fonema; e aprende a escrever palavras
produzindo palavras e textos reais – não palavras isoladas,
descontextualizadas, ou frases artificiais apenas para prática
das relações fonema-grafema; e ao mesmo tempo vai ainda
aprendendo a identificar os usos sociais e culturais da leitura
e da escrita, vivenciando diferentes eventos de letramento e
conhecendo vários tipos e gêneros textuais, vários suportes
de escrita: alfabetizar letrando (SOARES, 2018, p. 350, grifo
da autora).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 144


O conceito de letramento é relativamente novo e teve sua aparição em
obras brasileiras por volta da década de 80. A primeira obra contendo o conceito
de letramento foi ‘No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística’ de
Mary Kato. Apesar de estar intrinsecamente ligado à alfabetização, o conceito de
letramento é amplo e abarca todos os usos sociais da leitura e da escrita, sendo
atualmente concebido como substantivo plural, dada a multiplicidade de letra-
mentos existentes em nossa sociedade. Assim sendo, o dispositivo ‘WhatsApp do
Priscila’ ancora-se também ao conceito de letramentos, uma vez que inspira-se
em um evento de letramento múltiplo (aplicativo de mensagens instantâneas),
composto por textos multimodais. Sobre a importância em participar de práticas
e eventos de letramento, Rojo (2010) destaca:

As práticas de letramento ganham corpo, materializam-se, nos


diversos “eventos de letramento” dos quais participamos como
indivíduos, em nossas comunidades, cotidianamente. Os novos
estudos do letramento definem “eventos de letramento” como
“qualquer ocasião em que um fragmento de escrita faz parte
integral da natureza das interações dos participantes e de seus
processos interpretativos”. Acrescentam também que “eventos
são episódios observáveis que derivam de práticas e por elas
são formatados. A noção de eventos sublinha a natureza si-
tuada do letramento, que sempre existe num dado contexto
social” (ROJO, 2010, p. 26).

Portanto, a escrita de cada um dos educandos fez parte de um importante


evento de letramento que se tornou potente por viabilizar a escrita autoral dis-
cente e por ser também importante instrumental da práxis docente. Discorrendo
sobre o primeiro aspecto, é importante salientar que o referido dispositivo defen-
de a escrita discursiva como um exercício imprescindível à alfabetização. Assim
sendo, rompe-se com a ideia de alfabetização como um processo solitário, com-
preendendo-a como uma ação pautada na interação e no diálogo. No momento
em que escreviam seus bilhetes os educandos interagiam e a partir dessas trocas
construíam suas mensagens. Esse tipo de atividade é essencial para que o edu-
cando compreenda a escrita e suas arbitrariedades. Além disso, aprendizes e seus

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 145


educadores passam a assumir a autoria de suas produções e isso é extremamente
importante, pois fomenta o diálogo e os atravessamentos das falas. De acordo
com Smolka (1988):

Assim, os textos das crianças, desde as primeiras tentativas,


constituem (e geram outros) momentos de interlocução. É nes-
se espaço que se trabalham a leitura e a escritura como formas
de linguagem. A alfabetização se processa nesse movimento
discursivo. Nessa atividade, nesse trabalho, nem todo dizer
constitui a leitura e a escritura, mas toda leitura e toda escri-
tura são constitutivas do dizer (SMOLKA, 1988, p. 112).

Sobre o aspecto referente à práxis docente, é importante destacarmos que


ao longo de toda a execução do dispositivo ‘WhatsApp do Priscila’ as educadoras
foram convocadas a pensar a respeito de suas práticas, uma vez que os escritos
dos educandos tornaram-se importante instrumental investigativo. A partir dos
bilhetes foi possível identificar as diferentes hipóteses de escrita e consequen-
temente replanejar aulas e intervenções. As educadoras ancoradas aos conhe-
cimentos acerca da Psicogênese da escrita analisaram a trajetória de aquisição
da língua pelos discentes, redimensionando suas práticas em um movimento de
práxis. De acordo com Ferreiro e Teberosky (1986):

[...] a aprendizagem da leitura, entendida como questionamen-


to a respeito da natureza, função e valor deste objeto cultural
que é a escrita, inicia-se muito antes do que a escola imagina,
transcorrendo por insuspeitados caminhos. Que além dos mé-
todos, dos manuais, dos recursos didáticos, existe um sujeito
que busca a aquisição de conhecimento, que se propõe proble-
mas e trata de solucioná-los, segundo sua própria metodolo-
gia... insistiremos sobre o que se segue: trata-se de um sujeito
que procura adquirir conhecimento, e não simplesmente de
um sujeito disposto ou mal disposto a adquirir uma técnica
particular. Um sujeito que a psicologia da lecto-escrita esque-
ceu [...] (FERREIRO; TEBEROSKY, 1986, p. 11).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 146


Ao longo da execução do dispositivo pedagógico ‘WhatsApp do Priscila’ a
unidade escolar desenvolveu um olhar crítico sobre o processo de aquisição da
leitura e da escrita. As discussões sobre as hipóteses de escrita discentes tiveram
desdobramentos em alguns momentos formativos que viabilizaram ao corpo do-
cente uma reflexão sobre suas práticas e escolhas metodológicas.

Os momentos formativos foram essenciais para que as educadoras repen-


sassem suas intervenções. Assim, algumas propostas foram adicionadas à rotina
de sala de aula, inspiradas no dispositivo pedagógico ‘WhatsApp do Priscila’. A
construção de rodas de letramento foi uma importante iniciativa incorporada
ao fazer pedagógico diário. Os alunos ganharam um momento para dialogar em
roda sobre um texto que os chamassem atenção. Manchetes de jornais, textos
narrativos, embalagens, bilhetes, dentre outros gêneros textuais passaram a ser
discutidos no momento inicial das aulas, expandindo a compreensão discente
a respeito da leitura de mundo. Nessa atividade os educandos exercitavam a
oralidade, a importância dos turnos de fala, o exercício da escuta, dentre outros
aspectos fundamentais para construção da linguagem.

A escolha dos textos para alfabetização também passou a ser repensa-


da. Ao invés de textos cartilhescos, as educadoras passaram a apresentar textos
reais. Foram adotadas parlendas e adivinhações, em uma proposta significativa e
lúdica de alfabetizar letrando. Os alunos brincavam com as rimas e as diferentes
combinações entre as palavras, em um trabalho de consciência fonológica e am-
pliação do vocabulário.

Os momentos de escrita autoral também foram ampliados. A inserção de


construção de bilhetes nas aulas comuns e o aumento de produção de poesias fo-
ram identificados como avanços qualitativos nos planejamentos das educadoras
. Além disso, o ‘WhatsApp do Priscila’ imprimiu na prática docente um novo olhar
sobre o ‘erro’. É possível identificar que as educadoras passaram a analisar a es-
crita a partir de uma perspectiva muito mais investigativa que corretiva. Antes os
erros eram apenas sinalizados. Depois do ‘WhatsApp do Priscila’ e das discussões
e encontros formativos foi possível compreender que os erros discentes são indi-
cadores importantes de como os educandos estão se relacionando com a língua.
Ademais, foi através de diagnósticos realizados na observação da escrita discente

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 147


dos bilhetes do ‘WhatsApp do Priscila’ que as educadoras puderam escolher ativi-
dades específicas para cada hipótese de escrita.

Portanto, pode-se afirmar que ‘WhatsApp do Priscila’ concebe o educando


como protagonista de seu processo de alfabetização e assim sendo, trata-se de
uma prática emancipatória que viabiliza a escuta daqueles que compõem o pro-
cesso. Estamos aqui dissertando sobre uma experiência que vai de encontro a
propostas que concebam o educando como sujeito alheio ao que o cerca.

Considerações Finais

Levando-se em consideração todos os aspectos aqui mencionados, é possí-


vel depreender que a experiência aqui relatada oportunizou a prática de alfabeti-
zar letrando, uma vez que os educandos por meio da elaboração de seus discursos
puderam inferir a respeito da língua, em uma abordagem ampla e significativa.

A prática do ‘WhatsApp do Priscila’ recupera a ideia de uma educação eman-


cipatória, pautada no diálogo e na polifonia. Ao escreverem suas ideias desde o
começo do processo de alfabetização, os educandos aprendem que aquilo que
escrevem tem valor social e não são apenas palavras soltas. Tudo aquilo que es-
crevem está encadeado, faz parte de uma ideia e de um contexto. Portanto, não
se trata apenas de escrever e sim de endereçar a alguém um pedido, uma ideia,
um elogio... É o sentido que se dá a pratica que faz dela emancipatória ou não.
Aqui, optamos por fazê-la no intento de construir sujeitos insurgentes, no sonho
de uma escola amplificadora de seus dizeres...

Referências

FERREIRO; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Tradução de Diana My-


riam Lichtenstein et al. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 15. ed. São
Paulo: Cortez / Autores Associados, 1989.

ROJO, Roxane Helena Rodrigues. Alfabetização e letramentos múltiplos: como al-


fabetizar letrando?. In: Rangel, Egon de Oliveira; Rojo, Roxane Helena Rodrigues.
Coleção explorando o ensino – volume 19 de Língua Portuguesa. Brasil: Ministério
da Educação, 2010, 200p.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 148


SMOLKA. Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita: alfabetização
como processo discursivo. 11ed. São Paulo: Cortez: Editora da Universidade Esta-
dual de Campinas, 1988.

SOARES. Magda Becker. Alfabetização a questão dos métodos. 1ª edição. São Paulo:
Contexto, 2018, 384p.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 149


“VOCÊ É UMA PROFESSORA DE VERDADE”:
Reflexões sobre currículo e alfabetização

Nataly da Costa Afonso - UERJ


Nataly.uerj@gmail.com

Introdução

Ao longo de minha experiência e formação como professora-pesquisadora,


as questões em torno do Currículo e Alfabetização vêm sendo meu principal foco,
discutindo – em minhas pesquisas – as políticas curriculares nacionais para alfa-
betização. Neste percurso, pude perceber que a alfabetização é temerosa: tanto
no âmbito da formulação de políticas, com uma grande quantidade de políticas
voltadas especificamente para alfabetização, quanto no âmbito escolar, onde são
poucos os professores – em minha vivência – que se dispunham a lecionar no
primeiro ano do Ensino Fundamental, embora se compreenda que a alfabetização
não é desenvolvida somente nesta série. As experiências que aqui relato, portan-
to, se dão permeadas por tais inquietações de pesquisa e que são atravessadas
pela minha vivência com as crianças.

Tais caminhos (ou descaminhos) me levam a compreensão do currículo e


da alfabetização em uma perspectiva discursiva, tal como pensado por autores
do campo do currículo (LOPES; MACEDO, 2011; FRANGELLA, 2016) e do campo
de alfabetização (SMOLKA, 1987), ao compreender que ambos os termos não
podem ser definidos de uma única forma e não estão dados a priori, mas estão
em constante produção e disputa, sendo um processo que articula diferentes
demandas e atores sociais que permeiam o âmbito escolar, o que mantém em
movimento a luta política pela produção de sentidos.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 150


Portanto, compreendo o currículo como prática discursiva, que não possui
significado fixo, mas é produzido na interseção de diferentes discursos sociais e
culturais, sempre envolto por relações de poder (LOPES E MACEDO, 2011, p. 41).
Neste jogo de poder, alguns sentidos para o currículo ganham maior legitimida-
de em detrimento de outros. Entretanto, diferentes sentidos estão sempre em
disputa, negociando espaços de significação para o que será entendido enquanto
currículo. Há sempre disputas por sentidos de escola, currículo, alfabetização,
dentre outras, que estarão em confronto com o sentido que se faz hegemônico.

(Des)caminhos...

O relato de experiência que aqui desenvolvo visa contribuir para pensar


a produção curricular e o processo de alfabetização como processos discursivos,
que são produzidos em diferentes contextos, sendo a escola um dos espaços pri-
vilegiados de sua produção.

Esta discussão de insere em uma perspectiva pós-estrutural, assumindo


uma postura desconstrutiva. Operar na desconstrução é assumir um sistema
aberto, que não se fecha em si mesmo e não pretende dar conta do real, reconhe-
cendo que não há um esgotamento das possibilidades. Há sempre outras formas
de relacionar-se com a realidade, tal como outras inúmeras compreensões para o
currículo e para a alfabetização.

Em uma perspectiva discursiva de alfabetização e de currículo, na qual me


ancoro, defende-se que a linguagem não é uma tecnologia de aprendizagem de
um sistema de escrita somente, mas um processo dialógico, mediado pela lin-
guagem e em interações discursivas (CORAIS, 20201; LOPES E MACEDO, 2011).
Me afasto, então, de uma concepção de alfabetização como processo meramente
técnico e metodológico, compreendendo que tal compreensão está em conso-
nância com a ideia de sujeito como receptor e reprodutor de práticas, ignorando-
-o como sujeito complexo e produtor de currículo.

Sendo assim, as experiências que aqui relato falam sobre o processo de

1
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=QAmODJZw6v0. Acesso em 25/02/2021.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 151


produção curricular e de alfabetização, que ocorre não apenas no espaço formal
da sala de aula, mas também fora dela e possui as crianças como principais ato-
res nesta produção.

“Você é uma professora de verdade”: queremos aprender sobre vida, esperança


e amor

Em tempos de bases, pactos e políticas nacionais que visam determinar o


que cada aluno deve aprender e, consequentemente o que os professores pre-
cisam ensinar, as experiências que aqui relato e trago para o debate não vão de
acordo com este propósito, mas muito me ensinaram sobre o fazer docente e o
processo de alfabetização infantil.

Estávamos em momento de reorganização curricular na instituição, com


vistas a “adequar o currículo à BNCC”, onde as discussões sobre “o que ensinar”
se faziam recorrentes. Tal esfera de decisão, que não ocorre no espaço da sala
de aula, não abre espaço de escuta com as crianças, que são consideradas como
receptores de um conjunto de competências, habilidades e conteúdos pré-deter-
minados. Compreendo que este modelo de organização dos espaços de decisão,
carregam consigo concepções de conhecimento e de currículo. Á medida que os
discentes não são convidados a participar destes espaços, estes são desconside-
rados enquanto produtores de conhecimento. Este conhecimento, por sua vez, é
tido como algo já pronto, que deve ser apenas reorganizado e, por conseguinte,
aplicado pelos professores. Ressalto, ainda, que o espaço em que eu pude viven-
ciar esta experiência, é um espaço de escuta ativa dos professores, que se tornam
principais atores nesse processo. Entretanto, esta não é a realidade de muitas
instituições escolares, em que os docentes não possuem um papel tão ativo, visto
que o próprio “Guia de implementação da BNCC” (BRASIL, 2018) incita que esta
etapa de organização seja gerida por “especialistas” que não são, necessariamen-
te, os professores que estão nas escolas.

Mobilizada por tais questões, resolvi fazer da minha sala de aula um es-
paço de escuta e trocar a pergunta “o que eu vou ensinar? ”, para “o que vocês
querem aprender?”. Assim, em conversa com os alunos da turma de 1º ano, resol-
vi perguntar o que eles gostariam de trabalhar naquele bimestre e as respostas,
das mais variadas possíveis, se fizeram surpreendentes.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 152


Neste contexto, os alunos citavam diversos temas como história do Brasil,
as cinco regiões do país, etc. Se a orientação curricular vigente fosse seguida à
risca, estes assuntos não seriam considerados para esta etapa escolar, uma vez
que ainda era uma turma de 1º ano do Ensino Fundamental.

No embalo das sugestões, um aluno afirmou que queria aprender sobre


vida, esperança e amor e recebeu todo o apoio do restante da turma, que se
mobilizou pela proposta. Muitos diálogos e atividades foram desenvolvidas em
torno destes temas, como a produção de uma “Caixa dos sentimentos” em que os
alunos escreviam o que estavam sentindo durante o dia – de forma anônima ou
não – e tirávamos um momento para a leitura e compartilhamento dos pequenos
desabafos, sendo este um momento de troca e apoio, propiciando aos alunos
que expressarem seus sentimentos. As atividades desenvolvidas em prol destas
pensando em “vida, esperança e amor” se desdobraram em assuntos outros, pro-
piciando até mesmo um diálogo sobre a violência contra a mulher.

Ainda com a mesma turma, minha primeira experiência como professora


alfabetizadora, em que muitos anseios, inseguranças e dedicação aos estudos se
dão, foi durante o intervalo de recreio, em que um funcionário da escola organi-
zou um campeonato de futebol entre turmas. Em sala, a turma se organizou para
decidir quem iria jogar e uma das alunas ficou com a função de ser a técnica do
time. Me pediram que eu ficasse assistindo ao jogo, para torcer por eles. Durante
a partida, Ana2 – a técnica – estava desolada e chorando, pois, seu time estava
perdendo o jogo. Me ofereci para ser técnica junto com a aluna, na tentativa não
desistisse de apoiar o time, ainda que o placar não estivesse favorável naquele
momento. Juntas, começamos a incentivar a equipe, quando Ana – novamente
entusiasmada – me falou: “Você é uma professora de verdade”.

Dentre tantas experiências e surpresas que o cotidiano escolar nos coloca,


escolho trazer aqui o breve relato dessas duas situações, onde consigo perceber
a aprendizagem para além do “ler, escrever e contar”. As crianças me ensinaram
que ser professor vai muito além de estudar e preparar aulas, é sobre se entre-
gar, vibrar, apoiar. Alfabetizar é falar sobre vida, esperança, amor e tantas outras
coisas, mas que tudo isso é produção curricular.

2
O nome foi trocado para preservar a identidade da aluna.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 153


Considerações Finais

Diante das experiências relatadas, tomo como produtiva a compreensão de


currículo e alfabetização em uma perspectiva discursiva, uma vez que o que os
alunos estavam se propondo a discutir não está previsto em nenhuma política
curricular para alfabetização, não é considerado um conhecimento a ser desen-
volvido com as crianças ou sequer é considerado como produção curricular.

Compreendo, assim, que há tantas experiências curriculares de alfabetiza-


ção que ocorrem no espaço escolar – e também fora dele – que não podem ser
organizadas em um documento curricular nacional que visa dar conta das de-
mandas de alfabetização do país. Tais políticas, ao definirem normas e diretrizes
sobre “o que a escola deve ensinar” desconsideram práticas e sujeitos que criam
currículo e alfabetização no cotidiano escolar. Ressalto que a escola é um espaço
de vida, de movimento, troca e criação, em que sujeitos estão a todo momento
produzindo conhecimentos e organizando os seus currículos.

É válido salientar que não me coloco de forma opositiva a toda e qualquer


política curricular, pois compreendo que determinadas políticas e organizações
prévias são necessárias para o funcionamento escolar. No entanto, tais políti-
cas devem ter como premissa uma educação democrática, considerando a escola
não como um espaço de implementação de uma política produzida por “espe-
cialistas”, mas como espaço de criação e produção constante. Assim, algumas
políticas – mais que outras – buscam cercear as possibilidades de tradução, ao
desconsiderar os atores sociais enquanto produtores de política e currículo em
seus cotidianos.

Defendo, ainda, que as discussões entre currículo e alfabetização não se


dão de formas dissociadas. A medida que uma política visa um sentido de alfa-
betização, mobiliza também um sentido de currículo e vice-versa. Compreendo
que currículo e alfabetização são ambos processos discursivos e, portanto, são
imprevisíveis, incalculáveis, ininterruptos e incontroláveis.

Portanto, reafirmo o questionamento de Macedo (2017) ao trazer:

Que tal deslocarmos o foco para essas tantas-coisas que vivemos


na escola e que não têm sido definidas como currículo pelas po-
líticas recentes e, por vezes, por nós mesmos, educadores? (p.20).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 154


Tendo em vista tais reflexões, cabe-nos colocar em questão as diferentes
políticas curriculares que visam definir o que é a alfabetização e como ela deve
ser desenvolvida por nós, professores, para pensarmos como alunos e professo-
res são produtores de currículo em seus cotidianos. Inspirada do questionamento
de Macedo (2017), proponho algumas inquietações: que tal trazermos o foco da
alfabetização da “decoreba” de letras, sílabas e fonemas e pensa-la de forma
viva? Que tal nos colocarmos mais como ouvintes das tantas-coisas que as crian-
ças querem nos dizer?

Referências

BRASIL, Ministério da Educação. Guia de Implementação da Base Nacional Co-


mum Curricular: Orientações para o processo de implementação da BNCC. Brasí-
lia: MEC, 2018.

FRANGELLA, Rita de Cássia Prazeres. Políticas de formação do alfabetizador e


produção de políticas curriculares: pactuando sentidos para formação, alfabe-
tização e currículo. Revista Práxis Educativa, Ponta Grossa/UEPG, v. 11, n. 1, p.
107-128, 2016.

LOPES, Alice Casimiro; MACEDO, Elizabeth Fernandes de. Teorias de Currículo.


São Paulo: Cortez, 2011.

MACEDO, Elizabeth Fernandes de. O currículo no portão da escola. In: Elizabeth


Macedo; Thiago Ranniery. (Orgs.). Currículo, sexualidade e ação docente. 1ed. Rio
de Janeiro: DP et alii, v. 1, p. 17-44, 2017.

SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A alfabetização como processo discursivo. 1987.


170f. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Edu-
cação, Campinas, SP.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 155


MEMÓRIAS AFETIVAS:
registros de histórias de vida e vozes na EJA

Bruna Vanessa Rodrigues Ramos


SME/RJ
e-mail: bvrodrigues2403@gmail.com

Os desafios da Alfabetização de Jovens e Adultos

Como modalidade da educação Básica, assegurada pela Lei de Diretrizes e


Bases da Educação N°9394/96 em seu artigo 37. A EJA está direcionada “àqueles
que não tiveram ou continuidade dos estudos nos ensinos fundamental e médio
na idade própria e constituirá instrumento para educação e aprendizagem ao
longo da vida”. (Brasil, 1996) Esta modalidade deve levar em consideração as
especificidades dos alunos e suas histórias de vida, muitas vezes marcadas pelo
trabalho precoce e por segregação social.

Os alunos da EJA são sujeitos inseridos em uma sociedade grafocêntrica,


(FERREIRO, 2007) onde participam em diferentes níveis de diversas práticas so-
ciais de leitura e escrita.

Deste modo um dos desafios da alfabetização na EJA é dar autonomia aos


alunos para atuarem nessas práticas com apropriação do sistema de escrita al-
fabética.

Sabemos que os alunos dessa modalidade compartilham e vivenciam dia-


riamente, experiências que envolvem conhecimentos sobre a leitura e escrita,
infelizmente apesar de ser este o discurso de prática ideal, tais conhecimentos
nem sempre servem como ponto de partida para o processo de tessitura do co-
nhecimento.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 156


Neste sentido, FREIRE (2015) esclarece que ensinar exige respeito aos sa-
beres dos educandos

Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou mais am-


plamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes dos
educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela,
mas também [...] discutir com os alunos a razão de ser alguns
desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Por não
aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas da
cidade descuidadas pelo poder público para discutir por exem-
plo a poluição dos riachos... (p.31)

Considerando as especificidades da Educação de Jovens e Adultos Freire,


(2015) nos conduz a refletir sobre a importância do cotidiano para a formação
do aluno como sujeito legítimo do seu aprendizado. É importante explorar e
valorizar os saberes e experiências dos alunos, mostrando-lhes a funcionalidade
dos conceitos que estão sendo trabalhados, para que estes tornem-se pontos de
interesse e impulsionem a curiosidade destes sujeitos.

Assim, a escola deve se preparar para o ensino de jovens e adultos, com


propostas significativas para o aluno, considerando que

[…] a leitura é uma atividade social cuja funcionalida-


de se evidencia e se propaga cada vez mais, mas que,
contraditoriamente, uma grande parcela da população
não aprende seu funcionamento porque a escola, como
lugar de ensino, acaba sendo extremamente seletiva.
(SMOLKA, 2008, p.15)

A prática e seus desdobramentos

A proposta de escrita sempre permeou minha prática docente, porém na


Educação de jovens e adultos tal sugestão encontra muita resistência dos alunos,
quase sempre por insegurança. O projeto de tessitura de um texto dos alunos,
contando suas memórias surgiu a partir de uma roda de conversa informal entre
eu (professora) e alunos da classe de alfabetização de adultos em que atuei em

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 157


2018. A atividade objetivou propor uma reflexão sobre as dificuldades encontra-
das pelos alunos ao produzir seus textos, e desencadeou processos que reaviva-
ram as memórias afetivas.

Congraçando com Paulo Freire, vivemos situações de aprendizagem que


promovem a interlocução entre os pares, que dá o direito à voz discente e de-
monstra uma prática comprometida com as questões sociais e políticas do nosso
tempo, quando ainda vemos obstinadamente se desvalorizar a educação do ser
oprimido em questão. Sentir-se valorizado em suas experiências o faz sentir-se
reconhecido e seguro em sua habilidade linguística, prestigiando os conhecimen-
tos adquiridos em suas experiências de vida.

Metodologia

A proposta de tecer os textos autobiográficos permitiu-nos transformar a


sala de aula em um lugar de interlocução, um espaço de reflexões sobre a reali-
dade de cada um. Por assim ter acontecido, almejo como pesquisadora da prática
docente em Educação de Jovens e Adultos, realizar uma abordagem qualitativa,
que permitisse analisar o processo de escrita dos alunos da EJA.

As categorias de análise sobre os textos produzidos, foram sendo gestadas


no processo, nas trocas efetivamente realizadas entre professora e alunos, a par-
tir das quais pudemos levantar critérios de qualidade dos textos discentes. O mo-
mento tão significativo de troca de experiências e de ressignificação de conceitos
que transpassam a vida dos jovens e dos adultos permite-nos aproximar-nos com
rigor para pensar o resultado.

Tínhamos o hábito de iniciar as aulas com uma roda de conversa informal,


em que costumávamos falar sobre diversos assuntos: situações cotidianas, pro-
blemas familiares ou algum acontecimento relevante do dia na sociedade. Não
havia roteiro, nem tempo determinado para a conversa, a conversa simplesmente
fluía. Não foi a primeira vez em que falamos sobre a origem de cada um, onde
nasceu? Onde cresceu?

Mas neste dia foi diferente das rodas anteriores, pois todos falaram um
pouco da sua infância, alguns com os olhos lacrimejando de saudade do que
haviam vivido ou deixado para trás. Neste dia, eu vi sentimentos e significados

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 158


naquela roda, foi forte o sentimento de pura escuta, eu não sentia coragem de
interromper os ricos e emocionados relatos. Para poder capturar melhor, de for-
ma visual, estes relatos, peguei um grande mapa do Brasil e o estendi no quadro
branco.

À medida que os alunos contavam suas histórias, íamos localizando os es-


tados de nascimento de cada um no mapa; e assim foram surgindo comentários
sobre a distância entre os estados, sobre semelhanças e diferenças culturais en-
tre as regiões, termos locais que foram sendo ensinados ali naquele instante uns
aos outros.

Por dentro do acontecimento desta aula, ressaltou-se muito sobre o tema


da cultura nacional, que simplesmente eclodiu, entre alunos e eu, mas que me
situou como aprendiz. Quando percebi, estava aprendendo com o que contavam,
numa aula que nem teria a aparência, estrutura de aula, sem que eu a enquadras-
se como “atividade” do meu planejamento.

Simplesmente, comecei a explorar ávida e livremente as informações que


ali eclodiam e explorar as memórias... E a memória, muito frequentemente, aca-
ba nos ligando a comidas, ou até à lembrança da sua falta em ocasiões da vida,
como foi relatado com tristeza por alguns, sobre os momentos difíceis em que
se utilizaram de diversas formas para driblar a fome. Ao mesmo tempo em que
ouvia e me emocionava com as histórias de vida dos alunos, minha cabeça fervi-
lhava, com a vontade de explorar tantas experiências dos discentes no processo
de tessitura de conhecimentos daquela turma.

Como no quesito comida, eu não tenho grande experiência como cozinhei-


ra, apenas sou apreciadora, decidi ir provocando nos alunos e alunas sua vontade
de contar, estimulando e autorizando-os à enunciação. Instiguei-os com várias
perguntas, verdadeiras perguntas, sobre os assuntos que abordamos, não per-
guntas, preparadas para eu tivesse a resposta esperada, afinal, era real o meu
interesse saber as respostas, pois não as conhecia.

Assim, germinava neles a euforia com a descoberta de que eu não detinha


todo o saber do mundo. Alunos e alunas relacionaram uma série de pratos típicos
e descreveram verbalmente os ingredientes e modos de fazer. Com a intenção
de explorar aqueles relatos, fui anotando no quadro o nome de cada prato e o
estado de origem.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 159


Para sistematizar toda aquela experiência que havia sido verbalizada, pedi
que recortassem alguma imagem que lhes remetesse às lembranças que foram
relatadas com tantos detalhes. Escolhidas as imagens, solicitei que registrassem
uma palavra, expressão ou frase que descrevesse a imagem. Como o assunto dis-
corrido em aula havia sido bastante inspirador, propus como atividade domiciliar
que na semana seguinte cada aluno trouxesse objetos, imagens ou fotografias
que representassem o seu lugar de origem.

Terminamos a noite com gosto de quero mais. O espaço para as enun-


ciações discentes havia sido efetivamente desabrochado. Bakhtin fundamenta a
concepção de interlocução e reponssividade sob o pilar da interação verbal (BA-
KHTIN/VOLOCHÍNOV, 2014). Compreendendo que “a palavra está sempre carrega-
da de um conteúdo ou de um sentido ideológico vivencial. (...) A língua no seu uso
prático é inseparável de seu conteúdo ideológico ou relativo a vida”. (BAKHTIN/
VOLOCHÍNOV, 2014, p.99).

Na aula seguinte, cada aluno apresentou seu material trazido e construí-


mos um alfabeto expositivo. Demos continuidade aos assuntos abordados e cada
aluno apresentou a imagem e a produção escrita à qual relacionou na primeira
aula em que havíamos falado mais aprofundadamente sobre as origens de cada
um, falando um pouco mais sobre a representatividade das figuras escolhidas
e da referida escrita. Em seguida, retomando as expressões regionais, pedi que
cada um registrasse expressões características do seu vocabulário regional com
trocas de informações entre os pares e mediação, e fomos criando um diversifi-
cado registro individual.

Ao compartilharmos, surgiram alguns comentários sobre os nomes de al-


guns alimentos que variam de uma região para outra, como aipim e macaxeira,
uniforme e farda dentre outros. Diante da variedade de termos, sugeri que os
organizássemos em um dicionário de “brasileirês”.

Fizemos uma lista coletiva com os termos e expressões que os alunos ha-
viam registrado e, com apoio do alfabeto criado, fomos organizando-as. Os signi-
ficados de cada verbete foram registrados no quadro pelo aluno que o relatou e
assim, construímos um rico dicionário.

Sabemos que os saberes construídos na EJA devem valorizar as fontes orais


como registro legítimo da história dos alunos, trouxe para aula as experiências

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 160


dos discentes. Trabalhamos no contorno do mapa do Brasil, onde fomos colando
as fotos ou imagens deles em seus lugares. Depois de tantas interlocuções, pre-
cisávamos registrar aqueles relatos.

A ideia de vivência, que conhecemos com Lev Vigotski, mostra-nos que


devemos compreender o meio como espaço de vivência e interseção, pois o que
é externo ao sujeito é por ele experienciado de um modo sempre individual e
específico. (VIGOTSKI, 2010).

E ouvi, dos alunos, que não poderiam fazer por que não sabiam escrever,
não sabiam como se expressar, que isso não daria certo. Retomei os nossos mo-
mentos de conversas e relembrei várias das narrativas apresentadas, mostrando-
-lhes o quanto teriam a contar.

Paulo Freire destaca que nas “condições de verdadeira aprendizagem os


educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da recons-
trução do saber ensinado, ao lado o educador, igualmente sujeito do processo”.
(2015, p. 28)

Mostrei-lhes algumas dicas para organização de ideias e, sentados em du-


plas ou trios, para que houvesse trocas de experiências, sugeri a eles um acordo:
registrariam suas histórias e eu prepararia um dos pratos típicos que apresenta-
ram. Mostrando-lhes que somos capazes de superar nossas dificuldades. Assim,
o desafio foi aceito.

As memórias foram registradas de maneira fomentadora e na data marcada


para as apresentações eu levei para nossa degustação um baião de dois. A an-
siedade era o sentimento que nos definia naquela noite. Os alunos, tensos pela
apresentação de suas histórias de vida e eu também, porque apresentaria o prato
pelo qual, meus dotes culinários seriam avaliados pelas alunas da turma, exímias
e experientes cozinheiras, algumas de profissão, outras não menos habilitadas,
donas de casa.

A noite das apresentações foi muito rica e emocionante. Realizamos ainda


durante o ano inúmeras atividades relacionadas àquelas experiências relatadas
na roda de conversa.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 161


Referências

BAKHTIN, Mikhail. (VOLOCHÍNOV). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas

fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad. Michel Lahud e

Yara Frateschi Vieira. 13 ed. São Paulo: Hucitec, 2014 [1929].

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB.9394/1996. BRA-


SIL. Acesso via site: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm em
10/05/2021 acesso em 15 de fevereiro de 2021

FERREIRO, Emília. Com todas as letras. 14ªed. São Paulo: Cortez, 2007.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa.


51 ed. Rio de Janeiro São Paulo: Paz &Terra, 2015

SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita: a alfabe-


tização como processo discursivo. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da
Universidade Estadual de Campinas, 1988

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 162


EIXO 3
CURRÍCULO, INCLUSÃO E AVALIAÇÃO DA
APRENDIZAGEM NA ALFABETIZAÇÃO

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 163


CURRÍCULO, INCLUSÃO E AVALIAÇÃO DA
APRENDIZAGEM NA ALFABETIZAÇÃO

Claudia Lino
Rede Municipal de Duque de Caxias

Ester Assumpção
Rede Municipal de Duque de Caxias

Miriam Abduche Kaiuca


Colégio de Aplicação da UFRJ

Nilza Moita
CEJA-SUCURSINHO 

Introduzindo o eixo temático

O presente estudo discute as relações/ações tecidas entre as conceituações


acadêmicas de Currículo, Inclusão e Avaliação e as práticas pedagógicas expe-
rienciadas no cotidiano escolar dos anos iniciais. Inicialmente buscamos trazer
alguns conceitos que podem contribuir na leitura apreciativa dos trabalhos apre-
sentados dentro deste eixo.

Consideramos currículo como “tudo que acontece na vida de uma criança,


na vida de seus pais e professor. Tudo que cerca o aluno, em todas as horas do
dia, constitui matéria para o currículo” (SPERB,1982, p.64). O processo de seleção
do conhecimento, parte integrante do currículo, precisa levar em conta as ne-
cessidades de quem estuda e a realidade em que se insere. Reorganizar o fazer
escolar, adaptando-o a partir de uma perspectiva histórica exige uma revisão dos
conhecimentos e das formas pelas quais estes são tratados, tomando cuidado
para que o currículo não se restrinja a um conjunto ou lista de conteúdos.

Para Rego (1982, p.64), falar em currículo implica em ir muito além do con-
teúdo a ser aprendido, “significa toda a vida escolar da criança, pois um programa

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 164


de ensino só se transforma em currículo após as experiências que a criança vive
em torno de si mesmo”. Tal conceituação, quando considerada, favorece uma
educação em uma perspectiva inclusiva. 

Entendendo a inclusão como uma forma de atribuição da variação, da dis-


seminação e da proliferação das “diferenças internas à própria coisa” (DELEUZE,
1998), defendemos que a sua relevância se dá pelo olhar atento às singularida-
des, ao fluir de forças, à transgressão. Um sistema de inclusão é determinado por
uma complexa articulação de diferenciações. O chamado processo de inclusão
escolar implica em acontecer nas linhas de um processo de atualização, rompen-
do com a semelhança como processo e com a identidade como princípio, sendo
necessário distintas formas de ensinagem.

Conceituando a avaliação como prática social, comprometida enquanto fer-


ramenta para a promoção de qualidade (LINO, 2014), nossos estudos chamam a
atenção para o uso que vem sendo feito deste conceito, de forma vertical, pontual,
centrada no produto e não nos processos de ensinar e aprender. Há que se obser-
var os perigos de assumirmos posicionamentos ideológicos em relação à avaliação
que não são próprios do projeto de escola democrática que delineamos em nossos
projetos pedagógicos, principalmente quando reduzimos seu conceito à um sinôni-
mo de apreciação, verificação e exame. Muitas vezes, trazemos no bojo de nossas
concepções, consensos históricos favoráveis à manutenção de uma sociedade ex-
cludente, individualista, meritocrática, discriminatória e injusta.

Uma construção teórica do campo da avaliação educacional também valo-


riza a leitura do contexto e a construção de significados mediados pela prática,
não como objeto de análise, mas como uma lente que nos possibilita compreen-
der e avaliar a qualidade do processo educativo. E isto não exclui a mensuração,
os aspectos quantitativos, no entanto, estes só farão sentido numa perspecti-
va informativa e formativa, oferecendo pistas para que intervenções ocorram.
As discussões de avaliação estão embasadas numa abrangência do horizonte de
uma racionalidade emancipatória, considerando a educação como espaço da crí-
tica histórico-política.  Os artigos trazem reflexões sobre  o significado da avalia-
ção, da gestão escolar e da qualidade da educação, com opções metodológicas
do processo avaliativo para a inclusão ou para a autonomização de seus partici-
pantes.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 165


É fato que fatores sociais, pessoais e familiares, influenciam direta ou in-
diretamente a sua vida escolar, afetando o desempenho escolar. Muitas vezes as
ferramentas utilizadas em sala de aula e as práticas pedagógicas remontam à
escola do século XVI. Que adaptações foram feitas no que diz respeito às ques-
tões de aprendizagem que levem em consideração o perfil da comunidade para
traçar um currículo que busque refletir as características socioculturais do meio
de origem de cada estudante?

Ao contrário do que as necessidades sinalizam, ainda podemos indicar


retrocessos, pelo menos na rede pública, como o destaque dado às avaliações
externas. Sofrendo influências educacionais tecnicistas oriundas da revolução
industrial, a educação brasileira necessita revisitar os conceitos de  currículo,
avaliação e inclusão, estabelecendo reflexão que favoreça a construção de práti-
cas democráticas e emancipatórias.

Um convite à leitura dos artigos

O primeiro artigo, de autoria de Gabriela Pereira Galdino e Andrea Sonia


Berenblum, tem como título “Experiências de um currículo inovador: as rodas
alfabetizadoras” e procura divulgar resultados de uma pesquisa realizada numa
turma do primeiro ano do ensino fundamental de um colégio universitário da
cidade do Rio de Janeiro. A partir da observação das práticas de alfabetização
que acontecem por meio de rodas de notícias e rodas de pesquisadores, a inves-
tigação revela que estas metodologias utilizadas junto aos estudantes no ensino
da linguagem oral e escrita, contribui positivamente na formação de alunos/as
críticos/as e autores/as do seu processo de aprendizagem. Neste sentido, segun-
do as autoras, a interação social propiciada pelas rodas, além de ser veículo para
a aquisição da leitura, da escrita e da oralidade, forma o/a aluno/a como pesqui-
sador/a crítico/a da sua realidade desde os anos iniciais do Ensino Fundamental.

“Influências da pedagogia do exame: impactos em tempos atuais e a neces-


sidade do processo de mudanças avaliativas na alfabetização” é o título do se-
gundo trabalho deste eixo, proposto por Jessica Machado de Sena e Silva. Neste
artigo, a autora busca refletir sobre a avaliação da aprendizagem, com foco no
ciclo de alfabetização, discutindo possibilidades outras para avaliar as aprendiza-
gens na fase da alfabetização, sem o uso de provas. A partir do questionamento

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 166


à chamada “pedagogia do exame”, a autora discute a avaliação como processo
formativo, aliada aos processos de ensino e aprendizagem e voltada à melhoria
das aprendizagens. Traz uma ênfase à necessidade de construção de uma lógica
outra, onde possamos rever nossas formas de pensar a escolarização, questio-
nando ideias cristalizadas que continuam contribuindo para que as permanências
nas escolas sejam tão desiguais e excludentes.

O terceiro trabalho, de autoria de Marta Patrícia Peixoto Duarte de Deco,


“A experiência da roda de leitura na alfabetização”, traz o relato de experiências
vivenciadas em uma turma de alfabetização no Colégio Pedro II - Tijuca I, no
desenvolvimento das rodas de leitura em uma turma de primeiro ano do ensino
fundamental. A autora discute a roda de leitura enquanto estratégia pedagógica
que se apresenta como espaço de múltiplas leituras, trocas de saberes e ações
coletivas, sem demarcações hierárquicas, o que viabiliza e potencializa a inter-
locução de leituras em sala de aula e a produção de sentidos, a fim de formar
leitores críticos. Na experiência da autora, leitores e livros dispostos em roda,
interagindo, produzindo e engajando-se numa experiência criativa onde as pa-
lavras circulam possibilitando a interlocução e a diversidade de sentidos, criam
possibilidades para além das supostamente esperadas.

O quarto artigo com o título ”Alfabetização como um caminho para a auto-


nomia na Educação de Jovens e Adultos” - EJA-  escrito por Aryel Silva de Arruda
e Bruna Peroba Loureiro,  graduandas em Pedagogia pela Universidade Estadual
do Rio de Janeiro - UERJ - visando a compreensão do entendimento de uma parte
do universo dos estudantes que estão inseridos numa sociedade grafocêntrica e
que exige habilidades e competências acerca da leitura e da escrita. Há o aponta-
mento da intenção em conhecer a realidade dos estudantes para articular a intro-
dução ao mundo letrado formal com a possibilidade deste instrumento torná-los
indivíduos autônomos na leitura de mundo. 

O texto “A diversidade linguística no contexto educacional brasileiro” é


o quinto trabalho trata do bilinguismo e da formação docente. Tem por obje-
tivo discutir e debater sobre a fundamentação das  justificativas e orientações
curriculares para a introdução, na formação do professor de língua materna, de
aspectos relacionados à diversidade linguística característica do sujeito migrante
não falante de língua portuguesa como língua materna. Defende a necessidade

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 167


de se incluir formação específica  que proporcione ao professor a capacidade de
reconhecer o sujeito escolar em condição de bilinguismo, suas demandas de for-
mação em língua portuguesa e de integração na sociedade brasileira. Visa indicar
a importância de ações pedagógicas que contemplem um ensino plurilinguístico
e pluricultural no Brasil, para provocar olhares pedagógicos  e ações didático-pe-
dagógicas numa perspectiva de dinamicidade e interrelação entre língua, cultura
e ensino-aprendizagem. .

O sexto trabalho tem por título “Transtorno do espectro autista e alfabetiza-


ção por meio de uma visão sistêmica”. Escrito por Márcia Lopes Leal Dantas, o texto
apresenta um estudo de caso, desenvolvido em uma escola municipal na cidade de
Rio de Janeiro seguindo o pressuposto teórico dos autores que tratam o pensamen-
to sistêmico e a abordagem conceitual do Transtorno do Espectro Autista.

“A aquisição da leitura e da escrita: um estudo de caso em escola pública de


Duque de Caxias sobre as tecnologias digitais e as habilidades de ler e escrever”,
é o sétimo artigo deste eixo. Nele, a autora apresenta atividades desenvolvidas
nas aulas de Informática Educativa e uma Sequência Didática, intitulada “A Me-
nina e seu laço”, com jogos digitais com foco na leitura e escrita. Por meio desta
experiência foi possível perceber que outras habilidades podem ser desenvolvi-
das, tais como recontar histórias, manifestar sentimentos, experiências e ideias
de forma clara e ordenada, solidariedade, colaboração, dentre outras. 

O oitavo texto intitulado “Cinema Negro e Educação Infantil: contribuição à


formação dos sujeitos”, discute a representação de realidades diversas e de pos-
sibilidades de criação de narrativas que favoreçam a dissolução de estereótipos
e estigmas e fomentem a valorização da criança negra. 

O último trabalho deste eixo tem por título “O desenvolvimento de oficinas


pedagógicas como metodologia de ensino na Educação de Jovens e Adultos”. O
texto compartilha a experiência da extensão universitária acerca do trabalho
metodológico utilizado no desenvolvimento de Oficinas Pedagógicas direciona-
das às turmas da modalidade EJA vinculadas ao Programa Integrado da UFRJ para
educação de Jovens e Adultos, em parceria com a rede municipal de educação do
Rio de Janeiro

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 168


Para não concluir

Nos dois últimos encontros estaduais do FEARJ, acontecidos em 2019 e


2020, este terceiro eixo foi o que mais recebeu propostas de trabalho, o que nos
leva a crer que os textos apresentados enredam em dar visibilidade de produções
pedagógicas que levaram a metodologias de ensino e aprendizagem com formas
diferentes, os quais, por sua vez, possibilitam situações de ambientes alfabe-
tizadores diferentes em contextos diversificados. Quando a prática docente se
articula com a mudanças nas atividades aliando teoriapraticateoria inicia-se um
processo de novas redes de aprendizagem e aumentam os níveis de realizações.  

O currículo não pode existir somente nas experiências das crianças, nem
somente nos livros de texto ou programas de estudo. Numa concepção democrá-
tica o currículo deveria incluir mais do que o conteúdo a ser aprendido. Através
dele buscamos ampliar os conhecimentos, melhorando a vida das pessoas e da
comunidade onde vivemos. 

Ao assumir o currículo numa perspectiva processual, propomos um modelo


de interpretação do mesmo como algo construído no cruzamento de influências e
campos de atividade diferenciados e inter- relacionados. Assim, identificamos os
diversos âmbitos que modelam o currículo: contexto exterior (influências sociais,
econômicas e culturais; regulações político-administrativas; produção de meios
didáticos; âmbito de elaboração do conhecimento); contexto do sistema educati-
vo (estrutura do sistema educativo do país); contexto organizativo (organização
escolar); contexto psicossocial (ambiente da escola e da sala de aula); contexto
didático (atividades de ensino-aprendizagem). Pressupõe, assim,  como condição
para sua consecução, uma forma de organização centrada no trabalho coletiviza-
do do corpo docente, sem o que dificilmente será possível a efetivação de alguma
proposta visando à formação de um profissional.

Uma das principais consequências das novas concepções sobre currículo


diz respeito à própria natureza das decisões curriculares a serem tomadas dis-
cutindo amplamente a natureza ideológica das decisões curriculares. Ou seja,
decidir sobre objetivos e conhecimentos curriculares significa tomar decisões de
valor, em que a essência do processo é o julgamento emitido por alguém, por um
grupo, uma instituição ou órgão governamental, advogando que tal poder deve
ser exercido por uma sociedade democrática como um todo.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 169


As constantes transformações socioeconômicas exigem  do currículo uma
constante adaptação em seus aspectos, culturais, políticos e sociais. A ausência
desta adaptação amplia a exclusão, pois embora na sala de aula uma grande par-
te dos agentes que nela atua desenvolva um trabalho consciente, a pressão  das
avaliações externas caminha na contra mão.

Em uma perspectiva que concebe a avaliação para além da aferição das


aprendizagens dos alunos, a avaliação emancipatória, defendida por Saul (2010),
tem como vertentes metodológicas a avaliação democrática, a crítica institucio-
nal e a criação coletiva. Neste processo, a participação é condição intrínseca à
prática da avaliação, em um movimento de conscientização. A conscientização,
portanto, passa a ser fundamental na constituição do compromisso histórico. A
autora complementa que:

nessa perspectiva, o processo de conscientização é a mola


mestra de uma pedagogia emancipadora em que os membros
de uma organização são tratados como seres autodetermina-
dos, isto é, sujeitos capazes de, criticamente, desenvolverem
suas próprias ações. (SAUL, 2010, p. 58).

O desenvolvimento das ações no processo de conscientização pressupõe


o diálogo que, para Freire (1987), “se impõe como caminho pelo qual os homens
ganham significação enquanto homens” (p. 45). A alteridade é desenvolvida em
um processo de comunicação e valorização da participação democrática das pes-
soas envolvidas no processo ensino-aprendizagem.

Para uma avaliação de qualidade há de se pensar e planejar na perspectiva de

uma ruptura epistemológica em relação ao que ocorre nos sis-


temas de ensino, público e privado, do ensino fundamental ao
universitário, uma tomada de consciência para a proposição
de linhas de ação que considerem uma intervenção social soli-
dária e que se ocupem da integração teoria/prática”. (CAPPEL-
LETTI, 2012, p.12)

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 170


Numa perspectiva de avaliação para diversas categorias de grupos de al-
fabetização, como crianças, jovens e adultos, foram apresentadas sugestões de
instrumentos diferenciados, com objetivos variados e atentos às especificidades
dos sujeitos envolvidos  sejam utilizados como leitura de textos, de avaliação de
produção de textos, propostas de atividade com gêneros de textos orais, segui-
das de roteiro para observação da oralidade e exemplo de instrumentos de ava-
liação de escrita de palavras. As atitudes dialético-críticas da avaliação propostas
têm como essência o diálogo, a práxis como processo, a participação como com-
pulsória e como finalidade a transformação social de relevância teórica e social.

Referências

CAPPELLETTI, I. F. Opções metodológicas em avaliação: saliências e relevâncias


nos processos decisórios. Roteiro, São Paulo: UNOESC, v. 37, n. 2, jul./dez. 2012.

DELEUZE, G. O Atual e o virtual. In: DELEUZE, G.; PARNET, C. Diálogos. São Paulo:
Escuta, 1998. p.173 - 179

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987

LINO, Claudia de Souza. Qualidade na escola e qualidade da escola: as repercus-


sões da cultura do exame em duas escolas públicas de Duque de Caxias. 130 f.
Duque de Caxias: Programa de Pós-Graduação em Educação Cultura e Comunica-
ção em Periferias Urbanas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, (Disser-
tação de Mestrado), 2014.

REGO, M.S. e outros. Ensinando a criança. In.: Reis, A e JOULLIÉ, V. Didática Geral
através de módulos instrucionais. Petrópolis, Vozes, 1982. P. 64

SAUL, A. M. Avaliação emancipatória: desafio à teoria e a prática de avaliação e


reformulação do currículo. São Paulo: Cortez, 8ª ed. 2010.

SPERB, D. Problemas gerais de currículo. In: Reis, A e JOULLIÉ, V. Didática Geral


através de módulos instrucionais.Petrópolis, Vozes, 1982. P.64

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 171


EXPERIÊNCIAS DE UM CURRÍCULO INOVADOR:
As rodas alfabetizadoras

Gabriela Pereira Galdino


Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
gabrielapereiragaldino@gmail.com

Andrea Sonia Berenblum


Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
andyblum@uol.com.br

Introdução

O presente trabalho apresenta algumas práticas de alfabetização desen-


volvidas numa turma de primeiro ano de Ensino Fundamental de uma escola pú-
blica1 de ensino. Na instituição pesquisada é através de práticas pedagógicas de-
nominadas Roda de Notícias e Roda de Pesquisadores que as docentes propõem
discussões às crianças do Ensino Fundamental, sobre diversos acontecimentos
da sociedade.

A partir das reflexões desenvolvidas por Ferreiro (2008) sabemos que a


escrita pode ser compreendida tanto como representação da linguagem, quanto
como código de transcrição dela. Assim, podemos afirmar que a concepção do/
da professor/a a respeito do que seja a escrita envolve consequências pedagógi-
cas importantes. Consideramos, então, com Ferreiro, que a concepção de escrita
como código de transcrição contribui para o desenvolvimento de práticas peda-
gógicas centradas na cópia, na repetição, na “prontidão”, já que a aprendizagem

1
O nome da instituição não será informado para a preservação da sua identidade.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 172


da escrita é concebida como a aquisição de uma técnica exterior ao sujeito que
aprende. Neste sentido, procuramos conhecer, compreender, desvendar as rela-
ções que se estabelecem entre as concepções de linguagem e de alfabetização
da professora responsável pela turma escolhida para nossa pesquisa e as práticas
alfabetizadoras propostas à turma por essa docente ao longo do período de tra-
balho de campo da nossa pesquisa.

Compreendemos que a adoção de quaisquer metodologias ou estratégias


de ensino adotadas em sala de aula indica o caminho que estamos optando por
seguir. Trataremos no decorrer do texto de metodologias e estratégias de alfabe-
tização que acontecem em uma escola pública da cidade do Rio de Janeiro. São
práticas que valorizam a oralidade, a leitura e a escrita em sala de aula, como
artefatos sociais, num ambiente de sala de aula que pareceria levar em conside-
ração permanentemente os usos que delas fazem os diversos grupos sociais.

Desenvolvimento

O projeto pedagógico dos primeiros anos do Ensino Fundamental da escola


pública pesquisada se estrutura a partir de estratégias que se sustentam na con-
cepção de leitura e de escrita como artefatos sociais e culturais, cujos sentidos e
usos são construídos pelos diversos grupos. A estratégia pedagógica implemen-
tada é denominada Roda de notícias, uma proposta curricular obrigatória ao longo
dos anos iniciais do Ensino Fundamental, que pretende favorecer o ensino da
alfabetização através do desenvolvimento da oralidade. A roda de notícias tem o
jornal (impresso ou online) como fonte de informação, sendo que os/as alunos/as
levam para as aulas acontecimentos da atualidade, acontecimentos que não têm
como ficar fora da escola.

A roda acontece semanalmente, às sextas-feiras, com uma hora e meia


de duração e é o momento de os/as estudantes apresentarem uma notícia. As
apresentações são organizadas seguindo a ordem alfabética, em dois dias de
trabalho. Os/as alunos/as sentam-se em círculo, um ao lado do/a outro/a, com a
visão de todo o grupo e com suas notícias nas mãos para apresentar. Cada um/
uma deles/as precisa preencher uma folha com o nome, a data de apresentação,
a fonte da notícia, a data da notícia, o título, a seção, explicar o que descobriu
com a notícia e, por fim, anexar o jornal ou a impressão na folha de atividade.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 173


A Roda de notícias pode ser definida com a palavra “intensidade”. É o mo-
mento de os/as alunos/as relacionarem o que acontece além dos muros da escola
com as informações e os conteúdos que aprendem no contexto escolar. Para
Rosa (1998, p. 185), utilizar o jornal em sala de aula é fundamental, “tanto para
saber o que está acontecendo por aí e estabelecer relações históricas, como para
favorecer o processo de aquisição da língua escrita e desenvolver estratégias de
leitura”. A grande estratégia da Roda é justamente incentivar a oralidade, a escri-
ta e a leitura em uma única atividade.

Roda: A vacina contra o Sarampo

Isis2
– Notícia: Campanha de vacinação contra o Sarampo. Fonte:
Jornal O Dia.

Professora – É do século passado sua notícia? Isis – 07/11

Professora – Gente, então é recente? Essa doença voltou? Pre-


cisamos ter consciência da importância da vacinação.

Isis – Minha mãe é agente de saúde.

Professora – Acho que a mãe da Isis queria botar a gente para


pensar sobre saúde hoje.

(A Roda continuou com perguntas e reflexões sobre Sarampo).

Entendemos a Roda então como atividade permanente da turma no proces-


so de alfabetização que coloca a criança o centro do processo ensino-aprendiza-
gem, assim como a atividade que possibilita o conhecimento pleno da professora
em relação às dificuldades e facilidades do/a aluno/a durante a construção da
leitura e escrita.

[...] pressupõe oralidade, leitura e escrita individual /coletiva


fundamentada na participação e aprendizagem de todos pelo
próprio grupo, uns pelos outros e por si mesmo de forma co-

2
Os nomes das crianças foram alterados para a preservação das suas identidades.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 174


laborativa, ou seja, para/por quem eu sou ouvinte, para/por
quem se dirige minha fala e para/por quem interajo por meio
dos meus registros, apontamentos e leituras propostas em
roda. (AXER & SASSON, 2019, p. 20).

Além da Roda de notícias o projeto de alfabetização da escola conta com a


Roda de Pesquisadores, que inicialmente propõe ao/à pesquisador/a escolher um
animal e desenhá-lo na folha de capa do bloco de pesquisa. Alguns/as alunos/as
optam por pesquisar animais que estão presentes no seu cotidiano, como gato ou
cachorro, e outros/as buscam animais como dinossauros, tucanos etc. No decor-
rer da pesquisa, percebemos que os/as alunos/as assumem um papel de defesa
dos animais e de busca por maiores conhecimentos. Sendo assim, a Roda tem um
papel fundamental na construção dos/das alunos/as como sujeitos que preser-
vam a natureza, com consciência do meio ambiente.

Após escolher o animal que será pesquisado o/a aluno/a deverá justificar
os motivos da escolha. Percebemos que a Roda possibilita ao/à aluno/a, ainda
no 1º ano do Ensino Fundamental, entender o que significa “justificar” e “argu-
mentar”. Exercitar tais práticas, já nessa etapa, permitirá aos/às estudantes uma
compreensão e um desempenho importante acerca da necessidade de escrever
textos com argumentação e autoria. Silva e Baião ressaltam que:

O papel pedagógico das rodas no ensino e na aprendizagem,


foi e continua sendo primordial para o fortalecimento dos
seus integrantes, que como seres sociais e cooperativos são
capazes de se desafiar, bem como propor e obter informações
sobre a aceitação do método pedagógico da roda. Os sujeitos
que vem experimentando essa prática estão experienciando
situações onde a importância do ato de compartilhar, se trata
de um instrumento capaz de desafiar o individualismo e for-
talecer valores humanos. Consideramos que ao propor essa
prática, estamos retificando a hipótese de que a interatividade
oferecida pelo método da roda, ao socializar ideias, produções,
problemas e soluções, seja capaz, além de provocar mudanças
no comportamento individual, possa também estimular cada
vez mais a aprendizagem de seus participantes. (Silva & Baião,
2014: 2).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 175


A dinâmica das Rodas se torna uma prática dialógica e podemos afirmar
isso ao presenciar no espaço da Roda ações como: escutar ao próximo, falar,
refletir e partilhar experiências. De certa forma, ao participar dessas ações as
crianças aprendem a concordar e discordar em diálogo crítico e participativo.
Acreditamos que a interação social propiciada pela Roda, além de ser veículo
para a aquisição da leitura, da escrita e da oralidade, forma o/a aluno/a como
pesquisador/a crítico/a da sua realidade já nos anos iniciais do Ensino Fundamen-
tal. Podemos afirmar após presenciar as atividades propostas e desenvolvidas
nas Rodas de notícias e nas Rodas de Pesquisadores que os/as alunos/as do 1º ano
da escola pesquisada apresentam práticas exitosas de leitura e de escrita, assim
como no desenvolvimento da oralidade e da prática da argumentação.

Considerações Finais

Entendemos que as práticas de alfabetização no colégio universitário par-


tem de uma concepção de educação emancipatória e dialógica. Com a pesquisa
concluímos que os/as alunos/as já dominavam a escrita e a leitura de forma
não convencional, mas em processo de construção e a estratégia pedagógica
(as Rodas) contribui na formação de alunos/as críticos/as e autores/as do seu
processo de aprendizagem. Compreendemos que o trabalho alfabetizador criati-
vo desenvolvido na instituição é resultado, não apenas, mas principalmente, de
investimento na formação docente, das suas condições de trabalho, da prática do
trabalho em equipe, da liberdade dos/das docentes na escolha de temas a serem
abordados nas turmas e das metodologias e atividades propostas, além da exis-
tência de um projeto pedagógico institucional crítico da pedagogia tradicional.

Desejamos que projetos de alfabetização como o apresentado aqui se ra-


mifiquem e se perpetuem em outras escolas públicas do Brasil. A escola pública
tem papel fundamental na construção de um país mais democrático, através da
formação crítica, criativa e emancipatória das nossas crianças. Nesse sentido, de-
fendemos a importância de estabelecermos parcerias promissoras entre os cur-
sos de formação de professores/as e a Escola Básica e de repensarmos de forma
aberta, coletiva, dialógica e colaborativa as características e as orientações da
formação das professoras e dos professores que nela atuam, em contextos espe-
cíficos e em conjunturas históricas, políticas e sociais determinadas.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 176


Referências

AXER, Bonnie & SASSON Crizan. “A roda como experiência curricular na alfabeti-
zação”. In: Revista Digital Formação em Diálogo, Rio de Janeiro, 2019.

FERREIRO, Emilia. Alfabetização em Processo. Cortez, São Paulo, 2008.

ROSA, Maria da Conceição de Carvalho. O que acontece por aí? A diversidade de


textos contidos no jornal. Um salto para o futuro: programa 25, 1998.

SILVA, Gisele; BAIÃO, Jonê Carla. “Roda de pesquisadores: uma proposta de inte-
ração entre conhecimento e a produção de sentidos”. In: IX Simpósio Educação e
Sociedade Contemporânea, Rio de Janeiro, 2014.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 177


INFLUÊNCIAS DA PEDAGOGIA DO EXAME:
impactos em tempos atuais e a necessidade do processo de
mudanças avaliativas na alfabetização

Jessica Machado de Sena e Silva


UER J
Jhondicliife@yahoo.Com

A avaliação está presente em nossas vidas em praticamente todos os mo-


mentos. Avaliamos e somos avaliados, de modo informal e sem a preocupação
de termos um resultado – gostos, atitudes, comportamentos, decisões, sabe-
res, saúde, dentre outros. Mas, como professoras, avaliamos os nossos alunos,
ou melhor, os seus processos de aprendizagens. Também somos avaliadas pelas
coordenações e direções das escolas. Ou seja, há muitos modos de conceber a
avaliação. Aqui, neste texto, quero refletir sobre a avaliação da aprendizagem,
com foco no ciclo de alfabetização. Mais especificamente, quero discutir possibi-
lidades para avaliar as aprendizagens na fase da alfabetização, sem o uso de pro-
vas. Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica aleatória, no site Scielo, a
partir de três palavras-chave: avaliação, exame, alfabetização.

Para início, quero propor as seguintes questões: por que avaliamos os/as
estudantes? Qual o sentido de avaliá-los/as? O quê e como avaliamos? Junto com
essas questões, quero afirmar que acredito que nunca houve (e não há) consenso
sobre avaliação. Ao contrário, a literatura nos mostra a presença de ideias dife-
rentes, muitas vezes, divergentes e, até mesmo, contraditórias.

Dentre essas diferentes ideias, a avaliação pode ser entendida como me-
dida, classificação, sinônimo de prova ou ‘instrumento’ a serviço da aprendiza-
gem. No primeiro caso, avaliação é expressa por um número, resultado de uma

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 178


medição. Pensar a avaliação como classificação implica em considerar exclusões.
Conceber avaliação como sinônimo de prova, em geral, conduz a acreditar que a
prova é o instrumento capaz de ‘medir’ com precisão a aprendizagem do aluno.
Esta ideia está fortemente vinculada ao que Luckesi (2002) chama de Pedagogia
do Exame. Já a ideia de avaliação articulada ao processo de aprendizagem e à
serviço da aprendizagem tem ganhado força nas discussões educacionais mais
recentes.

De acordo com Hoffmann (2008), a ideia de uma pedagogia centrada no


exame é marcada por rastros de períodos autoritários, centrada na autoridade do
professor, classificatória e excludente. Para a autora, enquanto o ensino perma-
necer centrado no professor, em critérios de avaliação pouco claros, que estimu-
lam a competição e a rotulação de alunos, pouco, ou quase nada, contribuirá para
a efetiva aprendizagem dos estudantes.

Hoffmann (1971) afirma que nos anos 1970 era forte a concepção de ava-
liação como verificação de resultado, vinculada à ideia de olhar apenas o que o
estudante acertou: ‘somam-se os pontos para atribuir uma nota ao aluno’. Uma
avaliação classificatória que não leva em conta o processo de desenvolvimento
de cada estudante. Uma avaliação pautada por padrões de aprendizagem que os
professores definem como ideais para cada nível de ensino. Um tipo de avaliação
que, segundo a autora, só serve para confirmar “a doença”.

Para Barriga, (2003, p.51-82) o exame e o modelo de atribuição de notas é


uma herança do século passado. O autor segue dizendo que uma das funções do
exame é determinar se o aluno pode ser promovido de uma série para outra e
legitimar o saber, dando a ele uma certificação.

Luckesi (2002) endossa que, no geral, o que as escolas chamam de avalia-


ção, na verdade, são exames. Isso ocorre devido a: (1) necessidade de coleta de
dados sobre o desempenho do educando, (2) crença na neutralidade dos números
e na medição por meio da prova e (3) vestígios da Pedagogia tradicional que con-
tribuíram para a ideia (equivocada) de avaliação como ato de medir. Para o autor,
o exame possui características próprias, que o diferem de um processo avaliativo.

O exame possui três características especificas: pontual, o que


importa é o presente não importando as competências que

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 179


precedem o exame. Classificatória: classificam o aluno de 0 a
10 (aprovados e reprovados), tem uma ficha, histórico escolar
e uma média de notas. Seletiva: por ser excludente e deixar de
fora uma parcela da população (LUCKESI, 2005, p. 30).

Para Fernandes a principal diferença entre exame e avaliação está no fato


de que

A avaliação tem de contribuir para o desenvolvimento de pro-


cessos complexos de pensamento, motivando os alunos para
a resolução de problemas e para a valorização de aspectos da
natureza socioafectiva e mais orientada para estratégias me-
tacognitivas utilizadas pelos alunos (FERNANDES, 2005, p. 7).

Para Luckesi,

Hoje não se usa mais o castigo físico na escola, como se usava


até meados do século XX, mas se usa um castigo mais sutil e
perverso: o psicológico. A avaliação da aprendizagem nas es-
colas tem exercido esse papel, por meio da ameaça (LUCKESI,
2002, p. 25)

A citação acima remete à experiência relatada por Ortigão et al (2019, p.


71) em uma atividade envolvendo estudantes do curso de Pedagogia da Universi-
dade do Estado do Rio de Janeiro. As alunas foram convidadas a falar sobre suas
experiências e sensações quando eram avaliadas nas escolas onde estudaram.
A maioria dos relatos apontou um certo negativismo com a avaliação: medo,
nervosismo, insegurança, ansiedade, baixa estima, pressão psicológica, trauma,
medição, classificação foram algumas das palavras

A década de 1980 é identificada por Luckesi (1998) como o período de


contraposição a essa forma de avaliar, ou de testar os estudantes. Diferentes pes-
quisadores passaram a adjetivar a avaliação e a enfatizar aquilo que deveria ser
levado em consideração no momento de avaliar a aprendizagem de estudantes.
Surge a ideia da avaliação formativa (como contraponto à avaliação somativa),
preocupada com o processo de aprendizagem e não apenas com o resultado.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 180


Mais recentemente, outras designações têm surgido, tais como: avalia-
ção autêntica, avaliação significativa, avaliação contextualizada, avaliação para as
aprendizagens. Para Fernandes (2008, p. 355),

Independentemente das características particulares de cada


uma, todas estas designações se referem a avaliações orien-
tadas para melhorar as aprendizagens, integradas no ensino,
na aprendizagem e contextualizadas e em que os alunos são
incentivados a participar.

Para o autor, as diferentes denominações surgem como alternativas a ava-


liações que dão ênfase à classificação e à seleção, aos resultados, à utilização
somativa dos resultados de testes ou à prestação de contas.

A avaliação na alfabetização

Construir uma avaliação formativa, diagnóstica e processual, pauta-se no


compromisso com a aprendizagem dos estudantes, independentemente, do seg-
mento escolar em que eles estudam. Formar, ensinar e avaliar exige do professor
um cuidadoso acompanhamento da aprendizagem. Especificamente, com relação
às avaliações, diversos autores têm alertado para a necessária revisão de práticas
que pouco se prestam à aprendizagem em prol de outras que valorizem as produ-
ções dos estudantes (SMOLE, 2013).

As produções escritas são instrumentos que permitem o acompanhamento


da aprendizagem dos estudantes. Para Hoffmann,

Testes, cadernos, textos, desenhos, anotações do professor


sobre o aluno são instrumentos que fazem parte do processo
avaliativo, assim com o termômetro, a radiografia, ou o pron-
tuário fazem parte do exame médico. Daí que não devemos
denominar um “teste de matemática” por “avaliação de mate-
mática”, ou um parecer sobre o aluno”, por “avaliação do alu-
no, pois significaria reduzir todo o processo, que é complexo

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 181


e multidimensional, aos seus instrumentos. […] Entretanto, só
há um jeito de elaborar melhores registros e tarefas avaliati-
vas: tendo clareza de sua finalidade, ou seja, fazendo o melhor
uso possível deles. (HOFFMANN, 2005, p.120)

Desta maneira, os instrumentos de avaliação são reveladores das concep-


ções de práticas alfabetizadoras e permitem uma análise mais abrangente e crí-
tica dos avanços e necessidades demonstrados pelos estudantes.

Smole (2013), recomenda que, em avaliação formativa precisa valorizar os


modos próprios dos estudantes. Pois, somente assim, um professor consegue sa-
ber como os estudantes respondem as questões de matemática a eles propostas.
Para a autora,

Didaticamente falando, como sabemos que a construção de


conceitos e procedimentos em matemática está relacionada
à atividade mental de quem aprende, consideramos que com-
preender as formas de representação que os alunos usam nas
aulas de matemática, em particular as representações gráficas
externas, nos permite perceber que significados eles atribuem
aos conceitos que aprendem e como realizam as atividades
matemáticas nas quais são envolvidos. (SMOLE, 2013, p. 51)

Em um processo formativo, a avaliação da aprendizagem dos alunos na


fase de alfabetização, ou até mesmo para aqueles que já estão no ensino fun-
damental, a avaliação não deve ser somativa. Ou seja, ela não deve classificar
ou buscar punir/premiar o desempenho dos estudantes. Mas, única e exclusiva-
mente, entender como anda o desenvolvimento – o que sabe e como o sabe o
estudante.  Acompanhar o desenvolvimento dos alunos é essencial para que o
professor possa ajudá-los no que for necessário ao seu desenvolvimento. Dessa
forma, avaliar é dialogar, questionar, ouvir, refletir em conjunto, compartilhar
conhecimento.

O desenvolvimento de um processo formativo está fortemente vinculado


ao trabalho interno das salas de aula, sob a mediação da professora, em cola-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 182


boração intensa com os estudantes. É um trabalho pedagógico em que diálogos,
trocas e escutas são centrais. Nesse tipo de avaliação, o ensino e a aprendizagem
são constituídos conjuntamente, pertencem ao mesmo processo e a avaliação
passa a ser formativa porque tem o compromisso de melhorar as aprendizagens
dos envolvidos – docentes e estudantes –, com vista a atender às necessidades
individuais e coletivas.

Em publicação recente, Fernandes (2019) afirma que a “avaliação formativa


está inexoravelmente associada à distribuição de feedback de elevada qualidade,
é de natureza contínua e tem como fundamental propósito ajudar os alunos a
aprender” (p. 157). Para o autor,

A avaliação somativa, ao contrário do que aconteceu durante


décadas, não está mais exclusivamente associada à atribuição
de classificações. Na verdade, a construção teórica permitiu
que ela pudesse ter uma utilização formativa e, nessas cir-
cunstâncias, pudesse estar igualmente ao serviço das aprendi-
zagens. Mas continua a ser através dela que se fazem pontos
de situação e balanços acerca das aprendizagens realizadas
pelos alunos para, a partir daí, se poderem formular evidências
passíveis de ser traduzidas por classificações que, neste con-
texto, terão uma importância cada vez mais residual na vida
pedagógica das escolas. Hoje, a avaliação somativa é desig-
nada como Avaliação das Aprendizagens. (FERNANDES, 2019,
p. 157).

Cuidados da avaliação na alfabetização

Um dos aspectos relevantes, quando se trata da alfabetização, é dar vi-


sibilidade ao letramento, tendo em conta que um não substitui o outro, mas
associam-se. Ortigão e Aguiar (2012) afirmam que palavra letramento tem sua
origem no cenário americano, vindo do inglês literacy. O termo passou a integrar
o discurso de especialistas das áreas de educação e linguística a partir de discus-
sões acerca das novas formas de compreender a leitura e a escrita como proces-
sos dinâmicos em contextos significativos da atividade social, contextualizados,
realizados em diferentes situações de uso e com finalidades diversas.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 183


Segundo Soares (1999, p 17-18), letramento

corresponde ao estado ou condição que assume aquele que


aprende a ler e escrever. Implícita nesse conceito está a ideia
de que a escrita traz consequências sociais, culturais, políticas,
econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social
em que seja introduzida, quer para o indivíduo que aprenda
a usá-la. Em outras palavras: do ponto de vista individual, o
aprender a ler e escrever - alfabetizar-se, deixar de ser analfa-
beto, tornar-se alfabetizado, adquirir a ‘tecnologia’ do ler e es-
crever e envolver-se nas práticas sociais de leitura e de escrita
- tem consequências sobre o indivíduo, e altera seu estado ou
condição em aspectos sociais, psíquicos, culturais, políticos,
cognitivos, linguísticos e até mesmo econômicos; do ponto de
vista social, a introdução da escrita em um grupo até então
ágrafo tem sobre esse grupo efeitos de natureza social, cultu-
ral, política, econômica, linguística. O ‘estado’ ou a ‘condição’
que o indivíduo ou grupo social passam a ter, sob o impacto
dessas mudanças, é que é designado por litteracy.

Alfabetizar articulado à ideia de letramento vai muito além da memoriza-


ção de palavras, é necessário entender realmente o que está sendo proposto e o
percurso individual de cada indivíduo.

O ouvir faz parte do respeitar os limites do educando. O questionar serve


para averiguar quais são essas limitações e posteriormente encontrar as possí-
veis causas. Refletir em conjunto faz parte do lema de que nenhum individuo de-
verá ser deixado para tráse por fim, o compartilhar do conhecimento nos remete
a saudável troca entre aluno de professor.

Partindo da ótica que temos diferentes maneiras de se avaliar na alfa-


betização, nos cabe refletirmos se a avaliação na alfabetização vem sido focada
na Pedagogia do Exame. Acredito que apesar de conquistas sociais na educação,
ainda não houve mudanças profundas que garantisse a formação e que o funda-
mental do currículo desenvolvido por não desatrelar os nós com o tradicionalis-
mo. O impacto acontecesse quando não se é quebrado o elo com o século XXVII,

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 184


por exemplo. E mais do que distinguir avaliações de exames é fortalecer a tese
de desuso da Pedagogia do Exame.

Obtenção de resultados

O estudo possibilitou perceber que a prática da Pedagogia com o foco final


no Exame provoca o aumento de problemas emocionais tendo início na educação
infantil, podendo ter continuidade na vida estudantil do educando. A diferença
de desenvolvimento entre outras práticas nas quais o aluno é protagonista do
seu conhecimento e processos de alfabetização, comparada a Pedagogia do Exa-
me. Tendo como positivo e testificando que devemos apoiar o desuso da Pedago-
gia do Exame e a marca dolorosa de uma nota como critério reparatório e nada
inclusivo. A relação da alfabetização com a Avaliação e áreas complementares
tais como: a Didática e Currículo.

Considerações finais

Conhecer algumas das características e consequências da avaliação cen-


trada no exame possibilitou perceber o quanto esse tipo de avaliação contribui
para confirmar as ‘doenças’, como diz Hoffmann (1971). Por outro lado, o encon-
tro com uma outra possibilidade de pensar a avaliação como um ‘instrumento’
associado à aprendizagem abre janelas para uma educação mais inclusiva e justa.
Buscar novas práticas avaliativas e por meio delas, problematizar os modos de
conceber o ensino e a aprendizagem e, com isso, provocar outras possibilidades
de pensar/conceber o processo educativo.

A avaliação como processo formativo, aliada aos processos de ensino e


aprendizagem, menos classificatória e eminentemente voltada à melhoria das
aprendizagens exige que se construa uma outra lógica, para que possamos rever
nossas formas de pensar a escolarização, questionar ideias cristalizadas que con-
tinuam contribuindo para que as permanências nas escolas sejam tão desiguais
e excludentes.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 185


Referências
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POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 186


A EXPERIÊNCIA DA RODA DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO

Marta Patrícia de Deco


CPII
martappd@gmail.com

Introdução

A formação de leitores tem adquirido, cada vez mais, destaque nos debates
educacionais. Políticas de livro e leitura produzidas pelo Ministério da Educação
(MEC), com a distribuição de obras de literatura, de pesquisa e referência para
as escolas públicas, como o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), e
projetos de formação de professores com ênfase no trabalho com a literatura,
como o Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), chamaram
a atenção de muitos docentes e fizeram com que a leitura literária estivesse e,
assim permaneça, presente no cotidiano de muitas salas de aula.

No entanto, é importante indagar sobre as práticas desenvolvidas com e


a partir da literatura. Muitas pesquisas mostram que, a forma mais comum en-
contrada nas escolas, é a didatização da leitura, ou seja, a utilização de livros
literários para ensinar determinados conteúdos, sendo a literatura pouco vivida
como arte (CORSINO, 2014), como experiência pessoal e coletiva, como produção
e compartilhamento de sentidos produzidos nos encontros entre os discursos
verbal e visual presentes nos livros. (PAULINO, 2005; SOARES, 2006; CORDEIRO
e FERNANDES, 2015; ALVES, 2016; dentre outros).

Dado o exposto, é imprescindível propor espaços de trabalho e experiências


com a literatura entre os professores dos anos iniciais e destes com seus alunos.
Os docentes precisam se constituir leitores e refletir sobre o lugar da leitura lite-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 187


rária em suas práticas pedagógicas, de modo a encontrarem ou re(encontrarem) o
seu caráter múltiplo enquanto produção de linguagem e expressividade humana.

O texto aqui desenvolvido tem o intuito de compartilhar reflexões sobre


as rodas de leitura no cotidiano de uma turma de alfabetização de uma escola
pública, no ano de 2019. Em diálogo com Freire (1994), Orlandi (2008), Goulart
(2015), Warschauer (2017), entre outros, apresento a proposta da roda de leitura
e análises das falas de alguns discentes no contexto das rodas como estratégia
potente, dialógica, responsiva e produtiva na formação de leitores.

Alfabetização: para ler e escrever é preciso fazer sentido!

O mestre Paulo Freire (1994), há muito, já discorria sobre a importância


do ato de ler e suas implicações para além da simples leitura da palavra; da mera
decodificação. Acreditando nessa perspectiva e na relação do sujeito leitor com o
mundo, compartilho minha opção por pedagogicamente utilizar a roda de leitura
enquanto estratégia potente na formação dos leitores e escritores de uma turma
de primeiro ano do ensino fundamental, de uma escola pública federal, na zona
Norte do Rio de Janeiro.

Creio na linguagem como espaço de poder e disputa, como “forma de inte-


ração” (GERALDI, 2006), como produção humana histórica, cultural, como prática
social da qual as crianças participam e se apropriam. É assim que me desafio a
viver o ensino da leitura e da escrita dos meus alunos; no “movimento enuncia-
tivo, discursivo” (SMOLKA, 2017, p.31). Logo, coloco-me a mediar o processo de
alfabetização mobilizando o desejo, construindo a vontade, explorando possíveis
sentidos de aprender a ler e a escrever dos discentes através dos eixos: oralidade,
leitura, escrita e análise linguística via interlocução, via escuta responsável, de-
tectando “os compromissos que se criam por meio da fala e as condições que devem
ser preenchidas por um falante para falar” (GERALDI, 2006, p.42) e produzir de
sentidos. Alfabetizar é, para mim, estimular o pensamento dos alunos; é oferecer
ferramentas e conhecimentos para que possam dizer, ler e escrever as palavras
que desejam.

Atento ainda para o fato de que, sob a minha perspectiva de professora


pesquisadora, o que assegura o processo de alfabetização é o sentido que se dá

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 188


ao que se almeja ler e escrever. Tal sentido se concretiza através da interação
com o outro, a partir do reconhecimento dos envolvidos enquanto produtores
desse processo, uma vez, que as falas destes e seus saberes são “legítimas expres-
sões sociais” possíveis de serem tomadas como objeto de estudo e desdobramen-
tos pedagógicos (GOULART e SOUZA, 2015, p.9).

Para ampliar teoricamente a questão da leitura, via faceta discursiva, trago


as proposições de Eni Orlandi (2008). Para ela o leitor não apreende meramente
um sentido que está lá; quem lê atribui sentido ao texto; interpreta, ou seja, “(...)
a leitura é produzida e se procura determinar o processo e as condições de sua pro-
dução” (2008, p.38). É o usuário da língua que atribui às palavras seus sentidos,
face às suas experiências.

Dessarte, o espaço da discursividade é de grande relevância no ato da lei-


tura, é o desencadeador da constituição e formulação de sentidos. Desse modo,
a prática pedagógica da roda de leitura se apresenta, enquanto momento de
interação verbal coletiva, extremamente significativa e produtiva, uma vez que
entendo esse aluno enquanto autor/produtor, enquanto sujeito histórico-social
que tem uma trajetória, saberes variados e é atravessado por suas experiências e
leituras. Sendo assim, “a criança age como protagonista na escola para ocupar pa-
péis de leitora, escritora, narradora, protagonista, autora, sendo interlocutora, alguém
que fala e assume seu dizer” (GOULART e SANTOS, 2017, p. 107).

É lendo que o leitor busca criar, de acordo com sua experiência de vida, a
compreensão do que leu. Logo, o sentido é criado na relação entre o leitor, sujei-
to de conhecimento, com o texto, objeto de conhecimento. Dessa forma, Freire
ratifica que não há passividade no processo de leitura e, sim, um diálogo, uma
experiência criativa, entre texto/autor e leitor, ou seja, uma relação dinâmica na
qual linguagem e realidade estão conectadas

(...) toda leitura da palavra pressupõe uma leitura anterior do


mundo, e toda leitura da palavra implica a volta sobre a leitura
no mundo, de tal maneira que ler mundo e palavra se consti-
tuam um movimento em que não há ruptura, em que você vai
e volta(FREIRE, 1994, p. 15).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 189


A roda de leitura: lendo e produzindo sentidos

A proposta de trabalho desenvolvida entorno da leitura literária, via roda


de leitura, na turma X, de primeiro ano do ensino fundamental do Colégio Pedro
II - campus Tijuca I, ao longo do ano de 2019, compreendeu o envolvimento,
inicial, da professora e das famílias dos estudantes. A parceria se deu para que
a docente explicasse a proposta da roda às famílias e a importância da parceria
delas no projeto. Depois, esta se ampliou envolvendo a professora, os alunos,
suas famílias e os livros.

No primeiro momento, a regente explicou o objetivo da proposta aos res-


ponsáveis através de uma reunião pedagógica; aproximar leitores e leituras e po-
tencializar o processo de alfabetização das crianças afirmando que só se aprende
a ler e a escrever lendo e escrevendo textos reais. Após, pediu a colaboração das
famílias na compra de dois livros literários de qualidade, selecionados por ela e
que não compunham o acervo da Sala de Leitura da escola, para que fizessem o
projeto Ciranda1 acontecer ao longo do ano. No tocante à qualidade literária, é
muito relevante destacar que a escolha se originou a partir de quatro critérios
apresentados por Andrade e Corsino (2014, p.80) a saber: elaboração da lingua-
gem literária, a pertinência temática, a ilustração (o diálogo entre o verbal e o
não verbal numa dimensão polifônica) e o projeto gráfico.

Após a divulgação da lista, a mãe representante da turma se ofereceu para


fazer uma única compra e dividir o valor entre os que pudessem colaborar. Assim,
após três semanas da reunião explicativa, os quarenta livros chegaram.

Paralelamente, a professora explicou o projeto às crianças as motivando


para a experiência que compartilhariam em breve. Pontuou que a Ciranda acon-
teceria toda quarta-feira, dia que passavam mais tempo com ela, mas que a es-
colha do livro se daria na sexta-feira anterior, para que levassem a obra escolhi-
da para casa, lessem em família, conversassem sobre a leitura e trouxessem os
sentidos; as impressões da leitura produzida para trocar na roda. Sendo assim,

1
A palavra Ciranda aparece aqui como nomenclatura do projeto que a equipe docente de primeiro
ano, formada naquele ano, elegeu, de forma coletiva, para fazer o movimento da roda de leitura.
Contudo, o desdobramento prático de cada docente seguiu um ritmo distinto conforme suas con-
cepções de leitura literária e formação do leitor, entre outras.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 190


às sextas-feiras, no início da aula, em roda, a professora lia um livro do projeto
ou parte dele, abria um momento para o diálogo e, posteriormente, mobilizava o
grupo a escolher uma obra para levar e ler em casa, sob mediação da família. A
fim de melhor organizar as apresentações dos alunos, na semana seguinte, e pos-
sibilitar a participação de todos, ela fez uma escala na qual a cada quarta-feira
três alunos apresentavam suas leituras.

Segue um trecho oriundo do caderno de registros da professora da turma


que mostra uma parte da experiência da roda e a produção/negociação de senti-
dos que esta possibilitava a cada encontro.

Antes da roda de leitura...2


(...)

A1- Tia, é hoje que vou falar do livro?

P- Sim, na hora da Ciranda! Olha lá no quadro, depois do re-


creio!

A1- Levei o livro que o A2 levou da outra vez, olha aqui... Que-
ro contar uma coisa que descobri!

P - Então, vamos fazer a Ciranda agora, turma?

O diálogo tecido entre professor e aluno foi curto, mas revela a vontade
e o desejo do estudante em contar algo que o mobilizou via leitura de um livro,
algo que descobriu, que fez sentido para ele a partir de suas experiências. Ele
tem ânsia de revelar sua descoberta, de ser o leitor-guia e de estabelecer inter-
locução. Eis a essência da roda de leitura: uma experiência participativa, onde é
possível falar de si, das experiências de leitura, dos sentidos elaborados e ouvir
o outro e assim estabelecer um diálogo (WARSCHAUER, 2017).

A professora Orlandi sinaliza que, no plano discursivo, “tomar a palavra

2
Parte de uma conversa entre a professora (P) e o aluno 1 (A1) antes da roda de leitura, numa tur-
ma de primeiro ano dos anos iniciais, no CPII – campus Tijuca I. Registro encontrado no caderno
de registros da docente da classe, em outubro de 2019.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 191


é um ato social com todas as suas implicações: conflitos, reconhecimentos, re-
lações de poder, constituição de identidades etc.” (ORLANDI, 2008, p.17). Assim,
considera que o trabalho com a leitura, no âmbito escolar, não deve se restringir
ao seu caráter mais técnico, ao tratamento da leitura apenas em termos de estra-
tégias pedagógicas imediatistas, mas que tenham sim uma importante função no
trabalho intelectual geral, valorizando os aspectos fundamentais que atestam a
história das relações com o conhecimento tal como ele se dá na sociedade.

Nessa perspectiva, segue mais uma parte da conversa, agora, na roda. To-
dos se acomodaram no centro da sala em círculo, vinte e um leitores, vinte alu-
nos e uma professora. Alunos com os livros que tinham levado nas mãos, abrindo,
remexendo, mostrando algo pontual para os mais próximos...

P- Já que decidimos adiantar a Ciranda, começamos agora, pa-


ramos para o recreio e retornamos para a roda, tudo bem?

T- Sim.

A1- Posso começar? (Aluno que chamou a professora no come-


ço da aula!)

P- Quem são os alunos que compartilharão suas leituras co-


nosco hoje?

A1- Eu, A2 e A3. (Respondeu prontamente e ansiosamente A1.)

A2- Também quero começar!

A4- Tia, pode fazer pedra, papel e tesoura?

A5- Não!!!! Vai Bola de fogo que mata geral!!! (Todos rindo!!)

P- Beleza, turma! Mas então, qual brincadeira de tirar vamos


escolher? Semana passada foi qual?

Depois da votação...

A2- Eu levei o livro O direito do pequeno leitor, é muito bom! Eu


recomendo que vocês levem também!

P- Por quê, A2?

A2- É muito legal, fácil de ler... li tudo sozinha! Vocês conse-


guem também!

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 192


(...)

A1- Eu levei o livro Chapéu, de Paulo Rope, é isso tia?

P- Hum... um autor de fora, Paul Hoppe! Você leu algo sobre


ele no livro? Sabe de onde ele é?

A1- Minha mãe disse que ele é chique, é de Nova Iorque.

A5- Isso fica onde, tia? Fora de onde?

A6- Fica fora do Brasil, outro país, A5! Meu pai já foi lá!

P- A1, vamos ler no livro se ele é de Nova Iorque mesmo?!


Também não sei.

A1- Aqui, tia já achei!! Lê pra mim?

(...)

A6- Ele já foi em vários países... Eu nunca viajei para fora...

(...)

A1- Tia, eu vi que no título tem duas palavras escondidas!!!


Tira PÉU, tem “CHÁ”. E tirando o “chá” e o “u” do final tem “PÉ”.
(Fez a explicação com o livro no chão, usou as mãos para tam-
par e mostrar suas descobertas!)

A7- Se tirar o H, o A, e o P, tem outra palavra escondida, o CÉU.

A1- Mas chá e pé não têm nada a ver com a história! Esse me-
nino aqui, achou um chapéu, tipo de Woody, do Toy Story e quis
levar para casa... Se você quiser saber o que aconteceu, é só
levar o livro para ler. Alguém vai querer?

As falas apresentadas mostram, um pouco, as formas peculiares das crian-


ças desse grupo significar o que estão lendo. Como o discurso oral delas, as ex-
periências e os sentidos produzidos animam e potencializam o encontro.

A palavra chapéu, título do livro, despertou a atenção do aluno 1 para ler


o que estava escondido dentro dela, logo, usou sua capacidade de percepção,
de associação, típicos de análises linguísticas vividas ao longo do ensino da lin-
guagem escrita. Ele assumiu, inicialmente, um papel de detetive de palavras,
e motivou seus amigos para tal busca, também. A palavra rodou, outro aluno

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 193


conduziu, compartilhou sua leitura/sua descoberta. Após, colocou-se a falar da
história do menino e o chapéu encontrado, fez uma associação com o chapéu do
personagem Woody, famoso no cenário midiático, e despertou a atenção da clas-
se convidando a todos para a ler, também, aquele livro.

A Ciranda, possibilitando a reunião de leitores com histórias de vida di-


ferentes e maneiras próprias de pensar e sentir, uma roda permeada de falas/
diálogos que podem ou não obedecer a uma mesma lógica. Enfim, um encontro
atravessado pelos diferentes significados que um livro e suas palavras/imagens
podem despertar em cada participante. Estar em círculo, com um livro, uma leitu-
ra, é gerar movimento que induz e conduz à produção de conhecimento – não de
um conhecimento qualquer, mas daquele que se registra, se elabora, se alicerça,
se amplia e se reconstrói dentro da coletividade (WARSCHAUER, 2017).

Não obstante, Orlandi (2008) pontua que as escolas precisam trabalhar


com a leitura superando o reducionismo do sentido único, da leitura legítima da
classe dominante. Sinaliza que os tempos mudaram e assim se deve promover
estratégias que permitam aos alunos trabalharem com suas próprias histórias de
leituras (história marcada pelo lugar social do leitor e suas vivências), bem como
a história dos textos (intertextualidade) e a história da sua relação com a escola
e com o conhecimento legítimo, se afastando da mera decodificação.

Compactuo com as considerações desta pesquisadora e percebo que o tra-


balho de leitura, via roda de leitura, se aproxima da produção de sentidos. A roda
é um espaço de encontro, interlocução, troca, diálogo, construção, expressão,
acolhimento, articulação de conhecimentos. Essa proposta pressupõe oralidade,
leitura e escrita individual e coletiva amparada na participação e aprendizagem
de forma colaborativa, isto é, ora me coloco enquanto leitor-guia, ora enquanto
interlocutor, ora enquanto mediador das leituras propostas em roda.

Considerações finais

A roda de leitura faz diferença na forma de lidar com o ato de ler. Ela abre
“espaços para que a leitura possa ser reescrita como prática de liberdade” (AN-
DRADE e CORSINO, 2014, p.89), viabiliza diferentes leituras, mobiliza sujeitos e
seus conhecimentos, provoca sensibilização, desenvolve a criticidade, o pensa-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 194


mento, a autonomia, a criatividade e a aprendizagem. Ela suscita o que é para
mim o princípio de uma partilha democrática de saberes: o encontro. O encontro
de vinte e um leitores que convivem num mesmo espaço/tempo. O olhar para o
outro no círculo, o se colocar, o ouvir, o falar, o respeito e a magia dos sonhos
despertado, também, através das leituras e seus sentidos.

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POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 195


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POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 196


A ALFABETIZAÇÃO COMO UM CAMINHO PARA A AUTONOMIA
NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Aryel Silva de Arruda


UERJ
Graduanda em Pedagogia. arrudaaryel@gmail.com

Bruna Peroba Loureiro


UERJ
Graduanda em Pedagogia. loureiro_bruna@yahoo.com.br

Introdução

O presente trabalho tem por objetivo realizar uma análise a respeito de


como o processo de Alfabetização e Letramento acompanham e possibilitam a
autonomia dos sujeitos pertencentes à classe das séries iniciais da Educação de
Jovens e Adultos (EJA). Logo, buscamos compreender o quanto a leitura da pa-
lavra e de mundo possibilitam a eles uma legitimação neste universo, que é o
da leitura e da escrita. Segundo Godoy e Senna (2011), a Alfabetização localiza
de forma central a construção e o uso da língua escrita, e o Letramento busca
promover, através de habilidades de escrita, uma relação com o domínio cultural
representando um conceito para o sujeito. O indivíduo, antes de ir aos bancos
escolares faz uso participativo de saberes prévios ao elaborar estratégias para
viver em sociedade. Por isso, é necessário que o Letramento esteja atrelado a um
processo de Alfabetização significativo e que os saberes estejam no círculo social
da realidade do educando.  

Todavia, o trabalho não tem o caráter de fazer uma avaliação do exercí-


cio da prática docente no cotidiano escolar. Em contrapartida, visamos entender
o significado e os sentidos atribuídos pelos educandos na busca constante em

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 197


interpretar e ler o mundo em que trabalha, estuda e vive fazendo com que ele
se sinta um sujeito autônomo pertencente à sociedade letrada. Portanto, esta
pesquisa financiada pela CAPES e que faz parte do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) em parceria com a Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ) e escolas públicas retrata a nossa atuação enquanto
bolsistas de Pedagogia em uma escola da rede municipal do Rio de Janeiro com
os estudantes da classe de Alfabetização na EJA. Assim, buscamos compreender
o processo de elaboração, apropriação e construção de saberes acerca da leitura
e da escrita em Língua Portuguesa.

Metodologia

A pesquisa realizada na Escola Municipal Professor Lourenço Filho, loca-


lizada no bairro do Grajaú, na Zona Norte do Rio de Janeiro, no âmbito das ati-
vidades realizadas no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
(PIBID). A turma pesquisada é da classe de Alfabetização, do bloco I PEJA I, na
modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA), constituída por 26 estudan-
tes, sendo 16 mulheres e 10 homens, na faixa etária entre 16 anos e 72 anos. 

A metodologia da pesquisa é de caráter qualitativo, que com base em Mo-


reira (2002), visa interpretar um grupo sobre a perspectiva de seus participantes,
sendo os estudos sempre subjetivos, havendo relação direta entre o contexto em
análise e o comportamento das pessoas. Utilizamos a abordagem etnográfica,
que na área educacional tem sua atenção voltada para a relação entre o ambien-
te escolar e ao que acontece fora dela de forma paralela (OLIVEIRA, 2009). A pes-
quisa iniciou-se em setembro de 2018, e além da observação das aulas, utilizou
de 10 entrevistas semiestruturadas realizadas em 2019 com os estudantes que
ingressaram no ano anterior e permaneceram frequentando a classe, assim como
os que foram recentemente nela matriculados. Na transcrição das entrevistas
utilizou-se do recurso de nomes fictícios com o intuito de preservar a identidade
dos (as) alunos (as). 

Desenvolvimento

Ao considerarmos que os (as) educandos (as) estão inseridos numa socie-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 198


dade letrada, precisamos destacar que estes sujeitos fazem a “leitura” do mundo
o qual pertencem mesmo não sendo alfabetizados. Ao longo do processo de
investigação uma estudante expõe não compreender um boleto de cobrança que
chega à sua casa e revela que não sabe decodificar as palavras em sons e atribuir
sentidos àquele texto. No entanto, percebemos sua capacidade de identificar o
papel e classificá-lo. Pela perspectiva freiriana, ela “lê” a realidade a sua volta.
Sendo assim, procuramos ouvir os/as estudantes para compreender como lida-
vam em determinadas situações que demandavam o conhecimento da leitura e
escrita antes de iniciarem o processo de alfabetização na escola.

O primeiro sentimento identificado entre os estudantes entrevistados é o


de dependência. Todos os relatos citam a necessidade de pedir auxílio a terceiros
para ler ou escrever nas tarefas cotidianas. Quando há a necessidade de ajuda de
pessoas que não são da família ou do convívio próximo, grande parte dos (as) alu-
nos (as) sentem vergonha dessa condição de dependência. Os sujeitos precisam
contar com a solidariedade dos alfabetizados, pois nem sempre são compreen-
didos quando solicitam amparo para a leitura. Todavia, “às vezes não entendem,
acham que é mentira e que já está abusando demais, mas a gente não tá abusan-
do demais, está pedindo ajuda porque não sabe”, expõe Clarisse. Como se trata
de um conhecimento básico para a vivência e participação em sociedade, na
perspectiva dos alfabetizados é comum pensar que todos os cidadãos dominem
essa prática. A partir disso, destacamos que, diariamente, os não alfabetizados
são desprezados pela sociedade. 

A condição de não conseguir traduzir e compreender o código alfabético


faz os (as) alunos (as) entrevistados (as) antes de iniciarem o processo de alfa-
betização, sentirem-se com algo em que eles classificariam como uma deficiên-
cia física, a cegueira, mesmo estando em contato diário com as palavras. Desse
modo, a alfabetização funciona, segundo a perspectiva deles, como uma lente
de óculos, na qual permite “enxergar” o que antes não era possível. Entretanto,
Freire (2005) entende que pensar dessa forma sobre o não alfabetizado está atre-
lado a uma postura ingênua e contrapõe não só a essas ideias, como também ao:

“[...] caráter mágico emprestado à palavra escrita, vista ou


concebida quase como uma palavra salvadora, é uma delas.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 199


O analfabeto, porque não a tem, é um “homem perdido”, cego,
quase fora da realidade. É preciso, pois, salvá-lo, e sua salva-
ção está em passivamente receber a palavra – uma espécie de
amuleto – que a “parte melhor” do mundo lhe oferece bene-
volente. Daí que o papel do analfabeto não seja o de sujeito de
sua própria alfabetização, mas o de paciente que se submete
docilmente a um processo em que não tem ingerência.” (FREI-
RE, 2005, p.28- 29)

Diante disso, buscamos quais foram os fatores motivacionais para os (as)


educandos (as), jovens, adultos e idosos a se matricularem numa escola formal,
para desenvolver e aprimorar o processo de Alfabetização. O discurso que pre-
valece dos (as) estudantes é a necessidade de sair da condição de dependência.
Nesse contexto, ouvimos os entrevistados relatarem a vontade de utilizar um
celular, dedicar-se aos estudos religiosos. Por sua vez, outros relataram que o
estímulo veio com a recomendação de uma pessoa da família, após ser julgado
de incapaz de aprender a ler e a escrever por ser considerado velho, e por último
alguns destacam o trabalho na busca por ter um emprego melhor ou seguir uma
carreira profissional. 

Sejam crianças, jovens e adultos é preciso que o docente assuma o com-


promisso de alfabetizá-los e de atuar em sua educação, a fim de que eles possam
construir a leitura de mundo e da palavra a partir do movimento de significação
da alfabetização no contexto escolar. Portanto, percebemos que a escuta sensí-
vel foi uma peça fundamental na elaboração deste trabalho de forma a ampliar
nossos conhecimentos sobre as significações atribuídas a Alfabetização e que
permitem aos indivíduos estudados o desenvolvimento de sua autonomia en-
quanto seres sociais. Nossos educandos possuem muitas expectativas quando o
assunto é aprender a ler e a escrever. Em nossas entrevistas, tivemos a oportu-
nidade de conhecer as suas realidades, suas histórias e os sentidos atribuídos a
esse conhecimento conquistado. 

A aluna Verônica relata que sua vida mudará de maneira significativa quan-
do ela aprender a ler e a escrever, porque segundo ela depender da ajuda de des-
conhecidos é difícil, pois alguns ajudam de bom ânimo, enquanto outros acham
que é abuso de sua parte. O aluno Pedro, diz que a Alfabetização possibilitará

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 200


a conquista de obter a carteira nacional de habilitação, dessa forma podendo
dirigir. O aluno Caio demonstra um sentimento de perda, quando nos diz: “O que
eu posso fazer? Recuperei o que eu deixei para trás, de ser alguém na vida, de
não ser um porteiro - nada contra porteiro -, mas eu podia ter um serviço me-
lhor.” O discurso da aluna Bárbara: “Eu só falei em casa que ia começar a estudar
no primeiro dia de aula, enquanto me arrumava, mas o meu marido não gostou
muito da ideia. Ele me chamava de burra, falava que não era para eu ir à escola,
porque tinha que ficar em casa limpando e cozinhando. Eu respondi que tinha
mais educação que ele, pois mesmo não sabendo ler e escrever eu não tratava
as pessoas assim. Além disso, eu sei chegar aos lugares, não sou tão burra não.”
Bárbara relatou que seu pai também a impediu de ir à escola na infância. Ela ain-
da complementa que: “Podia existir a lei de hoje, há 40 anos para eu poder estu-
dar”. Essa questão referente ao passado e as expectativas com relação ao futuro
estão presentes no cotidiano da história de vida desses educandos e que fazem
parte do processo de Alfabetização. Essas diferentes perspectivas se apresentam
enquanto movimento de resistência e persistência de querer permanecer indo à
escola, estudando e construindo conhecimento. 

Em outro aspecto, nossos estudantes dizem que precisam aprender a ler


e a escrever para ser alguém na vida. Logo, eles não se consideram indivíduos
atuantes na sociedade e talvez nem os seus “saberes socialmente construídos
na prática comunitária” (FREIRE, 2016), sejam levados em consideração por eles
mesmos. É inquietante perceber que esses sujeitos não se reconhecem como se-
res que existem e que precisam da legitimação através do processo da leitura e
da escrita para se reconhecerem cidadãos.  

Considerações finais

A atribuição de sentidos que os estudantes dão a Alfabetização nos faz


refletir sobre a importância da Alfabetização e do Letramento para os sujeitos
pesquisados e o quanto a inserção no espaço escolar pode auxiliar sua auto-
nomia, participação e legitimação na sociedade que tem o domínio da cultura
letrada. Inicialmente, os estudantes apresentaram a ideia de que eram “cegos”
e encontram-se em processo de elaboração e construção da leitura e da escrita.
Alguns relatam que querem aprender a ler e a escrever pelo simples ato de ter

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 201


esse conhecimento marcado em sua história, outros acrescentam que desejam
saber localizar as ruas da cidade em que vivem, deixar de ser dependentes de ter-
ceiros e/ou se inserir no mercado de trabalho. Nas entrevistas constatamos que
os educandos percebem o crescimento obtido com as atividades realizadas nesse
percurso de chegada à escola, inclusive percebem a evolução da sua autonomia
nas ações cotidianas. 

Portanto, é necessário que o educador tenha o compromisso ético de com-


preender quem é o estudante da EJA, para que esse caminho de construção do
conhecimento por parte dos sujeitos tenha significado e possibilite a autonomia
desses indivíduos. Estes sujeitos com particularidades e subjetividades compõem
uma diversidade sócio cultural no espaço escolar. Ao pensar neste trabalho con-
seguimos compreender que o processo de elaboração da leitura e da escrita é
significativo e produz sentidos às suas vidas e às nossas, enquanto participantes
do PIBID e estudantes de Licenciatura em Pedagogia. 

Referências

FREIRE, PAULO, 1921 – 1997. A importância do ato de ler: em três artigos que se
complementam / Paulo Freire. – 46ª. Ed. – São Paulo, Cortez, 2005.

FREIRE, PAULO. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educati-


va / Paulo Freire 54ª ed – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016.

GODOY, E; SENNA, L. A. G. Psicolinguística e letramento. 1. ed. Curitiba: IBPEX,


2011. v.1. 275p.

MOREIRA, DANIEL AUGUSTO. O método fenomenológico na pesquisa. São Paulo:


Pioneira Thomson, 2002.

OLIVEIRA, CRISTIANO LESSA. Um apanhado teórico – conceitual sobre a pesqui-


sa qualitativa: tipos, técnicas e características. Travessias (UNIOESTE. Online),
2009.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 202


A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA NO
CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO

Janaína Moreira Pacheco de Souza


janamoreira91@gmail.com
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

Introdução

A partir do século XX, vivenciamos uma comunicação intercultural nun-


ca antes vista no mundo. A era da tecnologia propagou a possibilidade de as
pessoas interagirem em tempo real sem o medo de não compreender o “outro”,
mesmo não falando a mesma língua. Essa ferramenta tecnológica acrescentou
benefícios para aqueles que se dispuseram a conhecer aquilo que parecia ser tão
distante da realidade que os cercava. Muitos puderam viajar pelo mundo através
das câmeras, conheceram museus, conversaram com pessoas de outros países,
tiveram acesso a textos de bibliotecas de várias partes do mundo e conseguiram
manter laços afetivos.

Entretanto, essa comunicação intercultural não é exclusivamente possível


pela internet. No Brasil, temos essa realidade próxima em vários espaços, que
possivelmente nos proporcionaria tais benefícios, porém muitas vezes fazemos
questão de nos colocar na contramão dessa realidade, ao negligenciar a diversi-
dade desses contextos.

Segundo Baker (2000, p.58), “criar bloqueios e barricadas entre línguas é


quase impossível no século XX”. O autor sugere que escola precisa desenvolver
uma educação multicultural concentrada nas diferentes “crenças, valores, hábi-
tos alimentares, atividades culturais e línguas dos alunos.” (p. 406). Para tanto,
ele aponta uma necessidade de reapreciação do currículo escolar, com análise
de assuntos aparentemente neutros que perpetuam a cultura dominante, pois

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 203


“[o] medo e a ignorância que tendem a gerar racismo podem ser cometidos de
maneira não intencional. Em vez de celebrar a identidade étnica e a diversidade
cultural, uma visão de desigualdade cultural pode ser transmitida latentemente”.

Portanto, oferecer uma educação baseada nesses moldes pode ser uma ma-
neira de melhorar as relações entre grupos étnicos, despertando a consciência dos
alunos sobre suas origens, características de sua própria língua e seu lugar no mun-
do. Para tanto, caberia à escola ser capaz de propor alternativas pedagógicas com o
intuito de que os alunos aprendam com as diferenças dentro do espaço escolar. Mas
de certa forma, o que se observa através de pesquisas (OLIVEIRA e ALTENHOFEN,
2011; CUNHA, 2012; LIMA, 2015; SOUZA, 2014, 2019) é que esse princípio da liberda-
de não é respeitado ou valorizado sequer pelas instituições de ensino ao persistirem
em não enxergar que a diversidade está cada dia mais presente nas salas de aula e
que a tentativa de invisibilizá-la promove estigmas e exclusão.

A proposta desse estudo é analisar, através de investigações teórico-apli-


cadas durante uma pesquisa de doutoramento, o contexto linguístico educacio-
nal das escolas situadas nas regiões de fronteira, as quais matriculam um número
expressivo de imigrantes que não falam o português como primeira língua e,
mesmo assim, conduzem um direcionamento pedagógico pautado em falantes
nativos da língua portuguesa. Além disso, destacaremos a importância do educa-
dor daquela região olhar para sua própria sala de aula para que, a partir de sua
realidade, trace seu próprio caminho pedagógico, a fim de contemplar as diferen-
tes realidades daquele contexto peculiar.

Desenvolvimento

O distanciamento existente entre a língua do aluno imigrante e a língua


oferecida pela escola, principalmente nas regiões de fronteira do Brasil, é uma
questão que pode trazer transtornos pedagógicos, tais como a evasão, o lingui-
cídio e a xenofobia. A translinguagem1 presente nesses espaços é invisibilizada
por práticas educativas que se pautam no negacionismo da imagem de que a
fronteira é um lugar mútiplo de línguas, crenças, identidades e culturas.

1
Segundo Megale (2019), “Translinguagem” pressupõe que os sujeitos recorram a todos os re-
cursos verbo-visuais disponíveis para maximizar a compreensão e a interlocução dos sujeitos.
Implica uma nova forma de ser, agir e se expressar em diferentes contextos sociais, culturais e
políticos, permitindo fluidez e dando voz a outras realidades sociais.

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Se tivéssemos a oportunidade de conhecer algumas dessas regiões em
nosso país, veríamos que as práxis têm privilegiado o monolinguismo, mesmo
sabendo que ele não representa a realidade comunicativa daquele espaço. “Na
verdade, a escola, assim como a sociedade, seleciona ou segrega de acordo com
que os falantes destas línguas valem na sociedade como um todo” (BROCH, 2014,
p. 33). Dessa maneira, infelizmente, pode-se afirmar que a escola tem corrobo-
rado para a prática secular de educar os cidadãos linguisticamente homogêneos
através da erradicação das diferenças existentes, provocando um silenciamento
da diversidade linguística.

Segundo Silva e Tristoni (2013) existem casos em que o professor, por falta
de formação direcionada aos contextos específicos de bilinguismo, nem mesmo
nota a presença de um aluno bilíngue na sala de aula, impossibilitando-o de
obter o auxílio necessário para superar as dificuldades durante o processo de
ensino e aprendizagem. Também reforçam que esses estudantes, por apresen-
tarem identidades, línguas e cultura diferentes, carregam estigmas durante sua
passagem pela escola, tais como: “ele não aprende mesmo”, “ele é preguiçoso”,
desconsiderando as circunstâncias do processo de alfabetização desses alunos.

Essa ação de não perceber o aluno “brasiguaio” ou, em outras


palavras, de ignorá-lo e apagá-lo, ocorre ao longo do traba-
lho letivo, ou seja, o professor não considerou as dificuldades
apresentadas e até mesmo não percebeu a mescla do portu-
guês e do espanhol na escrita. O professor, possivelmente por
falta de formação, não consegue identificar a presença deste
aluno, suas dificuldades e, portanto, não dará o auxílio ne-
cessário para que ele supere as dificuldades no processo de
ensino-aprendizagem (p. 18).

Senna (1991, p.71) corrobora com essa reflexão ao destacar que “a meta da
democratização do ensino público brasileiro se perdeu dentro da escola, devido
à ausência de conhecimento e metodologias adequadas à realidade linguística.”
O autor atesta que, o objetivo do ensino escolar, que teria como princípio básico
o desenvolvimento da capacidade de comunicação e expressão, está sendo des-
considerado. Assim, “a escola praticamente estrangula qualquer possibilidade de

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 205


se desenvolverem habilidades e conhecimentos pertinentes à língua materna”
(Ibidem, p.71).

Souza (2014, 2019) ratifica a posição defendida por Senna (1991), ao cons-
tatar em suas pesquisas que o multilinguismo é um fator naturalizado fora dos
muros da escola nas regiões de fronteira brasileira. Ela demonstra que essa dis-
tância entre “o que há fora dos portões” e “dentro dos bancos escolares” é um
grande paradoxo motivado pela falta de políticas educacionais que contemplem
as especificidades das escolas que recebem alunos imigrantes, provocando um
processo de exclusão daqueles que procuram vagas nas escolas brasileiras.

A autora ainda ressalta que a escola não incentiva práticas discursivas que
privilegiem o ambiente multilíngue dentro da sala de aula, o que provoca cada
vez mais a soberania da Língua Portuguesa na prática pedagógica do professor.
A prática vigente nessas escolas obscurizam o fato de vários alunos não terem
a língua portuguesa como materna, negando-lhes uma condução metodológica
diferenciada.

Ir além das práticas monolíticas e monoculturais institucionalizadas histo-


ricamente no Brasil é uma necessidade emergencial para as escolas de frontei-
ra (SOUZA, 2019). Desenvolver novos olhares pedagógicos colocando também o
aluno que não domina a língua portuguesa no centro do processo ensino-apren-
dizagem é uma maneira de ressignificar práxis mais inclusivas, em prol de uma
sociedade mais justa e acolhedora.

Diante disso, é necessário potencializar a formação docente de profissio-


nais que atuam em contextos multilíngues para que estes consigam transitar com
mais segurança entre a teoria e a prática pedagógica, contribuindo para o desen-
volvimento cognitivo e social do aprendiz que chega à escola brasileira sem o
domínio da língua portuguesa e com traços socioculturais particulares. Para isso
é necessário que o professor compreenda o que é uma educação bilíngue e o que
essa modalidade pode proporcionar tanto para os alunos migrantes, quanto para
a comunidade local.

Vygotsky (2005) avigora essa discussão ao afirmar que a aprendizagem de


uma outra língua faz com o que a criança compreenda melhor a estrutura lin-
guística, amplie o olhar para seu próprio conhecimento e para sua experiência
cultural, pois toda língua traz com ela um conjunto de valores que agregam ao

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 206


processo de ensino-aprendizagem. Portanto, para alcançarmos um patamar que
realmente inclua alunos não falantes do português como língua materna, é pre-
ciso acabar com essa zona de silêncio, reconhecendo, primeiramente, a presença
de alunos imigrantes no espaço escolar e suas peculiaridades linguísticas-cultu-
rais, para, a partir daí, estabelecer ações pedagógicas que promovam uma educa-
ção bilíngue menos excludente.

Considerações finais

Frente ao panorama apresentado, é possível considerar que existe a ne-


cessidade de fomentar políticas linguísticas e ressignificar práticas educacionais
voltadas ao cenário linguístico-cultural das escolas que recebem alunos não-fa-
lantes da língua portuguesa, como primeira língua. Potencializar a ação do pro-
fessor em sala de aula é o eixo central dessa proposta, para que ele compreenda
sua real importância na vida de pessoas que estão em busca da escola como
espaço para alcançar conhecimento, reconhecimento identitário, transformação
social e que esperam, pelo menos neste espaço, que a língua não seja uma for-
ma de interdição.

Esse cenário nos possibilita refletir sobre a importância de proporcionar aos


alunos inseridos nesse contexto, uma educação que se distancie da ótica mul-
tilíngue e monocultural, pois ela não pertence à realidade brasileira. É bastante
oportuno pensar na importância de caminhar com/pela pedagogia da translin-
guagem, com o objetivo de formarmos alunos que tenham uma concepção de
linguagem para além da ideologia monolíngue. Aproveitar essa condição natural
que esses espaços oferecem de maneira natural é uma maneira de ressignificar a
aprendizagem para os tempos modernos, em que há uma dinamicidade e interre-
lação entre língua, cultura e aprendizagem.

Essa reflexão também é válida para pensarmos sobre a importância de


ações pedagógicas que contemplem um ensino plurilinguístico e pluricultural
no Brasil, pois elas farão com que a temática seja evidenciada pelos centros de
pesquisa e, consequentemente, chegue às escolas. Com isso, a discussão sobre
a conscientização linguística em nosso país se tornará relevante e fará com que
a educação bilíngue, principalmente nas escolas públicas brasileiras, seja algo
possível.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 207


Referências
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guai: um estudo linguístico sobre aprendizagem do Português em Ponta Porá,
MS. Dissertação de Mestrado. Cascavel: UNIOESTE, 2009.
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SENNA, L. A. G. Língua materna e Língua culta. Pequeno manual de Linguística
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VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e linguagem. Tradução Jefferson Luiz Camargo. 3.
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POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 208


TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA E
ALFABETIZAÇÃO POR MEIO DE UMA VISÃO SISTÊMICA

Márcia Lopes Leal Dantas


SME-RJ
marcialldantas@gmail.com

Introdução

Apropriar-se e fazer parte das diversas linguagens que ocorrem em uma


sociedade requer do indivíduo a aquisição da leitura e escrita. Por essa razão, no-
ta-se que é função indispensável e relevante que as instituições escolares ofere-
çam todos os recursos e meios para que os discentes se desenvolvam no processo
de alfabetização.

Contudo, necessita-se atentar que tal trajetória requer dos docentes um


olhar para as diversidades e peculiaridades que cada aluno possui e compreen-
dam que a “[...] a sala de aula é um espaço privilegiado para o desenvolvimento
pela leitura [...], por isso o educador deve adotar uma postura criativa que esti-
mule o desenvolvimento integral da criança.” ( ZIBERMAN, 2003, p. 16)

Na prática deste comportamento mencionado, os docentes precisam relacio-


nar toda a abordagem do conteúdo sistemático do processo da alfabetização, prin-
cipalmente, quando se trata dos discentes que fazem parte da Educação Especial.

Tais alunos necessitam que os educadores desenvolvam ações e estratégias


metodológicas que visem a oportunizar condições mais concretas na aquisição da
leitura e escrita. Para isso, torna-se primordial que os docentes não trabalhem
os conteúdos de uma forma fragmentada, mas sim complexa. Capra (1996) afirma
que tudo está conectado entre redes e que as propriedades primordiais de um

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 209


organismo estão no todo e perpassam das relações entre suas partes, ocorrendo,
desta forma, a compreensão a partir da organização do todo, ou seja, dentro de
um contexto mais amplo.

Vasconcellos (2006) acrescenta nesta mesma perspectiva ao apresentar o


novo paradigma da ciência, as dimensões que existem no pensamento sistêmico.
Nelas, a autora apresenta a complexidade (contextualização), intersubjetividade
(transdisciplinaridade) e a instabilidade (imprevisibilidade). Com isso, Vasconcel-
los traz a oposição ao paradigma cartesiano, apresentando assim, que a fragmen-
tação, o tradicional, não atende mais à compreensão desta nova era.

Ciente da amplitude do que compõem a Educação Especial, Alfabetização


e Pensamento Sistêmico, a presente pesquisa realizou um corte teórico-meto-
dológico de um estudo de caso de um discente do espectro autista (TEA) em
uma escola pública municipal e o processo de alfabetização desenvolvido pelos
docentes.

De acordo com Cunha (2014, p. 200) o TEA é entendido como “um conjunto
de comportamentos agrupados em uma tríade principal: comprometimentos na
comunicação, dificuldades na interação social e atividades restrito- repetitivas.”

Metodologia

A pesquisa definiu-se como um estudo de caso e realizou-se do mês de


maio a junho de 2019, em uma escola pública municipal na Cidade do Rio de
Janeiro.

A definição da amostra foi determinada pelo aluno com TEA e os docentes


que lecionam Ciências, Educação Artística e Língua Portuguesa para o discente
com transtorno do espectro autista do Ensino Fundamental.

O estudo fundamentou-se no pressuposto teórico dos autores que tratam o


pensamento sistêmico e da abordagem conceitual do TEA.

Buscou-se na literatura científica estudos sobre Educação Especial e Alfa-


betização publicados em bases de dados, como Scielo, Portal da Capes e Google
Acadêmico. Utilizaram-se as seguintes palavras-chave: “Alfabetização”, “Autismo”
e “Pensamento sistêmico”.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 210


Na obtenção da recolha de dados ocorreu por meio da observação parti-
cipante. Após toda transcrição dos apontamentos, estabeleceu-se a aglutinação
das informações na elaboração da síntese.

A análise dos dados foi através da análise de conteúdo por meio da inferên-
cia e da interpretação, segundo Bardin (2011).

As etapas do estudo seguiram os seguintes procedimentos: - A apresenta-


ção aos docentes sobre as dimensões no paradigma emergente da ciência con-
temporânea, e a importância de desenvolver ações pedagógicas diferenciadas
que buscasse atender às particularidades do discente. - Elucidar de que forma
pode ser trabalhado o processo de alfabetização em uma abordagem sistêmica.
- A realização de um trabalho transdisciplinar, oportunizando assim, várias ativi-
dades que colaborassem no processo de alfabetização.

Do que trata as ações metodológicas realizadas pelos docentes, formou-se


pelo trabalho dos professores das seguintes disciplinas: Português, Ciências e
Educação Artística.

Vale ressaltar que todas as fotos colocadas neste estudo foram autorizadas
nos termos da Lei 10.406 do Código Civil, de 10 de janeiro de 2002, do que trata
ao direito de imagem.

Desenvolvimento

As atividades desenvolvidas, apesar de objetivos diferenciados, ocorreram


por meio do diálogo dos docentes a fim de levar o discente a se sentir confortável
e feliz na realização de tudo que estava sendo proposto.

Inicialmente, o regente das aulas de Ciências buscou explicar sobre a abor-


dagem de conceitos sobre sustentabilidade, trazendo para o discente a importân-
cia da preservação do meio ambiente.

Posteriormente, a especialista da área de Educação Artística, aproveitou o


conhecimento já assimilado pelo aluno, e desenvolveu o mesmo tema atividades
de pintura, recorte, colagem e arrumação ordenada de figuras em um cartaz. Veja
figura 1:

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 211


Figura 1- Atividades realizadas pelos professores de Ciências e Educação Artística

Fonte: Elaboração própria, 2019

Na realização dessas atividades ocorreu uma sincronia em todo processo tra-


balhado. Tanto a abordagem do professor de Ciências sobre o que prejudica o meio-
-ambiente, como as ações orientadas pela docente de Artes na elaboração do cartaz.

Segundo Vasconcellos (2006), a dimensão da intersubjetividade do pensa-


mento sistêmico traz a construção da realidade, em que os sujeitos se interagem
e não há separação do sujeito com o objeto.

Após o término dessas atividades, a professora de Língua Portuguesa traba-


lhou palavras relacionadas com o cartaz para a formação de frases. Veja figura 2:

Figura 2- Atividade realizada pela professora de Português

Fonte: Elaboração própria, 2019

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 212


A docente que leciona Língua Portuguesa buscou explorar os conhecimen-
tos adquiridos pelo aluno, e desta forma, favorecer o processo de alfabetização.
O discente pôde construir as frases e depois ler juntamente com a professora.

Conforme Mantoan (2008) a educação inclusiva é um processo que tem


como objetivo aumentar a participação das pessoas que fazem parte do ambien-
te escolar. Trata-se de uma reestruturação do sistema de ensino e das práticas
construídas nas escolas de forma que respondam à diversidade do ser humano.
Apresenta-se também como uma adequação do espaço físico da escola para que
atenda às diferentes capacidades funcionais do indivíduo, às peculiaridades e às
singularidades no desenvolvimento das atividades humanas.

Considerações finais

O presente estudo inicia-se apresentando a importância das instituições


escolares buscarem desenvolver ações metodológicas que facilitem o processo
da aquisição da leitura e da escrita. Acrescenta-se que se torna mais relevante
atentar para o surgimento de estratégias que colaborem na alfabetização quando
os alunos se enquadram na Educação Especial.

Da mesma forma, necessita-se que os profissionais de educação entendam


a relevância de adaptar o conteúdo do processo de alfabetização a construção
progressiva da socialização, ou seja, a própria inclusão.

No caminho dessa trajetória, requer que cada etapa desenvolvida na aqui-


sição da leitura e escrita perpassem na valorização de aspectos qualitativos, em
uma abordagem contextualizada e formativa. Da mesma forma, que se observem
as dificuldades que cada discente apresenta e relacionem com os avanços con-
quistados a partir das metas propostas.

Partindo do pressuposto teórico dos autores que tratam o pensamento sis-


têmico e da abordagem conceitual do TEA, a presente pesquisa apresenta como
objetivo identificar se ao utilizar recursos didáticos diferenciados, por meio de
um trabalho interdisciplinar, aplicadas a um aluno com transtorno do espectro
autista do Ensino Fundamental de uma escola pública municipal, influenciam o
discente no processo de alfabetização.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 213


Pôde-se inferir que as práticas metodológicas utilizadas pelos docentes de
Ciências e Educação Artística colaboraram para que a regente de Língua Portu-
guesa pudesse contextualizar o conteúdo adequado ao aluno com transtorno do
espectro autista para o avanço da alfabetização.

Nesse contexto, verificou-se que ocorreu o diálogo entre os professores,


trocaram ideias e salientaram os pontos positivos verificados em cada atividade
desenvolvida. Neste momento, pôde-se depreender a aplicabilidade da comple-
xidade, intersubjetividade e instabilidade, ou seja, o desenvolver das dimensões
do pensamento sistêmico.

Em relação ao objetivo proposto da pesquisa, os docentes, ao utilizar recur-


sos didáticos diferenciados, por meio de um trabalho interdisciplinar, possibilitou
que ocorresse influência positiva no processo de alfabetização do aluno, em que
se pôde identificar que o discente se mostrou mais interessado em realizar as
atividades propostas e desenvolveu habilidades na comunicação, uma melhor
absorção no processo de alfabetização e uma amplitude na socialização com os
docentes e outros alunos.

Ciente que o autismo corresponde a um quadro complexo de níveis de com-


prometimento, e que de alguma forma, cada caso deve ser visto e enquadrado
de acordo com as especificidades do aluno. Entretanto, busca-se ressaltar que
a abordagem sistêmica traz além de outras proposições, a clareza que trazer o
processo de alfabetização a um discente com TEA, requer uma visão do todo, o
contextualizar, o trabalhar não linear, e compreender que o sujeito e o objeto
analisados se entrelaçam, não podendo separar para alfabetizar.

Apesar das diversas pesquisas científicas que tratam sobre o TEA e o pro-
cesso de alfabetização, ainda carecem que novos estudos surjam neste eixo, tra-
zendo respaldo teórico-epistemológico na construção de ações metodológicas
por parte dos docentes que atendam às diversidades destes alunos.

Vale ressaltar da relevância que ocorra capacitação de profissionais de


educação de forma contínua e progressiva para lidar diariamente com os múlti-
plos sintomas e níveis que apresentam os discentes com transtorno do espec-
tro autista.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 214


Referências

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POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 215


A AQUISIÇÃO DA LEITURA E DA ESCRITA:
um estudo de caso em escola pública de duque de caxias sobre
as tecnologias digitais e as habilidades de ler e escrever

Patricia Marciano de Oliveira


UniCarioca
pati.info.edu@gmail.com

Regina Celia Pereira de Moraes


UniCarioca
rmoraes@unicarioca.edu.br

Introdução

Toda forma de estrutura curricular apresenta em sua essência o conjunto


dos conteúdos que devem ser os norteadores para que ocorra uma aprendiza-
gem completa por parte do aluno. Assim, envolve-se não apenas o domínio de
determinados conhecimentos, mas também competências e habilidades a serem
desenvolvidas pelos estudantes ao longo dos anos de estudo, baseadas na Base
Nacional Curricular Comum (BNCC), cujos preceitos estão orientados “pelos prin-
cípios éticos, políticos e estéticos que visam à formação humana integral e à
construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva” (BRASIL, 2017, p.
7, online). Contudo, ao analisarmos as estatísticas quanto ao nível de conheci-
mento dos alunos nos anos finais do Ensino Fundamental, nos deparamos com
uma realidade que difere bastante dessa proposta, haja vista os altos índices de
analfabetismo ou conforme especifica Soares (2013) “alfabetismo” do país.

(...) é também significativo que nos seja tão familiar o termo


alfabetização, que designa a ação de alfabetizar, de “ensinar a

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 216


ler e a escrever” ou a “condição” que assume aquele que apren-
de a ler e escrever. (...) o termo alfabetizado, isto é, aquele que
aprendeu a ler e escrever, como o contrário do termo analfa-
beto, e que não tenhamos palavra para designar aquele vive
em estado de alfabetismo. (SOARES, 2013, p. 28-29)

Conforme demonstram os dados vinculados do módulo Educação no site do


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o percentual de alfabe-
tismo, a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade foi 7,0%
em 2017, e se manteve acima da meta intermediária do PNE, de 6,5% em 2015.
É necessário pensar no papel das atividades lúdicas nesse processo, aquelas que
façam sentido para o mundo dos alunos, apoiados e sustentados por brincadeiras
com objetivos claros e definidos, sempre ancorados em projetos pedagógicos
estruturados e planejados para o coletivo. Como postulado por Soares (2016):

(...) ao mesmo tempo que vai aprendendo a codificar e deco-


dificar; a criança vá também aprendendo a compreender e
interpretar textos, de início lidos pelo(a) alfabetizador(a), (...)
pequenos textos de diferentes gêneros, ditados para o/a alfa-
betizador(a) que atua como escriba, ou escritos por ela mesma.
Em outras palavras, a criança se insere no mundo da escrita
como ele é: aprende a ler palavras com base em textos reais
que lhe foram lidos, (...), contextualizadas (...) SOARES (2016,
p. 350)

Todas as questões inerentes ao aprender estão vinculadas ao prazer do


conhecimento e têm relação direta com as emoções, o bem-estar, acolhimen-
to, companheirismo, pois aprender numa perspectiva mais holística requer uma
postura aberta ao outro, à cooperação, à colaboração que permeie e molde a so-
ciedade em um novo paradigma de aprendizagem, marcada pela multiplicidade.

Metodologia

A Metodologia utilizada foi qualitativa e incorporou a técnica de obser-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 217


vação participante, “progressiva” pois cada fase da pesquisa foi realizada com a
finalidade de coletar dados através da observação quanto ao desenvolvimento,
ao aprimoramento das habilidades cognitivas e sociais das crianças, frente ao
uso das novas tecnologias digitais de jogos educativos na aquisição da escrita e
leitura.

Desse modo foram definidas no referido Projeto a aquisição da leitura e da


escrita sobre as tecnologias digitais e as habilidades de ler e escrever quatro (4)
fases na Metodologia.

Os professores do ciclo de alfabetização do 1º Segmento do Ensino Funda-


mental foram envolvidos na primeira fase e as crianças de 6 a 8 anos participa-
ram da terceira fase da pesquisa, que considerou o desenvolvimento de Sequên-
cias Didáticas com observação, análise das habilidades de leitura e escrita.

Na fase 1 da pesquisa com diálogo constante foi com os professores e a


fase 2 um desdobramento intelectual e constituiu-se como uma fase de análise,
visando identificar no espaço escolar os problemas e oportunidades no processo
de aquisição da leitura e escrita por crianças 6 a 8 anos.

Na fase 3 da pesquisa, com o público das crianças, foram utilizadas técnicas


de desenvolvimento e observação das Sequências Didáticas (SD’s) com vistas a
observar o comportamento da criança na sua participação na tarefa, no estímulo
a se envolver no grupo, na atenção, na disciplina, no cumprimento de metas, na
obediência às regras do jogo, na colaboração, no respeito ao outro, na solidarie-
dade, no compartilhamento, no respeito às diferenças. 

As temáticas abordadas com apoio de recursos digitais utilizados nas SD’s


foram as seguintes: Piter a caminho do espaço (Livro em Realidade Aumentada),
A Boneca Emília (Episódio do Sítio do Picapau Amarelo), A História do Dinheiro,
Ditado Doce e A Menina Bonita do Laço de Fita (Livro e Curta Metragem). Foram
utilizados nestas SD’s os recursos de aplicativos nos tablets educacionais para
incentivar a leitura e a escrita.

Para o desenvolvimento dos roteiros não foram necessárias aulas extras para
se observar as sequências didáticas com tecnologias digitais, a observação ocorreu
na agenda normal de aulas, em colaboração com o professor regente da turma.

A Fase 4 da pesquisa constituiu-se também como um desdobramento in-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 218


telectual da pesquisa visou desenvolver e disponibilizar na Plataforma Proximal
(UniCarioca), de acesso amplo, o E-Book (ISBN:978-65-901208-0-9) sobre o pro-
cesso de alfabetização de crianças de 6 a 8 anos.

  A partir da pesquisa desenvolvida com a elaboração das SD’s apoiadas


com recursos tecnológicos digitais para auxiliar no processo de alfabetização, foi
desenvolvido um e-book que apresenta a metodologia de trabalho pedagógico
utilizado nas aulas de Informática Educativa, tendo como pano de fundo a cons-
trução de uma aprendizagem que seja permeada de elementos lúdicos devida-
mente inseridos no contexto do Projeto Pedagógico (PPP) ora desenvolvido em
consonância com a Unidade Escolar.

A sala de aula com crianças precisa ser um lugar de pesquisa com diversas
variáveis, pois sua característica principal é a heterogeneidade, sendo assim ela
será mais bem entendida e atendida por professores dispostos a inovar, a ensinar
e a conhecer este maravilhoso mundo da leitura e escrita infantis.

Desenvolvimento

A pesquisa se desenvolveu como um Estudo de Caso na Unidade Escolar


Professora Carmem Corrêa Reis Braz, que pertence à rede municipal de ensino
de Duque de Caxias. A observação se deu no campo do processo de aquisição da
leitura e da escrita, observando a forma como são construídas e desenvolvidas
as atividades.

Em consonância com as propostas pedagógicas e ações descritas no PPP,


as necessidades dos educandos observados no contexto escolar e considerando
a relevância de um currículo que possa conceber o aluno como protagonista
da aprendizagem, o Projeto Pedagógico da Sala de Informática Educativa visa
contribuir com o processo de alfabetização, com uma abordagem em que os edu-
candos construam seu aprendizado apoiados em gêneros digitais em uma pers-
pectiva de currículo como indica Neto et al. (2013):

(...) currículo pluralista, culturas e identidades dos aprendizes


devem fazer parte da construção do conhecimento. Para isso,
é preciso levar em conta três elementos: os modos de apren-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 219


dizagem, os conteúdos de aprendizagem e o grupo envolvido
ou o contexto estabelecido no processo de aprendizagem (...)
(NETO et al., 2013, p. 137).

As abordagens nas atividades da Sala de Informática Educativa acontecem


por meio de diferentes recursos tecnológicos: jogos educativos digitais, imagens,
vídeos, textos impressos (cartazes) ou projetados, software de edição: texto, pla-
nilha, apresentação. 

Na perspectiva de envolver os alunos nas propostas das atividades de-


senvolvidas semanalmente (indicação de 50 minutos), estas são constituídas de
elementos que versam da realidade da comunidade local e que estejam “interli-
gadas” com um conhecimento novo através da percepção de outros espaços (ci-
dades vizinhas, por exemplo), visto que muitos alunos relatam não conhecer tais
lugares, mas apresentam interesse e quase sempre querem saber como pesquisar
sobre os aplicativos usados durantes as aulas.

Sequência Didática - A Menina e seu laço

Na realização da 1ª etapa na abordagem das atividades, foi possível desen-


volver a oralidade, sequência de raciocínio, observação e exploração de aspectos
de leitura incidental. Para a 2ª etapa, foram desenvolvidas atividades que abar-
cavam a leitura compartilhada. Com as atividades da 3ª etapa foi possível desta-
car o detalhe em narrar a descrição da Menina e do coelho em relação a amizade
e admiração. A linguagem, as atividades sensoriais a reflexão e representação
foram estimuladas nas atividades propostas na 4ª etapa. Ao digitarem na 5ª eta-
pa o texto no tablet, foi incentivado a ampliação de diálogo na perspectiva de
colaboração. Na 6ª etapa no site E-futuro configurou-se num ponto central da
Sequência Didática, pois proporcionou aos alunos tornarem-se “construtores da
tecnologia” em uma perspectiva de produtores de conhecimento, uma vez que
puderam construir seus “jogos digitais”, organizando o pensamento, estruturan-
do os parâmetros, inserindo informações, comparando os resultados, reestrutu-
rando sempre que necessário. Foi disponibilizada na 7ª etapa a impressão do
texto coletivo finalizado.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 220


Considerações finais

Os diálogos estabelecidos na Roda de Conversas foram analisados frente


ao estado da arte das novas tecnologias digitais e foram identificadas lacunas e
oportunidades no processo de alfabetização destas crianças. As novas tecnolo-
gias digitais foram avaliadas neste projeto em Sequências Didáticas, discutidas e
analisadas em seus resultados, na observação de crianças em processo de aqui-
sição da leitura e da escrita. O estudo de caso foi conduzido em uma escola de
Duque de Caxias, com alunos do ciclo de alfabetização. Trouxemos os resultados
que mostraram a possibilidade de alfabetização a partir do uso de jogos digitais.

O Problema que foi investigado diz respeito às dificuldades de leitura e


escrita das crianças no processo de alfabetização. Trouxemos como princípios de
ensino no desenvolvimento de habilidades com jogos digitais a ética e o respeito
ao outro, estimulando o senso crítico de que estar com o colega exige uma rela-
ção de reciprocidade, colaboração, generosidade, autonomia e empatia e, como
consequência, que estas habilidades possam ser aplicadas de forma recursiva às
suas vidas.

Como benefícios, é possível registrar a importância de introdução de no-


vas tecnologias digitais em processos de alfabetização de crianças. Foi observa-
do que o lúdico, a brincadeira, o trabalho em conjunto com o colega estimularam
o aprendizado da criança, quanto a leitura e a escrita. Os riscos dizem respeito a
se acreditar que os processos gerais de alfabetização podem ser resolvidos com
as novas tecnologias digitais, pois sabemos a importância da família, da alimen-
tação e do amor na formação de uma criança apta a aprender.

Foi possível vivenciar uma experiência de desenvolvimento da linguagem,


da comunicação, da lógica, da abstração, da representação, do pensamento, da
memória. Ao trabalhar com tecnologias digitais, debruçou-se sobre a aderência
dos jogos digitais no reforço dos processos ou habilidades cognitivas e dos valo-
res de vida comum e conjunta. Como contribuição à Ciência, mostramos a impor-
tância da observação nos testes avaliativos com tecnologias digitais e humanos
e trouxemos resultados importantes relacionados à alfabetização de crianças.
Esperamos que esta motivação que nos conduziu possa ser replicada na escola
que tão gentilmente nos acolheu e também em outras escolas, porque ciência e
tecnologia andam de mãos dadas com a educação.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 221


Referências

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DF, 2017.Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp- content/
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POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 222


CINEMA NEGRO E EDUCAÇÃO INFANTIL:
contribuições à formação dos sujeitos

Gisele Caroline dos Santos Monteiro


Mestra em Relações Étnico-raciais | CEFET
giselec27.psi@gmail.com

Suelen Cristina Gomes da Silva


Mestra em Estudos de Literatura | UFF
suelencristina@id.uff.br

Introdução - A criança negra na Educação Infantil

O período de inserção escolar coincide com o período etário em que a


criança começa a ser referenciada pelos modelos externos ao seu núcleo familiar.
Desse modo, ao ter contato com outras pessoas, expandindo progressivamente
seu círculo de contato, ela passa a ter novas referências. Esse fator é fundamen-
tal para que pensemos na forma como essa criança será referenciada e como irá
lidar com os papéis representacionais dentro do ambiente social que é a escola.

Em relação à criança negra, essa expansão tende a ser influenciada também


por fatores econômicos e sociais. Fatores esses que a acompanharão por tempo
considerável em sua trajetória, se não em toda ela, influenciando diretamente em
seus comportamentos e vivências. A maior parte das crianças negras ingressa no
ensino público tendo seu círculo estudantil composto por um número maior de
colegas negros, conforme constatado através da configuração atual do sistema
educacional no Brasil: “no Brasil, crianças negras têm 70% de chances a mais de
serem pobres do que a criança branca”1. Quando a criança negra é oriunda de

Fonte: O Impacto do racismo da infância - https://www.unicef.org/brazil/pt/br_folderraci.pdf).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 223


classes sociais mais elevadas, provavelmente ingressará no ensino privado, pas-
sando a ter contato com um número reduzido de colegas e professores negros,
o que também agrega diversos atravessamentos em sua construção identitária.

A distinção entre instituição pública e instituição privada de ensino, no que


consiste à formação e acolhimento de alunas e alunos negros, pode ser analisada
ao considerarmos a forma como as diretrizes são definidas. As instituições priva-
das, apesar de seguirem as orientações de ensino e aprendizagem propostas pelo
modelo educacional do país, possuem autonomia para definição de currículo, o
que possibilita a disponibilização de formas diversas de conteúdos, metodologias
e ações que incluam as perspectivas trazidas pelos alunos. Ainda que muitas
escolas privadas optem por seguir um modelo básico de educação, não utilizan-
do os recursos audiovisuais e tecnológicos que poderiam fazer uso ou trazendo
culturas diversas e perspectivas amplas de narrativas na partilha de conteúdos, é
inegável admitirmos que estas seguem possuindo o que seria uma vantagem em
termos de autonomia em relação às instituições públicas. Ao nos voltarmos ao
entendimento de que a maioria dos alunos negros iniciam os estudos na escola
pública, manteríamos assim a perspectiva do distanciamento desses estudantes
de práticas mais disruptivas em educação, principalmente na educação infantil.

A escola, mesmo com suas variações inerentes, mantém seu papel formador
no processo de construção de identidades: seja no ensino público onde a criança
negra estará em contato com colegas mais parecidos consigo, ou no ensino priva-
do com um número reduzido de colegas negros. A importância do chão da escola
passa pelo reconhecimento da criança enquanto sujeito, sua construção de au-
toestima e fortalecimento da mesma. Para que isso ocorra, não basta apenas uma
mudança atitudinal por parte do corpo docente, mas cabe às instituições também
a revisão do currículo incluindo conteúdos que sejam alinhados às demandas
de todos os alunos. Os anos iniciais da educação básica têm a característica de
deixar marcas que serão fundamentais no futuro desses sujeitos. As identidades
são construídas dentro do discurso, através da interação, do contato com o outro,
da inserção em diferentes instituições e dos discursos que imperam nas mesmas,
conforme aponta Stuart Hall (HALL, 2000, p. 109). O discurso, por sua vez, não se
restringe ao texto escrito, mas expande-se às diversas situações de comunicação
às quais o aluno está exposto e é atravessado por questões que estruturam a
sociedade e a visão de mundo de determinados grupos sociais.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 224


Ao longo desse processo formativo, a criança negra irá se deparar com os
papéis representacionais pertinentes ao contexto escolar e as referências encon-
tradas podem, muitas vezes, direcioná-la à busca por um branqueamento. Seja
pelo contato direto com pessoas de seu círculo, seja pelo material pedagógico
trabalhado pela escola onde as referências imagéticas de sujeitos que exercem
poder e são bem-sucedidos, dotados de certa positividade, no geral são brancas.
O ensino perpetuado de uma história onde o negro tende a ser colocado em
posições subalternizadas é fundamental para a construção de uma autoimagem
pouco positiva por parte da criança negra.

Primeiros contatos com o racismo

A identificação da diferença ocorre em paralelo ao processo de subjetiva-


ção: enquanto o sujeito consolida sua personalidade, passa a lidar com as de-
mandas que surgem do contato com o outro, e esse contato pode trazer bases
comuns ou gerar conflitos. A estética é parte dessa formação identitária e pode
ser fundamental para a construção da autoestima da criança. Nilma Lino (1996,
p. 147) ergue um questionamento fundamental para este percurso de reflexões:
“como podemos pensar a escola brasileira, principalmente a pública, descolada
das relações raciais que fazem parte da construção histórica, cultural e social
desse país?”. Dessa forma, ampliando a questão, como pensar a escola brasileira
desvinculada de uma reflexão que pense sua própria estrutura de construção de
primeiros passos à cidadania? Os moldes sociais tendem a reproduzir-se no am-
biente escolar e a compreensão de suas formações e implicações justifica-se pelo
ambiente mesmo de que se fala.

Nesse contexto, as figuras de mediação na construção do conhecimento


legitimadas pelo espaço escolar são tensionadas a abordar no teor de questio-
namento as discussões da sociedade, pois são questões também de formação
do aluno, que deixarão sua contribuição no desenvolvimento de sua identidade
ou no afastamento de sua ancestralidade - como é o caso das questões raciais.
E, como bem pontua Nilma Lino, a compreensão, por parte dos educadores, de
assuntos e demandas estruturais da realidade social e histórica brasileira e, por
conseguinte, internas à realidade escolar, possibilitaria uma prática de aborda-
gem de tais demandas:

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 225


o entendimento conceptual sobre o que é racismo, discrimina-
ção racial e preconceito, poderia ajudar os(as) educadores(as) a
compreenderem a especificidade do racismo brasileiro e auxi-
liá-los a identificar o que é uma prática racista e quando esta
acontece no interior da escola (LINO, 1996, p. 148).

Com a grande alta da internet e seus recursos, a presença da mídia na vida


dos indivíduos, vemos cada vez mais um apelo para novas estruturas de ensino
em sala de aula. Os estudantes, em contato direto com a tecnologia, acabam por
levantar a necessidade de outras formas de ação no ambiente de ensino. Técni-
cas e materiais que envolvam um diálogo maior com o âmbito visual e sensorial
são buscadas, então, para cumprir papéis de interação na construção de conhe-
cimento. Essa virada metodológica seria a oportunidade ideal para que houves-
se também uma modificação em torno do conteúdo, das bases que por muito
tempo direcionaram e direcionam o ensino infantil no Brasil. O próprio contexto
pandêmico da Covid-19, ainda atual, levou não só o Brasil mas o mundo todo a
reajustar, mais do que nunca, suas práticas educativas e a pensar novos meios de
interação e de percursos pedagógicos.

Desdobramentos conclusivos: de quais cores são os lápis?

O cinema, enquanto forma de produção de cultura, tem todos os seus pro-


cessos de pesquisa e execução técnica que se conjugam para uma comunicação
com seu espectador. Este, por sua vez, faz o movimento de recepção estética e
sensível de seu conteúdo, além da aproximação e contextualização a partir de
sua visão e vivência. As imagens e vários outros estímulos presentes nessa forma
de arte em movimento (como as sonoridades, os ritmos, os planos, a perspecti-
va da câmera) deslocam-se diretamente, a partir de uma tela, até o espectador
(leitor de um tecido audiovisual), o que pressupõe uma maior possibilidade de
diálogo visto que as estratégias de interação são diversificadas. Em seu movi-
mento interativo, “passa a ser visto como uma construção que, como tal, altera
a realidade através de uma articulação entre a imagem, a palavra, o som e o
movimento” (KORNIS, 1992, p. 3).

Em se tratando do público infantil, que logo se transformará em público

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 226


adulto - atuante na sociedade a qual está inserido - esta capacidade de transfor-
mação dos recortes do real se potencializa. A possibilidade de conhecimento de
novas narrativas (e até novas formas de narrar) através de uma tela de exibição
pode gerar nesse público, através da mediação do professor/educador ou por
si mesmo, diversos movimentos de criação, reinvenção e, até mesmo, questio-
namento acerca de padrões normativos. Dessa forma, amplia-se o interesse e
o contato com o mundo e com as conexões e questões pertencentes a ele, que
perpassam a todo o tempo pela escola, como a diversidade e as relações raciais.

“A escola precisa ser um espaço contínuo da territorialidade plural. O terri-


tório da escola deve fomentar rupturas com as ideologias escravocratas, tornan-
do-se um espaço de liberdade, pluralidade e diversidade”.2 Há diferentes deman-
das na escola e uma delas, com forte expressão nos dias de hoje, é a levantada
por Edileuza Penha de Souza. Através de seu diverso trabalho voltado às ques-
tões raciais, nos propõe a necessidade da escola enquanto agente que atue nos
processos de ruptura com ideais, tão antigos quanto atuais, que proponham o
afastamento e a exclusão baseada na diferença entre sujeitos. Concordando com
Nilma Lino (2005, p.145), “a discussão sobre a questão racial está ligada a um
terreno delicado: as nossas representações e os nossos valores sobre o negro”.
KabengeleMunanga (2005, p. 15) pontua que não recebemos na nossa “educação
e formação de cidadãos, de professores e educadores o necessário preparo para
lidar com o desafio que a problemática da convivência com a diversidade [...] co-
loca quotidianamente na nossa vida profissional”.

Com potencial para ocupar lugar na sala de aula enquanto ferramenta dia-
lógica entre educação e relações raciais, o curta-metragem documental“Lápis
de Cor”3, de Larissa Fulana de Tal, exibido na plataforma YouTube pelo Canal
Futura, carrega consigo uma essência portentosa de ressignificação identitária
de indivíduos. Por meio de uma narrativa que pode se entender voltada também
aos adultos, porém com as crianças em ação, o curta-metragem constrói uma

2
Edileuza Penha de Souza em entrevista dada ao grupo de pesquisa Representações do Negro na
Mídia Brasileira - USP. Disponível na íntegra em :<http://www.negromidiaeducacao.xpg.com.br/
entrevista.htm>.
3
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Dp-LxZ3Ck7c>

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 227


abordagem lúdica e colorida para tratar de assuntos delicados e decisivos para a
criança negra como a não representação, o preconceito de cor, raça e etnia.

Essa maneira de representar, através de todas as suas ferramentas de co-


nexão com seu espectador, acaba por ser uma assertiva forma de se trabalhar a
demanda de identificação trazida pela criança em suas vivências - demanda essa
exposta no curta. Nele, a partir de propostas dinâmicas, as crianças são estimula-
das a assumirem seus lugares de fala e a expor suas concepções sobre as diferen-
ças de cor de pele e de traços físicos entre elas. A partir disso, podemos observar
que, na maioria dos casos, a criança negra não se sente “igual” à forma idealizada
e constantemente projetada na sociedade de perfeição (as características euro-
cêntricas), sentindo-se diferente e até inferiorizada: um lugar de imperfeição que
ela mesma também passa a atribuir a si em um processo de reprodução da sepa-
ração existente no meio social. A criança negra se vê como alguém que precisa
“melhorar” e essa mudança seria a busca por um modelo de embranquecimento
que a aproxime de um ideal branco. O fio condutor e pedagógico do filme, entre-
tanto, é perpassado por movimentos de valorização da figura da criança negra,
da busca por um espaço em que seja possível uma autoafirmação.

Trabalhos como este, construídos por pessoas negras, a partir de lugares


de fala e ação específicos, têm o potencial de ressignificar o olhar da criança e
do adulto negro para a realidade a seu redor. E a ressignificação do olhar não
deixa der ser uma possibilidade para reajustar as perspectivas e para recriação
de meios de vivência da pessoa negra no contexto brasileiro. A Lei 10.639 de
2003 preconiza a importância do ensino da cultura afro-brasileira nas escolas
públicas e particulares. Ela inclui, de forma definitiva, a escola como parte das
instituições atuantes em busca de igualdade racial. Na prática, a efetividade da
lei ainda é questionada por diversas vezes em razão da ausência de nitidez e po-
sicionamento de algumas instituições de ensino, mas a mesma é um marco para
educação brasileira, possuindo um largo histórico de ganhos, e serve como base
para ações voltadas a uma mudança na forma como vem sendo ministrado o en-
sino de cultura afro-brasileira. Dessarte, uma das principais contribuições para a
sociedade que a escola (ou o corpo escolar) de agora pode oferecer é a utilização
de seu potencial de movimentar e unir atores sociais empenhados em repensar a
base de discursos e comportamentos que constituem a estrutura de identificação
fomentando, assim, mudanças estruturais progressivas.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 228


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POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 229


O DESENVOLVIMENTO DE OFICINAS PEDAGÓGICAS
COMO METODOLOGIA DE ENSINO NA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Bianca Cardoso Magalhães - UFRJ


bianca.cardoso.magalhaes@gmail

Edvânia Ferreira Bezerra - UFRJ


edvania312@gmail.com

Mídian Lena Pereira Pressato - UFRJ


midianlena@letras.ufrj.br

Ana Paula de Abreu Moura - UFRJ


anapaulaabreumoura@gmail.com

Introdução

Partindo de uma perspectiva freiriana (2011), de que o reconhecimento dos


saberes adquiridos pelos educandos em esferas outras para além das propor-
cionadas em contextos educacionais são elementos cruciais para contextualizar
novos saberes a fim de se atingir uma reflexão crítica sobre suas práticas sociais
cotidianas, e passando pela educação autêntica, que “não se faz de A para B ou
de A sobre B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona
e desafia a uns e a outros, originando visões sobre ele” (2019), pode-se afirmar
que o emprego de tal trajeto tem proporcionado grandes experiências sobre a
prática pedagógica através das vivências na extensão universitária.

Dessa maneira, é por meio de tais premissas que desenvolvemos nossas


ações no projeto de Oficinas Pedagógicas — que tem como objetivo principal
desenvolver a reflexão crítica dos educandos a partir da discussão sobre temas

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 230


variados que dialoguem com as suas vivências — vinculado ao Programa Integra-
do da UFRJ para Educação de Jovens e Adultos em parceria com a rede municipal
do Rio de Janeiro, na Escola Municipal Rodrigo Otávio, em turmas do PEJA I, bloco
I e PEJA II, bloco I.

Sendo assim, esse artigo tem como objetivo trazer uma breve elucidação,
de maneira expositiva e crítica, sobre a metodologia Oficinas Pedagógicas utili-
zada para a abordagem de diferentes temáticas na modalidade de ensino refe-
rente à Educação de Jovens e Adultos.

Desenvolvimento

Segundo Corcione (1994), quando pensamos em oficina, logo nos remete-


mos, por associação, a palavras como: trocas, ideias, peças, trabalho, conserto,
reparo, criatividade, transformação, processo, montagem. Todas elas, por sua vez,
são partes constitutivas do significado do que é uma oficina e corroboram como
uma de suas principais características, ser um espaço de criação e descoberta.

As Oficinas Pedagógicas se constituem como uma categoria metodológica


de grande importância no processo de formação dos participantes, suas ações
se baseiam em processos dialéticos, estabelecendo-se como uma metodologia
de trocas, vivências, partilhas e diálogos. Assim, esta metodologia se caracteriza
como um espaço de excelência permeado pela multiplicidade de vozes dos sujei-
tos que compartilham o conhecimento.

De acordo com VIEIRA (2002), as oficinas também trazem como caracterís-


tica, a abertura de espaços de aprendizado que buscam o diálogo e a troca entre
os participantes. Nelas surgem um novo tipo de comunicação entre educandos e
educadores. É formada uma equipe, onde cada um contribui com sua experiência.
O educador conduz, mas também é aprendiz. Cabe a ele diagnosticar o que cada
participante sabe e promover o ir além do imediato, atuando como mediador no
desenvolvimento das atividades.

O método Oficina Pedagógica é utilizado com o propósito de deslocar o


discurso unilateral ainda presente na educação, que entende o processo de co-
nhecimento como uma atividade provinda somente a partir da figura do profes-
sor — na perspectiva tradicional de ensino, o professor, e somente o professor,

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 231


é a figura que detém todo o conhecimento que será disseminado passivamente
pelos demais participantes, isso é, os alunos, concepção de educação bancária
rechaçada por FREIRE (2011) —, e introduzir o educando no centro do processo
de desenvolvimento da sua formação. Nessa perspectiva, o educando abandona
o lugar de passividade e assume ativamente a posição de também detentor de
conhecimento, atingindo assim o saber através da criticidade e do compartilha-
mento de vivências de forma dinâmica, coletiva e autônoma — educação liber-
tadora (FREIRE, 2011).

Desta maneira, tomamos os espaços de aprendizagem estru-


turados sob forma de oficinas como relevantes principalmente
porque buscam um trabalho didático voltado para a atenção
pedagógica da oralidade dos sujeitos, sobretudo porque du-
rante a realização da oficina criam-se estímulos, buscam-se a
cooperação entre os participantes em termos de se construir
os conhecimentos como atos sociais. (CARDOSO, s.d.)

Para conduzir o educando a ocupar esse lugar ativo e autônomo no proces-


so formativo, é necessário que o diálogo sobre o tema proposto pela a Oficina
Pedagógica parta sempre de contextos relacionados às suas vivências cotidianas,
sendo esse um prerrequisito fundamental e, para se garantir tal abordagem, são
utilizados diversos recursos para diversificar o desenvolvimento da aprendizagem
em sala de aula, como: vídeos, músicas, jogos diversos, dinâmicas interativas,
convidados externos ao Programa, atividades práticas distintas (como montagem
de composteira, criação de horta suspensa, confecção de desinfetante com o
aproveitamento total de alimentos e etc), dentre muitos outros.

As atividades práticas e dinâmicas, características imprescindíveis das Ofi-


cinas Pedagógicas, são desenvolvidas através do acompanhamento de momentos
de reflexão e discussão sobre a própria atividade em desenvolvimento, propor-
cionando assim aprendizagens provenientes dessa interação entre a teoria e a
prática. Desse modo, o educando vincula o seu pensar ao seu agir, impulsio-
nando-o a realizar a atividade proposta de maneira consciente, construindo seu
conhecimento através da relação ação-reflexão-ação (VALLE, ARRIADA, 2012).

Tendo em vista a metodologia utilizada para reflexão sobre o tema elen-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 232


cado, o desenvolvimento de cada uma das Oficinas Pedagógicas se faz mediante
à participação da equipe nas diferentes etapas atribuídas ao processo de de-
senvolvimento da sua construção. Etapas essas que se caracterizam a partir do
pensamento teórico acadêmico (pesquisa) e a prática pedagógica (extensão) em
sala de aula, passando por espaços formativos em que, coletivamente, são de-
batidos de forma crítica a relevância do tema que será abordado, os objetivos
que se pretende alcançar e as abordagens didáticas que serão utilizadas para o
cumprimento desse percurso.

Essa dinâmica, que visa o planejamento das Oficinas Pedagógicas, ocorre


sempre de maneira coletiva através da Formação Continuada semanal do Progra-
ma, que reúne licenciandos extensionistas de diferentes cursos (Letras, Pedago-
gia, Biologia, História…), equipe de supervisão (pós graduandos que em algum
momento da sua formação acadêmica tenham participado do Programa como
alfabetizadores) e a coordenação (composta por servidores da UFRJ, professores
e administrativos) do Programa de extensão supracitado.

Para exemplificar de maneira sucinta o assunto abordado até aqui, a meto-


dologia Oficinas Pedagógicas, a Oficina “Questões Indígenas: passado, presente
e futuro”será utilizada.

Foi a partir de “História Pra Ninar Gente Grande”, samba-enredo 2019 da


Mangueira, que surgiu a oficina pedagógica “Questões Indígenas: passado, pre-
sente e futuro”. A escuta dos versos “Desde 1500 tem mais invasão do que des-
cobrimento/ Tem sangue retinto pisado/ Atrás do herói emoldurado / Mulheres,
tamoios, mulatos/ Eu quero um país que não está no retrato” despontou na per-
gunta “qual é o verdadeiro retrato do indígena na história do Brasil?”

Para refletir sobre tal questionamento, a Oficina, com base na Lei nº 11.645
de 10 de março de 2008, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obri-
gatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, convidou
os alunos da EJA a visitarem os tempos: passado, presente e futuro.

Para contemplar o passado, através de dinâmicas em grupo e análise do


samba-enredo, foi possível instigar os alunos a ponderarem criticamente a res-
peito de pontos a fim de desmistificar assuntos como a chegada dos portugueses
em terras brasileiras e a origem da palavra “índio e indígena”.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 233


O presente, por meio da “mesa de experimentações”, permitiu aos educan-
dos a experiência com comidas, objetos, medicamentos, acessórios, vestimentas
que os levou ao conhecimento de algumas das heranças dos povos originários
que adentraram o nosso cotidiano e são mantidos até hoje.

O futuro foi contemplado com a apresentação da cosmologia indígena, que


trouxe assuntos como as demarcações das terras e a inserção dos povos nativos
nos mais variados espaços da sociedade, para isto, esteve conosco o escritor
indígena DauáPuri, que pôde relatar com propriedade suas vivências, hábitos e
reflexões acerca do seu povo.

E foi assim, em ritmo de samba, que a oficina nasceu e permitiu oferecer


aos educandos a possibilidade de recriar através do debate, da reflexão e da cri-
ticidade um retrato mais fiel dos povos nativos brasileiros — tema relevante para
se refletir, dentre muitos assuntos urgentes, as origens da identidade brasileira.

Figura 1 \* ARABIC 1 – Indígena DauaPuri em roda


de conversa com alunos e professores da escola

Fonte: acervo do Programa

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 234


Figura 2 \* ARABIC 2
Dauá fazendo demonstração
Figura 3 \* ARABIC 3
de adereços e letra de uma música
lunos em momento de leitura
indígena

Fonte: acervo do Programa


Fonte: acervo do Programa

Considerações Finais

Traçado o perfil da maioria das nossas turmas, que ocorrem no período


noturno, temos grande parte dos educandos com idade mais avançada, de pro-
veniência periférica e que passam a maior parte de seu dia trabalhando, seja em
uma empresa ou em sua própria casa. Assim, grande parte desses sujeitos entra
em sala de aula já exaustos de sua rotina diária.

Ao chegarem em dias de aulas das Oficinas Pedagógicas, observamos uma


grande aceitabilidade, interação e dedicação dos educandos por esta metodolo-
gia de ensino, visto que sua dinamicidade não somente desenvolve a aprendiza-
gem do educando, mas o entretém de forma crítica e reflexiva, abordando o con-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 235


teúdo pedagógico de maneira interdisciplinar e dialógica partindo de assuntos
reais mostrando-os o quanto seus saberes podem ajudá-los a se desenvolverem
em sala de aula e na vida.

Deste modo, a metodologia de ensino Oficinas Pedagógicas, desenvolvida


no Programa Integrado da UFRJ para a Educação de Jovens e Adultos, se mos-
tra como uma construção coletiva de vivências individuais, sendo “um processo
permeado pela polifonia de vozes dos sujeitos que tecem o conhecimento numa
rede dinâmica de vozes partilhadas” (CARDOSO, s.d.). Possibilitando assim que
toda a comunidade envolvida na sua realização; graduandos, pós-graduandos,
professores e alunos da Universidade à escola do Município, desde o seu planeja-
mento até a sua concretização em sala de aula, debatam de maneira crítica temas
presentes em nosso cotidiano, construam novas formas de pensar a sala de aula
e ressignifiquem os saberes e a “curiosidade epistemológicas” (FREIRE,2011).

Referências

CARDOSO, J. M. O. C.. Aprendendo e ensinando com oficinas pedagógicas: cami-


nhos e possibilidades. Portal Educação. Disponível em: <https://siteantigo.porta-
leducacao.com.br/conteudo/artigos/pedagogia/aprendendo-e-ensinandocom-o-
ficinas-pedagogicas-caminhos-e-possibilidades/32772> Acesso em: 10 fevereiro,
2020.

CORCIONE, D. Fazendo oficina. In: A questão da formação de assessores dirigen-


tes e lideranças intermediárias para o movimento popular e sindical. Debate-Co-
letânea de textos, CESE, no03, ano IV, maio de 1994.

DO VALLE, H. S; ARRIADA, E. “Educar para transformar”: a prática das oficinas.


Revista Didática Sistêmica, v. 14, n. 1, p. 3-14, 2012.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa/


Paulo Freire/ São Paulo, Paz e Terra, 2011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 69.ed. - Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e


Terra, 2019.

VIEIRA, E., VALQUIND, L.. “Oficinas de Ensino: O quê? Por quê? Como?”. 4º ed.
Porto Alegre. EDIPUCRS, 2002.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 236


EIXO 4
FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA
DO ALFABETIZADOR

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 237


PROCESSOS DE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DO
ALFABETIZADOR: resistência, autoria
E produção de conhecimentos

Janaína Moreira
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Ludmila Thomé de Andrade


Universidade Federal do Rio de Janeiro

Maria Letícia Machado


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Paula Cid Lopes


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Introdução

Neste eixo, reúnem-se os textos inscritos no tema da formação inicial e


da formação continuada de professores alfabetizadores. Para apresentá-lo, deli-
neamos algumas reflexões sobre a formação, que se desdobra em inicial e con-
tinuada, e que se entremeiam às discussões apontadas nos textos em questão.
Em primeiro lugar, tratamos da relação de continuidade entre formação inicial e
formação continuada, abordando brevemente a nova modalidade que se articula
como “dobradiça” entre as duas, a da indução profissional, mesmo que este tema
ainda seja tão diminutamente tratado no conjunto das pesquisas sobre a forma-
ção de professores.

O debate sobre a questão do fracasso escolar na alfabetização vem, nos


últimos anos, se aproximando de discursos reducionistas que remetem à for-
mação docente a culpabilidade pela não aprendizagem da escrita e da leitura.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 238


Nos referimos, portanto, ao modo como a alfabetização vem sendo tratada e
apresentada em documentos oficiais do governo federal (BRASIL 2018, 2019a,
2019b) e que, portanto, indicam caminhos de formação inicial do alfabetizador.
Tais documentos induzem, também, a uma limitação didático-metodológica an-
corada em noções ultrapassadas de ensino, de leitura, de escrita e, especialmen-
te, de professor.

É neste sentido que o presente artigo se sustenta no diálogo necessário


com a produção de conhecimento da área da alfabetização, que há cerca de
trinta anos investe em princípios de interdiscursividade, diversidade e aprendiza-
gem (FERREIRO & TEBEROSKY, 1985; FREIRE, 1988; SMOLKA, 1989; MORTATTI,
2000; SOARES, 2004) como base para a formação inicial de professores que, em
resistência à adoção de métodos ultrapassados ou à noção de professores como
“meros executores”, constituem-se como autores de suas próprias práticas .

No que tange ao campo da formação continuada de professores, merece


destaque o fato de que o fracasso escolar na alfabetização por vezes é tratado
como uma produção científica dos estudos já mencionados, sendo associado aos
rumos que as ciências humanas e sociais dão ao debate sobre esta questão. E,
assim, mais uma vez, a indicação de formas generalistas de tratar a alfabetização
e a prática alfabetizadora se apresenta como salvadora em detrimento às traje-
tórias e tempos diversos de aprender e de ensinar.

E é deste lugar, do convencimento “cultural” da noção de fracasso associa-


da tanto ao estudante em processo inicial de alfabetização (por suas condições
sociais, econômicas, cognitivas ou familiares) quanto ao professor alfabetizador,
por tantas vezes rotulado como sujeito de formação deficitária, que se preten-
de partir a escrita deste texto. A discussão que se inicia aposta nas trajetórias
diversificadas de formação e, por consequência, na multiplicidade de leituras e
escritas de mundo, marcas autorais, portanto, que professores alfabetizadores
produzem desde o início de seu processo formativo e que, de forma cíclica, se
movimenta continuamente.

Estas marcas podem ser observadas nos textos que compõem o Eixo 4 des-
ta publicação, intitulado “Formação Inicial e continuada do Alfabetizador”. Os re-
latos de experiência, bem como as discussões conceituais que os acompanham,
revelam que há muitas formas de viver o processo formativo e de contribuir para

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 239


a formação de leitores e escritores crianças, jovens e adultos.

A formação inicial

A universidade não é o único espaço importante de formação do professor.


A formação continuada, em serviço ou nas mais diferentes oportunidades, bem
como as interações formativas advindas do cotidiano das relações na escola e na
vida, formam o alfabetizador num movimento constante. Tudo isto acontece de
modo que os sentidos atribuídos ao fazer docente, bem como a construção de
sua identidade profissional, vão se estabelecendo de formas diferentes para cada
um, e motivando um rol de elaborações conceituais.

Tais concepções precedem a formação inicial e a continuada, assim como


suas práticas, pois perpassam toda a construção de conceitos essenciais que são
elaborados pelo alfabetizador ao longo de sua trajetória de formação. Conforme
afirmam Spala,Lopes & Machado (2018), “toda escolha articula uma posição po-
lítica, revela teorias de compreensão e leitura de várias realidades”.

Espera-se, desta forma, que a formação inicial na licenciatura garanta dis-


cussões conceituais de tal modo que o alfabetizador possa responder aos desa-
fios que a profissão lhe impõe, articulando a aprendizagem teórico-conceitual
ofertada pela academia à vivência da sala de aula. Por isso, sustentamos a ideia
de formação do professor alfabetizador para além da formação inicial, pois ela
se estabelece através deum processo contínuo que se consolida na prática diária
da sala de aula, ligando e religando teorias, práticas, interações e partilhas.

Deste modo, na perspectiva sob a qual fundamentamos este artigo, teoria


e prática não se dissociam porque compõem, juntas, um campo de diálogo que
se constrói na coletividade das trocas, na produção de conceitos e materiais em
parcerias, no estudo acadêmico, no planejamento colaborativo, nas múltiplas
formas de interações que se concretizam nos espaços de aprender, ensinar e pro-
duzir, bem como nos modos individuais de ler o mundo e, como consequência,
de se perceber profissionalmente neste mundo. É desta forma que, tão presente
no debate sobre a alfabetização, a interdiscursividade se inscreve também nos
processos iniciais de formação de professores.

Assim, rompendo com a noção tradicional de formação que elege a uni-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 240


versidade como único espaço de produção de conhecimento e o professor al-
fabetizador como o sujeito aplicador de métodos de alfabetização, defende-se
aqui movimentos sempre contínuos de formação que, seja inicial ou continuada,
considera e motiva a autoria docente como princípio e como estratégia na uni-
versidade e na escola.

Nesse contexto, os estudos da interdiscursividade permitem considerar o


professor em formação como sujeito historicamente situado em redes de sabe-
res e poderes. Numa perspectiva interdiscursiva, o alfabetizador em formação é
motivado a identificar outras teorias atreladas ao conceito de alfabetização e a
pensar de que maneira tais teorias influenciam os processos de alfabetização.

Entre os saberes específicos da formação do professor alfabetizador é ne-


cessário que se abarque a elaboração de conceitos do que ensinar na alfabetiza-
ção e, de modo articulado, a discussão de perspectivas práticas, pedagógicas e
relacionadas às subjetividades e identidades sociais dos alunos. Essa formação
envolve, portanto, a elaboração de conhecimentos sobre a Língua Portuguesa,
e, ainda, uma formação em Sociolinguística, Psicolinguística e Fonologia, bem
como experiências com a produção literária infantojuvenil, teorias sobre a leitu-
ra e seu ensino e abordagens didáticas para o trabalho com a produção de textos
na escola.

Tal formação, precisa, ainda, possibilitar ao futuro professor a compreen-


são deque os processos de alfabetização e formação de leitores e produtores de
textos exigem estratégias didáticas flexíveis, que respondam às necessidades de
aprendizagem dos alunos, às capacidades e aos conhecimentos desenvolvidos
por eles e, de modo amplo ,aos propósitos políticos e sociais da Educação.

É necessário, portanto, considerar que as discussões sobre a formação do


alfabetizador estabelecem um diálogo direto com os estudos dos currículos, cuja
produção se manifesta em discursos e práticas de sujeitos, num complexo pro-
cesso histórico. Isso aponta para a reflexão sobre o que se produz a partir das Po-
líticas Públicas Educacionais, dos processos formativos de professores e alunos,
bem como quais os sentidos que são mobilizados e afirmados por tais propostas.

Deste aspecto emerge uma preocupação com a maneira como a alfabeti-


zação é tratada na Base Nacional Comum Curricular - BNCC - (BRASIL, 2018) e
com o fato de ser este documento tomado como referência para a elaboração

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 241


também da Base Nacional Comum da Formação de Professores (BRASIL, 2019b).

A concepção de currículo que embasa a BNCC tem um viés tecnicista, con-


teudista e disciplinarista. Tal política designa como direito de aprendizagem
determinados conjuntos de conteúdos, apresentados como habilidades, como
obrigatórios para estudantes de todo o território nacional. Contudo, o que é
apontado como direito, na realidade, se configura como obrigação. Além disso,
ao definir tais conteúdos como aqueles que integram as avaliações nacionais em
larga escala, a proposta da BNCC reafirma sua intencionalidade padronizadora,
controladora e, portanto, antidemocrática.

Tal perspectiva, vinculada ao conservadorismo epistemológico e político


n compreensão do que é e de como se tece o conhecimento, negligência tanto a
dinâmica da vida real nas escolas quanto a dos próprios processos de ensinar e
aprender. A epistemologia fundante da concepção de Educação da BNCC descon-
sidera que as realidades sociais são complexas, além de dinâmicas e provisórias,
conforme sinalizado por Oliveira & Süssekind (2018):

a impossibilidade de se produzir aprendizagens iguais por meio


de “aulas iguais”, também impossíveis de existirem, e pela mes-
ma razão, qual seja: as informações só passam a constituir co-
nhecimento quando se enredam a outros fios já presentes nas
redes de conhecimentos que os diferentes sujeitos sociais pos-
suem, ganhando, nesse processo, um sentido próprio, não ne-
cessariamente aquele que o transmissor da informação deseja
ou pressupõe. Assim, nem instruir docentes a fazerem as mes-
mas coisas, dando-lhes a mesma informação normativa doque
deve ser feito, nem repetir a mesma aula em diferentes espa-
ços tempos levará à padronização das aprendizagens, suposta-
mente possível na perspectiva cientificista adotada pela BNCC
em sua ânsia de “aplicar” a teoria/norma curricular n a prática/
cotidiano. Os processos reais de tessitura de conhecimento se
dão em redes que se modificam permanentemente, por meio de
processos sempre distintos uns dos outros, provisórios, inapri-
sionáveis” (OLIVEIRA &SÜSSEKIND, 2018, p.66-67.).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 242


Oliveira & Süssekind (2018) sinalizam que entre os estudiosos do campo
de currículo, embora haja imensas discordâncias e divergências, há o consenso de
que os processos de ensino e aprendizagem não podem ser reduzidos, tampouco
compreendidos em sua complexidade, a partir da ideia da transmissão “objetiva”
de conteúdos estanquizados, disciplinarmente organizados. Deste modo, enten-
de-se que as aprendizagens não decorrem simplesmente do ato ensinante de
conteúdo, tampouco a formação dos sujeitos se dá por meio da aprendizagem de
conteúdos dissociados uns dos outros e da vida, a partir de disciplinas fechadas
em si mesmas. A concepção curricular que se faz premente na BNCC vincula-se a
um projeto nacional de formação de pessoas aptas ao trabalho.

Conforme salientam as autoras, trata-se de uma proposta de base nacional


tradicionalista tecnicista, sabidamente retrógrada, baseada num ideário educa-
cional lsuperado, considerado quase unanimemente como incapaz de contribuir
para a construção de uma educação democrática, plural, socialmente inclusiva e
respeitosa da diversidade e, por isso, de qualidade social.

Desse modo, sinalizamos a fragilidade de propostas formativas normati-


zantes que, ao desconsiderarem que a vida cotidiana é complexa, enredada e
imprevisível, buscam controlar a realidade social a partir da seleção e engessa-
mento dos aspectos considerados mais relevantes, isolando-os dos contextos
reais em que são tecidos e ganham sentidos. Soma-se a isto, a completa falta de
referência ao professor no documento, como se a garantia da qualidade do traba-
lho pedagógico pudesse se pautar num documento normativo sem que houvesse
necessidade de mediação profissional na construção de aprendizagens escolares.

No tratamento específico das questões relativas à alfabetização, destaca-


mos o contraponto entre o histórico de estudos da área e o Decreto 9765/2019,
através do qua lé instituída a Política Nacional de Alfabetização - PNA - (BRASIL,
2019a). Este documento representa um retrocesso conceitual de larga amplitude
na medida em que apresenta definições de alfabetização e conceitos correla-
cionados, como consciência fonêmica, leitura e analfabetismo, em perspectivas
teóricas desatualizadas e apresenta a instrução fônica sistematizada como com-
ponente essencial para a alfabetização.

Deste modo, ao tratar a alfabetização como instrução, a PNA ignora os


processos formativos diferenciados vividos por crianças, jovens e adultos na for-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 243


mação inicial como leitores e escritores, bem como o desenvolvimento de prá-
ticas autorais contextualizadas, desconsiderando a produção científica na área.
Trata-se, portanto, deum contraponto à “adoção de referenciais de políticas
públicas exitosas, nacionais e estrangeiras, baseadas em evidências científicas”
(BRASIL, 2019a), já que as evidências científicas da área, conforme sinalizado
anteriormente, deslocam a atenção dos métodos para os processos individuais
de aprendizagem da leitura e da escrita.

Assim, apontamos que as atuais Políticas Públicas de formação do alfabe-


tizador reforçam um silenciamento dos saberes necessários para refletir sobre as
especificidades do cotidiano escolar, o que poderia possibilitar o posicionamento
crítico e a autonomia imprescindíveis para o exercício docente. Com isso, marca-
mos o necessário posicionamento diante de políticas de unificação curricular que
trazem como consequência a exclusão escolar da população mais fragilizada,
subalternizada e carente de uma Escola Pública acolhedora e respeitosa daquilo
que são e pensam, sentem e vivem.

A formação continuada

A profissão docente envolve um conjunto de saberes que engloba aqueles


da história de vida, da área de formação acadêmica, os especializados da carreira
e os saberes advindos da experiência na Educação. Segundo Perrenoud (2002),
além da questão dos saberes próprios, ser professor envolve trabalhar com a
singularidade das situações complexas, requerendo do sujeito a resolução de
problemas e, também, uma capacidade de gerenciar o distanciamento entre a
prescrição e a realidade do cotidiano da sala de aula, exigindo decisões autôno-
mas, responsáveis criativas e rápidas.

Desta forma, quando se pensa a formação continuada do alfabetizador, é


possível partir da noção de escola como instituição viva que precisa acompanhar
as mudanças da sociedade, pois os processos de ensinar e de aprender estão vin-
culados aos processos de transformação dos modos de interação com o mundo.

Esse lugar complementar, não por isso menos essencial, na formação do


alfabetizador, pode ser um espaço que possibilite reflexões sobre toda a comple-
xidade dos processos de alfabetização, o que inclui as formas de aprender dos
estudantes, mas também as de ensinar, construídas na profissão docente. O que

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 244


se pretende, neste sentido, é que a formação continuada dialogue diretamente
com as situações reais que afetam a vida escolar dos alunos e a prática dos pro-
fessores. Trata-se, portanto, de traçar um diálogo acerca da valorização do pro-
cesso formativo como algo que vá além do período da formação acadêmica, visto
que muitos professores têm sua formação em condições genéricas (GATTI, 2018).

No Brasil, a discussão sobre a formação continuada do alfabetizador e a


valorização docente ganha força no momento de pandemia de COVID 19. Quando
nos vemos diante de uma crise global como essa, percebemos de maneira ainda
mais direta o quanto a pandemia assolou nosso país, evidenciando as misérias
sociais. A discussão sobre a formação continuada passa, portanto, pela certeza
de que precisamos combater todo tipo de desigualdade e que todas elas (de-
sigualdade econômica, de raça, de gênero, de acesso à educação, de recursos
tecnológicos, de saúde, entre outros) desembocam na desigualdade da educação
brasileira, com consequências sempre penosas aos mais pobres. A formação con-
tinuada do alfabetizador passa, desta forma, também pelo lugar do anúncio das
injustiças sociais e da construção ética que relaciona os processos inclusivos de
ensino aos processos individuais marcados pelas desigualdades.

Essa ética está interligada a um tempo de mudança que nos desafia a pen-
sar processos de alfabetização que ultrapassem a distância, seja ela física, em
tempos não-pandêmicos, ou a digital, como a vivida agora. O contexto educa-
cional brasileiro que está por vir será ainda mais desafiador, tanto para políticas
educacionais que regem a educação de nosso país, quanto para os alfabetiza-
dores que estão no chão da escola. Aluta contra a desigualdade e a inclusão de
crianças, jovens e adultos em nossa sociedade e na escola tende a ser a grande
discussão do século XXI. E para isso, o projeto de escola, que já estava em pro-
cesso de reconstrução nas últimas décadas, precisará ser ainda mais repensado.

Esse projeto terá de pensar a formação continuada para além de um port-


fólio que acumula cursos, palestras e seminários promovidos por instituições
alheias às realidades das escolas. Será necessário validar um trabalho de refle-
xibilidade dentro das instituições para discutir e valorizar o protagonismo do
professor e a troca de saberes entre os pares para caminharem juntos por uma
perspectiva que dialogue com essa necessidade. Se essa ideia for propagada e
reconhecida, principalmente por quem está no cotidiano da escola, com certeza
esse espaço será visto como lugar de referência cujo potencial de construção de

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 245


saberes e de formação docente é imenso. A formação continuada deve ser vista,
antes de tudo, como uma tomada de posição quanto ao sujeito que se deseja
reconhecer além dos traços ordinários da cultura escolar tradicional (SENNA e
SOUZA, 2017), com o objetivo de desenvolver uma identidade profissional capaz
de atender às demandas da profissão e da realidade escolar em que nos vemos
no desafio da alfabetização.

Considerações Finais

Considerando o exposto até aqui, observamos o grande desafio de apontar


princípios da formação inicial e continuada do alfabetizador que dialoguem com
adiversidade dos modos de produzir e construir teorias e práticas alfabetizadoras.

Um dos pontos de urgência no debate sobre a formação inicial e conti-


nuada para alfabetizadores é garantir a presença - com voz, ação e produção
de conhecimentos - dos professores. Da mesma forma com que sonhamos para
os estudantes de nossas redes um projeto amplo de formação que lhes permita
inclusão social, também precisamos investir na construção de um projeto de
formação docente que se desenhe através da valorização profissional, da diver-
sidade e da dimensão ética para a democracia.

Para isso, tem sido necessário estarmos atentos às políticas públicas con-
servadoras e autoritárias que, de diferentes formas, têm se esforçado para minar
o potencial docente - criador e autoral - na formação de leitores e escritores
crianças, jovens e adultos.

É resistência quando construímos nossos próprios currículos. É resistência


quando refletimos, analisamos e fazemos escolhas didáticas contextuais. É resis-
tência quando optamos pelo diálogo como estratégia para a interação com o ou-
tro e com o mundo. É resistência quando nos percebemos como profissionais que
pensam, criam e assumem uma postura autoral de construção do seu trabalho.
É resistência quando permitimos nos afetar pela experiência do outro - o nosso
aluno, o nosso colega ou aquele pesquisador - e, a partir disso, redefinimos al-
guns caminhos. É resistência apoiar os nossos pares, as lutas coletivas de classe
e também identificar o nosso papel individual na transformação de tudo o que
oprime. É resistência acreditar e trabalhar na formação de leitores e escritores
como projeto amplo de humanidade e de sociedade.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 246


Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional


Comum Curricular: Educação é a base. Brasília: MEC/SEB, 2018.

BRASIL. Decreto no 9765, de 11 de abril de 2019. Institui a Política Nacional de


alfabetização. Brasília: MEC, 2019a.

BRASIL. Resolução CNE/CP n. 2, de 20 de dezembro de 2019. Define as Diretri-


zesCurriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educa-
ção Básica einstitui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Profes-
sores da EducaçãoBásica (BNC-Formação), 2019b.

FERREIRO E; TEBEROSKY, A. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artes


Médicas, 1985.

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São


Paulo: Autores Associados: Cortez, 1988.

GATTI, B.A. Por uma política de formação de professores. Revista Pesquisa


FAPESP. São Paulo, Julho, 2018.

MORTATTI, M. R. L. Os sentidos da alfabetização. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

PERRENOUD, P. A prática reflexiva no ofício do professor: Profissionalização e


RazãoPedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002.

SOUZA, J.M.P; SENNA, L.A.G. Lugar de aluno é na escola que desenvolveconhe-


cimentos. Revista Exitus. 2017.

SOARES, M. Alfabetização e Letramento: Caminhos e Descaminhos. Revista Pe-


dagógica. São Paulo, fev, 2004.

SMOLKA, A. L. B. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização como pro-


cesso discursivo. São Paulo: Cortez; Campinas, SP: Editora da Universidade Esta-
dual de Campinas, 1989.

SPALA, F. T.; MACHADO, M. L. C. A; LOPES, P. S. V. C. Relações entrecomponentes


curriculares e modos autorais de ensinar na alfabetização. RevistaContemporâ-
nea de Educação, v. 13, n. 27, maio/ago, 2018.

OLIVEIRA, I. B.; SÜSSEKIND, M. L. Dimensões político-epistemológicas doequívo-


co conservador na educação: A base curricular brasileira no contexto doscurrícu-
los nacionais. Revista Portuguesa De Educação, 31(Especial), 55–74, 2018.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 247


RESSIGNIFICANDO A ALFABETIZAÇÃO NO PROJETO
PARCERIA ESCOLA E UNIVERSIDADE: a inserção de licenciandos
em escolas da rede pública do município do Rio de Janeiro

Ana Clara Diniz Pelluso


Faculdade de Letras - UFRJ
anaclarapelluso@letras.ufrj.br

Daniele Sueira de Lira


Faculdade de Educação - UFRJ
danielesueira21@gmail.com

Larissa Vicente de Nascimento


Faculdade de Educação - UFRJ
larissa2626@outlook.com

Luciene Cerdas
Faculdade de Educação - UFRJ
lucienecerdas@gmail.com

Rejane Amorim
Faculdade de Educação - UFRJ
rejane_almeida@hotmail.com

Introdução

Compreendendo o importante papel da escola pública de educação básica


como espaço significativo para a formação docente, o Projeto de Extensão “A
parceria escola e universidade na alfabetização das crianças e na formação inicial
dos alfabetizadores” (Projeto Parceria Escola e Universidade), inscrito no âmbito
do Grupo de Ações de Ensino, Extensão e Pesquisa - Fórum da Escrita (GRAFE),

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 248


da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FE-UFRJ),
estabeleceu parceria com duas escolas da rede municipal da cidade do Rio de
Janeiro para repensar estratégias e práticas alfabetizadoras no contexto dos anos
iniciais do Ensino Fundamental.

Contribuindo para a formação inicial de licenciandos dos cursos de Letras e


Pedagogia, da UFRJ, e para a formação continuada de professores alfabetizado-
res já atuantes na rede municipal de ensino, as ações desenvolvidas teceram diá-
logos entre diferentes sujeitos na elaboração de reflexões, práticas e criação de
materiais voltados para o trabalho com as crianças em fase de alfabetização. As
ações didático-pedagógicas do Projeto, sempre no diálogo com as experiências
lúdicas infantis do brinquedo e da brincadeira, perpassam dois momentos distin-
tos: antes e durante a pandemia do novo Coronavírus, que, desde março de 2020,
impossibilitou o andamento das ações no espaço da escola e rompeu o contato
direto com as crianças e professores regentes das turmas, atores essenciais à
nossa formação como alfabetizadoras.

Ainda assim, a reinvenção do Projeto, em decorrência da pandemia, foi ne-


cessária e configurou uma etapa que assumiu novos desafios nesse contexto iné-
dito, sendo urgente repensar propostas que possibilitassem a continuidade das
ações. Nesse sentido, a criação do canal “Projeto Parceria Escola e Universidade”
no YouTube, e a produção e disponibilização de conteúdos digitais para as esco-
las, evitaram a ruptura com os objetivos das propostas antes realizadas com as
crianças de forma presencial, valorizando a participação das crianças, as práticas
de escrita, a literatura e a ludicidade. Na busca de reflexões conjuntas, elabora-
ção de materiais pedagógicos e práticas alfabetizadoras, o projeto encontra seu
caminho nesse período pandêmico.

Neste trabalho, trazemos o relato da nossa experiência como extensionis-


tas nesse projeto a partir das ações realizadas por nós durante o ano de 2019 e
2020 voltadas à alfabetização.

A inserção de licenciandas em escolas da rede pública do município


do Rio de Janeiro

Foi a partir do entendimento da escola pública como significativo espaço

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 249


de formação para os estudantes das licenciaturas que o projeto se realizou. O
contato com o chão de sala de aula, desde o início de nossa formação, foi um
importante processo que nos permitiu a compreensão desse espaço como locus
da nossa prática docente, na busca por nossa autoria diante dos recorrentes de-
safios de se pensar e repensar o cotidiano escolar no contexto da alfabetização.
Além disso, a relação com a escola ainda nos primeiros períodos da graduação
rompeu com a ideia dicotômica teoria e prática, como se essa última devesse ser
observada, e exercida, após extensos estudos teóricos realizados nos primeiros
anos do curso. No âmbito do projeto, contudo, os estudos, discussões, reflexões e
planejamento das ações didáticas construíram a perfeita ponte entre os teóricos
que norteavam nossa atuação e a própria vivência no cotidiano com as crianças
das escolas parceiras. Possibilitou-nos entender que teoria e prática andam sem-
pre juntas e que por meio delas podemos realmente experienciar o fenômeno da
alfabetização em seus mais diversos desafios.

As ações didáticas eram sempre elaboradas partindo do coletivo, isto é,


entre nós licenciandos do projeto e as professoras coordenadoras. Tal dinâmica
nos conferia autonomia para pensar e apresentar ao grupo diferentes práticas
a serem incorporadas à alfabetização. Essas propostas encaminhadas para os
professores das turmas e crianças das escolas tinham, ainda, flexibilidade para
serem modificadas conforme o planejamento do regente e as demandas dos alu-
nos, uma vez que cada turma possuía diferentes especificidades e considerá-las
em nosso planejamento era essencial.

Com as orientações e supervisões das coordenadoras e dos docentes re-


gentes tivemos a oportunidade de, enquanto professores alfabetizadores em
formação, dialogar com diferentes sujeitos para construir nossas práticas, par-
tindo do objetivo de exercer diretamente um diálogo com o cotidiano infantil e
seus fenômenos referentes ao brincar, fundamentalmente. O que norteava nossa
atuação era a busca por levar às crianças atividades que ampliassem seu imagi-
nário no processo de aprendizagem da língua escrita, conferindo a elas a busca,
assim como era para nós, extensionistas, por protagonismo e autoria, marcada
pela presença da criatividade e, especialmente no caso das crianças, do lúdico.

Colello (2017) enfatiza a necessidade de se pensar a prática educacional


enquanto um processo que dialoga com três direitos fundamentais da criança:

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 250


sua humanização, socialização e subjetivação, isto é, quem é o aluno em seu pró-
prio processo de aprendizagem e como lhe proporcionar a autoria na construção
de suas histórias. A autora nos trouxe a reflexão acerca do significado do ato de
aprender, que incorporamos no processo de elaboração de nossas sequências
didáticas, nos levando a valorizar o brincar por meio de brinquedos e brincadei-
ras. A mediação de uma aprendizagem que se dá por meio de um contexto que
confere sentido à criança é capaz de aproximar os conteúdos escolares a sua rea-
lidade social. Nesse sentido, o projeto iniciou suas ações didático-pedagógicas,
no segundo semestre de 2019, especificamente a partir da temática brinquedos
e brincadeiras (imagens 1 e 2).

Imagem 1 Imagem 2

Fonte: acervo do projeto

Ao mesmo tempo em que era trabalhadas com as crianças atividades


envolvendo rodas com brincadeiras e parlendas, contação de histórias, produ-
ção de brinquedos a partir de materiais recicláveis, exibição de filme sobre a
temática, elaboração de listas, gráficos e pinturas, o processo de ampliação da
escrita, leitura e reflexão sobre a língua também era trabalhado por meio de
atividades que envolviam a sistematização da escrita, norteadas pelos eixos da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) referentes aos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Nessas atividades, as crianças tecem narrativas escritas de forma
individual (imagem 3) e também coletiva, apresentando-as para a turma. Em ou-
tros momentos, colocamos-nos como escribas das crianças e fazíamos os regis-
tros, partindo da oralidade para a escrita, que eram expostos para toda a classe
em forma de cartaz.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 251


Imagem 3 - exposição das narrativas da turma 1.202

Fonte: acervo do projeto

No encontro com a perspectiva de Colello (2017), a visão de urgência de


que a criança precisa refletir e se apropriar do Sistema de Escrita Alfabética (SEA)
também deve trazer a ideia de que ela deve vivenciar seu processo de alfabeti-
zação de forma que esse lhe confira significado, proporcionando a superação do
dualismo entre o mundo da vida e o mundo da teoria e nos permitindo refletir
acerca do ato ético e responsável (BAKHTIN, 2010). Uma vez considerado e co-
locado em destaque no cotidiano escolar dos alunos os seus interesses, desejos,
dizeres e demais considerações que as crianças fazem.

O diálogo entre escola e universidade na formação inicial e continuada de


professores alfabetizadores amplia os processos de discussão, reflexão e desen-
volvimento de práticas entre os diferentes sujeitos que atuam na alfabetização
de crianças. É um momento para troca de conhecimentos que parte de uma re-
lação não hierárquica, pois a escola de educação básica é vista como um local
para se ocupar ainda no início da graduação em licenciatura. Sob a supervisão
dos professores supervisores, regentes das turmas das escolas parceiras, podía-
mos observar como nossas propostas eram por eles percebidas e incorporadas
aos seus respectivos planejamentos, ao mesmo passo em que ocorriam as trocas
antes, durante e após as atividades com as crianças. O envolvimento de cada pro-
fessor nas nossas ações marcaram um importante momento em nossa atuação
nas escolas, o que nos proporcionou refletir sobre a importância da parceria da
universidade com a escola, sobretudo a pública.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 252


Urgência e desafios no contexto remoto: uma nova proposta de atuação
no Parceria Escola e Universidade

Com a chegada da pandemia, o termo reinvenção esteve fortemente presen-


te no campo da educação, e a necessidade de dar continuidade às ações do projeto
e manter o diálogo com as escolas públicas parceiras resultou na criação do canal
Projeto Parceria Escola e Universidade na plataforma do YouTube (figura 1).

Figura 1 - Canal do Projeto no YouTube

Fonte: YouTube <https://www.youtube.com/channel/UCivIIl95AS366DZ-zV_v4Tw>

Buscamos não perder o contato com as instituições parceiras e dar prosse-


guimento às nossas ações didático-pedagógicas, processo que nos conferiu maior
autonomia e autoria no processo de repensar atividades para um espaço que
seria agora digital. Além disso, a importância de uma abordagem não avaliativa
do processo de aprendizagem das crianças também foi mantido, sendo ressaltado
ainda mais o lúdico na produção de conteúdos digitais, com atividades de conta-
ções de histórias e tutoriais para produzir brinquedos com materiais reciclados,
com foco na adequação a linguagem midiática.

Partindo, ainda, do entendimento das limitações e desigualdades de aces-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 253


so às ferramentas para navegar na Internet, logo compreendemos o desafio do
canal, uma vez que nem todas as crianças das escolas parceiras puderam, de
fato, ter acesso aos conteúdos por nós produzidos. As ações, contudo, marcaram,
dentro deste contexto de enormes dificuldades, um novo enfoque para nossa
formação inicial, com ênfase no pesquisar, planejar, produzir e executar novas
propostas para ambientes virtuais, nos fazer assumir o desafio de explorar novos
recursos referentes às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) até che-
garmos à produção final.

As etapas para a produção dos materiais audiovisuais seguiram diferentes


processos de preparação por parte do grupo de extensionistas, pois dependiam
do que tínhamos em mente e dos recursos disponíveis. Pesquisa, estudo, roteiro,
ambiente de gravação, edição, etc. tudo foi uma novidade, no início, bem assusta-
dora. O resultado final, contudo, não nos deixou dúvidas quanto à qualidade das
propostas dos vídeos, como relatou uma professora de uma das escolas parceiras
(relato abaixo):

Vários vídeos foram utilizados para complementar minhas ati-


vidades, eles interagiam perfeitamente com o meu planeja-
mento. Os temas abordados e as atividades eram de fácil com-
preensão e com isso foi sugerido pela coordenadora Priscilla
a serem utilizados por outras turmas. As atividades eram en-
viadas através do próprio celular e pelas plataformas com um
tempo para o retorno, mas vi que cada família tinha sua rotina
para realizá-las, então deixei o tempo de retorno livre. Apesar
das atividades chegarem há um pequeno grupo da turma, na
reunião de pais os responsáveis elogiaram os vídeos e as ati-
vidades propostas, gostaram de fazer junto com as crianças.
Espero continuar com a parceria nesse segundo semestre, pois
o resultado está sendo positivo.  (Professora – Turma 1202)

Posteriormente e com o notório crescimento do canal, as ações foram rece-


bendo novos públicos para além do imaginado: crianças em fase de alfabetização
das escolas parceiras e de outras escolas, crianças já alfabetizadas, professores
da Educação Infantil e alfabetizadores, pais, responsáveis das crianças e colegas

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 254


que estão se formando educadores. Nesse sentido, a etapa da elaboração do
canal somou-se ao Projeto como uma experiência em que pudemos desfrutar de
novos aprendizados para nossa formação docente.

Considerações Finais

É evidente que o diálogo entre os diferentes sujeitos (estudantes de gra-


duação, professores regentes, nossos co-formadores, e professores universitá-
rios) que vivenciam e estudam o processo de alfabetização das crianças é muito
importante, fenômeno proporcionado pelo nosso projeto de extensão. Ele contri-
buiu não só para a formação inicial e continuada de professores alfabetizadores,
conferindo autonomia e criação de novas práticas a partir da reflexão acerca da
criança que é capaz de construir sua aprendizagem. Cabe a nós, futuras educado-
ras, a mediação desse processo em um contexto significativo, ao qual será confe-
rido familiaridade e sentido. Retomando Colello (2017), é sobre ancorar teoria e
prática em metodologias ativas, significativas e contextualizadas.

Dessa forma, as ações realizadas tanto no período em que estivemos em


sala de aula, no contato direto com as crianças e professores, como no contexto
digital, devido à pandemia do novo Coronavírus, refletiram a construção de uma
formação que emerge dos diversos desafios recorrentes na área da alfabetização.
Uma construção que, sem dúvida, não é solitária, mas coletiva. Nos encontros
formativos para estudar, ler livros infantis, debater e desenvolver o planejamen-
to, o aspecto da coletividade era sempre ressaltado, o que também não mudou
com os professores regentes das turmas que contribuíram de forma enriquecedo-
ra para nossa formação.

No âmbito presencial, as ações foram marcadas pelo afeto e acolhi-


mento dado pelas crianças, suas diversas contribuições para a reorganização do
nosso planejamento - para que trouxesse ainda mais das percepções e imaginário
infantil, os desejos que elas tinham, curiosidades etc. -, além de nos conferir,
claro, o contato com o chão de sala, vivenciando-a. Ainda, foi no contato com
os professores alfabetizadores, observando e conversando sobre suas práticas,
que compreendemos a imprescindível importância da ponte entre universidade
e escola. Já no contexto remoto, a reorganização do projeto, que se deu com a
criação do canal no YouTube, ofereceu-nos outros desafios e formas de se pen-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 255


sar propostas para um cenário totalmente inédito que nos limita em diversos
aspectos. Ainda assim, os resultados dessas experiências, concebidos em dois
momentos distintos, mostraram práticas de ressignificação na busca por autoria,
protagonismo e consolidação de uma formação alfabetizadora autônoma, ética e
comprometida com a escola pública.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Para uma filosofia do Ato Responsável. Trad. Valdemir Miotello
e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, [1919/20] 2010.

COLELLO, Silvia M. Gasparian. A escola e a produção textual: práticas intera-


tivas e tecnológicas. Edição: 1ª. SummusEditorial: São Paulo, 2017.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 256


A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO CONTINUADA PARA
O PROFESSOR ALFABETIZADOR:
reflexões sobre a profissão docente à luz de Antônio Nóvoa

Michele Barreto Nunes


m.barretonunes@bol.com.br
E.E.M. Lúcio Thomé Feteira

1. Introdução

O texto em foco tem como base a minha vivência como professora da se-
gunda etapa do primeiro ciclo de alfabetização, com o objetivo de relatar uma
experiência que vivi e os desafios que encontrei para trabalhar com turmas em
processo de alfabetização, assim com, reforçar a importância da formação con-
tinuada.

Ao iniciar com a turma do segundo ano do Ensino Fundamental, acreditava


que o melhor método para alfabetizar seria o método de memorização, mas ao
perceber que a turma não estava evoluindo, me indaguei sobre qual seria a me-
lhor maneira de alfabetizar os meus alunos.

O processo de alfabetização inicia-se muito antes do período de escolariza-


ção e por meio, principalmente, da mediação da família. Nesse sentido, a criança
vai, gradativamente, identificando a natureza e as funções da escrita, e o resulta-
do se estabelece pela qualidade das interações do sujeito com a leitura e com a
escrita, como salienta Freire (1994, p.8) “Aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se
é antes de mais nada, aprender a ler o mundo, compreender seu contexto, não
numa manipulação mecânica de palavras, mas numa relação dinâmica que vin-
cula linguagem e realidade”.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 257


Na busca de enriquecer a minha prática optei pela formação continuada,
por meio de um Projeto de Leitura realizado município de São Gonçalo, Magia de
Ler, no qual havia encontros de formação com os professores para posteriormen-
te realizar a execução das atividades com os alunos em sala de aula.

O texto articula-se com o artigo: “Firmar a posição como professor, afirmar


a profissão como docente”, do educador António Nóvoa (2017), no qual concor-
damos quando o autor ressalta a importância de repensar a nossa prática com
intuito de buscar alternativas para transformação em busca de se ofertar uma
educação pública de qualidade. Segundo o autor:

Parte-se de um diagnóstico crítico do campo da formação de


professores não para o desmantelar, mas para nele buscar as
forças de transformação. Estamos perante um momento cru-
cial da história dos professores e da escola pública. Precisa-
mos repensar, com coragem e ousadia, as nossas instituições e
as nossas práticas. (NÓVOA, 2017, p.6)

Concordamos com o autor Nóvoa (2017), quando fala que a profissão do-
cente está a evoluir para uma matriz coletiva, pois através da socialização e
interação com outros docentes pude vivenciar experiências valiosas que muito
contribuíram para melhoria da minha prática. Conforme relata o autor:

Hoje, sabemos que é na colaboração, nas suas potencialida-


des para a aprendizagem e nas suas qualidades democráticas,
que se definem os percursos formativos. O espaço universitá-
rio é decisivo e insubstituível, mas tem de se completar com
o trabalho no seio de comunidades profissionais docentes. A
profissão docente está a evoluir, rapidamente, de uma matriz
individual para uma matriz colectiva. (NÓVOA, 2017, p. 18).

2. Objetivo

O objetivo da atividade desenvolvida foi inserir os alunos em processo de

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 258


alfabetização no universo letrado, construindo em coletivo a apropriação da leitu-
ra e da escrita, também visa encontrar informações no texto, observar diferentes
tipos de textos e atividades diversas, visando desenvolver habilidades, e construir
um aprendizado significativo e contextualizado, além de significar a prática docen-
te a partir de práticas reflexivas e incentivar a formação continuada.

3. Descrição das atividades: desenvolvimento

Utilizamos como suporte para a realização das atividades um manual de


brinquedos intitulado: “Brinquedos Ensebados do Baú Estropiado” e durante a
realização do projeto todos os alunos da classe utilizavam o livro para acompa-
nhar as atividades a serem realizadas, das quais, dentre elas: confeccionar alguns
brinquedos. Nesse contexto, foi apresentada a seguinte atividade:

A atividade de leitura literária iniciou com a rodinha na qual foi distribuído


um livro para cada discente. Iniciamos a conversa sobre a capa do livro e a ilus-
tração. Falamos sobre os personagens ali presentes. As crianças falaram sobre o
que viam: o baú, um menino e um velho.

3.1 Desdobramentos da compreensão da leitura:

Em seguida, fizemos a leitura do título do livro: “Brinquedos ensebados do


baú estropiado”, e perguntei:

-Alguém sabe o significado da palavra ensebado?

-Responderam: Maria Eduarda disse que era ensopado, que-


brado, estragado, concordando com ela boa parte do grupo;
Hilary disse que era sujo; Thiago contribuiu dizendo que era
bagunçado, desmontado; já o Júlio Wendel disse que seria
bom.

3.2 Leitura e interação

Dando continuidade passamos para etapa seguinte, indaguei:

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 259


- Qual o assunto que eles acreditavam que o livro falava?

Recebi as seguintes respostas: a Hilary disse que era sobre


brinquedo velho e quebrado; Maria Eduarda achou que o as-
sunto seria brinquedo novo; João Vitor pensou que eram brin-
quedos sujos; já o Leonardo falou que seria brinquedo limpo.
Prosseguindo a conversa, perguntei:

- Quem seria o dono do baú?

Os alunos disseram com muita firmeza: o Pirata, disse a Hilary;


já a Maria Eduarda complementou dizendo que seria do me-
nino e do avô que achou e abriu enterrado no deserto; Vitor
Hugo se colocou dizendo que o baú ficava no sótão da loja de
brinquedo; já o Thiago achou que ficava na ilha deserta. Então,
foi perguntado:

- E dentro do baú, o que será que tem?

-Responderam: tesouro, dinheiro e brinquedo.

A seguir, os alunos fizeram o levantamento de hipóteses tendo como re-


sultado: faca, espada, arma, um presente. Todos concordaram que o baú estava
guardado e Vitor Hugo falou que o baú era do amigo do avô de Vitinho que fazia
brinquedos.

Durante a conversa quando perguntei sobre brinquedos confeccionados


com materiais variados, dois alunos me falaram que já haviam feito alguns brin-
quedos de sucata. A Hilary disse ter construído um skate e o Luís Flávio fez um
carrinho, solicitei aos mesmos que trouxessem no dia seguinte.

Ao iniciar a leitura do livro solicitei aos discentes que procurassem a infor-


mação: quais materiais seriam utilizados para confeccionar a bola de meia?

Enquanto pensavam construía com eles a palavra através dos sons das fa-
mílias e palavras-chave. Após escrita dos materiais necessários, solicitei a turma
que trouxessem meias velhas, na próxima aula.

No dia seguinte, prosseguimos realizando em dupla a ilustração dos ma-


teriais que utilizaríamos para confeccionar o brinquedo. Após o desenho, cada
dupla grafou o nome dos objetos. Como só uma aluna trouxe um par de meias,

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 260


salvo eu que havia levado um pé, solicitei-a que realizasse a confecção da bola
seguindo orientação da turma que através da ilustração do livro, ditavam o passo
- a - passo.

Costurei a bola de meia e em conversa com o grupo, foram necessárias três


etapas para concluirmos o trabalho, sendo tudo registrado no quadro pelo pro-
fessor. Com o objetivo de associar a bola de meia à geometria, perguntei:

- Quais brincadeiras poderiam fazer utilizando a bola de meia?

Aproveitando o momento para relembrar que, como vimos em geometria,


à bola tem forma de esfera, incluindo assim, mais uma vez o conteúdo anterior-
mente trabalhado, buscando sempre trazer para o concreto de modo lúdico o
conteúdo aplicado. Logo, responderam que daria para brincar de queimado, aler-
ta cor e vôlei, diversas brincadeira que utilizaram a bola de meia para brincarem
durante o recreio da turma.

Outra atividade trabalhada foi a brincadeira de suco gelado, cabelo arre-


piado, qual é a letra do seu namorado, uma vez que, fala sobre as letras do alfa-
beto, e quem deixava a bola cair deveria falar o nome de uma pessoa que começa
com aquela letra.

3.3 O uso do material reciclável

Durante a apresentação do brinquedo aproveitei para fazer um breve co-


mentário sobre a questão do meio ambiente, conscientizando os discentes de
que devemos reutilizar materiais recicláveis, diminuindo assim a produção de lixo
desnecessária e sobre descarte de materiais em lugares adequados.

4. O segundo momento do Projeto de Leitura

Neste segundo momento do projeto de leitura, trouxe para os discentes


uma folha contendo os materiais que utilizaríamos para confecção do nosso pró-
ximo brinquedo.

Iniciamos a leitura do primeiro item da folha, especificando quantidades


e tamanhos solicitando aos discentes que grifassem os itens ditados. Neste mo-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 261


mento os alunos que não sabiam ler entraram em pânico para realizar a tarefa e
alegaram que não tinham habilidade de leitura.

Por isso, foram orientados a prestarem atenção nos sons das palavras, com
qual letra começava, qual seria a última letra, e todas as intervenções descritas
no material disponibilizado pelo projeto.

4.1 Material

Foi utilizado o lápis de cor para grifar esses materiais, no entanto, muitos
alunos não conseguiram fazê-lo conforme foi orientado e na hora de copiar para
o caderno o texto ficou desencontrado. A princípio não fizemos correções no
caderno, mas confeccionamos um cartaz com a folha trazida pela professora,
contendo a lista do material que seria utilizado para confecção do brinquedo,
expondo no mural do corredor, buscando valorizar as informações grifadas pelos
alunos e incentivar a autonomia discente.

5. Trabalhando a leitura/ produção: autocorreção do texto

Em outro dia realizamos novamente a leitura dos materiais descritos no


livro e escrevi na lousa para observação do mesmo e pedi que fizessem a auto-
correção do texto. Aproveitei para ler no livro com os alunos a descrição para
confecção do brinquedo.

Após a leitura, os estudantes ditaram o que entenderam da confecção en-


quanto a professora fazia os devidos registros: “pega duas latas e vira, depois
ponha o prego e bate com o martelo para furar a lata, depois bota a corda por
dentro e faz um nó”. Durante a escrita realizei com eles algumas alterações para
dar mais coerência ao texto, entretanto, valorizei a escrita e entendimento dos
alunos não fazendo alterações que pudessem descaracterizá-lo.

5.1 Aluno: escola, leitura e interação

Expliquei para os alunos que deveríamos solicitar a presença de um profis-


sional da escola para que a turma explicasse o que faríamos e pedissem autori-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 262


zação para usar o brinquedo na unidade escolar, já que estamos sem professor de
educação física. A turma escolheu de forma democrática a tia Sandra, inspetora
do primeiro turno. Redigi no quadro a fala dos alunos sobre como se faz o brin-
quedo e disse-lhes que teríamos que escrever um bilhete. Os discentes ditavam,
enquanto escrevia para observação e acompanhamento deles.

No texto definimos o dia, a hora e o que gostaríamos de falar com a inspe-


tora, e foi introduzindo a palavra urgente, a pedido dos alunos. Ao final, disse-
-lhes que teríamos que assinar o bilhete.

No dia seguinte, na hora marcada, a tia Sandra compareceu à sala e pedi-


mos que se sentasse; alguns alunos foram chamados para dar início ao diálogo
explicando para a funcionária como construiríamos o brinquedo. Após confeccio-
namos quatro pés de lata a turma pediu a inspetora para brincar com o brinquedo
na escola, e ela logo autorizou. Ao começar a brincadeira, foi a maior confusão,
alguns alunos não permitiam que outros colegas pudessem brincar. Foi sugerida
a construção de regras para o brinquedo, utilizando a lousa para escrever as re-
gras ditadas pela turma que ficou assim:

1. Quem cair passa a vez para o outro

2. Não pode reclamar

3. Não empurrar o colega

4. Não colocar o pé na frente

5. Seguir a ordem alfabética (sugestão do professor)

6. Fazer fila por ordem de tamanho (seguiram está ao no lugar de ordem


alfabética)

7. Brincar sem gritar

Depois de tudo organizado, brincaram com o brinquedo conforme as regras


estipuladas pela turma.

5.2 Leitura: a matemática

Na área de matemática, aproveitei o brinquedo produzido para fazer com

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 263


eles dois probleminhas que trouxessem a ideia de multiplicação e agrupamento,
que dizia: “se com duas latas Thiago (nome do aluno da classe) consegue fazer
um pé de lata, quantas latas ele vai precisar para fazer cinco pés de lata”?

O aluno Júlio Wendel, que aparentemente demonstra muita dificuldade


nos conteúdos de escrita, respondeu quando menos esperávamos que seriam
necessárias 10 latas, para minha surpresa. Sugeri que desenhassem o problema
para maior entendimento, e assim o fizeram. Confeccionamos um cartaz com o
probleminha e os desenhos dos mesmos para expor no mural.

6. Análise dos resultados

Com a realização do projeto, percebemos a importância da valorização do


diálogo como ferramenta na construção do processo de ensino aprendizagem,
pois, favorece a interação entre os educandos e com o professor, construindo
assim, uma relação de afeto pautada na confiança, o que contribui para o desen-
volvimento dos estudantes.

Segundo Freire (1996) “respeitar a leitura de mundo do educando significa


torná-lo ponto de partida para a compreensão do papel da curiosidade, de modo
geral, e da curiosidade humana, de modo especial, como um dos impulsos da
produção de conhecimento”.

Sem dúvida, as interações sociais possuem lugar central no processo de


aquisição do conhecimento, segundo o autor Vygotsky (1994). Para o autor, é
pelas trocas que se estabelecem com o meio social que a criança começa a dar
significado a suas ações. É na relação com o outro e com o meio social que os
conteúdos dessa aprendizagem adquirem significado para o sujeito do conheci-
mento. Para Vygotsky:

Antes de controlar o próprio comportamento, a criança come-


ça a controlar o ambiente com ajuda da fala. Isso produz novas
relações com o ambiente, além de uma nova organização do
próprio comportamento. A criação dessas formas caracteris-
ticamente humanas de comportamento produz mais tarde, o
intelecto, e constitui a base do trabalho produtivo; a forma

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 264


especificamente humana do uso do instrumento. (Vygotsky,
1994, p. 33)

É bom lembrar que da formação continuada, recebi a oportunidade de


participar de novas experiências que contribuíram muito para enriquecer a minha
vida acadêmica, o que desencadeou o meu interesse em continuar me aprimo-
rando. Se não tivesse a oportunidade de experimentar esse espaço híbrido a que
Nóvoa se refere, possivelmente, não construiria a visão crítica das atividades
realizadas por mim na escola, o que me favoreceu a fortalecer a minha atuação
como docente. De acordo com a concepção do autor:

Para avançar no sentido de uma formação profissional univer-


sitária, é necessário construir um novo lugar institucional. Este
lugar deve estar fortemente ancorado na universidade, mas
deve ser um “lugar híbrido”, de encontro e de junção das vá-
rias realidades que configuram o campo docente. É necessário
construir um novo arranjo institucional, dentro das universida-
des, mas com fortes ligações externas, para cuidar da forma-
ção de professores. (Nóvoa, 2017, p. 9).

Fica claro que escola precisa da articulação com a universidade, inclusive


para compreender-se como campo de pesquisa, como campo de aventura do co-
nhecimento para a educação, para enfrentar os ataques que sofre e se legitimar.
Com isso me apoio na seguinte reflexão:

Tornar-se professor é transformar uma predisposição


numa disposição pessoal. Precisamos de espaços e
de tempos que permitam um trabalho de autoconheci-
mento, de autoconstrução. Precisamos de um acom-
panhamento, de uma reflexão sobre a profissão [...].
(Nóvoa, 2017, p. 16)

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 265


Nesse contexto, os alunos tiveram a oportunidade de construir, a partir da
sua cultura, aprendizagens significativas e socializar com seus pares a experiên-
cia de construir, coletivamente, seu ambiente alfabetizador. Muitos deles foram
para o próximo ano alfabetizados e continuaram o processo com êxito, e os pou-
cos que não conseguiram continuaram inseridos no processo de alfabetização no
ano posterior.

7. Considerações finais

Desse modo percebemos a importância da formação continuada não só


para os docentes, e como uma prática pautada em teorias ocasionam um fazer
reflexivo, no qual corrobora para desenvolver o compromisso em formar cidadãos
capazes de serem autores de sua própria aprendizagem, incentivando a autono-
mia e o protagonismo discente.

Referências

FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. São Paulo: Paz e
Terra, 1981.

_______ (1987). Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

_______ (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educati-


va. São Paulo: Paz e Terra.

NÓVOA, António. “Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente”.


Cad. Pesquisa. Versão eletrônica, consultada a 07.10.2020.

NUINES, Michele B. Reflexões sobre a profissão docente à luz de Antônio Nóvoa:


relatos de uma professora sobre os desafios para formação continuada. Cescon-
texto-Diálogo com Antônio Nóvoa – nº. 28, janeiro 2021.

VYGOTSKY, Lev. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos


psicológicos superiores. São Paulo. Martins Fontes, 1994.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 266


FORMAÇÃO CONTINUADA EM SERVIÇO:
apropriação da linguagem escrita nos anos
iniciais de escolarização

Cristiane Batistioli Vendrame


cris_ven_drame@hotmail.com
Universidade Estadual de Maringá

Luciana Figueiredo Lacanallo Arrais


lflacanallo@uem.br
Universidade Estadual de Maringá

Introdução

O presente relato faz parte de uma investigação realizada a nível de dou-


torado, cujo objetivo consistiu em investigar a compreensão por professores dos
anos iniciais do ensino fundamental acerca das orientações teórico-metodológi-
cas para o ensino da linguagem escrita, envolvendo a aprendizagem da escrita e
da reescrita de texto, por meio de formação continuada em serviço.

Como referencial teórico adotamos as contribuições da Teoria Histórico-


-Cultural (THC), a qual compreende a linguagem escrita como um fenômeno so-
cial, complexo, que resulta da interação verbal entre sujeitos, sendo esta dialó-
gica e responsável por materializar as ideias e as experiências humanas por meio
de códigos escritos (VIGOTSKI, 2009).

Na pesquisa, dentre outros procedimentos metodológicos, foram realiza-


dos encontros formativos semanais com três docentes dos anos iniciais do ensino
fundamental de escola pública, com duração aproximada de uma hora, durante
oito meses. Dentre os temas estudados nesses encontros, selecionamos para ex-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 267


por neste relato a distinção entre tipologias textuais e gêneros textuais.

Para a organização da exposição de nossas reflexões, primeiramente dis-


corremos acerca da metodologia adotada, ressaltando as contribuições da pes-
quisa-ação bibliográfica e empírica, com ênfase na pesquisa colaborativa consi-
derando a participação efetiva de todos os envolvidos na educação. Na sequência,
trouxemos a análise dos dados em que relatamos parte de um estudo maior pro-
piciado a professores dos anos iniciais de escolarização, envolvendo o processo
de ensino e da aprendizagem da linguagem escrita e da reescrita de texto. Por
fim, expomos as considerações finais, em que evidenciamos a relação existente
entre o conhecimento teórico-metodológico dos professores e o potencial forma-
tivo das formações continuadas em serviço.

Metodologia

Em uma investigação do tipo pesquisa-ação de caráter bibliográfico e em-


pírico, defende-se a participação efetiva de todos os envolvidos – pesquisador e
sujeitos da pesquisa, sobretudo compreendendo o papel ativo dos partícipes, de
modo que tenham voz e vez em expressar suas apreensões, compartilhar expe-
riências, concordar ou discordar dos discursos alheios. Nesse ínterim, assumimos
como metodologia a pesquisa colaborativa1, a qual possibilita um processo de
indagação, teorização e revisão das práticas profissionais de educadores.

Em consonância a esses aspectos metodológicos, inicialmente, recorremos


a dois instrumentos de coleta de dados: questionário e entrevista semiestrutura-
da, direcionados aos participes da investigação. De posse dos dados, conhece-
mos o perfil dos sujeitos da pesquisa (formação profissional; situação funcional;
experiência profissional) e elencamos eixos de análise que, posteriormente, cul-
minaram nos temas a serem estudados nos encontros formativos. Entendemos
por encontros formativos o movimento contínuo de estudo em que pesquisador
e professores são agentes ativos do processo. Nessa direção estão os estudos de
Dias e Souza (2017, p. 204), as quais sublinham

1
Segundo Ibiapina (2016), a pesquisa-ação pode ser classificada em colaborativa, emancipatória
e crítica.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 268


Há necessidade de espaços formativos que propiciem, em
grandes e pequenos grupos, elaborações intelectuais em que
se consideram a multiplicidade de fatores educacionais e as
possibilidades de Atividade Pedagógica com estudantes reais,
a fim de contribuir com sua formação humanizadora.

Objetivando essa formação humanizadora, seguimos na pesquisa com a


finalidade de caracterizar o grupo de acordo com seus traços gerais.

Análise dos resultados

Mediante os dados coletados ao longo da investigação, buscamos indí-


cios de similaridades, particularidades, diferenças, no intuito de apreender qual
a compreensão dos professores acerca do ensino da linguagem escrita e como
tem-se configurado na prática pedagógica docente nos anos iniciais de escola-
rização. Em meio a transcrição das entrevistas, identificamos algumas inquie-
tações das docentes, bem como algumas necessidades de aprofundamento ao
estudo da linguagem, em específico no que concerne ao ensino da escrita e da
reescrita de texto.

Diante dos resultados, estruturamos as formações continuadas em serviço,


com o propósito de estudo de temas que contribuíssem com os conhecimentos
teórico-metodológicos dos sujeitos, bem como oportunizassem a elaboração de
práticas pedagógicas efetivas no que tange a apropriação da linguagem escrita.

Para materializar tal proposta, elaboramos um cronograma correspondente


aos encontros com os temas, atividades e carga horária. O programa entregue a
cada partícipe contemplava esses aspectos buscando favorecer a organização de
estudos dos partícipes.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 269


Carga
Temas ministrados Atividades
horária
Estudo coletivo 2h
Tipologias textuais e gêneros textuais
Leituras dirigidas 3h
Gêneros orais e escritos na escola Estudo coletivo 2h
Leituras dirigidas 2h
Estudo coletivo 2h
Agrupamentos dos gêneros textuais
Leituras dirigidas 3h
Sequências didáticas para o oral e a escrita: Estudo coletivo 4h
apresentação de um procedimento Leituras dirigidas 8h
Estudo coletivo 4h
Elaboração de sequência didática
Leituras dirigidas 4h
Estudo coletivo 3h
Aspectos tipológicos do relatar e expor
Leituras dirigidas 5h
Implementação da sequência didática Estudo coletivo 10h
Leituras dirigidas 5h
Gêneros híbridos Estudo coletivo 2h
Leituras dirigidas 3h
Encaminhamentos de práticas pedagógicas
Estudo coletivo 10h
para correção da escrita
Avaliação e divulgação dos resultados das
Estudo coletivo 8h
ações pedagógicas desenvolvidas
Quadro 1 – Programa de estudos

Fonte: as autoras (2020).

Conforme cronograma, os encontros formativos foram compostos por te-


máticas diversas, cargas horárias distintas e, perfazendo um total de 80 horas de
formação. Tais estudos ocorreram semanalmente, as sextas-feiras, com duração
de uma hora cada, aproximadamente. Todavia, parte da carga horária foi cumpri-
da pelas professoras com atividades dirigidas, como leituras dos textos, reflexões
acerca das problematizações elencadas e algumas tarefas dispostas ao grupo.

Para discutirmos a distinção entre gêneros textuais e tipologias textuais,


selecionamos dois textos: o primeiro intitulado “Gêneros textuais” e o segundo
“Tipologias textuais”, ambos de autoria de VanildaSaltonKöche, Odete Maria Be-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 270


netti Boff e AdianeFogaliMarinello (2014). Decidimos, iniciar com essa temática
por parecer-nos mais próxima das práticas pedagógicas executadas pelas profes-
soras, conforme relatado nas entrevistas.

Como atividade de estudo, orientamos as professoras que considerassem,


ao longo das leituras, a seguinte problematização: há gêneros textuais ideais
para o ensino da linguagem? As respostas foram variadas, algumas afirmavam
que sim e outras diziam não haver. Reafirmamos o posicionamento daquelas que
diziam não existir. Respaldados em Marcuschi (2008, p. 207): “Tudo indica que a
resposta seja não. Mas é provável que se possam identificar gêneros com dificul-
dades progressivas, do nível menos formal ao mais formal, do mais privado ao
mais público e assim por diante”.

Em relação as dificuldades progressivas identificadas nos gêneros textuais,


afirmaram perceber isso nos textos trabalhados em sala de aula. Em algumas
práticas o gênero textual selecionado era encaminhado e apropriado pelos alu-
nos sem maiores dificuldades, em outras situações, a própria professora não con-
seguia encontrar a linguagem propícia para conduzir o ensino, como relata uma
das docentes: “A produção do gênero reportagem não foi como eu esperava, acho que
em algum momento não fui clara, mas também não consegui achar outra linguagem
para explicar”.

Ao encontro dessa discussão, uma segunda partícipe expõe:

“Tem alguns gêneros que são um pouco mais fáceis, gêneros


que fazem parte do cotidiano. Uma coisa que sofri muito foi
trabalhar com gêneros que exigiam um pouco mais de conhe-
cimento dos alunos, porque além de ter a dificuldade de con-
teúdo, tinha a do gênero. Eu percebo que quando é um gênero
que o aluno está mais familiarizado, faz parte da realidade
dele, conseguimos trabalhar melhor. É possível trabalhar os
outros gêneros também, mas é mais sofrido”.

Tais posicionamentos iniciais das professoras geraram motivos para dis-


cutirmos acerca do conceito de gêneros discursivos/textuais apresentado pelas
autoras do texto em estudo como “tipos relativamente estáveis de enunciados

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 271


produzidos pelas mais diversas esferas da atividade humana” (KÖCHE; BOFF; MA-
RINELLO, 2014, p. 11). Enfatizamos que a expressão “relativamente estáveis” in-
dica que estes podem sofrer modificações de acordo com a situação comunicativa
a ser empregada. Por exemplo, ao organizar um e-mail e enviar a um professor
utilizamos uma linguagem mais elaborada. O mesmo gênero textual (e-mail),
porém, em outra situação comunicativa, encaminhado a um colega recorremos a
linguagem comum.

Dentre as esferas discursivas debatidas, optamos por aprofundar a discus-


são quanto aos gêneros textuais pertencentes a esfera escolar/acadêmica, cujo
local de origem é a escola. Portanto, são gêneros que nascem na escola e que
circulam neste espaço. No entanto, temos outros gêneros que adentram o espaço
escolar, com o propósito de atender a um objetivo do professor, sendo uma deci-
são didática levá-lo para sala de aula.

Isto posto, é preciso esclarecer que quando determinado gênero textual é


retirado de seu local social de origem, sofre modificações, não tendo mais o mesmo
sentido. Passa então, a ser gênero a aprender, embora continue gênero a comuni-
car. Para Schneuwly e Dolz (2004, p. 70), “[...] toda introdução do gênero na escola
faz dele, necessariamente, um gênero escolar, uma variação do gênero de origem”.

No que se refere as tipologias textuais, procuramos ouvir os partícipes so-


bre o que compreendiam por tipologias e como estas eram trabalhadas em sala
de aula. Como resposta foi nos dito que as tipologias seriam: narração, descrição,
dissertação, dentre outras. No intuito de aprofundar a discussão, a princípio, es-
clarecemos ao grupo que, assim como os gêneros textuais, as tipologias têm pa-
pel importante na produção da linguagem. Consideradas ferramentas essenciais
a serviço dos gêneros (GERALDI, 1997), recomenda-se que sejam estudadas no
interior de cada gênero textual (SCHNEUWLY, 2004).

A expressão tipologia textual, muito usada no cotidiano da sala de aula e


também empregada em livros didáticos, acaba sendo utilizada equivocadamente,
por designar um gênero e não um tipo de texto específico. Reconhecemos que
em todos os gêneros textuais estão presentes as tipologias textuais, podendo
até encontrar em um único gênero duas ou mais tipologias textuais compondo o
discurso. Para exemplificar, exibimos a carta pessoal mencionada por Marcuschi
(2008, p. 156) em que demonstra com clareza essa composição interna dos gê-
neros textuais.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 272


Figura 1 – Tipologias textuais na composição dos gêneros textuais
Fonte: Marcuschi (2008, p. 156).

De acordo com a figura 1, é possível visualizar que, em uma única parte do


gênero textual, há a variedade de sequências tipológicas compondo o discurso.
Admitimos que todo gênero textual tenha entre uma ou duas tipologias predo-
minantes, no caso da carta pessoal, aqui exposta, as tipologias textuais predomi-
nantes foram as descrições e exposições, o que não impediu o autor de recorrer
a outras sequências tipológicas para formular o texto.

É nessa perspectiva de totalidade, colaboração e envolvimento dos sujei-


tos que conduzimos os estudos, de modo a evidenciar que a fragmentação e a
superficialidade impedem que práticas efetivas promotoras da apropriação da
linguagem escrita se materializem em sala de aula.

Considerações Finais

Diante do exposto, é possível evidenciar a relação existente entre o co-


nhecimento teórico-metodológico dos professores e o potencial formativo das
formações continuadas em serviço. Dessa forma, não nos é permitido entender a
aprendizagem da escrita como espontânea, que ocorrerá em um passo de mági-
ca; ao contrário, apropriar-se da escrita demanda trabalho e energia de ambos os
sujeitos envolvidos no processo, professor e aluno, logo a escrita é desenvolvida,
ensinada e não inata ao sujeito.

Enfim, pensar a especificidade da formação continuada em serviço para a


atuação docente nos anos iniciais de escolarização, não nos parece tarefa fácil,

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 273


no entanto, uma questão é certa, a tarefa humanizadora do professor, indepen-
dente da modalidade, não pode ser o mais simples, o mínimo, mas o mais com-
plexo, o máximo (MARTINS, 2012).

Referências

DIAS, M. S.; SOUZA, N. M. M. A atividade de formação do professor na licenciatura


e na docência. In: MOURA, M. O. Educação escolar e pesquisa na teoria histórico-
-cultural. São Paulo: Edições Loyola, 2017, p. 183-209.

GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

IBIAPINA, I. M. L. M. Reflexões sobre a produção do campo teórico-metodoló-


gico das pesquisas colaborativas: gênese e expansão. In: IBIAPINA, I. M. L. M.;
BANDEIRA, H. M. M.; ARAUJO, F. A. M. Pesquisa colaborativa: multirreferenciais e
práticas convergentes. Piauí: Edufpi, 2016, p. 33-61.

KÖCHE, V. S.; BOFF, O. M. B.; MARINELLO, A. F. Leitura e produção textual: gêne-


ros textuais do argumentar e expor. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Pau-


lo: Parábola Editorial, 2008.

MARTINS, L. M. O ensino e o desenvolvimento da criança de zero a três anos. In:


ARCE, A.; MARTINS, L. M. Ensinando aos pequenos de zero a três anos. Campinas,
SP: Editora Alínea, 2012, p. 93-121.

SCHNEUWLY, B. Gêneros e tipos de discurso: considerações psicológicas e onto-


genéticas. In: SCHNEUWLY, B. et al. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas,
SP: Mercado de Letras, 2004.

SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Os gêneros escolares – das práticas de linguagem aos


objetos de ensino. In: Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado
de Letras, 2004, p. 61-78.

VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Editora


WMF Martins Fontes, 2009.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 274


ESTÁGIO DE DOCÊNCIA E PIBID: UMA EXPERIÊNCIA DE
FORMAÇÃO INICIAL DE ALFABETIZADORES

Dayane MezuramTrevizoli
dayane.mezuram@gmail.com
Universidade Estadual de Maringá/UEM

Maria Angélica Olivo Francisco Lucas


mangelicaofl@gmail.com
Universidade Estadual de Maringá/UEM

Introdução

Pretende-se com o presente trabalho partilhar uma experiência de estágio


de docência implementado por meio de ações formativas junto a pibidianos do
curso de Pedagogia. Tal experiência aconteceu no decurso do estágio de do-
cência, atividade obrigatória para os alunos do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPE) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no ano de 2019. Em
conjunto com os alunos do curso de Pedagogia da mesma instituição de ensino
que participavam do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
(PIBID) realizamos algumas ações formativas que tiveram o intuito de promover:
situações que possibilitassem a apreensão dos principais conceitos que envolvem
o processo de ensino e aprendizagem da linguagem escrita – alfabetização e
letramento; e o reconhecimento da literatura infantil como instrumento poten-
cializador da prática pedagógica.

Nossas ações foram fundamentadas nos estudos realizados por Soares


(2004) por considerar a relação de interdependência e de indissociabilidade que
há entre os processos de alfabetização e letramento. Para a referida autora,

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 275


[...] o que mais propriamente se denomina letramento, de que
são muitas as facetas – imersão das crianças na cultura escrita,
participação em experiências variadas com a leitura e a escri-
ta, conhecimento e interação com diferentes tipos e gêneros
de material escrito – e o que é propriamente alfabetização, de
que são muitas as facetas – consciência fonológica e fonêmi-
ca, identificação das relações fonema-grafema, habilidades de
codificação e decodificação da língua escrita, conhecimento e
reconhecimento dos processos de tradução da forma sonora
da fala para a forma gráfica da escrita (SOARES, 2004, p. 15).

Também recorremos a dois livros de história: “A boca do sapo”, de autoria


de Mary França (1986), e “Como se fosse dinheiro”, de autoria de Ruth Rocha
(2010). Por meio de ambos demonstramos que a literatura infantil é um instru-
mento potencializador dos processos de alfabetização e letramento.

Nessa experiência formativa, além de refletir a respeito dos conceitos de


alfabetização e letramento, tivemos a oportunidade de elaborar, juntamente com
os pibidianos, uma sequência didática, tendo em vista o encaminhamento da
prática pedagógica que objetivasse o processo de ensino e de aprendizagem da
linguagem escrita das crianças dos anos iniciais do ensino fundamental.

Para alcançar o objetivo proposto, organizamos tais ações em três encon-


tros formativos, realizados quinzenalmente, perfazendo um total de 12 horas
aula, os quais serão a seguir pormenorizados.

Reflexões sobre alfabetização e letramento

Ao dialogarmos com os pibidianos, observamos que eles, até então, por se-
rem alunos ingressantes no curso de Pedagogia, não estavam familiarizados com
os conceitos de alfabetização; analfabetismo; analfabeto; letramento; letrado e
iletrado; tal como definidos por Soares (2017). Consideramos relevante a reali-
zação desse diálogo inicial, momento em que pudemos enfatizar que enquanto
professores alfabetizadores (mesmo que em formação) temos como tarefa princi-
pal oportunizar aos nossos alunos a aprendizagem dos atos de ler, escrever e de
fazer uso da leitura e da escrita nas mais diversas práticas sociais.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 276


Por isso, no primeiro encontro formativo promovemos reflexões sobre al-
guns conceitos explicados por Soares (2017) em seu livro “Letramento: um tema
em três gêneros” tais como: alfabetização; analfabetismo; analfabeto; letramento;
letrado e iletrado. Depois, a partir da leitura e do estudo do artigo “Letramento
e alfabetização: as muitas facetas” (SOARES, 2004), por meio de exposição par-
ticipativa, refletimos a respeito das facetas envolvidas nos processos de alfabe-
tização e letramento recorrendo a imagens e sínteses apresentadas em slides no
powerpoint. Como tarefa, os pibidianos realizaram uma síntese dirigida do artigo.

Em seguida, ao explanarmos sobre o conteúdo do texto de Soares (2004)


para leitura e estudo, esclarecemos com maior profundidade o significado dos
fenômenos de alfabetização e letramento. Assim, demonstramos a origem do
termo letramento, bem como apontamos as discussões que permeiam a relação
entre esses dois processos, tanto no Brasil, como em outros países. Tal conteúdo,
possibilitou o reconhecimento das especificidades da alfabetização e do letra-
mento – para que se possa alfabetizar letrando, tal como propõe Soares (2004):
que defende a proposta de ambos os processos ocorrerem de forma simultânea
no processo de ensino e aprendizagem da linguagem escrita, de modo que haja
uma integração entre um processo e outro.

Após esta explanação houve um intenso diálogo acerca do conteúdo expli-


citado, momento em que os alunos compartilharam suas vivências e experiên-
cias, estabelecendo aproximações e ou distanciamentos entre o que teoricamen-
te é previsto para a prática do processo de ensino e aprendizagem da linguagem
escrita, e o que é vivenciado por eles no cotidiano escolar. Foi um momento
muito rico em reflexões pois houve troca de conhecimentos, experiências e es-
clarecimento de dúvidas com os alunos. Faz-se ainda importante assinalar que ao
realizarem uma síntese dirigida do artigo de autoria de Soares (2004), pudemos
avaliar a compreensão satisfatória do conteúdo do texto, dada as respostas das
questões que cada um dos alunos apresentou por meio do registro escrito. Con-
sideramos as discussões e a atividade realizada neste primeiro dia de estágio,
fundamentais, para a apreensão do conteúdo elegido.

Sequência didática: alfabetizar letrando

No segundo encontro a história “A boca do Sapo”, de autoria de Mary França

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 277


e ilustração de Eliardo França (1986) foi contada aos pibidianos. Em seguida, sob
a forma de exposição oral, a partir do texto da história contada, demonstramos
algumas possibilidades de encaminhar os processos de alfabetização e letramen-
to, reconhecendo as especificidades e a interdependência que há entre eles. Por
meio de imagens e exemplos expostos em slides no power point, apresentamos
uma sequência didática, envolvendo:

a) Função social da escrita: problematização das informações conti-


das na capa do livro, tais como título, nome do autor, do ilustrador
e editora;

b) Compreensão do texto: leitura das ilustrações da história; refle-


xões a respeito da importância de a autora realizar o registro
escrito do enredo da história; discussão das ideias centrais e se-
cundárias do texto; explicação e contextualização das principais
palavras do texto; explanação sobre a importância de as crian-
ças observarem a direção da escrita, a relação oralidade/escrita, a
segmentação das palavras; dramatização da história;

c) Sistematização da escrita: trabalho com seleção das palavras mais


significativas do texto; análise das letras e da relação entre elas;
trabalho com palavras de significado contrário uma das outras,
com palavras que apresentam o mesmo fonema e/ou a mesma
sílaba inicial; organização de caça-palavras e palavras cruzadas
com as palavras mais significativas do texto;

d) Leitura contrastiva: explanação de que o texto da história é narra-


tivo, mas que o mesmo tema pode ser abordado em outras formas,
possibilitando o uso de diferentes gêneros textuais tais como o
poético, a música, o informativo, os quais possibilitam contrastar
e ampliar o conhecimento a respeito da temática;

e) Produção textual: realização de registro escrito por meio da pro-


dução coletiva e individual e, por fim, organização de livretos con-
templando as produções textuais de todas as crianças.

f)

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 278


A exposição desta forma de planejar uma sequência didática oportunizou
aos pibidianos reflexões sobre a possibilidade de organizar o ensino que objetiva
ensinar as crianças a ler, escrever e fazer uso da leitura e da escrita, a partir de
uma obra literária.

Em atividade: elaboração de uma sequência didática

No terceiro e último encontro, enquanto exercício para pensar a organiza-


ção do ensino da leitura e da escrita nos anos iniciais de escolarização, propuse-
mos aos pibidianos planejar uma outra sequência didática, seguindo os ensina-
mentos dos encontros anteriores. Para iniciar, realizamos a leitura da capa e da
contracapa do livro “Como se fosse dinheiro”, cuja autora é Ruth Rocha (2010),
explorando todas as informações contidas nela, seja por meio do registro da es-
crita ou das imagens.

O estudo da capa e da contracapa do livro propiciou reflexões sobre di-


versas formas de trabalhar a oralidade, a interpretação de imagens e de textos,
instigando o imaginário da criança e criando expectativas sobre a história, antes
mesmo de o professor realizar a leitura do livro. Para melhor apreendermos essas
questões nos reportamos a Ramos e Panozzo (2005, p. 123), que nos esclarece:

Na prática de leitura visual e verbal é de extrema importância


a exploração das percepções e das hipóteses relacionadas às
mesmas. A mobilização cognitiva que se estabelece quando se
dialoga com a criança e se instiga à formulação de suas próprias
ideias em relação ao que está sendo apreciado é fundamental.

Desta maneira, dialogamos com os pibidianos sobre a importância de insti-


gar a capacidade imaginativa da criança desde o momento em que elas tiverem o
primeiro contato com o livro, realizando a leitura da capa que “[...] tem a função
de guardar o miolo, que é a história, além de convidar o leitor para mergulhar no
interior do objeto” (RAMOS; PANOZZO, 2005, p. 116). Além disso, também opor-
tunizamos a leitura da contracapa da obra, o que possibilitou a compreensão da
importância de considerar as informações trazidas no resumo, o que alimenta

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 279


ainda mais a curiosidade das crianças diante do que virá a ser descoberto pela
leitura integral do livro, além de propiciar o conhecimento de mais informações
acerca da história que será contada. Ao final deste processo, realizamos a conta-
ção de toda a história do livro.

Destacamos que foi necessário aprofundar o significado da palavra “dinhei-


ro”. Para tanto, retomamos alguns conceitos, tais como: mercadoria, valor de uso
e valor de troca. Com base em Marx (1989), explicitamos que

A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma


coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades huma-
nas, seja qual fôr a natureza, a origem delas, provenham do
estômago ou da fantasia. Não importa a maneira como a coi-
sa satisfaz a necessidade humana, se diretamente, como meio
de subsistência, objeto de consumo, ou indiretamente, como
meio de produção (MARX, 1989, p. 41-42).

De acordo com o referido autor, é a utilidade ou o consumo da mercadoria


que a possibilita ter um valor de uso, ser comercializada e ter um valor de troca,
materializando o trabalho humano.

Um valor-de-uso ou um bem só possui, portanto, valor, por-


que nêle está corporificado, materializado, trabalho humano
abstrato. Como medir a grandeza de seu valor? Por meio da
quantidade da substância criadora de valor nêle contida, o tra-
balho. A quantidade de trabalho, por sua vez, mede-se pelo
tempo da sua duração, e o tempo de trabalho, por frações de
tempo, como hora, dia, etc. (MARX, 1989, p. 45).

A explicitação desses conceitos ampliou a compreensão do significado da


palavra “dinheiro” enquanto representação do valor de troca da mercadoria, ou
seja, “[...] como medida do valor, é a forma necessária de manifestar-se a medida
imanente do valor das mercadorias, o tempo de trabalho” (MARX, 1989, p. 106).
Isso demonstrou aos pibidianos a importância do estudo antecipado pelo pro-
fessor a respeito do conteúdo do texto a ser explorado em sala de aula com as

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 280


crianças, tendo em vista o encaminhamento da prática pedagógica, sobretudo
dos processos de alfabetização e letramento.

De posse dessa compreensão, aos pibidianos também foi apresentado di-


versificadas questões que poderiam ser feitas às crianças para que melhor com-
preendessem o enredo da história e do livro, de forma com que a contação de tal
história pudesse ser significativa para seus ouvintes. Tais questões despertaram
interesse nos alunos, uma vez que eles compreenderam a importância de se rea-
lizar questões coerentes e pertinentes para exploração do conteúdo da história,
propiciando reflexões e contribuindo para a efetiva compreensão do texto literário.

Só então foi solicitado aos alunos que se organizassem em grupos para a


elaboração de uma sequência didática, tal qual a apresentada no encontro ante-
rior, porém, agora, a partir do texto da história “Como se fosse dinheiro” (ROCHA,
2010). Esse exercício possibilitou-lhes vivenciar e refletir sobre diversificadas
práticas pedagógicas que visassem os processos de alfabetização e letramento.
Isso pôde ser confirmado pela avaliação das diversas atividades que foram pla-
nejadas pelos pibidianos. Como resultadofinal, as atividades que compuseram
a sequência didática foram organizadas em pasta entregues aos pibidianos, os
quais poderão consultá-la sempre que houver necessidade de implementar ações
que envolvam os processos de alfabetização e letramento com as crianças dos
anos iniciais do ensino fundamental.

Considerações finais

Ao considerarmos o trabalho que foi realizado durante os três encontros


formativos, de forma coletiva, os pibidianos, compuseram uma sequência didáti-
ca que traduziu as leituras e análises dos textos que foram selecionados e utiliza-
dos para estudo. Ressaltamos ainda, que as atividades por eles realizadas foram
permeadas por intencionalidade, sistematicidade e ludicidade. Além disso, elas
compuseram uma sequência didática, constituindo-se em instrumento para o
fortalecimento da formação inicial desses sujeitos enquanto professores alfabe-
tizadores e também poderão ser implementadas no cotidiano escolar, auxiliando
outras práticas de ensino. Dessa maneira, podemos afirmar que os pibidianos se
apropriaram do conteúdo proposto – relação entre os processos de alfabetização
e letramento e a literatura infantil como instrumento potencializador da prática

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 281


pedagógica – dada a clareza, a dedicação, a organização e o comprometimento
que tiveram ao realizarem o trabalho sugerido.

Referências

FRANÇA, M.; FRANÇA, E. A boca do sapo. Ed: Ática. 1986.

MARX, K. O capital. Crítica da Economia Política. O processo de produção do capi-


tal. Livro I. Vol. 1. São Paulo: DIFEL. 1989.

RAMOS, F. B.; PANOZZO, N. S. P. Acesso a embalagem do livro infantil. Revista do


Centro de Ciências da Educação, v. 23, p.115-130.Jan-Jul, 2005.

ROCHA, R. Como se fosse dinheiro. São Paulo: Salamandra. 2010.

SOARES, M. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de


Educação, nº 25, p. 5-17, Jan/Fev/Mar/Abr. 2004.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica. 2017.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 282


ESTÁGIO REMOTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
diálogo entre Minas e Pará

Antônio Marcos Murta


marcos.murta@ifmg.edu.br
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais

Introdução

Em abril de 2020, o filósofo francês Edgar Morin escreve que “A experiência


das irrupções do inesperado na história penetrou com dificuldade nas consciên-
cias. A chegada do imprevisto era previsível, mas não sua natureza” (MORIN,
2020). Edgar Morin ao fazer tal afirmativa refere-se à crise causada pela Pande-
mia da COVID-19, uma crise sanitária que incomodou todo o planeta e sobretudo
o conforto e o hábito acadêmicos.

Esse artigo apresenta a experiência pedagógica desenvolvida pelo curso


de Pedagogia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas
Gerais que de forma ousada insistiu na possibilidade de realização do Estágio
Curricular Obrigatório em Educação Infantil de forma remota.

Em meio às incertezas e críticas veladas ou explícitas de grandes universi-


dades com tradição na formação de professores que colocavam em dúvida se era
possível a realização de um estágio remoto na Educação Infantil, o Campus Ouro
Branco do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais
ousou afirmar que sim – que era possível desenvolver o estágio de forma remota.

Para tanto foi proposto aos quarenta e quatro estudantes matriculados no


quinto período do Curso de Pedagogia esse desafio, onde havia mais incertezas

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 283


do que certezas. Trinta e cinco estudantes e um professor, imbuídos de coragem
e tendo como mantra a célebre frase utilizada pelos que lutaram e resistiram aos
anos de ditadura quando as luzes se apagavam nas salas de tortura, “ninguém
solta a mão de ninguém”. Nove estudantes decidiram que a proposta era inviável
e optaram por não realizarem o estágio.

De mãos dadas teve início a saga à procura de uma escola que ofertasse
educação para crianças de zero a cinco anos e onze meses e que estivesse dispos-
ta a se juntar ao grupo do IFMG.

Uma escola de Educação Infantil localizada em Canaã dos Carajás, cidade


surgida de um assentamento agrícola no sudeste do Estado do Pará aceitou o
desafio de acolher os estudantes mineiros.

Estabelecida a parceria entre o Instituto Federal de Educação, Ciência e


Tecnologia de Minas Gerais campus Ouro Branco e Dennea Cardoso Centro Edu-
cacional Eireli “Espaço Brincar – Creche” iniciaram-se os diálogos sobre a opera-
cionalização do estágio remoto, uma vez que a distância entre os dois municípios
em linha reta é de 1696 km.

A abordagem teórica

Como ancoragem teórica apresentamos a Educação Infantil no contexto da


Educação Básica desde a sua inclusão nesse segmento de ensino com a promul-
gação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1996.

Enquanto primeira etapa da Educação Básica, a Educação Infantil nas últi-


mas décadas do século XX vincula-se ao educar e cuidar. Já na primeira década
do século XXI, as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Infantil (DCNEI,
Resolução CNE/CEB nº 5/2009, definem a criança desta faixa etária como

sujeito histórico e de direitos, que nas interações, relações e


práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pes-
soal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, ob-
serva, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre
a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, 2009).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 284


Nessa perspectiva, as interações e a brincadeira constituem eixos estru-
turantes das práticas pedagógicas em Educação Infantil, de modo a garantir o
respeito aos seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento preconizados nas
DCNEI: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se.

A Base Nacional Curricular Comum homologada em dezembro de 2017


mantém os direitos de aprendizagem e desenvolvimento da criança de zero a
cinco anos e onze meses garantidos pela DCNEI e orienta que as práticas peda-
gógicas para a Educação Infantil se estruturem a partir dos seguintes campos de
experiência: o eu, o outro e o nós; corpo, gestos e movimentos; traços, sons, cores
e formas; escuta, fala, pensamento e imaginação; espaços, tempos, quantidades,
relações e transformações.

Em se tratando do estágio remoto, busca-se nesse artigo, inicialmente tra-


balhar com o conceito de estágio numa perspectiva de ritual de passagem, confor-
me apresentado por Pimenta e Lima (2004) que afirmam que o estágio

pode não ser uma completa preparação para o magistério, mas


é possível, nesse espaço professores, alunos e comunidade es-
colar e universidade trabalharem questões básicas de alicerce,
a saber: o sentido da profissão, o que é ser professor na socie-
dade em que vivemos, como ser professor, a escola concreta,
a realidade dos alunos nas escolas de ensino fundamental e
médio, a realidade dos professores nessas escolas, entre ou-
tras (PIMENTA; LIMA, 2004, p.100).

A partir dessa concepção de estágio procurou-se um conceito que agregas-


se à mesma uma definição para o que se estava propondo como estágio remoto.
Diante da escassa literatura a respeito encontrou-se nos trabalhos desenvolvidos
por Gonçalves e Avelino (2020) que analisaram o estágio supervisionado nos
cursos de licenciatura diante do contexto da COVID-19 e afirmaram ser possível
a produção do conhecimento por meio do uso das mídias e de seus recursos tec-
nológicos. Para eles

A mediação pedagógica realizada por meio das mídias enri-


quece e modifica o modo de lidar com o conteúdo a ser ensi-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 285


nado, possibilitando novas formas de ensinar e aprender, além
de diferentes percepções e experiências aos alunos, seja no
âmbito do desenvolvimento das disciplinas do curso de Licen-
ciatura, seja no desenvolvimento e acompanhamento dos Es-
tágios Supervisionados (GONÇALVES; AVELINO, 2020, p. 52).

Quanto ao aparato legal, recorreu-se aos documentos homologados pela


instância Federal, especificamente o parecer CNE/CP 05/2020 que ao orientar
uma reinterpretação dos limites da sala de aula permitiu a oferta de atividades
acadêmicas à distância, incluindo aí o estágio supervisionado.

O parecer é cristalino ao afirmar que

Produz, assim, sentido que estágios vinculados às práticas na


escola, em sala de aula, possam ser realizados de forma igual-
mente virtual ou não presencial, seja a distância, seja por au-
las gravadas etc. (BRASIL, 2020, p.17)

Tais concepções trouxeram para o estágio remoto as tecnologias digitais


da informação e comunicação (TDIC) como condição sinequa non para a concreti-
zação do mesmo.

Em busca de ancoragem teórica para uma metodologia para o estágio


remoto foram utilizados os estudos de Souza e Ferreira (2020) que apresentam a
etnografia virtual como recurso metodológico capaz de tornar possível a realiza-
ção de um estágio na modalidade remota.

Também conhecida como webnografia, ciberantropologia, etno-grafia, et-


nografia digital, Mercado, (2012) apresenta-nos a etnografia virtual como o

[...] estudo, pela observação direta e por um período de tempo,


das formas costumeiras de viver de um grupo particular de
pessoas; associadas de alguma maneira, unidade social repre-
sentativa para estudo; emprego de variedade de métodos e
técnicas qualitativas; elaboração dos resultados da pesquisa
de forma descritiva; presença constante do etnógrafo no Am-
biente Virtual de Aprendizagem (MERCADO, 2012, p.170).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 286


De posse desse referencial teórico, foram mantidos os objetivos didáticos
do Estágio na Educação Infantil, quais sejam:

• Desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes relativas à profis-


são docente, considerando o contato com a educação de crianças de
zero a cinco anos e onze meses;

• Perceber a Educação Infantil como parte primeira e fundamental da


Educação Básica;

• Pesquisar e produzir materiais de apoio ao processo de desenvolvi-


mento e aprendizagem de crianças de zero a cinco anos e onze meses.

Desenvolvimento das atividades pedagógicas no estágio supervisionado

Como a escola, campo de estágio, já havia retomado suas atividades


presenciais, o trabalho dos três sujeitos constitutivos do processo de estágio (o
professor formador, o professor supervisor e o licenciado) aconteceu de forma
síncrona, que é quando os participantes estão conectados em tempo real.

Nos momentos de sincronicidade, os estagiários do curso de Pedagogia


estabeleceram contato virtual, em tempo real, com a escola campo através de
videochamadas e conferências online, não ultrapassando períodos de uma hora
diária de interação com cada grupo de crianças. Nesses contatos eram apresen-
tadas para as crianças, com o auxílio das professoras supervisoras - regentes das
turmas, as propostas de intervenção planejadas pelos licenciados, nos momentos
assíncronos, sob a orientação do professor formador. Para tanto, foram utilizados
dois aplicativos: o google meet e o zoom.

Também participaram conjuntamente os licenciados (estagiários), os pro-


fessores formadores e o professor supervisor, de mesas redondas, seminários
integrados, lives, webnarscom a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),
com o educador Paulo Sérgio Fochi da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS) e com a escola campo “Espaço Brincar – Creche e Educação Infantil”.
As 88 horas de atividades do estágio remoto na Educação Infantil foram distri-
buídas conforme o quadro a seguir:

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 287


Quadro 01 – Cronograma Atividades Estágio Remoto Educação Infantil

Data Atividade CH
Curso Diário de Bordo – Escola “Espaço Brincar – Creche e Educação
31/08/20 3h
Infantil”
Seminário Integrado NEPEI/UFMG: Currículo e Campos de Experiência
02/09/20 2h
na Educação Infantil
05/09/20 Live Paulo Sérgio Fochi: “Existe conteúdo na Educação Infantil?” 1h
Mesa Redonda Escola “Espaço Brincar – Creche e Educação Infantil”:
10/09/20 Suporte e Documentação – Projeto Alimentação: Coloque mais cor em 2h
seu prato
Observação Turma das 10h (crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11
15/09/20 1h
meses)
Mesa Redonda Escola “Espaço Brincar – Creche e Educação Infantil”:
17/09/20 2h
Projeto Artes: Grandes Pintores
17/09/20 Observação Turma das 10h (crianças de zero a 1 ano e 6 meses) 1h
18/09/20 Observação Turma das 10h (crianças de zero a 1 ano e 6 meses) 1h
Observação Turma das 9h (crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11
21/09/20 1h
meses
21/09/20 Observação Turma das 14h (crianças de 4 anos a 5 anos e 11 meses) 1h
21/09/20 Observação Turma das 16h (crianças de zero a 1 ano e 6 meses) 1h
22/09/20 Observação Turma das 14h (crianças de 4 anos a 5 anos e 11 meses) 1h
23/09/20 Observação Turma das 14h (crianças de 4 anos a 5 anos e 11 meses) 1h
Observação Turma das 15h (crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11
23/09/20 1h
meses)
23/09/20 Observação Turma das 16h (crianças de zero a 1 ano e 6 meses) 1h
24/09/20 Turma das 9h (crianças de zero a 1 ano e 6 meses) 1h
Mesa Redonda Escola “Espaço Brincar – Creche e Educação Infantil”: O
24/09/20 2h
Brincar Heurístico
25/09/20 Observação Turma das 10h (crianças de zero a 1 ano e 6 meses) 1h
Observação Turma das 15h (crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11
25/09/20 1h
meses)
25/09/20 Observação Turma das 16h (crianças de 4 anos a 5 anos e 11 meses) 1h
28/09/20 Observação Turma das 8h30min (crianças de zero a 1 ano e 6 meses) 1h
28/09/20 Observação Turma das 10h30min (crianças de zero a 1 ano e 6 meses) 1h
28/09/20 Observação Turma das 14h (crianças de 4 anos a 5 anos e 11 meses) 1h
28/09/20 Observação Turma das 14h (crianças de zero a 1 ano e 6 meses) 1h
Observação Turma das 15h (crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11
28/09/20 1h
meses)
29/09/20 Observação Turma das 10h30min (crianças de zero a 1 ano e 6 meses) 1h
Observação Turma das 16h30min (crianças de 4 anos a 5 anos e 11
29/09/20 1h
meses)

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 288


30/09/20 Seminário Integrado NEPEI/UFMG: Infância, Mídias e Tecnologias 1h
30/09/20 Observação Turma das 10h (crianças de zero a 1 ano e 6 meses) 1h
Observação Turma das 16h (crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11
30/09/20 1h
meses)
30/09/20 Observação Turma das 17h (crianças de 4 anos a 5 anos e 11 meses) 1h
Observação Turma das 14h30min (crianças de 4 anos a 5 anos e 11
01/10/20 1h
meses)
01/10/20 Observação Turma das 16h (crianças de 4 anos a 5 anos e 11 meses) 1h
Mesa Redonda Escola “Espaço Brincar – Creche e Educação Infantil”:
01/10/20 2h
Planejamento na Educação Infantil
Mesa Redonda Escola “Espaço Brincar – Creche e Educação Infantil”:
06/10/20 2h
Planejamento na Educação Infantil
Observação Turma das 13h40min (crianças de 4 anos a 5 anos e 11
07/10/20 1h
meses)
Mesa Redonda Escola “Espaço Brincar – Creche e Educação Infantil”:
08/10/20 2h
A Abordagem Reggio Emília
Mesa Redonda Escola “Espaço Brincar – Creche e Educação Infantil”:
13/10/20 2h
A Abordagem Pikler
Observação Turma das 9h45min (crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e
13/10/20 1h
11 meses)
Observação Turma das 10h (crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11
14/10/20 1h
meses)
14/10/20 Observação Turma das 11h (crianças de 4 anos a 5 anos e 11 meses) 1h
Seminário Integrado NEPEI/UFMG: Avaliação, registro e documentação
15/10/20 2h
pedagógica na Educação Infantil
Webnar: As cem linguagens em mini-histórias: contadas por professores
16/10/20 2h
e crianças de Reggio
Seminário Integrado NEPEI/UFMG: A creche como contexto social de
22/10/20 2h
desenvolvimento
Mesa Redonda Escola “Espaço Brincar – Creche e Educação Infantil”:
29/10/20 2h
Maria Montessori
Live Paulo Sérgio Fochi - UNISINOS “A criança pequena como sujeito que
29/10/20 1h
interage, reflete e escolhe”
Seminário Integrado NEPEI/UFMG: Políticas para educação infantil no
04/11/20 2h
contexto da crise econômica e sanitária
Webnar Paulo Sérgio Fochi – UNISINOS “Arte para a primeira infância na
19/11/20 2h
Educação”
20/11/20 a Produção audiovisual pelos licenciados (estagiários): Projeto “Trilhando
24h
10/12/20 Minas”
Carga Horária
88h
Total
Fonte: Murta, 2020

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 289


Conclusões

O Estágio Remoto Emergencial permitiu aos estagiários a observação, aná-


lise, reflexão e intervenção na modalidade remota sem comprometer a sua for-
mação inicial. Dentre os muitos desafios enfrentados na formação inicial e con-
tinuada dos professores, nesses tempos de incerteza causados pela Pandemia da
COVID-19, consideramos que esta experiência, embora embrionária, sinaliza de
forma positiva que é possível os cursos de formação de professores se reinventa-
rem e assim continuarem na luta pelo reconhecimento da educação escolar como
potencializadora de novas maneiras de ser e estar no mundo.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CEB 05/2009 - Diretrizes Curri-


culares Nacionais de Educação Infantil. Brasília: MEC, 2009.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC,


2018.

BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CP 05/2020 - Reorganização do


Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais
para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia
da COVID-19. Brasília: MEC, 2020.

GONÇALVES, Natália Kneipp; AVELINO, Wagner Feitosa. Estágio supervisionado


em educação no contexto da pandemia da COVID-19. BOLETIM DE CONJUNTURA
(BOCA). Boa Vista: UFRR, v. 4, nº 10, 2020.

MERCADO, Luis Paulo Leopoldo. Pesquisa qualitativa on-line utilizando a etno-


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POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 290


RELATO DE EXPERIÊNCIA DA ATUAÇÃO PEDAGÓGICA
NO PLANO NACIONAL DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Jackeline Barcelos Corrêa


jack.barcelos1@hotmail.com
Universidade Estadual do Norte Fluminense

Introdução

No ano de 2007, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) lançou o primeiro


Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR), esse pro-
jeto tinha por objetivo, em cinco anos, possibilitar a conclusão do Ensino Superior de
cerca de 330 mil professores que atuavam na Educação Básica sem graduação.

Mesmo com as reformas e novas propostas do MEC, a formação de docen-


tes para atuar no nível do Ensino Fundamental ainda é um grande desafio para as
universidades públicas do país. Isso porque o cenário educacional apresenta dé-
ficit de profissionais que tenham como base de formação a relação entre teoria e
prática, ou seja, uma formação técnica-científica-cultural capaz de propiciar o co-
nhecimento dos fundamentos científicos e sociais das competências do trabalho.

Surge assim, o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação


Básica (PARFOR), um programa de formação de professores em âmbito nacional,
oferecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), que foi escolhido para desenvolver esse relato de experiência. O pre-
sente trabalho se refere às vivências em sala de aula, as reflexões e a mediação
em duas disciplinas na Licenciatura em Pedagogia do PARFOR, na Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, situada na cidade de Campos dos
Goytacazes-RJ.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 291


Segundo o site do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Es-
tadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, o campo de atuação dos licenciados
em Pedagogia lhes permitirá atuar não somente na docência da Educação Básica
(ministrando aulas na Educação Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental,
Ensino Médio Normal e Educação Profissional), e também na Gestão, Supervisão
e Orientação da Educação. O Pedagogo poderá atuar em experiências educativas
realizadas em empresas ou outros contextos não escolares, como nos hospitais,
instituições de assistência social ou instituições filantrópicas.

No entanto, o curso se propõe formar um docente munido de ferramentas


teóricas, mas que valorize o conhecimento prático e metodológico produzido
no trabalho cotidiano pelos professores, superando soluções teóricas com pre-
tensões de universalidade em prol do desenvolvimento de uma atitude aberta
e crítica, que permita ao professor decidir sobre as condições de seu trabalho,
historicamente situado.

A formação pedagógica para o magistério

No que diz respeito às atribuições do Pedagogo, de acordo com as Dire-


trizes Nacionais Curriculares da Pedagogia em seu Art. 4º diz que: “O curso de
Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer
funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Funda-
mental (...)”. O documento acrescenta que:

As atividades docentes também compreendem participação


na organização e gestão de sistemas e instituições de ensi-
no, englobando: I - planejamento, execução, coordenação,
acompanhamento e avaliação de tarefas próprias do setor da
Educação; II - planejamento, execução, coordenação, acompa-
nhamento e avaliação de projetos e experiências educativas
não-escolares; III - produção e difusão do conhecimento cien-
tífico-tecnológico do campo educacional, em contextos esco-
lares e não-escolares.

Sobre a Educação Básica, a LDB se refere no Art. 32 que: “terá por objetivo

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 292


a formação básica do cidadão, mediante: I - o desenvolvimento da capacidade de
aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do
cálculo”. Já no Art. 35, afirma que: “terá como finalidade: III - o aprimoramento do
educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento
da autonomia intelectual e do pensamento crítico”. No ensino superior, a LDB se
refere no Art. 43 que:

A educação superior tem por finalidade: I - estimular a criação


cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensa-
mento reflexivo; II - formar diplomados nas diferentes áreas de
conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e
para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira,
e colaborar na sua formação contínua; III - incentivar o trabalho
de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimen-
to da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura,
e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do
meio em que vive; IV - promover a divulgação de conhecimentos
culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da
humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publica-
ções ou de outras formas de comunicação.

Art. 3º São objetivos da Política Nacional de Formação dos Profissionais da


Educação Básica:

I - Instituir o Programa Nacional de Formação de Profissionais


da Educação Básica, o qual deverá articular ações das institui-
ções de ensino superior vinculadas aos sistemas federal, esta-
duais e distritais de educação, por meio da colaboração entre
o Ministério da Educação, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios;

II - Induzir avanços na qualidade da educação básica e ampliar


as oportunidades de formação dos profissionais para o atendi-
mento das políticas deste nível educacional em todas as suas
etapas e modalidades, e garantir a apropriação progressiva da
cultura, dos valores e do conhecimento, com a aprendizagem
adequada à etapa ou à modalidade cursada pelos estudantes;

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 293


III - Identificar, com base em planejamento estratégico nacio-
nal, e suprir, em regime de colaboração, a necessidade das re-
des e dos sistemas de ensino por formação inicial e continuada
dos profissionais da educação básica, de forma a assegurar a
oferta em quantidade e nas localidades necessárias;

IV - Promover a integração da educação básica com a forma-


ção inicial e continuada, consideradas as características cultu-
rais, sociais e regionais em cada unidade federativa;

V - Apoiar a oferta e a expansão de cursos de formação inicial


e continuada em exercício para profissionais da educação bá-
sica pelas instituições de ensino superior em diferentes redes
e sistemas de ensino, conforme estabelecido pela Meta 15 do
PNE;

VI - Promover a formação de profissionais comprometidos com


os valores de democracia, com a defesa dos direitos humanos,
com a ética, com o respeito ao meio ambiente e com relações
étnico-raciais baseadas no respeito mútuo, com vistas à cons-
trução de ambiente educativo inclusivo e cooperativo;

VII - Assegurar o domínio dos conhecimentos técnicos, cien-


tíficos, pedagógicos e específicos pertinentes à área de atua-
ção profissional, inclusive da gestão educacional e escolar,
por meio da revisão periódica das diretrizes curriculares dos
cursos de licenciatura, de forma a assegurar o foco no apren-
dizado do aluno;

VIII - Assegurar que os cursos de licenciatura contemplem car-


ga horária de formação geral, formação na área do saber e
formação pedagógica específica, de forma a garantir o campo
de prática inclusive por meio de residência pedagógica;

IX - Promover a atualização teórico-metodológica nos proces-


sos de formação dos profissionais da educação básica, inclusi-
ve no que se refere ao uso das tecnologias de comunicação e
informação nos processos educativos.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 294


A Política foi desenhada estabelecendo onze princípios, e conforme des-
crito no Decreto, no Art. 1º, com a finalidade de organizar, em regime de colabo-
ração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, a formação
inicial e continuada dos profissionais do magistério para as redes públicas da
Educação Básica, em conformidade com os Art. 61 a 67, da LDBN. Estabelece as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Art. 61. Consideram-se profissionais da educação escolar bá-


sica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido
formados em cursos reconhecidos, são: (Redação dada pela Lei
nº 12.014, de 2009).

I - Professores habilitados em nível médio ou superior para a


docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e
médio; (Redação dada pela Lei nº 12.014, de 2009).

II - Trabalhadores em educação portadores de diploma de pe-


dagogia, com habilitação em administração, planejamento, su-
pervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com
títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; (Redação
dada pela Lei nº 12.014, de 2009).

Metodologia

Metodologicamente adotou-se como referências as análises de conteú-


dos com base nos estudos da Bardin (2006), e utilizou-se também os relatórios
das professoras alfabetizadoras de duas turmas do PARFOR, selecionando uma
amostra expressiva. Durante as aulas foram propostas atividades escritas em
um diário de bordo com conteúdos sobre a formação pedagógica oferecida pelo
programa. As alunas abordavam também como resultado positivo o aprendizado
teórico, e a ampliação da qualidade das suas práticas vivenciadas no cotidiano da
escola e da universidade.

Análise dos resultados

Na análise dos resultados destaquei a concepção de formação continuada

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 295


no espaço pesquisado com os depoimentos dos professores citados abaixo, que
a função do PARFOR é contribuir para a qualificação dos professores (as) buscan-
do consolidar a identidade profissional adquirida previamente em sua formação
inicial, e a partir das reflexões das mesmas repensarem as melhorias nas práticas
pedagógicas. Em seus relatórios as professoras alfabetizadoras, todas do sexo
feminino afirmaram a contribuição positiva do programa em suas vidas:

“P1- Sempre tive a prática, aprendi trabalhando. Mas hoje


vejo importância da teoria para conhecermos melhor a base
educacional. Eu não tinha noção de como é significativo esse
aprendizado, percebo na prática os diversos conhecimentos a
serem aplicados com os alunos em sala de aula” (C. J. M., 30
anos, casada).

“P2- Cada término de período era uma vitória. A adrenalina


tomava conta de mim a cada semestre, a ansiedade batia na
porta! Sempre tive sonho de ser Pedagoga. Quantas noites mal
dormidas! Quantos finais de semana fiquei envolvida em traba-
lhos e mais trabalhos. Mas hoje eu digo tudo vale a pena” (M.
C. T., 44 anos, solteira).

“P3- Nem acredito que estou cursando Pedagogia na UENF.


Tudo parecia tão difícil, ninguém depositava confiança em
mim. Meus filhos disseram que eu estou velha para estudar,
que era perca de tempo fazer faculdade, ouvi isso de amigos
também. Agradeço ao programa pela oportunidade, e aprendi
nele o seguinte: sempre é tempo de aprender e PARFOR nós dá
esta oportunidade” (V. M. B., 50 anos, casada).

Refletindo sobre os depoimentos supracitados, e com base nos estudos


teóricos do Nóvoa (1997) e Gatti (2013) ambos corroboram com a necessidade da
formação continuada, observei que as professoras identificam no PARFOR uma
possibilidade de ampliação de conhecimentos, pois o programa proporciona vi-
vências teóricas e práticas.

Para o educador brasileiro o exercício da docência exige:

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 296


Rigorosidade metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos
educandos, criticidade, ética e estética, corporificar as palavras
pelo exemplo, assumir riscos, aceitar o novo, rejeitar qualquer
forma de discriminação, reflexão crítica sobre a prática, reco-
nhecimento e assunção da identidade cultural, ter consciência
do inacabamento, reconhecer-se como um ser condicionado,
respeitar a autonomia do ser educando, bom senso, humilda-
de, tolerância, convicção de que mudar é possível, curiosidade,
competência profissional (FREIRE, 1996, p. 14).

Só compreenderemos a postura teórica de Paulo Freire em relação às exi-


gências do exercício da docência, quando atentarmos para as suas concepções
e princípios educacionais, que se traduzem em práxis educativa. A formação do-
cente e os princípios da educação libertadora, emancipadora são partes indisso-
ciáveis do todo/fenômeno educativo. Dessa forma, ter clareza sobre os pressu-
postos da educação emancipadora se faz assaz indispensável para compreender
a proposta de formação docente.

Com esse intuito iniciamos por dizer que a proposta pedagógica de Paulo Frei-
re (2007) se alicerça sobre a base da ação reflexiva e dialógica e se articula como
possibilidade de transformação da pessoa e da sociedade. “Educação que, desvestida
da roupagem alienada e alienante, seja uma força de mudança e de libertação.”

Nóvoa (1997) ressalta que:

Formar um professor é possível? Formar não, formar-se! O pro-


fessor forma a si mesmo através das suas inúmeras interações,
não apenas com o conhecimento e as teorias aprendidas nas
escolas, mas com a prática didática de todos os seus antigos
mestres e outras pessoas, coisas e situações com as quais inte-
ragiu em situações de ensino durante toda a sua vida (NÓVOA,
1997, p. 28).

Os depoimentos das alunas do PARFOR citadas abaixo são de muita perse-


verança e foco na formação do pedagogo.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 297


“P4- Desde nova tive vontade de ser professora, me diziam
que eu estava velha pra fazer faculdade, sabia bem a prática e
aprendi muito trabalhando, comprava as coisas para os meus
alunos, gosto de ser alfabetizadora. Hoje me sinto uma vence-
dora. Tenho quarenta anos de magistério e estou conseguindo
me formar” (M. f. Z., 30 anos, casada).

“P5- Vivo cansada e com sono depois de trabalhar o dia intei-


ro, mas vou assim mesmo, consigo dar conta de tudo, muitas
vezes atraso um pouco, mas os professores são muito bons,
compreendem a nossa luta diária. Vou ser Pedagoga sim... eu
vou chegar lá... (M. C. T., 49 anos, casada).

“P6- A Pedagogia na UENF é puxada, eram muitos livros e arti-


gos para ler, era tudo difícil no começo. Agradeço a Deus e ao
programa do PARFOR pela oportunidade. Moro longe e chego
na minha casa mais de meia noite, muitas vezes o ônibus que-
brou e cheguei já na hora de ir para a escola trabalhar. (A. R.
B., 50 anos, casada).

Os números da tabela abaixo indicam a relevância do programa, e apresen-


ta um número significativo de professores em busca de conhecimentos:

Tabela 1- Os dados numéricos da CAPES na plataforma do PARFOR acumu-


lados desde o seu lançamento estão demonstrados a seguir:

Turmas implantadas até 2019 3.043

Matriculados (2009 a 2019) 100.408

Turmas concluídas até 2019 2.598

Turmas em andamento em dezembro/2019 445

Professores já formados 53.512

Professores cursando em dezembro/2019 59.565

Instituições de ensino superior participantes 104

Municípios com turmas implantadas 510

Municípios atendidos (com pelo menos um professor matriculado) 3.300

  Fonte: Dados de domínio público da internet

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 298


Na tabela acima mostra como o programa fomenta a oferta de Educação
Superior, gratuita e de qualidade, para professores em exercício nas redes públi-
cas de Educação Básica no Brasil.

Considerações finais

Foi possível compreender as possibilidades e desafios que o PARFOR apre-


senta, como forma de buscar alternativas para atender as necessidades dos
profissionais da rede pública de educação em todo país, contribuindo no apro-
fundamento das reflexões acerca da formação acadêmica desses profissionais
conforme a tabela.

Ficou evidenciada a partir dos relatos da amostra, a importância do pro-


grama que apresenta resultados positivos para as mesmas. Elas ressaltam o seu
crescimento profissional e pessoal, relatam também o seu esforço em busca da
realização de seus sonhos de se tornarem pedagogas, corroborando com o suces-
so da qualidade da formação que o PARFOR proporcionou em suas vidas.

Portanto, depois da participação de algumas bancas como examinadora


do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), ficou evidenciado o sentimento de
pertencimento das professoras ao final da apresentação de serem chamadas de
Pedagogas. Sendo assim, ao conquistarem a sua primeira graduação que é uma
realização de toda a família que acompanha o processo formativo das mesmas,
dando suporte para que elas realizem profissionalmente.

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POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 299


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POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 300


CONEXÕES E INTERLOCUÇÕES DA
FORMAÇÃO INICIAL NA ALFABETIZAÇÃO

Flávia dos Santos Cota - UERJ


flaviaflaf@hotmail.com

Pammela Lobo Soriano Lopes de Oliveira


pammela_lobo@hotmail.com

Sonia Cristina do Amaral Pereira


soniaamaralpereira@gmail.com

Introdução

Essa pesquisa ressalta a importância da formação inicial para o trabalho


efetivo com a alfabetização no contexto da diversidade na escola. Consideramos
nesse estudo a formação inicial como período em que se começa a exercer à
docência, em que o professor deverá realizar formações, ações, reuniões, entre
outros para pensar o seu fazer no cotidiano escolar. E no caso da Rede Municipal
do Rio de Janeiro na qual foi realizado o trabalho, essa fase corresponde aos três
primeiros anos da carreira e que supõe a combinação de diferentes estratégias
de formação e uma nova concepção do papel do professor nesse contexto. Cabe
salientar, que o conceito de inclusão abordado se refere a uma escola para todos,
independentemente de classe, gênero, raça, deficiência e outros. Essa escola di-
versa, que por meio das diferenças se enriquece, se elabora e se desenvolve.

Deparamo-nos com um cenário extremamente desafiante na Educação Bra-


sileira, que ganhou maior evidência com a pandemia. O número de analfabetos
no Brasil, ainda é muito alto de acordo com o INEP (2019) e, para atingirmos
a meta referente a erradicação até 2024, como previsto no Plano Nacional de

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 301


Educação (PNE), além da colaboração das esferas do governo (União, Estados e
Municípios) é imprescindível o olhar para os docentes.Sabemos que as condições
sociais marcam muitos sujeitos, que ficam de fora da escolarização, mas é preci-
so ressignificar esses lugares na luta pela escola democrática e de qualidade. E
nesse contexto garantir a alfabetização, o direito a participação e aprendizagem,
previstos na legislação, que não é garantido.

A pandemia trouxe à tona, muitas questões que estavam silenciadas na


escola. Como alfabetizar num cenário de aparatos tecnológicos a que nem to-
dos têm acesso? Como trazer uma criança, um jovem ou adulto para a tela de
um computador ou celular e alfabetizá-la?Qual concepção de aprendizagem está
subsidiando determinadas práticas de leitura e escrita? Como pensar nessas im-
plicações que envolvem a complexidade do processo de alfabetização? E quem,
o que está evidenciado nesse contexto?

Pensamos numa proposta de educação como prática de liberdade e eman-


cipatória (FREIRE, 2001) e desta forma destacamos a perspectiva de uma propos-
ta inclusiva, em que todos participem e tenham o seu desenvolvimento efetiva-
do, principalmente durante a alfabetização. Sendo assim, usamos o conceito de
inclusão conforme Santos (2003):

Inclusão é um processo que reitera princípios democráticos


de participação social plena. Neste sentido, a inclusão não se
resume a uma ou algumas áreas da vida humana, como, por
exemplo, saúde, lazer ou educação. Ela é uma luta, um movi-
mento que tem por essência estar presente em todas as áreas
da vida humana, inclusive a educacional. Inclusão se refere,
portanto, a todos os esforços no sentido da garantia da par-
ticipação máxima de qualquer cidadão em qualquer arena da
sociedade em que viva, à qual ele tem direito, e sobre a qual
ele tem deveres. (SANTOS,2003, p.80).

E nesse sentido, destacamos nossas experiências com os alunos do Ensino


Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos, que durante todo o processo
escolar devem ter suas diferenças, memórias, culturas, narrativas...valorizadas

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 302


e trazidas para esse lócus e trabalhados como disparadores de conteúdos e te-
máticas. Mesmo diante de todas as dificuldades existentes e sabemos que são
múltiplas; antes salas de aulas cheias, desigualdade social, ausência de mate-
riais, acessibilidade, conteúdos engessados, currículo formatado, etc. E hoje a tão
notória e gritante ausência de recursos tecnológicos e de rede para interagir no
ensino remoto, nas atividades propostas virtualmente e nessa composição a alfa-
betização não acontece. O aluno precisa de mediação, o papel do professor nesse
processo é imprescindível e o que percebemos através da pesquisa é que muitos
alunos não conseguiram avançar nesse processo de leitura e escrita durante es-
ses tempos pandêmicos. E o impacto é ainda maior nas classes populares. Então
como pensar em processos efetivos e eficientes com a leitura e a escrita de nos-
sas crianças e jovens?

E antes dessa problemática levantada trazemos a questão do professor ini-


ciante na carreira, que muitas vezes lhe é imposto a turma de alfabetização para
dar conta no início da docência. E a formação inicial? Sua imersão profissional se
dá num contexto amplamente complexo e desafiador e pode levar à desistência
domesmo. E assim, destacamos a troca e o fortalecimento com os pares, além de
maior investimento na formação inicial para o auxílio na efetivação da alfabeti-
zação, que se caracteriza por um processo contínuo e dialógico, que ultrapassa
as questões metodológicas.

Com relação aos métodos, enfatizamos aqui na composição da diversidade


que se compõe a escola, a multiplicidade de estratégias, caminhos e ferramen-
tas que o educador deve buscar para efetivar a alfabetização, centralizando-se
na história e memória dos sujeitos envolvidos a fim de que toda proposta tenha
significado na construção de saberes e não ocorram hierarquizações e exclusões.

Valorizamos o trabalho interdisciplinar, o aluno como protagonista do pro-


cesso, a construção de um ambiente alfabetizador, mas principalmente o de-
senvolvimento singular que compreende a aprendizagem da leitura e da escrita
e das necessidades, das peculiaridades para o desenvolvimento nesse processo
serem contempladas na formação inicial. Desse modo, salientamos também para
as nossas reflexões que o sujeito alfabetizado, ocupa outro lugar na sociedade,
o mesmo passa a ter condições sociais e culturais. Soares (2011) destaca que o
sujeito muda sua inserção na cultura, sua relação com os outros, contextos e

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 303


bens culturais. De tal forma, que terá mais autonomia, ampliará sua capacidade
de escolhas, podendo participar mais efetivamente de situações comunicativas
e sociais.

Nesse sentido, apontamos o papel da escola, da socialização, da cultu-


ra e das narrativas e memórias desses alunos, carregadas de significados para
esse processo de alfabetização. O professor precisa atentar-se para um trabalho
efetivo, que construa sentidos para o mesmo e para os alunos envolvidos, de
modo a fundamentar suas práticas e contextualizá-las. Parece tão evidente, mas
a pandemia veio ressaltar ainda mais as lacunas existentes nesse sentido e com
relação a alfabetização e a função da escola na sociedade contemporânea.

Metodologia

O enfoque desse trabalho é a abordagem qualitativa, numa perspectiva


colaborativa e dialógica, pois favorece por meio da reflexão a problematização
da formação docente e suas práticas. Para Smyser (1993) a aprendizagem colabo-
rativa favorece que as pessoas reunidas atuem como parceiras, a fim de adquirir
conhecimentos sobre uma determinada situação.

A pesquisa centralizou-se nas reflexões-ações, que permitiram reconfigurar


as concepções teóricas de ensino, através de observações, relatos do cotidiano e
na composição da trilha de significados que compõem as práticas na alfabetiza-
ção de jovens e adultos.

De acordo com Foucault (1989):

Estamos falando aqui do trabalho do pesquisador como aque-


le que transforma em primeiro lugar a si mesmo, aquele que,
como o filósofo, é chamado a ultrapassar não só o senso co-
mum, ordinário ou acadêmico, mas a ultrapassar a si mesmo, a
seu próprio pensamento. Fica, então, para aquele que propõe
uma determinada investigação, por simples que seja, o con-
vite ao trabalho de pensar sua própria história para “liberar o
pensamento daquilo que ele pensa silenciosamente, e permi-
tir-lhe pensar diferentemente” (p.14).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 304


Relato de experiência

O relato de experiência reflete o trabalho com uma turma do Programa de


Educação de Jovens e Adultos da Rede Municipal do Rio de Janeiro, do Bloco I,
turma 171. A escola encontra-se situada na zona sul, atende desde a Educação
Infantil ao Ensino Fundamental I e a Educação de Jovens e Adultos (EJA), com 280
alunos na EJA e 405 nas demais modalidades de ensino e na turma 171 eram 30
alunos. No caso destacado, o grande desafio era dar andamento ao processo de
alfabetização de diferentes jovens e adultos.

José era o caso que mais desafiava a professora e que até hoje a faz re-
fletir sobre a importância da realização de práticas pedagógicas significativas e
contextualizadas. A turma tinha passado por duas professoras anteriormente, no
mesmo ano, que não sustentaram a sua permanência na modalidade de ensino,
que abrange sujeitos em diferentes faixas etárias, culturas, histórias, trajetórias,
situações de trabalho e exclusão com relação a escolarização. Os argumentos
utilizados foram distintos, entre eles a ausência de formação para o trabalho
com esse público, as dificuldades de aprendizagens apresentadas pelos jovens e
adultos, o modo como ansiavam e pediam que as aulas fossem direcionadas para
que aprendessem a ler, já que sentiam que suas vidas na esfera pessoal estavam
restritas, pois não dominavam o código alfabético.

No caso relatado, José estava na escola há bastante tempo e era conhecido


por todos os alunos e professores. Mas poucos acreditavam na sua capacidade de
aprender, devido à sua condição. Será que nós docentes temos o direito de prever
e delimitar o processo ensino-aprendizagem e conquistas dos alunos? O Currículo
da EJA contempla as especificidades e interesses dos alunos? Todos os estudan-
tes são reconhecidos como membros da comunidade da sala de aula e como par-
ticipantes iguais dentro de suas habilidades, capacidades e necessidades?

José estava na escola há dezessete anos, possuía deficiência intelectual


e ainda não havia sido possível incluir o aluno na Educação Especial. Caso ele
fosse incluído nesta modalidade, era assegurado o direito de frequentar a sala
de recursos multifuncional, para dar suporte às suas demandas no processo en-
sino-aprendizagem. Este fato corrobora o descrédito por parte de muitos sobre a
aprendizagem do aluno. Nesse aspecto, frisamos a importância da formação ini-
cial, que contemple a diversidade e as subjetividades desses sujeitos, que traga

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 305


reflexões e contribuições para esses espaços e sujeitos. No caso, a professora re-
gente então, procurou formas que poderiam garantir esse direito à aprendizagem
e modos para incluir José nas práticas da sala de aula.

Com o transcorrer do trabalho, José apresentava muita vontade de apren-


der a ler e a escrever. A professora da turma ressignificou suas práticas, enfati-
zando interesses e demandas do aluno para melhor atendê-lo, além de motivá-lo
no processo de leitura e escrita. Entretanto, o aluno não acreditava em si mesmo
e nem os seus colegas de classe. No cotidiano, a tendência é tratar os sujeitos
que apresentam alguma deficiência, principalmente a intelectual, como indiví-
duos incapazes de aprender. Neste sentido, como está o Currículo na EJA? Como
estão as adaptações curriculares? E o plano de ensino individualizado (PEI) do
público-alvo da Educação Especial? E como são atendidas as demandas de jovens
e adultos no contexto escolar? A formação inicial contempla uma inclusão para
a diversidade?

José antes de ser um aluno com deficiência intelectual, é um sujeito de di-


reito, trabalhador, tem desejos, sonhos e interesses próprios. Para Arroyo (2017):

Garantir seu direito a saberem-se sujeitos de direitos tão arti-


culados como o direito à educação e o direito ao trabalho será
uma das aprendizagens na experiência da escola e EJA, tempo
de aprofundar, de maneira sistemática, a radicalidade de suas
lutas pelo direito à educação atrelada a suas lutas pelos direitos
do trabalho. [...] Trazer esses conhecimentos para os currículos
enriquecerá o currículo como espaço do conhecimento e en-
riquecerá à docência, os profissionais do conhecimento. (p.48)

A partir desta perspectiva, a fim de garantir que seu direito de aprendiza-


gem fosse contemplado, a docente elaborou uma proposta em que suas expe-
riências se tornassem o fio condutor do trabalho pedagógico. A escola criou um
grupo de trabalho com os professores alfabetizadores para a realização da for-
mação com os pares e apoio para os desafios desse processo. Assim, destacamos
a formação que acontecia na própria escola e que fortalecia as ações pedagógi-
cas como eixo norteador das propostas.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 306


Desse modo, José foi se desenvolvendo, responsabilizando-se por sua
aprendizagem também e aos poucos saiu do lugar do não saber, para se reencon-
trar no processo de aprender. E logo, se apropriou de conhecimentos importantes
para a alfabetização. A turma também começou a reconhecer seus avanços. E
José entendeu que era um produtor de texto, mesmo que oral.

Vendedor de balas e doces desde cedo, aproximou seus conhecimentos,


seu texto foi valorizado e se tornou objeto de estudos, fazendo parte cada vez
mais do cotidiano e das dinâmicas ocorridas em sala, sua oralidade melhorou e
seu repertório foi ampliado. Vem apresentando mais e mais avanços, o corpo do-
cente já não naturaliza o não aprender e reconhece que nas especificidades todos
podem aprender. O currículo precisa ser elaborado para dar conta destas ques-
tões e garantir a aprendizagem e a formação inicial é um “abrir-se para as mu-
danças e incertezas”, que caracterizam não só o período de alfabetização. Formar
o professor nesse período é possibilitar um caminhar para o desenvolvimento da
autonomia profissional compartilhada, já que a docência deve partilhar o conhe-
cimento com o contexto e pares, diante de aprendizagens objetivas e subjetivas,
que marcam a profissão na experiência e na adaptação, conforme ilustrado pelo
caso do aluno citado.

Análise dos resultados

Deparamo-nos com muitas inquietações, mas foi possível perceber que


quanto mais próximo da realidade dos alunos e do seu contexto de experiências,
mais flui o processo de alfabetização. É necessário reconhecer e atentar aos inte-
resses dos estudantes, aos ritmos de aprendizagem e criar estratégias pedagógi-
cas efetivas e inclusivas, que possibilitem novas formas de fazer e ser, que todos
participem e sintam-se agentes do processo.

Uma outra questão a ser focalizada aqui é a autoria docente, a formação


inicial e o trabalho realizado com os pares na própria escola, pois muitas vezes só
percebemos a formação em contextos diferentes do qual trabalhamos e esquece-
mos de valorizar a riqueza de possibilidades existentes nesse espaço educativo.

A escola permite transformações, é preciso atentar para as relações com


os discentes, mas também com o espaço, a produção de valores e crenças, que

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 307


interferem no fazer pedagógico. Arroyo (2017) enfatiza nesse sentido a formação
humana, ressaltando: “Suas histórias como trabalhadores e como alunos/as en-
trelaçam-se com seus deslocamentos. Matéria-prima carregada de significados,
de olhares, interpretações” (p.23).

Desse modo, sentimos falta desse foco para uma educação para a diversi-
dade, principalmente na formação inicial e a preocupação com as propostas de
alfabetização e da valorização dos diferentes sujeitos que estão na escola e que
buscam de alguma forma mudanças para sua vida. Ainda temos um olhar para a al-
fabetização na idade certa e secundarizamos os outros segmentos e que devem ser
contemplados. Muitas vezes ouvimos: “Mas, eu não sou professor alfabetizador”.

Acreditamos na alfabetização como um processo, salientamos as necessi-


dades específicas para a formação do professor alfabetizador, mas também não
podemos esquecer o quanto é fundamental levar essa discussão para os outros
segmentos. Assim, reflexões e ações precisam ser tomadas para começar a trazer
mudanças expressivas nesse campo, que percorre o número de crianças, jovens
e adultos da Rede com lacunas na leitura e na escrita e que trazem impactos nos
vários anos de escolarização. Indicamos a formação inicial como um bom começo
para esse percurso que é complexo e amplo.

Percebemos a escola como um lugar de potência, de encontros diversos,


de afetos, afetando e implicando no processo de aprendizagem. São diversas as
concepções, as metodologias, as teorias, mas se faz necessário reconhecer a mul-
tiplicidade desses sujeitos e potencializá-los nesse ensino, de modo a atender,
contemplar e incluir a todos.

Considerações finais

Muitos são os desafios para se pensar a escola, a alfabetização, a forma-


ção hoje, ainda mais nesse cenário de indagações que nos encontramos para
ponderar no pós- pandemia. Gostaríamos de contribuir no sentido de despertar
reflexões sobre as especificidades da alfabetização, trazer essas questões para
a formação inicial e atravessar todas as disciplinas com formações no campo da
leitura e da escrita nas diferentes áreas.

Foi possível perceber diante de todas as dificuldades existentes, as especi-

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 308


ficidades do processo de alfabetização, a necessidade da mediação do professor
nesse processo e da função social da escola, da riqueza e importância das rela-
ções subjetivas que são tecidas no cotidiano e que trazem impactos na aquisição
da leitura e da escrita.

Em tempos pandêmicos, uso de tecnologias, ensino remoto torna-se ainda


mais urgente atentar para as especificidades desses sujeitos, que se encontram
no período de aprendizagem da leitura e da escrita, onde a figura do professor é
imprescindível para mediar o processo. Assim também, salientamos a questão da
formação inicial e continuada para lidar com a complexidade da alfabetização.

Quando pensamos em uma escola para todos, não podemos deixar de con-
templar a diversidade que nela se encontra, seja em termos profissionais ou em
relação ao alunado. Junto a isso, o desejo a aprendizagem, o domínio da leitura e
da escrita, que se encontra na história de cada sujeito e nas marcas que o docen-
te carrega ao lembrar das suas experiências e do valor da memória afetiva, que
influenciam as suas práticas.

Assim, novos enfoques são necessários para se pensar essa instituição edu-
cativa nos dias atuais e na formação docente, bem como a construção de mais
espaços de diálogos/trocas-formação dentro da escola, no sentido de fortaleci-
mento das ações, mas também da própria trajetória formativa e constituição da
identidade docente.

Referências

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direito a uma vida justa. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.

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2018.

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Rio de Janeiro: Graal, 1989.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 309


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sília: MEC, 2020.

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inclusiva. Revista da Faculdade de Educação da UFF, nº. 7, maio 2003, p.78-91.

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http://www.wpi.edu/~isg_501/bridget.html Acesso em 30 de outubro de 2019.

SOARES, Magda. Letramento e Escolarização. 6 ed. São Paulo: Contexto, 2011.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 310


DESAFIOS DE UMA PROFESSORA ALFABETIZADORA
INICIANTE EM TEMPOS DE ENSINO REMOTO

Aline Gasparini Zacharias-Carolino


aline.gasparini@unesp.br
Universidade Estadual Paulista – UNESP

Introdução

A pandemia mundial ocasionada pelo novo Coronavírus desvelou a pre-


cariedade de diversos segmentos da sociedade contemporânea, dentre eles si-
tuam-se as redes públicas de ensino. Em meio a toda a situação de incertezas
e mudanças constantes, a escola precisou se (re)inventar, assim como houve a
necessidade de se (re)pensar a docência. Afinal, como dar continuidade ao ano
letivo em meio a uma pandemia global? Qual é o papel da educação formal nesse
contexto? O que podem as escolas em tempos de distanciamento social?

As fragilidades que há tempos assolam as redes públicas de ensino se tor-


naram o foco de atenção da população. A falta de materiais, falta de formação
e falta de condições estruturais, nunca foram tão evidentes como nos últimos
tempos. Além disso, muitos outros fatores entraram também em discussão, como
a questão da alimentação das crianças em situação de risco e a forma de acesso
à proposta pedagógica preconizada. Haja vista que as dificuldades eram as mais
diversas e assumiam diferentes níveis de complexidade, tanto em aspectos con-
dizentes com o trabalho didático-pedagógico, como com questões estruturais,
coletivas e relacionadas aos direitos humanos.

Assim, este artigo circunscreve-se ao contexto geral da formação inicial e


continuada dos/as professores/as alfabetizadores/as e propõe-se a problematizar
os impasses encontrados por uma professora em início de carreira no contexto da

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 311


alfabetização e em tempos de ensino remoto emergencial, buscando identificar
os sentidos e significados atribuídos ao desenvolvimento do trabalho didático-
-pedagógico.

Dessa forma, o interesse em discorrer sobre a temática surgiu a partir das


vicissitudes que permeiam a passagem de estudante para professora, e a especi-
ficidade desse momento diante da pandemia. Esse período é definido para Nóvoa
(2019) como “entre-dois”, isto é, o/a professor/a se situa entre o fim da formação
e o início da profissão. Para o autor, esse momento é decisivo na vida profissional,
dado que consiste no período mais importante da constituição dos/as professo-
res/as e na própria construção de uma identidade profissional.

Soma-se a isso o constatado por Huberman (1995), quando o autor esta-


belece uma discussão acerca do ciclo vital dos/as professores/as, considerando
que o início da carreira docente é composto por aspectos de sobrevivência e des-
coberta. Assim, diante desse cenário pandêmico, as descobertas foram as mais
diversas, e as demandas para o desenvolvimento de um trabalho didático-peda-
gógico comprometido com seu viés político-social, exigiram novas posturas e
reflexões sobre o fazer docente.

O distanciamento social impôs aos docentes e as escolas uma situação


nunca antes vivenciada, posto que a dinâmica de interação inerente à sala de
aula não era possível nessa modalidade de ensino. Nesse sentido, corrobora-se
com Nunes e Sperrhake (2020, p. 27) quando as autoras preconizam que a pan-
demia exigiu que o ensino e aprendizagem fossem compreendidos sob uma outra
perspectiva, contudo, “ [...] sem nos perdermos do papel docente como responsá-
vel pelo fazer pedagógico, com um saber profissional e singular próprio”.

Não estar presencialmente em sala de aula tornou-se não só um grande


desafio, mas reafirmou a importância das instituições escolares, e a necessidade
de problematizações frente às práticas alfabetizadoras, ao compreendermos que
elas possuem diversas facetas, assim como preconizado por Soares (2018), sendo
elas, a faceta linguística, relacionada à apropriação do sistema alfabético-orto-
gráfico e convenções de escrita; a faceta interativa, relativa à língua escrita como
um “[...] veículo de interação entre as pessoas, de expressão e compreensão de
mensagens [...]”; e a faceta sociocultural, que por sua vez está articulada aos
“[...] usos, funções e valores atribuídos à escrita em contextos socioculturais [...]”
(SOARES, 2018, p.29).

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 312


Por conseguinte, as questões que norteiam o campo da alfabetização e
do letramento nos anos iniciais do Ensino Fundamental tornaram-se ainda mais
complexas, uma vez que exigia o desenvolvimento de um trabalho com intencio-
nalidade, contextualizado, levando-se em conta que o ambiente para seu desen-
volvimento era heterogêneo, e acima de tudo, sensível, dado a situação social e
sanitária que estávamos inseridos.

Delineando o percurso

Mediante o exposto, este texto consiste em um relato de experiência ba-


seado em pressupostos autoetnográficos, voltando-se especificamente aos im-
passes encontrados por uma professora em início de carreira com uma turma
composta por 20 estudantes em processo de alfabetização, matriculados no 1º
ano do Ensino Fundamental. A referida turma está inserida em uma rede de ensi-
no municipal, situada no interior do Estado de São Paulo, que atende em média
19 mil estudantes, em 69 unidades educacionais, entre Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Educação de Jovens e Adultos. A escola está localizada no en-
torno do centro da cidade e seu público pertence, majoritariamente, aos bairros
adjacentes.

Após discussão coletiva e consulta pública, a rede municipal adotou o en-


sino remoto, com ênfase na disponibilização de materiais impressos, optando por
utilizar minimamente recursos tecnológicos, por partir do pressuposto de que as
famílias não teriam acesso a tais ferramentas e, com isso, não haveria a possibili-
dade de garantir que a proposta preconizada chegasse a todos os lares.

Por conseguinte, o foco das unidades educacionais foi direcionado a pro-


dução de materiais para cada ano escolar, partindo das avalições diagnósticas
realizadas no início do ano letivo e envolvendo um trabalho coletivo entre os/as
professores/as. Nessa conjuntura, cada escola teve autonomia na construção das
sequências didáticas, visando adaptar o planejamento anual ao contexto do en-
sino remoto e, ao mesmo tempo, propor atividades que fossem significativas aos
alunos atendidos nas diferentes unidades do município. Diante disso o contato
com as famílias era realizado via e-mail e/ou ligação telefônica, e as sequências
didáticas eram planejadas quinzenalmente, para entrega e retirada nas escolas,
por um familiar responsável.

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 313


Trilhando caminhos possíveis

Ser professora iniciante no contexto da pandemia e em meio às demandas


do ensino remoto foi uma posição que ocasionou inúmeros conflitos em relação
aos conceitos de uma educação democrática e de qualidade, conflitos no âmbito
pessoal e também no contexto coletivo, uma vez que toda a equipe de profissio-
nais da escola estava confusa quanto à direção mais coerente a se tomar. Afinal,
como garantir que os alunos tenham acesso igualmente ao material? É realmente
possível trabalhar com as diversas facetas, defendidas por Soares (2018), em um
tipo de ensino com essas características? Estaríamos apenas cumprindo horas
letivas? Como garantir que a proposta fosse significativa a todos os estudantes,
dado que não havia a questão da interação entre professor/a e aluno/a?

Com isso, a sensação de responsabilidade diante desses questionamen-


tos contribuiu para com o sentimento de conflito diante do trabalho pedagógico
desenvolvido e os desafios encontrados mostram-se plurais e multifacetados.
Dentre os principais aspectos evidenciados, convêm destacar alguns para discus-
são, a saber: o trabalho coletivo entre diferentes professores/as, a elaboração
de atividades pedagógicas contextualizadas e com intencionalidade, e a relação
escola-família.

O trabalho coletivo para a construção dos materiais para cada ano esco-
lar se mostrou como um grande problema inicial, na medida em que, o próprio
conceito de coletividade estava distorcido, e a tentativa dessa reformulação de-
mandou um árduo caminho a ser percorrido. Apesar de o contexto educacional
envolver uma coletividade e embasar-se em um mesmo planejamento anual, que
por sua vez é construído pelos/as próprios/as professores/as, o trabalho didáti-
co-pedagógico desenvolvido em cada sala de aula assume características indivi-
duais, a depender do perfil da professora, de seu tipo de formação, concepção de
ensino-aprendizagem, dentre outros inúmeros fatores que fazem com que cada
prática pedagógica seja única.

Dessarte, pensar nas características dos alunos atendidos em cada ano es-
colar, nesse caso em específico, em quatro turmas de 1º ano, e chegar a um
consenso sobre uma sequência didática em comum, que fosse significativa para
todos os estudantes, demandou muito diálogo, busca constante por soluções e
estratégias diferenciadas, reflexão sobre o trabalho desenvolvido e, sobretudo,

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 314


(re)invenção da prática docente diante desse contexto, aliada a compreensão
sobre o que constitui “o coletivo”.

Outro impasse significativo está relacionado à construção das atividades de


acordo com as especificidades das turmas. Criar atividades manifestou-se como
uma tarefa dificultosa para algumas professoras, e nesse momento, a fragilidade
da formação das alfabetizadoras tomou grandes proporções. O acesso à inter-
net possibilita o contato com um enorme acervo de materiais prontos, por con-
seguinte, há uma linha tênue entre utilizar materiais padronizados, e construir
materiais com objetivos específicos, tendo em vista, as características dos alunos
atendidos. A segunda proposta, sem dúvida, demanda mais dedicação e um maior
tempo para sua elaboração. Diante disso, a impessoalidade inicial em tudo o que
propúnhamos era motivo de muito desconforto e questionamentos sobre quais
significados tais propostas teriam para as crianças e para as famílias. Fundamen-
tando-se em tal inquietação, houve a ponderação constante sobre formas de
estabelecer vínculos com as crianças por intermédio das atividades remotas.

Esse foi o ponto de virada nessa situação, posto que, por meio desses ques-
tionamentos e inquietações, e portanto, reflexões sobre o fazer docente, o traba-
lho desenvolvido passou a ser realmente integrado, partindo do cada profissional
conseguia oferecer naquele momento, e utilizando, também, a escrita como uma
forma de (re)significar as propostas pedagógicas, estreitando os laços com as
crianças e com as famílias, e fazendo o melhor possível, diante do contexto e
da situação em que estávamos inseridas. Isto posto, a escrita como uma prática
social tornou-se um ponto de fuga, de aproximação e de transformação das se-
quências didáticas preconizadas.

Além disso, o texto foi o eixo central das atividades propostas às crianças,
tal como defendido por Soares (2020), partindo em um primeiro momento de
textos que faziam parte do repertório infantil, como os contos clássicos e envol-
vendo a leitura e escrita de cartas, bilhetes, e pequenas narrativas. Houve tam-
bém a criação de estratégias complementares, dentre elas a que mais se mostrou
significativa no decorrer da composição das sequências didáticas foi à criação de
“caixas de textos” direcionadas aos pais e/ou responsáveis, por meio das quais
as professoras passavam orientações sobre o desenvolvimento das atividades,
sugeriam complementos lúdicos e explicitavam os objetivos de tal proposta, e

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 315


em caso de necessidade, havia, ainda, orientações adicionais e individuais. Dessa
maneira a parceria entre a escola e as famílias foi imprescindível, e se fortaleceu
cada vez mais com o passar dos meses.

À vista disso, ratificamos o afirmado por Nunes e Sperrhake (2020, p. 32)


quando as autoras consideram que

[...] precisamos compreender que o ensino remoto, diferente


da Educação a Distância, é uma solução emergencial para o
momento e que, provavelmente, no retorno às atividades pre-
senciais, as escolas e as redes de ensino precisarão revisitar e
reorganizar seus currículos e fazer adequações de modo que
as perdas em função das restrições impostas por essa forma
emergencial de ensino sejam minimizadas ao máximo.

Mediante o exposto, postula-se que toda a comunidade escolar foi aten-


dida, sendo que o planejamento anual foi adaptado ao contexto do ensino re-
moto, visando desenvolver um trabalho intencional, e também sensível à atual
situação. Por conseguinte, os três aspectos ressaltados anteriormente - trabalho
coletivo, elaboração de atividades contextualizadas e relação escola-família - es-
tavam intrinsecamente interligados e mostraram-se como indissociáveis para o
desenvolvimento de um trabalho didático-pedagógico coerente e comprometido.

Dessa forma, a importância das instituições escolares foi reafirmada a todo


o momento, tal como a necessidade de uma relação próxima e dialógica entre
escola-família, e a inegável premência de uma formação contínua e continuada
(TARDIF, 2014) das professoras alfabetizadoras. Ademais, infere-se, também, que
na medida em que novos espaços de diálogo entre escola-família e entre diferen-
tes profissionais da própria unidade educacional eram criados, novas oportunida-
des de formação, enquanto professora iniciante, foram se delimitando. Outros-
sim, a busca por melhores alternativas e por um ensino comprometido, afetivo e
consciente continua... E continuará permanentemente!

POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 316


Algumas ponderações finais

Diante do objetivo deste estudo, infere-se que os sentidos e significados


atribuídos ao desenvolvimento do trabalho didático-pedagógico enquanto pro-
fessora iniciante no contexto da alfabetização, se manifestaram como um cami-
nho permeado por angústia, conflitos, descrédito e contradições, entretanto, ao
mesmo tempo, tais vivências proporcionaram inúmeros aprendizados, ao exigir
maior flexibilidade, bem como criatividade para encontrar alternativas frente a
situações aparentemente caótica. Com isso, o (re)inventar e (re)pensar a docência
tornaram-se essenciais para o desenvolvimento de um trabalho com intenciona-
lidade, contextualizado e sensível.

Assim sendo, destaca-se a importância dos espaços de socialização e re-


flexão sobre o trabalho docente dos/as professores/as da Educação Básica, dado
que esses espaços tornam-se ambientes com possibilidades formativas. Aliado a
isso está à importância de um trabalho didático-pedagógico com objetivos deli-
mitados, que por sua vez, demanda conhecimentos específicos dos/as profissio-
nais envolvidos/as em cada ano escolar, que nesse caso, era a alfabetização e le-
tramento, e toda a especificidade e heterogeneidade que permeiam esse campo.
Outrossim, finaliza-se este texto com a ponderação de que o início de carreira
docente pode sim ser algo positivo, desde que estejamos dispostos a trabalhar
de forma cooperativa com a comunidade escolar, bem como rever conceitos, e se
(re)construir constantemente.

Referências
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POLÍTICAS E PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS AUTORAIS E CONTEXTUAIS 318

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