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ISSN 1413-389X Trends in Psychology / Temas em Psicologia – Junho 2017, Vol.

25, nº 2, 563-575
DOI: 10.9788/TP2017.2-10

As Crenças sobre a Homossexualidade e o Preconceito


contra Homossexuais no Ambiente de Trabalho

Annelyse dos Santos Lira Soares Pereira


Faculdade Maurício de Nassau, João Pessoa, PB, Brasil
Susana Maria Pires da Silva Dias
Instituto Universitário de Lisboa, Lisboa, Portugal
Tiago Jessé Souza de Lima1
Luana Elayne Cunha de Souza
Universidade de Fortaleza, Fortaleza, CE, Brasil

Resumo
O presente estudo tem por objetivo entender o preconceito contra homossexuais no ambiente de traba-
lho a partir das crenças que os trabalhadores heterossexuais têm sobre a natureza da homossexualidade.
Levantamos a hipótese de que essas crenças estão na base da expressão de atitudes e comportamentos
homofóbicos no ambiente de trabalho. Tomaram parte neste estudo 169 trabalhadores heterossexuais, de
cinco empresas portuguesas de grande porte, de ambos os sexos, com idade média de 32,8 anos (DP =
8,29), sendo a maioria do sexo feminino (68%). Os resultados obtidos mostraram que o preconceito con-
tra homossexuais no ambiente de trabalho se expressa pela maior adesão a crenças ético-morais como
explicação da natureza da homossexualidade. Os homens apresentam maior rejeição à proximidade e
expressão de mais emoções negativas em relação aos homossexuais do que as mulheres. A discussão
aborda a importância de crenças sobre a natureza dos grupos sociais para melhor se compreender os
princípios organizadores do preconceito e da discriminação contra grupos minoritários no contexto de
relações laborais.
Palavras-chaves: Crenças, homossexualidade, preconceito, trabalho.

Beliefs about Homosexuality and the Prejudice


against Homosexuals in the Workplace

Abstract
This study aims to understand the prejudice against homosexuals in the workplace analyzing the role
played by individuals’ beliefs about the nature of homosexuality. We hypothesize that beliefs about the
nature of homosexuality underlie the expression of homophobic attitudes and discriminatory behavior
in the workplace. Take part in this study 169 heterosexual workers from five Portuguese companies, of
both genders (mostly part of them are female, 68%) with a mean age of 32.8 years (SD = 8.29). The
results showed that greater individuals’ support for ethical and moral beliefs about the nature of homo-
sexuality predict prejudice against homosexuals in the workplace. Moreover, men expressed a higher
rejection of proximity and expressed more negative emotions towards homosexuals than women parti-
cipants express. The discussion addresses the importance of beliefs about the nature of social groups to

1
Endereço para correspondência: Universidade de Fortaleza, Departamento de Psicologia, Av. Washington
Soares, 1321, Edson Queiroz, Fortaleza, CE, Brasil 60811-905. E-mail: tiago.souzalima@hotmail.com
564 Pereira, A. S. L. S., Dias, S. M. P. S., Lima, T. J. S., Souza, L. E. C.

better understand the organizing principles of prejudice and discrimination against minority groups in
the context of labor relations.
Keywords: Beliefs, homosexuality, prejudice, workplace.

Las Creencias sobre la Homosexualidad y o Prejuicio


contra los Homosexuales en el Lugar de Trabajo

Resumen
Este estudio tiene como objetivo comprender el prejuicio contra los homosexuales en el lugar de trabajo
a partir de las creencias que los empleados heterosexuales tienen sobre la naturaleza de la homosexu-
alidad. La hipótesis testada es que estas creencias son la base de la expresión de actitudes y comporta-
mientos homófobos en el lugar de trabajo. Participaron en este estudio 169 trabajadores heterosexuales,
empleados en cinco grandes empresas portuguesas, de ambos sexos, en su mayoría mujeres (68%),
con una edad media de 32,8 años (SD = 8.29). Los resultados mostraron que los prejuicios contra los
homosexuales en el lugar de trabajo están relacionados con una mayor adhesión a las creencias éticas
y morales como una explicación de la naturaleza de la homosexualidad. Los hombres tienen un mayor
rechazo de la cercanía y mayor expresión de emociones negativas hacia los homosexuales, comparado a
las mujeres. La conclusión discute la importancia de las creencias acerca de la naturaleza de los grupos
sociales para comprender mejor los principios de organización de los prejuicios y de la discriminación
contra los grupos minoritarios en el contexto de relaciones laborales.
Palabras claves: Creencias, homosexualidad, prejuicio, trabajo.

O tema da homossexualidade tem sido carreira, e trazem prejuízos para a produtividade


alvo de um forte debate social, quer ao nível da do funcionário e da empresa à medida que a re-
igualdade de direitos humanos, como é exemplo velação da identidade sexual muitas vezes leva a
o casamento civil e a adoção de filhos por pais dificuldades de relacionamento entre os empre-
homoafetivos, quer no combate ao preconceito gados (Ferreira, 2007).
e discriminação contra os homossexuais nos vá- Em face desse contexto, compreender que
rios contextos sociais. Nas organizações, onde fatores sustentam o preconceito contra os ho-
o profissionalismo é considerado um princípio mossexuais no ambiente de trabalho parece ser
normativo para sustentar e promover um am- uma questão de grande relevância social. É pos-
biente de trabalho coeso em prol de objetivos sível que a discriminação e o preconceito contra
econômicos (Mizzi, 2013), o preconceito contra os homossexuais se embasem em um sistema de
o homossexual ainda é forte. representações que envolvam crenças e valores
Diversos estudos (Eliason, Dejoseph, Di- preconceituosos acerca da natureza da homos-
bble, Deevey, & Chinn, 2011; Ferreira, 2007; sexualidade, sendo historicamente construídos
Williams & Guiffre, 2011) descrevem as expe- e compartilhados entre os indivíduos (Borrillo,
riências vivenciadas por homossexuais no am- 2010; Lacerda, Pereira, & Camino, 2002). Neste
biente de trabalho, destacando os problemas que sentido, o presente estudo investiga o papel das
estes enfrentam para se manterem empregados representações sobre a natureza da homossexu-
e para obterem sucesso na carreira profissional, alidade na expressão do preconceito contra os
dentre eles, destacam-se a discriminação, o as- homossexuais no ambiente de trabalho. Levan-
sédio verbal, os estereótipos negativos e os es- tamos a hipótese de que essas crenças estão na
tigmas sociais. Tais problemas contribuem para base da expressão de atitudes e comportamentos
que os indivíduos escondam sua identidade se- preconceituosos nesse ambiente.
xual, a fim de não serem prejudicados em sua
As Crenças sobre a Homossexualidade e o Preconceito contra Homossexuais 565
no Ambiente de Trabalho.

Crenças sobre a Natureza Hegarty e Pratto (2001) identificaram duas


da Homossexualidade dimensões das crenças essencialistas sobre a ho-
mossexualidade: uma dimensão da imutabilida-
Krüger (1995) define crenças como proposi-
de, que é a crença de que a homossexualidade
ções que, na sua formulação mais simples, afir-
tem uma base biológica, fixada na infância e di-
mam ou negam uma relação entre dois aspectos
fícil de mudar; e uma dimensão de fundamen-
concretos ou abstratos ou entre um objeto e um
talismo, caracterizada pela crença de que a ho-
possível atributo desse objeto. Desta forma, as
mossexualidade é uma categoria bem definida de
crenças podem ser estritamente pessoais, quan-
indivíduos com características que fazem com
do expressam, por exemplo, uma avaliação ou
que sejam necessariamente homossexuais e dife-
julgamento a respeito de alguém, mas também
rentes dos heterossexuais. Posteriormente, Has-
podem ser compartilhadas, como nos casos da
lam e Levy (2006) sugerem uma terceira dimen-
opinião pública e dos estereótipos sociais. Nes-
são, o universalismo, definida como a crença de
te estudo, focamos principalmente nas crenças
que a homossexualidade é histórica e cultural-
socialmente compartilhadas sobre a homosse- mente variável. Estes autores constataram que as
xualidade. Estas crenças são, em grande parte, crenças na imutabilidade e na universalidade se
assentes em essencialismos psicológicos (Medin correlacionam negativamente com o preconceito
& Ortony, 1989), ou seja, em características ou contra os homossexuais, porém a crença no fun-
propriedades que são vistas como essenciais e damentalismo correlacionava-se positivamente
que definem a natureza de um objeto ou grupo (ver Pereira, 2009 para uma revisão).
social (Allport, 1954). Desta forma, as pessoas A análise dessas dimensões essencialistas
tratam as categorias sociais não como artefatos tem mostrado que esses atributos descrevem
produzidos socialmente, mas sim como catego- principalmente a crença numa natureza biológi-
rias naturais, biologicamente determinadas (Ro- ca dos grupos sociais, o que pode sugerir que as
thbart & Taylor, 1992). pessoas percebem esses grupos mais como cate-
O essencialismo psicológico pode ser con- gorias naturais do que como construções sociais
siderado um viés cognitivo no processo de cate- (Rothbart & Taylor, 1992). A investigação rea-
gorização social, que leva a uma crença de que lizada nesse domínio tem restringido o seu esco-
cada categoria de objetos tem um conjunto fixo po ao papel do essencialismo biológico, dando
de atributos que definem a sua natureza (Medin pouca ou nenhuma atenção a um conjunto mais
& Ortony, 1989; Rhodes, Leslie, & Tworek, amplo de crenças que pode ser mais relevan-
2012). De acordo com essa perspectiva, a crença te para fundamentar a discriminação contra os
em essências subjacentes às categorias decorre homossexuais, como a crença de que os grupos
da ideia de que essas essências mantêm uma sociais podem ter origem divina, como produtos
relação com certas características biológicas – de disfunções psicológicas, entre outras (Pereira,
genética, inata ou hormonal – que define todos 2009; Pereira, Torres, Falcão, & Pereira, 2013).
os exemplares de uma categoria (Pereira, 2009). De fato, algumas concepções sobre a natureza
Rothbart e Taylor (1992) propuseram que, da da homossexualidade têm proposto que as teo-
mesma forma que as pessoas atribuem essên- rias científicas (tanto biológicas como psicoló-
cias na descrição que fazem das categorias de gicas) e religiosas sobre este tema têm contri-
objetos percebidos como naturais, elas também buído significativamente para a estigmatização
fazem isso para categorias sociais. Quando as dos homossexuais, servindo de justificação para
pessoas fazem uso dessa crença para descrever a adoção de comportamentos discriminatórios
a natureza dos grupos sociais é, sobretudo, para (Pereira, Pereira, & Monteiro, 2016; Pereira,
fundamentar as desigualdades sociais e a dis- Torres, Pereira, & Falcão, 2011).
criminação contra grupos minoritários (Pereira, Uma análise mais aprofundada sobre a im-
Vala, & Costa-Lopes, 2010; Vala, Pereira, Lima, portância das crenças sobre a natureza da ho-
& Leyens, 2012). mossexualidade deve considerar o essencialis-
566 Pereira, A. S. L. S., Dias, S. M. P. S., Lima, T. J. S., Souza, L. E. C.

mo no âmbito dos processos descritos por Doise Lacerda et al. (2002) também constataram
(1986) e por Moscovici (1976) na caracterização que o preconceito flagrante em relação aos ho-
que fazem das teorias de senso comum sobre a mossexuais baseava-se na crença em uma supos-
realidade social (Moscovici & Hewstone, 1983). ta natureza ético-moral e religiosa da homosse-
A essencialização é um exemplo prototípico do xualidade, enquanto que o preconceito sutil se
que Moscovici descreveu como objetivação, ex- relacionava com crenças na natureza biológica
plicando como as pessoas naturalizam concei- e psicológica. Apenas as crenças psicossociais
tos e relações científicas, transformando-as em sobre a homossexualidade estavam relacionadas
conhecimento de senso comum. Seguindo essas com atitudes igualitárias face aos heterossexu-
ideias, propõe-se que as crenças essencialistas ais. Por conseguinte, concluíram que as repre-
sobre a homossexualidade são mais bem com- sentações sociais sobre a natureza da homosse-
preendidas quando analisadas como representa- xualidade podem cooperar para a manutenção
ções sociais ou teorias do senso comum sobre a de práticas sociais homofóbicas pelo fato dessas
natureza dos grupos sociais (Pereira et al., 2011). crenças serem bastante irradiadas no pensamen-
O processo psicossocial subjacente a essa con- to de senso comum e serem utilizadas para legi-
cepção baseia-se na hipótese de que as teorias timar as políticas e ações sociais que são orienta-
e práticas científicas, quando transformadas em das para os homossexuais (Lacerda et al., 2002).
conhecimentos de senso comum sobre a homos- As crenças acerca da natureza da homosse-
sexualidade, servem de fundamentação para a xualidade podem contribuir para a manutenção
adoção de comportamentos discriminatórios de uma imagem fixa e imutável dos homossexu-
contra os homossexuais (Camino, 1998; Camino ais, na medida em que salientam uma representa-
& Pereira, 2000; Pereira et al., 2016). ção essencialista do homossexual como portador
Nesta perspectiva, Lacerda et al. (2002) de alguma anormalidade biológica ou psicológi-
identificaram cinco princípios organizadores das ca, ou uma representação do homossexual como
crenças sobre a homossexualidade, a saber: as portador de uma essência, ainda que difusa, que
crenças religiosas, baseadas na ideia de que a o impulsiona para a violação dos valores tradi-
homossexualidade é uma profunda e imutável cionais que sustentam o status quo. Ademais,
predisposição para o pecado e para a desobedi- Pereira et al. (2016) demonstram que diferenças
ência ao que se julga serem as leis de Deus; as individuais em termos de crenças religiosas e
crenças ético-morais, assentes na ideia de que biológicas sobre a natureza da homossexualida-
a natureza da homossexualidade é caracterizada de anulam o efeito da norma antipreconceito. Es-
pela tendência das pessoas para violarem valores ses autores argumentam que quanto mais as pes-
morais, incluindo o que se acredita ser o valor da soas representam a homossexualidade com base
decência, da moralidade e das boas maneiras; as nas crenças religiosas e biológicas, mais resis-
crenças psicológicas, alimentadas por modelos tentes se sentirão em relação à pressão exercida
científicos propondo que a homossexualidade pela norma antipreconceito, uma vez que terão
tem base psicológica e afetiva, relacionada com fundamentos fortes para manterem inalteradas as
alguma situação traumática vivida na infância; suas atitudes em relação aos homossexuais.
as crenças biológicas, também fundamentadas
em modelos que proclamam que os homossexu- O Preconceito contra Homossexuais
ais têm uma essência de natureza genética, que no Ambiente de Trabalho
é transmitida hereditariamente e que se mani- De acordo com Marco, Hoel, Arenas e Mun-
festa em disfunções hormonais ou em qualquer duate (2015), a discriminação baseada na orien-
cariz biológico em geral; e por fim as crenças tação sexual é bastante comum no ambiente de
psicossociais, que são um conjunto de crenças trabalho. Embora as expressões abertas de discri-
não-essencialistas assentes na ideia de que a ho- minação, tais como hostilidade, violência física
mossexualidade tem base cultural e representa e psicológica, que violam abertamente as normas
uma expressão normal da sexualidade humana. sociais, tenham diminuído, formas mais sutis e
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no Ambiente de Trabalho.

ambíguas têm se mantido (Cortina, Kabat-Farr, de Siqueira Saraiva, Carrieri, Lima e Andrade,
Leskinen, Huerta, & Magley, 2013; Einarsdót- (2009), segundo a qual a homofobia é um pro-
tir, Hoel, & Lewis, 2015). Marco et al. (2015) blema presente no ambiente de trabalho.
apontam que o preconceito contra homossexuais De acordo com Ragins e Cornwell (2001),
se revela através de piadas, linguagem deprecia- embora a existência de uma legislação que pro-
tiva, estereótipos negativos e comportamento in- íba a discriminação sexual no trabalho seja im-
trusivos. Irigaray, Saraiva e Carrieri (2010), ao portante na redução da discriminação, o fator
estudarem o uso de expressões emocionais como mais relevante para a diminuição da discrimi-
instrumento de discriminação dos homossexuais nação não é a lei, mas a existência de uma cul-
no ambiente de trabalho, concluíram que o hu- tura organizacional “amigável” em relação aos
mor – por meio de ironia, piadas e anedotas – homossexuais. Em virtude disso, a luta contra a
naturaliza a homofobia e que este é usado como discriminação, o preconceito e a violência dirigi-
um sutil instrumento de controle da sexualidade. da contra homossexuais vem ganhando destaque,
Segundo Garcia e Souza (2010), o preconceito encabeçada principalmente por grupos de defesa
contra os homossexuais também é identificado dos direitos dos homossexuais. No entanto, o
no acesso às vagas de trabalho, quando se nega que se percebe é que as diretrizes de igualdade
a possibilidade de contratação a homossexuais e proteção aos homossexuais constituem mais a
declarados, ou no tratamento, quando os homos- exceção do que a regra, mesmo diante das práti-
sexuais recebem poucas recompensas ou oportu- cas que buscam agregar diversidade na força de
nidades de crescimento no trabalho devido a sua trabalho das organizações (Ferreira, 2007).
orientação sexual. Diante da evidência de discriminação e pre-
Nas empresas, os comportamentos precon- conceito contra homossexuais no ambiente de
ceituosos e discriminatórios podem infligir da- trabalho, o estudo que se apresenta tem por ob-
nos pessoais e profissionais, tais como: a possível jetivo analisar o papel das representações sobre
perda de emprego em virtude da orientação se- a natureza da homossexualidade na expressão do
xual; a menor probabilidade de obtenção de pro- preconceito contra os homossexuais no ambien-
moções e ascensão na carreira profissional (Ei- te de trabalho. Embora se tenha bem documen-
narsdóttir et al., 2015). Ademais, as avaliações tado na literatura em psicologia organizacional
do desempenho são fortemente influenciadas e em administração as consequências práticas
quando o alvo da avaliação é um homossexual do preconceito contra os homossexuais no am-
(Siqueira & Zauli-Fellows, 2006). Perante esse biente de trabalho, que reflete negativamente nas
panorama, os indivíduos homossexuais tendem suas carreiras e também para o desempenho da
a camuflar a sua orientação sexual, na tentativa organização, são escassos os estudos a nível or-
de evitar discriminação e superar as dificuldades ganizacional que buscam compreender os possí-
para a progressão da sua carreira profissional. veis fatores individuais que contribuem para este
Badgett (1997), considerando e analisando fenômeno. É possível que um destes fatores in-
várias pesquisas efetuadas nos Estados Unidos dividuais sejam as crenças acerca da natureza da
com os dados do General Social Survey e do homossexualidade que, como dito anteriormen-
Yankelovich Monitor, verificou que o homosse- te, são conhecimentos de senso comum sobre a
xual, quando comparado ao heterossexual com a homossexualidade que servem de fundamenta-
mesma experiência, educação, profissão, estado ção para a adoção de comportamentos discrimi-
civil e região de residência, recebe remuneração natórios contra homossexuais (Camino, 1998).
inferior, em média de 11% a 27%. Como tam-
bém relatam Mays e Cochran (2001), a probabi- Método
lidade de ser alvo de agressões físicas ou verbais
e até mesmo de ser demitido, é duas vezes maior O presente estudo analisa especificamente o
no caso dos homossexuais (Siqueira & Zauli- papel de crenças sobre a natureza da homossexu-
-Fellows, 2006). Esta informação reforça a ideia alidade no preconceito contra os homossexuais,
568 Pereira, A. S. L. S., Dias, S. M. P. S., Lima, T. J. S., Souza, L. E. C.

sendo o preconceito abordado em duas de suas Instrumentos


principais dimensões: a rejeição à proximidade e Foi aplicado um questionário contendo as
a expressão emocional (positiva ou negativa). A seguintes escalas:
hipótese a ser testada no presente estudo é a de Escala de Crenças sobre a Natureza da
que haverá uma relação positiva entre as cren- Homossexualidade. Esta escala foi elaborada
ças ético-morais e religiosas e o preconceito, por Lacerda et al. (2002) e adaptada para Por-
ou seja, quanto maior a adesão a estas crenças tugal por Pereira, Monteiro e Camino (2009). É
maior será a rejeição à proximidade com homos- composta por 15 itens que medem cinco tipos de
sexuais, menor serão as expressões de emoções crenças sobre a natureza da homossexualidade,
positivas e, em oposição, maior serão as emo- a saber: religiosas (e.g., As causas da homosse-
ções negativas em relação aos homossexuais. O xualidade estão relacionadas com a falta de obe-
padrão oposto deve emergir entre a crença na diência à Palavra de Deus), biológicas (e.g., As
natureza cultural da homossexualidade e o pre- causas da homossexualidade estão relacionadas
conceito, em que a maior adesão a este tipo de com disfunções hormonais), ético-morais (e.g.,
crença deve estar associada a menor rejeição à As causas da homossexualidade estão relaciona-
proximidade, menos emoções negativas e mais das com a falta de caráter), psicológicas (e.g., As
expressão de emoções positivas. Essas hipóteses causas da homossexualidade estão relacionadas
têm por base estudos prévios que têm indicado com abusos sexuais sofridos na infância) e cul-
que o apoio a políticas discriminatórias contra turais (e.g., A causa da homossexualidade está
os homossexuais está relacionado positivamente relacionada com as práticas culturais de cada so-
com as crenças religiosas e ético-morais e ne- ciedade). Foi utilizada uma escala de sete pontos,
gativamente com as crenças em fatores culturais variando entre 1 (discordo totalmente) e 7 (con-
(Pereira, Alfaia, Souza, & Lima, 2014; Pereira cordo totalmente). Uma análise fatorial (método
et al., 2016; Pereira et al., 2013; Pereira et al., dos eixos principais) fixando a extração de cinco
2011). Por último, considerando que as atitudes fatores mostra que estes explicaram 78,5% da
em relação aos homossexuais são consistente- variância. Os Alfas de Cronbach para os cinco
mente relacionadas com as características demo- tipos de crenças foram os seguintes: religiosas
gráficas dos indivíduos (Haslam & Levy, 2006; (α = 0,89); ético-morais (α = 0,88); psicológicas
Wilkinson & Roys, 2005), as hipóteses foram (α = 0,79); culturais (α = 0,49); e biológicas (α
testadas controlando-se o efeito dessas variáveis = 0,78).
(Pereira et al., 2013). Medida de Preconceito. Para medir o pre-
conceito foi empregada uma versão adaptada
Participantes (Lacerda et al., 2002) da Escala de Rejeição à
Participaram deste estudo 169 trabalhadores Intimidade de Pettigrew e Meertens (1995). No
que se autoidentificaram como heterossexuais. presente estudo, a escala de rejeição a relações
A amostra foi selecionada por um procedimento de proximidade com homossexuais foi adapta-
não probabilístico de amostragem por conveni- da para o contexto do trabalho, sendo os partici-
ência. A coleta de dados foi realizada em cin- pantes instruídos a indicarem em que medida se
co empresas portuguesas de grande porte, sen- sentiriam constrangidos perante situações espe-
do uma do setor do comércio mobiliário, uma cíficas nas relações laborais. O questionário con-
de telecomunicações e as outras três de gestão templava 12 itens e a tarefa dos participantes era
internacional. A idade dos participantes variou indicar o seu grau de constrangimento em rela-
entre 21 e 55 anos (M = 32,80, DP = 8,29). A ção a cada uma das situações usando uma escala
maioria dos participantes é do sexo feminino de sete pontos, variando entre 1 (nada constran-
(68%), solteira (57%) e com escolaridade supe- gido) e 7 (muitíssimo constrangido). São exem-
rior (83,4%). A maior percentagem de inquiri- plos de itens: “Ter na sua empresa uma pessoa
dos (22,5%) estavam trabalhando na empresa há homossexual”, “Ter na equipa de trabalho um
mais de um ano. (a) colega homossexual”, “Ter um chefe homos-
As Crenças sobre a Homossexualidade e o Preconceito contra Homossexuais 569
no Ambiente de Trabalho.

sexual”. Uma análise fatorial exploratória (mé- no ambiente de trabalho, e durou em média 15
todo dos eixos principais), indicou a extração minutos.
de um fator (cargas fatoriais variaram de 0,70 a
0,96), que explicou 79,7% da variabilidade nas Procedimentos de Análise de Dados
respostas. A medida apresenta consistência in- A análise dos dados seguiu as indicações
terna elevada (α = 0,97), o que permite a constru- propostas no Modelo da Análise Quantitativa
ção de um índice de preconceito onde os escores das Representações Sociais (Doise, Clémence,
mais elevados indicam maior preconceito contra & Lorenzi-Cioldi, 1993), especialmente pelo
homossexuais. uso de modelos de regressão para analisar como
Escala de Expressão Emocional. Original- essas representações contribuem para o posi-
mente proposta por Dijker (1987), esta escala foi cionamento das pessoas em relação aos temas
adaptada para Portugal por Pereira et al. (2009). socialmente relevantes, como o preconceito e a
É composta por uma lista de 10 emoções, sen- discriminação. Assim, para responder ao proble-
do 5 positivas (aceitação, satisfação, admiração, ma de investigação levantado, foram realizadas
respeito e amor) e 5 negativas (desprezo, raiva, análises de regressão com o intuito de conhecer
tristeza, pena e nojo), onde os participantes in- em que medida as crenças sobre a natureza da
dicam, numa escala variando entre 1 (nunca) e homossexualidade estão relacionadas com os in-
5 (muito frequentemente), a frequência com que dicadores de homofobia nas organizações (rejei-
sentem cada emoção em relação a homossexu- ção à proximidade, expressão de emoções posi-
ais. Os escores obtidos foram submetidos a uma tivas e negativas). Foram realizadas três análises
análise fatorial exploratória (método dos eixos de regressão múltipla, hierárquica, com método
principais), sendo extraídos dois fatores. O pri- Enter, para as variáveis-critério rejeição à pro-
meiro, denominado emoções positivas, explicou ximidade, emoções negativas e emoções positi-
40,6% da variância, com cargas fatoriais varian- vas. Foram calculadas duas regressões por bloco
do entre 0,64 e 0,85, seu índice de consistência de variáveis para cada variável-critério. Na pri-
interna foi de 0,83. O segundo fator, denomina- meira equação incluiu-se o bloco das variáveis
do emoções negativas, explicou 19,8% da vari- sociodemográficas (sexo, idade, antiguidade na
ância, apresentou cargas fatoriais variando entre empresa, nível de escolaridade e identificação
0,64 e 0,78 com índice de consistência interna com a empresa). Na segunda equação acrescen-
de 0,79. tou-se o bloco das crenças sobre a homossexua-
lidade (religiosas, ético-morais, biológicas, psi-
Procedimentos de Coleta de Dados cológicas e culturais).
Inicialmente entrou-se em contato com as
empresas para solicitar o acesso aos funcioná- Procedimentos Éticos
rios para a realização de uma pesquisa sobre o Os participantes foram informados de que a
preconceito contra homossexuais no ambiente participação na pesquisa era voluntária e que as
de trabalho. Com a autorização das empresas, informações coletadas seriam tratadas de forma
pesquisadores devidamente treinados aborda- confidencial, sendo utilizadas apenas para fins
vam os trabalhadores durante seu tempo livre, acadêmicos, mantendo-se assim o anonimato
convidando-os a colaborar num estudo sobre dos participantes. Todas as pesquisas e procedi-
comportamentos sociais. O critério para inclusão mentos propostos neste projeto obedeceram às
na amostra final era o participante estar dispos- determinações éticas e normativas que regem a
to a colaborar com o estudo e ser heterossexual pesquisa com seres humanos, de acordo com o
(avaliado através de um item no questionário, no preconizado pela Declaração de Helsinque de
qual o participante indicava sua orientação se- 2013.
xual). A coleta de dados se deu através de ques-
tionários, em formato papel/lápis, respondidos
570 Pereira, A. S. L. S., Dias, S. M. P. S., Lima, T. J. S., Souza, L. E. C.

Resultados continua predizendo significativamente a rejei-


ção à proximidade. O efeito das crenças ético-
A primeira análise de regressão teve a re- -morais é significativo e o efeito das crenças
jeição à proximidade como variável-critério, biológicas é apenas marginalmente significativo
sendo o coeficiente de regressão múltipla obtido (t = 1,79, p = 0,075). Deste modo, a maior ade-
com a primeira equação (variáveis sociodemo- são a crenças ético-morais implica maior rejei-
gráficas) significativamente diferente de zero, ção à proximidade. De forma similar, uma maior
R = 0,34, F (5,163) = 4,30, p < 0,001. Como se adesão às crenças biológicas está associada a
pode constatar na Tabela 1, o sexo prediz signifi- uma maior rejeição à proximidade. Além disso,
cativamente a rejeição à proximidade, sendo que a inclusão das crenças apresenta um incremento
os participantes do sexo masculino expressam significativo na explicação da variância da re-
mais rejeição à proximidade do que as mulheres. jeição à proximidade, FChange (5,158) = 23,5, p <
Na segunda equação, o coeficiente de regressão 0,001. Portanto, as crenças sobre a natureza da
múltipla também é diferente de zero, R = 0,70, homossexualidade predizem significativamente
F (10,158) = 15,40, p < 0,001. A variável sexo a rejeição à proximidade, mesmo controlando os
efeitos das variáveis sociodemográficas.

Tabela 1
Pesos de Regressão Padronizados (β) dos Preditores do Preconceito

Preconceito
Preditores Rejeição Emoções Emoções
Proximidade Positivas Negativas

Sexo -0,32*** -0,24*** 0,37*** 0,31*** -0,21** -0,14*


Idade 0,17 0,10 -0,08 -0,03 -0,05 -0,12
Antiguidade na empresa -0,15 -0,12 -0,15 -0,17 0,03 0,06
Nível de escolaridade 0,01 0,11 -0,14† -0,13* -0,06 -0,06
Identificação com a empresa 0,07 -0,02 -0,10 -0,05 0,09 0,01
Religiosas 0,06 0,02 0,13
Ético-Morais 0,43** -0,27 0,41*
Biológicas 0,16† -0,08 0,12
Psicológicas 0,02 -0,12 -0,05
Culturais 0,01 -0,04 0,02
R²Ajustado 0,09 0,46 0,17 0,33 0,02 0,34

Nota. Para o sexo foram atribuídos os seguintes valores: 0 = masculino e 1 = feminino.


† p < 0,08, *p < 0,05, **p < 0,01, ***p < 0,001.

Em uma segunda análise, regrediu-se as homens. Na segunda regressão, quando as cren-


emoções positivas no modelo onde apenas va- ças são consideradas no modelo, o coeficiente
riáveis sociodemográficas foram incluídas como de regressão continua significativo, R = 0,61,
preditoras, obtendo-se um coeficiente de regres- F (10,158) = 9,18, p < 0,001. O efeito da variá-
são significativo, R = 0,44, F (5,163) = 7,68, vel sexo foi significativo, como também o nível
p < 0,001. O sexo prediz significativamente a de escolaridade. Estes resultados indicam que as
expressão de emoções positivas, sendo que as mulheres expressam mais emoções positivas do
mulheres tendem a expressá-las mais que os que os homens e que quanto maior o nível de
As Crenças sobre a Homossexualidade e o Preconceito contra Homossexuais 571
no Ambiente de Trabalho.

escolaridade menor é a expressão de emoções Por sua vez, as crenças religiosas não pre-
positivas em relação aos homossexuais. Ade- disseram o preconceito contra os homossexuais.
mais, a segunda regressão apresenta um incre- Uma possível explicação para esse resultado en-
mento significativo na explicação na explicação contra-se no fato de muitos respondentes terem
das emoções positivas, FChange (5,158) = 8,83, p relatado que não tem ou não acreditam em reli-
< 0,001, embora o efeito das crenças não tenha gião (31,4%). Ademais, entre os que indicaram
sido significativo. ter uma religião, é predominante o número de
Por último, na terceira regressão múltipla, católicos (70%) que, como observado por Perei-
com as emoções negativas como critério, a pri- ra et al. (2011), em um outro estudo sobre a na-
meira equação não tem um coeficiente significa- tureza da homossexualidade, tendem acreditar
tivo, R = 0,23, F (5,163) = 1,84, p = 0,108. Na em menor grau na natureza religiosa da homos-
segunda equação, incluindo as crenças sobre a sexualidade quando comparados com aqueles
homossexualidade, o coeficiente de regressão é de religião evangélica. No entanto, nesse estu-
diferente de zero, R = 0,61, F (10,158) = 9,56, do não avaliamos diferenças entre católicos e
p < 0,001. Novamente, o efeito do sexo é sig- evangélicos. A crença biológica apresentou um
nificativo, os homens expressam mais emoções peso de regressão marginalmente significativo
negativas do que as mulheres. O efeito das cren- com a rejeição à proximidade, indicando uma
ças ético-morais também foi significativo, sendo tendência de maior rejeição à proximidade con-
que maior adesão a essas crenças implica maior soante as pessoas endossam em maior medida
expressão de emoções negativas. Além disso, essa crença. Por outro lado, a crença na nature-
a inclusão das crenças apresenta um incremen- za cultural da homossexualidade não prediz um
to significativo na explicação da expressão de menor preconceito contra homossexuais, não
emoções negativas, FChange (5,158) = 16,41, p < corroborando o que foi hipotetizado. Por fim,
0,001. quanto às variáveis sociodemográficas, vale res-
saltar que o sexo do respondente apresentou um
Discussão padrão de predição consoante com o esperado,
sendo que os homens tendem a apresentar em
O presente estudo teve por objetivo analisar maior grau rejeição à proximidade e maior ex-
o papel das crenças sobre a homossexualidade pressão de emoções negativas do que as mulhe-
no preconceito contra homossexuais no ambien- res, que expressam mais emoções positivas do
te de trabalho, mais especificamente na rejeição que os homens.
à proximidade e na expressão de emoções positi- A relação entre as crenças na natureza éti-
vas e negativas. Os resultados obtidos confirma- co-moral da homossexualidade e o preconceito
ram parcialmente as hipóteses levantadas. Como vêm confirmar os resultados de investigações
proposto, as crenças sobre a homossexualidade anteriores, mostrando que estas crenças estão na
baseadas em conceitos ético-morais (a crença de base de atitudes antigays (Lacerda et al., 2002;
que os homossexuais partilham uma tendência Pereira et al., 2013). As pessoas que acreditam
para o violar os valores tradicionais da decência, em uma causa ética-moral expressam maior re-
da moralidade e das boas maneiras) predizem a jeição às relações de proximidade e sentem mais
rejeição à proximidade com homossexuais e a emoções negativas e menos emoções positivas
maior expressão de emoções negativas. Este re- em relação aos homossexuais, apresentando
sultado é mais uma evidência empírica a reforçar uma expressão mais flagrante do preconceito
o papel desempenhado por esta crença como for- (Pettigrew & Meertens, 1995). Este grupo po-
te preditor do preconceito contra homossexuais deria ser descrito como aqueles que utilizam o
em contextos diversos, tais como o universitário, discurso de que se sentem mal ou pouco a von-
religioso e no futebol (Lacerda et al., 2002; Pe- tade em relação a trabalhar e conviver com ho-
reira et al., 2014; Pereira et al., 2013; Pereira et mossexuais e não concordam com a prática de
al., 2011). relações sexuais com pessoas do mesmo sexo,
572 Pereira, A. S. L. S., Dias, S. M. P. S., Lima, T. J. S., Souza, L. E. C.

associando-a à falta de caráter, de respeito e sexualidade humana com o intuito de dirimir


de valores morais (Pereira, 2009; Pereira et al., crenças assentes em essencialismos, precon-
2013). ceitos e teorias não científicas. Lucas e Kaplan
Quanto ao papel das variáveis sociodemo- (1994) recordam que as empresas não podem
gráficas, apenas o sexo prediz significativamente impor as crenças aos seus empregados, mas po-
os três tipos de expressão do preconceito aqui dem tentar ensinar um comportamento que seja
analisadas. Tais resultados vêm a corroborar as distante de qualquer discriminação e adequado
pesquisas que indicam que as mulheres apresen- ao ambiente de trabalho.
tam níveis de preconceitos inferiores aos dos Será vantajoso não só para os trabalhadores,
homens (Brandyberry & Macnair, 1996; Hogan mas principalmente para a organização promo-
& Rentz, 1996; Lacerda et al., 2002). No estudo ver o bem-estar organizacional e uma boa rela-
de Pereira et al. (2009) sobre normas sociais e ção entre colaboradores, o que pode contribuir
preconceito contra homossexuais, é relevante o para incrementar a produtividade e o sucesso
efeito do sexo, em que as mulheres apresentam organizacional. É necessário prover um ambien-
menor nível de preconceito contra homossexu- te que gere contato intergrupal integrado e po-
ais. Este efeito pode ser explicado com base na sitivamente valorizado de modo a facilitar rela-
hipótese de que homens e mulheres têm crenças ções harmoniosas, o que pode leva a uma maior
diferentes sobre o papel de gênero (Whitley, performance na medida em que as organizações
2001) e ainda no fato das mulheres terem maior precisam de “gerenciar a diversidade” para as-
motivação interna para responder sem precon- sim saírem mais fortalecidas (Siqueira & Zauli-
ceito do que os homens (Ratcliff, Lassiter, Ma- -Fellows, 2006).
rkman, & Snyder, 2006). Embora a investigação efetuada ofereça evi-
Os resultados mostraram que o nível de es- dências empíricas suficientemente fortes para a
colaridade está negativamente associado à ex- sustentação de parte das hipóteses aqui levanta-
pressão de emoções positivas, ou seja, quanto das, o estudo realizado não está isento de limi-
maior o nível de escolaridade menor será a ex- tações. Primeiramente, os resultados que foram
pressão de emoções positivas em relação aos ho- encontrados não devem ser vistos como tendên-
mossexuais. Embora os respondentes não expri- cias gerais ocorridas nas empresas, uma vez que
mam emoções negativas, a baixa expressão de este estudo tem uma amostra de trabalhadores de
emoções positivas pode estar associada ao pre- zonas específicas, não sendo esta representativa
conceito sutil, onde o respondente sente menos da população trabalhadora em Portugal. Ade-
emoções positivas para com os grupos externos mais, variáveis macro-organizacionais, a exem-
ao seu (Pettigrew & Meertens, 1995). plo da cultura organizacional das empresas, não
Em síntese, os resultados apresentados sus- foram aqui avaliadas. Em função da importância
tentam empiricamente a ideia de que as crenças das variáveis macro-organizacionais para o com-
que os indivíduos têm sobre a natureza da ho- portamento individual, estudos futuros poderão
mossexualidade estão na base do preconceito avaliar, por exemplo, se a cultura organizacional
contra os homossexuais (Lacerda et al., 2002). é uma variável moderadora entre os fatores indi-
O estudo demonstrou que as crenças sobre a na- viduais e a expressão do preconceito. Outra limi-
tureza da homossexualidade, especificamente as tação remete-se ao fato da natureza correlacional
ético-morais, podem ser um fator motivador de do estudo, o que não permite que se infira a pre-
tensões intergrupais no contexto laboral. Deste sença de relações de causalidade entre as variá-
modo, é necessário criar estratégias que tenham veis. Por fim, grande parte das crenças emprega-
como objetivo principal a prevenção ou a redu- das apresentaram valência negativa, isto se deve
ção do preconceito nas relações laborais. Uma provavelmente à construção sociohistórica des-
forma útil seria propor seminários sobre a im- sas crenças que, em geral, entendem a homosse-
portância e respeito à diversidade, promovendo xualidade como uma parte desviante e negativa
esclarecimentos sobre aspectos específicos da da sexualidade humana (Freud, 1905/1962; Gre-
As Crenças sobre a Homossexualidade e o Preconceito contra Homossexuais 573
no Ambiente de Trabalho.

enberg & Bystryn, 1982). Assim, estudos futu- Camino, L. (1998). Direitos humanos e psicologia.
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da homossexualidade que não foram tidos em
Federal de Psicologia.
conta neste trabalho. Estudos futuros poderão
ainda analisar em que medida os resultados aqui Camino, L., & Pereira, C. (2000). O papel da Psicolo-
obtidos estariam relacionados com uma variável gia na construção dos direitos humanos: Análise
das teorias e práticas psicológicas na discrimina-
comportamental, como, por exemplo, a oposição
ção ao homossexualismo. Perfil, 13(13), 49-69.
a contratação de homossexuais, buscando enten-
der como estes conceitos – crenças, preconceito Cortina, L. M., Kabat-Farr, D., Leskinen, E. A., Huerta,
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ejsp.2420170306
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