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INSTITUTO FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – IFRS

CAMPUS ALVORADA

TOMAS ISRAEL OLIVEIRA DA SILVA

ANÁLISE DE PERSONAGEM

ALVORADA

2022
Resumo

Ao introduzirmos este artigo trouxemos a análise de personagem adequando diferentes


questão sobre identidade pessoal trazida em sala de aula, na disciplina de filosofia geral.
Levantamos os motivos que fizeram a protagonista do livro a garota no trem, perder a
memória durante crises alcoólicas. Discernindo os motivos apresentados no livro, do senso
comum e usando como fundamento pensamentos filosóficos trabalhados no curso.
Abordamos a personagem através da narrativa completa do livro, destrinchando questões
psicológicas que motivaram a perda de memória da personagem. E obtendo através de
levantamentos movidos por pesquisas, a questão traumática sofrida por Rachel.

Palavras chave

Identidade pessoal; Análise de personagem; Memória; Filosofia; A garota no trem.

Introdução

Este artigo tem como objetivo analisar Rachel, apresentada como personagem principal no
livro best-seller, a garota no trem da escritora britânica Paula Hawkins. A narrativa
constrói um drama composto pela amnésia alcoólica da protagonista, que após ingerir
doses excessivas de álcool esquece de situações importantes da sua própria vida. Tendo em
vista os estudos apresentados a partir da disciplina de filosofia geral do curso tecnólogo
produção multimídia no instituto federal campus alvorada ministrada pelo professor Felipe
bragagnolo. Como que alguém consegue perder a noção de situações, a ponto de não saber
discernir coisas das quais é acusada, mas não lembra de ter feito. Iremos nos apropriar de
pensamentos contidos nas diferentes perspectivas filosóficas acerca da temática identidade
pessoal. Com intuito de utilizar como ferramentas para destrinchar, o ato base que fez a
protagonista perder a linha de raciocínio de sua própria vida. Seguindo o raciocínio de
“Descartes, seu método utilizado para chegar ao “penso logo existo” defende que para
acreditar em algo é preciso questionar-se os fundamentos sem aceitar algo como verdade
absoluta.” Descartes (1637). Rachel é uma jovem divorciada, ela é incompreendida por
conta de seu último relacionamento abusivo, do qual foi traída e abandonada por não ser
capaz de gerar um filho dentro de seu antigo relacionamento com Tom, seu ex-marido. A
partir do fim de seu relacionamento ela vive uma vida totalmente desequilibrada e longe da
realidade. A personagem em questão dissolve sua personalidade ao passar por situações
traumáticas e abusivas dentro do relacionamento com Tom. O álcool passa a ser a fuga que
traz conforto a Rachel, mas que mesmo em certos momentos depende de terceiros para
relacionar situações vividas de forma desorientada. Ao questionar-se sobre suas ações ela
abraça certas lembranças como duvidosas retomando diversas vezes ao longo da ficção as
mesmas perguntas, pois de fato algo naquela situação indicaria que ela esteve presente
naquele dia e que poderia vir a estar vinculada a situação chave do livro. Na história uma
das coadjuvantes morre na noite em que Rachel apagou da memória. Em cima disto iremos
analisar e procurar o incidente que ativou certos gatilhos ao ponto dela esquecer quem é.

A História

Rachel é uma mulher incompreendida, após sua separação com seu marido Tom, quem a
desestabilizou por conta de uma tentativa frustrada em ter um filho e a fez pensar, após
começar encontros amorosos com outra mulher (Anna) coadjuvante na história a quem se
relaciona como amante de (Tom) ex marido de Rachel, fazendo a protagonista pensar que o
problema pelo fim do relacionamento estaria advindo dela. Após se tornar alcoólatra, afim
de fugir da sua própria realidade e deixar de lado a sua autoestima, não se importando com
o que vestia. Ela passou a viver de favor, no apartamento de uma amiga (Cathy), amiga essa
que não a compreende e a trata como inquilina. Rachel passa diante disto, a não se reconhecer
mais.
Não sou mais o que eu era. Não sou mais atraente; acho que no fundo sou
repelente. Não é só o fato de ter engordado, ou de meu rosto estar inchado de tanto
beber e de dormir pouco; é como se as pessoas conseguissem ver o estrago em
mim como um todo, elas veem isso no meu rosto, na minha postura, nos meus
movimentos. (RACHEL, 2015, p. 21)

Relacionamentos como o de Rachel e Tom são caracterizados como abusivos em vista a


maneira como ela sentiu-se após o término. Passar a beber para esquecer o antigo marido é
uma das atitudes que inclina a personagem ao seu eu negativo e acaba trazendo esse tipo de
conclusões a respeito da situação, segundo leituras “Viver um relacionamento abusivo faz
com que você deixe de lado muitas partes suas e, na maioria das vezes, separa-a de si
mesma.” (Avery neal 2018). Estando desempregada e sem perspectiva de emprego, ela
finge ir diariamente a seu emprego do qual foi demitida em Londres. Todos os dias ela
pega um trem a caminho de seu antigo emprego e passa em frente à casa onde vivia com
tom. Local onde conhece maior parte da vizinhança, no percurso próximo a essas antigas
lembranças, existe uma sinaleira, onde o trem costuma fazer uma breve pausa em seu
trajeto. Neste local ela consegue enxergar as casas e por conseguinte seus moradores, neste
instante ela fantasia a vida desses moradores a partir de sua perspectiva. Para Hume “as
ideias complexas são objetos da nossa imaginação” quando Rachel imagina essas vidas
perfeitas, ela está manipulando suas ideias a partir de relações vivenciadas por ela no
passado, ou seja, estará acessando suas “ideias simples” para a criação dessas ideias
complexas.

Como sempre, o trem para no sinal. Vejo Jess de pé no terraço da casa, em frente
às portas francesas. Está com um vestido rosa-choque, descalça. A cabeça está
virada de lado e ela olha para trás, sobre o ombro, para dentro da casa; deve estar
falando com Jason, que estará preparando o café da manhã. Mantenho o olhar fixo
em Jess, em seu lar, mesmo quando o trem já começa a se mover. Não quero ver
as outras casas; não quero ver principalmente a que fica quatro casas depois, a que
já foi minha. Morei no número 23 da Blenheim Road por cinco anos, onde fui
extremamente feliz e desesperadamente infeliz. Não consigo nem mais olhar para
ela. Aquela foi minha primeira casa. (RACHEL, 2015, p. 16, 17.)
Segundo avery em seu livro “É essencial que você reconheça o que passou e o que merece
de verdade. Se você não sabe como é um relacionamento saudável, talvez não tenha um
modelo para comparar, e isso torna ainda mais difícil saber o que merece.” (AVERY
NEAL, 2018) Rachel se deixa levar pelo tempo livre e também suas bebedeiras e acaba
adentrando de forma permissiva na vida desses moradores de Blenheim Road. Neste
capítulo a protagonista é acometida por um apagão alcoólico, o que causa uma perda de
memória temporária na personagem de Hawkins.

Esta amnésia alcoólica é causada por um dano que o álcool faz no sistema nervoso
central. o excesso de álcool pode bloquear por um tempo a transferência das
memórias de curto prazo para o armazenamento de longo prazo. Esse processo,
mais conhecido como “consolidação da memória”, ocorre em uma região chamada
hipocampo. (Niaaa, 2021)

Ter seu sistema nervoso afetado pelo álcool, fez com que Rachel não identificasse através
de seu cognitivo suas ações motivadoras o que a impediu de saber, se este ou não naquele
túnel, sábado à noite.

Ontem. Alguma coisa aconteceu. 0 ar entra cortante em meus pulmões e eu me


sento, rápido demais, o coração batendo acelerado, a cabeça latejando. Espero que
algo venha à minha memória. Às vezes demora um pouco. Às vezes surge diante
dos meus olhos em questão de segundos. Às vezes não chega de jeito nenhum.
(RACHEL, 2015, p. 52, 53.)

quando a personagem se dá conta, já está por viver, uma realidade a qual não lhe cabe e
com tudo, ainda passa a ser suspeita de um fatídico homicídio. Do qual não tem
lembranças e muito menos certeza de que fez parte, de tal incidente. segundo (PAUL
RICOUER “a pessoa é capaz de designar-se, de narra-se a si mesma, o que lhe confere a
reflexividade sobre o seu poder agir lato sensu, expresso sob a capacidade de falar, narrar e
ser narrada, ser sujeito a imputação moral.” Mas conforme vemos, Rachel é incapaz de
acessar suas memórias em vista do apagão alcoólico o qual acarretou tal situação. Não
podendo ter consciência do que de fato fez, tais experiências vivenciadas passam a ser
incompatíveis com a realidade.
Tento desesperadamente fazer com que um fragmento de memória me dê alguma
pista. Tenho certeza de que me envolvi em uma discussão ou assisti a uma. Será
que foi com Anna? Passo os dedos no ferimento na cabeça, no corte em meu lábio.
quase vejo a cena na memória, quase ouço as palavras que foram ditas, mas tudo
me escapa. Não consigo reter a lembrança. Toda vez que acho que estou prestes a
resgatar aquele momento, ele recua para a penumbra, fora do meu alcance.
(RACHEL, 2015, p. 58.)

A personagem, a partir destas situações passa a duvidar de sua identidade não se


reconhecendo mais pois tem apenas acesso a informações de terceiros e também de suas
experiências vividas antes do ocorrido. Segundo locke

desde que uma pessoa consiga manter o mesmo grau de consciência que costuma
estar associado a essa mesma pessoa, então ela continuará a ser a mesma e não
seria duas pessoas, pela distância temporal ou pela alteração da substância, tal
como um homem não seria dois homens por vestir hoje roupa diferente da de
ontem, independentemente de ter dormido muito ou pouco tempo: a mesma
consciência une essas acções distantes numa mesma pessoa, independentemente
das substâncias que contribuíram para a sua produção (John Locke, 1995)

Portanto temos que Rachel não está tendo, o mesmo grau de consciência que teve durante o
acontecimento e por isso passa a questionar se teria coragem para tanta selvageria. E ainda
quase como um complemento para todas as situações, ela por um deslize no centro da
cidade é atingida de leve por um táxi e tem por obrigação passar no hospital, neste local o
médico questiona a causa do corte em sua testa, após sua explicação ele assente de forma
ambígua. Diante disto, Rachel passa a ficar receosa e parte, a procura de respostas.

Tentei me convencer de que eles queriam falar comigo a respeito do acidente com
o táxi, mas não fazia sentido. Eu tinha falado com a polícia no local do
atropelamento - ficou claro que a culpa foi minha. Tinha de ter alguma relação
com a noite de sábado. Devo ter feito alguma coisa. Devo ter cometido algum
crime e apagado da memória. Sei que parece improvável. 0 que eu poderia ter
feito? Ido à Blenheim Road, atacado Megan Hipwell, jogado o corpo dela em
algum Lugar e ter me esquecido de tudo? que ideia ridícula. Sim, isso é ridículo.
Mas sei que alguma coisa aconteceu no sábado. Eu tive certeza quando olhei para
aquele túnel escuro sob a linha férrea e meu sangue gelou nas veias. (RACHEL,
2015, p. 84)

A protagonista encontra uma mulher no vagão do trem e reconhece como uma antiga
colega de trabalho de seu ex marido. Ela carrega consigo lembranças e memórias negativas
que a fazem achar ter sido uma esposa abusiva. conforme Avery neal no livro Relações
destrutivas: se ele é tão bom assim, por que eu me sinto tão mal? “O abusador é mestre em
manipulação. Ele dá respostas vagas, não quer lhe dar informações, pois acredita que isso
poderia lhe dar vantagens.” Tendo em vista as situações que cercam Rachel, ela resolve por
conta própria desculpar-se com a moça por uma falsa situação criada por Tom. A partir
disso ela descobre que aquilo nunca de fato ocorreu e que seu ex é um homem abusivo e
por conseguinte mentiroso. Segundo Avery “O medo se manifesta em todas as formas
algumas claramente ligadas a experiências traumáticas com o abusador, outras menos
óbvias.” (Avery neal – 2018) ao descobrir a verdadeira história, Rachel passa a apropriar-
se de suas memórias e descobre que esteve vivendo ao lado de um abusador e que na
verdade, ele estaria ligado ao assassinato de Megan, a garota coadjuvante morta durante a
trama. Portanto a identidade pessoal definida por (John Locke 1995) está dependente da
consciência pois é necessário que uma pessoa se identifique com o seu corpo e com os seus
estados mentais de modo a reconhecer que são seus. Rachel a partir dessas memórias
desbloqueia a sua identidade pessoal e por assim dizer sua consciência.

Análise

Conforme pudemos notar a personagem saiu de um relacionamento abusivo sem


ter noção do que de fato estava vivendo. Tom era um abusador e mantinha ela
dentro de suas linhas. As características trazidas por (Avery Neal - 2018) no seu
livro Relações destrutivas: se ele é tão bom assim, por que eu me sinto tão
mal? traz que "O abusador é egocêntrico ele a intimida quando está com raiva.
Nunca parece estar feliz com você, não importa o que você faça nem o quanto se
esforce, ele tenta isolá-la te manter longe de informações sobre ele". Pegando
como base essa linha de raciocínio entendemos que Rachel, não vinha tendo
acesso as suas capacidades mentais por completo, vivia à mercê de um
manipulador. E por conseguinte após ser abandonada não se reconhecia mais. As
suas possibilidades dentro do relacionamento eram reduzidas e controladas, ela
saiu deste relacionamento completamente confusa. O foco em seus problemas é
responsabilidades passam a não ser assumidos por conta da codependência e a
ruptura do relacionamento.
Considerações finais

Pela observação dos aspectos analisados, entendemos que a memória de Rachel foi
comprometida por conta de um trauma advindo de seu antigo relacionamento o qual
também a fez desenvolver o Alcoolismo. A perda de memória causada por seu problema
com o álcool interrompeu o seu sistema nervoso a ponto de não receber as transferências
de memórias de curto prazo para o armazenamento de longo prazo. A impedindo de obter
memórias em certos estágios de sua vida. Por mais que Rachel tenha vivenciado e
experienciado situações, ela não conseguia acessá-las, pois suas capacidades mentais não
estavam funcionando junto ao seu corpo em certos momentos. A análise trazida em
referência ao abusador nos permitiu através de características advindas do ex companheiro
uma conclusão a cima do problema de Alcoolismo sofrido pela protagonista. Explicando
de certa forma a motivação que incapacitou Rachel de acessar suas memórias. Com o
afastamento entre Rachel e Tom, o abuso seguiu por conta da codependência desenvolvida
a partir de diversos processos traumáticas vivenciado no relacionamento. Ela não
conseguindo administrar as suas capacidades mentais por conta do trauma passou a manter
contato com o abusador e degradando cada vez mais a sua identidade. O abuso alcoólico
experimentado pela garota se estendeu por conta das manipulações arquitetadas pelo seu ex
marido. A partir do momento em que Rachel aborda a moça no trem, inconscientemente
abre-se uma brecha para que a consciência tome ciência das situações a que teria
vivenciado. Fazendo com que ela lembre das situações verídicas da qual vinha sendo
acusada injustamente. Concluímos que para Rachel se desvincular das bebedeiras e
posteriormente de suas perdas de memória advinda do seu trauma a partir de suas ações.
Ela precisaria contatar terceiros para que pudessem ajudar na formulação de memórias
perdidas por conta do álcool. Através de sua compreensão sobre seus atos, ela assumiu os
fragmentos que ainda tinha e assim conseguiu entender o que de fato vinha acontecendo.

Referências
Sites

www.naaa.nih.gov , Março 2021- interrupted Memories: Alcohol-Induced Blackouts -


https://www.niaaa.nih.gov/publications/brochures-and-fact-sheets/interrupted-memories-
alcohol-induced-blackouts.

Livros

Paula Hawkins -A garota no trem – Tradução de Simone Campos. Rio de Janeiro- editora
Record, 2017.

Neal, Avery - Relações destrutivas : se ele é tão bom assim, por que eu me sinto tão mal? -
Tradução de Sandra Martha Dolinsky - São Paulo : Editora Gente, 2018.

Locke, John - Ensaio acerca do Entendimento Humano - São Paulo: Abril S.A Cultural.
1973

Hume, David - Investigações sobre o entendimento Humano - 1748

DESCARTES, R. – Discurso do método de 1637

DESCARTES, R. Meditações metafísicas. de 1641

Artigos periódicos

Carlos Sacramento - John Locke e a problemática da identidade pessoal. Do impacto na


Modernidade até à sua actualidade na Contemporaneidade.- Instituto de Filosofia da
Linguagem da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa,
– Lisboa 2002

Cláudio Reichert do Nascimento – A identidade pessoal importa? Uma leitura de Paul


ricouer e Derek Parfit – Universidade Federal do Oeste da Bahia- revista de pesquisa em
Filosofia, n. 18, jan-jun – Bahia 2019

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