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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIAS
CRIMINAIS (DINTER PUCRS/UNIFSA)

DISCIPLINA: ETIOLOGIA DA INIMPUTABILIDADE PENAL


PROFESSOR: DR. GABRIEL JOSÉ CHITTÓ GAUER

JULIANO DE OLIVEIRA LEONEL

RESUMO

NEUROCIENCIAS Y DERECHO PENAL – “Compatibilismo humanista”: Una


propuesta de conciliación entre Neurociencias y Derecho Penal (Eduardo Demetrio
Crespo)

Teresina
2018
O presente resumo terá por objeto o artigo “Compatibilismo humanista”:
Una propuesta de conciliación entre Neurociencias y Derecho Penal 1, de autoria do
professor Eduardo Demetrio Crespo2, publicado na obra “Neurociencia y Derecho
penal: nuevas perspectivas en el ámbito de la culpabilidad y tratamento jurídico-penal
de la peligrosidad3.
O referido artigo inicia-se com uma recusa a práxis dos Tribunais baseada na
sacrossanta ideia de “liberdade de ação” e na antecedente “liberdade de vontade”,
advertindo o autor, desde já, que a dogmática por si só não terá o rendimento desejado
sem a ajuda da filosofia e da neurociência.
Assim, para o autor, os focos de influência da Neurociência sobre o Direito
são enormemente amplos e vão desde aspectos relacionados com o tipo de
conhecimento associado à investigação neurocientífica e seus limites empíricos,
passando pelo problema crucial de como conjugar estes “saberes” com o estado de
conhecimento atual na Ciência do Direito, até chegar a questões transversais de
fundamentação ética e sua virtualidade processual que têm importância capital.
Dessa maneira, o autor se propõe a argumentar que nem o determinismo puro,
uma das manifestações que vem dada pelo chamado “neurodeterminismo”, nem o puro
indeterminismo baseado no “livre-arbítrio”, constituem uma resposta adequada ao
“problema penal”. O primeiro por negar desde a raiz a liberdade de vontade, o segundo,
por tomá-la como ponto de partida para castigar4.

1
Artigo elaborado no âmbito do projeto de pesquisa “Neurociencia y Derecho penal: nuevas perspectivas
en el ámbito de la culpabilidad y tratamento jurídico-penal de la peligrosidad, financiado pelo Ministerio
de Ciencia e Innovación, do qual o autor é o pesquisador principal. As ideias centrais que o estruturam
foram expostas na conferência “Opciones ante la libertad de voluntad y la investigación sobre el cérebro”
apresentada nas III Jornadas Internacionales sobre “Neurociencias y Derecho Penal”, que se celebraram
na Faculdade de Ciencias Jurídicas e Sociais de Toledo da UCLM nos dias 29 e 30 de setembro de 2011.

2
Catedrático de Direito Penal da Universidad de Castilla-La Mancha.

3
CRESPO, Eduardo D.; CALATAYUD, Manuel M. “NEUROCIENCIA Y DERECHO PENAL:
NUEVAS PERSPECTIVAS EN EL ÁMBITO DE LA CULPABILIDAD Y TRATAMENTO
JURÍDICO-PENAL DE LA PELIGROSIDAD. Madri: Edisofer S. L., 2013.

4
Parte o autor, em seu artigo, da necessidade de superação do “dualismo cartesiano”. O “dualismo
cartesiano” diferencia corpo e mente, sendo que frente a tal dualismo tem-se o chamado “materialismo’
entendendo a mente como cérebro. Com efeito, esta dicotomia entre dualismo, por um lado, e mente
2
Mas, em primeiro lugar, cabe perguntar-se o que se deve entender por
“neurodeterminismo” como espécie de determinismo científico. Apesar de não ser uma
corrente unitária, os seus principais representantes desenharam uma certa imagem do ser
humano a partir de umas características comuns que contradizem a ideia tradicional da
liberdade da vontade. Por exemplo, para Roth (2003) a representação tradicional
segundo a qual a vontade se transforma em fatos concretos através de uma ação
voluntária dirigida por um eu consciente não é mais que uma ilusão, devido a que,
como, consequência da concatenação da amígdala, do hipocampo e dos nós ventral e
dorsal, a memória emocional da experiência (que trabalha de modo inconsciente) tem a
primeira e a última palavra no que concerne à aparição de desejos e intenções, de modo
que as decisões adotadas ocorrem no sistema límbico um ou dois segundos antes de que

como cérebro foi tachada de errônea, por exemplo, por Pardo e Patterson (2011), que entendem que
materialistas (como Goodenough, dentre outros neurocientistas e neurojuristas), no fundo, conservaram
de modo inconsequente a estrutura cartesiana ao situar a mente no cérebro.Para Pardo e Patterson não se
trataria de situar a mente no cérebro, de não entender a mente como “algo” que se tenha que situar em
algum lugar, mas que deveria ser concebida como um conjunto de habilidades diversas exercidas por uma
pessoa, tais como as sensações, percepções, cognição, cogitação e volição. Segundo essa concepção de
mente, não teria nenhum sentido a pergunta sobre a “localização da mente”, dado que não se trata de uma
questão empírica, suscetível de confirmação ou negação mediante a experiência, por se tratar, na
realidade, de questões conceituais, que, a rigor, concernem às relações lógicas entre conceitos. Em assim
sendo, a partir dessa distinção entre “questões empíricas” e “questões conceituais” seria o ponto de
partida para a superação da dicotomia cartesiana, destacando Bennett e Hacker que as questões
conceituais se produzem em virtude da relação lógica entre conceitos aos quais se atribui significado, ou
seja, mediante jogos de linguagem. Dessa forma, enquanto as primeiras gerações de neurocientistas, de
acordo com a metafísica de Descartes, distinguiam entre mente e cérebro, a terceira geração rechaçou o
mencionado dualismo e passou de adscrever os atributos psicológicos à mente a fazê-lo diretamente ao
cérebro em uma sorte de forma mutante de cartesianismo. Isso é o que se conhece como “falácia
mereológica” em neurociência: o erro dos neurocientistas de atribuir às partes constituintes de um animal
atributos logicamente aplicáveis só ao animal como um todo. Por sua vez, por “princípio mereológico”
em neurociência se entende que os predicados psicológicos aplicáveis unicamente a um ser humano (ou a
outro animal) em sua totalidade não se pode aplicar de modo inteligível a suas partes (por exemplo, ao
cérebro). Em outras palavras, para Bennett e Hacker o cérebro não é um sujeito logicamente apropriado
de predicados psicológicos e, portanto, não tem sentido adscrevê-los. Cumpre ressalvar que, Dennet
reivindica para si a ideia de que não se pode atribuir predicados psicológicos ao cérebro (eu sinto dor, não
o meu cérebro; eu vejo coisas, não os meus olhos etc), o que o leva a afirmar que Bennett e Hacker
menosprezaram sua obra.

3
possamos percebê-las de modo consciente. Tal sistema atuaria como um aparato de
poder organizado, frente ao qual o ser humano se percebe, devido a um autoengano, só
de um modo aparente como livre. Assim, na Espanha, para Rubia (2007) o cérebro nos
engana, pois a existência de liberdade de vontade poderia ser só uma impressão
subjetiva e o livre-arbítrio uma ilusão só explicável a partir do dualismo cartesiano que
a Neurociência não está disposta a admitir. Segundo ele, não existiria nenhum ente
imaterial (a alma ou a mente) do qual se possa dizer que está livre das leis deterministas
que regem o universo, como tampouco nunca se pode explicar como interagiria tal ente
com a matéria (o corpo ou o cérebro, respectivamente), sendo que a causa de um
fenômeno físico é sempre outro fenômeno físico. Dessa maneira, a não existência do
livre-arbítrio atenta nada menos que contra as bases de nossa civilização, que é baseada
na noção de responsabilidade, de imputabilidade, de pecado e de culpa.
A partir dessas assertivas do neurodeterminismo, muitos reflexos se teriam no
âmbito da responsabilidade penal. Poderia se pensar na dissolução da distinção entre
atos voluntários e involuntários5, ou ao menos, modificar a compreensão atual de
conceitos tão importantes em nosso esquema de imputação de responsabilidade penal
como o dolo, e, por seu turno, as noções de conhecimento ou intencionalidade.
Diametralmente ao determinismo puro, tem-se o indeterminismo. Para o
indeterminismo, a “percepção subjetiva de liberdade” e nosso autoentendimento como
seres livres significa que somos efetivamente livres a efeitos de imputação da
responsabilidade penal com independência de que o sejamos realmente. Ocorre que,
desde há muito os filósofos se perguntam se realmente se pode dar o salto ao vazio que
pretende o indeterminismo puro, no qual as decisões aparecem como livres em um
sentido ideal, não vinculadas por “motivos” e condicionamentos prévios.
A compreensão kantiana da liberdade de vontade parte da chamada
“motivação mental”, segundo a qual a vontade pode iniciar uma cadeia causal por si
mesma, o que pressupõe que a vontade, por sua vez, não está determinada, mas é livre.
No entanto, essa concepção enfrenta modernamente, no âmbito da filosofia da mente,
graves objeções, posto que, como apontam Merkel e Roth (2008), não resulta claro
como se pode gerar consequências de um modo completamente incondicionado desde
5
A partir das famosas investigações de Libet, por exemplo. Libet pedia aos sujeitos submetidos à prova
que movessem a mão enquanto media a atividade elétrica do cérebro, descobrindo que os impulsos
cerebrais dos sujeitos associados ao movimento começavam aproximadamente um terço de segundo antes
de que os sujeitos estivessem conscientes de sua intenção de fazer o movimento.
4
uma instância divina, já que toda explicação razoável passa pelas exigências de uma
razão de ser suficiente, seja esta de natureza material ou espiritual.
Dessa maneira, adverte o autor que, hoje, porém, sabemos que a formação da
vontade desde o ponto de vista psicológico e neurológico depende de múltiplos fatores
que jogam um papel decisivo na escolha, preparação e direção das ações, e que não se
pode falar de uma correlação fixa entre um “estado de vontade” e “uma determinada
ação”. Cumpre destacar que, nem sequer um defensor do “livre-arbítrio”, como Welzel,
partia do indeterminismo.
Em assim sendo, de acordo com o autor, necessário se faz a superação do
indeterminismo livrearbitrista e do determinismo mecanicista: “entendo que nem o
“neurodeterminismo”, nem o “indeterminismo livrearbitrista” são capazes de oferecer
uma resposta adequada no âmbito do Direito Penal, pelo que creio que o
“compatibilismo” supõe uma boa “saída”” (tradução livre).
Por isso, para o autor, o compatibilismo se situa em algum ponto
intermediário entre o determinismo forte, para o qual não é consequente por admitir a
liberdade (ao menos uma margem de liberdade), e o puro indeterminismo, para o qual
tampouco resulta convincente por admitir, ao menos parcialmente, a premissa de que
nossos atos estão previamente determinados (ao menos condicionado por muitos fatores
que os determinam em grande parte).
Assim, poder-se-ia falar num determinismo ou indeterminismo relativo, por
supor, de um lado, a superação do indeterminismo puro de caráter livrearbitrista,
entendendo por tal um que conduz a uma espécie de vazio livre de motivos e
condicionamentos, assertiva que se demonstrou falsa. Do outro lado, a superação do
determinismo puramente mecanicista que se viu relevado, de certo modo, no plano da
Filosofia da Ciência e da Física Quântica pelo “princípio da incerteza”.
Por conseguinte, o autor conclui que na atualidade, nem o indeterminismo
livrearbitrista nem o neurodeterminismo mecanicista são sustentáveis. O primeiro, parte
de um pressuposto metafísico que não se concilia em absoluto com os conhecimentos
que resultam de ciências empíricas que analisam o comportamento humano. O segundo,
apresenta uma imagem do homem à margem do “ideal de liberdade” que poderia supor
um retrocesso lamentável na evolução filosófica e política da modernidade. Qualquer
desses dois extremos significaria a absoluta impossibilidade de qualquer intercâmbio e
comunicação entre Neurociências e Direito Penal.

5
Ademais, entende que Neurociências e Direito Penal devem situar no centro
de suas reflexões o ser humano para estar à altura dos tempos. Em particular uma
compreensão pós-metafísica do Direito Penal exige não tomar o livre-arbítrio como
pressuposto fundante do castigo.
Dessa forma, propõe-se uma solução conciliadora entre as ciências
biológicas, em particular, as Neurociências, e o Direito Penal sobre a base de um
“compatibilismo humanista”. “Compatibilismo” porque parte da compatibilidade ou
entendimento entre ciências empíricas (e biológicas) e o Direito, particularmente o
Penal. “Humanista” porque onde a ciência repousa e encontra sua única razão de ser é
na dignidade do ser humano.
As consequências do “compatibilismo humanista”, no que concerne ao
âmbito da culpabilidade, segundo o autor, seriam:
a) Em caso de que novos conhecimentos empíricos, obtidos, por exemplo,
através de modernas técnicas de neuroimagem, demonstrem que se
vinham impondo penas em casos nos que agora sabemos que a conduta
delitiva se devia a déficits cerebrais, isso deve ser tido em conta a favor
do réu (novos conhecimentos que deem lugar a uma ampliação dos casos
de inimputabilidade ou semi-imputabilidade).
b) Qualquer medida que se pudesse adotar como alternativa ao castigo
tradicional, em todos os casos anteriormente mencionados, deveria
respeitar sempre os mesmos limites e garantias materiais e processuais
que amparam os sujeitos considerados culpáveis no marco do Estado de
Direito.
c) O enfoque proposto parte de algumas ancoragens metodológicas entre as
quais se encontram o rechace ao silogismo retribucionista (que situa a
carga da prova ao lado do determinismo), uma concepção permeável não
funcionalista da Ciência penal e a busca de respostas cientificamente
unitárias (não contraditórias) frente a um mesmo objeto de conhecimento.

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