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Terror sexua genoc dio: o estupro da mu her negra

como e emento estrutura e estruturante da di spora


– por uma an ise qui ombista da antinegritude

Sexual terror is genocide: the rape of the


black woman as a structural and structuring
element of the diaspora -- for a quilombista
analysis of antiblackness

El terror sexual es genocidio la violaci n de


mujeres negras como elemento estructural y
estructurante de la di spora -- para un an lisis
quilombista de la antinegritud
Jo o H. Costa Vargas 1
Universidade da Ca if rnia em Riverside

Resumo
Em di ogo principa mente com a intervenç o cr tica de Ana Flauzina e Thula Pires
, este ensaio prop e que, ao centra izarmos ana tica e po iticamente o estupro
de mu heres negras como aspecto cr tico do mundo socia contempor neo, quer dizer,
da modernidade, definimos com mais exatid o a o conceito e os processos espec ficos
da antinegritude distintos do racismo , inc uindo o genoc dio e o terror sexua ; b as
possibi idades de pontes epistemo gicas e po ticas entre experi ncias negras e
ind genas; e c os par metros para uma an ise qui ombista, que considera a abo iç o
um projeto ut pico e ho stico da sociedade contempor nea, diferentes daque es
pautados pe o antirracismo, os quais s o muitas vezes inf uenciados por vieses
cisheteronormativos e patriarcais, legalistas, politicamente reformistas, e que, por fim e
ao cabo, acreditam na redenç o do projeto vigente de democracia mu tirracia . Uma vez
que aceitamos a an ise que vincu a a antinegritude, o genoc dio, o terror sexua , e o
estupro da mu her negra, conc u mos que n o h o que sa var desse mundo social
presentemente constitu do. H que inventarmos um outro mundo.
Palavras-chave
Estupro da Mulher Negra Terror Sexual Genoc dio Antinegritude.

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Abstract
In dialogue mainly with the critical intervention of Ana Flauzina and Thula Pires (2020),
this essay proposes that, by analytically and politically centralizing the rape of Black
women as a critical aspect of the contemporary social world, that is, of modernity, we
define more precisely (a) the concept and specific processes of antiblackness (as distinct
from racism), including genocide and sexual terror; (b) the possibilities of
epistemological and political bridges between Black and Indigenous experiences; and
(c) the parameters for a Quilombista analysis, which considers abolition a utopian and
holistic project of contemporary society, different from those guided by anti-racism,
which are often influenced by cisheteronormative and patriarchal, legalistic, politically
reformist biases, and which, finally, believe in the redemption of the current project of
multiracial democracy. Once we accept the analysis that links antiblackness, genocide,
sexual terror, and the rape of black women, we conclude that there is nothing to save
from this presently constituted social world. We have to invent another world.
Keywords
Rape of Black Women Sexual Terror Genocide Antiblackness.

Resumen
En di ogo principa mente con a intervenci n cr tica de Ana F auzina y Thu a Pires
, este ensayo propone que, a centra izar ana tica y po ticamente a vio aci n de
as mujeres negras como aspecto cr tico de mundo socia contempor neo, es decir, de
a modernidad, definimos m s precisamente a e concepto y os procesos espec ficos
de anti-negritud (a diferencia del racismo), incluyendo el genocidio y el terror sexual; (b)
as posibi idades de puentes epistemo gicos y po ticos entre as experiencias negras e
ind genas; y c os par metros para un an isis qui ombista, que considera a abo ici n
como un proyecto ut pico y ho stico de a sociedad contempor nea, diferente a os
guiados por el antirracismo, que suelen estar influenciados por sesgos
cisheteronormativos y patriarca es, ega istas, po ticamente reformistas, y que,
fina mente, creen en a redenci n de actua proyecto de democracia mu tirracia . Una
vez que aceptamos e an isis que vincu a a antinegra, e genocidio, e terror sexua y a
vio aci n de mujeres negras, egamos a a conc usi n de que no hay nada que salvar de
este mundo social actualmente constituido. Tenemos que inventar otro mundo.
Palabras clave
Vio aci n de Mujer Negra Terror Sexual Genocidio Antinegritud.

Sum rio
Introduç o. Antinegritude, genoc dio, terror sexua , estupro. Possibilidades de pontes
epistemo gicas e po ticas entre experi ncias negras e ind genas. Por uma an ise
quilombista-abolicionista do terror sexual e do estupro da mulher negra. Refer ncias

Introduç o
...o estupro uma chave exp icativa fundamenta n o s para o
entendimento profundo das consequ ncias do genoc dio, como para a
compreens o da organizaç o po tico-social da sociedade brasileira de
uma forma mais amp a. Afina , em seu potencia efetivo e simb ico, o
estupro um regu ador socia FLAUZINA e PIRES, 2020: 74).

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Em di ogo principa mente com a intervenç o cr tica de Ana F auzina e Thu a


Pires , este ensaio argumenta que, exemp ificando o extremo da vio ncia
gratuita, a desonra, e a a ienaç o nata os elementos da morte social e da escravid o
teorizados por Patterson (1982) o estupro da mulher negra e o terror sexual que o
estupro exemp ifica um fato estrutura , estruturante, ub quo, e ao mesmo tempo
invisibi izado do mundo socia contempor neo.2 Uma vez que o mundo social em que
vivemos, a modernidade, formatado pe a antinegritude e pe o genoc dio das pessoas
negras uma das consequ ncias mais devastadoras da antinegritude , isso quer dizer que
o estupro da mulher negra simbolicamente e de fato parte nevr gica da
modernidade. O estupro da mu her negra assim um fato paradigm tico: e e reve a
assunç es onto gicas e sociais normativas, ao mesmo tempo em que estrutura o
inconsciente co etivo e padr es de comportamento.
A antinegritude uma conste aç o de fen menos que, por definir noç es do
Humano e do Socia em oposiç o s pessoas negras, afeta pessoas negras singu ar e
fundamenta mente. A antinegritude, a goritmo definidor da modernidade,
radica mente distinta do conceito e processos do racismo, e por isso n o pode ser
entendida adequadamente atrav s do racismo. O racismo requer e reproduz uma
estrutura de hierarquias da humanidade que separa pessoas brancas de n o brancas --
hierarquias perpassadas pe o g nero, sexua idade, c asse socia , naciona idade, e
habi idade f sica, entre outras vari veis. O racismo parte do princ pio das ana ogias de
opress es entre grupos sociais n o brancos, ao passo que a antinegritude sugere que
n o h ana ogia poss ve entre a onto ogia das pessoas negras e as onto ogias n o
negras. Isso n o exc ui, a princ pio, e como veremos, a possibi idade de que a gumas
experi ncias de pessoas negras e n o negras serem de fato parecidas, e mesmo
comparti hadas. Mas a posiç o onto gica, o ser da pessoa negra, ou me hor, o n o ser
da pessoa negra, assim como e e formatado pe a modernidade, expu sa a pessoa negra
da fam ia humana permanentemente WILDERSON, ; SHARPE, ; VARGAS,
2017; 2020a; VARGAS e JUNG, 2021). Dito de outra maneira, se a pessoa negra se
tornasse humana, se e a se tornasse eg vel, se adquirisse valor Humano (mesmo que
um valor Humano baixo), a Humanidade se expandiria numa massa sem forma, sem
va or, sem coer ncia WILDERSON, : .

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O estupro da mu her negra, da perspectiva da antinegritude, assim um


fen meno simb ico e socia nico, distinto das formas de vio ncia sexua vivenciadas
por pessoas n o negras. Ta distinç o se d n o somente quantitativamente, mas
principa mente qua itativamente: o estupro da mu her negra, mesmo quando n o ocorre
de fato, est sempre presente e simbo icamente efetivo. Sua efetividade simb ica
ta que o estupro da mu her negra codifica re aç es sociais quem pertence e quem n o
pertence , define inj ria quem sofre e quem n o sofre , e estabe ece as regras jur dicas
sobre vio ncia sexua quem estupr ve e quem n o . Simbo icamente, de fato, de
direito, e como projeç o de re aç es sociais, o estupro da mu her negra, como gica
estruturante, torna a mu her negra n o mu her e n o estupr ve . O estupro da mu her
negra, por subtrair da mu her negra o g nero normativo e a sexua idade normativa --
uma subtraç o, como veremos abaixo, que marca o in cio da experi ncia das pessoas
negras nas Am fricas -- traz tona a desumanizaç o radica que a antinegritude, e
portanto o genoc dio, requer e reproduz. Como argumenta Patrice Douglass (2018:
, a pessoa negra pode ser tudo e nada simu taneamente. A negritude adquire
g nero atrav s da vio ncia, a qua estrutura o g nero negro fora da humanidade e assim
define o per metro do que significa ser para o Humano e suas ant teses.
Centrar o estupro significa n o somente centra izar a experi ncia co etiva
hist rica e atua de mu heres negras, mas tamb m ajustar os prismas ana ticos e
po ticos cr ticos que, ao apontarem a antinegritude e o genoc dio, visam um mundo
socia transformado, um outro mundo, no qua a morte socia e f sica das pessoas negras
n o mais a gica dominante. Tais prismas, por mais radicais ou revo ucion rios que
sejam, inclusive aqueles que utilizam vertentes de feminismos negros (JAMES, 1999),
muitas vezes centra izam, pe o menos tacitamente, as experi ncias de homens
cisheteronormativos negros. Flauzina e Pires (2020: 71) elaboram esse ponto:

... a forma como temos denunciado o genoc dio privi egia as vio ncias
deflagradas contra os corpos dos homens negros cisheteronormativos.
Isso se d em grande parte pe a dimens o e a bruta idade do exterm nio,
como um dado concreto, rea , que est sempre espreita para
sentenciar mais um jovem negro. Acho que essa dimens o t o
perturbadora do nosso quotidiano tem nos feito encapsular as mulheres
quase que exc usivamente como m es no debate do genoc dio negro
no Brasil.

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Estudos de m es de v timas da vio ncia do Estado, urgentemente necess rios,


por um ado foca izam no agenciamento po tico e nas dimens es m tip as de
sofrimento de mulheres negras. Por outro, mesmo quando mostram que mulheres
negras tamb m s o vitimadas pe a eta idade po icia , esses estudos t m o efeito de
enfatizar, ainda que n o intenciona mente, a vitimizaç o de homens e meninos como o
fato central nas geografias sociais negras. Autoras-ativistas negras que centralizam a
categoria do genoc dio antinegro est o cientes desta tens o ver, por exemp o, ROCHA,
2017; SANTOS, NASCIMENTO-MANDINGO, CHAZKEL, 2020; SMITH, 2016), e a
traba ham atrav s de inovaç es conceituais de pesquisa e de intervenç o po tica.
Luciane Rocha : avança o conceito de maternidade u trajada para dar conta
de um universo socia no qua , a exemp o das an ises de Spi ers e Sharpe (2016),
a express o m e negra um oximoro, a maternidade negra um paradoxismo. Andreia
dos Santos (SANTOS, NASCIMENTO-MANDINGO, CHAZKEL, : ; ver tamb m
SMITH, : prop e o conceito de cont nuo de seque a seque a continuum a fim
de teorizar n o somente as causas e consequ ncias m tip as do genoc dio, mas
tamb m as especificidades das experi ncias de mu heres negras no contexto do
genoc dio antinegro:

S o as mu heres negras que s o a maioria nas unidades de pris o,


visitando os homens e mulheres e os mantendo vivos; s o as mu heres
negras das comunidades que p em seus corpos nas inhas de frente
quando a po cia chega, e por isso s o e as que gerenciam o que pode
ser chamado de conf ito... Mu heres negras vivenciam o cont nuo de
sequela que mencionei anteriormente o impacto cont nuo e c c ico do
racismo anti-negro de maneira especialmente intensa e severa. Os
resu tados s o imensur veis e nem sempre tang veis, mas se a sa de
um bem-estar bio-psico gico-social completo, o impacto da sequela na
sa de das mu heres negras verdadeiramente fundamenta .3

Trata-se ent o, por um ado, de manter o foco no genoc dio como princ pio e
fato marcante da formaç o socia do Brasi sen o do mundo moderno , e de outro,
pensar o genoc dio atrav s de uma ente ana tica capaz de capturar e ava iar as
experi ncias nicas de mu heres negras. F auzina e Pires : especificam:

Apesar de essa den ncia do genoc dio ser centra nas nossas disputas,
preciso reconhecer que esse padr o de an ise tem significado o
afastamento dessa poderosa lente interpretativa das dores vivenciadas
pe as mu heres negras como seres aut nomos, como um grupo que
sofre vio aç es de forma direta. O debate do aumento do n mero de
feminic dios entre as mu heres negras, por exemp o, n o tem contado,

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via de regra, com an ises que partam do genoc dio para sua
compreens o.... Para mim, a chave da vio ncia sexual, mais
especificamente no debate do estupro, estruturante para a p ena
compreens o do sentido do genoc dio entre n s.

Este ensaio prop e que, ao centra izarmos ana tica e po iticamente o estupro
de mu heres negras como aspecto cr tico do cont nuo de ultrajes (ROCHA, 2014; 2017)
e seque as SANTOS, ; SMITH, definimos com mais exatid o a o conceito
e os processos espec ficos da antinegritude, inc uindo o genoc dio e o terror sexua ; b
as possibi idades de pontes epistemo gicas e po ticas entre experi ncias negras e
ind genas; e c os par metros para uma an ise qui ombista, que considera a abo iç o
um projeto ut pico e ho stico da sociedade contempor nea, distinto daque es
pautados pe o antirracismo, os quais s o muitas vezes inf uenciados por vieses
cisheteronormativos e patriarcais, legalistas, politicamente reformistas, e que, por fim e
ao cabo, acreditam na redenç o do projeto vigente de democracia mu tirracia VARGAS
; ; a; b . Esse projeto genocida inevitave mente masculinista e
cisheteronormativo ALEXANDER, . Uma vez que aceitamos a an ise que vincu a
a antinegritude, o genoc dio, o terror sexua , e o estupro da mu her negra, conc u mos
que n o h o que sa var desse mundo socia presentemente constitu do.

Antinegritude, genoc dio, terror sexua , estupro


Como conste aç o de fen menos que impactam pessoas negras singu ar e
desproporciona mente, a antinegritude um dos fundamentos do mundo socia que
habitamos, o mundo moderno. Um algoritmo social fundante, a antinegritude codifica a
ontologia e sociabilidade normativos de forma tal que ser e pertencer, respectivamente,
significam n o ser pessoa negra e n o fazer parte de formaç es sociais po ticas,
culturais e religiosas) negras. A antinegritude implica, requer, e reproduz a morte social
e f sica de pessoas negras. O genoc dio, assim, express o da antinegritude enquanto
a goritmo que organiza nosso mundo simb ica e pragmaticamente. O genoc dio n o
requer a morte f sica de todas as pessoas negras, mas significa e reforça um universo
epistemo gico e socia que as exc ui de formas m tip as e articu adas FLAUZINA,
; VARGAS, . O genoc dio morte socia e morte f sica.
O impacto letal desproporcional da pandemia causada pelo COVID-19 em
pessoas negras FLAUZINA e VARGAS, apenas um aspecto de uma conste aç o

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de fatores sociais que se resumem a vu nerabi idades m tip as e em mortes prematuras


evit veis. Essa conste aç o de fatores interconectados inc ui mortes vio entas causadas
ou facilitadas por agentes do estado; insegurança a imentar; morta idade materna e
morta idade infanti ; encarceramento industria de jovens e adu tos; educaç o forma de
baixa qua idade e punitiva; fa ta de acesso a tratamento m dico e medicamentos;
segregaç o residencia ; desemprego e subemprego; e exposiç o a toxinas ambientais
no ar, gua e so o. Ta conste aç o de mortes prematuras e evit veis de pessoas negras,
bem como suas vu nerabi idades sociais corre atas, a atua izaç o da antinegritude
como algoritmo onto gico e socia , e do genoc dio como fato socia VARGAS, ;
VARGAS, 2018). A antinegritue e o genoc dio constituem um estado de terror
permanente.
H uma tradiç o radica negra diasp rica ROBINSON, , viva e
transformadora, inspirada em estudos do genoc dio pe o menos desde com a
pub icaç o de We Charge Genocide, Acusamos de Genoc dio de Wi iam Patterson e
do Congresso de Direitos Civis. Esforços ativistas como os afi iados ao Movimento
Negro Unificado (desde 1978) ou provenientes dele; Reaja ou Ser Morto Reaja ou
Ser Morta desde ; e traba hos de Abdias do Nascimento e Ana F auzina
, entre muitos outros, s o exemp os dessa tradiç o diasp rica vita , amp a,
diversa, e em expans o, que demonstra e denuncia o genoc dio antinegro nas suas
dimens es mais variadas e inevitave mente inter igadas. Essa tradiç o, constantemente
reinventada, tem como um de seus desafios inc uir e aprofundar a an ise do terror
sexua na cr tica do estado-imp rio como estado de emerg ncia permanente para
pessoas negras. Para continuarmos a expandir e aprimorar nosso entendimento do
genoc dio, devemos ir a m do mascu inismo que privi egia a experi ncia de homens
negros cisheteronormativos, e centralizar o terror sexual que incide sobre pessoas
negras, e mais especificamente, o estupro da mulher e das pessoas transexuais negras.
Ao passo que existe um arquivo ana tico e po tico consider ve sobre o terror
sexua hist rico e contempor neo, o qua representa e pune o homem negro como
estuprador habitua da mu her branca, o mesmo n o verdade quando o objeto do
estupro a mu her negra, e menos ainda quando a v tima uma pessoa transexua
negra. O trabalho pioneiro de Ida B. Wells, exemplificado em Southern Horrors: Lynch
Law in all its Phases (1892) [Horrores do Sul: Todas as Fases da Lei do Linchamento],

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focalizou primariamente nos linchamentos de homens negros acusados falsamente de


estupro de mu heres brancas nos Estados Unidos do fim do s cu o XIX e primeiras
d cadas do s cu o XX. No entanto, We s j indicava a necessidade de centra izar o
estupro da mulher negra como elemento estruturante dos Estados Unidos. Wells
demonstrou atrav s de sua pesquisa extensiva que a pr tica genera izada de
inchamentos constitu a um ato de barbaridade de homens brancos que ateavam fogo
em homens negros inocentes pe o crime de terem re aç es sexuais consensuais com
mu heres brancas, enquanto e es mesmos bruta mente e sem qua quer hesitaç o
estupravam mu heres negras BEDERMAN, : . importante frisar:
historicamente temos prestado atenç o primariamente na primeira parte da proposiç o
-- aquela que diz respeito a homens negros -- enquanto que relativamente pouca
ref ex o e pesquisa t m sido dedicados ao coro rio de We s, qua seja, o estupro da
mulher negra como igualmente fundante do terror sexual. Ademais, afirmar que o Brasil
n o tem uma tradiç o de inchamentos como a dos Estados Unidos, e portanto as
an ises como as de We s s o in teis para o entendimento do contexto brasi eiro, me
parece uma combinaç o de preguiça historiogr fica e ingenuidade naciona ista. Se o
padr o contempor neo de homic dios e estupros de pessoas negras no Brasi , inc uindo
mu heres e pessoas transexuais, n o um tipo de inchamento co etivo muitas vezes,
exemp o do que We s retrata, com a cump icidade do Estado , cujas ra zes est o no
terror antinegro co onia , no medo e dio antinegro fundante AZEVEDO, ; ALVES
e VARGAS, , ent o o que esse padr o?
Ida B. We s contundentemente reve ou a fa cia da gica antinegra do terror
sexual, a qual fazia do homem negro um monstro estuprador e a mulher negra a
sedutora permanente. We s mostrou que o terror sexua , parte nevr gica n o s da
escravid o como do regime de terror antinegro p s-escravid o, autorizava a vio aç o
sexual de homens e mulheres negras por pessoas brancas, quase sempre sem qualquer
consequ ncia mora e ega . Mais especificamente, We s j apontava para o fato de que,
por n o gozarem do reconhecimento de sua condiç o de mu her, womanhood,
mulheres negras eram constantemente assediadas e muitas vezes estupradas enquanto
homens e mulheres brancos pregavam a necessidade de manter a qualquer custo a
pureza racia branca e a segregaç o racia que supostamente a garantia. Assim como os
homens negros, mulheres e pessoas transexuais negras eram consideradas n o

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humanas e n o pertencentes a sociedade e ao estado de direito; eram assim ameaças


simb icas e f sicas constantes e, por serem permanentemente vio veis -- pois como
possess es n o podiam resistir, consentir, ou retirar o consentimento -- eram tamb m,
por definiç o, n o estupr veis HARTMAN, : . Apesar de estas condiç es serem
emb em ticas do regime de escravid o, e as n o se modificam na sua ess ncia depois
do fim forma da escravid o, e de fato perduram contemporaneamente. Da a express o
de Hartman a vida p stuma da escravid o.
A an ise de We s representa um conjunto de traba hos sofisticados que
constroem os seus pr prios bancos de dados a partir de estat sticas oficiais, da
imprensa, de traba ho etnogr fico, e de eituras cr ticas das mais variadas discip inas
acad micas MUHAMMAD, . Contudo, We s n o examina o padr o de estupro
de mu heres negras com o mesmo grau de deta he estat stico e profundidade ana tica
ap icado ao padr o de acusaç es quase sempre fa sas, feitas por brancos de estupro
de mu heres brancas por homens negros, e suas consequ ncias terr veis. A go simi ar
ocorre no movimento por direitos civis dos Estados Unidos a partir da d cada de ,
o qual privilegiou a exclus o e bruta idade sofrida por homens negros nas esferas do
traba ho, habitaç o, e justiça crimina . Acusamos Genoc dio, por exemp o, um
comp ndio de tais formas de exc us o e bruta idade, com nfase no uso de força eta
pelo Estado contra homens negros. O seu argumento incisivo: a bruta idade po icia
d continuidade ao estado de terror que perpassa e vincu a a escravid o e os
inchamentos do começo do s cu o XIX WILKERSON, . Quando diminuem os
linchamentos, aumentam os casos de abuso policial (KELLEY, 2000), mantendo-se assim
o estado de terror antinegro.
Apesar do poder de persuas o ana tico e po tico dessa proposiç o, o
argumento depende de um acordo normativo pr vio, qua seja, que o sofrimento dos
homens negros (supostamente cisheteronormativos o metro contra o qua se
apreende o estado de terror. Ademais, as exc us es e vio ncias sofridas por homens
negros servem como traduç o de todas as exc us es e vio ncias sofridas por todas as
pessoas negras. como se homens negros representassem todas as pessoas negras.
somente com a emerg ncia dos feminismos negros no p ura , pois n o h
um pensamento das mu heres negras COLLINS, , nem tampouco uma orientaç o
ana tica e po tica JAMES, que as define que essa perspectiva desafiada de

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uma maneira mais sistem tica. Fa ar da emerg ncia dos feminismos negros como um
fato discreto marc ve no tempo e no espaço obviamente n o faz sentido. H autoras
que identificam elementos dos feminismos negros entre as mulheres negras
escravizadas e as abo icionistas do s cu o XIX GUY-SHEFTALL, 1995). All the Women
are White, A the B acks are Men Todas as Mu heres s o Brancas, Todos os Negros
s o Homens : o titu o dessa anto ogia pub icada em , editada por Akasha G oria
Hull, Patricia Bell-Scott e Barbara Smith, representa a conf u ncia de v rias correntes
te ricas, ana ticas, e po ticas de feministas negras, muitas de as sbicas, previamente
separadas pe o tempo hist rico e pe o espaço geogr fico. Todas as Mu heres s o
Brancas, Todos os Negros S o Homens representa co etivos de mu heres negras cujas
experi ncias e projetos po ticos n o eram contemp ados nem nos espaços onde a raça
e a negritude eram os eixos das abordagens cr ticas porque raça e negritude eram
vistos atrav s do prisma dos homens negros cisheteronormativos , nem nos espaços
feministas porque o g nero era visto atrav s do prisma de mu heres brancas
cisheteronormativas.)
L ia Gonza ez, tamb m em , pub icou um ensaio intitu ado A Mu her
Negra na Sociedade Brasileira no qua aponta a gumas das consequ ncias ana ticas e
po ticas das imitaç es dos espaços naciona istas negros e proto feministas:

Para fina izar, gostar amos de chamar a atenç o para a maneira como a
mu her negra praticamente exc u da dos textos e do discurso do
movimento feminino e portanto n o feminista em nosso pa s. A
maioria dos textos, apesar de tratarem das re aç es de dominaç o
sexua , socia , e econ mica a que a mu her est submetida, assim como
da situaç o das mu heres de camadas mais pobres etc., etc., n o
atentam para o fato da opress o racia . As categorias uti izadas s o
exatamente aque as que neutra izam o prob ema da discriminaç o racia
e, consequentemente, o do confinamento a que a comunidade negra
est reduzida GONZALEZ, : 00).

Friso que essas pub icaç es, como muitas outras, inc uindo a dec araç o do
Combahee River Collective em 1977 (TAYLOR, 2017), na qual a teoria dos sistemas de
opress o inter igados inter ocking systems of oppression , que precede e informa a
teoria da intersecciona idade CRENSHAW, , s o apenas retratos moment neos
de um processo po tico transgeraciona o qua , parte constitutiva de uma tradiç o negra
diasp rica, insiste no ugar de fa a e perspic cia epistemo gica e po tica de mu heres
negras. Assim como aponta Jurema Werneck , n o se pode entender a

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ancestra idade negra e suas ramificaç es metaf sicas, te ricas e pr ticas


contempor neas sem um reconhecimento do pape centra das mu heres negras.
a partir da inf u ncia de tais perspectivas feministas negras que os arquivos
hist ricos e contempor neos da antinegritude e do genoc dio t m de ser revistos e
corrigidos. assim que entendo estudos, teorias, e iniciativas de organizaç o socia que
v m emergindo com um foco mais preciso no estupro de mu heres negras. Se
entendemos o pape do estupro e da vio ncia sexua na vida quotidiana de Afro-
Americanos e na uta pe a iberdade, escreve uma historiadora contempor nea, temos
de reinterpretar, sen o reescrever, a hist ria do movimento por direitos civis
MCGUIRE, : xx . precisamente dessa maneira que ouço o ape o de F auzina e
Pires. Trata-se de uma convocat ria para repensar e reescrever o estupro da mu her
negra como dado fundante da di spora. J temos entes ana ticas, dados qua itativos e
quantitativos suficientes para tanto. O desafio tornar tais entes e dados e ementos
centrais da an ise, e n o, como at hoje ocorre, apresent - os como epifen menos de
perspectivas masculinistas e cisheteronormativas.
Abdias do Nascimento e L ia Gonza ez j apontavam para a import ncia e
centra idade do estupro da mu her negra na formaç o socia do Brasi . Fazendo uma
ponte ana tica exp cita entre o genoc dio de pessoas negras e o terror sexua e o
estupro, Nascimento (1978: 61) afirmou que ...a mu her negra... continua v tima f ci ,
vu ner ve a qua quer agress o sexua do branco. Este fato foi corajosa e pub icamente
denunciado no Manifesto das Mulheres Negras, apresentado no Congresso das
Mu heres Brasi eiras rea izado na Associaç o Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro,
em de Ju ho de . De acordo com o Manifesto, ... as mu heres negras brasi eiras
receberam uma herança crue : ser objeto de prazer dos co onizadores. No imagin rio
co etivo e na formaç o socia genocida correspondente, ser objeto de prazer
compu s rio significa habitar um contexto de terror sexua no qua a regra ... o
estupro sistem tico e permanente da mu her africana e de suas descendentes no Brasi
(NASCIMENTO, 1978: 63).
A cr tica de Nascimento n o somente desmonta o mito da democracia racial, o
qua sugere, dentro de um universo mascu inista cisheteropatriaca , que as re aç es
sexuais entre o colonizador e as mulheres colonizadas e escravizadas, supostamente ao
contr rio do padr o de co onizaç o dos Estados Unidos por exemp o, s o regidas pe o

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reconhecimento e consenso. N o se pode ent o evar a s rio as proposiç es de Gi berto


Freyre, Pierre Verger, e tantas outras negaç es contempor neas do terror antinegro
fundante, que argumentam por um padr o civi izat rio regido pe a harmonia racia e de
g nero, pe o intercasamento principa mente entre homens brancos e mu heres
negras. A cr tica de Nascimento, tanto quanto a de Gonza ez, que veremos abaixo,
identifica o terror sexual e o estupro da mulher negra no mago do projeto de naç o. E
dado que esse projeto de naç o marcado fundamenta mente pe o genoc dio, temos
ent o que o terror sexua constitui um dos a icerces do genoc dio antinegro.
Expandindo os escritos de Nascimento, L ia Gonza ez refutou o mito da
democracia racia no Brasi , e desenvo veu e ementos de uma perspectiva cr tica do
estupro da mu her negra. Na verdade, escreveu Gonza ez : , o grande
contingente de brasi eiros mestiços resu tou de estupro, de vio entaç o, de
manipu aç o sexua da escrava. Por isso existem os preconceitos e os mitos re ativos
mu her negra: de que e a mu her f ci , de que boa de cama etc. Embora o estupro
e a exp oraç o sexua da mu her negra sempre tenha ocorrido GONZALEZ, : ,
eles continuam sendo encobertos seja pelo mito ainda poderoso da harmonia racial,
seja pelas perspectivas masculinistas cisheteronormativas incapazes de captar a
ubiquidade e profundeza do terror sexua . O mito absurdo da democracia racia , afina ,
apenas mais um mito masculinista cisheteronormativo que encobre o seu impulso
genocida.
Dos escritos de L ia Gonza ez emerge o conceito de Amefricanidade segundo
o qual:

... a centra idade dos efeitos da vio ncia sexua como premissa
fundacional de uma sociedade com herança co onia escravista como a
brasi eira, repousa nas mu heres que foram vio entadas. N o h espaço,
por exemplo, para pensar no estupro como algo que foi realizado para
violentar a honra do suposto parceiro dessas mulheres ou para macular
o processo de sucess o patrimonia da inhagem a que essa mu her
integra. Talvez esses motivos possam ter influenciados os violadores,
mas se a centra idade est na resist ncia dessas mu heres, s o os efeitos
sobre elas que devem orientar nossas conversas e nossas intervenç es
p b icas em mat ria de vio ncia sexua FLAUZINA e PIRES, : .

H para e os evidentes entres as an ises e teorizaç es de We s, de um ado, e


Nascimento e Gonza ez, de outro. E as requerem o reconhecimento de uma di spora
negra fundada no terror sexua e no estupro da mu her negra. Fa ar de genoc dio,

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portanto, significa desenvo ver uma gram tica cr tica em pretugu s, como os escritos
de L ia Gonza ez imp icam e convidam GONZALEZ, ; FLAUZINA e PIRES, .
Essa gram tica cr tica insiste na centra idade das experi ncias de mu heres negras, tanto
na formataç o do estado de terror e suas tecno ogias de contro e que definem o estado-
imp rio contempor neo JUNG, , quanto na formu aç o de cr ticas das dimens es
m tip as do genoc dio e da antinegritude fundante. A figura da escrava (VARGAS,
a ta vez nos ajude a ref etir sobre os desafios epistemo gicos e po ticos de uma
perspectiva que, ao reconhecer a vio abi idade ina ter ve da mu her negra, e, portanto,
a sua condiç o de n o estupr ve HARTMAN, ; WILDERSON, , n o espera
nem acredita na redenç o do projeto moderno de civi izaç o mu tirracia . Pois este
projeto, cujo a goritmo a antinegritude, um projeto mascu inista, homossocia e
cisheteropatriacal (ALEXANDER, 2005), que requer e permanentemente reproduz o
terror sexua e a morte socia e f sica das pessoas negras. Centrar o estupro como
estrutura e estruturante, como o querem F auzina e Pires, significa, no imite da an ise,
ponderar formas alternativas de onto ogia e de organizaç o socia que necessariamente
extrapo am o que presentemente nos define onto gica e socia mente.

Possibi idades de pontes epistemo gicas e po ticas entre experi ncias


negras e ind genas
Acenar para possibi idades de pontes onto gicas e epistemo gicas entre
mu heres negras e ind genas pode soar estranho dentro do universo da antinegritude j
que o conceito insiste na incomensurabi idade das experi ncias negras vis- -vis
experi ncias n o negras WILDERSON, ; VARGAS, ; a; 020b). Tal
incomensurabilidade se da por conta de uma estrutura de posicionalidades na qual as
onto ogias n o negras est o em antagonismo permanente e, portanto, nunca est o
articuladas com as negras. Emprego o termo antagonismo como sendo diametralmente
oposto ao termo conf ito. O conf ito baseado em graus de reconhecimento m tuo,
por mais t nues que sejam, e possui o potencia de reso uç o j que e e constru do ao
redor de narrativas que vincu am posiç es sociais e onto gicas diferenciadas. O
conflito de c asses, por exemp o, sugere um mundo sem tica, desigua e injusto; mas
ao ser verba izado por traba hadoras contra os donos dos meios de produç o, a
narrativa do conf ito cria imediatamente um campo de articu aç es entre traba hadoras

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e os donos do capita . O antagonismo, ao contr rio, adv m de uma fa ta comp eta de


reconhecimento WILDERSON, . O antagonismo essencia e nico que a pessoa
negra vivencia n o por conta da combinaç o das opress es de c asse, de g nero, e de
sexualidade, entre outras -- embora a pessoa negra de certo sofra todas essas
opress es. A reso uç o dessas opress es n o teria qua quer efeito no fato de que a
pessoa negra continuar a ser a n o pessoa humana. Fundamenta mente, o
antagonismo onto gico que a pessoa negra vivencia adv m das noç es de
Humanidade e do Social (VARGAS e JUNG, 2021) que configuram a totalidade de um
mundo social que define graus de humanidade e de pertencimento. Essa totalidade faz
da pessoa negra uma n o pessoa que n o pertence, que n o tem nem graus onto gicos
de humanidade. Por outro ado, onto ogias n o negras obt m capacidade, ou seja, s o
reconhecidas e se articu am enquanto humanas e membras da fam ia humana, e
portanto possuem graus onto gicos de humanidade, na medida em que n o s o negras.
Por exemp o, para a traba hadora n o negra o conf ito tico decorre da exp oraç o e da
a ienaç o que, em teoria, podem ser amenizadas ou mesmo e iminadas ; para a pessoa
negra, o conf ito tico s pode ser reso vido com o fim desse mundo.
Se pensarmos na definiç o de morte socia de Patterson , introduzida
ogo no in cio deste ensaio, vemos que a pessoa negra ocupa um espaço de iso amento
genea gico, e sofre desonra e vio ncia gratuita. Esse espaço a morte socia , o qua ,
para as pessoas negras, e somente para e as, se torna indissoci ve da escravid o.
Escravid o aqui entendida n o s como fato hist rico, mas fundamenta mente como
fato onto gico WILDERSON, , do cotidiano contempor neo de pessoas negras
(JACKSON, 1990), constituidor do terrorismo do estado (JAMES, 2005), e estruturante
de aparatos jur dicos e instituiç es forma mente democr ticas e mu tirraciais
HARTMAN, . A escravid o e suas vidas p stumas HARTMAN, ; SHARPE
2016) posicionam as pessoas negras em antagonismo com re aç o a um mundo socia
estruturado pe a morte socia permanente das pessoas negras. A exist ncia desse
mundo socia depende da exist ncia da pessoa negra enquanto n o pessoa: esse o
desafio tico fundante. As pessoas n o negras, por outro ado, se definem no espectro
da humanidade e do pertencimento socia justamente porque n o s o negras, e
portanto, s o. Por mais oprimidas que sejam essas pessoas n o negras, e as sabem que
n o s o negras, e que, portanto, t m a go a ze ar e com o qua se definir.

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No entanto, insistir na incomensurabi idade n o equiva e a negar, a priori, toda


e qua quer re aciona idade, mesmo que moment nea e ef mera, entre experi ncias
negras e n o negras. Uma an ise ca cada na antinegritude sugere justamente isso: que
uma vez reconhecida a especificidade das experi ncias negras, e, mais importante
ainda, reconhecido o pape que a antinegritude desempenha na conso idaç o de todas
as onto ogias e sociabi idades modernas n o negras, abre-se a possibilidade de pontes
ana ticas e po ticas entre viv ncias negras e n o negras. Friso possibi idade justamente
para diferenciar essa abordagem, pautada pela antinegritude, daquela do racismo, a qual
parte do princ pio de experi ncias comuns entre grupos sociais subordinados e
racializados negativamente. Ao centrarmos o estupro como elemento primordial do
genoc dio, e, portanto, ao empregarmos uma ente ana tica atenta s imbricaç es da
raça, g nero, e sexua idade, abrimos a possibi idade de pensarmos o genoc dio como
experi ncia comum a pessoas ind genas e negras. Pois o genoc dio, assim como a
antinegritude, atrav s do dio racia constitutivo, visa a e iminaç o, tota ou em parte,
de um grupo social subordinado.
A quest o da onto ogia ind gena nesta estrutura p anet ria de antagonismos
que Wi derson ; ; prop e comp exa. Por um ado, o genoc dio das
popu aç es ind genas marca profundamente o ser ind gena, de ta forma que sua
identidade n o pode ser separada do seu aniqui amento. Ou seja, a pessoa ind gena j
nasce sobredeterminada e inserida dentro dessa estrutura de onto ogia e de forças
sociais genocidas. O genoc dio, portanto, parte fundante de seu auto entendimento
CHURCHILL, . Essa perspectiva posiciona a pessoa ind gena numa condiç o
an oga a da escrava, ou seja, como um iso ado genea gico, exposta vio ncia
gratuita, e sem honra. A pessoa ind gena, ent o, onto ogicamente habita a zona do n o
ser FANON, pois n o h , no imite, continuidade e reconhecimento de um povo
ou de um indiv duo no contexto do genoc dio. Em outras pa avras, contextua izadas
pe o genoc dio, a onto ogia e experi ncia da pessoa ind gena podem ser articu veis
onto ogia e experi ncia da pessoa negra.
Por outro ado, e diferentemente das pessoas negras, a posiç o onto gica da
pessoa ind gena articu ve categoria de soberania. A soberania, afirma Wi derson
: , resgata a pessoa ind gena do iso amento genea gico que define a pessoa
negra, a escrava. A narrativa da soberania inc ui di emas ticos como ancestra idade

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e sociabi idade que s o imediatamente eg veis apesar de n o serem necessariamente


aceit veis da perspectiva dos sujeitos brancos assumidos universais. Quando a pessoa
ind gena articula demandas de soberania, ela se articula com modos de pertencimento
ao mundo dos brancos -- o mundo mora , hist rico, jur dico, e po tico dos
colonizadores. preciso enfatizar: a gram tica da soberania de maneira a guma nega o
genoc dio e o terror sexua que fundamenta a experi ncia e onto ogia ind gena; e a
simp esmente cria possibi idades de articu aç o, mesmo que ef mera e moment nea,
entre ind genas e brancos. Essas possibi idades de articu aç o n o existem, por
definiç o, na posiciona idade negra. A posiciona idade negra nica no sentido de
representar uma expu s o tota , permanente e eterna do Humano e do Socia :

Pessoas ind genas perpetuamente transitam entre a morte e a


sociedade civi : em um momento, por causa do genoc dio, e as est o
isoladas da comunidade Humana (a sociedade civil ou os
contempor neos , assim como as pessoas negras; num outro
momento, no momento da soberania, as pessoas ind genas s o trazidas
de volta para o bojo da Humanidade. Para... as pessoas negras, esse
vaiv m entre a morte e a sociedade civi simp esmente n o permitido
(WILDERSON, 2010: 50).

O que est enunciado nesse esquema g oba de antagonismos a possibi idade


de reconhecimento que deriva da condiç o do genoc dio que , afina , morte socia e
morte f sica . Ao encarnarem a abjeç o, ao serem expu sas da humanidade e seus
atributos de g nero, sexua idade, e naciona idade, entre outros , a pessoa ind gena e a
pessoa negra vivenciam o mundo moderno como negaç o, terror, estado de emerg ncia
(WEHELIYE, 201 ; KING, : . O genoc dio, assim, passa a ser uma experi ncia
socia articu ve entre pessoas ind genas e pessoas negras.
Isso n o quer dizer que a antinegritude deixa de ser um dos a goritmos
fundantes do mundo moderno. Ao formatar a n o posiç o onto gica das pessoas
negras, esse a goritmo formata todas as posiç es onto gicas. Ao contr rio da pessoa
ind gena, para a pessoa negra imposs ve dissociar a sua posiciona idade da escravid o
-- escravid o entendida n o somente como fato socia , mas como estrutura onto gica.
Por exemp o, uma das prerrogativas jur dicas da indigeneidade nos Estados Unidos no
s cu o XIX determinava a possibi idade da pessoa ind gena possuir pessoas escravizadas
negras MILES, . De uma perspectiva Amefricana, h que se reconhecer essa
indissociabi idade nica entre negritude e escravid o. A posiç o onto gica ind gena,

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que , re ativa posiciona idade negra, vari ve , se define e, portanto, depende,


onto ogicamente, da exc us o definitiva da pessoa negra, que o resultado mais
evidente da antinegritude.
Contudo, a experi ncia do genoc dio que n o precisa ser comp eto para ser
rea e determinante , comum s pessoas ind genas e s pessoas negras, gera articu aç es
poss veis, inhas de an ise e perspectivas po ticas que emergem da condiç o forçada
de habitar zonas do n o ser. Tais articu aç es poss veis ganham mais definiç o quando
vo tamos ao estupro como estrutura e estruturante. Andrea Smith exp e as conex es
entre genoc dio, a co onizaç o das Am fricas, e o terror sexual em Conquest: Sexual
Vio ence and American Indian Genocide Conquista: Vio ncia Sexua e o
Genoc dio Ind gena Americano . No inconsciente co etivo e nas pr ticas genocidas do
colonialismo, dominam, de um lado, o conceito de pureza racial, e de outro, o de
po uiç o.

Por serem sujos, os corpos dos ndios s o considerados vio veis


sexua mente e estupr veis, e o estupro de corpos que s o
considerados inerentemente impuros ou sujos simp esmente n o conta.
Por exemplo, quase nunca se acredita em prostitutas que denunciam o
seu estupro porque a sociedade dominante considera o corpo de
traba hadoras do sexo n o merecedor de integridade e
permanentemente vio ve . Simi armente, a hist ria de muti aç o de
corpos ind genas, tanto dos vivos quanto dos mortos, afirma claramente
que o povo ind gena n o tem direito integridade f sica SMITH, :
10).

A vio ncia sexua , e particu armente o estupro sistem tico da mu her ind gena
como instrumento da m quina de exterm nio do co onia ismo, estabe ece a ideologia
que corpos Nativos s o inerentemente vio veis -- e, por extens o, que Terras Nativas
s o tamb m vio veis SMITH : . A autora, que traba hou como assistente de
v timas de vio ncia sexua em uma comunidade Ind gena, expande a sua ente ana tica
para a m das mu heres nativas. A vio ncia sexua de g nero gender vio ence e o
genoc dio, afirma e a, funcionam como uma ferramenta do racismo e do co onia ismo
entre mulheres de cor de um modo geral." Mais especificamente,

...mulheres Afro-Americanas eram tamb m vistas como inerentemente


estupr veis. No entanto, ao passo que os co onizadores uti izaram a
vio ncia sexua para e iminar popu aç es Nativas, donos de escravos
uti izaram o estupro para reproduzir uma força de traba ho exp or ve .
(A prole de mulheres negras escravizadas herdava o status de
escravizados da m e. E como mu heres negras eram vistas como

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propriedade dos seus donos, o seu estupro por esses homens n o


contava. Como um po tico do su dec arou no in cio do s cu o XX, n o
existe tal coisa como uma "menina de cor virtuosa" acima dos 14 anos."
(SMITH 2005: 15, 16)

A nfase no genoc dio, no terror sexua , e no estupro que os constitui e os


expressa, gera a possibi idade de articu aç es espec ficas entre experi ncias de
mulheres ind genas e mu heres negras. Devemos evitar considerar tais articu aç es
dados hist ricos somente. Por fazerem parte de um inconsciente co etivo que se
atua iza em pr ticas sociais hist ricas e contempor neas, o genoc dio e o estupro de
mu heres ind genas e negras parte integra da vida p stuma do co onia ismo e do
regime escravocrata.
Saidiya Hartman introduziu o conceito de vida p stuma da escravid o.
E a nos mostra como, apesar da e iminaç o forma de instituiç es opressivas, como por
exemplo o fim da escravid o, da segregaç o racia , e da proibiç o de casamentos inter-
raciais, os conceitos que sustentavam tais instituiç es permanecem no inconsciente
co etivo e nas pr ticas sociais ditas democr ticas e mu tirraciais. Essa perman ncia
constitui a vida p stuma da escravid o, t o bem representada na presença de bandeiras
confederadas no Capit io dos Estados Unidos durante a rebe i o da extrema direita do
dia 6 de janeiro de 2021. No que diz respeito ao estupro da mulher negra, ele existia

...como uma condiç o subentendida mas normativa, comp etamente


dentro do escopo das pr ticas sexuais corriqueiras, seja nos arranjos
imp citos da senza a, seja na casa grande... Nesse caso ou seja, na
omiss o do crime de estupro contra a pessoa escravizada nas leis do
regime da escravid o a normatividade da vio ncia sexua estabe ece
um v ncu o inextrinc ve entre a formaç o racia e a sujeiç o sexua .
Ademais, a aus ncia virtua de proibiç es ou imitaç es na
determinaç o do que era socia mente to er ve e da vio ncia,
estabelece o palco para o uso indiscriminado do corpo para o prazer,
ucro, e puniç o HARTMAN, :

A inexist ncia do crime de estupro contra mu heres negras, e, como mostra


Smith, Ind genas, fazem de as corpos inestupr veis. A vida p stuma da escravid o e do
co onia ismo significa que a coisificaç o sexua de corpos negros e ind genas -- a sua
transformaç o em carne -- mesmo que forma mente proibidos em eis contra a vio ncia
e o estupro, continua como dado simb ico a tamente eficaz no arranjo de normas e
pr ticas sociais. Ser inestupr ve significa n o ser, n o ter direito, n o fazer parte da

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sociedade moderna; significa ser mat ve porque, afina , n o se mat ve enquanto


pessoa humana. N o se mata a go que j est morto; n o se mata a carne.
Começando em , traba hei durante cinco anos em uma pris o juveni no
estado do Texas (VARGAS, 2018). Aque e traba ho de discuss o e conscientizaç o
po tica, cuja fachada eram oficinas de poesia e m sica, me mostrou como que entre
meninas negras e latinas -- muitas das quais tamb m ind genas -- havia uma experi ncia
genera izada da vio ncia sexua e do estupro. Expressas vividamente em poemas que
as crianças encarceradas escreviam e recitavam, essa experi ncia genera izada do
estupro cometido contra e as e ou pessoas de suas fam ias, demonstra a vida p stuma
da escravid o e do co onia ismo. Ao mesmo tempo que eram parte de um sistema
prisiona de dimens es industriais, que inc ui n o s centros de detenç o mas tamb m
esco as, bairros segregados, e monitoramento pan ptico no seu dia-a-dia, essas
crianças testemunhavam e viviam constantemente formas de vio ncia simb ica e
corpora das mais variadas. E as sofriam puniç es rotineiras nas suas esco as as quais
as evavam pris o juveni e de adu tos , e maus tratos psico gicos e f sicos tanto em
suas vidas di rias quanto nas instituiç es de reabi itaç o, nas quais entravam e das
quais saiam e nas quais entravam de novo, num ciclo transgeracional que definia a sua
exist ncia individua e co etiva. dentro desse cic o permanente que vio ncia sexua e
estupro, rotineiros e anunciados, constituem parte de um estado de terror genocida.
Apesar de estudos mostrarem as experi ncias nicas e ta vez irredut veis de
mu heres negras RICHIE e ind genas SMITH, com re aç o ao estupro, o
foco no genoc dio e no terror sexua -- ou no terror sexual enquanto genoc dio, no
genoc dio como terror sexua -- nos permite, mesmo que temporariamente, apresentar
um esquema ana tico mais amp o. Esse esquema ana tico n o s articu a experi ncias
de terror sexua contra pessoas negras e ind genas apesar dessas experi ncias terem
justificativas simb icas e manifestaç es hist ricas e sociais distintas , mas tamb m
sugere um diagrama diasp rico formatado pe o genoc dio e o estupro de mu heres
negras e ind genas. Ta diagrama diasp rico, como F auzina e Pires sugerem , foi
apresentado por L ia Gonza ez atrav s do conceito de amefricanidade:

a amefricanidade... nos obriga a entender a formaç o do povo brasi eiro


como fruto de estupros sucessivos e naturalizados. Nos informa que a
noç o de mestiçagem sobre a qua o Estado brasileiro tentou forjar a
ideia de unidade naciona a partir da d cada de , est diretamente

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re acionada a duas ideias: a construç o de uma justificativa p b ica


para os estupros sofridos por mu heres negras e ind genas e, a
miscigenaç o como po tica de branqueamento da popu aç o brasi eira
que, originariamente era ind gena, mas que a partir do momento que o
tr fico de escravizados se conso idou at os dias atuais, passou a ser
uma popu aç o majoritariamente negra FLAUZINA E PIRES, : 68,
69).

A formaç o do povo brasi eiro, assim, deriva de uma gica de genoc dio e terror
sexua comum aos processos de co onizaç o das Am fricas. Apesar das diferenças
bvias nas manifestaç es quotidianas e sociais dessa gica comum no Brasi e nos
Estados Unidos, o foco no genoc dio e no terror sexua demanda um reconhecimento
s rio e definitivo das inhas de continuidade diasp rica que definem os pa ses igados
pe a Amefricanidade GONZALEZ, : . As unidades de naç es da Am frica, assim,
devem ser entendidas como partes de um mesmo complexo estrutural de ontologias e
sociabi idades, e portanto muito mais simi ares nas suas entranhas simb icas do que
comumente aceitamos.

Por uma an ise qui ombista-abolicionista do terror sexual e do estupro da


mulher negra
N o h an ise do socia que n o esteja enraizada numa po tica, numa vis o de
mundo -- mesmo que essa vis o de mundo n o seja exp cita, e a orienta nossos
pensamentos. Ao enfatizar a antinegritude, considero imposs ve a redenç o dessa
formaç o socia p anet ria que inc u o todo da Am frica. Isso quer dizer que, onge de
serem acidentes ou defeitos que podem ser corrigidos, por serem formatados pela
antinegritude, o genoc dio e o terror sexua s o constitutivos do mundo socia e das
ontologias inaugurados pe a modernidade. Ou constru mos um outro mundo socia , ou
ne e, mesmo reformado, as pessoas negras continuar o a ocupar a posiç o onto gica
de serem, fundamenta mente, socia mente mortas, carne, objetos abjetos imposs veis
de serem lesados enquanto seres humanos. Independentemente do que pessoas negras
e aboram e preservam, das construç es a ternativas de as mesmas, e de seus esforços
de melhorar esse mundo, esse mundo, apesar de necessitar as pessoas negras para se
definir onto gica e socia mente por contraste a e as, esse mundo n o quer e odeia as
pessoas negras VARGAS ; a; b . A an ise do terror sexua e do estupro
enquanto manifestaç es e a icerces do genoc dio -- fatos hist ricos, estruturais, e,

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portanto, permanentes -- s reforça essa constataç o simp es mas ta vez dif ci de ser
aceita.
Aqui o conceito de abo iç o ti porque remete precisamente a essa
necessidade de um outro mundo. O processo de abo iç o n o tem fim definido; a
abo iç o sempre co etiva, enraizada em saberes ancestrais, e ao mesmo tempo
transcendenta . O conceito de abo iç o eminentemente ut pico pois n o s projeta
uma rea idade pouco definida mas definitivamente me horada , como tamb m requer
uma exp os o Fanoniana permanente das epistemo ogias, sociabi idades, e instituiç es
terroristas e genocidas.
Para me hor entendermos a utopia que energiza o projeto de abo iç o,
podemos distinguir utopia de ideologia. Para Dolores Hayden, utopia refere-se " a um
esquema imagin rio ou experimenta de uma sociedade ideal," enquanto ideologia
remete a um corpo de ideias no qua se baseia um sistema po tico, econ mico, ou
social particular, real ou ideal." Ademais, podemos pensar tanto a utopia quanto a
ideo ogia como conceitos que possibi itam ir a m da ordem social existente. A
diferença est no fato de que a utopia abre possibi idades revo ucion rias enquanto
que a ideo ogia se restringe aos xicos simb icos j existentes. A utopia, fina mente,
consiste no materia exp osivo que arrebentar os imites da ordem existente, e
cont m de forma condensada as tend ncias n o rea izadas que representam as
necessidades de cada era HAYDEN, : .
Essa necessidade de uma exp os o da ordem existente se torna urgente ao nos
depararmos com a antinegritude, que informa o genoc dio e o terror sexua que incidem
paradigmaticamente nos corpos de mulheres negras e pessoas transexuais negras.
Estamos diante dos efeitos combinados de uma estrutura onto gica, um sistema de
significado e gerenciamento social que afeta todas as pessoas humanas ao mesmo
tempo em que exclui permanentemente as pessoas negras. Como Hortense Spillers
descreve minuciosamente, desde o transporte forçado de pessoas escravizadas,
corpos negros foram tratados como objetos, sem qua quer distinç o de g nero, que
ocupavam espaços precisamente de imitados nos navios de carga. Aque as pessoas
Africanas durante o trans ado forçado do At ntico Midd e Passage , Spi ers indica,

estavam itera mente suspensas no oce nico oceanic se pensarmos


no termo na sua orientaç o Freudiana, como uma ana ogia de
identidades indiferenciadas: removidas de terras e cu tura ind genas, e

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ainda n o Americanas, essas pessoas cativas, sem nomes que os seus


capturadores reconheciam, estavam em movimento cruzando o
At ntico, mas tamb m estavam em ugar nenhum... Nessas condiç es,
n o se mu her ou homem, pois ambos os sujeitos s o considerados
apenas quantidades. A mu her fema e , durante a viagem transat ntica
Midd e Passage , aparentemente uma massa f sica menor, ocupa
menos espaço numa economia de dinheiro, e e´assim imediatamente
traduz ve . No entanto, e a quantific ve atrav s das mesmas regras
de registro que os homens (males)" (SPILLERS, 2003: 214, 215).

Uma das maneiras de er essa ref ex o de Spi ers atrav s da subtraç o


forçada e vio enta do g nero e sexua idade de pessoas negras durante a travessia do
At ntico, subtraç o que ancora o terror sexua durante e depois desse momento
emb em tico. Isso n o quer dizer que essa subtraç o foi aceita passivamente pelas
pessoas negras, e muito menos que as pessoas negras deixaram de ter, compartilhar, e
atua izar suas pr ticas de g nero e de sexua idade; mas quer dizer que esse arranjo,
naque e espaço suspenso, mas prefigurativo da experi ncia negra nas Am fricas, passa
a ser simb ica e socia mente normativo. Nessas condiç es, exp ica Spi ers :
, n s perdemos pe o menos a diferença do g nero no resu tado in the outcome , e
o corpo da mu her fema e e o corpo do homem ma e se tornam territ rios de manobra
cu tura e po tica, de maneira nenhuma re acionados ao g nero e de maneira nenhuma
espec ficos em termos de g nero. Extirpados o g nero e a sexua idade, medidas e
quantidades viram os meios de significaç o. O corpo humano negro tornado carne: o
seu significado ao mesmo tempo ausente e constantemente refeito. Esse significado
subtra do, ausente e permanentemente mut ve se n o na pr tica pe o menos
potencia mente, Spi ers : chama de hier g ifos da carne hierog yphics of the
flesh).
Os efeitos dessa subtraç o perduram nas manifestaç es da vida p stuma da
escravid o: tanto no padr o contempor neo de vio ncia f sica e inj rias sexuais n o
eg veis socia e juridicamente WILDERSON, : , quanto nos padr es de
vio ncia desumanizantes no interior de comunidades negras, que refletem e ao mesmo
tempo aguçam as orientaç es normativas antinegras. Tais processos internos a
comunidades negras constituem margina izaç es secund rias, como descreveu Cathy
Cohen (1999), e contribuem para a perpetuaç o do terror antinegro. Para entendermos
margina izaç es secund rias, basta ref etirmos sobre a persist ncia e aumento da

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vio ncia sexua e do estupro de mu heres e pessoas negras LGBTQ, frequentemente


cometidos por pessoas conhecidas, e, portanto, pertencentes a espaços sociais negros.4
Apesar de fatos sociais e suas express es quantitativas serem inevitave mente
traduç es imperfeitas e incomp etas da gica terrorista da antinegritude, uma
abordagem cr tica dessas estat sticas fornece os contornos e nunca os conte dos e
muito menos as suas consequ ncias psico gicas, hist ricas e sociais da força
normativa dos princ pios sociais comparti hados, conscientes e inconscientes, que
geram o genoc dio e o terror sexua . Para entendermos o contexto de terror sexual -- o
contexto trazido pe a vida p stuma da escravid o e do estupro -- preciso reconhecer
as experi ncias fundamenta mente distintas das mu heres negras com re aç o s n o
negras. Essa distinç o, apesar de ser um dos argumentos centrais da perspectiva da
antinegritude, de fato, e ta vez surpreendentemente, uti izada por ana istas de dados.
N o porque os ana istas do Instituto de Pesquisa Econ mica Ap icada e do F rum
Brasi eiro de Segurança P b ica, cujos dados ser o brevemente discutidos abaixo,
utilizam o conceito da antinegritude para organizar seus dados. Longe disso. Ainda
assim, tais an ises quantitativas reve am precisamente esses mundos distintos: o
mundo das pessoas negras (classificadas como "pretas e pardas"), expulsas
definitivamente da humanidade, e o mundo das pessoas n o negras brancas, amare as,
e ind genas cujos graus re ativos de opress o s o de natureza distinta. Essas
abordagens quantitativas demonstram que os dados re ativos s experi ncias negras
s o t o singu ares, t o distintos daque es referentes aos demais grupos sociais
racia izados, que e es demandam um agrupamento estat stico separado, um
agrupamento que seja capaz de expressar a incomensurabi idade das experi ncias
negras re ativas s experi ncias n o negras.
A antinegritude como a goritmo da formataç o da modernidade, e, portanto,
como base do genoc dio, do terror sexua , e do estupro da mu her negra como
paradigm tico: n o se trata, portanto, somente de um argumento fi os fico, ou uma de
importaç o, ou imposiç o imperia ista, dos Estados Unidos, algo de maneira nenhuma
ap ic ve ao Brasi , como muitas vezes ouço. Ora, o argumento da antinegritude ganha
express o at mesmo em an ises estat sticas de fatos sociais que ocorrem no Brasi .
Tudo isso n o quer dizer que pessoas n o negras n o sofrem e n o morrem
prematuramente. Ana isamos acima o genoc dio ind gena e os padr es de terror sexua

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e de estupro que o definem. Mas quer dizer que para as pessoas negras o sofrimento, a
exc us o, e a morte prematura s o de uma natureza distinta porque as pessoas negras
ocupam posiç es onto gicas distintas e nicas. Vio ncia, estupro e morte podem
parecer iguais apesar das diferenças raciais de suas v timas -- e de fato o s o nos seus
resu tados finais e terr veis -- mas as suas justificativas simb icas e po ticas, e os
posicionamentos onto gicos que os motivam n o o s o.
Alguns dados marcam isso contundentemente. Primeiro, em 2017, 75,5% das
v timas de homic dios foram pessoas negras. Isso corresponde a uma taxa de homic dio
(numero de homic dios por mi pessoas negras de , , ao passo que para pessoas
n o negras e a foi de , . Ou seja, a taxa de homic dio de pessoas negras quase tr s
vez maior -- mais precisamente, para cada indiv duo n o negro que sofre homic dio, ,
indiv duos negros s o mortos. Ademais, pe o menos desde a diferença entre as
taxas de homic dios de pessoas negras e n o negras vem aumentando -- em outras
pa avras, vem sendo acentuada a dist ncia entre esse dois mundo distintos. Isso fica
mais gritante ainda quando consideramos dois pontos apresentados no Atlas da
Vio ncia de . O primeiro: entre e , enquanto para as pessoas n o
negras houve uma diminuiç o de , nas taxas de homic dio no Brasi , as taxas de
homic dio apresentaram um aumento de 11,5% para as pessoas negras. A segunda:
nesse mesmo per odo, enquanto a taxa de homic dios de mu heres n o negras caiu
11,7%, a taxa entre as mulheres negras aumentou 12,4% (CERQUEIRA e BUENO, 2020:
37, 47).
A an ise do terror sexua e do estupro como ndices do genoc dio, como
F auzina e Pires prop em, torna essa distinç o entre o mundo das pessoas negras e o
mundo das pessoas n o negras mais marcante ainda. Um estudo rea izado pe a Rede de
Observat rios da Segurança divu gou que, em , as mu heres negras sofreram 73%
dos casos de vio ncia sexua registrados no Brasi , enquanto as mu heres brancas foram
v timas em , dos casos. Ademais, entre e , aumentou quase vezes o
n mero de mu heres negras v timas de estupro. Para mu heres habitantes do estado do
Bahia, a taxa de estupro entre mu heres negras de casos por mi mu heres, o
dobro da taxa entre as brancas, que de por mi mu heres REDE DE
OBSERVAT RIOS DA SEGURANÇA, : .

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O assassinato de pessoas transexuais negras, em particular no Brasil, que lidera


o ranking dos assassinatos de pessoas transexuais no mundo, constitui um fen meno
social ainda pouco explorado. O assassinato de pessoas transexuais negras revela um
cont nuo de terror sexua , estupro e morte prematura e evit ve a que est o sujeitas
pessoas negras cujas identidades s o perpassadas por fatores que as tornam
especia mente vu ner veis. Por serem negras, desproporciona mente vivendo em
condiç es de insegurança socia e econ mica, e por exp icitamente reinventar
categorias e performances de g nero e sexua idade atrav s da manipu aç o consciente
de seus corpos, travestis, e pessoas transexuais s o percebidas como n o injuri veis, e,
portanto, n o estupr veis e n o mat veis. Os n meros s o estrondosos, mas ainda
assim s o uma traduç o imperfeita da afronta onto gica que essas pessoas negras
transexuais representam para o mundo das normas e seus defensores. Em 2018, 82%
das travestis e transexuais assassinadas foram identificadas como pessoas negras, ou
seja, pretas e pardas (BENEVIDES e NOGUEIRA, 2019:20).
Longe de ser para isadora, essa an ise, em di ogo com as tradiç es ativistas e
autoras mencionadas acima -- bem como muitas outras que comp em o arquivo
permanentemente renov ve de uma tradiç o radica negra -- prop e e requer uma
utopia abo icionista transformadora. Enquanto formaç o fugitiva e necess ria, o
qui ombismo abo icionista das Ia od s, numa construç o que sintetiza e modu a a
intervenç o de Nascimento atrav s da perspectiva de Jurema Werneck (2008),
encarna uma utopia que n o s rejeita as manifestaç es terroristas da vida p stuma da
escravid o, mas tamb m atua iza pr ticas sociais que prefiguram um outro mundo t o
necess rio. A figura da Ia od simbo iza a pr tica cu tura e po tica de mulheres negras
que precedem o per odo da escravid o ao mesmo tempo em que se mant m no
presente atrav s de tradiç es orais e corporais constantemente reinventadas. De
acordo com Werneck : , as Ia od s,

podem ser vistas em comunidades negras onde mulheres, assumindo


iderança ou pap is de responsabi idade co etivos, desenvo vem aç es
nas quais um futuro afirmado para todos aque es subordinados a e as.
Isso ocorre nas utas para me horar as condiç es materiais do povo e no
desenvolvimento de comportamentos e atividades que almejam
recuperar a pertin ncia e re ev ncia contempor nea de uma
perspectiva imaterial.

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O qui ombismo das Ia od s, assim, fruto e exemp o de a ternativas futuristas


de sociabi idade e estrat gias po ticas que as pessoas escravizadas elaboraram, tanto
para vo tar a frica de fato ou imaginativamente , quanto para reinventar novas
onto ogias e geografias sociais. Novas a ternativas tiveram de ser recriadas e
ap icadas, prop e Werneck : , no sentido de buscar novos patamares de
exist ncia cu tura e resist ncia. Ao mesmo tempo, padr es antigos e tradiç es tiveram
de ser recriadas e adaptadas a essas condiç es adversas, tanto na frica quanto nesses
novos territ rios.
Podemos ref etir sobre as Ia od s de Werneck e as an ises dos hier g ifos da
carne de Spi ers como enraizadas na futuridade de tradiç es negras mutantes, abrindo
possibi idades abo icionistas e ut picas. E as reconhecem a necessidade de novos
patamares de exist ncia cu tura e resist ncia. Por que? N o s para opor e destruir as
bases onto gicas e sociais do comp exo instituciona da escravid o e sua vida p stuma,
mas tamb m para mo dar um outro mundo. O mundo ocidenta moderno o mundo da
antinegritude, do genoc dio, do terror sexua , e do estupro da mulher negra. Spillers
: , e hooks , por exemp o, reconhecem que a negritude e o g nero
est o sempre em tens o e reformu aç o. Noç es e pr ticas de mascu inidade e
femininidade s o sempre prob em ticas no universo das pessoas negras, sempre em
excesso ou em d ficit; sempre em antagonismo com re aç o s imagens contro adoras
COLLINS, . Mas h tamb m nesse terreno onde a negritude e o g nero se cruzam
o potencia de vis es futuristas e rea izaç es insurgentes. Estudos de pr ticas queer
negras apontam para essas vis es e pr ticas insurgentes, que n o s negam a
constituiç o onto gica do mundo presentemente constitu do, mas tamb m
reconfiguram as "monstruosidades" --- como s o vistas as performances de g nero
negras (SPILLERS, 2003: 229) -- e as apresentam como bases simb icas de um outro
mundo, um "transexual real" (SNORTON, 2017: 175).
Para concluir esse ensaio, gostaria de refletir brevemente sobre esse outro
mundo, um mundo da anti-antinegritude, de acordo com o g nero e a sexua idade, que
s o categorias centrais n o s da an ise de F auzina e Pires, mas tamb m dos
feminismos negros transcendentais -- transexuais, transg neros, e transfigurativos --
que requerem um outro mundo.

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Mais especificamente, dentro dessa perspectiva quilombista, abolicionista, e


ut pica das Ia od s, gostaria de ref etir na necessidade de reconfigurar e abo ir o g nero
como aspecto centra da reconfiguraç o e abo iç o desse mundo antinegro. Sim, temos
traba ho pragm tico a fazer, de m o na massa, urgente, o qual requer que apliquemos
todos os meios poss veis para dar um fim a esse genoc dio e terror sexua
mu tifacetados em curso. Por considerar fundamenta a correç o que F auzina e Pires
prop em -- a correç o de formatar a discuss o do genoc dio atrav s de um
entendimento comp exo das din micas de g nero que produzem o terror sexua e o
estupro da mulher negra -- considero tamb m essencia que evemos at os seus imites
gicos as cr ticas mais profundas dos feminismos negros. Temos de nos desvenci har
das limitaç es mascu inistas e cisheteropatriarcais normativas que nos impedem
compreender a profundidade e ubiquidade do genoc dio e de suas facetas constitutivas
do g nero e da sexua idade, as quais tornam mu heres negras e pessoas transexuais
negras paradigmaticamente n o estupr veis e n o mat veis, e, portanto, estupradas e
mortas desproporcional e continuamente.
Ademais, na cr tica contundente do g nero e da sexua idade, e principa mente
nas teorias queer negras, como emerge por exemplo nos ensaios de Cathy Cohen
e M. Jacqui A exander , que insistem no car ter eminentemente po tico e
potencia mente transformador desses edif cios te ricos, reside, ainda abafado, uma
chamada ut pica. Uma chamada cuja frequ ncia enfraquecida pe as pr ticas sociais
normativas, indubitave mente mais potentes simbo icamente. Essa chamada para que
percebamos e nos desprendamos de categorias normativas que, de fato, s o a base do
terror da antinegritude. Em outras palavras, o que perdemos se explodirmos as
categorias de g nero e sexua idade vigentes? O que nos prende a performances
normativas de masculinidades (quase sempre destrutivas e limitadas afetiva e
inte ectua mente e feminidades quase sempre subordinadas a n o ser uma promessa
ef mera e imposs ve de ser realizada para pessoas negras, qual seja, a promessa de
inc us o e reconhecimento enquanto pessoa humana? Se evarmos a s rio a proposiç o
que a pessoa negra permanentemente negada o g nero normativo em um oceano
infinito de vio ncia e do terror, o que h para ser resgatado desse universo do g nero?
Ta vez mais importante, o que nos impede de tornar habitua a pr tica hist rica e
contempor nea negra de transformar opress es -- no caso categorias de g nero

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normativas imposs veis de serem p enamente rea izadas por pessoas negras -- em bases
de possibi idades transformadoras? O que nos impede de exp orar os hier g ifos da
carne para inventar novas moda idades de ser, e n o para adaptar ou reproduzir o que
j est dispon ve ? O que nos impede de exercitar, ao menos simbo icamente, uma vis o
de g nero n o como fixo e compu s rio, mas como necessariamente em movimento e
indefinido, e ta vez at como desnecess rio?
Me parece que a cr tica do genoc dio a partir do terror sexua e do estupro
requer que, concomitante ao traba ho pragm tico de organizaç o po tica, imaginemos
uma outra humanidade, uma humanidade independente e ivre das normas de g nero
dominantes, e, portanto, uma humanidade que n o depende da exc us o de pessoas
negras, as quais, nesse mundo, est o inevitave mente sempre aqu m ou a m dessas
normas -- e por isso tamb m sempre sujeitas ao terror antinegro. Esse traba ho da
imaginaç o transcendenta tem de informar a uta pragm tica, e vice-versa. Do
contr rio reproduzimos o que a imenta o genoc dio e o terror sexua . O projeto ut pico
de abo iç o qui ombista das Ia od s requer uma reformu aç o necess ria de como nos
entendemos como pessoas em sociedade. J que o aparato epistemo gico e o
inconsciente co etivo FANON, que comparti hamos s o de fato os alicerces do
mundo que habitamos, do mundo moderno, ent o a tarefa t o evidente quanto e a
vasta. Imaginar um mundo sem g nero, como Haraway : - prop e,
exatamente o que os hier g ifos da carne prefiguram. Imaginar um mundo sem a
antinegritude, que a grande m quina que produz a morte socia e f sica, significa ta vez
imaginar um mundo sem g nese, e ta vez um mundo sem fim. Como sugere Sy via
Wynter MCKITTRICK, , para que a express o pessoa negra n o seja um oximoro,
necess rio que rompamos a correspond ncia normativa entre o Homem e a
Humanidade. O qui ombismo ut pico informado pe as pr ticas futuristas das Ia od s
sugere a abo iç o da tota idade desse mundo socia , e nos força a imaginar um outro
mundo.
Notas
1
Doutor em Antropo ogia pe a Universidade da Ca if rnia em San Diego; Professor da Universidade da
Ca if rnia em Riverside.
2
preciso que reconheçamos que F auzina e Pires n o defendem a minha interpretaç o de seu texto,
principalmente como eu o relaciono ao conceito da antinegritude -- esse ensaio de minha
responsabilidade exclusiva.
3
Todas as traduç es s o do autor.

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4
Os ensaios autobiogr ficos de E dridge C eaver, um dos deres do Partido das Panteras Negras, abrem
uma janela para esses padr es de terror sexua perpetrado por homens negros. C eaver
descreve como que estuprou mulheres negras como "treinamento" para estuprar mulheres brancas.

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