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PECADO E CASTIGO NO CONTO SAPATINHOS VERMELHOS

Adriane Pereira Dantas (UFS)

1 Introdução

A partir dos anos cinqüenta, com o advento da psicanálise, vê-se surgir o

processo de remitologização na literatura quando se iniciaram as interpretações dos

processos psíquicos relacionados ao mito. Alguns mitos e símbolos relacionam-se

com a transição infância-adolescência, o amadurecimento físico-psíquico, a

experiência da vida e da morte como um ciclo natural da vida.

Este trabalho procura analisar a conotação mítico-simbólica presente no conto

Sapatinhos Vermelhos, ou Os Sapatos Vermelhos, do dinamarquês Hans Christian

Andersen. No intuito de revelar assuntos ligados a desejo, morte, violência, ritos de

passagem, miséria e dor. Far-se-á uma relação das metáforas e encenações

presentes no conto com base na comparação de alguns símbolos estudados por

Jung. Relacionando a dança da personagem principal ao ritual da deusa hinduísta

Kali (KEMPTON, 2009) buscar-se-á ressaltar a relação entre caos, morte e o

despertar. Apoiado nos estudos do mito (CAMPBELL, 1990), da psicanálise dos

contos de fadas (BETTELHEIM, 2010) e de Nelly Novaes Coelho (2003), a qual,

criativamente expõe ideias arquetípicas do ser humano, veremos que os contos de

fadas transportam o leitor a um mundo mágico, um universo irreal paralelo ao real.

O conto Os Sapatinhos Vermelhos narra a história de uma menina pobre,

“bonitinha e delicada” que andava descalça pela floresta. Karen, como era chamada,

tinha obsessão por sapatos vermelhos e por causa deles seu mundo entra em

confusão. O conto retrata os costumes da sociedade da época e a influência do

pensamento religioso, no que diz respeito à renúncia e a mortificação do ego.


Diferente dos Contos de Fadas tradicionais que trazem esperanças para o futuro e

sempre termina em final feliz, essa história quebra de certa forma esse

tradicionalismo ao trazer temas como liberdade-opressão, desejo-castigo e um final

típico dos mitos.

2 O CONTO OS SAPATOS VERMELHOS

Ao levar-se em conta que “a maioria dos contos de fadas se originou em

períodos em que a religião era uma parte muito importante na vida” (BETTELHEIM,

2010, p. 22), Andersen não se diferencia de qualquer outro autor no contexto de sua

época. Como analisa Coelho, Andersen estava “sintonizado com os ideais

românticos de exaltação da sensibilidade, da fé cristã, dos valores populares, dos

ideais de fraternidade e da generosidade humana” (2003, p. 24).

Karen, personagem principal é uma menina pobre que, após a morte de sua

mãe é adotada por uma senhora rica. Ela consegue um sapato novo vermelho

brilhante e na sua crisma inaugura seu objeto de desejo, mas encantada pela beleza

e poder de sedução que ele desperta, ela não presta atenção em mais nada ao seu

redor. Na igreja há um velho soldado de muletas que sugestiona sobre seus sapatos

e, após isso, eles começam a dançar involuntariamente até um dia o qual ele dança

sem mais parar, e, grudado aos seus pés, deixa a personagem em frangalhos, a

qual, no desespero, por não conseguir tirá-los, pede ao carrasco da aldeia para

decepar os próprios pés.

Após, ela se vê só, sem mãe e sem tutora. Para sobreviver ela vai trabalhar

de faxineira na igreja, ao fim, ela morre no seu quarto após um encontro epifânico

com Deus. Ao escrever Os Sapatos Vermelhos, Andersen fala de um pecado e um

castigo, fala de um objeto de desejo e de uma maldição por conta de seu uso
proibido: dançar sem parar para sempre. Para escapar desse fim tem-se um

impasse e uma decisão drástica: decepar os próprios pés. Segundo Riscado (2005),

vê-se que:

“A identificação dos defeitos da sociedade desempenha um papel


importante nos contos de Andersen e ele não se exime a uma revelação
que decorre em grande parte, da sua experiência de vida; colocada no meio
de dois lugares e de dois meios sociais incompatíveis, não raras vezes, a
personagem anderseniana (tal como o próprio autor) fica separada de todos
para sempre, carente de afetos, de reconhecimento, marcada pela solidão”
(p.17)

2.1 A simbologia em Os Sapatos Vermelhos

A ênfase dada ao vermelho no conto se estende desde o título ao longo da

narrativa. O vermelho, segundo o Dicionário de Símbolos é a cor da alma, é o

símbolo das pulsões sexuais, da vida e da morte, da libido e dos instintos

passionais. Para Chevalier, “o vermelho se torna perigoso como símbolo de poder,

se não é controlado; leva ao egoísmo, ao ódio, à paixão cega, ao amor infernal”

(1996, p.946), pois, a fascinação por essa cor leva aos impulsos humanos mais

profundos, seja da paixão e libertação à opressão.

Quando a menina ganha um par de sapatos vermelhos, uma nova postura

diante da vida está estabelecida, já que antigamente o calçado era um símbolo de

liberdade, pode-se entender o fato de Karen não usar sapatos (em Roma os

escravos andavam descalços) enquanto estava sob o jugo materno. Segundo

Chevalier, “o calçado é o signo de que um homem pertence a si mesmo, de que se

basta a si próprio e é responsável por seus atos”. (1996, p.165). Os sapatos

representam dessa forma, a emancipação da garota e o símbolo de afirmação

social.
Vê-se também que em certas culturas camponesas era comum na idade

média presentear com algum objeto vermelho a menina que menstruasse pela

primeira vez, dessa forma, esse calçado representa também o nascer do

amadurecimento sexual. Quando Karen experimenta esse fascínio sua obsessão vai

relacionar-se ao mito grego de Perséfone, que provou da romã, fruto sagrado

proibido pelos iniciados, “símbolo da fecundidade que leva em si a faculdade de

fazer descer as almas à carne” (CHEVALIER, 1996, p. 788).

Esse objeto vermelho vai instigar toda a trama. Essa é a cor que simboliza as

emoções violentas, incluindo as sexuais, portanto, percebe-se, ao interpretar os

símbolos dessa história que a personagem passa por uma confusão de sensações

ao ser agredida por não saber lidar com os impulsos sexuais e nem tomar decisões.

O fetichismo é um valor presente na história, porque a menina utiliza-se desse

sapato para chamar a atenção. Conforme Latour, o fetiche é o valor irreal e

supersticioso que alguém dá a um objeto, a palavra “fetichismo” agrega a palavra

latina “fatum”, que conota “destino”, palavra que dá origem ao substantivo fada (fée),

como adjetivo, na expressão objeto-encantado (objet-fée). (2002, p.17). Quando

essa menina usa esse objeto é como se explorasse uma nova persona escondida,

ou mesmo, nascida dentro dela. O fetichismo tem conotação sexual, é um objeto

parcial e não representa quem está por trás dele mostrando uma existência limitada

ao ciclo auto-devorador do desejo de ser-conhecer e da busca da auto-satisfação.

Um exemplo de fetichismo (poder que alguém dá a um objeto) é representado

no conto: quando é adotada por uma senhora rica, Karen pensa que chamou a

atenção da mulher não pela situação de órfã, mas sim, pelos sapatos que usava. O

objeto de desejo, o par de sapatos vermelhos, pela própria cor encarna o motivo do

pecado. Sapatos é um símbolo de identificação sexual, ou mesmo, do desejo sexual


despertado pelo pé, haja vista alguns psicanalistas como Freud ou Jung, o

consideram um símbolo fálico. O sapato seria um símbolo feminino que se adapta

aos pés, porque “um receptáculo minúsculo no qual alguma parte do corpo pode

penetrar e se ajustar firmemente pode ser visto como um símbolo da vagina”

(BETTELHEIM, 2010, p. 359).

Ao acreditar e valorizar objetos mágicos Karen torna-se desobediente a

senhora que a proibia de usá-los e dava sempre um jeitinho de calçá-los, mostrando

sua obstinação pelo poder de sedução que eles causavam. Desse jeito, quando ela

os calça, expõe sua verdadeira persona, vive um momento de contradição entre a

descoberta dos impulsos sexuais e os valores cristãos de recato e pureza. Observa-

se essa situação na crisma - considerada um sacramento, uma ‘Confirmação’

(espécie de ratificação do Batismo), no qual o Espírito Santo concede forças

necessárias para continuar exercitando a fé vencendo os obstáculos cotidianos e a

purificação espiritual (eis um exemplo típico de um ritual iniciático) - Karen não se

mostra de fato fazendo parte desse rito sagrado porque não presta atenção em nada

a seu redor a não ser nos seus brilhosos sapatos vermelhos.

“Toda a gente olhava para os pés dela. Quando ela atravessou a igreja,
para ir ao coro, pareceu-lhe que até os velhos retratos coloridos nas
sepulturas – retratos de sacerdotes e de suas esposas, com golas e trajes
pretos – não despregavam os olhos dos seus sapatos vermelhos. E só nos
sapatos ela pensava, quando o padre lhe pôs a mão na cabeça e, falando
do sagrado batismo, e da aliança com Deus, disse que, dali por diante,
depois do crisma, ela seria uma pessoa adulta. O órgão soava, solene, as
vozes das crianças elevavam-se, no coro, juntamente com a do velho cantor
da igreja, mas Karen só pensava nos sapatos vermelhos. (ANDERSEN,
2002, p.333)

O velho soldado que aparece no conto, dá um sinal da falta de senso e

heresia da menina quando especifica que aqueles sapatos são na verdade, “lindos

sapatos de baile”. Batendo-lhe o solado, é ele quem dá ordem aos sapatos para
ficarem firmes nos pés quando dançarem. Quando Karen executa alguns passos de

dança, como que insinuando a beleza e a serventia dos sapatos vermelhos, estes

obedecem à vontade da garota e do soldado e dança até por conta própria,

demonstrando seu auto-poder o qual fugia do controle de todos. Nota-se, ao analisar

as muletas, a idade, o significado da barba e do vermelho que o soldado é a

retratação do homem vivido e maturo sexualmente, do homem malicioso, decaído e

perigoso que está à margem da sociedade, que estimula os sentidos de Karen e

explora nela os desejos do sexo.

O ego exacerbado a conduz aos lugares mais longe de sua alma, os sapatos

vermelhos tomam vida em seus pés e conduz-lhe noite e dia por caminhos

sombrios. Eles percorrem desde a floresta escura (representação do inconsciente)

até a igreja (representação da esposa imaculada de Cristo), a qual Karen não se

assemelha.

2.2. A representação da dança com os mitos hinduístas - A deusa Kali

Conforme ensina a doutrina hinduísta, devido à ignorância, o espírito humano

sempre esteve envolvido numa relação ilusória com a experiência psicomental, a

vida e a matéria. Entretanto, somente os atos que tem por objetivo o sacrifício não

acorrentam, sendo preciso isolar-se do mundo desapegando-se dos bens e das

ambições para libertar-se dessa ignorância confusa “entre o imóvel e o eterno ‘eu

quero’, ‘eu odeio’, ‘eu conheço’, e pensar que esse ‘eu’ se relaciona ao espírito é

viver na ilusão e prolongá-la”. (ELIADE, 1979, p. 71).

Para Campbell, “existem deuses da violência, existem deuses da compaixão,

existem deuses que unem os dois mundos, o visível e o invisível”, os quais, nada
mais são do que “personificações da energia posta em jogo” (p. 216). Na mitologia

hinduísta o deus da morte é o senhor da dança e ao mesmo tempo o senhor do

sexo. Dessa forma, a dança de Karen pode ser comparada esses mitos que

representam imagens arquetípicas do inconsciente humano.

Eles personificam qualidades de dentro de todos nós e que acessamos nos


momentos primais: por exemplo, mães no parto, amantes em êxtase,
soldados em batalha. Deidades são arquétipos de forças maiores,
transpessoais, forças que podem não ser acessíveis facilmente por nós
porque vivemos embebidos pela nossa psique. (KEMPTON, 2009, p. 60)

Nesse contexto hinduísta, Kali é deusa do desejo e da morte, paradoxo entre

positivo e negativo, ela aniquila as forças demoníacas e traz equilíbrio ao mundo

transformando o universo por meio de sua dança. Sua característica é transformar

por meio do movimento, muito importante na manutenção do universo. Através do

caos da guerra ela executa essa dança totalmente selvagem e fora de controle que

recria o mundo personificando a força da destruição e da sabedoria que põe fim às

ilusões.

Essa divindade é uma guerreira que manifesta a sexualidade na forma mais

atuante e primitiva, pois, seus instintos estão acima da condição de deusa. A dança

realizada é como um ritual que visa eliminar o egocentrismo preparando a pessoa

para alcançar a maturidade, a individuação, como diz Jung, e, o respeito dos que a

cercam. Karen precisou dançar muito até destruir suas ilusões libertando-se da

escravidão que seus sapatos a submeteu despojando-se da ignorância, de seu ego,

transformando seu mundo.

A simbologia característica de Kali fala da destruição e da morte do ego, do

apego e das ilusões que geram sofrimento. Karen prova desse prazer, fruto dos

desejos egoístas que a querem destruir. Quando os sapatos conduzem Karen em

uma dança desenfreada na floresta, ela não se apresenta muito diferente da


aparência da deusa, despenteada, com a língua para fora, assustada e

ensangüentada. O culto as deusas estão intrinsecamente ligado aos corpos

femininos e às mutações naturais da mulher, portanto, Karen, que está passando

por uma fase de mudanças físicas e psíquicas, executa essa dança a fim de

transformar seu mundo reorganizando-o.

Depois que Karen tenta restabelecer seu universo, fica sem os pés e são lhes

dado muletas. O Dicionário de Símbolos cita muletas no sentido de auxílio e apoio.

Assim, esse objeto revela uma fraqueza do indivíduo porque o sentido do pé, além

da conotação sexual é visto também como símbolo da alma, e um problema no

mesmo poderia ser a marca exterior de um problema espiritual.

“No entanto, a muleta pode ter também um sentido positivo: é aquilo que
nos ajuda a avançar, símbolo da vontade que se proíbe aceitar determinada
situação sem procurar modificá-la; símbolo, também, da fé (pensemos nas
muletas abandonadas pelo enfermo do Evangelho, no momento em que se
realiza o milagre); em suma, da luz espiritual que guia os passos vacilantes
ou compensa uma deficiência física”. (CHEVALIER, 1996, p. 624)

A base dos ensinamentos hinduístas mais profundos é sobre a ilusão da

existência. O homem vive em um mundo de ilusões que só pode ser quebrado

quando este desperta, obtendo a liberdade absoluta conquistada à custa de uma

negação total da vida e da personalidade humana que poderá fazê-lo alcançar o

nirvana, através de práticas específicas.

O homem que sacrifica os seus desejos e as suas obras ao Ser de que


procedem os princípios de todas as coisas e por quem o universo foi
formado, obtém por esse sacrifício a perfeição. Porque aquele que encontra
em si mesmo a sua felicidade, sua alegria, e, em si mesmo também, sua
alegria, e, em si mesmo também, a sua luz, identifica-se com Deus. Ora,
sabei-o a alma que encontrou Deus libertou-se do renascimento e da morte,
da velhice e da dor, e bebe a água da imortalidade. (SCHURÉ, 1986, p. 11)
A culpa persegue Karen até o momento em que ela se arrepende do fundo do

coração, é daí que de fato começa a regeneração. O conto termina de um modo

mágico, quando a garota na tristeza e na ânsia de estar mais perto de Deus clama

por sua ajuda, o qual de uma forma surpreendente aparece num clarão de luz solar

na forma de um anjo. Essa luz é o símbolo do conhecimento, da vida, da salvação e

da felicidade. Esse ser celeste de roupas brancas representa a morte e o

renascimento, porque o branco é a cor dos ritos de passagem, as quais, segundo

Chevalier representa as mutações do ser, “é a cor da revelação, da graça, da

transfiguração que deslumbra e desperta o entendimento ao mesmo tempo em o

ultrapassa: é a cor da teofania (manifestação de Deus)”. (1996, p.144). O anjo

também segura um ramo verde cheio de flores. O ramo simboliza a homenagem

prestada ao vencedor e a vitória que este obteve sobre o pecado assegurando a

salvação eterna e a vitória da vida e do amor. O verde associa-se ao branco para

“qualificar a Epifania e as virtudes cristãs, a justiça do verde vindo completar a

inocência do branco”. (1996, p. 940). Essa cor relaciona-se também ao

desencadear da vida que parte do vermelho e desabrocha no verde, mostrando

assim a trajetória de Karen, implícita no conto. Enfim, o anjo ‘transporta’ Karen do

quarto para a igreja a escutar o som do órgão e todos contentes a cumprimentam

quando chega. Essa última cena traz um ambiente tipico da epifania, pois a luz do

sol entra no coração da menina fazendo-a sentir grande alegria e paz, e, misturado

com o coro das crianças que cantavam e com os raios solares que entravam pela

janela da igreja ela voa para Deus. Para Eliade (1979, p. 72), “quando na hora da

morte o espírito abandona o corpo, está completamente liberto”.

Assim, segundo a filosofia hinduísta, Karen, nessa última cena encontra o

Nirvana, a sabedoria última, “a desaparição de todas as ilusões; é o domínio

completo do espírito sobre a matéria. Quietação. É o repouso da verdade eterna”


(SCHURÉ, 1986, p.11). Nos antigos cultos à Deusa, a morte era considerada como

parte do sagrado, como parte do ciclo da vida que transforma o corpo e a mente

lentamente. Nessas religiões mais antigas como o budismo, o shivaísmo e o

hinduísmo, a Deusa-Mãe não era apenas boa, dando amor e acalentando os filhos,

era também cruel, dava a vida, mas também tinha o direito de tirá-la, de transformá-

la, de tomá-la de volta para si, porque a doença ou a morte, não era assimilada

como erros ou punições, mas era parte da existência e o feminino representava o

pólo da vida e da morte.

Para Jung o homem sempre lida com a vida e a morte da consciência

comum, o qual dá lugar ao surgimento de uma consciência superior, que, apesar do

confronto com a sombra (parte negativa da personalidade, que seria a soma das

funções mal desenvolvidas dos conteúdos do inconsciente pessoal) vai projetar a

sua individuação. Karen começa uma guerra a partir do momento que se confronta

com a sombra. Seus sapatinhos vermelhos a levaram para a morada de Kali, dentro

da floresta sombria (o inconsciente), ela enfrenta seus demônios, símbolos do ego e

da ignorância. Liberta-se, quando renuncia os desejos egoístas e viciosos,

simbolizados também pela espada de Kali, a qual ela conquista o conhecimento e a

liberação dos desejos, pois a espada simboliza o aniquilamento da obscuridade e da

ignorância buscando conectar-se com as formas de graça.

Quando você experimenta seu deus como forma, há a sua mente, que
contempla, e há o deus. Há um sujeito e um objeto. Mas o objetivo místico
final é unir-se a deus. Com isso, a dualidade é superada e as formas
desaparecem. Não há ninguém, nem deus, nem você. Sua mente,
ultrapassando todos os conceitos, dissolveu-se na identificação com o
fundamento de seu próprio ser, porque aquilo a que se refere a imagem
metafórica de seu deus é o mistério último do seu próprio ser, o qual é
também o mistério do ser do mundo.(CAMPBELL, 1990, p. 220)
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse conto expressa um conteúdo de fundo moralizante, capaz de expressar

a mentalidade da sociedade cristã da época. Desejos, jogos, sedução, sexualidade,

curiosidade, ambição, violência, castigo, fetichismo, a vaidade, a desobediência e o

perigo das descobertas sexuais são retratados no conto de forma a restabelecer a

ligação entre consciente e inconsciente associados ao mundo mítico-simbólico.

A narrativa traz uma personagem feminina na sua puberdade, que faz lembrar

lembrar a espontaneidade, a vitalidade e a alegria, mas essas peculiaridades só

duram enquanto ela não transgride as regras, depois se seguem sentimentos de

medo, tristeza e morte. A leitura mítico-simbólica revela que os Contos de Fadas

estão impregnados de simbologias e mitos antigos que remete o ser humano aos

processos mais profundos do inconsciente. Esses contos se diferenciam do mito

porque a característica deles é um final feliz, mesmo se houver situações trágicas,

traz no mínimo, uma mensagem de consolo e redenção. Como no caso de Karen,

quando se arrependeu do fundo do coração viveu um momento de epifania ao ser

transportada para Deus. A menina só conseguiu a felicidade no plano espiritual - é o

retrato da mentalidade punitiva da sociedade da época.

Assim, o conto traz a temática da morte como algo positivo, pois se revela

como libertadora dos sofrimentos e das preocupações, ela é um morrer para um

novo nascer, representa o amadurecimento da consciência. A morte não é um fim

em si, significa a transcendência da vida para um novo patamar de consciência.


6 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDERSEN, Hans C. Contos de Andersen. 7 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 24. ed. São Paulo: Paz e Terra,

2010.

CAMPBELL, Joseph. O poder do mito com Bill Moyers. São Paulo: Palas Athena, 1990.

CHEVALIER, Jean e GHERBERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. Trad. Vera da Costa

e Silva (et all), 10ª ed. São Paulo, José Olympio, 1996.

COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas: símbolos mitos arquétipos. São Paulo: DCL,

2003.

ELIADE, Mircea. História das Crenças e das Idéias Religiosas: De Gautama Buda ao Triunfo

do Cristianismo. Tomo II. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

JUNG, C. G. O homem e seus símbolos. Tradução de Maria Lúcia Pinho. Rio de Janeiro:

Nova Fronteira, 1993.

KEMPTON, Sally. Como ser feroz. Prana Yoga Journal. São Paulo. Esfera BR Mídia, 2006,

p. 58-62.

LATOUR, Bruno. Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches. São Paulo:

EDUSC, 2002.

RISCADO, Leonor. Hans Christian Andersen – da Dinamarca para o Mundo. O Bloco de

Nautas – XVI Encontro de Literatura para Crianças. Lisboa. F.C.G., 2005, p. 97-107.

SCHURÉ, Édouard. Os Grandes Iniciados: esboço da história secreta das religiões. Livro 2.

São Paulo: Martin Claret, 1986.

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